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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA UFPB PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG DOUTORADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DA ASSOCIAÇÃO PLENA EM REDE DAS INSTITUIÇÕES EDDLA KARINA GOMES PEREIRA TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA: novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido potiguar João Pessoa PB 2016

TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE ECONOMIA … · 2018-09-06 · La valorización del territorio, el medio ambiente y la igualdad de género en la región semiárida,

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG

DOUTORADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

DA ASSOCIAÇÃO PLENA EM REDE DAS INSTITUIÇÕES

EDDLA KARINA GOMES PEREIRA

TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE

ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA:

novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido

potiguar

João Pessoa – PB

2016

EDDLA KARINA GOMES PEREIRA

TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE

ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA:

novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido

potiguar

Tese apresentada ao Colegiado do Doutorado em

Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Associação em Rede

Plena (UFC, UFPI, UFRN, UFPB, UFPE, UFS, UESC) como

requisito para a obtenção do título de Doutora em

Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Orientadora: Profa. Dra. Maristela Andrade de Oliveira

Co-orientadora: Profa. Dra. Alícia Ferreira Gonçalves

João Pessoa – PB

2016

EDDLA KARINA GOMES PEREIRA

TECENDO REDES A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE

ECONOMIA SOLIDÁRIA, FEMINISMO E AGROECOLOGIA:

novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido

potiguar

Tese apresentada ao Colegiado do Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente,

da Associação em Rede Plena (UFC, UFPI, UFRN, UFPB, UFPE, UFS, UESC) como

requisito para a obtenção do título de Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente

aprovada em sessão pública de defesa realizada neste dia.

João Pessoa, 17/10/2016.

________________________________________________

Profa. Dra. Maristela Andrade de Oliveira

UFPB (Orientadora)

________________________________________________

Prof. Dr. Eduardo Viana Rodrigues de Lima

UFPB

________________________________________________

Prof. Dr. Maurício Sardá de Faria

UFPB

________________________________________________

Prof. Dr. Salvador Dal Pozzo Trevisan

UESC

________________________________________________

Prof. Dr. José Nunes da Silva

UFRPE

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Edson e Edna, aos meus

irmãos, Edsthon e Elida, ao meu

sobrinho, Erick Filho, ao meu amor,

Ednaldo Júnior, melhores parceiros de

vida e incansáveis incentivadores! Sem

vocês a caminhada seria mais difícil!

AGRADECIMENTOS

A Deus, pai, professor, referência e apoio, a quem devo gratidão pela saúde e

persistência que me concedeu durante o desenvolvimento da tese;

Aos meus pais, Edson e Edna, minhas fortalezas, grandes exemplos, meus anjos da

guarda, eternos incentivadores, por tudo que renunciaram por mim e pelos meus irmãos,

a quem eu dedico não somente mais esta conquista, mas toda a minha vida;

Aos meus irmãos, Edsthon e Elida, parceiros do mais importante projeto da minha vida:

nossa família! Obrigada por existirem, compartilharem, por terem recheado a minha

vida de histórias tão boas de serem lembradas, das brigas às partilhas!

Ao meu sobrinho e afilhado, Erick Filho, que com 3 meses de vida já deixou a minha

própria vida muito melhor;

Ao meu amor, Ednaldo Júnior, meu familiar por simples opção e pelo desejo de

constituir uma família, muito obrigada por ser um grande companheiro, com quem eu

sempre contei e compartilhei as minhas vitórias e perdas, pela disposição constante em

me ajudar e apoiar nos desafios que só assumi por saber que eu não estaria sozinha;

À Tia Mima e Juju, avôs, avós, tios, tias, primos, primas, sogros, cunhado, cunhadas e

concunhados, amigos e amigas, por tudo que representam na minha vida. Obrigada por

existirem!;

À minha orientadora, Profa. Dra. Maristela, e co-orientadora, Profa. Dra. Alícia, pela

dedicação, empenho, comprometimento, responsabilidade e incentivo. Pessoas que são

e serão grandes referências na minha vida profissional. Obrigada pelas sugestões

certeiras, por expandir meus horizontes, por renunciarem momentos das suas vidas para

enriquecer a minha!;

Aos queridos e queridas companheiras da Rede Xique Xique, pela disposição em

ajudar, pela solidariedade contagiante, pela vida de lutas em favor de uma sociedade

mais justa;

Aos colegas da UFERSA e aos queridos alunos e alunas, obrigada pela compreensão,

pela parceria, pelo encorajamento!;

Aos profs. Maurício Sardá, Gesinaldo, Gustavo, Eduardo, José Nunes, Roberto Brígido,

Raynald e às parceiras da Rede, Cláudia Mota, Fatinha, Liane, pela disposição em

ajudar;

A todos as/os entrevistadas/os e demais pessoas que construíram comigo esta tese;

À Universidade Federal da Paraíba e aos coordenadores, professores, meus colegas de

doutorado e funcionários do PRODEMA, por contribuírem para a obtenção desta

conquista, meus eternos agradecimentos.

Exaltação ao Nordeste

(Luiz Gonzaga)

Eita Nordeste da peste

Mesmo com toda seca

Abandono e solidão,

Talvez pouca gente perceba

Que teu mapa aproximado

Tem forma de coração.

E se dizem que temos pobreza

E atribuem à natureza,

Contra isso, eu digo não.

Na verdade temos fartura

Do petróleo ao algodão

Isso prova que temos riqueza

Embaixo e em cima do chão

Tecendo redes a partir da articulação entre economia solidária, feminismo e

agroecologia: novas perspectivas de desenvolvimento alternativo no semiárido potiguar

RESUMO

A valorização do território, do meio ambiente e da igualdade de gênero no semiárido,

sugere padrões de desenvolvimento alternativos, o que mobilizou pequenos produtores e

organizações para a construção da Rede Xique Xique de Comercialização Solidária. A

proposta dos diversos atores sociais e políticos envolvidos foi criar uma rede que

viabilizasse a comercialização direta dos bens produzidos no semiárido potiguar, a partir

de uma experiência de desenvolvimento que aliasse à Economia Solidária (EcoSol), o

feminismo e a agroecologia, em razão dos compromissos que assumem com a justiça

social. A criação da Rede, porém, passou a articular a formação política e a qualificação

técnica das/os produtoras/es, em parceria com outras redes sociais e com o poder

público. A EcoSol propõe o fortalecimento econômico, social e ambiental das

comunidades, a partir da cooperação e da autogestão do trabalho coletivo, com base na

premissa de que a formação de relações produtivas mais justas, sustentáveis e não

hierarquizadas pode ser uma experiência viável de desenvolvimento alternativo, não

focado no crescimento econômico, mas na geração de bem-estar. Estas perspectivas

também são promovidas pela agroecologia, que defende, ademais, sistemas produtivos

que alie a agricultura à ecologia, bem como pelo feminismo, que percebeu na EcoSol e

na agroecologia estratégias empoderamento das mulheres. Nesse contexto, a indagação

central da presente tese é analisar se a agroecologia, o feminismo e a EcoSol, por meio

da Rede Xique Xique, têm contribuído para fomentar experiências alternativas de

desenvolvimento no semiárido potiguar. O objetivo geral pretendido, pois, é avaliar os

reflexos da EcoSol, aliada à agroecologia, no empoderamento das mulheres do

semiárido potiguar, por meio de experiências de desenvolvimento alternativo

promovidas pela Rede Xique Xique. Quanto à metodologia, trata-se de pesquisa-

participante, com abordagens qualitativas, do tipo descritivo-exploratório, com coleta de

dados via pesquisa de campo e realização de entrevistas semiestruturadas e abertas.

Recorreu-se, ainda, a fontes de informação documental e bibliográfica. Após interações

com organizações parceiras, profissionais da área, consumidores e grupos de mulheres

da Rede, observou-se que a organização das mulheres promovida pela Rede, voltada

para uma formação política feminista, configura uma experiência de desenvolvimento

alternativo, pois se identificaram mudanças nos padrões produtivos e relacionais

femininos, com uma maior valorização do trabalho coletivo e da segurança alimentar,

além também de se perceber a ampliação dos espaços de participação social das

mulheres, face as suas atuações em associações, fóruns, grupos informais. Os membros

da Rede, em regra, não separam a vida do trabalho; lutam por políticas que reconheçam

as potencialidades do semiárido; estão dispostos a se aperfeiçoarem, o que faz da Rede

um relevante apoio tanto na promoção e preservação dos bens ambientais do semiárido

potiguar, como na correção da histórica desigualdade de gênero, sobretudo no meio

rural. Subsistem, porém, os desafios da descontinuidade dos grupos e das políticas

públicas, além da desproporção dos investimentos públicos, fatores decisivos para o

incremento das experiências fomentadas pela Rede e para o cumprimento dos seus

princípios.

Palavras chave: Economia solidária; Semiárido; Rede Xique Xique; Feminismo;

Desenvolvimento Alternativo.

Tejiendo redes desde la relación entre economía solidaria, feminismo y agroecología:

nuevas perspectivas para el desarrollo alternativo en el semiárido potiguar

RESUMEN

La valorización del territorio, el medio ambiente y la igualdad de género en la región

semiárida, sugiere patrones de desarrollo alternativo, que movilizaron a los pequeños

productores y las organizaciones para la construcción de la Rede Xique Xique de

Comercialización Solidaria. La propuesta de los diversos actores sociales y políticos

involucrados es crear una red que haga posible la comercialización directa de los bienes

producidos en el semiárido potiguar, desde una experiencia de desarrollo que alía a la

Economía Solidaria (Ecosol), el feminismo y la agroecología, debido a los compromisos

que lleve a la justicia social. La creación de la Rede, sin embargo, comenzó a articular

la formación política y capacitación técnica de las/os productores/as, en asociación con

otras redes sociales y con el gobierno. La EcoSol propone la potenciación económica,

social y ambiental de las comunidades por la cooperación y la autogestión del trabajo

colectivo, basado en la premisa de que las relaciones de producción más justas,

sostenibles y no jerárquicas pueden ser una experiencia viable de desarrollo alternativo,

ya que no se centra en el crecimiento económico, pero en la generación de bienestar.

Estas perspectivas también son promovidas por la agroecología, que propone sistemas

de producción que combinan la ecología a la agricultura, así como por el feminismo,

que conecta la EcoSol a la agroecología como estrategias de autonomía de las mujeres.

En este contexto, la pregunta central de esta tesis es analizar cómo la agroecología, el

feminismo y la EcoSol, por medio de la Rede Xique Xique, han contribuido para

promover experiencias de desarrollo alternativo en la región semiárida potiguar. Por

tanto, el objetivo general es evaluar los efectos de la EcoSol, junto con la agroecología,

en la potenciación de la autonomía de las mujeres potiguares del semiárido a través de

experiencias de desarrollo alternativo promovidos por la red Xique Xique. Tratase de

una investigación-participante con enfoques cualitativos y descriptivos y exploratorios,

con la recogida de datos a través de la investigación de campo, con la realización de

entrevistas semiestructuradas y abiertas. Además, se utilizan fuentes de información

documental y bibliográfica. Después de interacciones con organizaciones, profesionales,

consumidores y con grupos de mujeres, se observó que la organización de las mujeres

promovidas por la Rede, basada en una formación política feminista, es una experiencia

de desarrollo alternativo, ya que fueran identificados cambios en los patrones

productivos y de relación de las mujeres, con una mayor valorización del trabajo y con

una mayor seguridad alimentaria colectiva, generando la ampliación de los espacios de

participación social de las mujeres, dada su participación en asociaciones, foros, grupos

informales. Los miembros de la Rede no hacen la vida separada de trabajo; luchan por

políticas que reconozcan el potencial de la región semiárida; están dispuestos a mejorar

sus habilidades, lo que hace la Rede un importante apoyo, tanto a la promoción y

preservación de los bienes ambientales potiguar región semiárida, como en la corrección

de la desigualdad de género histórica, sobre todo en las zonas rurales. Sin embargo,

siguen existiendo los problemas de discontinuidad de grupos y de las políticas públicas,

como también la desproporción de los ingresos públicos, factores decisivos para el

aumento de las experiencias promovidas por la Rede y el cumplimiento de sus

principios.

Palabras clave: Economía Solidaria; Semiárido; Rede Xique Xique; Feminismo;

Desarrollo Alternativo.

Weaving networks from the articulation between solidarity economy, feminism and

agroecology: new perspectives of alternative development in the semi-arid potiguar

ABSTRACT

The appreciation of the territory, the environment and gender equality in the semiarid

region suggests alternative development standards, which mobilized small producers

and organizations for the construction of Xique Xique Network for Partnership

Marketing. The proposal of the various social and political actors involved was to create

a network that could make feasible the direct marketing of goods produced in the

semiarid of Rio Grande do Norte from a development experience that would combine to

the Solidarity Economy (Ecosol), the feminism and the agroecology, due to the

commitments that those take to social justice. The creation of the Network, however,

began to articulate the political training and technical qualification of the producers, in

partnership with other social networks and with the government. The ECOSOL

proposes economic, social and environmental empowerment of communities from

cooperation and self-management of collective work, based on the premise that the

training productive relations that are fairer, sustainable and non-hierarchical can be a

viable experience of alternative development, not focused on economic growth, but on

generating well-being. These perspectives are also promoted by the agroecology, which

advocates, in addition, production systems that combine agriculture to ecology, as well

as by the feminism, which perceived the ECOSOL and the agroecology as feminist

strategies of empowerment. In this context, the central question of this thesis is to

analyze the agroecology, the feminism and the ECOSOL through the Xique Xique

Network have contributed to promote alternative development experiences in the

semiarid region of Rio Grande do Norte. The desired overall objective therefore is to

evaluate the effects of the ECOSOL, coupled with agroecology, the empowerment of

women of semiarid region of Rio Grande do Norte through alternative development

experiences promoted by Network Xique Xique. As for the methodology, it is research-

participant with qualitative approaches, descriptive and exploratory, with data collection

through field research with carrying out semi-structured and open interviews. In

addition, sources of documentary and bibliographic information were used. After

interactions with partner organizations, professionals, consumers and network of

women's groups, it was observed that women's organization promoted by the network,

focused on a feminist political formation, set up as an alternative development

experience, as changes on the productive and on the relational female patterns were

identified, with a greater appreciation of collective work and food security, and also to

realize the expansion of spaces for social participation of women, given their roles in

associations, forums, informal groups. Members of the Network, as a rule, do not

separate life from work; they fight for policies that recognize the semiarid region's

potential; They are willing to improve their skills, which make the network an important

support both the promotion and preservation of environmental goods of semiarid region

of Rio Grande do Norte, as in the correction of historical gender inequality, particularly

in rural areas. However, the challenges of discontinuity groups and public policies, and

the disproportion of public investment remain, which are decisive factors for increasing

experiences promoted by the network for complying its principles.

Keywords: Solidarity Economy; semiarid; Xique Xique network; Feminism; Alternative

Development.

Lista de Ilustrações

Figura 1: Mapa político do Estado do Rio Grande do Norte, com destaque para o

município Mossoró.

Figura 2: Projetos apoiados por ano (2003-2010)

Figura 3: Movimentos feministas no mundo apoiados pela MMM.

Figura 4: Distribuição das áreas irrigadas nos municípios brasileiros.

Figura 5: Hidrografia do Rio Grande do Norte

Figura 6: Formação sobre alimentação alternativa e boas práticas de produção de

alimentos.

Figura 7: Mapa dos núcleos da Rede Xique Xique

Figura 8: Mobilizações das mulheres em Mossoró e região

Figura 9: Plantação de hortaliças em Mulunguzinho.

Figura 10: Feira de comercialização na sede da Rede Xique Xique (2013)

Figura 11: Preços e produtos comercializados na Rede

Figura 12: Sede da Rede Xique Xique de Comercialização Solidária (Mossoró, 2014).

Figura 13: Mulheres da Rede Estadual de Mulheres Tecer para Crescer (Bahia) em

intercâmbio na sede da Rede Xique Xique

Figura 14: Organograma da Associação de Comercialização Solidária

Figura 15: Organograma da COOPERXIQUE

Figura 16: Mulheres e o CF8

Figura 17: Sistema de aproveitamento de água do CF8

Figura 18: Sistema Mandalla

Lista de Quadros

Quadro 1: Entidades, projetos e número de pessoas envolvidas na pesquisa empírica

Quadro 2: Critérios para seleção da amostra

Quadro 3: Informações a serem empreendidas na pesquisa

Quadro 4: Organograma administrativo da SENAES

Quadro 5: Distribuição de projetos por ações agregadas (2003-2010)

Quadro 6: Abrangência dos projetos apoiados (2003-2010)

Quadro 7: Sistemas Agroecológicos

Quadro 8: Distribuição de projetos de EcoSol no RN

Quadro 9: Programas desenvolvidos no Rio Grande do Norte que assumem princípios

da EcoSol

Quadro 10: Áreas de atuação dos EES conforme a região em 2010.

Quadro 11: Participação dos EES em redes de produção, comercialização, consumo ou

crédito (2010).

Quadro 12: Confronto entre agricultura ecológica e convencional.

Quadro 13: Projetos produtivos que beneficiaram a Rede Xique Xique.

Quadro 14: A Rede Xique Xique e suas redes sociais

Quadro 15: Relatos das entrevistadas demonstram assimilação de princípios da

agroecologia

Quadro 16: Relatos das entrevistadas demonstram empoderamento das mulheres

Lista de abreviaturas e siglas

AACC: Associação de Apoio às Comunidades do Campo

AACC/RN: Associação de Apoio às Comunidades do Campo/Rio Grande do Norte

ADEC: Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural

ADS: Agência de Desenvolvimento Solidário

APROFAM: Associação dos Produtores/as da Feira Agroecológica de Mossoró

ASA: Articulação Semiárido Brasileiro

CE: Ceará

CEF: Caixa Econômica Federal

CF8: Centro Feminista 8 de Março

CFES/RN: Centro de Formação em Economia Solidária/Rio Grande do Norte

CFES: Centro de Formação em Economia Solidária

CLT: Consolidação das Leis Trabalhistas

CONAB: Companhia Nacional de Abastecimento

COOPES: Coordenadoria de Projetos Especiais

Cooperxique: Cooperativa de Comercialização Solidária Xique Xique

CUT: Central Única de Trabalhadores

EcoSol: Economia Solidária

EEE‟s: Empreendimentos Econômicos Solidários

EES: Empreendimento de Economia Solidária

EJA: Educação de Jovens e Adultos

FBES: Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH: Índice de Desenvolvimento Humano

IDHM: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IRES: Inter-Réseaux de l’Économie Solidaire

LGBT: Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis

MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário

MAG: Cooperativas de Mutua Auto Gestione

MEC: Ministério da Educação

MJ: Ministério da Justiça

MMA: Ministério do Meio Ambiente

MET: Ministério do Trabalho e Emprego

NEATES: Núcleos Estaduais de Assistência Técnica em Economia Solidária

ONG: Organização não governamental

ONU: Organização das Nações Unidas

PDA: Programa de Desenvolvimento de Área

PIB: Produto Interno Bruto

PIB PER CAPTA: Produto Interno Bruto por pessoa

PLANSEQ: Plano Setorial de Qualificação em Economia Solidária

PROART: Programa de Artesanato Potiguar

PROEXT: Programa de Extensão Universitária

PRONACOOP: Programa Nacional de Apoio ao Associativismo e Cooperativismo

Social

PRONASCI: Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

PRONINC: Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares

PT: Partido dos Trabalhadores

Rede: Rede Xique Xique de Comercialização Solidária

RENACI: Rede Nacional de Cooperação Industrial

RESF: Rede Nacional de Economia Feminista e Solidária

RIPESS: Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social e Solidária

RN: Rio Grande do Norte

RS: Rio Grande do Sul

SEBRAE: Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa

SDE: Secretaria de Desenvolvimento Econômico

SEJURN: Secretaria de Justiça do Rio Grande do Norte

SENAES: Secretaria Nacional de Economia Solidária

SPM: Secretaria Nacional de Política para as Mulheres

SETHAS: Secretaria de Turismo, Habitação e Assistência Social

SIES: Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária

UFERSA: Universidade Federal Rural do Semiárido

UNIVENS: Cooperativa Unidas Venceremos

UPV: Universidade do País Basco

Sumário

Introdução ..................................................................................................................... 17

Percurso Metodológico ................................................................................................. 25

Caracterização da área da pesquisa de campo .......................................................... 25

Procedimentos e etapas da pesquisa ........................................................................... 27

1 ECONOMIA SOLIDÁRIA (EcoSol), FEMINISMO E AGROECOLOGIA:

novas bases para um desenvolvimento alternativo .................................................... 32

1.1 Economia solidária: breve conjuntura histórica ................................................. 34

1.1.1 As raízes da EcoSol: primeiras ideias sobre cooperativismo, a ideologia

marxiana e os movimentos sociais do final século XX ........................................... 39

1.1.2 Os frutos das ideias socialistas: a projeção da EcoSol a partir da

formação de redes sociais ........................................................................................ 44

1.2 A EcoSol no Brasil e seu processo de institucionalização ................................... 49

1.2.1 A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES): análise

crítica da institucionalização da EcoSol no Brasil .................................................. 51

1.2.2 O que a SENAES propôs até 2016? ...................................................................... 57

1.3 Breve percurso do movimento feminista no Brasil e no mundo e suas

inter-relações com a agroecologia e com a EcoSol ............................................. 68

1.3.1 Trajetória da institucionalização do fomento à construção de uma Economia

Feminista e Solidária no Brasil ............................................................................... 72

1.3.2 A institucionalização do fomento à construção de uma Economia Feminista

e Solidária no Brasil ................................................................................................ 79

1.3.3 Agroecologia e suas alternativas de geração de renda para o semiárido ............... 83

1.3.3.1 A agroecologia no semiárido potiguar: a incorporação das políticas

agroecológicas entre as/os produtoras/es da Rede Xique Xique ............................. 88

2 TECENDO REDES NO SEMIÁRIDO POTIGUAR: novas perspectivas

para o nordeste brasileiro ............................................................................................ 92

2.1 Novos direcionamentos para o Nordeste brasileiro: em que medida a

EcoSol vem representando uma estratégia de desenvolvimento

alternativo para o semiárido? .............................................................................. 93

2.1.1 Políticas públicas do Rio Grande do Norte e a EcoSol ......................................... 96

2.1.2 As redes como novo paradigma para compreender a dinâmica social ................104

2.1.3 A formação das redes produtivas de economia solidária no

nordeste brasileiro ................................................................................................. 106

2.2 A mudança de perspectiva das políticas públicas para o campo ..................... 111

2.2.1 A agroecologia, suas interações com os grupos de mulheres do

semiárido potiguar e a Rede Xique Xique ............................................................. 116

3 A REDE XIQUE XIQUE E SUAS REDES............................................................129

3.1 As Redes sociais do semiárido potiguar e as ações coletivas em favor

da maior igualdade de gênero no meio rural ........................................................... 132

3.1.1 “Decididas à vencer” e a transformação das mulheres: como nasceu

a ideia da Rede Xique Xique? ............................................................................... 136

3.1.2 Onde a Rede Xique Xique atua e quem viabiliza este trabalho? ......................... 149

3.2 Organograma da Rede Xique Xique ................................................................... 160

3.3 Tecendo a REDE: parcerias e articulações de apoio ......................................... 164

3.3.1 Centro Feminista 8 de Março .............................................................................. 164

3.3.2 Universidade Federal Rural do Semiárido............................................................170

3.3.3 O trabalho da Organização Não Governamental Visão Mundial ........................ 174

3.3.4 O Centro Terra Viva ............................................................................................ 177

3.4 Quais as contribuições do feminismo, da agroecologia e da EcoSol para o

semiárido potiguar? ............................................................................................ 182

Considerações Finais .................................................................................................. 191

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 194

APÊNDICES ............................................................................................................... 207

1 Aprovação do projeto de tese no Comitê de Ética ................................................ 208

2 Artigo publicado em periódico ............................................................................... 209

3 Artigo submetido a periódico –em fase de ajuste para publicação ..................... 210

4 Modelo do termo de consentimento livre e esclarecido ........................................ 211

5 Roteiro de entrevistas .............................................................................................. 213

Introdução

A dinâmica do modo de produção capitalista tem como núcleo gerar mais valia

via exploração da força de trabalho (HARVEY, 1992) e dos recursos naturais.

Historicamente, fomenta relações desiguais fundadas na dominação, na medida em que

organiza a sociedade, a produção, o consumo, a partir de valores individualistas,

patriarcais e economicistas (MARX; ENGELS, 1984), que se difundem na organização

social e refletem negativamente no âmbito da organização familiar e na divisão social e

sexual do trabalho. Os direitos básicos constitucionais inerentes à condição humana,

nesse contexto, têm usufruto reduzido pela falta de oportunidade de acesso à maioria da

população, o que é responsável por estratificar a sociedade em classes, de modo a

estabelecer conflitos sociais imanentes, endógenos ao sistema capitalista. Nessa

conjuntura, a pouca coesão social fragilizam os laços de solidariedade entre os

indivíduos, uma vez que há no coração do sistema uma relação inversamente

proporcional clara: quanto mais acumulação, menos solidariedade e reciprocidade

(GODELIER, 2001).

Esse sistema de hierarquias calcado na conversão do trabalho em instrumento de

opressão, na propriedade privada dos meios de produção, no poder aquisitivo, na

desigualdade a partir do sexo, da raça, da cor, ergueu um ambiente de exclusão social,

no qual as interações humanas estão inteiramente indexadas ao seu valor produtivo.

Para tanto, se associou e se fundiu a outros ideários de poder que lhe foram funcionais

ao longo do tempo, como é o caso das teorias de superioridade racial, o eurocentrismo,

o machismo, que, embora não tenham um fundamento econômico, funcionaram como

elementos auxiliares na montagem desse sistema de dominação. Tal conjuntura produz

reflexos nocivos em todas as sociedades instituídas sob a influência de princípios

capitalistas, já que as classes e, por conseguinte, as pessoas, são definidas pela posição

ocupada no processo de produção a partir da lógica do capital com base em duas

hipóteses: ou elas possuem bens produtivos ou são exploradas (MARX, 1984; 1985).

Essas relações sociais baseadas no individualismo (DUMONT, 1985) fazem

germinar posturas individualistas, que desconsideram a importância de regras basilares

para o convívio social harmônico, tais como, o compromisso desta geração com as

vindouras, a igualdade de acesso a direitos fundamentais, o uso equilibrado dos recursos

naturais, a responsabilidade dos fabricantes sobre resíduos industriais que produzem. A

15

questão, pois, é que as mudanças nas conjunturas sociais após a Revolução Industrial

vêm criando problemas ao convívio humano que não são facilmente resolvidos -

desastres ambientais, pobreza, fome - em nome de um desenvolvimento que, em

verdade, se baseia na exploração do ser humano e da natureza para promover o

crescimento econômico de parcela privilegiada da população mundial, que gera

privações e desigualdade em escala global.

Desde meados do século XVIII crescem progressivamente no mundo

propostas contrárias ao capitalismo industrial, as quais buscam alternativas de

organização econômica comprometida com a dignidade humana, com a qualidade de

vida dos indivíduos, com o respeito à capacidade de resiliência do meio ambiente, tais

como as ideias de novas formas de economia e de relações sociolaborais de Robert

Owen, Saint- Simon e Charles Fourier. Recentemente, novas iniciativas com estas

perspectivas vêm ganhando projeção e ampliando o reconhecimento das capacidades

e liberdades inatas aos indivíduos, sobretudo em ambientes de vulnerabilidade, tal

qual o semiárido brasileiro.

A partir da década de 1960, as crises ambientais ao redor do mundo passaram

a ser a força motriz para um conjunto de questionamentos acerca do modelo de

desenvolvimento proposto pelo modo de produção capitalista. Os movimentos

sociais, como ações das classes em busca de um projeto de mudança social

(TOURAINE, 1977), passaram a promover mobilizações em nível mundial para

questionar a capacidade da tecnologia de resolver as externalidades geradas pela

lógica produtivista, bem como para buscar estratégias de configurações sociais mais

comprometidas com a preservação dos recursos ambientais.

Assim, no Brasil, após o período da ditadura militar, iniciou-se um processo

de reorganização de forças progressistas, especialmente nas décadas de 1980 e 1990.

Buscavam-se modos alternativos de produção e de relações intersubjetivas, tal como a

economia solidária (EcoSol), o que espelha o inconformismo com as regras

econômicas tradicionalmente vigentes. A persistência da miséria e a constante

violação a direitos humanos básicos têm fortalecido a busca por estratégias de

desenvolvimento que gerem a ampliação das oportunidades sociais, políticas e

econômicas, em favor do maior quantitativo possível de indivíduos.

16

Segundo Boaventura Santos (2002), as propostas de um desenvolvimento

alternativo, qualificado pelo fomento às formas não capitalistas de produção e

consumo, se opõem à concentração de recursos e de poder, bem como resistem a

arranjos sociais empobrecidos pela alienação, pelo individualismo e por práticas

exploratórias. As discussões em torno da necessidade de criar condições objetivas

para o usufruto de garantias sociais básicas de modo a expandir a cidadania têm,

inclusive, demandado a criação de fóruns mundiais para o fomento a propostas

contra-hegemônicas de organização social, nas quais assumem destaque a economia

solidária, o feminismo e os grupos de discussão sobre os sistemas agroecológicos de

produção. Ademais, é crescente a noção de pós-desenvolvimento a partir da ideia de

que o conceito de desenvolvimento é uma ideia eurocêntrica, centralizada ainda no

processo de colonização (RADOMSKY, 2006), e que entende a história da

humanidade a partir de uma perspectiva linear, evolucionista e universalizante,

desconsiderando as variáveis conjunturais vividas nos âmbitos econômico, social,

político e cultural.

Fruto de uma conjuntura histórica de dominação, os espaços rurais brasileiros,

particularmente no semiárido da região nordeste, assimilaram valores culturalmente

construídos conforme os padrões morais predominantes, e reproduzem relações

excludentes e patriarcais. As mulheres rurais, em contrapartida, especialmente no

semiárido potiguar, vêm progressivamente demonstrando uma maior disposição em

participar de movimentos sociais que aliam à EcoSol o feminismo, a fim de

contestarem, ao mesmo tempo, as bases sob as quais se sustentam tanto o modo de

produção capitalista, como o androcentrismo.

Neste contexto, a EcoSol, como uma proposta de desenvolvimento alternativo

à lógica capitalista, individualista e hierarquizada (CAILLÉ, 2011), consiste num

movimento contra-hegemômico que propõe a atuação social dos indivíduos (como

produtores, comerciantes e consumidores) a partir de relações mutualísticas,

sobretudo através da formação de cadeias produtivas calcadas na justiça

socioambiental, na produção solidária e autogestionada, bem como na geração de

renda que promove um desenvolvimento que respeita os direitos sociais básicos dos

indivíduos.

Diante destas particularidades, Mance (1999) definiu que para um

empreendimento econômico ser considerado solidário são necessários quatros

critérios:

17

a) que nos empreendimentos não exista nenhum tipo de exploração de trabalho; b)

que se busque preservar o equilíbrio ecológico dos ecossistemas; c) que sejam

compartilhadas significativas parcelas do excedente para a expansão da própria rede;

d) a autodeterminação dos fins e autogestão dos meios, em espírito de cooperação e

colaboração.

Assim, a contradição entre as propostas da EcoSol e o modo de produção

capitalista é clara: a primeira supervaloriza as relações sociais de cooperação,

o fortalecimento do trabalho coletivo, a autogestão, o respeito à capacidade de

resiliência do meio ambiente e tem como foco o incremento da qualidade de vida

humana; o capitalismo, por sua vez, precariza o trabalho, aliena os trabalhadores/as e

gera passivos ambientais significativos para prestigiar o seu único e maior objetivo:

maximizar os lucros.

Como movimento social, a EcoSol se fortaleceu no Brasil a partir do final da

década de 1990 (TODESCHINI, 2003), em razão da mobilização de pastorais, de

trabalhadores desempregados e de sindicatos, que começaram a recuperar e autogerir

empresas falidas e organizar cooperativas de produção como alternativas ao

desemprego. Tais iniciativas vêm gradativamente alcançando adesão social,

sobremaneira por conta do diálogo que passou a manter com outros movimentos

sociais, tais como as articulações com trabalhadores rurais, com os movimentos

quilombolas, com entidades feministas, o que tem contribuído projeção e capilaridade

no seio social. Por conseguinte, a EcoSol vem acumulando cada vez mais a

capacidade de propor ações multifacetadas para enfrentar problemas socioeconômicos

de diversas naturezas, nos âmbitos urbanos e rurais, no semiárido e no litoral, no

norte e sul do país, transformando-se em uma proposta de desenvolvimento

alternativo com potencialidades transversais e polivalentes.

O feminismo, como ideologia e movimento social e político que contesta

padrões patriarcais opressores em favor da igualdade de gênero (CORNELL, 1998),

ganhou projeção a partir da década de 1960, junto com o robustecimento de ações

políticas que contestaram a marginalização e opressão das mulheres, do meio

doméstico ao laboral. As mobilizações feministas iniciadas nos Estados Unidos e

Inglaterra, com a criação do movimento sufragista (pelo direito ao voto feminino),

ressoaram nos países do hemisfério sul, e ganharam robustez após a segunda guerra

mundial, dada a exploração da forma de trabalho feminino neste período. Estas

mobilizações progressivamente fomentaram mudanças socioeconômicas que

18

resultaram num maior respeito aos direitos trabalhistas das mulheres, o que repercutiu

no avanço dos níveis de educação feminina, na diminuição da taxa de fecundidade, no

aumento da expectativa de vida das mulheres e no rearranjo das relações familiares

(SILVA; VARGAS; SPOLLE). Contudo, ainda subsistem reflexos substanciais da

desigualdade de gênero, sobretudo quando se observa que ainda prepondera a ideia de

que as mulheres são mais responsáveis pelo bem-estar da família, quando se observa

que atualmente as mulheres que trabalham na iniciativa privada ainda têm

remuneração inferior à masculina (Organização Internacional do Trabalho, 2016), e

quando se constata a sub-representação das mulheres na política brasileira (Instituto

de Estudos Socioeconômicos, 2014).

Neste contexto, a articulação entre o feminismo e a EcoSol, especialmente no

semiárido potiguar, assumiu o propósito de contribuir para a superação das

desigualdades de gênero na região, por meio da ampliação dos espaços de

participação social das mulheres, sobretudo diante do protagonismo assumido pelas

mulheres nos movimentos sociais rurais. A EcoSol, por vislumbrar as mulheres como

sujeitos econômicos, bem como por estimular relações cooperadas e autogestionadas,

demonstra uma vocação para gerar um desenvolvimento rural local que prestigia a

igualdade de gênero, que favorece uma divisão social e sexual do trabalho mais justa

e que suscita a ampliação de espaços públicos de participação social. Assim, a aliança

entre EcoSol e feminismo favorece a ocupação de lugares “naturalmente” destinados

aos homens, no intuito de maior reconhecimento público das potencialidades

femininas, o que assume repercussões positivas para toda a humanidade.

A fim de conferir apoio às comunidades rurais no semiárido potiguar, redes

sociais foram progressivamente criadas a fim de estimular o agrupamento feminino

como instrumento para o enfrentamento de demandas coletivas. Assim, o Centro

Feminista 8 de Março e o Centro Terra Viva, por exemplo, foram construídos a partir

de demandas em favor de uma maior igualdade na região a partir do enfrentamento da

violência doméstica, da difusão de técnicas que garantam uma maior soberania

alimentar, do estabelecimento de relações não-concorrenciais entre produtores locais,

gerando maior dinamismo das economias locais. Estas articulações têm gerado a

crescente criação de coletivos em diversos espaços e contextos, dos grandes centros

urbanos aos assentamentos de reforma agrária.

Fruto desta conjuntura, a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária,

criada em 2003 para viabilizar a venda direta de produtos do campo, foi instituída no

19

semiárido potiguar, visando retirar os/as trabalhadores/as rurais da dependência de

atravessadores. Ao interagir com entidades do semiárido, acumula em sua trajetória a

luta em favor de formas não-exploratórias de produção e consumo, a defesa de

técnicas de produção que não gerem passivos ambientais, que favoreçam o

empoderamento feminino, entendido por Lisboa (2002) como: 1) Expansão da

capacidade de uma pessoa para realizar escolhas estratégicas em sua vida; 2) Atuação

em contextos onde a capacidade de ação foi anteriormente negada; 3)

Autogerenciamento; 4) Plena cidadania.

A Rede Xique Xique configura-se atualmente como uma entidade de apoio,

formação e mobilização política na defesa de uma maior igualdade de gênero, no

fomento às práticas da EcoSol no semiárido potiguar e no estímulo aos sistemas

agroecológicos de produção. Tal entidade, por esta razão, consiste no principal elo

entre o desenvolvimento desta tese e os seus campos de pesquisa, pois a Rede articula

e participa de várias redes sociais que assumem propostas alternativas de

desenvolvimento na região. As suas propostas ou contrapostas às práticas fomentadas

pelo modo de produção capitalista, porém, já adquiriram relevância em âmbito

nacional e transnacional, o que justifica tal entidade ser eleita como principal fonte de

direcionamento desta tese. O interesse pelo tema em discussão, ademais, decorre do

fato da autora da tese ser docente da Universidade Federal Rural do Semiárido, bem

como em decorrência do seu interesse sobre estudos relacionados às Teorias de

Gênero.

No nordeste brasileiro, a participação ativa da sociedade civil é responsável

pela formação de redes e arranjos sociais que, para Castells (1999, p. 497), são “um

conjunto de nós flexíveis e adaptáveis, interconectados e formados em decorrência de

uma nova morfologia social, que realizam intercâmbios de conhecimentos, causas,

valores, mercadorias”. A constante inovação das suas dimensões e seu caráter

descentralizado finda por modificar “de forma substancial a operação e os resultados

dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura” (CASTELLS, 1999, p.

497).

A formação de redes no semiárido potiguar tem sido responsável pelo

compartilhamento de demandas decorrentes de vários contextos de vulnerabilidade

(seja por ser parte da população da periferia ou rural, por ser mulher, homossexual,

por exemplo). Esta conjuntura vem viabilizando uma maior reunião de grupos

tradicionalmente preteridos para participarem de iniciativas econômicas, políticas e

20

sociais, o que vem contribuindo para democratizar a divisão do poder, da cultura e

dos espaços sociais. O inter- relacionamento entre as redes, entidades e movimentos

sociais, ademais, provocou o poder público a uma mudança de perspectiva em relação

às políticas de geração de renda no semiárido: ao invés de investir em técnicas

emergenciais capazes de minimizar os efeitos das secas, objetivavam-se políticas de

reconhecimento das potencialidades locais, a partir das características geoclimáticas e

das vocações da região.

A região rural do oeste do Rio Grande do Norte é composta por variados

grupos de pescadoras/es, artesãs/ãos e agricultores/as - sendo as/os agricultoras/es o

grupo majoritário na Rede - que trabalham em família e/ou em coligações informais

para a subsistência, comercializando os seus excedentes em feiras e em

redes de comercialização. Conforme Cardoso (1987, p. 56), a agricultura familiar se

caracteriza por quatro critérios: a) o uso estável da terra, seja como proprietário ou

possuidor; b) que o trabalho desenvolvido seja predominantemente familiar, o que

não exclui a mão- de-obra externa, de forma adicional; c) a autossubsistência

combinada à participação em mercados, de forma eventual ou permanente; d)

razoável grau de autonomia na gestão agrícola, nas decisões sobre o que e quando

plantar, como dispor dos excedentes, entre outros.

A partir da década de 1990, diante de movimentos da sociedade civil

organizada e, sobretudo, em razão de compromissos internacionais firmados pelo

Brasil, vem sendo gradativamente estimulado a implantação de sistemas

agroecológicos no país. Tal modelo de produção consiste na aplicação de princípios e

conceitos da ecologia na produção (GLIESSMAN, 2000), visando a sustentabilidade

que provém da diversidade e equilíbrio de plantas, solo, nutrientes, luz solar, umidade

e outros organismos (ALTIERE, 1998). Ademais, os sistemas agroecológicos têm

adquirido progressivamente mais projeção na medida em que os grupos sociais vêm

se conscientizando dos riscos ambientais decorrentes do esgotamento dos processos

de acumulação e concentração de renda, terra e água, que fomentam práticas de

produção e consumo exploratórias, do ponto de vista humano, social e ambiental.

Assim, a sociedade moderna percebe progressivamente a contradição de estar

mais sujeita aos riscos sociais e ambientais decorrentes do uso abusivo dos recursos

naturais, os quais não são convertidos em bem-estar humano, já que os ganhos

econômicos estão substancialmente concentrados por ínfima parcela de países, de

empresas e da população mundial. Nesse sentido, a tese de que a tecnologia é capaz

21

de suprir o exaurimento dos recursos naturais tem, portanto, levantado

questionamentos tendo em vista que não adquiriu a capacidade de minimizar os

efeitos perversos ou as externalidades negativas, gerando diversas crises ambientais

(climáticas, energéticas, alimentares). Esta perspectiva tem chamado a atenção para a

necessidade de práticas sociais calcadas na preservação do meio ambiente, inclusive

no que se refere à salvaguarda de conhecimentos tradicionais, e tem acarretado a

reaproximação de grupos sociais com práticas esquecidas pela sociedade de consumo,

tal como o consumo direto, via feiras livres, o que contribui para a ressignificação das

identidades dos/as trabalhadores/as do campo.

As estratégias que propõem a expansão de práticas agroecológicas vêm se

constituindo, em face do seu caráter político-social e científico, em um movimento

social que paulatinamente ganha adeptos no mundo, principalmente na agricultura

familiar e camponesa na América Latina (ALTIERI, 2000). Grupos produtivos do

semiárido potiguar, ao contar com o apoio de redes sociais que encampam princípios

agroecológicos, têm participado de movimentos políticos em prol de políticas

públicas voltadas para a geração de renda de assentados da reforma agrária,

especialmente a partir das duas últimas décadas, não obstante a massiva presença do

agronegócio.

Conferindo respaldo político às iniciativas desta ordem, a Organização das

Nações Unidas (ONU), na tentativa de reverter o contexto de desigualdade de gênero

vigente em escala mundial, criou, em julho de 2010, a ONU Mulheres. Tal entidade

foi instituída sob um contexto de desigualdade de gênero em escala global, reforçado

quando a ele são agregados outros fatores de discriminação: a mulher, por si, é vítima

de preconceito, mas a negra, homossexual, deficiente, da zona rural, agrega outros

atributos marginalizantes, reforçando a precariedade de determinadas condições

ontológicas de existência (BUTLER, 2010).

Assim, diante das dificuldades das mulheres ascenderem a cargos de chefia;

em razão do desrespeito à equiparação salarial entre homens e mulheres; em face da

violência doméstica; em virtude da necessidade de correção da privação histórica que

as mulheres sofreram em relação ao acesso à educação, ao mercado de trabalho e à

participação política, a ONU Mulheres prescreveu alguns princípios de

empoderamento que devem ser fomentados em nível mundial: 1. Estabelecer

liderança corporativa sensível à igualdade de gênero; 2. Tratar todas as mulheres e

homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a

22

não-discriminação; 3. Garantir a saúde, segurança e bem-estar de todas as mulheres e

homens que trabalham; 4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento

profissional para as mulheres; 5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover

políticas de empoderamento das mulheres através das cadeias de suprimentos e

marketing; 6. Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas à

comunidade e ao ativismo social; 7. Medir, documentar e publicar os progressos das

empresas na promoção da igualdade de gênero. A partir desta proposta de

empoderamento traçada pela ONU, considera-se relevante analisar a articulação entre

a agroecologia e a EcoSol no semiárido potiguar, favorecida pelas organizações

sociais locais, como instrumento capaz de fomentar a realização de práticas

feministas mais inclusivas, especialmente a partir das redes sociais do semiárido

potiguar.

Por sua vez, a projeção de experiências de desenvolvimento calcadas em

novos parâmetros, tais como a EcoSol e a agroecologia, tem potencializado

ambivalências em face do contraponto ao modelo dominante de produção. As

propostas de desenvolvimento alternativo centradas na articulação entre feminismo,

EcoSol e agroecologia, assim, por se contraporem aos padrões capitalistas

hegemônicos vigentes, são mantidos à margem da agenda política do poder público,

que assume a condução de projetos antagônicos – agroecologia e agronegócio - ao

mesmo tempo, mas tem priorizado tradicionalmente agricultura industrial para

exportação, dada a força política e econômica que acumula, o que prejudica a

expansão e ameaça as formas alternativas de produção.

Como consequência, subsistem as tensões decorrentes da contestação à

centralidade do lucro; à relação concorrencial entre trabalhadores/as; à

impossibilidade dos trabalhadores/as participarem dos processos decisórios; à

repartição dos ganhos; às externalidades ambientais decorrentes das técnicas

produtivas; ao protagonismo da força de trabalho masculina.

O Estado, como agente que tem o dever institucional de neutralizar as tensões

oriundas das ambiguidades geradas pelas propostas contra-hegemônicas de

desenvolvimento, passou, entre 2003 e 2015, por fases de maior abertura e

investimentos em políticas públicas de fomento à EcoSol e demais estratégias de

empoderamento humano, social e feminino no semiárido. Tais iniciativas, no entanto,

não chegaram a ser centrais para o poder público, sobretudo pela relação de

dependência estabelecida com práticas capitalistas, bem como em função das

23

condutas políticas vigentes, cite-se como exemplo o financiamento privado de

campanhas eleitorais.

No semiárido potiguar, durante esta fase de maior investimento institucional

em ações políticas alternativas, foi crescente a articulação entre os diversos

movimentos sociais existentes, o que aproximou demandas sociais de diversas ordens,

tais como a EcoSol, a agroecologia e o feminismo.

Como marco empírico desta tese elegeu-se a Rede Xique Xique de

Comercialização Solidária, por assumir como princípios o feminismo, a agroecologia

e a EcoSol; o marco geográfico e territorial é o semiárido potiguar, especialmente a

partir de 2003, marco temporal da tese, ano da criação da SENAES e da Rede Xique

Xique. Nesse sentido, diante do protagonismo das redes sociais na região, a presente

tese propõe-se a analisar o seguinte problema: a agroecologia, o feminismo e a

EcoSol, por meio da Rede Xique Xique, têm contribuído para fomentar experiências

alternativas de desenvolvimento no semiárido potiguar que se traduzem em

empoderamento para as mulheres?

Para tanto, parte-se da seguinte hipótese:

1) a EcoSol, ao fomentar a construção de redes sociais mais comprometidas

com o uso racional dos recursos naturais, configura-se, ao lado do

feminismo e da agroecologia, como uma alternativa de desenvolvimento

economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável,

para o semiárido potiguar.

O objetivo geral desta tese é analisar os efeitos da articulação entre EcoSol,

agroecologia e feminismo no semiárido potiguar, por meio de experiências de

desenvolvimento alternativo promovidas pela Rede Xique Xique. Como objetivos

específicos, pretende-se:

1) Analisar, a partir de uma pesquisa bibliográfica, a conjuntura e os ideais

que fomentaram o desenvolvimento da EcoSol no mundo, seu processo de

institucionalização no Brasil e a sua articulação com o feminismo e com a

agroecologia;

2) Analisar as novas perspectivas políticas institucionais para o semiárido

potiguar;

3) Investigar o processo de formação, estruturação e operacionalização da

Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, com foco nas narrativas

decorrentes dos discursos das mulheres acerca do desenvolvimento

24

alternativo do semiárido potiguar observando questionamentos sobre

igualdade de gênero, sustentabilidade ambiental e técnicas produtivas não

exploratórias.

A tese se inicia com a parte introdutória ao tema, seguida do percurso

metodológico adotado para o seu desenvolvimento. Posteriormente, será realizada

uma análise da EcoSol e seu processo de transformação em política pública no Brasil,

avaliando as suas raízes, o seu processo de institucionalização, por meio da criação da

SENAES, bem como as principais políticas instituídas pela secretaria. Em seguida,

será analisada a organização dos movimentos feministas no Brasil e no mundo, bem

como a sua aliança com a EcoSol e a agroecologia, especialmente no semiárido

potiguar, com foco na identificação da importância desta aproximação para a

promoção de um desenvolvimento mais comprometido com o empoderamento das

mulheres do semiárido. Em continuação, haverá a apresentação do percurso de

construção da Rede Xique Xique, com a apresentação das redes sociais do semiárido

potiguar que fomentam a articulação entre os princípios da EcoSol, com ações

feministas e de defesa da expansão agroecológica no oeste do Estado do Rio Grande

do Norte. Por fim, será realizada uma análise crítica dos resultados da pesquisa de

campo, focada na identificação de ações políticas que respaldem a afirmação de que a

EcoSol, juntamente com o feminismo e a agroeocologia assumem princípios que

propõe um desenvolvimento alternativo, por ser mais comprometido com o bem-estar

humano.

25

Percurso Metodológico

O projeto da tese foi submetido ao crivo do Comitê de Ética da Universidade

Federal da Paraíba em 11/08/2015 (processo CAAE: 48703615.6.0000.5188), tendo

sido aprovado sem recomendações em 22/10/2015 (Parecer n.º 1.292.117). Assim, a

pesquisa que subsidia a construção desta tese está regularmente autorizada para a

realização de entrevistas e diálogos informais com indivíduos, assim como para a

divulgação dos seus conteúdos, resguardado o sigilo da fonte. Para tanto, todas as

pessoas que relataram as suas experiências com o objeto da presente pesquisa

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em anexo a esta tese, mas

mesmo assim tiveram seus nomes resguardados por questões éticas.

O estudo das redes sociais feministas e que propõem a aproximação entre

agroecologia e EcoSol foi eleito como referência nesta tese em razão dos estudos da

autora na área de gênero e da sua atuação como docente na Universidade Federal

Rural do Semiárido (UFERSA), localizada no oeste potiguar. A Rede Xique Xique,

entidade de apoio à identificação dos arranjos sociais da região ocupa centralidade na

tese em face do protagonismo político feminino nesta entidade, que articula

experiências alternativas de desenvolvimento para o semiárido potiguar, a partir de

diretrizes do feminismo, da agroecologia e da EcoSol, em prol de dinamizar a

economia do território semiárido potiguar via venda direta dos bens produzidos por

agricultores/as da região.

A Rede Xique Xique foi criada em 2003, a partir de mobilizações de técnicos

de entidades locais e de trabalhadoras/es rurais, com o propósito inicial de fomentar a

venda dos produtos da agricultura familiar livrando os produtores/as dos

atravessadores. Projeta-se que na atualidade haja o envolvimento de cerca de 600

produtoras(es) com a Rede, o que evidencia uma substancial contribuição para

consolidar uma proposta alternativa de desenvolvimento na região.

Caracterização da área da pesquisa de campo

O município de Mossoró, onde está sediada a Rede Xique Xique, se localiza

no alto oeste do estado do Rio Grande do Norte, que possui uma população estimada,

segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, de

26

259.815 habitantes, distribuídos numa área geográfica de 2.099,333 km², o que

resulta numa densidade demográfica de 123,76 hab/km². O Índice de

Desenvolvimento Humano do Município (IDHM), em 2010, é um dos maiores do

Estado, 0,720.

Figura 1: Mapa político do Estado do Rio Grande do Norte, com destaque

para o município Mossoró.

Fonte: http://www.prefeiturademossoro.com.br/mossoro_geografia.php

A Rede Xique Xique de Comercialização Solidária é constituída por uma

Associação de Comercialização Solidária e por uma Cooperativa, conforme doravante

será exposto. No que tange às suas diretrizes assumidas, na Carta de Princípios da

Rede Xique Xique (REDE, 2004) evidencia-se que esta entidade foi instituída com o

propósito de fomentar uma nova economia, baseada não na competição, mas na

solidariedade. Para tanto, a Rede propõe que os financiamentos, a produção, a

comercialização e o consumo da população do semiárido potiguar devam se distanciar

de todas as formas de exploração do trabalho, incluindo o trabalho infantil e a

desigualdade de gênero; a valorização do trabalho das mulheres e jovens; o manejo

sustentável do solo e da água; a valorização e resgate de culturas e sementes

tradicionais; o controle natural de pragas e doenças das plantas e animais; a

conservação e manejo dos ecossistemas aquáticos; a integração das criações de

animais no sistema de produção familiar; o consumo ético; e a certificação

participativa dos produtos.

27

Procedimentos e etapas da pesquisa

O trabalho de campo foi desenvolvido predominantemente no município de

Mossoró (RN), sobretudo na sede da Rede. Foram, porém, realizadas atividades de

coleta de dados em Recife (PE), João Pessoa (PB), Tibau (RN), Grossos (RN) e

Governador Dix-Sept Rosado (RN), em razão da atuação de profissionais na temática

em discussão, bem como em razão de encontros, fóruns e assembleias promovidas

pela Rede. Além de integrantes e consumidores da Rede, a pesquisa envolveu atores

sociais que colaboraram com a formação da entidade via suporte técnico e/ou político

(como executores e coordenadores de políticas públicas, fundadoras de entidades que

contribuíram para a formação da Rede, coordenadores de projetos e membros de

organizações do semiárido potiguar), como também abrangeu diálogos e entrevistas

com docentes do magistério federal comprometidos com temas abordados na tese.

O período de realização das pesquisas de campo se estendeu de outubro de

2015 a agosto de 2016, com a presença diária na sede da Rede, no período da tarde

(14 às 17 horas), exceto às sextas-feiras, quando a pesquisa era realizada no turno da

manhã, por conta da realização da feira. Existem/existiram vários projetos de pesquisa

e extensão de professores da UFERSA com a Rede Xique Xique, especialmente na

área de Agronomia, e, por esta razão, esta entidade já tinha entrosamento com

docentes da Universidade, o que foi um fator que facilitou o desenvolvimento desta

pesquisa de campo.

Já a pesquisa bibliográfica foi iniciada em março de 2014, estendendo-se até

setembro de 2016.

Esta tese é composta por uma pesquisa de caráter descritivo-analítico, já que

“pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS,

1987), ao tempo em que discute os contextos apresentados. Assim, serão apresentadas

peculiaridades das condições de vida e de trabalho das mulheres no semiárido, bem

como as alternativas que lhe são apresentadas para que busquem uma melhor

qualidade de vida dentro das suas realidades geográfica, política, econômica e social.

Recorreu-se, ainda, às técnicas exploratórias de coletas de dados, pois esta

pesquisa visa conferir ao leitor maior familiaridade com o tema, com vistas a torná-lo

mais explícito (GIL, 2007). Para tanto, será realizada uma análise de fontes

28

secundárias (artigos, livros, revistas, site, legislações), o que resulta no

enquadramento deste estudo como uma pesquisa bibliográfica, além de que se

recorrerá à análise de documentos que estimulam a compreensão do problema, tais

como atas de reuniões, estatutos da COOPERXIQUE e da Associação da Rede, bem

como dos documentos constitutivos das entidades envolvidas.

Para o alcance dos resultados, também se fará uma aproximação etnográfica,

que SPRADLEY (1979) entende como uma "descrição de um sistema de significados

culturais de um determinado grupo", com o fito de entender as especificidades do

modo de vida dos grupos produtivos do semiárido potiguar, analisando como as

pessoas vivem, falam, pensam e interagem no âmbito da Rede Xique Xique e em

outras redes sociais da região. A ênfase, pois, são os processos e as interações

vivenciados pelo(s) grupo(s) pesquisado(s), a partir da visão dos próprios sujeitos

pesquisados sobre a sua experiência, perquirindo-se os reflexos da participação das

mulheres nos movimentos sociais, em grupos de geração de renda, na participação em

políticas públicas, fatores que incrementam o grau de empoderamento feminino.

Nesse sentido, é imprescindível avaliar a leitura que as participantes têm sobre a sua

função na Rede, sobre a atuação da Rede na região e sobre a estrutura política que lhe

dá suporte, especialmente para se aferir o grau de autonomia que a própria Rede

promove.

Quanto à técnica de coleta de dados feita, esta tese foi construída a partir de

uma pesquisa de campo que se utilizou da realização de entrevistas semiestruturadas,

com base em um roteiro previamente estabelecido (anexo 3), bem como por meio de

perguntas abertas, quando se permite que o entrevistado fale à vontade (CAMPOLIN;

FEIDEN, 2011).

Os pesquisados participantes das entrevistas e conversas informais foram

selecionados a partir da sua atuação em entidades parceiras, participantes de

organizações e/ou movimentos agroecológicos, de EcoSol e/ou feministas,

especialmente no semiárido. A amostra foi composta por 30 pessoas, sendo 11 do

sexo masculino e 19 do sexo feminino.

Os indivíduos entrevistados na pesquisa estão vinculados às seguintes

entidades/políticas:

29

Entidade/Projeto Quantidade Função

“Projeto de Promoção

Desenvolvimento Local

Economia Solidária”

do

e

1 Agente de desenvolvimento

solidário

Universidade Federal

Paraíba

Da 1 Docente

Universidade Federal Rural do

Semiárido

2 Docente

Universidade Federal Rural de

Pernambuco

1 Docente

Centro Terra Viva 1 Sócia-fundadora

Centro Feminista 8 de Março 5 Coordenadora de Projetos e

técnicas

Perito em certificação orgânica 1 Autônomo

Associação de Apoio

Comunidades do Campo

()

Às 2 Sócia-fundadora

Rede Xique Xique 19 Gestoras, técnicas,

colaboradoras, cooperadas,

consumidores/as, produtores

TOTAL 30 Quadro 1 Entidades, projetos e número de pessoas envolvidas na pesquisa empírica

Fonte: Elaboração da autora, 2016

Quanto aos critérios de definição da amostra, a escolha se deu a partir das

atuações, direitas ou indiretas, em redes sociais da região e/ou em razão da atuação

profissional dos entrevistados na área de EcoSol, feminismo e/ou agroecologia. As

entidades contatadas foram: Centro Feminista 8 de Março; Universidade Federal

Rural do Semiárido; Organização não governamental Visão Mundial, através do

trabalho de um antigo técnico (R. M.) e o Centro Terra Viva. Em relação aos critérios

de seleção da amostra, destacam-se os seguintes fatores:

Critérios Quantidade da amostra

Membro executor de política pública 1

Docentes com experiência em EcoSol da

área de gestão pública ou agroecologia

4

Técnicos de entidades ligadas à EcoSol,

agroecologia ou feminismo

7

Membros da Rede Xique Xique (gestores

ou cooperados)

15

30

Fundadoras de coletivos no semiárido 3 Quadro 2 Critérios para seleção da amostra

Fonte: Elaboração da autora, 2016

Considerando que os eixos fundamentais da pesquisa giram em torno da

relação dos movimentos sociais, especificamente da Rede Xique Xique, com as

experiências de EcoSol, agroecologia e feminismo no semiárido potiguar, as

dimensões investigadas visam a apreender:

Informações a serem apreendidas com as entrevistas/conversas informais

Articulação com movimentos ou políticas de economia solidária

Expectativa em torno da relação entre EcoSol, feminismo e agroecologia

Perspectiva das

desenvolvimento

Políticas institucionais Voltadas para Formas alternativas de

Grau de participação nas ações em torno da EcoSol, feminismo e agroecologia no oeste

potiguar

Propostas que entende relevante para o desenvolvimento do semiárido potiguar

Avaliação do trabalho da Rede Xique Xique para o reconhecimento das mulheres

Posição acerca da formação, desenvolvimento e atuação da Rede Xique Xique

Quadro 3 Informações a serem apreendidas na entrevista

Fonte: Elaboração da autora, 2016

As arguições ocorreram em datas com antecedência, como também durante

contatos cotidianos ou em reuniões e fóruns de discussão das entidades que

fomentam a temática do trabalho.

Outra técnica de análise de comportamento utilizada será a observação

direta intensiva, que “utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da

realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também examinar fatos ou

fenômenos que se deseja estudar” (LAKATOS; MARCONI, 1992). Tal observação

será, ainda, não estruturada, pois a pesquisadora atuará sem a utilização de meios

técnicos de compilação de dados previamente definidos junto aos grupos produtivos

de mulheres atuantes em redes sociais da região, a fim de recolher e registrar fatos e

comportamentos ocorridos em encontros, reuniões, formações e feiras.

Por fim, o presente estudo consiste numa pesquisa-participante. Segundo

HAGUETTE (1999), um estudo com tal classificação se baseia nos seguintes

31

princípios fundamentais: a) há possibilidade lógica e política de sujeitos e grupos

populares produzirem de forma direta ou associada o próprio saber, que mesmo

popular não deixa de ser científico; b) há poder de determinação de uso e do destino

político do saber produzido pela pesquisa; c) o lugar e as formas de participação do

conhecimento científico e de seu agente no „trabalho com o povo‟ gera a necessidade

da pesquisa, e a própria pesquisa que gera a necessidade da sua participação.

Nesse sentido, há uma relação simbiótica entre as intervenções da

pesquisadora no contexto das redes sociais e as contribuições das entidades

envolvidas para a elaboração da presente tese: trata-se de uma pesquisa com o

envolvimento e a identificação da pesquisadora com o objeto ou as investigadas; há

trocas mútuas de conhecimentos e experiências; há colaborações recíprocas com

vistas a provocar reflexões capazes de fortalecer os envolvidos.

Por conseguinte, o relacionamento entre a autora da tese e os participantes da

pesquisa se dá de maneira horizontal, de modo que as trocas mútuas que ocorrem

entre a pesquisadora e a Rede respeitam a autonomia dos envolvidos, até porque os

membros da entidade pesquisada deixam claro que as suas decisões políticas

competem aos seus integrantes. Há uma constante troca de conhecimentos e

experiências, de modo que todos os sujeitos que participam da pesquisa são também

redatores, ao tempo em que a pesquisadora também é ouvida em decisões da entidade

pesquisada, embora não tenham sido estabelecidas parcerias institucionalizadas,

situação que tende a ser concretizada em momento posterior. No curso da sua

pesquisa de campo houve auxílio da pesquisadora em rotinas administrativas,

orientações jurídicas e relacionais da Rede.

De modo tangencial, foi feita uma análise da formação de redes sociais do

semiárido potiguar, com o escopo de perceber a contribuição dos agrupamentos nas

práticas dos grupos locais. Há, assim, o objetivo de fortalecer os movimentos sociais

de gênero e as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do semiárido, com

a pretensão de que os resultados desta investigação sejam fonte de consulta

acadêmica e de uso da administração pública quando do planejamento de políticas

públicas elaboradas para os territórios rurais semiáridos, especialmente aquelas que

assumam como objetivo promover uma maior equidade de gênero.

32

1 ECONOMIA SOLIDÁRIA (EcoSol), FEMINISMO E AGROECOLOGIA:

novas bases para um desenvolvimento alternativo

O século XXI foi fortemente marcado pela consolidação dos mercados globais

voltados para a financeirização e mundialização do capital (CHESNAIS, 1996), os quais

são alimentados por empresas transnacionais1 (Ruben, 1995) que, com o apoio do

Estado (muitas vezes com incentivo fiscal), deslocam os seus parques de produção para

países cujos direitos sociais são precários e/ou o judiciário é pouco eficiente, tais como

Índia, Brasil e China, a fim de diminuírem os custos de produção e maximizarem os

lucros. Não bastasse isso, tais empresas decidem estrategicamente se estabelecer em

zonas rurais, em face da maior vulnerabilidade ambiental e social dos indivíduos. Via de

regra, estes empregados exercem um trabalho que desconsidera a capacidade criativa e

crítica dos trabalhadores, os submetendo a um salário menor do que o praticado no

restante do mundo, nutrindo a lógica exploratória dos grandes grupos empresariais

internacionais, em articulação com as políticas macroeconômicas dos Estados nacionais

(Ruben, 1995).

A economia solidária (EcoSol), ao defender alternativas de geração de renda

pelo trabalho cooperativo, associativo e autogestionado (SINGER, 1997), propõe a

mobilização de trabalhadores urbanos, desempregados, comunidades quilombolas e das

comunidades situadas em territórios rurais no intuito de superar modos exploratórios de

produção (ABRAMOVAY, 1992). Reconhece, assim, a importância dos saberes

tradicionais para a construção de fontes de geração de renda em rede, como é o caso da

Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, fomentando relações sociais

inclusivas e a ampliação de espaços públicos e privados democráticos no que se refere à

participação e intervenção dos indivíduos na sociedade. Durkheim (2010, p. 14), em

“Da Divisão Social do Trabalho”, já reconhecia a importância do trabalho de grupos

associativos que, segundo ele, exerciam “um poder moral capaz de conter no coração

dos trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum, de impedir

que a lei do mais forte se aplicasse de maneira tão brutal nas relações industriais e

comerciais.”.

1 Justamente a noção de transnacionalidade (RUBEN, 1995) pressupõe que a empresa atue fora de suas

fronteiras nacionais sem romper o vínculo com a nação. Na área da agricultura, em grande escala,

podemos citar o exemplo da Monsanto.

33

Ao impulsionar a difusão de valores como justiça social, respeito ao meio

ambiente e a agroecologia2, a EcoSol propõe a inversão da perspectiva exploratória

predominante no mercado hegemônico, a partir de um modelo de desenvolvimento

desvinculado da ideia de crescimento econômico, posto que o seu foco é o bem-estar

humano. O seu compromisso, portanto, é com o incremento da qualidade de vida, com o

respeito à dignidade inata dos indivíduos, o que, para Paul Singer (1997; 2000), seria

possível ser alcançado via geração de trabalho e renda.

Além das iniciativas no âmbito do econômico, como dito, impulsionada pela

articulação com diversos movimentos sociais no Brasil e no mundo, a EcoSol cada vez

mais se traduz como um instrumento em favor da igualdade de gênero. Isto porque, ao

ampliar os espaços de participação social das mulheres, via fomento à organização

coletiva, viabiliza a participação política feminina, por exemplo, em feiras, formações,

políticas, contribuindo para ressignificar o papel das mulheres na sociedade.

A partir deste ponto de vista, observa-se a importância de se analisar

criticamente o histórico do que se denomina atualmente de economia solidária,

destacando a sua potencial força social para impulsionar arranjos sociais produtivos,

inclusive no âmbito rural. Nesse sentido, será analisado o surgimento histórico dos

princípios que fomentaram a economia solidária, sobretudo a partir de práticas

econômicas de cooperação. Ademais, será analisada a assimilação da EcoSol como

política pública pelo Estado brasileiro, por meio da criação da Secretaria Nacional de

Economia Solidária (SENAES). Para tanto, serão discutidas as primeiras iniciativas em

torno do que se denomina de economia solidária, com foco nos efeitos irradiantes que

os princípios da EcoSol possuem em outras conjunturas e movimento sociais, tais como

no feminismo e na agroecologia. Com isto, objetiva-se perceber, do ponto de vista

teórico, as intercessões entre a EcoSol, o feminismo e a agroecologia, com o objetivo de

analisar perceber se a articulação entre estas propostas fomentam um desenvolvimento

alternativo, ou seja, comprometido com o bem-estar humano.

Em decorrência das discussões apresentadas no capítulo, percebe-se,

preliminarmente, que a EcoSol, aliada ao feminismo e à agroecologia, pode representar

uma alternativa importante de desenvolvimento alternativo aos modos exploratórios de

2 Sob o ponto de vista deste estudo, consiste em “uma nova abordagem que integra os conhecimentos

científicos (agronômicos, veterinários, zootécnicos, ecológicos, sociais, econômicos e antropológicos) aos

conhecimentos populares, para a compreensão, avaliação e implementação de sistemas agrícolas, com

vistas à sustentabilidade. Não se trata de uma prática agrícola específica ou um sistema de produção.”.

(ALMEIDA, J.A.F. de, et al. Agroecologia. Ilhéus: Ceplac/Cenex, 2012, 44p.)

34

produção, pois estimula meios produtivos que, ao mesmo tempo, salvaguardam o meio

ambiente e fomentam uma maior coesão social. Do ponto de vista institucional, o

Estado brasileiro ainda subdimensiona as potencialidades da EcoSol, de modo que as

experiências de políticas públicas que assumem os seus princípios ainda carecem de

maior avaliação e investimento, em nível federal e, sobremaneira, estadual e municipal.

1.1 Economia solidária: breve conjuntura histórica

A EcoSol é uma proposta contra-hegemônica de desenvolvimento que busca a

reordenação solidária das relações socioeconômicas no que diz respeito à produção,

comercialização e consumo de bens. Propõe, nesse sentido, a negação e a superação da

lógica produtivista que fundamenta o capitalismo, calcado em métodos hierarquizados

de gestão, nos quais a venda da força de trabalho não é um valor em si, mas uma etapa

potencialmente substituível da cadeia produtiva, cuja função é gerar a maior obtenção

de lucro possível, a partir do estabelecimento de uma postura acrítica de alienação do

trabalhador.

Singer (1997) entende o associativismo e a autogestão como instrumentos

capazes de disseminar iniciativas que promovam uma distribuição mais justa dos

espaços sociais, ao tempo em que gera renda. Isto porque, tais estratégias fomentam o

trabalho coletivo, a deliberação colegiada e o compartilhamento de decisões e

responsabilidades no âmbito do desenvolvimento de uma atividade econômica,

desvinculando-a da ideia de centralidade do lucro por meio da exploração humana.

Os movimentos anarquistas da segunda metade do século XIX até o início do

século XX, fomentados em razão das violações de direitos decorrentes da Revolução

Industrial, lançaram as bases para o que se entende na atualidade por EcoSol, que tem

por base as ideologias políticas socialistas e revolucionárias críticas à cultura de

dominação vigente à época. Estes movimentos entendiam a autogestão como uma

estratégia de transformação social que geraria a substituição de um sistema de

dominação estatista e capitalista por um sistema socialista e autogestionário (CORRÊA,

2012). A autogestão, assim, baseada em princípios anarquistas, constitui um pilar

essencial da EcoSol. Nesse sentido, para um empreendimento ser considerado praticante

da EcoSol, deve ser gerido pelos seus trabalhadores – embora possam existir atividades

econômicas que assumam os princípios da EcoSol, mas que não haja o

compartilhamento da gestão da atividade.

35

Desse modo, a conjuntura sob a qual a noção de autogestão se desenvolveu era a

da submissão da terra, do trabalho e dos indivíduos aos domínios econômicos, contexto

presente de modo hegemônico contemporaneamente. A ideia, portanto, era fomentar

reações às práticas decorrentes do processo de industrialização mundial, responsável

pela conversão da dignidade humana em mercadoria. Segundo Polanyi, a Revolução

Industrial

foi apenas o começo de uma revolução tão extrema e radical quanto as

que sempre inflamavam as mentes dos sectários, porém o novo credo

era totalmente materialista, e acreditava que todos os problemas

humanos poderiam ser resolvidos com o dado de uma quantidade

ilimitada de bens materiais. (1980, p. 58).

Karl Polanyi (1980, p.52) até reconhece o progresso trazido pela Revolução

Industrial do século XVIII no tocante ao incremento dos instrumentos de produção, mas

o que marcou tal período histórico, segundo ele, foi um crescimento econômico que

desarticulou a vida dos indivíduos em sociedade, subvalorizando relações mutualísticas

e de cooperação. Nesse contexto, os movimentos anarquistas foram grandes

responsáveis por reconhecer a importância de uma reestruturação do referencial

econômico, a partir da modificação das motivações humanas, na qual a ganância seja

substituída pela convivialidade.

A partir dessa perspectiva, Singer (1997; 2000) defende uma EcoSol baseada na

repartição proporcional dos bens e serviços produzidos economicamente, ao propor a

diminuição das desigualdades no mundo do trabalho e do consumo, pela via da

promoção de relações humanas solidárias, recíprocas, mais dialógicas, de cooperação,

coordenação. Progressivamente, pois, as ideias orientadoras de formas de produção

menos competitivas vêm sendo fomentadas em nível global e nacional, seja em resposta

às pressões dos movimentos sociais ou pela assimilação pública da necessidade de

investimentos em iniciativas institucionais menos marginalizantes.

Embora a partir de uma visão processual e dialética da história não se deva

perceber o surgimento de uma nova realidade com início datado e registrado, pois os

fenômenos sociais são processos demorados, muitas perspectivas da EcoSol, inclusive,

podem inicialmente ser entendidas como inovadoras, mas são, em verdade, no dizer de

LECHANT (2002, p. 4), releituras de fatos “antigos reinterpretados, modificados pelas

novas condições sócio-históricas e que, em determinado momento, começam a tornar-se

significativos para um grande número de pessoas”. A reavaliação das práticas

36

produtivas sociais mais remotas, partir da projeção das propostas autogestionárias,

passaram a atrair pesquisas, financiamentos, e gerar significativas mobilizações sociais,

o que tem resultado em propostas de regulamentações jurídicas e em propostas políticas

e econômicas que espelham o reconhecimento público da EcoSol como uma estratégia

alternativa de desenvolvimento importante para a sociedade.

Na literatura brasileira o conceito de economia de solidariedade foi apresentado

com tal terminologia pela primeira vez no Brasil em 1993, no livro Economia de

solidariedade e organização popular, organizado por Gadotti, onde o autor chileno Luis

Razeto a entende como

uma formulação teórica de nível científico, elaborada a partir e para

dar conta de conjuntos significativos de experiências econômicas -...-,

que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de

solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que

definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades

econômicas. (Razeto, 1993, p. 40).

Nesse sentido, mais do que proposta de contraposição à crescente lógica de

exploração humana perpetrada pelo capitalismo, a EcoSol é um movimento político que

suscita uma nova racionalidade, a partir de relações intersubjetivas de solidariedade e do

estabelecimento de relações econômicas que gerem o empoderamento coletivo

comunitário que guarda íntima conexão com o respeito aos direitos inerentes à condição

humana, inclusive os vinculados ao respeito ao meio ambiente.

Em 1995 foi realizado o 7º Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de

Sociologia e, a partir dele, Gaiger publicou uma coletânea de artigos. Na apresentação

da obra, este autor definiu a economia solidária como um tipo viável e promissor de

economia popular. Segundo ele, os empreendimentos solidários reúnem, de forma

inovadora, características do espírito empresarial moderno3 e princípios do solidarismo

e da cooperação econômica, apoiados em um senso de coletividade presente nas

vivências comunitárias (Gaiger, 1996, p. 11).

A partir dos debates apresentados no evento, aperfeiçoaram-se as discussões

acerca da necessidade de construção de relações de trabalho capazes de empoderar os

trabalhadores/as, de modo que a geração de renda estivesse vinculada à ampliação do

usufruto de direitos humanos básicos. Para Gaiger, este anseio deveria ser

3 “Necessidade de qualificar tecnicamente para tocar empreendimentos numa economia centrada na

produtividade e na concorrência.” (Gaiger, 1996, p. 109).

37

compatibilizado com a adoção de regras produtivas empresariais capazes de garantir

impactos proveitosos na qualidade de vida, pessoal e profissional, dos trabalhadores.

Assim, no seu entender, as pessoas trabalharão mais motivadas, pois haveria um maior

interesse em garantir o sucesso do empreendimento, posto que se estimularia, segundo o

autor, um maior empenho no aprimoramento do processo produtivo e na qualidade do

produto ou dos serviços, bem como a eliminação de desperdícios e de tempos ociosos,

além de inibir o absenteísmo e a negligência (GAIGER, 2003, p. 135-146). Para Gaiger,

portanto, a economia solidária poderia incorporar lógicas produtivas capitalistas, sem

que sejam preteridos direitos sociais básicos dos trabalhadores, os quais teriam de ter

como foco não só os modos de produção, mas também os resultados alcançados.

Singer (1997), por sua vez, entende a EcoSol como uma proposta de mudança da

posição ocupada pelos trabalhadores no ambiente produtivo. Sugere a criação de formas

de obtenção de renda em que os produtores tenham mais poder para participar dos

processos decisórios, a partir de ambientes profissionais menos hierarquizados, mais

autogeridos. Para ele a economia solidária se funda em novas formas de organização

produtiva, a partir do compromisso com uma lógica que empodera e liberta os

indivíduos, oposta àquela que orienta o mercado capitalista, vez que não se funda em

práticas exploratória, mas no compartilhamento da gestão e dos processos decisórios.

Entende, a partir desta premissa, que a economia solidária consiste numa forma de

organizar o trabalho que permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos que esperam

um emprego a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria, individual ou

coletivamente (1997, p. 138), o que viabilizaria o usufruto de bens de consumos gerados

pela cadeia produtiva da qual participa, ao contrário do que ocorre no modo de

produção capitalista para a maioria dos trabalhadores, em face de sua baixa renda.

Já de acordo com Mance (1999), a EcoSol assume uma função mais abrangente,

uma vez que ele a entende não apenas como um meio de geração de renda e trabalho,

mas como uma proposta de fortalecimento coletivo que objetiva a formação de

sociedades pós-capitalistas, nas quais se resguardaria condições razoáveis de

convivência intersubjetiva e interações com os recursos naturais. Segundo ele, devemos

ampliar ao máximo possível o exercício concreto da liberdade pessoal e pública, com a

colaboração solidária na produção – tanto no trabalho, como no consumo - via preço

justo. Entende que, a partir de vínculos de reciprocidade, há de se propagar um sentido

moral de corresponsabilidade pelo bem-viver de todos e de cada um em particular.

38

Dessa forma, Mance (1999) entende a EcoSol como um mecanismo que estimula o

exercício humano da liberdade.

Embora convivam perspectivas mais ou menos abrangentes em torno do que é a

EcoSol, o que há de consenso na atualidade em torno deste conceito é que no âmbito

dos sistemas econômicos solidários deve haver uma participação mais paritária na

produção e nos destinos das riquezas socialmente produzidas. Este pressuposto, por sua

vez, impõe uma redefinição da função social do trabalho e das relações e práticas que

lhe permeiam modernamente, dada a sua importância para as relações humanas e para o

próprio reconhecimento da centralidade dos indivíduos no processo produtivo.

A economia solidária, assim, propõe alternativas ao modo hegemônico de

produção contemporâneo, o que envolve um redimensionamento social, econômico,

político, ambiental e cultural dos indivíduos e das instituições públicas e privadas. A sua

proposta implica que o agir coletivo se coloca como uma alternativa importante para as

estratégias produtivas da sociedade, sobretudo pela sua tendência de fomentar o

desenvolvimento territorial regional, a valorização dos saberes locais e das populações

tradicionais. Este contexto tende a gerar menos exclusão, especialmente dos

marginalizados do mercado de trabalho formal e do consumo, pela via do trabalho

coletivo e do reconhecimento de um ponto em comum: a busca de trabalho e renda

(CULTI, 2004, p.2).

Isto que dizer, pois, que é preciso ampliar o reconhecimento e a realização de

princípios redistributivos, o que envolve mudanças de perspectivas individuais, culturais

e institucionais, já que para propagar o princípio da reciprocidade é imprescindível o

fortalecimento do ato cooperativo (SCHIOCHET, 2012, p. 18). A economia solidária,

porém, exige um amplo esforço político e social para superar os substanciais desafios da

sua transformação em políticas públicas, especialmente porque se trata de uma proposta

contra-hegemônica que conflita com interesses econômicos e políticos prevalecentes na

história moderna.

Não obstante as dificuldades comuns às propostas contramajoritárias, é crescente

o investimento na ideia da EcoSol como uma proposta alternativa de desenvolvimento

viável, tanto que a Organização da Nações Unidas, em 2013, criou um Grupo de

Trabalho Interinstitucional sobre Economia Social e Solidária, a fim de impulsionar a

EcoSol nas políticas internacionais e nacionais. O grupo é resultado da Conferência

“Potencialidades e limites da economia social e solidária” (PORTAL DA ECONOMIA

SOLIDÁRIA, 2016).

39

1.1.1 As raízes da EcoSol: primeiras ideias sobre cooperativismo, a ideologia marxiana

e os movimentos sociais do final século XX

Historicamente, práticas econômicas cooperadas e autogestionadas, segundo

Motchane (2003), têm raízes na idade média, quando eram percebidas práticas que

correspondem ao que hoje denominamos de EcoSol. Por volta do século XIII, as

guildas, confrarias e corporações de ofícios constituíram formas remotas de autoajuda,

de organização do trabalho solidário. Tais práticas passaram a ser mais fervorosamente

discutidas como uma alternativa social à exploração dos trabalhadores no mundo a

partir da ascensão de uma nova classe burguesa, em face da expansão econômica e das

mudanças no mundo do trabalho.

Conforme Santos (2002), a intenção de construir alternativas, em razão das

consequências excludentes do capitalismo, com base em teorias e experiências de

associação com fins econômicos entre iguais e em produção solidária, não é um anseio

novo. As ideias e a prática cooperativista moderna são contemporâneas ao próprio

capitalismo industrial. As primeiras cooperativas foram criadas aproximadamente em

1826, na Inglaterra, como reação à difusão da pauperização decorrente da conversão em

massa de camponeses e pequenos produtores em empregados das primeiras fábricas do

capitalismo industrial. Ainda em 1844 foram fundadas cooperativas de consumidores

em Rochdale, na Inglaterra, onde outras foram instituídas e serviram de modelo para o

cooperativismo contemporâneo. O objetivo, na época, foi resistir à miséria derivada dos

baixos salários, bem como contestar as condições de trabalho insalubres e perigosas às

quais os indivíduos eram expostos. Buscou-se, assim, por meio do agrupamento para a

produção coletiva disponibilizar bens de consumo baratos e de boa qualidade aos

trabalhadores.

O surgimento de uma classe proletária, produto da Revolução Industrial,

ocorrida entre o fim do século XVIII e início do XIX impôs transformações nas relações

sociais: as décadas de 30 e 40 do século XIX, particularmente, foram marcadas por uma

profunda crise decorrente da transformação do trabalho corporativo em concorrencial

(SINGER, 2000). Em paralelo e de forma reativa, foram criadas sociedades de socorro

mútuo, balcões alimentícios e cooperativas de produção, por iniciativa dos operários e

artesãos, em virtude das poucas possibilidades de ascensão profissional face à

dificuldade de mobilidade entre classes sociais impostas pelos burgueses, interessados

40

em manter uma hierarquia rígida na distribuição do capital e das funções na sociedade.

Portanto, as iniciativas de agrupamento de trabalhadores assumiram o propósito,

inicialmente, de amenizar os sofrimentos trazidos pelos acidentes, pelas doenças e pelas

mortes que assolavam os trabalhadores, submetidos a ambientes insalubres e a jornadas

exaustivas, mas também tinham o condão de criar resistências às imposições às quais

eram submetidos.

O autoritarismo dos detentores dos meios de produção, por sua vez, reprimiam

as organizações obreiras, criminalizavam reuniões de trabalhadores, a fim de

gradativamente dissolvê-las (LECHANT, 2002, p. 5), para enfraquecer a coalizão entre

os operários. Este contexto de ações e reações semeou o surgimento das ideias acerca do

que hoje se denomina de economia solidária.

Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier (SOUSA, 2015), contemporâneos,

foram responsáveis por lançarem as bases das ideias de cooperativismo e autogestão,

que se propagaram ao longo da história, sobretudo por terem sido referências para as

propostas de Karl Max e Friedrich Engels.

O primeiro, Owen, era um industriário britânico, filho de artesãos, que começou

a trabalhar aos dez anos de idade, como alfaiate. Entendia que o caráter humano era

decorrência não só dos vínculos biológicos ou hereditários, mas do meio, ou seja, das

condições locais do ambiente em que o indivíduo teve acesso no seu processo de

formação. A partir dessa premissa, defendeu a adoção de práticas sociais que

prestigiassem a qualidade de vida humana, o investimento na saúde dos trabalhadores e

vínculos de cooperação social. Segundo ele, tais valores viabilizariam a superação dos

desarranjos humanos e sociais implantados pela economia capitalista, na medida em que

seriam estratégias de superação da desigualdade social decorrente da difusão do

capitalismo, que se propagou com base na ideologia de que todos teriam liberdade para

ascender socialmente, embora a história tenha demonstrado que um percentual irrisório

da sociedade mundial tenha confirmado esta hipótese (LESSA, 2013).

Após uma bem sucedida trajetória profissional, Owen passou a ser detentor de

meios de produção e tentou praticar as propostas sociais que defendeu durante a sua

vida. Reduziu a jornada de trabalho dos seus empregados, além de ter construído

moradia para as famílias dos seus operários e escolas para seus dependentes, vez que

entendia a educação como uma prioridade. Foi o criador da primeira cooperativa de que

se tem notícia no mundo, onde eram vendidos produtos de boa qualidade a preços

módicos, o que fez com que fosse alcunhado como “o pai do cooperativismo”. Defensor

41

de uma ampla reforma pública na produção britânica, migrou para os Estados Unidos da

América e fundou uma colônia socialista que terminou não subsistindo como uma

experiência exitosa (SINGER, 2002).

Na mesma perspectiva, Charles Fourier teceu duras críticas às práticas

empresariais burguesas e defendeu uma sociedade sustentada por ações cooperadas, na

qual o talento e o prazer individual permitissem a construção de uma comunidade bem-

sucedida. A sociedade burguesa, tipicamente caracterizada pela produção em massa,

com linhas de produção que exigiam trabalhos repetitivos e padronizados, era o oposto

das propostas de Fourier. Além do mais, ele defendia ideias inovadoras no mundo do

trabalho, como, por exemplo, ao assumir publicamente a perspectiva de que não deveria

haver distinções que diferenciassem os papéis assumidos entre homens e mulheres

(UFCG, 2015).

Entendia que o cooperativismo, aliado à vocação e à liberdade de escolha seriam

requisitos indispensáveis para a sociedade criar condições para o alcance do socialismo,

quando, segundo Fourier, haveria uma comunhão entre os indivíduos de maneira plena.

Sem almejar desigualdades ou disputa, idealizou a construção de grandes moradias

comunitárias autossuficientes, onde as famílias de trabalhadores contribuiriam

mutuamente para a convivência coletiva, a partir do desempenho cooperado de tarefas,

conforme as suas vocações. Tal imóvel foi denominado por ele de “falanstério”. Estas

construções comunais, conforme Fourier, deveriam ser reproduzidas, pois seria a base

de uma transformação social capaz de gerar um novo mundo (UFCG, 2015).

Saint-Simon, por sua vez, acreditava que uma sociedade dividia-se entre

produtores e ociosos. Defendeu, assim, um trabalho no qual a oposição entre operários e

industriais deveria ser reconfigurada. Pregava a manutenção dos privilégios e do lucro

dos industriais, desde que assumissem os impactos sociais causados pela prosperidade

que usufruíam, inaugurando o que hoje se denomina de “responsabilidade social”.

Nesse sentido, acreditava que o industriário poderia contribuir para o equilíbrio dos

interesses sociais por meio do cumprimento de ações de responsabilidade social

(SOUZA; OLIVEIRA, 2005).

As pressões decorrentes do protagonismo assumido pela burguesia na revolução

industrial fizeram com que as monarquias absolutistas dos países europeus, nas quais

igreja e estado concentravam poder, se transformassem em repúblicas liberais ou

democracias liberais, a partir de quando a burguesia acumulou poder político (MUSTO,

2011). Por conseguinte, foram feitas reformas sociais e estruturais no Estado,

42

desvinculando-o do pensamento extremamente religioso e do autoritarismo monárquico.

Mas a ascensão da burguesia foi acompanhada da organização do operariado - uma

"nova" classe social, objetificada pela classe burguesa em nome do crescimento

econômico (MUSTO, 2011) - que criou inclusive a Associação Internacional de

Trabalhadores, em 1864, liderada por Marx. O operariado, então, amparado pelas teses

socialistas marxianas, se articula para desmobilizar o estado burguês, e implementar a

ascensão do proletariado, a fim de constituir uma sociedade mais justa e mais solidária.

A Revolução Soviética de 1917, com liderança de Lênin, tenta colocar em

prática as teses marxistas, o que dá novo entusiasmo ao movimento proletário

internacional. Busca-se expandir o socialismo no mundo, unir a classe operária e os

partidos comunistas em nível internacional.

A primeira guerra mundial, eclodida em razão da luta pela conquista de

territórios e domínio de mares, fomentou o desenvolvimento dos Estados Unidos,

grande exportador para os países europeus. Uma vez reconstruídos das sequelas da

primeira guerra, reduziram-se significativamente as exportações de produtos

industrializados e agrícolas, o que resultou na desvalorização de ações de grandes

empresas e na “quebra” da bolsa de valores em 1929 (BRENER, 2015). A crise

econômica dos EUA se converteu em uma crise do capitalismo liberal, pois todas as

nações capitalistas que tinham trocas com este país foram afetadas, inclusive o Brasil. A

União Soviética, porém, por sua economia fechada e por não participar de trocas

capitalistas, não foi atingida por este contexto econômico negativo.

Diante do cenário mundial desfavorável, França e Espanha elegem governos

esquerdistas. Em resposta à expansão socialista ao longo do mundo, porém, foram

instituídos os regimes totalitários fascista e nazista, que irrompe a 2ª Guerra Mundial,

maior conflito bélico da história da humanidade (BERTONHA, 2016).

Observa-se, diante do breve esboço histórico apresentado, que as ideias de

Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier representaram, ao longo da história da

humanidade, um contraponto importante à disseminação hegemônica da lógica

capitalista de maximização dos lucros, que alcançou o seu auge após a II Guerra

Mundial. Assim, a partir do pressuposto de que deve haver limites éticos para o

crescimento econômico, tal como o respeito aos direitos humanos, Fourier, Saint-Simon

e Owen assumiram importância significativa para o lançamento das bases do que hoje

se denomina de “economia solidária". Cobravam dos detentores dos meios de produção

43

uma maior responsabilidade com o bem-estar dos seus trabalhadores e com as

repercussões sociais decorrentes de suas cadeias produtivas.

Igualmente, reconheceram a importância de um crescimento econômico que

fosse compatível com ideias como cooperativismo, solidariedade, responsabilidade

social, proteção à saúde do trabalhador. A própria proposta de Fourier de convivência

coletiva dos trabalhadores e suas famílias nos falanstérios estimulou a preocupação

mútua entre os que compartilham uma vida social. O objetivo era alimentar o senso de

coletividade, a preocupação com o bem-estar alheio, o sentimento de pertencimento

grupal, uma ética do cuidado que, segundo as perspectivas socialistas, deveria ser

assumida também pelos burgueses.

Num momento seguinte, estas ideias embasaram o denominado “socialismo

científico” ou “marxiano”, desenvolvido precipuamente por Karl Max e Friedrich

Engels, que se inspiraram nos mesmos objetivos de Owen, Saint-Simon e Fourier, uma

vez que criticavam as perspectivas de transformações sociais com vistas à gradual e

lenta implantação do socialismo. Mais críticos, entendiam que não seria possível

conceber a formação de uma sociedade ideal por meios pacíficos, a partir de uma

postura passiva do proletariado. Suscitavam o desenvolvimento de uma nova

consciência e postura social da burguesia; uma evolução do ponto de vista humano, a

qual seria convertida em favor dos trabalhadores no ambiente profissional.

Com essa expectativa, reconheciam a necessidade real de mudança dos próprios

princípios que orientaram o desenvolvimento do liberalismo e do capitalismo

implementados a partir da Revolução Industrial, calcados na autorregulamentação do

mercado, em decorrência da abstenção do Estado nas relações privadas, inclusive diante

da exploração dos trabalhadores, mal remunerados, sujeitos a exaustivas jornadas de

trabalho e expostos a ambientes de trabalho insalubres e perigosos.

A ideologia marxiana propõe uma grande reforma social baseada na luta de

classes e na extinção do proletariado, através de uma reação revolucionária das camadas

populares, que promova o fim da propriedade privada e das classes sociais. O

socialismo científico identifica a centralidade do trabalho ao longo da história da

humanidade, entendendo a dinâmica produtiva como elemento constitutivo da base da

vida social e, por isso, propõe a socialização dos meios de produção, a qual deveria ser

comandada por acordos com os interesses dos próprios produtores.

A partir destas premissas, a ideologia marxiana influenciou os mais variados

setores da atividade humana ao longo do século XX e continua a servir de fundamento

44

para propostas que visam criar alternativas à lógica hegemônica capitalista, a exemplo

da economia solidária, além de contribuir na teoria e prática política, especialmente no

âmbito sindical e para os movimentos revolucionários.

O pensamento marxiano, no sentido prático, foi o principal combustível para a

consolidação do sistema sindical brasileiro e para as principais experiências

revolucionárias da história da humanidade. Como teoria, contribui para a

fundamentação de políticas sociais importantes, especialmente as redistributivas4,

suscitando discussões relevantes em torno da (des)igualdade, um desafio transversal e

universal. A sua importância, contudo, consiste especialmente no fato de que tal

proposta revelou-se capaz de, ao mesmo tempo, funcionar como teoria científica e como

prática política a fundamentar a criação e atuação de movimentos sociais de variadas

vertentes.

Assim, Owen, Saint-Simon e Fourier lançaram as bases do que hoje se

compreende por economia solidária, e se destacaram, dentre outras coisas, por não

delegarem ao poder público o dever exclusivo de promover relações sociais mais

equânimes, do ponto de vista trabalhista, econômico ou ambiental. Talvez por isso, o

que se concebe por EcoSol, em tese, seja materialmente a realização de princípios

plantados por aqueles socialistas em detrimento dos marxianos, que entendiam o

controle e participação do Estado como uma estratégia de estabilização do socialismo.

Se a EcoSol entende importante a autogestão, ou seja, a autonomia das organizações

sociais, a fim de transformar os empregados em empreendedores, seria uma

incongruência delegar para o Estado o papel de gerir os meios de produção, embora não

se deva minimizar a importância do poder público para regular e fomentar cadeias

produtivas mais justas e modos produtivos não-exploratórios.

1.1.2 Os frutos das ideias socialistas: a projeção da EcoSol a partir da formação de redes

sociais

A partir da premissa de que a análise econômica das relações produtivas não é

suficiente para explicar fenômenos sociais complexos, ganhou projeção o Movimento

Antiutilitarista nas Ciências Sociais, cuja sigla é MAUSS, em homenagem a sua

4 Políticas redistributivas têm por escopo a realocação de bens, direitos ou serviços entre grupos sociais,

por diversos meios, tais como transferências, isenções etc., por intermédio de recursos oriundos de outros

grupos específicos (LOWI, 1972).

45

principal referência teórica, o antropólogo Marcel Mauss. Este teórico deixou como

legado central para a sociologia a ideia de que “o valor das coisas não pode ser superior

ao valor das relações” (MARTINS, 2005, p. 45). Tal movimento foi iniciado na década

de 1980, durante um colóquio no Centro Thomas-More, em Arbresle, na França, fruto

da expansão moderna do capitalismo e suas imposições normativas às relações

intersubjetivas. Neste encontro, Alain Caillé questionou a recorrência de um discurso

utilitarista dominante em torno do “interesse” - consciente e racional para uns,

subconsciente para outros - que imperava nas disciplinas das ciências sociais, de modo a

reduzir invariavelmente as interações humanas a uma lógica econômica e quantitativa.

Ele reconhece que o interesse é um dos motivos para a ação social, mas critica que ele

deva ser uma referência constante para explicar todos os fenômenos sociais

(BATALHA, 2015), porque os fenômenos sociais não se explicam a partir da mesma

perspectiva que é aplicada aos mercados.

Segundo Caillé (2011),

o principal problema que se abate sobre nossas sociedades não é

apenas a privatização generalizada, a submissão de todas as esferas de

atividade a uma norma mercadológica e financeira hegemônica, mas,

no turbilhão desta omnimercantilização e omnifinanceirização, a

subordinação de todos os nossos atos a uma lógica da avaliação

quantificada.

O Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais assumiu, assim, o objetivo de

difundir ideias contrárias ao pressuposto de que “o Homo economicus é um modelo

explicativo de toda ação humana”. O intuito era estimular e valorizar análises

combinadas de perspectivas sociológicas, históricas, antropológicas, filosóficas e

econômicas, para a interpretação conjuntural das ações sociais. Buscou-se, assim,

instigar um pensamento "antiutilitarista", a partir da hipótese de que o ser humano não

foi sempre um animal econômico. O Homo economicus seria, portanto, um produto da

modernidade capitalista, que estabeleceu a monetarização como um padrão dominante

de avaliação dos mais variados acontecimentos. Este movimento, inclusive, vem

adquirindo projeção na América Latina, sobremaneira ao servir como fundamento

teórico para estudos sobre a prática de formas alternativas de economia (Caillé, 2011).

Ao assimilar esta perspectiva, a França incorporou a ideia de que era importante

o desenvolvimento de uma economia baseada também em parâmetros sociais e

humanos. A economia solidária agrupa-se em torno da rede Inter-Réseaux de

46

l’Économie Solidaire (IRES), movimento que conquistou, entre os anos de 2000 e 2002,

uma secretaria de Estado ligada ao Ministério do Trabalho, no governo de Lionel

Jospin. Na Itália, a discussão sobre a economia solidária aparece “[...] muito ligada aos

setores médios da sociedade e aos movimentos ecologistas” (NUNES, 2009, p. 97).

Neste país, destacam-se as Cooperativas de Mutua Auto Gestione (MAG), que surgem

nos anos 1980 promovendo a realização de feiras de EcoSol, com o apoio das

prefeituras locais, além dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada. Em

Milão, sabe-se que é mantida uma feira permanente (La Cosa Giusta), assim como

acontece em Roma e Trentino. Na Alemanha, diferentemente do que acontece em outros

países europeus, trabalha-se com um conceito de economia social que engloba, além da

economia popular, a economia comunitária e iniciativas ligadas ao terceiro setor.

Em 2006, foi realizado o Congresso Alemão de Economia Solidária (NUNES,

2009), como expressão dessas várias iniciativas. Os formuladores alemães da EcoSol,

assumiram a designação geral de economia social. Na Espanha, em 2006, cria-se uma

rede que comporta um grande número de entidades organizadas em várias pequenas

redes, mas que abrangem várias regiões do país, formando uma “rede de redes”.

Essa rede espanhola, na tentativa de ser eficiente e ter popularidade na

sociedade, firmou convênios e parcerias com instituições de ensino superior, sendo que,

na Universidade do País Basco (UPV), situada na cidade de Bilbao, é realizado

anualmente o Seminário “Transformando a Sociedade a partir da Economia Solidária”.

Em Portugal, criou-se a Rede de Economia Solidária e Sustentável. A rede portuguesa

fornece apoio aos que comungam dos princípios da economia solidária, até as redes de

cooperativismo tradicional, além de milhares de militantes ecologistas que se unem em

torno da causa da EcoSol.

As experiências encontradas no continente europeu sugerem, mesmo diante de

divergências políticas e de variações conceituais e terminológicas em relação ao tema,

que o trabalho em rede na Europa está evoluindo e afirmando-se como uma maneira de

evitar o isolamento dos empreendimentos econômicos solidários (EEEs), bem como a

concorrência entre eles. A integração dos empreendedores vem sendo entendida como

uma alternativa viável de organização social, o que progressivamente contribui para

fortalecer o ideal de construção de uma economia baseada em vínculos de solidariedade,

embora se reconheçam os desproporcionais e vultosos investimentos públicos e

privados em empreendimentos que assumem a lógica capitalista, concorrencial.

47

Manuel Castells (2000), ao se dedicar ao estudo das redes sociais disseminadas a

partir do colapso do estatismo soviético e da reestruturação do capitalismo, percebe que

a revolução tecnológica trás em seu bojo um novo paradigma para as relações sociais.

As tecnologias da informação e da comunicação transformariam a economia e as

relações em nível global, instituindo o que ele denomina de “sociedade da informação”

– na qual a geração, processamento e transmissão das informações são fontes

fundamentais de produtividade e poder. Segundo ele, “pela primeira vez na história, a

mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no

sistema produtivo” (CASTELLS, 2000, p.51).

O desenvolvimento de novas tecnologias, segundo Castells (2000, p. 69), aliada

à tentativa da sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia aumentou a

complexidade das interações sociais e fez surgir uma sociedade em rede. Esta

organização humana disposta em arranjos sociais particulariza-se por sua plasticidade,

decorrente de sua dimensão virtual, que transcende à noção de tempo e espaço.

Instituiu-se, assim, uma nova configuração da divisão social das relações sociais,

inclusive uma nova configuração para as relações laborais, pois é cada vez mais

temerário agir isoladamente, ainda que as interações não sejam físicas. Os indivíduos,

nessa situação, tendem a se reunir em grupos que são, ao mesmo tempo, coexistentes,

sobrepostos e interconectados, compondo redes dinâmicas de variadas complexidades,

formando o que Marshall Macluhna denominou de uma “aldeia à escala global”.

Nesse sentido, com base no pressuposto de que “as redes possibilitam pensar a

reciprocidade numa perspectiva sociológica de mais longo alcance” (RADOMSKY,

2006, p. 85), difundiu-se, tal como ocorrera na Europa, a ideia de construção de um

desenvolvimento econômico baseado em alianças. Tal recurso seria uma estratégia de

fortalecimento para enfrentar as crises econômicas, que também passaram a assumir

proporções globais. Fusões, incorporações e demais formas de agrupamentos passaram

a ser táticas comuns mesmo entre aquelas empresas que assumem uma lógica

capitalista, via formação de megablocos transnacionais.

Vários fóruns internacionais passaram a discutir a importância para a EcoSol do

trabalho em rede, tal como os Fóruns Internacionais – Globalização da Solidariedade,

ocorridos desde 2005, organizados pela Rede Intercontinental de Promoção da

Economia Social e Solidária (RIPESS). Tanto entre os ditos “países desenvolvidos”,

como também entre os denominados de “economia periférica” ou “emergentes”

recorreu-se à formação de blocos produtivos. Há, entretanto, configurações

48

diametralmente opostas nesses agrupamentos: de um lado, grandes empresas

transnacionais (capitalistas), que se unem para diminuir custos da produção por meio da

terceirização precária e da subcontratação extorsiva de empresas localizadas em países

periféricos; de outro, estruturação de redes solidárias de articulações produtivas,

calcadas nos princípios da cooperação, equidade, reciprocidade e no respeito ambiental.

Com a organização destas redes de solidariedade produtiva, vários países da América

Latina têm avançado nas discussões teóricas, políticas e nas práticas de EcoSol.

A formação de redes de economia solidária se centra basicamente em dois

pressupostos: o primeiro, de que a marginalização derivada da propagação das ideais

capitalistas de acumulação e exclusão atrofia a capacidade de realização (SEN, 2009)

inata aos indivíduos; o segundo, de que o agrupamento produtivo baseado em lógicas de

cooperação pode gerar um modo de produção que reconfigure a vida social a partir de

parâmetros socioambientais mais justos, evitando o fomento a relações concorrenciais e

o isolamento econômico decorrente da concentração de renda. A Ecosol, portanto,

objetiva viabilizar um desenvolvimento alternativo, baseado na expansão das liberdades

reais imanentes à condição humana (SEN, 2009).

Esta perspectiva vem começando a servir de referência para a elaboração de

ações, políticas e demais iniciativas, públicas ou privadas, para a promoção e fruição de

garantias básicas em favor, pelo menos, da maioria da população mundial, embora os

Estados nacionais ainda não encarem a EcoSol como uma estratégia prioritária de

desenvolvimento alternativo.

Ao contrário do que se espera, porém, a insuficiência do Estado liberal, o

inchaço da estrutura pública do Estado de bem-estar social e a abertura desregrada do

Brasil mediante incentivos fiscais ao mercado externo proposta pelo Estado neoliberal,

em meio a retrocessos e avanços, não promoveram justiça social de modo sustentado,

especialmente em relação ao combate à degradação dos recursos naturais e à

desigualdade de gênero. É forçoso reconhecer, porém, que as experiências sociais

redistributivas, inclusive em favor das mulheres, ao menos no Brasil, têm prosperado

mais em governos que ampliaram os espaços de participação institucional dos

movimentos sociais, assimilando as suas respectivas demandas e intervindo mais

diretamente na economia e na vida social, conferindo maior legitimidade e espaço de

participação a grupos sociais tradicionalmente vulnerabilizados.

Santos (2011, p. 79) chama a atenção para a necessidade de construção de um

Estado-articulador que, ao contrário do Estado moderno - que assegurou interesses de

49

grupos específicos em nome do interesse geral, seja capaz de coordenar, de forma

transparente, interesses distintos, locais, regionais, nacionais, globais. Desse modo,

seria perceptível “a qualidade do compromisso do Estado com os objetivos de justiça

social, ou seja, com os critérios de redistribuição (contra a desigualdade) e de

reconhecimento (contra a discriminação)” (SANTOS, 2011, p. 79).

Para tanto, há de se recorrer à alternativas de desenvolvimento que contem com

uma disposição pública de expansão das liberdades substantivas que cada indivíduo

desfruta na sociedade (SEN, 2000, p. 32); de uma estrutura institucional capaz de

auxiliar na estabilização do usufruto de direitos básicos, transformando os indivíduos

em cidadãos. Dando os primeiros passos para assimilar estas perspectivas, diante das

pressões dos movimentos sindicais, pastorais e sociais, o Estado brasileiro,

especialmente entre os anos de 2003 e 2016, instituiu na sua estrutura órgãos voltados

para organização de políticas de EcoSol, na intenção de prestigiar a busca por

alternativas que gerem empoderamento à população via geração de renda, o que

contribuiu significativamente para a criação e organização de grupos e redes de

economia solidária no Brasil.

1.2 A EcoSol no Brasil e seu processo de institucionalização

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem social,

instituída a partir de um processo de redemocratização que está, em meio a avanços e

retrocessos, em processo de consolidação. O anseio de que os direitos formalmente

reconhecidos se transformem em garantias substancialmente realizadas fortaleceram as

mobilizações da sociedade civil, as quais ganharam projeção no Estado brasileiro a

partir do fim da década de 1970. Segundo Nunes (1989), citado por SCHIOCHET

(2012, p. 19), “os movimentos sociais possibilitaram que diversas situações de carência

passassem a ser reconhecidas como situações e questões de direitos”. Este

fortalecimento da sociedade civil traduz e implica na “própria democratização do

Estado, sendo nesta rearticulação das relações Estado-sociedade civil que passa a residir

a possibilidade de emergência das condições de recriação da cidadania política e a

expansão da cidadania social” (COHN, 2011, p. 11).

O empoderamento de diversos grupos sociais teve como uma das principais

consequências o processo político que culminou com a elaboração de uma nova Carta

50

Magna, sobremaneira porque os avanços democráticos ocorridos eram, em verdade,

produto da reação à difícil conjuntura social brasileira. Tal instabilidade do país foi

fruto, sobretudo, da crise do modelo fordista, que se baseava na produção em larga

escala e na baixa qualificação dos trabalhadores, limitados a repetir acriticamente

movimentos mecânicos em prol da maximização da produção.

Com o progressivo crescimento do sistema toyota de produção ou toyotismo, a

partir da década de 1990, a produção em massa foi substituída gradativamente pela

fabricação automatizada, pela produção enxuta, o que gerou como consequência

a queda do emprego formal, a contração dos salários, a precarização das relações de

trabalho5. Assim, o despertar da EcoSol decorreu da necessidade de uma alternativa à

crise crescente do desemprego e, por consequência, da exclusão social. Apesar de suas

raízes históricas encontradas ainda na Idade Média, foi o aumento da pobreza e do

desemprego na Europa, na década de 1980, que acarretou o surgimento de novas

empresas sociais (MOTCHANE, 2003), inciativa replicada como uma estratégia de

superação da marginalidade gerada pelo capitalismo.

Assim, a reestruturação do capitalismo contemporâneo, como outrora dito,

baseou-se na inserção de novas tecnologias na produção e gestão, o que diminuiu o

quantitativo de empregados amparados pela legislação laboral e aumentou a

informalidade, o subemprego, a terceirização ilegal de serviços, ocasionando uma

estagnação econômica, além da fragilização do usufruto de direito sociais elementares.

Nessa conjuntura, a economia solidária em suas diversas perspectivas

(LECHAT, 2002) trás o consenso de se assumir como uma alternativa de

desenvolvimento que propõe a reordenação das relações socioeconômicas no que diz

respeito à produção, distribuição e consumo. Demanda, para tanto, a formação de uma

nova ordem econômica, social e ambiental, baseada no associativismo e na autogestão

(SINGER, 1997), como instrumentos de promoção da justa distribuição dos espaços

sociais. Ademais, fomenta a repartição equitativa dos bens e serviços economicamente

produzidos, a diminuição das desigualdades no mundo do trabalho e do consumo pela

via da promoção de relações sociais mais solidárias, inclusive do ponto de vista de

5A denominação precarização do trabalho tem sido aplicada a um processo relativamente recente,

ocorrido nas últimas quatro décadas, provocado pelo desenvolvimento do capitalismo moderno

globalizado. Embora se expresse pelos efeitos de uma grande transformação que vem afetando o mundo

do trabalho, assenta-se na condição de subordinação do trabalhador assalariado e na sua situação de

vulnerabilidade em face do capital. Traduz-se, basicamente, na perda de direitos sociais, não raras vezes

com respaldo em alterações legislativas, que acarreta instabilidade social para o trabalhador no mercado

de trabalho e nas suas demais relações na sociedade.

51

gênero. Propõe, nesse sentido, a superação da lógica hegemônica de produção calcada

em métodos hierarquizados, nos quais a venda da força de trabalho não é um valor em

si, mas uma etapa potencialmente substituível da cadeia produtiva, cuja função é gerar a

maior obtenção de lucro possível.

Nesse sentido, a institucionalização da EcoSol no Brasil, em 2003, assumiu um

significado simbólico importante para a criação e consolidação das organizações da

sociedade civil que se baseiam nos seus princípios: a partir de então o Estado brasileiro

sinalizou que entendia a EcoSol como uma estratégia de desenvolvimento alternativo

viável, o que fomentou o agrupamento e a mobilização de grupos em todo o país.

1.2.1 A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES):

análise crítica da institucionalização da EcoSol no Brasil

A institucionalização da economia solidária no Estado brasileiro via criação da

SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, é fruto de um conjunto de

ações e lutas coletivas de movimentos sociais, rurais e urbanos, juntamente com as

comunidades eclesiais de base, Pastoral da Terra e Cáritas, que começaram a se

organizar em busca da promoção de uma maior justiça social, a partir do processo de

redemocratização da sociedade brasileira.

A cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, assumiu protagonismo na

promoção de encontros sobre EcoSol, o que, aliado a outras iniciativas, resultou na

realização do I Fórum Social Mundial (MTE, 2015), em janeiro de 2001. Nesse

encontro houve uma oficina intitulada “Economia Popular Solidária e Autogestão”, que

objetivou discutir experiências produtivas de EcoSol no mundo, bem como estratégias

de expansão da EcoSol em nível global.

Já no II Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em janeiro de 2002,

um grupo de trabalho brasileiro sobre economia solidária foi criado, a fim de reunir

várias iniciativas de entidades nacionais e de organizações e redes internacionais ligadas

ao tema. Este grupo de trabalho se tornou uma diretriz nacional e internacional para as

atividades ligadas ao Fórum Social Mundial, bem como para ações e discussões

relacionadas a esta temática.

A partir desses encontros, o grupo de trabalho sobre economia solidária

programou a realização de uma assembleia nacional ampla e aberta, a fim de discutir a

função que a EcoSol deveria assumir no cenário institucional brasileiro, sobretudo

52

diante da eleição de um governo do Partido dos Trabalhadores, organizado

historicamente a partir de articulações e mobilizações dos movimentos sociais, em

especial os de natureza sindical. Tal encontro ocorreu em dezembro de 2002, quando se

decidiu que haveria a elaboração de uma carta, a qual foi intitulada de “Economia

Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento” (FBES, 2015), que seria

encaminhada ao Presidente da república eleito, Luís Inácio Lula da Silva, sugerindo a

criação de uma política de apoio à economia solidária, com a institucionalização de uma

Secretaria Nacional de Economia Solidária. Segundo o registro histórico do Fórum

Brasileiro de Economia Solidária (FBES, 2015), essa plenária iniciou o debate sobre

uma plataforma de lutas, uma carta de princípios e a criação de um fórum nacional da

EcoSol.

No III Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em

2003, foi realizada a II Plenária Nacional da Economia Solidária. Nesse momento, o

governo Lula anunciou o compromisso de criar a Secretaria Nacional da Economia

Solidária, sob a direção do professor Paul Singer6. Tal órgão foi efetivamente instituído

pelo Decreto n. 4764, de 24 de junho de 2003, no âmbito do Ministério do Trabalho e

Emprego.

Singer, indicado como secretário após demanda dos próprios movimentos

sociais que fomentaram a criação da SENAES, permaneceu como secretário até o ano

de 2016, quando o processo de impedimento afastou a presidente Dilma Rousseff. A

indicação de Singer como secretário foi uma demanda da própria sociedade civil, em

razão da sua notória fluência e militância em torno da EcoSol, aliado ao fato de Singer

6 Paul Singer, filho de pequenos comerciantes judeus que emigraram para o Brasil em razão das

perseguições alemãs aos judeus, fez curso técnico em eletrotécnica, em São Paulo, onde exerceu a

profissão entre 1952 e 1956. Nesse período, filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,

militando no movimento sindical, liderando movimentos grevistas, tal como o ocorrido em 1953, que

envolveu cerca de 300 mil trabalhadores. Obteve a cidadania brasileira em 1954. Posteriormente,

estudou economia na Universidade de São Paulo (USP), ao mesmo tempo em que desenvolvia atividade

político-partidária, no PSB. Em 1960, iniciou sua atividade docente na USP. Em 1966, obteve o grau de

doutor em Sociologia com um estudo sobre desenvolvimento econômico e seus desdobramentos

territoriais, orientado por Florestan Fernandes. Entre 1966 e 1967 estudou dinâmica populacional na

Livre-docência demografia na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Em 1968 retomou a docência

na USP até ter seus direitos políticos cassados pelo AI-5, quando foi aposentado compulsoriamente, em

razão de suas atividades políticas, em 1969. A partir de 1979 voltou à atividade docente, como professor

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde permaneceu por quatro anos. Em 1980

ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, ao lado de outros intelectuais historicamente ligados

à esquerda, em 1984 voltou a ensinar na USP e em 1989 assumiu a Secretaria de Planejamento do

município de São Paulo, ocupando o posto até 1992. Trabalhando desde então com o tema da economia

solidária, o professor Singer ajudou a criar a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da

USP, em 1998.

53

ter sido um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, convergindo os interesses

entre o Chefe do Executivo e a sociedade civil nesta indicação.

Havia, na ocasião, muitas expectativas em relação aos direcionamentos que as

políticas públicas brasileiras assumiriam a partir de então: esperava-se uma mudança de

perspectiva das ações políticas empreendidas pelo Estado. Acreditava-se em um maior

estímulo a novas propostas de desenvolvimento sustentável, por exemplo, por meio da

aproximação das políticas públicas de geração de renda com a defesa de interesses

ambientais. Havia a expectativa de incorporação pública da lógica da economia

solidária e, por conseguinte, o início de um novo ciclo de iniciativas: políticas

ambientais mais incisivas; o estímulo de ações econômicas autogestionárias e menos

exploratórias; programas educacionais mais transversais e interdisciplinares; a

priorização de iniciativas sociais mais includentes; e a valorização dos pequenos

agricultores em detrimento dos agronegócios monocultores do país. A instituição da

SENAES assumiu, portanto, um poder simbólico significativo, já que o seu

compromisso de estímulo e fortalecimento de estratégias de cooperação social gerou

para uma parcela da sociedade e para diversos movimentos sociais o anseio de mudança

de orientação das decisões públicas do Estado brasileiro.

A 3ª Plenária Brasileira de Economia Solidária ocorreu pouco após a criação da

SENAES, e teve a incumbência de articular e mobilizar as bases da EcoSol pelo país

para se criar um ambiente de maior convergência, a partir das diretrizes aprovadas numa

carta de princípios elaborada naquele encontro. Ademais, definiu-se a estrutura,

composição e sistemática de funcionamento do Fórum Brasileiro de Economia

Solidária, instrumento essencial de articulação entre os participantes locais e regionais e

a SENAES. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) assumiu o compromisso

de promover maior interação entre o poder público e os anseios econômicos, sociais e

políticos dos trabalhadores que assumem a lógica da economia solidária, na expectativa

de superar posturas tradicionais que alimentam um modo de produção e de relações

sociais subordinante e exploratório.

A institucionalização da EcoSol, todavia, suscitou o receio de,

contraditoriamente, haver uma diminuição da autonomia dos trabalhadores por meio do

aumento da intervenção do Estado ou da dependência de políticas públicas específicas.

Assim, ao mesmo tempo que houve a criação de um órgão público especificamente

designado para fomentar e incluir a EcoSol na agenda das políticas públicas do país,

correu-se o risco do surgimento de práticas assistencialistas e clientelistas, com as quais

54

produtores acabem por reforçar a noção de “Estado provedor”, em absoluta contradição

com as propostas da EcoSol, que entende o trabalho como estratégia de fomento à

autonomia e liberdade. A intenção da integração da SENAES na estrutura do Estado

brasileiro intencionou, pois, contribuir para superar práticas tradicionais de dependência

que têm comprometido a autonomia necessária para o desenvolvimento das

organizações sociais, dos grupos informais e dos agricultores/as do país.

Outra ponderação que merece ser apontada diz respeito ao fato de que a

institucionalização da EcoSol pode fazer com que as decisões dos produtores/as não

sejam executáveis pelos Estados por conflitos de interesses, além de correrem o risco de

serem atravancadas pelos formalismos e procedimentos que orientam as ações de

Estado. A preocupação, portanto, era que a burocracia - típica do poder público em face

da legalidade que orienta um Estado de Direito - poderia se reverter, no fim das contas,

no emperramento de ações que antes da SENAES eram menos complexas, mais rápidas,

mais independentes, embora não tivesse o apoio público.

A partir do funcionamento dos Fóruns Brasileiros de Economia Solidária

(FBES) foram organizados eventos estaduais e regionais que deveriam discutir e

compilar as demandas locais e reuni-las para levá-las aos eventos nacionais. A

descentralização das discussões sobre os rumos da EcoSol no Brasil foi

progressivamente adquirindo projeção: em 2002 existiam encontros em apenas cinco

Estados da federação; já em 2003 foram registradas plenárias em 17 Estados. A partir de

2006 realizaram-se fóruns estaduais em todos os Estados brasileiros (FBES, 2015).

O FBES atua com três frentes de discussões, quais sejam: os empreendimentos

econômicos solidários; as entidades de assessoria e fomento; e os gestores públicos,

promovendo articulações para além das fronteiras nacionais. São crescentes as

discussões sobre as experiências e estratégias em favor da economia solidária no âmbito

de toda a América Latina, onde foi criada a Rede Intercontinental para a Promoção da

Economia Solidária (RIPESS).

Vê-se, então, que a EcoSol ganha progressiva projeção na pauta das agendas

institucionais e dos movimentos sociais no Brasil, uma vez que o trabalho

autogestionado passou a ser percebido como uma alternativa economicamente viável e

socialmente justa para a geração de renda. Nesse sentido, sobretudo a partir da década

de 1990 do século passado, a ideia de obtenção de trabalho e renda via economia

solidária adquiriu proeminência, ampliando-se o número de experimentos associativos

55

que passaram a ser organizados pelos trabalhadores, no meio urbano e rural

(GONÇALVES, 2009).

No âmbito rural, especificamente, variadas atividades alternativas que assumem

princípios da economia solidária e que são capazes de conviver com as especificidades

do semiárido vêm sendo introduzidas ou fomentadas, tais como artesanato (inclusive

com aproveitamento de resíduos industriais), fabricação de doces, apicultura, produção

de hortaliças, caprinovinocultura, legumes, verduras e frutas e, a depender dos aspectos

climáticos, queijo e leite. Como consequência, percebe-se a organização e valorização

do trabalho de pequenos grupos produtivos, o que reflete o reconhecimento da

possibilidade de geração de renda mesmo em mínimos espaços rurais, além de favorecer

o trabalho desempenhado por agrupamentos de base familiar - o que beneficia a

participação feminina, já que viabiliza a cumulação de trabalho doméstico e de cuidado,

com a geração de renda.

No Estado do Rio Grande do Norte, a Rede Xique Xique de Comercialização

Solidária destaca-se no apoio à comercialização dos bens produzidos por pequenos

agricultores, grupos informais, associações e cooperativas do semiárido

norteriograndense, além de atuar na mobilização política das/os produtoras/es da região.

Ademais, tal entidade realiza encontros periódicos de formação e troca de experiências

entre os coletivos integrantes da Rede, além de organizar feiras e participar de eventos

sobre EcoSol, feminismo e agroecologia, tripé que orienta as suas ações e decisões.

As experiências de EcoSol no Brasil, entretanto, são comuns a distintos

contextos econômicos e sociais: empresas falidas ou em crise, recuperadas pelos

trabalhadores; grupos e associações comunitárias, de caráter formal ou informal;

associações e cooperativas constituídas por agricultores/as familiares e assentados da

reforma agrária; cooperativas urbanas; grupos de finanças solidárias, dentre outros.

Significativas pressões dos movimentos sociais cobram ações públicas na área

da EcoSol, a fim de que, em longo prazo e na melhor das hipóteses, haja não somente

uma mudança nos rumos das ações e das políticas encabeçadas pelo Estado brasileiro,

mas a ampliação do exercício dos direitos sociais e, por conseguinte, da cidadania, pela

via do trabalho, resultando em um processo de alargamento e consolidação da

democracia brasileira. Tal postura parte do pressuposto exposto por Cohn (2011, p. 10),

de que a ampliação da democracia política e social é um instrumento civil que tem

como resultado o fortalecimento da dimensão pública da vida social no processo de

rearticulação da relação Estado-sociedade civil, o que é também afirmado por Amartya

56

Sen (2000), quando defende que o desenvolvimento numa perspectiva humana é

pressuposto para um processo de expansão das capacidades dos indivíduos, como as

liberdades públicas, que asseguram a participação nas ações do Estado, por meio de

processos democráticos.

A sociedade civil organizada, em conjunção com as pastorais sociais, articulada

com as universidades e organizações não-governamentais, vem contribuindo

significativamente para a conquista e implementação de direitos, inclusive em se

tratando da inserção da EcoSol como uma estratégia política nacional a orientar os

investimentos públicos. Todavia, ao tempo em que é perceptível o incremento de

políticas públicas que assumem propostas da EcoSol, ainda há uma substancial

fragilidade institucional da SENAES que, além de figurar como estratégia periférica de

desenvolvimento para o Estado brasileiro, ainda está suscetível a sucumbir diante das

vicissitudes ou instabilidades políticas que imperam no Brasil hodiernamente.

Na conjuntura atual, o Brasil passa por dificuldades orçamentárias que impõem

corte nos gastos públicos e/ou uma política de incremento de receitas. Em decorrência

deste cenário, o governo federal negociou com os partidos que compõem a base do

governo uma reforma ministerial para o ano de 2015, a fim de diminuir a estrutura do

governo, com o propósito de atender às políticas de contensão de gastos.

Especificamente em relação à SENAES, Paul Singer chegou a informar à Revista Carta

Capital (REPORTER BRASIL, 2015) que recebeu um aviso de que seria exonerado, e

em seu posto iria haver a indicação de um político ligado ao Partido Democrático

Trabalhista (PDT), vez que o governo estava com dificuldades de aprovação de ações

do seu interesse no Congresso Nacional, e tal indicação seria uma estratégia para

obtenção de apoio para aprovar projetos do governo.

Paul Singer, anteriormente, já havia exposto à imprensa que o governo teria de optar

entre as vantagens do poder ou seu projeto para o país, alertando que o Partido dos

Trabalhadores (PT) poderia perder a base social que balizou a sua institucionalização como

partido político se seguisse adotando medidas de austeridade. Houve uma redução

orçamentária que gira em torno de 60% do que seria o orçamento de 2015. Nos termos do

exposto no Portal da Transparência Brasil, que divulga gastos públicos, o orçamento direto

da SENAES em 2015 foi cerca de R$ 151 milhões, até 31 de agosto. Em 2014, foi cerca

de R$ 227 milhões, e em 2013 cerca de R$ 194 milhões.

Afirma, ademais, Singer, que os mais de vinte mil grupos brasileiros que praticam

EcoSol fizeram um protesto, em 2015, em um encontro que realizaram em Santa Maria

57

(RS), em razão dos cortes orçamentários. Membros da SENAES informavam que se Paul

Singer fosse substituído iriam pedir demissão, dada a sua especialidade e experiência na

área, o que significaria a perda das ações empreendidas ao longo de 12 anos de existência

da secretaria.

Diante da abertura do processo de impedimento que culminou no afastamento da

Presidente Dilma Rousseff do governo, um dos primeiros atos do novo presidente, Michel

Temer, ainda em seu mandato interino, foi nomear para coordenar a SENAES Natalino

Oldakoski, escrivão de polícia Classe C 1, aposentado pelo Estado do Paraná. Tal

iniciativa foi bastante contestada pelos grupos, fóruns e redes de EcoSol do Brasil,

sobretudo pela descontinuidade das políticas públicas já implementadas e pela

desorganização de informações e dados relativos à EcoSol no Brasil.

1.2.2 O que a SENAES propôs até 2016?

Após o início do processo de redemocratização que culminou com a

promulgação da Constituição Federal de 1988, buscou-se a efetivação de políticas

neoliberais no Brasil, precisamente nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Essas iniciativas, ao fomentarem a ideia de Estado mínimo e fortalecerem a iniciativa

privada, repercutiu no crescimento das organizações não governamentais (ONGs).

Com o robustecimento dos movimentos sociais no Brasil, que culminou com a

eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, houve

reflexos importantes na área da EcoSol, tanto que, em 2003, em resposta às pressões

sociais (seminários, plenárias, fóruns, cartas, passeatas, dentre outras) das articulações

da sociedade civil organizada, dentre as quais se destacaria a Central Única dos

Trabalhadores (CUT), no campo da economia solidária, instituiu-se, no âmbito do

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia Solidária

– SENAES.

Tal iniciativa representou uma importante mudança de perspectiva no que se

refere às atribuições do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), significativamente

ampliadas. Tal ministério trataria, a partir de então, não somente de relações regidas

pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas também do estímulo e

fortalecimento do trabalho autogestionado, associado e cooperado, diretrizes que

competem à SENAES fomentar, nos termos do Decreto n. 5063, de 08 de maio de 2004.

Assim, houve um ganho social relevante com a criação desta secretaria, sobretudo com

58

a ampliação dos horizontes do MTE que, ademais de velar pela proteção dos

trabalhadores assalariados, expandiu os seus desafios e passou a tratar de ações políticas

relativas ao trabalho autônomo e às organizações coletivas de trabalho, atribuição

inédita7.

Assim, além de fiscalizar e gerir relações laborais regidas pela CLT, políticas

salariais e proteção do meio ambiente do trabalho, o MTE passou a tratar de

cooperativas, associações, grupos informais de trabalhadores autônomos, tais como

pescadores, catadores de material reciclado. A SENAES, pois, qualificou a atuação do

MTE no que diz respeito ao seu dever legal de proporcionar o usufruto de direitos

sociais também a trabalhadores não assalariados, inclusive com o estímulo à criação,

manutenção e ampliação de oportunidades de trabalho e acesso à renda, por meio de

empreendimentos autogestionados, organizados de forma coletiva e participativa.

Segundo o Decreto n. 5063/2004, a SENAES possui legalmente a atribuição de

subsidiar a definição e coordenar as políticas de economia solidária no âmbito do MTE

que contribuam para a determinação de diretrizes e prioridades da política de economia

solidária, a partir da articulação com representações da sociedade civil. Tem o objetivo,

portanto, de estimular as relações sociais de produção e consumo baseadas na

cooperação, na solidariedade e na satisfação e valorização dos seres humanos e do meio

ambiente, visando a geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do

desenvolvimento justo e solidário8.

Instituída para colaborar com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego de

promover os direitos humanos dos trabalhadores brasileiros, a SENAES colocou a

EcoSol como um referencial a ser fomentado pelo Estado brasileiro, via criação e

fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários, por meio de ações diretas

ou por meio de cooperação e convênios com outros órgãos governamentais (federais,

estaduais e municipais) e com organizações da sociedade civil vinculadas à temática da

economia solidária (MTE, 2015).

7 Relação de trabalho é o gênero do qual faz parte da relação de emprego. Esta se caracteriza por ser

onerosa, prestado de forma pessoal e habitualmente, por pessoa física, mediante subordinação jurídica a

um empregador, que assume os riscos da atividade econômica desenvolvida. Existem relações de trabalho

que não possuem tais características, tais como o trabalho avulso, eventual, voluntário, por exemplo. 8O inciso XIII do art. 30 da Lei n

o 10.683, de 28 de maio de 2003, instituiu o Conselho Nacional de

Economia Solidária, que é órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego,

composto por entes da chefia do executivo, variados ministérios, entes da sociedade civil e órgãos

públicos de fomento, que tem natureza consultiva e propositiva, e assumiu a finalidade, em suma, de

avaliar o cumprimento de programas, propor aperfeiçoamento da legislação e examinar propostas de

políticas públicas na área de economia solidária.

59

Seria de sua competência, ainda, planejar, controlar e avaliar os programas

relacionados à economia solidária, bem como colaborar com outros órgãos de governo

em programas multidisciplinares de desenvolvimento e combate ao desemprego e à

pobreza, de modo a promover uma transversalização da EcoSol na estrutura e ações do

Estado. Para cumprir o seu mister, a SENAES, em 2003, contava com 19 funcionários

e, em 2010, este número aumentou para 44 funcionários, entre estagiários, terceirizados,

servidores públicos e comissionados (SENAES/MTE, 2015). Em relação aos órgãos

internos, a secretaria foi instituída com a seguinte estrutura:

Quadro 4 Organograma administrativo da SENAES

Fonte: Avanços e desafios para as políticas públicas no governo federal 2003/2010

A fim de efetivar as determinações que lhe foram designadas por lei, a SENAES

passou, entre os anos de 2004 e 2007, a realizar a estruturação das ações de formação

em “Economia Solidária, Políticas Públicas e Desenvolvimento Solidário” para os

servidores do MTE que trabalham nas Secretarias Regionais do Trabalho e Emprego

(SRTE‟s) e atuam em programas de apoio à EcoSol, uma vez que estes órgãos têm a

atribuição de fiscalizar o cumprimento de normas de saúde, higiene e segurança do

60

trabalho e os seus servidores precisariam de noções básicas sobre o tema para as

conjunturas existentes no Brasil.

As políticas públicas afetas à SENAES assumiram, entre 2003 e 2016, o papel

pedagógico de estimular o questionamento crítico dos valores e práticas predominantes

atualmente na sociedade, especialmente tendo em vista as propostas de

desenvolvimento do Estado brasileiro. Para tanto, estimulou, via políticas públicas,

relações humanas de produção e consumo mais equilibradas ambientalmente, ao tempo

em que buscou investir em meios viáveis de valorização dos direitos humanos do

trabalhador, tal como, por exemplo, instigando a responsabilidade social com a cadeia

produtiva dos produtos comercializados/adquiridos, concedendo apoio técnico aos

grupos autogestionários.

A EcoSol, como projeto político que visa buscar o empoderamento e a

autonomia dos indivíduos, procura estimular meios produtivos que tenham uma maior

interação e compatibilidade entre o desenvolvimento humano e ambiental. A SENAES,

nesse sentido, assumiu a proposta de contribuir para o alcance deste objetivo, por meio

do incentivo à construção de uma nova “racionalidade ambiental”, com a edição de

políticas públicas capazes de recuperar o sentido do pensamento e da ação humana e

institucional na ordem social e nos modos de vida das pessoas, integrando a razão e os

valores, à natureza e à cultura (LEFF, 2009). Esta mudança de perspectiva, porém, tem

demandado a discussão e avaliação dos padrões morais sobre os quais os indivíduos e,

por conseguinte, a sociedade e as instituições estão calcadas. Segundo Leff (2009, p.

49),

Diante da racionalidade instrumental de um mundo objetivado pela

metafísica e pela ciência, a racionalidade ambiental coloca em jogo o

valor da teoria, da ética, das significações culturais e dos movimentos

sociais na invenção de uma nova racionalidade social, na qual

prevalecem os valores da sustentabilidade, da diversidade e da

diferença frente à homogeneização do mundo, ao ganho econômico,

ao interesse prático e à submissão dos meios aos fins traçados de

antemão pela visão utilitarista do mundo. O saber ambiental orienta

uma nova racionalidade para os “fins” (grifos do autor) da

sustentabilidade, da equidade, da democracia.

Nesse sentido, a inclusão do trabalho autogestionado e cooperativo como uma

estratégia em favor da disseminação de uma racionalidade mais próxima da justiça

social se demonstra, tal como asseverado por Leff (2009), como um passo importante

61

para estimular novas práticas produtivas. Porém, o que conferiu mais legitimidade à

criação da SENAES e sinalizou uma disposição social mais comprometida com novas

formas de relações intersubjetivas, foi o fato de que a sua inserção na estrutura do

Estado foi uma demanda dos movimentos sociais. Isto indica que a SENAES figura

como um instrumento público e popular de promoção de uma racionalidade ambiental,

cultural, política e econômica, capaz de fomentar padrões produtivos menos

exploratórios, relações sociais mais iguais, convívio ambiental mais equilibrado.

Mary Douglas (1998), ao investigar o relacionamento entre mentes e instituições

em várias comunidades, entende que mesmo os indivíduos compartilhando pensamentos

e harmonizando as suas preferências na sociedade, as principais decisões sociais são

determinadas pelas instituições. Por esta razão, há descontinuidade entre as demandas

apresentadas pelos indivíduos e as ações políticas institucionais respectivas. É como se

houvesse uma perda de força no caminho entre a demanda da sociedade e as ações

públicas, pois as decisões decorrentes da apropriação das necessidades da população

pelo Estado se submetem não só às formalidades e burocracias próprias da

administração pública - ainda mais rígidas num Estado de Direito - mas também aos

interesses políticos e econômicos em disputa.

A própria garantia da governança9, portanto, ocasiona uma posição ambígua

para o Estado em determinados contextos, já que, por um lado, ele precisa de tributos

para se autossustentar – o que exige negociação com interesses econômicos dominantes

- e, por outro, precisa atender às demandas multifacetárias da sociedade, a fim de

alcançar o mínimo de legitimidade e estabilidade social. O dever institucional de

regular a vida social, de neutralizar as tensões geradas pela contradição entre os

investimentos econômicos e atender aos anseios sociais, exige do Estado a capacidade

de compatibilizar minimamente interesses que são cada vez mais antagônicos, sob pena

do próprio Poder Público sofrer consequências estruturais complexas, tal como a falta

de credibilidade das suas instituições.

No Brasil, particularmente, há dificuldades, inclusive, de compatibilizar as

tensões entre a esfera pública e a política, que se configuram como se fossem vontades

incomunicadas, em razão da crise de representatividade pela qual o país passa. Pode-se,

citar, por exemplo, a autorização para a modificação genética de alimentos, que, em

9 Segundo o Banco Mundial (Governance and Development, 1992), “governança é a maneira pela qual

o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o

desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir

funções”.

62

absoluta contradição, foi concedida pelo mesmo governo que criou a SENAES. Tal

contexto é agravado substancialmente pelas práticas políticas espúrias que dificultam o

cumprimento das agendas políticas apresentadas em campanhas eleitorais, que, por sua

vez, sequer têm seus resultados respeitados.

Boaventura de Sousa Santos (2011), nesse sentido, chama a atenção para a

necessidade, mesmo diante das contradições que existem os Estados modernos, de

manter padrões mínimos de igualdade de oportunidades às diversas propostas sociais de

convivialidade, ao tempo em que defende que sejam resguardados meios de intervenção

dos indivíduos nas decisões públicas. Para este autor, para compatibilizar as pressões do

capitalismo transnacionalizado e as demandas por reconhecimento e redistribuição

sociais, é necessário que o Estado se assente em dois princípios:

O primeiro é a garantia de que as diferentes soluções institucionais

multiculturais desfrutaram de iguais condições para se desenvolverem

segundo a sua lógica própria. Ou seja, garantia de igualdade de

oportunidades às diferentes propostas de institucionalidade

democrática, mas também – e é este o segundo princípio de

experimentação política – garantir padrões mínimos de inclusão que

torne possível a cidadania ativa necessária a monitorar, acompanhar e

avaliar os projetos alternativos. Estes padrões mínimos de inclusão são

indispensáveis para transformar a instabilidade institucional em

campo de deliberação democrática (2011, p. 79).

A SENAES, como produto direto dos movimentos sociais, figurou como um

instrumento de conversão de demandas de grupos sociais tradicionalmente

marginalizados em política institucional. Por conseguinte, ao tempo em que deve

cumprir as exigências normativas e as rotinas administrativas do Estado de Direito

brasileiro, apresenta ressalvas à lógica de que as decisões públicas são alimentadas pela

crítica dos movimentos sociais, já que ela representa a decisão de um governo de

assimilar o pleito da própria sociedade civil de inserir a EcoSol na estrutura do Estado.

Para a sua própria legitimação e adesão social às suas iniciativas, precisa se

compatibilizar com as decisões sociais e políticas do organismo estatal, o que muitas

vezes gera conflitos e contradições, sobretudo diante do pouco poder de negociação que

os cidadãos possuem. Assim, o poder da crítica dos movimentos sociais, ao invés de

enfraquecer, justifica a existência da SENAES, ao tempo em que direcionou as suas

ações. Por isso, esta secretaria assume um papel político importante frente às demais

decisões públicas do Estado brasileiro, figurando como contraponto para o poder

público, assim como são os movimentos sociais.

63

A SENAES tem como principal público-alvo cidadãs e cidadãos organizados ou

que queiram se organizar nas formas da economia popular solidária. A prioridade de

assessoramento é para aqueles que vivem em situação de maior vulnerabilidade social,

particularmente aqueles beneficiados por programas de transferência de renda e de

geração de trabalho e renda. Diante da diversidade de conjunturas dos sujeitos deste

setor e da dimensão continental do país, a SENAES tem o desafio de manter,

efetivamente, um diálogo permanente com os beneficiários das suas políticas, via

articulação com a sociedade civil, universidades, pastorais e com os entes federados,

com o fito de garantir às ações implementadas respaldo e eficácia.

Em relação à distribuição de ações da SENAES ao longo dos anos, observa-se

instabilidade das políticas empreendidas, sobretudo diante do crescimento irregular das

ações desenvolvidas. Tal condição decorre, dentre outras razões, porque o primeiro

governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva viveu uma conjuntura externa

favorável, dada a confiabilidade internacional na capacidade do governo brasileiro

harmonizar interesses do grande capital e das demandas sociais. Como reflexo deste

contexto, houve um pico de crescimento de projetos apoiados no ano 2005. À medida

que esse ciclo externo favorável se esgota em face das instabilidades econômicas e

políticas do país, há uma tendência de maior pressão das elites políticas e econômicas

na busca pela manutenção dos seus privilégios. Tal conjuntura favorece a

descontinuidade de muitas políticas sociais, de modo a se reduzir o atendimento às

demandas populares, favorecendo crises institucionais.

A figura 2 mostra a inconstância do número de projetos de EcoSol apoiados pela

SENAES, no período de 2003 e 2010:

Figura 2 Projetos apoiados por ano (2003-2010)

Fonte: Pesquisa SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011

64

Quanto às áreas de alocação ou distribuição dos recursos financeiros destinados

à SENAES, eles abrigam diversos eixos de atuação, variando da finalidade de promoção

do desenvolvimento local, via apoio de catadores de materiais recicláveis, até a

assessoria técnica para a comercialização solidária.

Entre os anos de 2003 e 2010, houve investimentos em projetos de várias

vertentes. Vejamos:

Quadro 5 Distribuição de projetos por ações agregadas (2003-2010).

Fonte: Pesquisa SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011.

No Estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, a SENAES desenvolve alguns

projetos em parceira com a Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da

Assistência Social – SETHAS. Esta secretaria recebeu frequentemente inspeções do

governo federal, entre 2004 e 2016, com o escopo de prestar assessoria, bem como de

verificar o andamento dos projetos empreendidos. Uma área de constante interlocução

do Rio Grande do Norte com a SENAES diz respeito à inclusão produtiva,

especialmente em face dos obstáculos ao potencial produtivo da região, principalmente

no semiárido nordestino. Dos 167 municípios do Estado, 86 já contam com ações

integradas de EcoSol, o que coloca o Rio Grande do Norte como uma referência

nacional em políticas desta área, segundo o secretário adjunto da Secretaria Nacional de

Economia Solidária (SENAES), Roberto Marinho (REDE, 2015).

65

No que se refere à distribuição dos investimentos promovidos pela SENAES,

entre 2003 e 2010 houve subsídio a 435 projetos, desenvolvidos em sua maioria nas

regiões nordeste e sudeste. A título de exemplo, a Rede Xique Xique foi beneficiária de

várias ações da SENAES, por meio do apoio de outras entidades executoras, como a

Associação de Apoio às Comunidades do Campo (AACC) e a Articulação Semiárido

Brasileiro (ASA). O primeiro projeto para o qual a Rede Xique Xique foi selecionada

como entidade executora foi o denominado “Apoio ao Sistema Nacional de Comércio

Justo e Solidário no Brasil: fortalecendo identidade, processos e práticas de base justa e

solidária”10

.

Segundo as informações do Mapeamento da Economia Solidária (2007), 4% da

população total potiguar está envolvida com ações de EcoSol, com a predominância da

participação masculina. O levantamento aponta também que a tendência das atividades

associativas no Estado são as parcerias para a utilização dos espaços (infraestrutura) e

equipamentos, seguidas das ações produtivas.

A SENAES financia tanto projetos regionais, em articulação com entes

federativos, como também iniciativas de abrangência nacional. Segundo o entrevistado

3, ainda se observa uma substancial centralização no governo federal das iniciativas de

projetos e investimentos em EcoSol. Segundo ele, tal situação indica a necessidade de

uma maior coordenação e entrosamento das políticas públicas de EcoSol, de modo a

favorecer a sua replicação pelos Estados e Municípios, considerando as peculiaridades

de cada região. A expectativa, segundo o entrevistado, é contar com a adesão dos entes

federados em relação à assimilação da lógica da EcoSol às políticas públicas locais, de

modo que a função da SENAES seja articular ou gerenciar em nível nacional as diversas

ações empreendidas em âmbito local ou regional, cabendo à cada ente federado o seu

planejamento, execução e avaliação.

No que se refere aos projetos apoiados pela SENAES por região, observa-se que

o nordeste é quem conta com o maior quantitativo:

10

O mencionado projeto tem como metas: Meta 1. Mobilização de 1680 empreendimentos para a adesão

ao SCJS; Meta 2. Desenvolvimento de metodologia participativa para credenciamento dos

empreendimentos; Meta 3. Desenvolvimento de um processo de planejamento, Monitoramento,

Avaliação e Sistematização do Projeto; Meta 4. Mobilização e Apoio as Comissões estaduais de

credenciamento dos empreendimentos; Meta 5: Articulação dos estados de Alagoas, Pernambuco, Mato

Grosso e Espírito Santo para adesão ao CADSOL e ao SCJS; Meta 6: Constituição de quatro comissões

gestoras estaduais de cadastro, informação e comércio justo e qualificação das lideranças sobre a

metodologia do CADSOL; Meta 7: Realização de um Seminário Nacional com representantes das 20

Comissões Gestoras Estaduais de Cadastro, Informação e Comércio Justo. (Disponível em:<

http://cirandas.net/redexiquexique/noticias?npage=2 >. Acesso em 10 abr 2016.).

66

Quadro 6 Abrangência dos projetos apoiados (2003-2010)

Fonte: Pesquisa SENAES – SOLTEC/UFRJ, 2011

Dentre as principais políticas desenvolvidas com o escopo de difundir práticas

de EcoSol, tal secretaria ainda assessorou Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas

Populares, em parceria com diversas entidades (sobretudo universidades públicas), a fim

de fomentar a criação de empreendimentos solidários em áreas carentes, especialmente

entre os anos de 2003 e 2008 (MTE, 2015). A SENAES também propôs uma

capacitação para a formação de agentes e lideranças locais, com a implantação do Plano

Setorial de Qualificação em Economia Solidária (PLANSEQ Ecosol), com o objetivo de

promover a qualificação social e profissional de trabalhadores/as de empreendimentos

econômicos solidários organizados em redes ou em cadeias de produção e

comercialização.

As políticas da SENAES contam com parcerias de organizações que atuam com

apoio, assessoria e formação de empreendimentos solidários organizados em rede,

dentre os quais podemos citar o Instituto Paulo Freire, o Instituto Florestan Fernandes,

ONG‟s, dentre outros. Tais alianças objetivam ampliar o potencial de inclusão social e

de sustentabilidade econômica, além de conferir uma dimensão emancipatória mais

plena via redes sociais, tal como promovem a Rede Nacional de Cooperação Industrial

(Renaci), a Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF) e a Rede Justa Trama.

No período de 2008 a 2010, também se pode destacar o projeto do governo

federal de Organização Nacional da Comercialização dos Produtos e Serviços da

Economia Solidária, que visou dar suporte à implantação do Sistema Nacional de

Comércio Justo e Solidário (SNCJS), instituído pelo Decreto 7358/2010. Tal iniciativa

67

beneficiou diretamente 5,5 mil empreendimentos econômicos solidários, dentre os quais

se destaca, no Rio Grande do Norte, a Rede Xique Xique que, no ano de 2013, recebeu

1,5 milhão de reais da SENAES para criar processos de organização de sistemas

econômicos solidários e justos no âmbito dos diversos núcleos que compõem a REDE.

Observa-se, portanto, que embora a SENAES faça parte da recente estrutura

institucional do Estado brasileiro, entre 2003 e 2016, buscou construir articulações

importantes com vistas a atender demandas apresentadas pela sociedade ao poder

público. Para tanto, imprimiu nas políticas públicas das quais participa um viés

transversal e interdisciplinar, envolvendo outros ministérios e órgãos públicos

(estaduais e municipais) e privados, além de entidades da sociedade civil de variados

movimentos: juvenis, feministas, urbanos, rurais. Além de outras ações desenvolvidas

em parcerias, destaca-se, por exemplo, a articulação da SENAES com o Ministério da

Justiça (MJ), na execução do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

(PRONASCI)11

, e com o Ministério da Educação (MEC), com o Programa de Extensão

Universitária (PROEXT)12

, além de programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A EcoSol também tem agregado valor às suas políticas por se articular com

outros movimentos sociais, tal como o feminista. A título de exemplo, podemos citar

dois projetos da SENAES desenvolvidos em conjunto com a Secretaria de Políticas para

as Mulheres (SPM): o projeto Brasil Local – Economia solidária e Economia Feminista

(2010-2012), voltado para o mapeamento de parceiros e identificação de propostas de

políticas públicas para o fortalecimento produtivo das mulheres; bem como o projeto

que instituiu o prêmio “Mulheres Rurais que Produzem o Brasil Sustentável”, que

premia experiências inovadoras e sustentáveis de grupos do campo e da floresta, que já

foi conquistado pelo Centro Feminista 8 de Março13

, em razão do desenvolvimento de

11

Programa de segurança pública destinado a jovens de 15 a 24 anos em situação de vulnerabilidade

social disciplinado pela LEI Nº 11.530, de 24 de outubro de 2007. 12

O Programa de Extensão Universitária (ProExt) tem o objetivo de apoiar as instituições públicas de

ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a

implementação de políticas públicas. Tal programa passou a contar com um eixo temático voltado para

financiamentos de ações ou programas de extensão com linha de pesquisa em economia solidária. 13

O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma Organização Não-Governamental que surgiu em março de

1993 a partir de ações voltadas à reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da

Mulher (DEAM), em Mossoró/RN. A partir da demanda de grupos locais, o objetivo de defesa da

integridade física das mulheres foi ampliado, e o grupo passou a atuar em várias frentes para a igualdade

de gênero: fortalecimento das organizações de mulheres nos espaços sociais, em especial as trabalhadoras

rurais, oferecendo apoio, assessoria e formação em gênero aos grupos de mulheres, comissões de

mulheres dos sindicatos rurais, entidades de assessoria técnica, gerencial e organizativa que atuam no

meio rural e urbano de Mossoró e região (Disponível em: <https://centrofeminista.com/a-instituicao/ >.

Acesso em 16 abr 16.).

68

um projeto de reutilização da água doméstica para o cultivo de hortaliças manejadas em

cultivos e base ecológica.

A institucionalização da SENAES na estrutura do Estado brasileiro trouxe,

portanto, repercussões significativas para os grupos produtivos do país, o que tem

contribuído para a democratização do conhecimento técnico e, por conseguinte, para a

qualidade dos bens produzidos pelos beneficiários das políticas públicas para o campo.

A adesão das políticas de EcoSol no Brasil por entes públicos, privados, além da

sociedade civil organizada, é fundamental para a progressiva aceitação e internalização

dos princípios da EcoSol, o que tende a gerar repercussões positivas na qualidade de

vida da população, especialmente a rural, a partir de estratégias não exploratórias do

ponto de vista ambiental e humano.

1.3 Breve percurso do movimento feminista no Brasil e no mundo e suas inter-

relações com a agroecologia e com a EcoSol

A divisão sexual do trabalho é uma expressão de origem francesa criada sob

impulso do movimento feminista já no século XVIII para denominar a desigualdade

sistemática a que as mulheres são historicamente expostas no âmbito laboral – do

contexto familiar ao mercado de trabalho. Tal discriminação é produto de uma cultura

de dominação que, além de converter os corpos femininos em objeto, hipervalorizou

uma suposta aptidão masculina para o trabalho produtivo, em detrimento do trabalho

reprodutivo, destinado exclusivamente às mulheres. Este sistema de relações baseado na

sujeição a partir do gênero foi legitimado pelo modo de produção capitalista e pela

religião, e se caracterizou por subvalorizar a força de trabalho feminina,

desconsiderando as potencialidades econômicas de grande parcela da população

mundial, o que implicou em reflexos políticos, ambientais, científicos.

Embora absolutamente necessário, o trabalho dispendido com as atividades

domésticas, com o cuidado dos filhos, maridos e parentes idosos, com o preparo da

alimentação e com as pequenas produções no âmbito doméstico – sem os quais a renda

e a alimentação não contariam com a galinha, os ovos, as frutas, os legumes e hortaliças

- é tradicionalmente encarado como “ajuda” e desconsiderado para o pensamento

desenvolvido pelas ciências econômicas clássica e neoclássica (QUINTELA, 2006).

Esta conjuntura denuncia a invisibilidade da mulher nos modelos macroeconômicos, e

69

desperta questionamentos sobre a necessidade de se quantificar o trabalho feminino não

remunerado no âmbito familiar e comunitário para fins de inclusão nas contas nacionais,

como nos cálculos do orçamento e do Produto Interno Bruno (PIB) ou para a assistência

previdenciária, em caso de acidente ou doença, por exemplo.

A partir das últimas décadas do século passado, o aumento da participação

feminina em diversos âmbitos sociais suscitou discussões em torno da histórica

conversão cultural das diferenças biológicas/anatômicas, especificamente sexuais, dos

corpos humanos em desigualdade social. Tal perspectiva questiona as posturas que

desfavorecem e negam a contribuição das mulheres para a humanidade. Nesse sentido,

passou-se a contestar o ofuscamento de várias mulheres cientistas, tal como Olympe de

Gouges14

, a violência de gênero, a inexistência de políticas públicas de geração de renda

para as mulheres, as condições de produção, o acesso à terra, à linhas de créditos

específicas para as mulheres. Essa conjuntura foi mitigada pelo Brasil entre 2003 e

2016, com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que instituiu o I e o II

Plano Nacional de Política para as Mulheres, e que dialogou com vários outros

ministérios e secretarias em prol da correção de desigualdades históricas de gênero,

inclusive com a SENAES.

Ao analisar este contexto tradicional de marginalização, os movimentos

feministas de base socialista entendem que o funcionamento do sistema de capital é o

principal gerador de desigualdade entre homens e mulheres. Isto porque é base de

sustentação do capitalismo o pagamento de salários menores às mulheres, o

estabelecimento de entraves à ascensão feminina a cargos de chefia (denominado “teto

de vidro”), bem como a destinação de atividades precárias às mulheres, tais como os

postos de trabalho terceirizados (atividades-meio), contexto ainda mais precarizado nos

contextos em que não há suporte social às famílias (serviços de educação,

profissionalização, saúde, creches), submetendo-as a trabalhos informais e por tempo

parcial, a fim de compatibilizar o trabalho assalariado com os cuidados domésticos.

Tal segmentação por gênero, conforme Pinheiro et al (2006), está vinculada às

construções culturais e sociais em desfavor das mulheres, a atribuindo espaços e valores

14

Feminista revolucionária, historiadora e jornalista, autora de peças de teatro francesas, cujo

pseudônimo era Marie Gouze, Olympe nasceu em Montauban (França), em 1748 e morreu em 1793,

em Paris (França). Os seus escritos, invariavelmente feministas, alcançaram enorme popularidade na

Europa. Defendeu a democracia e o reconhecimento dos direitos das mulheres. Em contraposição à

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, durante a Revolução Francesa, lançou a

obra “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, em setembro de 1791, desafiando a conduta

sexista e a relação homem-mulher vigente naquele contexto. Devido aos escritos e atitudes pioneiras, foi

executada (Disponível em: <http://www.olympedegouges.eu/>. Acesso em 24 jul. 2016).

70

hierarquicamente diferenciados a mulheres e homens. Não se trata, portanto, de

questões relativas a atributos técnicos ou à escolarização, sobretudo porque as mulheres

apresentam melhores indicadores educacionais, mas de uma divisão sexista das

oportunidades laborais, ainda agravadas pelas políticas de desregulamentação dos

direitos trabalhistas, promovidas em nome de uma reestruturação produtiva que

equivale à renúncia de garantias sociais, situação ainda mais contundente em zonas

rurais, dadas as condições de pobreza e vulnerabilidade desses contextos, o que faz com

que as desigualdades sejam ainda mais gritantes.

Diante deste cenário, o movimento feminista passou a encampar iniciativas para

discutir mecanismos de contestação e transformação da sociedade, a partir da hipótese

de que a organização da estrutura social não é sexualmente neutra. Afirmam, pois, que a

construção cultural de uma identidade autêntica masculina conduziu a sectarismos e a

formas de dominação (FRASER, 2003), dualizando os comportamentos sociais: de um

lado os fortes, racionais, equilibrados, desbravadores, independentes e decididos, de

outro, as frágeis, histéricas, dependentes, comedidas, o que instituiu um sistema de

hierarquia entre homens e mulheres, invariavelmente mais prejudicial a estas.

Para propor a revisão dos papeis e estigmas sociais que giram em torno de “ser

mulher”, o movimento feminista buscou se aliar a outras iniciativas que lutam contra

relações históricas de desigualdade, inclusive buscando o estabelecimento de diálogos

mais horizontais e transdisciplinares do ponto de vista econômico. O objetivo, pois,

seria favorecer a ampliação da igualdade de oportunidades, a partir do reconhecimento

da autonomia e da capacidade de gerenciar as vocações e necessidades a grupos

humanos vulnerabilizados tradicionalmente, como os desempregados, campesinos/as,

negros/as, indígenas, quilombolas, também impedidos de exercerem a liberdade que

caracteriza a condição humana.

Os fomentadores da economia solidária perceberam as mulheres como agentes

produtivas importantes no processo de reconfiguração das relações econômicas,

humanas e ambientais vigentes, tendo em vista a maior disposição para a cooperação,

decorrentes das características ou estigmas históricos que elas tiverem de suportar. A

EcoSol, portanto, compreendeu as potencialidades do trabalho feminino em diversas

conjunturas, sobretudo porque as qualidades tradicionalmente atribuídas às mulheres

favorecem à autogestão, à relações de coordenação, bases para a EcoSol. Ademais, a

abertura que a EcoSol vem conferindo às mulheres, sobretudo via formação de redes

sociais, tem representado um importante recurso para o empoderamento político,

71

familiar, comunitário e social, pois tem provocado uma reestruturação do papel das

mulheres em diversas conjunturas das quais não participavam, o que é decisivo para a

desconcentração ou redistribuição de poder social.

A convergência entre EcoSol e feminismo deriva, portanto, do propósito comum

de fomentar relações intersubjetivas mais iguais, o que pressupõe o acesso paritário aos

espaços de participação comunitário, econômico e político por parte dos indivíduos. Tal

objetivo é comum a diversos grupos e movimentos sociais, que aliam princípios da

EcoSol às lutas feministas, tais como a Rede Latino-americana Mulheres

Transformando a Economia (REMTE)15

e a Rede de Economia Solidária e Feminista

(RESF), esta última criada em 2012, como resultado do Projeto Brasil Local Economia

Solidária Economia Feminista, proposto pela SENAES em parceria com outras

entidades.

No semiárido potiguar, a articulação entre a economia feminista e solidária vem

sendo qualificada pela agroecologia, que, conforme Gliessmann (2000), consiste na

aplicação dos princípios e conceitos da ecologia ao desenho e manejo de

agroecossistemas sustentáveis. Várias entidades do oeste do Rio Grande do Norte

realizam intercâmbios em torno da defesa de princípio da EcoSol, aliados ao feminismo

e à agroecologia, tal como o Centro Feminista 8 de Março, a Articulação Semiárido

Brasileiro (ASA) e a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária. A agroecologia,

ao integrar conhecimentos de agronomia, ecologia, economia e sociologia (ALTIERI,

1989), vem contribuindo para a validação científica de saberes tradicionais e,

reflexamente, reafirma valores comuns aos propagados pela EcoSol e pelo feminismo,

tal como o respeito à capacidade de suporte dos recursos naturais, à formação de cadeias

produtivas não-exploratórias e à ideia de simbiose entre os indivíduos e o meio

ambiente.

15

A Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE) constituiu-se em 1997, com

o objetivo de contribuir para a apropriação crítica da economia por parte das mulheres, através de geração

de ideias, debates, ações e iniciativas políticas. Fazem parte da REMTE grupos de 10 países: Bolívia,

Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, México, Peru, Venezuela; os quais reúnem

mulheres urbanas e rurais, organizações de base, ONGs e academias envolvidas na construção do

movimento feminista. A rede partilha amplas iniciativas de luta contra o neoliberalismo e o “livre

comércio”, a dívida e a militarização, naquilo que se refere à sua visão feminista. Possui articulações com

a Marcha Mundial das Mulheres, o Fórum Social Mundial – faz parte de seu Conselho Internacional –, a

Assembleia de Movimentos Sociais, a Aliança Social Continental, a Minga Informativa dos Movimentos

Sociais e outros (Disponível em:<

http://www.servicioskoinonia.org/agenda/archivo/portugues/obra.php?ncodigo=30>. Acesso em 15 ago.

2016).

72

Esta comunhão de perspectivas gerou movimentos e organizações que fomentam

a reconfiguração das cadeias de produção convencionais da agricultura - baseadas em

insumos agroquímicos - utilizados exponencialmente após a segunda guerra mundial

(GLIESSMAN, 2000). Ademais, a produção no campo em larga escala se caracteriza

por desconsiderar prerrogativas sociais básicas, como os direitos trabalhistas dos

trabalhadores/as rurais, além de impor uma lógica produtivista predatória, do ponto de

vista ambiental. Tal perspectiva vem fomentando o progressivo reconhecimento da

necessidade de investir em meios interdisciplinares de produção, baseados na gestão

colaborativa, não-hierárquica e comprometida com a capacidade de resiliência dos

recursos naturais, que entende a agroecologia como um mecanismo em favor da

afirmação dos direitos humanos.

Nesse sentido, o movimento feminista de base marxista entendeu que era

importante a reestruturação do modo de produção hegemônico como basilar na busca

por maior igualdade de gênero (FERGUSON; HENNESSY, 2010). – que, ao se

articular com movimentos sociais que questionam os paradigmas exploratórios,

suscitam novas propostas de orientação da ordem econômica contemporânea. Para

tanto, o feminismo se aproximou dos princípios da economia solidária e da agroecologia

como meios de construção de novas bases para as relações intersubjetivas e ambientais

contemporâneas.

1.3.1 Trajetória da institucionalização do fomento à construção de uma

Economia Feminista e Solidária no Brasil

De 1827, quando as mulheres passaram a ter direito de frequentar a escola no

Brasil, a 1940, quando os movimentos e organizações feministas começaram a ser

duramente repreendidos em face do início de um período autoritário, avanços e

retrocessos caracterizaram a história das lutas feministas no Brasil. Entre a fase

autoritária de 1940 e 1970 houve uma estagnação nos avanços pelo reconhecimento

público de direitos das mulheres, o que acarretou na ascensão de agrupamentos e da

participação feminina em diversos movimentos políticos brasileiros (BANDEIRA;

MELO, 2010).

A partir da década de 1970 do século passado uma nova onda feminista cresceu

em nível mundial. Como resultado da difusão do pensamento feminista, baseado na

repercussão dos livros de Simone de Beauvoir (1910-1986) – O Segundo Sexo (1949) –

73

e de Betty Friedman (1921-2006) – A Mística Feminina (1963), as mulheres ganharam

as ruas para criticar as dificuldades que giram em torno da condição feminina. Em 1975,

a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou a Conferência Internacional sobre a

Mulher, no México, motivo pelo qual esse ano foi declarado, pela primeira vez na

história, como Ano Internacional da Mulher. No mesmo ano foi instituído no Brasil o

Movimento Feminino pela Anistia, em São Paulo, que se alastrou por diversos Estados

do país. Dado o alto índice de violência contra a mulher no Brasil – número não

quantificado em face da ausência de controle público – se multiplicaram as

organizações acerca do tema (BANDEIRA; MELO, 2010).

Em 1979, a primeira mulher ocupa o posto de senadora no Brasil, Eunice

Michillis, em virtude da morte de João Bosco de Lima (Amazonas), fato que

subliminarmente denunciou a necessidade de incremento da participação política

feminina. Há, entretanto, até então uma lacuna entre os interesses das mulheres e os

interesses que elas representam na política brasileira, ou seja, a baixa representatividade

da mulher no parlamento brasileiro16

ainda é desqualificada pela ausência de

compromisso com as demandas femininas – evidenciando o que Nancy Fraser (2003)

conclui: representatividade não necessariamente se converte em redistribuição.

Em 1983 houve o Assassinato de Margarida Maria Alves (1943-1983), primeira

mulher presidente do Sindicato Rural de Alagoa Grande na Paraíba (BANDEIRA;

MELO, 2010). Tal data configura-se em um marco histórico para o movimento das

trabalhadoras rurais no Brasil.

Em 1991 foi criada a primeira Rede Feminista no Brasil de que se tem notícia, a

Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, sendo que já no ano

seguinte foi instituída a Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos sobre a Mulher e

Relações de Gênero (REDOR), composta de núcleos de pesquisa sobre esta temática

das universidades e instituições dessas regiões. No ano de 2000 foi organizada a

primeira Marcha das Margaridas, em Brasília, pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e pela CUT, em parceria com várias

associações sindicais e feministas (BANDEIRA; MELO, 2010). Esta marcha é

composta por grupos de trabalhadoras rurais, extrativistas, indígenas e quilombolas, que

16

Apesar de representarem a maior parte da população (52%), as mulheres são minoria na política.

Atualmente menos de 10% das vagas da Câmara dos Deputados e pouco mais de 15% das do Senado são

ocupadas por essa parcela. Disponível em: <

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/05/21/bancada-feminina-exige-cota-para-mulheres-

na-politica>. Acesso em 01 ago. 2016.

74

ocupam as ruas anualmente na capital federal para reivindicar por maior sensibilidade às

suas demandas.

Diante desse cenário social de crescente organização e inter-relacionamento de

grupos feministas, o Estado brasileiro, atendendo às demandas postas, criou, pela Lei nº

10.683/2003, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), vinculada

diretamente à Presidência da República e dotada de status ministerial e de orçamento

próprio. A partir de então, várias conferências nacionais foram organizadas para

sistematizar as demandas femininas das variadas regiões do país, o que teve resultados

significativos, especialmente porque houve a elaboração do I Plano de Políticas para as

Mulheres (2005), bem como a edição da Lei 11340/2006 (Lei Maria da Penha).

Observando a vulnerabilidade ainda maior das mulheres rurais, em 2008 foi lançada a

Campanha Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres do Campo e

da Floresta.

Em nível mundial, a Marcha Mundial de Mulheres (MMM), movimento

internacional em favor da igualdade de reconhecimento e de oportunidade para as

mulheres, foi responsável por interpenetrar as demandas femininas em outros

movimentos sociais. Buscou interlocuções até então não existentes, a exemplo do que se

observa nos movimentos sociais do semiárido potiguar, onde a Marcha possui

importante articulação com o Centro Feminista 8 de Março, com redes de trabalhadoras

rurais e com entidades de apoio ao semiárido.

A Marcha foi criada em Quebec (Canadá), no ano de 2000, inspirada em um

manifesto ocorrido no ano de 1995, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros

para suscitar o reconhecimento de direitos sociais. Ao final da ação, conquistas

importantes foram implantadas pelo governo canadense, como o aumento do salário

mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária

(MARCHA, 2015).

Dada a representatividade desta inciativa, as mulheres de Quebec iniciaram

contatos com organizações de diversos países, a fim de compartilharem essa

experiência. Apresentaram, então, propostas de criação de uma campanha universal em

favor das mulheres. O contato inicial no Brasil foi com a CUT, que marcou reuniões

para analisar propostas e definir representantes do país para participar do primeiro

encontro internacional da MMM, ocorrido em 1998, em Quebec, que contou com a

participação de 65 países. Como fruto do encontro foi elaborada uma plataforma de

75

reivindicações para a supressão da pobreza e da violência contra as mulheres

(MARCHA, 2015).

A projeção da MMM, porém, além de derivar da progressiva organização de

movimentos sociais feministas, decorre das suas alianças com outros movimentos,

estimuladas pelo compartilhamento de discussões em eventos, tal como nos Fóruns

Sociais Mundiais, ambiente central para a construção de diversas articulações entre

coletivos das mais variadas temáticas. Desde a sua primeira edição, em 2001, já houve

várias discussões em torno da ideia de que “Outro mundo possível”, de onde surgiu o

slogan da EcoSol, “Uma outra economia é possível”.

As crescentes articulações da MMM, especialmente fortalecidas nos Fóruns

Sociais Mundiais, nas Marchas das Margaridas e nos Fóruns Brasileiros de Economia

Solidária, convergiam com outras demandas sociais, o que lhe fez aproximar, por

exemplo, da Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia, da Via

Campesina17

e da Amigos da Terra Internacional18

. Destas uniões abriram-se espaços

para a crítica à exploração do trabalho feminino e às práticas econômicas e políticas que

sustentam a desigualdade: a concentração de terras, águas e renda.

17

Via Campesina é uma organização, de caráter internacional, composta por camponeses organizados em

movimentos sociais e organizações. Tal entidade foi constituída com o fito de articular os processos de

mobilização social dos povos do campo em nível internacional (Disponível em:

<https://www.viacampesina.org/en/>. Acesso em setembro 2016). 18

Amigos da Terra Internacional é uma Organização da Sociedade Civil com sede em Porto Alegre, no

Rio Grande do Sul, que atua há mais de 40 anos na defesa do meio ambiente (Disponível em:

<http://amigosdaterrabrasil.org.br/>. Acesso em setembro 2016).

76

Figura 3 Movimentos feministas no mundo apoiados pela MMM.

Fonte: http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/a-marcha/nossa-historia/.

Um momento importante para a incorporação das relações de gênero na

compreensão do pensamento econômico para o movimento social foi a mobilização

política das mulheres, segundo a MMM (MARCHA, 2015), na luta contra a Área de

Livre Comércio das Américas (ALCA). Na oportunidade, elas tiveram espaço para

discutir criticamente a economia, desvinculando-a da ideia de mercado, bem como para

observar como as relações econômicas se convertem em relações de poder, nas quais as

mulheres não são consideradas como sujeitos econômicos. Com o escopo de fortalecer a

sua atuação, a MMM se aliou a movimentos coerentes com as suas propostas, visando

não fragmentar as demandas sociais. Articularam-se, então, discussões de gênero, raça e

classe, tendo em vista a construção de paradigmas mais inclusivos para a vida humana

em sociedade.

Segundo Cristina Carrasco (2003), no contexto de feminilização da pobreza e de

concentração de renda e de poder, restariam três caminhos para a ordenação das

relações socioeconômicas: a consolidação do modelo atual, com a conformação da ideia

de que uns indivíduos serão hierarquicamente superiores a outros; a implementação de

políticas públicas focadas na estabilização dos conflitos de gênero, mas não

comprometidas com a revisão dos parâmetros postos socialmente; a mudança de

paradigma, com o redimensionamento do centro dos objetivos sociais.

Tanto a EcoSol como a economia feminista entendem que é necessário “mudar o

eixo de discussão do modelo atual no qual os mercados são o centro, para um que tenha

como protagonistas a sustentabilidade da vida” (Cabrera, 2014, p. 154). Defendem, em

comunhão, o investimento em propostas contra-hegemônicas de reordenação das

relações individuais, ambientais e econômicas, a partir da análise crítica das interações

estabelecidas modernamente, com o fito de ampliar o usufruto de direitos essenciais aos

77

indivíduos. Assim, esta aproximação se deve ao fato de que a EcoSol, nas suas

múltiplas dimensões, propõe uma rediscussão sobre o dever de cuidado no âmbito

familiar (despatriarcalização19

), suscita a necessidade de reestruturação dos vínculos

socioeconômicos (desegmentação ocupacional20

) e uma maior participação humana em

espaços coletivos (redistribuição), críticas fundamentais para afirmação das propostas

do feminismo.

Para implementar as práticas que tanto a EcoSol como o feminismo propõem é

preciso o engajamento político da população via movimentos sociais que, por sua vez,

provocam o poder público a instituir políticas alternativas de desenvolvimento capazes

de neutralizar as desigualdades que caracterizam as relações modernas, e ampliar o

exercício da cidadania. Por esta razão, “o acesso à cidadania como indicador de

combate à injustiça e à exclusão sociais tem sido defendido pelos movimentos sociais,

com destaque para o feminista” (OLIVEIRA, 2005, p. 4).

A aproximação da EcoSol com o feminismo também é fortalecida porque ambos

buscam o alargamento da cidadania por meio da promoção da igualdade. Para tanto,

propõem o rompimento da divisão público-privado, associada à economia tradicional,

bem como fomentam uma maior articulação entre economia, sociedade civil e Estado

(CABRERA, 2014, p. 156), estimulando-os a reconhecer e cooperar em torno de seus

interesses comuns, e não a partir das suas contradições e divergências.

A ideia do feminismo, pois, ao se aproximar da EcoSol, não é que as mulheres

ocupem espaços no mercado anteriormente exercido por homens21

; objetiva-se, em

verdade, uma discussão mais crítica e profunda acerca das relações produtivas que

19

Despatriarcalização, segundo , é “conduzir e produzir orquestradamente estratégias e mecanismos de

descolonização patriarcal e racial do Estado brasileiro e da sua forma de gestão pública, com vistas a

reforçar uma nova etapa que tenha foco na conquista de resultados cívicos de políticas públicas. Trata-se

de pensar um formato de Estado, finalmente, voltado para a promoção da justiça social e da cidadania

inclusiva de todas e todos em nosso país.” (MATOS; PARADIS, 2014). 20

Desegmentação ocupacional seria a reversão “da segmentação ocupacional do mercado de trabalho

brasileiro, que consiste num processo cujos determinantes vão muito além dos limites ditados pela oferta

de trabalhadores dispostos a se empregarem e pelo perfil de qualificação. As condição de raça e gênero

exercem um papel significativo na distribuição de trabalho, desde que estas características conferem, de

uma maneira global, situações (des)vantajosas, em relação a qualificação, remuneração e outras condições

sociais vigentes. Estas desvantagens são históricas e se intensificam em momentos de crise econômica e

de maior competição por postos de trabalho” (KON, 2016). 21

Tal perspectiva, porém, não é universal, vez que há posturas que entendem a EcoSol como uma

alternativa ao sistema capitalista, e outras no sentido de que a EcoSol deve conviver com a economia de

mercado, considerando a possibilidade de convivência de uma economia plural (Bélanger; Fournier,

1997; Gaiger, 2008; Guerin, 2003). Contrariamente, Dominique Foufelle e Joelle Palmieri (2006), por

exemplo, contestam a perspectiva de economias plurais e propõem uma mudança profunda em favor da

construção de um modelo civilizatório alternativo e substitutivo ao capitalismo (CABRERA, 2014).

78

sustentam o sistema econômico vigente, e dos papéis que homens e mulheres devem

assumir neste contexto para não serem marginalizados.

Assim, segundo Cabrera (2014), o que a maior parte das/dos pesquisadoras/es

feministas discutem sobre a EcoSol supera os interesses que giram em torno do gênero e

sugere uma nova postura humana, individual e coletiva, a ponto de provocar processos

de transformação social. O feminismo, portanto, se alia à EcoSol porque a entende

como um instrumento que permite o questionamento sobre as bases de sustentação do

machismo, tal como o próprio sistema capitalista. Tal aliança amplia as potencialidades

de alternativas de desenvolvimento que busquem redefinir relações, práticas e

instituições, a partir de uma racionalidade comprometida com o bem-estar humano,

social e ambiental.

Segundo Leon (2008), para a construção de agendas coletivas em busca de um

processo político de mudança é imprescindível que se conteste a concentração de poder

em todas as suas formas e contextos. Para tanto, seria elementar reorientar os objetivos

assumidos pela economia hegemônica moderna, especialmente no que diz respeito aos

processos que se sustentam na mercantilização da vida humana e do meio ambiente.

Especialmente em relação às demandas feministas, é imperioso que elas deixem de ser

problemas das mulheres e se convertam numa demanda de todos os indivíduos

comprometidos com a formação de uma sociedade mais inclusiva e justa, pois os

estigmas de gênero instituídos culturalmente são opressores para toda a humanidade.

A comunhão entre EcoSol e feminismo, portanto, parte da perspectiva que as

relações hierarquizadas favorecem às competições intersubjetivas, responsáveis por

sustentar crises econômicas que marginalizam a maioria da população mundial,

especialmente as mulheres, dada a tradicional invisibilidade da mulher como sujeito

econômico.

Os empreendimentos econômicos solidários, assim, têm figurado como uma

alternativa à marginalização ou precarização da atuação da mulher, inclusive no

mercado de trabalho, especialmente, no Brasil, a partir da década de 1990, dada a

organização dos movimentos sociais, pastorais e sindicais em torno destas iniciativas,

que gradativamente receberam apoio de governos municipais, estaduais e,

especialmente entre 2003 (ano da criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres e

da SENAES) e 2016, da esfera federal.

79

1.3.2 A institucionalização do fomento à construção de uma Economia

Feminista e Solidária no Brasil

O processo global de crise econômica dos últimos 20 anos exigiu o

desenvolvimento de alternativas de geração de renda não vinculadas essencialmente à

abertura de novos postos formais de trabalho. Este contexto demandou a necessidade de

elaboração de políticas públicas diferenciadas do ponto de vista produtivo, dada a

escassez de postos de emprego. Aliado a este contexto, foram crescentes as discussões

teóricas, desde a década de 1990, sobre a importância do cooperativismo para a

dinamização das economias locais, na perspectiva de que o trabalho associado

acarretaria impactos significativos na desconcentração de renda, na regionalização do

desenvolvimento e no incremento difuso da qualidade de vida da população. Dadas as

práticas produtivas das mulheres rurais, no mais das vezes baseadas em trocas e na

produção compartilhada, a força de trabalho feminina é uma grande aliada no fomento

ao trabalho coletivo, associado e cooperado, embora existam desafios que ainda

mereçam ser superados, tais com a concessão de licença-maternidadade às cooperadas e

a formalização das organizações coletivas, sobretudo para fins previdenciários.

Segundo Cunha (2007, p. 11), as políticas no âmbito econômico de apoio e

fomento ao associativismo podem ser importantes para a criação de marcos legais para

entidades produtivas até então não encaradas como empreendimentos econômicos

formais, bem como para a inserção destes empreendimentos no fortalecimento das

economias locais, a partir da organização de centros públicos de consumo de EcoSol, ou

da organização de feiras locais, a exemplo do que ocorre nos municípios do semiárido

potiguar.

Pensando a economia além do mercado, o movimento feminista, no âmbito das

organizações sociais que integram o campo da economia solidária, reivindica que a

questão de gênero constitua um dos seus eixos estruturantes, tanto pelo quantitativo de

mulheres que assumem protagonismo nos empreendimentos de EcoSol no Brasil,

especialmente na região nordeste, como também por entender que esta interação entre

EcoSol e feminismo figura como um condicionante para a estruturação de uma proposta

de sociedade mais equânime e democrática, tal como reivindicado por ambos os

movimentos sociais (OLIVEIRA, 2005).

A fim de identificar o perfil dos brasileiros que produzem a partir dos princípios

da EcoSol, bem como visando confirmar o protagonismo das mulheres na EcoSol, a

80

Secretaria Nacional de Economia Solidária, em parceria com as Secretarias Regionais

do Trabalho e Emprego (SRTE), realizou, em 2005, um mapeamento de todos os

empreendimentos de Economia Solidária no país. Eram aproximadamente 700

pesquisadores/as identificando cerca de 20 mil empreendimentos solidários em todo o

Brasil. Os técnicos que atuam nas assessorias confirmam a presença significativa de

mulheres nos empreendimentos. Conforme o Atlas Nacional da Economia Solidária,

expedido pela SENAES no ano de 2007, dos 14.954 EES‟s mapeados, 64% são

representados por homens e 36% por mulheres. Deste total de grupos, 16% são

formados somente por mulheres, enquanto 11% dos empreendimentos são constituídos

somente por homens, sendo que os 73% restantes são mistos, ou seja, constituídos por

homens e mulheres. A participação feminina nesses empreendimentos é inversamente

proporcional à grandiosidade da sua estrutura, de modo que as mulheres integram, em

regra, empreendimentos com menos de 10 sócios (63%), enquanto os homens são 60%

nos empreendimentos com mais de 20 sócios e 66% naqueles onde há mais de 50

sócios.

A participação expressiva das mulheres em grupos de EcoSol decorre, segundo

Guérin (2005), da maior facilidade de conciliação entre a vida familiar e a vida

profissional, vez que não há horários rígidos a serem cumpridos. Entretanto, o que se

observa é que não há respaldo público a este protagonismo das mulheres na EcoSol,

sobretudo pelas dificuldades de acesso a linhas de crédito específicas, bem como pela

ausência de políticas acessórias de assistência social, como, por exemplo, a ausência de

creches no território rural, de escolas em tempo integral, de serviços básicos regulares

de assistência à saúde das mulheres e crianças.

Nos relatos de lideranças femininas realizados na IV Plenária Nacional de

Economia Solidária, percebe-se a motivação das mulheres na participação dos

empreendimentos de economia solidária, dado o discurso uníssono no sentido de que o

trabalho coletivo, em cooperativas, associações ou grupos informais, têm contribuído

para a elevação da qualidade de vida das envolvidas. As falas das mulheres nos

encontros dos grupos produtivos feitos por entidades de apoio à EcoSol demonstram

estarem comprometidas com perspectivas políticas feministas e da agroecologia, pois

estão abertas às discussões sobre a necessidade de formação de ambientes sociais mais

justos, do ponto de vista laboral, de gênero e ambiental. Nestas ocasiões, inclusive, há

debates políticos em torno das políticas públicas, das posturas do governo frente às

demandas rurais e das instabilidades políticas vividas no Brasil.

81

Diante deste contexto, tendo em vista o potencial de democratização da EcoSol,

os movimentos sociais têm sido importantes aliados na sensibilização do poder público

no que tange à assimilação da ideia de que a EcoSol consiste em um importante

mecanismo em favor da correção das desigualdades históricas de gênero, postura

ratificada em diversos documentos e políticas internacionais das quais o Brasil é

signatário, tal como a Declaração e a Plataforma de Ação de Beijing, editado na Quarta

Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, que orienta que o poder

público deve (1995, p. 227)

[...] revisar periodicamente as políticas, os programas e os projetos

nacionais, assim como sua implementação, avaliando a repercussão

das políticas de emprego e de renda, a fim de garantir que as mulheres

sejam as beneficiárias diretas do desenvolvimento e que toda a sua

contribuição ao desenvolvimento, tanto remunerada como não

remunerada, seja levada em conta na política e planejamento

econômicos.

Nesse sentido, uma importante política de aproximação entre a EcoSol e o

feminismo foi desenvolvida numa parceria entre Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA), SENAES e a Secretaria de Políticas para as Mulheres com a Rede

Guayi22

, no Projeto Brasil Local – Economia Solidária e Economia feminista. O

objetivo da política foi o fortalecimento do vínculo entre EcoSol e Feminismo, entre os

anos 2010 e 2012, a partir da capacitação e do fomento à autonomia econômica das

mulheres.

Assim, a SENAES, a partir do pressuposto de que a EcoSol é um “terreno

privilegiado para exercitar novas práticas e proporcionar vivências de igualdade e de

autonomia para as mulheres” (NOBRE, 2003, p. 211), mapeou, ao executar este projeto,

mais de 300 empreendimentos de economia solidária (EES) compostos por mulheres,

em nove estados nas cinco regiões do país (RS, PR, SP, RJ, DF, PA, CE, RN, PE),

conforme afirma o coletivo Guayí, entidade executora do projeto.

22

“Fundada em 2001 e legalmente constituída como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público (OSCIP), a Guayí – Democracia, Participação e Solidariedade tem origem em duas experiências

históricas importantes na política gaúcha. A primeira delas é o GEA (Grupo de Estudos Agrários), criado

em 1979 que posteriormente se transformou em GEA – Formação e Assessoria Sindical com atuação

junto ao movimento social (urbano e rural), movimento sindical e na luta pelos direitos da mulher. A

segunda base para a formação da entidade foram as experiências das gestões da Administração Popular na

Prefeitura de Porto Alegre no período de 1988 a 2004 que constituíram um forte referencial no campo da

gestão participativa, da luta pelos direitos humanos, da participação e controle social das políticas

públicas e do protagonismo popular na decisão do orçamento do município. Tal entidade executa projetos

em coletivos formados por movimentos e grupos sociais, especialmente centrados nas demandas do

campo. (Disponível em: <http://guayi.org.br/?page_id=1973>. Acesso em 10 setembro 2016).

82

A construção de um diagnóstico da realidade dos empreendimentos de EcoSol, a

partir de uma perspectiva de gênero, demonstrou que as mulheres nos processos de

produção, comercialização e consumo estão comprometidas com o desenvolvimento e a

autogestão de ações cooperadas e feministas. Para potencializar este compromisso, o

Projeto Brasil Local – Economia Solidária e Economia feminista realizou encontros de

formação, articulação e organização das mulheres engajadas em empreendimentos

solidários, o que foi responsável pela formação de uma articulação nacional entre os

grupos de mulheres do país, a denominada Rede de Economia Solidária e Feminista

(RESF), instituída em julho de 2012, com o escopo de viabilizar o intercâmbio de

experiências e discussões feministas entre os EES‟s, da qual faz parte a Rede Xique

Xique de Comercialização Solidária.

Segundo a Guayí, atualmente a RESF conta com a participação de 210

Empreendimentos de Economia Solidária (rurais e urbanos), localizados em 9 estados,

representando mais de 4 mil trabalhadoras.

A constituição da RESF tem um significado importante no campo da

mobilização política das produtoras, já que desde a sua instituição vários fóruns foram

realizados visando discutir questões que merecem ser debatidas de forma mais

participativa entre as mulheres que trabalham à luz dos princípios da EcoSol, tal como a

seguridade social das/os trabalhadoras/es, meios de viabilizar a licença-maternidade

para estas trabalhadoras, além da conjuntura política e institucional. A RESF, pois,

passou a articular um conjunto de empreendimentos visando tanto a troca de

experiências e conhecimentos, como também questionamentos políticos importantes

para a formulação de estratégias de fortalecimento mútuo, visando a sua

autossustentação e dos grupos de mulheres que a compõe. Esta iniciativa, pois, contribui

para o empoderamento das mulheres integrantes, pois ajuda na consolidação dos

arranjos sociais por meio de interconexões que não geram dependência- sobretudo em

decorrência do amadurecimento político - mas que fomenta a propagação e a replicação

de iniciativas capazes de consolidar experiências alternativas de desenvolvimento.

Porém, a integração e o desenvolvimento das comunidades e sociedades, como

também a resistência feminina aos processos de exclusão, exigem, pois, o iniciativas

que considerem as potencialidades e carências regionais; que capacitem, treinem e

assessorem as envolvidas; bem como a disponibilização de serviços sociais básicos, tais

como creches, escolas integrais e serviços de saúde, às envolvidas e seus familiares.

Tais ações devem estar focadas em contestar a desigual estrutura produtiva brasileira,

83

sobretudo suscitando discussões acerca dos papeis limitantes à atuação feminina, que

têm impacto significativo inclusive do ponto de vista econômico, dado o

subaproveitamento da força de trabalho feminina em múltiplos contextos. Não basta,

pois, medidas paliativas de redistribuição de renda, que não tenham força para edificar

as bases de uma sociedade mais igual; os estereótipos sexistas culturalmente impostos

devem ser, portanto, revistos, dadas as contradições e instabilidades que têm gerado

para a sociedade em diversas conjunturas, da familiar à ambiental. Nesse sentido, há

duas importantes perspectivas que vêm sendo encabeçadas entre as mulheres da zona

rural do semiárido potiguar, em parceria com entidades públicas e privadas: políticas de

auto-organização produtiva de grupos de mulheres em prol do reconhecimento e

consolidação de direitos; o trabalho coletivo feminino, comprometido com a

preservação do meio ambiente e dos conhecimentos e práticas tradicionais acumulados.

Diante dessas perspectivas assumidas, a auto-organização produtiva das

mulheres produtoras do semiárido, além de encampar, promover e suscitar respaldo

político-institucional para a consolidação de uma economia solidária e feminista, tem se

aproximado dos sistemas produtivos agroecológicos, diante da percepção de que, para a

construção de um ambiente social mais justo e igual, é, também, primordial outras

práticas produtivas.

1.3.3 Agroecologia e suas alternativas de geração de renda para o semiárido

A agroecologia, diante da necessidade de alternativas que reavaliem o modo de

produção de alimentos no mundo, vem sendo progressivamente entendida como a

ciência, o movimento social e a prática agrícola que propõe alternativas de

desenvolvimento sustentável, por meio da conjugação de conhecimentos científicos

com o resgate de saberes tradicionais. Objetiva, nesse sentido, uma disposição

demográfica mais justa, a dinamização das economias rurais locais e a descentralização

econômica baseada em um trabalho rural ambiental e socialmente mais justo.

No entender de Sevilla-Guzmán (2001, p. 11), consiste na promoção do “manejo

ecológico dos recursos naturais, através de formas de ação social coletiva que

apresentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante propostas de

desenvolvimento participativo”, o que lhe vem conferindo progressiva capilaridade,

notadamente na última década no Brasil (WEID, 2006). Ao propor a reaproximação da

agricultura com a natureza, a agroecologia parte do pressuposto de que a construção de

84

um novo sistema de produção deve se basear num princípio geral: “quanto mais um

agroecossistema se parecer com o ecossistema da região biogeográfica em que se

encontra, em relação à sua estrutura e função, maior será a probabilidade desse

agroecossistema ser sustentável” (FEIDEN, 2005, p. 66).

Altieri (2002, p. 88), por sua vez, entende que o diferencial da agroecologia é

encarar “os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as

relações socioeconômicas” como um conjunto que para funcionar tem de dividir os

mesmos propósitos, práticas que se harmonizem e compartilhem decisões tomadas de

modo participativo, voltadas para o objetivo maior de criar alternativas às relações

capitalistas, exploratórias e degradantes à natureza e ao ser humano.

Os sistemas de produção de base ecológica nasceram na década de 1970 por

iniciativa de diversos movimentos contrários à devastação dos recursos naturais causada

pelo modelo hegemônico de produção agroquímica empresarial surgido no final do

século XIX, que artificializou e simplificou a complexidade de vários ecossistemas

(LOPES; LOPES, 2011), muito embora tenha favorecido o desenvolvimento de

tecnologias – acessíveis somente à elite da agricultura industrial privilegiada e que gera

externalidades negativas significativas ao meio ambiente.

Assim, diante do contexto de perda em ritmo acelerado da agrobiodiversidade

dos solos e dos recursos hídricos em função do emprego de métodos predatórios de

produção agrícola - que ainda são favorecidos por substanciais políticas públicas e

subsídios governamentais - preocupações com a segurança alimentar e com problemas

socioambientais dos processos de produção agrícola estão sendo gradativamente mais

discutidos e contestados. A transformação da agricultura em agronegócio, pois, tem

deixado um passivo social e ambiental significativo, já que transformou o campo em

canteiro de produção em larga escala, ao substituir a produção à base da tração animal,

da enxada e de adubos naturais, por tecnologias alimentadas por tratores, fertilizantes

químicos, variedades vegetais geneticamente modificadas e pesticidas químicos

(BORGES, 2000).

As crises socioambientais geradas a partir do modelo produtivista de

desenvolvimento rural e tecnológico pautado em cadeias produtivas “sujas”, vinculadas

85

aos paradigmas difundidos pela Revolução Verde23

, gerou o recurso a formas

alternativas de manejo do meio ambiente e de organização econômica e social, capazes

de prestigiar os desafios da implantação de uma produção agrícola mais sustentável,

comprometida com a preservação da biodiversidade sociocultural e com a inclusão

social (MOREIRA, 2003). A agroecologia, portanto, caracteriza-se por se utilizar de

processos agrícolas comprometidos com a otimização total do agroecossistema,

incluindo as dimensões sociocultural, econômica, técnica e ecológica (ALTIERI, 2000).

Dentre as propostas alternativas de produção agrícola sustentável, destaca-se a

agricultura biodinâmica, a orgânica, a biológica, a natural, a permacultura e mais

recentemente a organomineral ou SAT (produção sem utilização de agrotóxicos).

Vejamos as especificidades de cada proposta:

Agricultura biodinâmica Borges (2000) a conceitua como a técnica de

revitalização que equilibra e harmoniza entre

cinco domínios: terras, plantas, animais,

influências cósmicas e o homem. Para a

agricultura biodinâmica os preparados

biodinâmicos são muito importantes para o

cultivo das plantas, as quais também são

influenciadas pelas fases da lua e outros

elementos esotéricos. Os agricultores

biodinâmicos valorizam em suas lavouras a

rotação de cultura, a adubação verde, a

diversificação dos cultivos e nutrição baseada

nos compostos orgânicos. Segue um

calendário astronômico próprio para realizar

práticas agrícolas. Produzem preparados

biodinâmicos homeopáticos desenvolvidos

especificamente para potencializar o solo

(LOPES; LOPES, 2011).

Orgânica Tem como sustentáculo a aplicação no solo de

resíduos orgânicos vegetais e animais, com o

objetivo de manter o equilíbrio biológico e a

ciclagem de nutrientes (SANTOS;

MENDONÇA, 2001). Para estabelecer o

equilíbrio entre os animais e vegetais, tenta

23

Amplo programa de modernização produtiva da agricultura incidente após a segunda guerra mundial,

sob o argumento de que a fome no mundo decorria da falta de alimentos. Tal revolução estava ancorada

na aplicação de pacotes tecnológicos constituídos por variedades geneticamente modificadas, pela

ampla utilização de insumos químicos, pelo uso de máquinas de grande porte dependentes de recursos

energéticos não renováveis, pela mecanização e redução do custo de manejo que gerou impactos

significativos no trabalho rural. O pacote da revolução verde é parte de um modelo de desenvolvimento

que os especialistas como Graziano da Silva (1980) e Andrade (2011) chamaram de modernização

conservadora, uma vez que, realizava mudanças técnicas, mas não sociais. Embora tenha ocorrido um

aumento da produção, esse não foi suficiente para solucionar o problema, pois com o passar do tempo

observou-se que a fome além de ser mantida foi agravada, assim como provocou a degradação dos bens

naturais (DOURADO, 2011).

86

reproduzir uma vegetação natural, com

variedade de vida e equilíbrio das populações.

Biológica Consiste no repúdio aos insumos químicos, na

maximização dos processos naturais e no

enriquecimento do solo através de várias

fontes de matéria orgânica (LOPES; LOPES,

2011). Busca reintegrar as atividades humanas

com a capacidade de suporte do meio

ambiente.

Natural Procura imitar os processos biológicos

estabelecidos na natureza, evita as

intervenções drásticas nos sistemas produtivos

e prioriza a ciclagem energética. Suas práticas

agrícolas principais concentram-se na rotação

de culturas, cobertura vegetal e na fertilização

baseada em compostos orgânicos cujas fontes

sejam exclusivamente de origem vegetal. O

esterco bovino e demais materiais de origem

animal são considerados impuros, portanto

deve-se abster deles nos sistemas agrícolas

baseados na agricultura natural (LOPES;

LOPES, 2011). Segundo Borges (2000), na

agricultura natural o esterco, além de deixar

os alimentos impuros, é visto como um

contaminante dos recursos naturais. O

controle de pragas e doenças é baseado

somente no manejo conservativo e

aumentativo da agrobiodiversidade e

biodiversidade. Propõe que o agricultor

interfira o mínimo possível.

Permacultura A proposta é a criação de agroecossistemas

sustentáveis através da simulação dos

ecossistemas, priorizando as culturais perenes

como elementos centrais. O movimento

também se ocupa com assuntos urbanos, tais

como a construção de cidades ecologicamente

adaptadas (LOPES; LOPES, 2011). Tem foco

no aproveitamento de condições e recursos

locais naturais, e objetiva que os sistemas

agrícolas se perpetuem, por serem

ecologicamente estáveis.

Organomineral ou SAT Trata-se de um manejo no qual o

agricultor elimina da propriedade toda

forma de aplicação de agrotóxicos, mas

continua utilizando, por um período

determinado, fertilizantes sintetizados

quimicamente (LOPES; LOPES, 2011)

que combina o uso de resíduos orgânicos

tratados com nutrientes minerais. Existem

no Brasil empresas nacionais que

transformam resíduos em fertilizantes.

Reduz a exploração em larga escala de

minerais usados na fabricação de

87

fertilizantes, como também aumenta a

vida útil dos depósitos de resíduos

tóxicos. Quadro 7 Sistemas agroecológicos

Fonte: Conceitos dos autores indicados no quadro – compilação das informações pela autora

Do ponto de vista científico, embora existam várias correntes de agricultura de

base ecológica, há consenso de que para um sistema de produção rural ser considerado

sustentável deve compreender holisticamente os agroecossistemas, integrando: a) uma

mais completa incorporação de processos naturais, como são a reciclagem de nutrientes,

a fixação do nitrogênio atmosférico e as relações predador-presa nos processos de

produção agrária; b) um acesso mais equitativo aos recursos produtivos e

oportunidades, e a evolução em direção a formas socialmente mais justas de agricultura;

c) um uso mais produtivo do potencial biológico das espécies animal e vegetal; d) um

uso mais produtivo das práticas e conhecimentos locais, incluindo enfoques inovadores

ainda não completamente entendidos pelos cientistas ou largamente adotados pelos

agricultores; e) um incremento da confiança e interdependência entre agricultores e

população rural; f) uma melhoria no equilíbrio entre estilos de agricultura, potencial

produtivo e restrições ambientais de clima e solo, de maneira a assegurar a

sustentabilidade dos níveis de produção a longo prazo; e g) uma produção eficiente e

rentável, com ênfase na gestão agrária integrada e na conservação do solo, da água, da

energia e dos recursos biológicos (PRETTY, 1996).

A agroecologia, portanto, defende a reconstrução e preservação dos ecossistemas

naturais como referências para o desenvolvimento rural local e, para tanto, conforme

Hecht24

(1989), geralmente incorpora ideias ambientais e de sentimento social a respeito

da agricultura. Propõe, ademais, como estratégia de enriquecimento da produção o

compartilhamento entre o conhecimento tradicional e o científico acerca de princípios

ecológicos, agronômicos e socioeconômicos, sobretudo a partir da valorização e da

análise crítica das práticas tradicionais, baseados numa perspectiva dialógica freireana,

sem hierarquias ou competitividade.

Novos sistemas são desenhados a fim de aperfeiçoar os processos e as interações

ecológicas a fim de melhorar a produção de bens seguros e úteis à sociedade (FEIDEN,

2005), mas esta proposta vai além dos cultivos, e tende a reproduzir rearranjos

24

Conforme Hecht (1989), o uso contemporâneo do termo Agroecologia data dos anos setenta. Suas

raízes estão nas ciências agrícolas, no movimento ambiental, na ecologia, nas análises de

agroecossistemas indígenas e em estudos de desenvolvimento rural.

88

importantes nas relações sociais. Isto porque, a partir de uma visão transversal, respeita

a “cultura e o conhecimento local, busca preservar a identidade, os costumes e as

tradições de cada povo, propiciando a conquista de direitos sociais e a melhoria da

qualidade de vida dessas populações, ao invés de enfocar apenas a produção pela

produção” (FEIDEN, 2005, p. 67), o que tem reflexos multifacetários importantes,

inclusive do ponto de vista de gênero.

Assim, como uma proposta alternativa de relacionamento entre ser humano e

natureza, a agroecologia sugere a substituição do modelo hegemônico produtivista

centrado na monocultura, no uso de insumos químicos e comprometida com índices

quantitativos de captação de bens. A transição de modos de produção focados na

produção em larga escala com o uso de insumos para sistemas agroecológicos de

produção representa o prestígio à segurança alimentar (dos produtores e da

comunidade), bem como um incentivo ao fortalecimento de relações econômicas locais

no âmbito rural. No entender de Costabeber e Caporal (2003), a oferta permanente de

alimentos em quantidade satisfatória para a humanidade exige uma agricultura

ambientalmente sustentável e capaz de produzir alimentos com elevada qualidade, pois

somente com alimentos de qualidade biológica superior ao que se produz hoje é

possível garantir alimentação saudável.

O investimento em políticas de subsídio aos sistemas agroecológicos de

produção, portanto, acarreta reflexos positivos multifacetados que variam desde o

desestímulo à urbanização em condições precárias em virtude do incremento da

qualidade de vida no campo; ao estímulo à qualificação profissional dos/as pequenos/as

produtores/as e à utilização menos frequente dos sistemas públicos de saúde, da

previdência social, em face da melhor qualidade dos alimentos ingeridos. Entretanto, as

políticas que assumem a perspectiva agroecológica no Brasil ainda têm pouca

representatividade, embora tenham conquistado espaço na agenda política do Estado,

sobretudo desde 2003.

1.3.3.1 A agroecologia no semiárido potiguar: a incorporação das políticas

agroecológicas entre as/os produtoras/es da Rede Xique Xique

As políticas públicas para o semiárido nordestino tradicionalmente se baseavam

em duas perspectivas: focavam no contingenciamento pontual e emergencial da seca, ou

subsidiavam grandes polos fruticultores empresariais, na maioria das vezes voltados

89

para a exportação. Os pequenos e médios produtores/as não eram atendidos pelo Estado,

e ficavam vulneráveis do ponto de vista social, geográfico e econômico.

Na atualidade, de fato, não seria mais apropriado mencionar que o Estado não

contempla o/a agricultor/a do semiárido, uma vez que, especialmente a partir de 2003,

com uma maior integração dos movimentos sociais ao governo, houve a assimilação de

perspectivas importantes às políticas rurais, inclusive em face dos compromissos

internacionais assumidos pelo país – tais como a Convenção da Diversidade Biológica

(CDB), em 1992, ao Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para a

Alimentação e Agricultura/FAO (TIRFAA), em 2001. Desde então, programas públicos

para o semiárido passaram, por pressão internacional e dos movimentos sociais, a

compreender a importância das consequências negativas da perspectiva de

modernização da agricultura (baseada na dependência de insumos e em pacotes

tecnológicos) para o meio ambiente – embora não tenha deixado de subsidiá-la

substancialmente.

Acerca dos incentivos públicos para sistemas convencionais de agricultura em

larga escala, podemos citar o exemplo do nordeste da Bahia e do sul do Estado de

Pernambuco, às margens do Rio São Francisco. Nesses locais, há grandes cultivos de

fruticultura para exportação, via de regra, com subsídio do Banco do Nordeste e apoio

técnico da EMBRAPA, em razão da política de perímetros irrigados gerida pela

CODEVASF, que depende do uso intensivo de água para irrigação.

Nessas áreas, embora haja características geoclimáticas do semiárido, há um

importante perímetro irrigado, que, como tal, demanda o uso intensivo de água. Os

incentivos públicos para este tipo de agricultura são bem seletivos, tendo em vista que o

acesso ao crédito exige garantias que o pequeno produtor não consegue dar. Tal como

ocorre em outros contextos no Brasil, as culturas irrigadas na mencionada região

ocupam áreas privilegiadas ao longo dos rios, privando ou dificultando o acesso de

pequenos produtores a este recurso. Esta má distribuição de incentivos públicos, aliada

à concentração de terras e água, evidencia que a problemática distributiva no âmbito

rural brasileiro envolve aspectos políticos que estão relacionados com poderosos

interesses econômicos, o que resulta na manutenção de práticas públicas desiguais.

90

Figura 4 Distribuição das áreas irrigadas nos municípios brasileiros.

Fonte: http://www.desenvolvimento.ifal.edu.br/observatorio/informacoes-

socioeconomicas1/agricultura-conab/mapairrig/view.

Ao contrário do que parece, porém, o conhecimento e o trabalho dos pequenos

grupos de produtores rurais, dos agricultores/as familiares, de organizações de

pescadores/as, também ganham significância nesta conjuntura, não com a perspectiva de

serem integrados às cadeias mercantis do setor primário, mas porque estes produtores

têm assumido o compromisso de produzirem tipos de produtos que não assumam um

compromisso mercadológico e quantitativo, mas se oriente por diretrizes qualitativas.

A partir desta perspectiva, o poder público, ao tentar neutralizar as tensões entre

agronegócio e pequenos produtores rurais, vem implementando políticas

compensatórias focadas na transferência de renda, no empoderamento da população

rural, na redistribuição dos espaços de participação social, no respeito aos biomas e

ecossistemas locais, no desenvolvimento de metodologias coletivas e participativas de

geração de renda. Iniciativas com estes objetivos, por si só, evidenciam a aproximação

das políticas institucionais aos princípios que orientam a EcoSol e as lutas feministas e

agroecológicas, o que tem repercussões importantes no semiárido brasileiro,

91

especialmente por contribuir para o fortalecimento das economias regionais, a

dinamização do comércio local e a geração de um desenvolvimento alternativo

endógeno.

Ao se confrontar as diretrizes que orientam os sistemas agroecológicos de

produção, o feminismo e a EcoSol, observa-se que tais propostas estão,

invariavelmente, comprometidas com a formação de uma sociedade que possa ser

igualmente usufruída pelos indivíduos: homens e mulheres, do campo ou da cidade,

pequeno ou grande produtor, na caatinga nordestina ou nos pampas gaúchos. Desse

modo, as discussões apresentadas evidenciam que, embora o Brasil não tenha assumido

as políticas de EcoSol como um eixo central a conduzir as propostas de

desenvolvimento do país, importantes ações políticas já foram encabeçadas no sentido

de fomentar e difundir os princípios da EcoSol e da agroecologia, inclusive a partir de

uma perspectiva feminista. Desse modo, embora o Estado brasileiro ainda

subdimensione a capacidade de transformação da EcoSol, sobretudo em articulação com

a agroecologia e com o feminismo, há experiências políticas importantes no país sendo

desenvolvidas, especialmente em nível federal, estabelecidas especialmente em razão

das mobilizações da sociedade civil organizada, o que vem sendo replicado por Estados

e municípios da federação.

92

2 TECENDO REDES NO SEMIÁRIDO POTIGUAR: novas perspectivas para o

nordeste brasileiro

A incorporação de princípios da EcoSol no território rural tem gradativamente

resultado na ressignificação de práticas produtivas, o que evidencia o início de um

processo de transição da agricultura convencional para uma agricultura alternativa. Tal

redimensionamento se caracteriza pela retomada de métodos ancestrais, com a

reassunção do compromisso com a conservação dos recursos naturais nativos, com a

valorização da cultura e tradições locais, com o fortalecimento das potencialidades

produtivas da comunidade, com a autonomia humana, política, econômica e social.

O fomento aos sistemas de produção agroecológicos no semiárido à luz de

princípios da EcoSol, tal como a auto-organização e o trabalho coletivo e cooperado,

tem provocado uma gradual reestruturação nas práticas produtivas da região, inclusive

no favorecimento da construção de uma agricultura mais ecológica.

Porém, diante da complexidade que assume, tal processo suscita não só que as

políticas públicas institucionais sejam reordenadas, mas também que as práticas

produtivas do campo sejam reconfiguradas. Ademais, é elementar também que as

estruturas e relações sociais e humanas, individuais e coletivas, no âmbito privado e

público sejam rediscutidas. Os movimentos sociais do semiárido potiguar, nesse

sentido, tem assumido papel decisivo na formação e consolidação de grupos e coletivos

de produtoras/es, o que tem fomentado a interconexão dos grupos e a formação de redes

sociais na região.

No Rio Grande do Norte, a Secretaria de Turismo, Habitação e Assistência

Social (SETHAS) tem encampado políticas que assumem princípios comuns à EcoSol e

à agroecologia, sobretudo diante das pressões dos movimentos sociais em torno do

fomento a um desenvolvimento que priorize o bem-estar da população e a preservação

dos recursos naturais do semiárido.

Diante desse contexto, será analisado o processo de institucionalização da

EcoSol no Brasil e, por conseguinte, a reconfiguração das políticas públicas para o

semiárido a partir das novas perspectivas trazidas pela EcoSol. Adicionalmente, serão

discutidos os reflexos da articulação entre a EcoSol, o feminismo e a agroecologia no

semiárido potiguar, sobretudo diante do protagonismo dos movimentos sociais da

região, que se articulam com outros do Brasil e do mundo, constituindo uma rede de

promoção de um desenvolvimento comprometido com o bem-estar humano e com a

93

sustentabilidade ambiental. As convergências dos movimentos feministas e

agroecológicos no semiárido do Rio Grande do Norte resultaram na construção da Rede

Xique Xique de Comercialização Solidária, marco empírico desta pesquisa. Assim, por

meio da técnica de pesquisa documental e da análise de dados provenientes da pesquisa

de campo com realização de entrevistas abertas, serão avaliadas quais as novas

perspectivas políticas fomentadas para o âmbito rural, e como a comunidade e,

especialmente, as mulheres do semiárido têm interagido com as novas propostas de

desenvolvimento provenientes desta aliança. Para tanto, foram analisados dados

publicados pelo INCRA/RN, ASA e demais entidades, bem como se procedeu a

realização de entrevistas com agentes públicos, gestores de políticas públicas,

produtores/as rurais e pesquisadores universitários sobre extensão rural e políticas

públicas de assessoria a produtores/as rurais.

Objetiva-se, assim, se observar em que medida as organizações produtivas que

se aproximam de princípios da EcoSol e da agroecologia têm contribuído para o

enfrentamento das dificuldades produtivas tradicionalmente existentes no semiárido

brasileiro, especialmente a partir de experiências de produtoras da Rede Xique Xique.

2.1 Novos direcionamentos para o Nordeste brasileiro: em que medida a EcoSol

vem representando uma estratégia de desenvolvimento alternativo para o

semiárido?

A região nordeste do país ocupa 18,2% (982.566 Km²) do território nacional,

abrange mais de 20% dos municípios brasileiros (1.135) e abriga 11,84% da população

do país. Mais de 46 milhões de brasileiros/as vivem nessa região, sendo 65,2% na área

urbana, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).

Trata-se da região do Brasil com a costa mais extensa, possui climas que variam

do equatorial úmido ao tropical semiárido, sendo este o predominante. Encontra-se com

72,24% de seu território dentro do polígono das secas, segundo dados da Organização

das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Dos seus nove estados,

metade tem mais de 85% de sua área caracterizada como semiárida, sendo que o Rio

Grande do Norte lidera a lista com 93,4% do seu território no semiárido. Um dado

interessante com relação à população do semiárido é que se encontram nela 81% das

comunidades quilombolas de todo o Brasil (ASA, 2015).

94

Ao reproduzir a lógica de desigualdade social que caracteriza o Brasil, esta

região possui no seu território variada realidade socioeconômica. Embora o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) seja um indicador limitado, por medir apenas níveis

de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao

nascer) e renda (PIB per capita), a análise do Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (IDHM) demonstra um nordeste de várias realidades, a depender da

localização geográfica. Em 60,09% dos municípios do semiárido o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) varia de muito baixo a baixo (realidade de 25% dos

municípios brasileiros), sendo que todos os municípios do semiárido apresentaram

IDHM inferior ao do Brasil (0,727). O nordeste tem números melhores apenas que a

região norte, não obstante na primeira década deste século as regiões norte e nordeste

tenham crescido acima da economia brasileira (CRUZ, 2015).

Especificamente em relação ao semiárido, os longos períodos de estiagem

decorrentes da irregularidade da pluviosidade (200 a 800 mm anuais25

) foram

politicamente tratados no curso da história como um fator justificante para a falta de

investimentos no desenvolvimento local e regional do nordeste. Na verdade, mais do

que aspectos climáticos, um dado que justifica a desigualdade social da região é a

grande concentração de terra e água, embora haja uma razoável distribuição hídrica na

região, conforme mapa a seguir:

25

Comparado com outras regiões semiáridas do mundo, onde chove entre 80 e 250mm por ano, o

Semiárido brasileiro é o mais chuvoso do planeta. Nele, cai do céu, em média, de 200 a 800mm anuais.

Uma precipitação pluviométrica concentrada em poucos meses do ano e distribuída de forma irregular em

todo semiárido. (É no semiárido que a vida pulsa! Disponível em:

<http://www.asabrasil.org.br/semiarido>. Acesso em 27 ago 2015.).

95

Figura 5: Hidrografia do Rio Grande do Norte.

Fonte: http://tudodorn.blogspot.com.br/2014/11/hidrografia-do-rn.html

O índice de Gini, que mede o nível de concentração de renda, está acima de 0,60

para mais de 32% dos municípios do semiárido, o que demonstra uma elevada

concentração da renda na região, sobretudo em razão das terras agricultáveis serem

ocupadas pelo agronegócio voltado para a exportação. Segundo a Articulação Semiárido

Brasileiro (ASA), cerca de 1,5 milhão de famílias agricultoras (28,82% de toda a

agricultura familiar brasileira) ocupam apenas 4,2% das terras agricultáveis do

semiárido, ao passo que 1,3% dos estabelecimentos rurais com mais de 1 mil hectares,

conhecidos como latifúndios, detêm 38% destas terras. Esta conjuntura gera níveis

altíssimos de exclusão social e de degradação ambiental, fatores determinantes para a

crise socioambiental e econômica vivida na região.

Ademais, esta desigualdade acarretou reflexos negativos em nível nacional, pois

o êxodo rural ocasionou uma apropriação ambiental desregrada em face do crescimento

urbano desordenado das metrópoles, além de precarização do trabalho em subempregos,

do subaproveitamento dos potenciais produtivos do semiárido, da falta de investimentos

públicos capazes de amenizar os entraves ao desenvolvimento do semiárido (GROSSI,

2016).

Na década de 1990, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA), houve uma diminuição do êxodo rural e até um pequeno crescimento da

96

população rural em várias regiões do país, resultado do aumento de empregos rurais

não-agrícolas, de desemprego nos grandes centros urbanos, como também do

envelhecimento da população migrante , que geralmente se aposentam e regressam ao

lugar de origem. Portanto, especialmente a segunda metade dos anos 1990 constituiu-se

um cenário completamente diferente da década anterior: o êxodo rural perdeu força e a

população rural brasileira voltou a crescer, o que não ocorria desde 197026

. Segundo

dados do IBGE (2010), o nordeste foi a única região do país que apresentou saldo

migratório negativo (de 701 mil pessoas), e proporcionalmente, saíram mais homens

que mulheres desta região (IBGE, 2010).

Neste contexto, impulsionados pelo apoio do movimento sindical e das

comissões pastorais da Igreja Católica, houve o crescimento e organização dos

movimentos sociais rurais populares, com a difusão da ideia da autogestão e a

consequente formação dos primeiros empreendimentos econômicos solidários. Tal

contexto resultou progressivamente no reconhecimento da importância e

potencialidades do nordeste, o que gerou uma revalorização dos saberes tradicionais e o

fomento ao sentimento de pertencimento da comunidade.

Diversas entidades começaram a se organizar em redes, especialmente no

interior do nordeste brasileiro, visando agregar as vulnerabilidades e aliar as iniciativas

sociais em torno da promoção de novas propostas de desenvolvimento para o semiárido.

A Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, da Articulação Semiárido Brasileiro

(ASA) e da Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF), por exemplo, são

entidades organizadas a partir destas perspectivas.

2.1.1 Políticas públicas do Rio Grande do Norte e a EcoSol

A instituição da SENAES no âmbito do Ministério do Trabalho subliminarmente

evidencia novas perspectivas que o Estado brasileiro passou a assumir no que se refere à

26

O Censo demográfico de 1970 registrou uma população rural de 40 milhões de pessoas contra 38,8

milhões de 1960. Já em 1980 foram contadas 38,6 milhões e 35,8 milhões em 1991 residentes no campo

no Brasil, incluindo as áreas rurais da região Norte não cobertas pelas PNADs. O fato da população rural

decrescer entre um censo e outro dá uma ideia apenas aproximada do êxodo rural porque a cada censo há

uma “expansão” dos perímetros urbanos dos municípios, o que por si reduz a população residente

naquelas áreas urbanas periféricas que haviam sido consideradas rurais no censo anterior e que passaram

a ser classificadas como urbanas no novo censo. Isso não ocorre com as PNADs que mantêm fixas as

áreas tal como definidas no censo utilizado para definir a amostra. Por exemplo, a PNAD de 1990

registrou 37,5 milhões, ou seja, mais de 5 milhões de pessoas a mais residindo nas áreas redefinidas como

rurais no censo de 1991 para o Brasil que somaram 32,1 milhões, excluídas as áreas rurais da região

Norte. Ver a respeito, Graziano da Silva (1999).

97

geração de renda, especialmente no âmbito do trabalho autônomo e rural. Nesse sentido,

a SENAES encabeçou vários projetos e planos de capacitação e assessoria, voltados

para a inclusão produtiva no âmbito rural. No Rio Grande do Norte, em convênio com

outras entidades, destacam-se, dentre outras, as seguintes ações:

Projeto dos Catadores de Materiais

Recicláveis (2014: Governo Federal,

BNDES, SETHAS)

visa a inclusão socioprodutiva de 2.600

catadores de materiais reutilizáveis e

recicláveis e seus familiares atuantes,

prioritariamente, nas ruas e nos lixões de

32 municípios do RN.

Plano Juventude Viva (2016: Governo

Federal, SEJURN, SENAES)

visa a inclusão produtiva de grupos de

jovens do Rio Grande do Norte

Plano de capacitação, fomento e

organização social, formação de redes de

produção e comercialização, geração de

finanças solidária, incubação de

empreendimentos e assessoria técnica e

gerencial (2014: Governo Federal,

SENAES)

objetiva a capacitação de 50

empreendimentos do Estado, inclusive a

Rede Xique Xique de Comercialização

Solidária

Programa Nacional Fomento à Feiras de

Economia Solidária

fomenta a dinamização da economia local

através de feiras. Beneficia membros da

Rede.

Projeto Brasil Local – Desenvolvimento

Local (2010-2012)

fomenta a organização de

empreendimentos de economia solidária

nos estados do Rio Grande do Norte,

Ceará, Piauí e Maranhão, por meio de 163

agentes de desenvolvimento solidário.

Programa de Desenvolvimento Solidário –

Projeto de Redução e Combate à Pobreza

Rural (2009)

visa a redução da pobreza e a promoção

do desenvolvimento local sustentável,

com a participação das comunidades

locais, mediante a provisão de bens e

serviços sociais básicos de infraestrutura.

Mobiliza e sensibiliza dos atores locais e

organizações comunitárias para

participação no projeto; realização de

diagnósticos e/ou pesquisas de campo

com recorte de gênero, geração e etnia

junto às organizações comunitárias;

formação e qualificação dos atores locais

e organizações comunitárias.

Programa 1 Milhão de Cisternas (2008-

2012)

formação e Mobilização Social para a

Convivência com o Semiárido: Um

Milhão de Cisternas Rurais, por meio de

capacitação técnica e construção de

cisternas para captação e armazenamento

de água de chuva, visando a preservação,

o gerenciamento e ampliação do acesso à

98

água e aos demais meios de produção e

direitos básicos no semiárido, executado

no estado do RN, nos municípios João

Câmara, São Bento do Norte, Taipu,

Touros, São Miguel do Gostoso, Macaíba.

Assessoria Técnica, Social e Ambiental -

ATES (2007-2008) e ATES (2005-2007)

consiste no apoio técnico-metodológico às

entidades de Assessoria Técnica Social e

Ambiental à reforma agrária, visando a

garantia da qualidade desses serviços para

a promoção da sustentabilidade social,

econômica e ambiental dos projetos de

assentamento no RN. A ação foi

desenvolvida em parceria com o

Incra/RN. Quadro 8 Distribuição de projetos de EcoSol no RN

Fonte: Elaborado pela autora, segundo dados da SETHAS e da AACC

O Rio Grande do Norte tem território equivale a 3,42% da área do nordeste e a

0,62% da superfície do Brasil, possui 167 municípios, dos quais 147 estão no

semiárido27

. É o décimo sexto Estado mais populoso do Brasil, e tem como

característica o clima semiárido em parte do litoral norte, e é responsável pela produção

de mais 95% do sal brasileiro.

Sua economia se diversifica entre os vultosos negócios com turismo, produção

de frutas via agronegócio, exploração de petróleo, camarão e sal marinho, de um lado, e

as pequenas produções rurais, geralmente derivadas de assentamentos da reforma

agrária.

O município com melhor IDHM no Estado é Parnamirim (0,766), seguido de

Natal (0,763), ambos no litoral do Estado. Já os piores IDHMs são dos municípios de

João Dias (0,530), Parazinho (0,549), Ielmo Marinho (0,550) e Lagoa de Pedras (0,553),

todos localizados no semiárido.

Do ponto de vista da institucionalização da economia solidária no Rio Grande do

Norte, atualmente ela está a cargo da Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e

da Assistência Social (SETHAS), que desenvolve alguns programas a partir da

perspectiva da área da economia solidária, com apoio da SENAES.

Algumas ações de inciativa do Rio Grande do Norte encampam princípios da

EcoSol, na medida em que têm o propósito de viabilizar o trabalho de agricultores/as,

27

Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/nucleos-regionais/rio-grande-do-norte>. Acesso em 8 mai

2016.

99

de catadores de material reciclado e de artesãos em geral (SETHAS, 2015) que

trabalham a partir dessa racionalidade, são eles:

Programa Objetivo

Programa Café do Trabalhador Trata-se de política da Sethas voltada para o

trabalhador de menor renda no Estado. O

programa beneficia diariamente cerca de 900

trabalhadores com o café da manhã ao preço

de R$ 0,50 (cinquenta centavos). O cardápio

varia entre café, pão, leite, bolacha, frutas e

produtos da terra. O café é servido nas

seguintes Centrais do Trabalhador: Natal

(Cidade da Esperança), João Câmara,

Mossoró, Ceará-Mirim, Angicos e Assú.

Programa de artesanato potiguar Atua como uma ferramenta de valorização,

divulgação e comercialização dos trabalhos

realizados por artesãos independentes,

associações, cooperativas e grupos de

produções dos 167 municípios do Rio Grande

do Norte. Já são mais de seis mil artesãos

cadastrados em todo o Rio Grande do Norte.

O Governo do Estado, através da Sethas, tem

como objetivo, contribuir com a tarefa de

resgatar a dignidade do artesão, através de um

conjunto de ações para reduzir as

desigualdades territoriais e sociais e incentivar

o empreendedorismo local. Dentre os tipos de

artesanatos produzidos, destaca-se: cerâmica

utilitária e decorativa, fibra vegetal, palha,

renda, bordado e trabalhos manuais

(esculturas em papel, madeira e arame,

crochê, trabalhos com tecido ou materiais

recicláveis, entre outros). O artesão que deseja

obter sua carteira deve procurar a sede do

Programa de Artesanato Potiguar (Proart), na

Sethas, apresentar a documentação e, munido

com seu material de trabalho, deverá

desenvolver uma peça na presença dos

técnicos do Proart, que atestarão a habilidade

do artesão.

Projeto de Inclusão Socioprodutiva de

Catadores(as) de Materiais Reutilizáveis e

Recicláveis do Rio Grande do Norte

Objetiva promover a inclusão socioprodutiva

de 2.600 catadores(as) de materiais

reutilizáveis e recicláveis e seus familiares

atuantes, assim como fomentar

empreendimentos econômicos solidários,

novos e existentes, nos 32 municípios

selecionados, mediante um conjunto de ações

focadas na disponibilização de acesso a

políticas públicas, máquinas e equipamentos,

assessoramento técnico e qualificação

profissional. Consta na execução de suas

metas e atividades a prestação de assessoria

100

técnica a grupos e empreendimentos formados

por catadores(as) na perspectiva dos

princípios da economia solidária e na

implantação da Política Nacional de Resíduos

Sólidos, através da construção de parcerias

entre os entes públicos, privados e a sociedade

civil organizada.

Projeto Economia Solidária Através de parceria firmada, desde 2011, entre

o Governo do Estado e a Secretaria Nacional

de Economia Solidária (SENAES), o projeto

tem como finalidade promover ações

integradas e articuladas que possibilite a

construção de alternativas de geração de

emprego e renda para 1 mil famílias que se

encontram em situação de extrema pobreza,

através de ações de capacitação, fomento e

organização social, formação de redes de

produção e comercialização, geração de

finanças solidária, incubação de

empreendimentos e assessoria técnica e

gerencial para 50 empreendimentos.

Quadro 9: Programas desenvolvidos no Rio Grande do Norte que assumem princípios da EcoSol

Fonte: http://www.sethas.rn.gov.br/#

No Rio Grande do Norte foram realizadas formações acerca da aplicação dos

princípios da EcoSol para a geração de renda na região em vários municípios, tais como

Macaíba, São Paulo do Potengi e João Câmara. Dentre as áreas de qualificação, destaca-

se a produção, o beneficiamento, a comercialização e a certificação de frutas nativas,

com enfoque em agroecologia no semiárido; apicultura; gestão da produção artesanal

com enfoque em gênero, cidadania e economia solidária; qualificação da produção e da

comercialização de artesanato em rede, com enfoque no desenvolvimento local (FBES,

2015), dentre outras.

No Rio Grande do Norte não existe um Centro Público criado especificamente

para a comercialização de produtos da EcoSol, tal como existe em outros estados da

federação. Não há, inclusive, consenso entre os envolvidos nas redes sociais de EcoSol

e agroecologia sobre os reflexos positivos de criação de um centro específico de

comercialização, já que para uns, criar um centro significa dizer que é preciso uma

pessoa específica exclusivamente para realizar as vendas, e para outros, o que deve

ocorrer é a ocupação das praças e demais espaços públicos para comercializar produtos

da EcoSol e da agroecologia. As feiras livres, porém, ocupam espaços de uso comum

nos municípios, favorecendo as trocas sociais de modo mais abrangente, ao passo em

que um centro de comercialização tem como foco específico a compra e venda de

produtos.

101

Em 11 municípios do Estado foram criados pontos fixos de comercialização

solidária, além de lojas de comercialização de excedentes da produção - criadas em 6

municípios, em decorrência da implantação do Programa Nacional de Feiras de

Economia Solidária, instituído para apoiar a comercialização via feiras estaduais,

nacionais e internacionais.

Outra iniciativa do Rio Grande do Norte com a perspectiva da EcoSol foi a

instituição de políticas de apoio técnico ao comércio justo e solidário conferido pelo

Programa de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária

(PPDLES/Brasil Local). Tal programa visou disseminar a EcoSol e acompanhar

empreendimentos econômicos solidários por meio da atuação de agentes de

desenvolvimento local, responsáveis por visitar empreendedores com vistas a dar

suporte técnico.

Houve, ainda, a implantação dos Núcleos Estaduais de Assistência Técnica em

Economia Solidária (NEATES). O núcleo do Rio Grande do Norte foi implementado

em parceria com a Associação de Apoio as Comunidades do Campo do Rio Grande do

Norte (AACC/RN) e com a Rede de Comercialização Solidária Xique Xique, onde

funcionou um escritório do NEATES. Sua meta consistiu em selecionar, via edital, 30

empreendimentos econômicos solidários do Estado para suporte na elaboração de

planos de ação, planos de negócio, estudos de viabilidade econômica e consultorias.

Uma das políticas do projeto, por exemplo, foi a elaboração, apresentação e distribuição

de cartilhas sobre culinária alternativa e boas práticas de produção de alimentos,

desenvolvidas por consultoras.

102

Figura 6: Formação sobre alimentação alternativa e boas práticas de produção de alimentos.

Fonte: Arquivo disponibilizado pela Rede Xique Xique.

Em decorrência da necessidade de formação continuada dos grupos que

trabalham sob a perspectiva da EcoSol, a SENAES propôs a criação de Centros de

Formação em Economia Solidária (CFES) – Nacional e Regionais, visando a formação

de educadores e agentes que atuam na área. Nessa perspectiva, foi instituído o Centro de

Formação em Economia Solidária do Rio Grande do Norte (CFESRN) que oferece

periodicamente oficinas e cursos para cidadãos interessados, além de lançar cartilhas

educativas sobre temáticas correlacionadas com a área, tais como, “Um novo olhar

sobre a prática”, “Consumo responsável e compras públicas”, “Comercialização e

certificação participativa” e “Produção agroecológica e cadeia solidária”. Tal contexto

evidencia que o Rio Grande do Norte e as organizações localizadas neste Estado

participaram de políticas públicas de EcoSol, algumas inclusive instituídas e articuladas

pelo próprio governo estadual.

Outra política fomentada pela SENAES foi o incentivo aos Bancos

Comunitários de Desenvolvimento, responsáveis por levar financiamento solidário a

milhares de pessoas na promoção do desenvolvimento comunitário. A partir de 2010,

foram disseminados e multiplicados em várias regiões do país, em parceria com o

Ministério da Justiça, bancos comunitários, que, segundo dados deste ano, totalizavam

150 no país. No município de São Miguel do Gostoso (RN), a Rede Xique Xique

acompanhou a instituição do Banco Solidário do Gostoso, no ano de 2012, tendo sido

criada uma filial no ano de 2015. O objetivo da iniciativa é desenvolver as atividades

econômicas de produção, comercialização, prestação de serviços, troca de produtos,

crédito, finanças solidárias, o uso de infraestrutura e obtenção de clientes e serviços,

como também conceder crédito e finanças para os empreendedores solidários.

Em 2008, houve a criação no Rio Grande do Norte do Conselho Estadual de

Economia Solidária, que em 2015 teve novos conselheiros eleitos. Tal órgão organiza

Fóruns Regionais de Economia Solidária com o objetivo de discutir a EcoSol no Estado

103

e levar demandas, experiências e propostas para o Fórum Brasileiro de Economia

Solidária28

, além de fazer articulação com demais organizações e o poder público. O

Conselho está ligado à SETHAS, baseado na Lei Estadual nº. 8.79829

de 22 de fevereiro

de 2006, que criou um programa de política de fomento à EcoSol no Estado e previu a

instituição de um Fundo Estadual de Fomento ao Desenvolvimento da Economia

Popular Solidária, até então ainda não instituído, mesmo diante de pressões dos

movimento sociais.

O nordeste brasileiro foi contemplado com políticas do governo federal de

formação, fomento e valorização das práticas locais que se baseiam na lógica da

EcoSol. A Rede Xique Xique, por exemplo, é entidade executora de uma política de

catalogação dos Empreendimentos Econômicos Solidários brasileiros (CADSOL), que

visa criar um selo que será utilizado nos produtos oriundos de empreendimentos

solidários com certificação. O protagonismo da região no fomento aos princípios e

práticas da EcoSol, contudo, não tem sido suficiente, segundo a entrevista 18, para

garantir a efetividade de algumas políticas: “O Fundo Estadual da Economia Solidária

até agora não saiu do papel e, pelo que estou vendo, a batalha ainda vai ser grande pra

gente conseguir algo”.

Ademais, a lógica produtiva baseada na autogestão e em práticas cooperadas e

solidárias de gestão está sendo assimilada pelo Estado do Rio Grande do Norte, mas as

ações do Estado não são suficientes, segundo a entrevistada 5: “São necessárias mais

políticas de formação técnica, de assessoria produtiva e de geração de renda,

considerando o que a gente pode produzir bem na nossa realidade”. O Rio Grande do

Norte, pois, ao aderir às políticas da SENAES, instituiu programas locais, o que tem

surtido efeitos positivos em nível nacional, sobretudo em razão dos intercâmbios que

entidades do Estado desenvolvem com outras redes do país. Há, todavia,

questionamentos sobre a eficiência do Estado em relação às políticas de fortalecimento

e dinamização das feiras e espaços de comercialização potiguar, a fim de estabilizar os

28

O Fórum Brasileiro de Economia Solidária está organizado em todo o país em mais de 160 fóruns

municipais, microrregionais e estaduais, envolvendo diretamente mais de 3.000 empreendimentos de

economia solidária, 500 entidades de assessoria, 12 governos estaduais e 200 municípios pela Rede de

Gestores em Economia Solidária.

(Disponível em:

<http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=57>. Acesso em 14

fev 16). 29

Institui a Política Estadual de fomento à Economia Popular Solidária no Estado do Rio Grande do

Norte e estabelece outras disposições.

104

espaços de fomento a uma economia que convive, de modo sustentável, com as

limitações e as particularidades do semiárido.

A EcoSol, portanto, tem o objetivo de fomentar relações produtivas mais iguais

em diversos contextos, do rural ao urbano, do litoral ao semiárido, e de produzir

mudanças sociais importantes, inclusive do ponto de vista de gênero, uma vez que as

redes sociais formadas a partir da lógica da EcoSol, vêm assumindo demandas

feministas, especialmente pela participação expressiva das mulheres nos

empreendimentos econômicos solidários. Dessa forma, além de uma estratégia de

empoderamento social a partir do trabalho, via geração de renda, a EcoSol vem

demonstrando um potencial instrumento de empoderamento feminino, especialmente

das mulheres rurais do oeste potiguar, o que produz reflexos significativos para a

construção de uma sociedade mais igual, já que tem contribuído para viabilizar a

atuação de mulheres em contextos nos quais a sua participação era reiteradamente

negada ou invisibilizada.

2.1.2 As redes como novo paradigma para compreender a dinâmica social

A palavra “rede”, de modo corriqueiramente utilizado, remete a uma tessitura de

fios emaranhados que resultam em uma colcha. A formação de redes na sociedade surge

da necessidade das instituições e/ou seus sujeitos de constituírem um ente coletivo, a

partir de um sentimento de pertencimento a um grupo com intenções e objetivos

semelhantes. Ou seja, as redes não devem surgir como uma proposição externa, pois é

importante para a sua formação política que a sua construção derive de uma necessidade

sentida pelos envolvidos de espontaneamente aderirem a uma formação com princípios

comuns. A constituição e sustentabilidade de uma rede, pois, tem como pressuposto o

anseio ou necessidade compartilhada de constituir um grupo (BRASIL, 2012), o que é

comum na sociedade atual, tendo em vista a crescente interdependência em nível global

entre os indivíduos, o que criou a necessidade de buscar meios de driblar a concorrência

e evitar o isolamento.

Esta visão das relações humanas a partir de um prisma holístico foi construída

por Capra (1996), ao entender que todos os fenômenos sociais estão inter-relacionados,

de modo que indivíduos e sociedades estão envolvidos em processos cíclicos da

natureza. Há, contudo, segundo o mencionado autor, uma crise de percepção, vez que

não há, em geral, a consciência de que a vida é um sistema interativo. Nesse sentido, as

105

relações humanas devem ser entendidas como “redes dentro de redes”, cujas linhas são

flexíveis e variáveis em face da dinâmica dos valores e das opções políticas dos

membros que compõem este sistema.

Durkheim (2007), por sua vez, antes mesmo de Capra, entendia que o diferencial

dos seres humanos seria a sua capacidade de socialização, ou seja, de aprender hábitos e

costumes preexistentes, responsáveis por inseri-los no convívio de determinada

sociedade. Os seres humanos, segundo o autor, são sociáveis e, portanto,

potencialmente capazes de construir solidariamente a sociedade, de modo que ela

funcione como um organismo humano: cada indivíduo com a sua função, a qual seria

dependente de todas as demais. A partir deste ponto de vista, a sociedade atuaria

mutualisticamente, com base na ideia de construção social coletiva, o que resultaria

numa coesão social mais ampla, além de uma maior dedicação às funções assumidas por

cada indivíduo.

Nesta perspectiva, quanto maior o envolvimento dos indivíduos nos processos

decisórios, em igualdade de condições de influenciar nos resultados obtidos, maiores

seriam as probabilidades de criação de espaços de participação popular na gestão

pública. Ademais, o envolvimento dos indivíduos nos processos decisórios tende a gerar

uma maior conformação e respeito às regras instituídas, posto que as orientações que

guiam o agrupamento humano seriam construídas coletivamente pelos próprios

envolvidos, que só se comprometeriam na medida das suas possibilidades. Isto

significa, dentre outras coisas, que a complexidade do sistema no qual estamos inseridos

requer, além da criação e ampliação dos espaços públicos de discussão, o igual

reconhecimento e a justa repartição das decisões sociais.

Castells (2000), ao perceber certos desfazimentos da estratificação vertical que

caracterizaria o estado das coisas no mundo, acredita no direcionamento social rumo à

horizontalidade das relações humanas, inclusive econômicas e culturais. Para o autor, há

uma nova lógica organizacional a partir da qual os fluxos são mais diversos, as redes

são mais flexíveis, os Estados são menos nacionais, volatilidade do dinheiro não garante

que a produção geográfica no país aumente a riqueza local (Castells, 2000, p. 120). As

novas configurações das relações sociais, pois, se baseiam na “desterritorialidade”, na

autoridade institucional compartilhada, em relações “internodais", na descentralização

articulada de gestão, na assimetria reconhecida, na flexibilidade, no gerenciamento,

subsidiariedade e horizontalidade (Castells, 2000).

106

Essa dinâmica é identificada em várias organizações em rede, que foram se

estruturando e gradativamente se relacionando com outros grupos e entidades do

nordeste, visando ampliar o reconhecimento dos seus trabalhos e dinamizar as trocas, a

partir de práticas produtivas compatíveis com as diversas realidades, potencialidades e

recursos locais existentes. Entre as redes, pois, é comum o intercâmbio de informações,

o escambo de mercadorias, a ajuda mútua para a participação de editais, e geralmente

existem membros que são comuns, tal como ocorre, por exemplo, entre a Rede Xique

Xique e o Centro Feminista 8 de março em Mossoró (RN). Essas interações

mutualísticas são ferramentas que vêm contribuindo para o fortalecimento e

consolidação de muitas organizações, bem como para a construção de valores e lutas

comuns. Para Bourdieu, Coleman e Putnam (Valdivieso, 2003) tais formações seriam

retroalimentadas pelas suas próprias composições e relações sociais, o que, por si só, já

teria um valor intrínseco. Isto se denominaria de “capital social”, compreendido

como sendo o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão

ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos

institucionalizadas de interconhecimento e de interreconhecimento.

Identifica que um grupo ou, em outros termos, a vinculação a um

grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de

propriedades comuns passíveis de serem percebidas pelo observador,

pelos outros ou por eles mesmos, mas também são unidos por ligações

permanentes e úteis. Para esse autor, essas ligações são irredutíveis às

relações objetivas de proximidade no espaço físico (geográfico) ou no

espaço econômico e social porque são fundadas em trocas

inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e

perpetuação supõem o reconhecimento dessa proximidade (JESUS

JÚNIOR, 2014).

A reunião de indivíduos em grupos produtivos a partir de princípios e práticas

comuns, por si mesmas, já possui um valor inerente, que pode englobar desde a

preservação de práticas ancestrais e de sementes crioulas, à construção de técnicas de

convivência com a escassez de água ou o uso de defensivos naturais, tais como a água

de mandioca ou urina de vaca, por exemplo. O agrupamento humano com propósitos

comuns, nesse sentido, cria em si um conteúdo econômico, pois é responsável pela

produção e reprodução de práticas sociais que contribuem para o aperfeiçoamento de

técnicas de convivência intersubjetivas e dos indivíduos com o meio ambiente.

2.1.3 A formação das redes produtivas de economia solidária no nordeste

brasileiro

107

Ao identificar o valor nato dos arranjos sociais produtivos, o Ceará,

pioneiramente na região nordeste, junto a Pernambuco e Bahia, percebeu a economia

solidária como uma estratégia viável de desenvolvimento do ponto de vista político,

econômico e social, além de um importante instrumento de preservação de valores

culturais. Naquele Estado foi criada uma Agência de Desenvolvimento Solidário

(ADS), vinculada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1999, que, segundo

Gonçalves (2009, p. 23), buscou articular a teoria da economia solidária, baseada na

construção de uma racionalidade solidária na economia, com a transformação da

sociedade por via da formulação de políticas públicas de desenvolvimento dos

empreendimentos econômicos solidários para a geração de emprego e renda, com a

consequente redução da pobreza.

Segundo o Estatuto da ADS, a finalidade da agência seria

implementar uma política voltada para a economia solidária, viabilizar

o surgimento de alternativas de trabalho e renda, incentivando a

criação de empreendimentos de caráter solidário, e contribuir para o

funcionamento dos mesmos na forma de redes, na perspectiva da

sustentabilidade socioeconômica e da melhoria da qualidade de vida

dos grupos envolvidos.

Outra experiência interessante da qual o sertão cearense faz parte é a REDE

JUSTA TRAMA, constituída em 2005. Trata-se de uma organização produtiva de

vestuário criada a partir da lógica da economia solidária. Sua concepção foi idealizada

por uma cooperativa de costureiras criada no Rio Grande do Sul chamada “Unidas

Venceremos” (UNIVENS). A UNIVENS foi fundada em maio de 1996, por 35

mulheres com idades entre 18 e 70 anos, desempregadas, algumas sem saber costurar,

que buscavam trabalho e renda, e que tinham a ideia de formar uma cadeia produtiva do

ramo do vestuário completamente sustentável. Somente começaram a ter apoio após

dois anos da sua existência, mas alegam que sempre quiseram ter autonomia, por isso

dispensaram muitas ajudas oferecidas.

No desígnio de firmar parceiras para a formação de uma cadeia de economia

solidária ecológica de algodão, coordenadores da UNIVENS procuraram convênios com

entidades do semiárido do Ceará, inicialmente, para a produção de algodão, cultivado

sem agrotóxico e com a preservação dos nutrientes do solo. Os agricultores de Tauá

(CE), no contexto de crise de produção por conta da praga do bicudo, passaram por um

108

processo de formação promovido pela Associação de Desenvolvimento Educacional e

Cultural (ADEC), responsável por introduzir os princípios e formar uma racionalidade

da economia solidária, incialmente para 150 agricultores e agricultoras.

Gradativamente, introduziram-se ideias sobre a importância do uso de

defensivos naturais, sobre a relevância do consórcio de cultivos - pois em área com

variação de culturas é mais difícil o aparecimento de pragas, a ponto dos envolvidos

internalizarem tais conhecimentos e verem os seus resultados positivos na produção. O

algodão orgânico é vendido atualmente com um valor 100% maior que o algodão

produzido com agrotóxico, o que equivale ao preço do melhor algodão do mundo, o

egípcio.

Com o auxílio de técnicos da ADEC, a iniciativa ganhou projeção, despertando

o interesse de franceses e norte-americanos. Posteriormente, a JUSTA TRAMA recebeu

apoio da UNISOL BRASIL, uma associação civil com fins não econômicos, de âmbito

nacional, que é uma central de cooperativas e empreendimentos solidários. A UNISOL

foi responsável pela articulação de cooperativas de 5 regiões do país para fortalecer esta

REDE, que conta atualmente com mais de 2000 produtores e produtoras, localizadas

desde o Ceará e Mato Grosso do Sul (produção do algodão), a Roraima, onde os

ribeirinhos colhem sementes e fazem botões e bijuterias, Minas Gerais e São Paulo,

onde há a fiação e tecelagem, até Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde há a

confecção e comercialização, inclusive para o exterior.

A partir de iniciativas dessa natureza, a crença da construção de uma ordem

social mais justa e igualitária propaga-se no país e, especialmente, no nordeste, uma vez

que a população tem percebido as várias iniciativas que a EcoSol estimula no escopo de

fomentar estratégias de desenvolvimento via empoderamento dos indivíduos.

Assumindo os princípios da EcoSol, observam-se, no nordeste, experiências de crédito

solidário, de educação em economia solidária via universidades, incubadoras de

cooperativas, recuperação de empresas em falência, dentre outras.

Atualmente, dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária

(SIES) levantados a partir de um mapeamento de abrangência nacional, registrou EEEs

em 2.804 municípios do Brasil. Dentre os Estados com o maior número de municípios

com empreendimentos dessa natureza, destacam-se: Rio Grande do Sul (281), Bahia

(222), São Paulo (201), Santa Catarina (191), Minas Gerais (188), Ceará e Pernambuco

(ambos com 162 municípios). Em se tratando do quantitativo de EEEs por Estado, o Rio

Grande do Sul é o que mais possui EEEs (1696), seguido por Pernambuco (1503),

109

Bahia (1452), Ceará (1449), Pará (1358), Minas Gerais (1188), São Paulo (1167) e Rio

Grande do Norte (1158). Do total de EEEs existentes atualmente no país, 41% estão

localizados na região nordeste, onde ocupam majoritariamente a zona rural (72%), nos

moldes do gráfico a seguir:

Quadro 10: Áreas de atuação dos EES conforme a região em 2010.

FONTE: Economia solidária no Brasil uma análise de dados nacionais (p. 37).

No nordeste, a grande parte dos EEEs é composta por associações (71%), sendo

o maior percentual do Brasil, e em menor escala por grupos informais (21%). De tal

constatação subentende-se que os movimentos sociais de articulação rural nesta região

são importantes instrumentos de fomento e disseminação dos princípios da economia

solidária, que muitas vezes já estavam inseridos nas práticas produtivas de produtores

da região. A partir de variadas organizações sociais, como sindicatos e pastorais

católicas, se formaram associações para organizar as atividades produtivas, as quais

gradativamente se ligam a redes sociais com atuação e finalidade afins.

O diálogo com membros da Rede revela que o/a trabalhador/a rural, via de regra,

tem a disposição para manter vínculos de solidariedade com a comunidade do seu

entorno, além de querer buscar no local onde vive a sua fonte de renda, uma vez que há,

geralmente, um liame afetivo com o território ao qual pertence, pois “resguardam a terra

como patrimônio da família e da comunidade” (Zhouri; Oliveira, 2007, p. 120). A

economia solidária, nesse contexto, tem o objetivo de trazer respostas às expectativas de

alguns produtores rurais, sobretudo moldando os valores e práticas tradicionais à

abertura de novas estratégias de produção/comercialização, a partir da reordenação de

lógicas equitativas e coletivas, muitas vezes já perpetradas, que resultam na revaloração

110

do trabalho rural e no incremento de estratégias de convivência com as dificuldades

existentes.

Como as relações de reciprocidade e de confiança facilitam as ações

coordenadas e tendem a aumentar a eficiência da sociedade (Putman, 2007), a

construção de uma racionalidade a partir da economia solidária no âmbito rural gera a

expectativa de repercutir positivamente na construção de ações políticas mais

participativas, na igualdade de gênero, na construção de cadeias produtivas mais

sustentáveis e justas, ou seja, no desenvolvimento local.

Na região nordeste, 18% das associações e grupos informais de EcoSol

participam de redes econômicas, seja de comercialização (52%) ou de produção (28%),

a fim de possuírem uma assistência técnica mais substancial, além de se articular com

outras cooperativas, agências de financiamento e com demais redes de produção e de

comercialização. O papel das redes de EcoSol, assim, é articular os órgãos públicos,

agências de fomento e os produtores, além de identificar/reconfigurar as vocações

regionais existentes e criar, a partir daí, caminhos para fortalecer os produtores e

potencializar os ganhos produtivos, gerando o mínimo possível de passivos ambientais.

Essas redes, pois, emergem como fatores de construção coletiva de um “novo

contrato social”, que exige a justa distribuição da riqueza produzida coletivamente, o

respeito ao equilíbrio dos ecossistemas e à diversidade de culturas (SILVA; SILVA,

2014). Possuem, portanto, a importância de reduzirem incertezas e riscos, criando

estratégias coletivas para os produtores/produtoras se manterem competitivas

economicamente, por exemplo, via comercialização em lojas da rede dos excedentes da

produção, além de representarem um meio de segurança alimentar30

dos/as

produtores/as, bem como de transformação das condições de trabalho e vida dos

indivíduos envolvidos em projetos autogestionários (SILVA; SILVA, 2014).

O agrupamento em redes, pois, fomenta a noção de responsabilidade

compartilhada, a formação de vínculos de coordenação e a disposição para

autossustentação do empreendimento. Confrontando-se tal lógica com as propostas

hegemônicas de produção, observa-se a inexistência da perspectiva concorrencial e de

eliminação recíproca via competição, o que tende a repercutir numa configuração

30

Segunda a FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, segurança

alimentar consiste no estado em que os indivíduos têm acesso físico e econômico a uma alimentação que

seja suficiente, segura, nutritiva e que atenda às necessidades nutricionais e preferências alimentares, de

modo a propiciar vida ativa e saudável (Disponível em: < http://www.fao.org/brasil/pt/>. Acesso em

setembro 2016).

111

comunitária mais solidária e horizontal. Inúmeras são as finalidades específicas das

redes, variando entre organizações de apoio à comercialização solidária e redes de

crédito e produção:

Quadro 11: Participação dos EES em redes de produção, comercialização, consumo ou crédito (2010).

FONTE: Economia solidária no Brasil uma análise de dados nacionais (p. 44/45).

Do gráfico apresentado percebe-se que predominam no Brasil redes de

comercialização, que assumem a função de negociar os excedentes produzidos pelos

seus integrantes, tal como a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, que

comercializa produtos de agricultores/as de cerca de 19 municípios do Estado do Rio

Grande do Norte e que tem articulação com outras redes do Brasil, a exemplo da RESF

– Rede de Economia Solidária e Feminista.

2.2 A mudança de perspectiva das políticas públicas para o campo

O movimento agroecológico no Brasil, encabeçado por organizações de

produtores/as familiares, assessorados/as por ONGs e outras instituições de apoio,

durante cerca de trinta anos procurou conscientizar agricultores e consumidores abertos

ao diálogo acerca da importância do investimento em sistemas de produção que

convivam e respeitem a diversidade dos ecossistemas presentes nos diversos biomas do

112

país. À época, as políticas públicas destinadas ao meio agrícola estavam baseadas em

modelos que recorriam à transferência de técnicas de uso intensivo de insumos

químicos, muitas vezes subsidiados pelo poder público, por meio do financiamento de

pacotes técnicos às famílias produtoras. Neste contexto, os incentivos públicos, quando

existentes, eram pontuais, irregulares e marginais (WEID, 2006).

Na atualidade, o agronegócio, substancial sustentáculo do PIB brasileiro, aliado

ao capital financeiro, continuam figurando como beneficiários predominantes das

diretrizes políticas governamentais para o âmbito rural brasileiro – tanto que na última

década houve a liberação do cultivo de transgênicos no Brasil, o que tem gerado tensões

que o próprio Estado tem o dever político de neutralizar. Esta conjuntura tem sido

responsável por crescentes demandas dos movimentos sociais e organizações não-

governamentais nacionais e transnacionais, em relação à imprescindíveis ações públicas

que aliem o fomento à pesquisa, capacitação, crédito, assistência técnica e extensão

rural (WEID, 2006), voltados à valorização dos grupos produtivos rurais e à defesa do

meio ambiente. Essas demandas envolvem mudanças de perspectivas nas políticas

voltadas para o âmbito rural no Brasil, o que foi iniciado com a edição de dois marcos

legais importantes para o Brasil: a lei que regulamenta a agricultura orgânica (Lei n.

10.831/2003), bem como o Decreto n. 7794/2012, que instituiu a Política Nacional de

Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO).

Essas iniciativas, porém, tão somente ganham vida com o planejamento e

execução de políticas públicas, as quais precisam focar em vários aspectos, desde a

organização e formalização dos grupos produtivos rurais, até políticas de planejamento

familiar. Tais iniciativas são imprescindíveis para a consolidação da agroecologia no

país, pois embora se almeje a autonomia dos agricultores e dos grupos sociais rurais,

não se pode vislumbrar nos produtores rurais do semiárido do nordeste uma

independência econômica e política que lhes faça prescindir do apoio público - ainda

que esta situação, em ambientes nos quais as pessoas não tenham formação política,

possa se converter em perda de autonomia. As políticas de assistência técnica, por

exemplo, são grandes aliadas das/os pequenas/os produtoras/es, pois lhes transmitem

conhecimentos e técnicas até então não acessíveis.

Alguns assentamentos do Rio Grande do Norte, como por exemplo, Bonsucesso,

Antônio Conselheiro e Mato Grande, todos localizados na região oeste do Estado,

receberam assessoria técnica, sobretudo a partir de 2004, com vistas a fomentar a

implementação de sistemas agroecológicos na região. Tais iniciativas, porém,

113

experimentadas desde a década de 1990 no país, convivem com um projeto político com

princípios, propostas e impactos antagônicos, ainda majoritariamente predominantes no

país: o agronegócio.

As iniciativas públicas que fomentam e prestam assessoria técnica aos sistemas

agroecológicos no semiárido potiguar demonstram a assimilação de demandas dos

movimentos sociais rurais pelo poder público, o que tem repercutido na contribuição

para a inclusão produtiva e social das mulheres da região. O fortalecimento do trabalho

da mulher no campo, por sua vez, tem expandido a sua participação em associações,

sindicatos e redes sociais, suscitando ressignificações do papel das mulheres na

sociedade em diversas perspectivas: do meio familiar ao econômico.

A esse respeito, podemos mencionar o caso da assistência técnica desenvolvida

no Rio Grande do Norte, no Assentamento Antônio Conselheiro, criado em 1998

(INCRA/RN, 2009) após pressões de várias famílias que integram o Movimento dos

Sem Terra (MST), via ocupações e acampamentos. Está localizado no município de São

Miguel do Gostoso, que possui população estimada, em 2016, de 9.518 habitantes

(IBGE, 2010), e encontra-se no litoral do nordeste, numa região semiárida. O

assentamento dista da capital do Estado cerca de 110 Km, encontra-se há 23 Km da sede

do município e é composto por cerca de 157 famílias (ARAÚJO, 2009).

O trabalho da assessoria técnica no município envolveu um grupo de jovens,

incentivado a desenvolver atividades produtivas coletivamente na região. Criou-se uma

horta coletiva para consumo das famílias envolvidas e para comercialização na feira

agroecológica de São Miguel do Gostoso. A horta depois se converteu em quatro

quintais agroecológicos produtivos, com pequenas criações de animais, hortaliças,

fruteiras e mudas, a partir de investimentos do próprio grupo e de recursos da Rede

Pardal, através do projeto Semeando Agroecologia, desenvolvimento em parceria com a

organização francesa Agrônomos e Veterinários Sem Fronteiras (AVSF). Ademais, o

grupo de jovens criou um jornal de circulação local na comunidade que discute, além de

educação ambiental, agroecologia e reforma agrária, questões do próprio assentamento.

Assim, embora os grupos produtivos devam se organizar de modo autônomo e

não esperar do Estado o provimento das suas necessidades, a atuação do poder público

confere à comunidade um grau de profissionalização e organização que seria

improvável que os/as produtores/as conseguissem sozinhos. Há, todavia, que se

conscientizar o grupo envolvido no sentido de evitar expectativas paternalistas ou

clientelistas, que entendam o Estado como o provedor e o mantenedor de suas vidas.

114

A demanda, portanto, é que o Poder Público, além da preocupação com a

redistribuição de direitos e garantias aos/as grupos produtivos rurais, deve focar na

promoção de alternativas de desenvolvimento que, ao mesmo tempo, potencialize o uso

dos recursos naturais disponíveis em cada região, e eduque a comunidade para uma

convivência que preserve os recursos ambientais, tal como a partir do recurso a sistemas

de produção que se utilize de práticas agroecológicas, sobretudo aproximando os

conhecimentos técnicos e científicos.

Várias discussões entre representantes do governo e entidades de promoção da

agroecologia no Brasil, como o Grupo de Trabalho de Financiamento da Produção (GT-

Financiamento), da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)31

e da Associação

Brasileira de Agroecologia (ABA)32

, e o Programa Nacional da Agricultura Familiar

(Pronaf) buscaram conjuntamente a criação de instrumentos que direcionassem práticas

produtivas mais limpas e sustentáveis para a agricultura. Dessa proposta resultou a

criação de mecanismos inovadores de crédito orientados para a transição agroecológica

(Pronaf Agroecologia, Pronaf Semiárido, Pronaf Florestal) (WEID, 2006). Como não

houve, porém, o planejamento e a implementação de políticas educativas de

conscientização e sensibilização dos grupos produtivos, os créditos direcionados para

fomento dos sistemas agroecológicos foram pouco acessados, aliado à crescente

instalação do agronegócio na região, que atraiu muitos jovens agricultores a se

transformarem em empregados rurais.

Percebeu-se, então, a necessidade de investir no estímulo e financiamento de

processos de ampliação de sistemas agroecológicos, o que, dadas as necessidades de

formação dos produtores e de reestruturação e limpeza dos solos, exige um longo prazo.

Diante do anseio subliminar de mudança cultural proposta pela agroecologia, as

políticas públicas acerca da questão passaram a assumir, a partir de 2003, discussões

inéditas, como a igualdade de gênero no âmbito rural, a inclusão da mulher no mercado

de trabalho rural, a importância de estímulo do trabalho coletivo e cooperado no meio

rural, a necessidade de investimento e aperfeiçoamento das práticas produtivas dos

agricultores/as, a partir de suas demandas específicas.

31

Entidade que agrega os movimentos, redes e organizações da sociedade civil comprometidas com a

promoção da agroecologia e do desenvolvimento rural sustentável no Brasil (www.agroecologia.org.br). 32

Associação que objetiva apoiar e organizar eventos de socialização de conhecimentos acerca da

agroecologia; estimular a participação de profissionais que se dedicam a este enfoque; manter publicações

para a divulgação científica e técnica; dialogar com a sociedade para despertar interesse por questões

socioambientais; analisar e propor políticas públicas coerentes com os desafios contemporâneos; e

defender a proteção da biodiversidade como condição para o alcance de agroecossistemas sustentáveis.

(www.aba-agroecologia.org.bre/wordpress/?page_id=40).

115

Uma importante política implementada no semiárido potiguar que assumiu uma

perspectiva diferenciada do ponto de vista ecológico foi a Assessoria Técnica, Social e

Ambiental à Reforma Agrária – ATES, desdobramento do Plano Nacional de Reforma

Agrária (2003-2006).

Implementado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário via Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tal projeto assumiu o

compromisso de assessorar os assentados pelo INCRA na intenção de criar unidades de

produção estruturadas, inseridas na dinâmica produtiva, mas focadas no

desenvolvimento territorial e municipal, de forma ambientalmente sustentável

(ARAÚJO, 2009). O diferencial desta iniciativa, pois, foi tentar aliar a estabilização

econômica do assentado ao tempo em que propõe a convivência simbiótica e o respeito

aos recursos naturais, recorrendo, para tanto, à valorização da agricultura familiar, à

agroecologia e ao reconhecimento da significância da cultura tradicional (INCRA,

2006).

Desta iniciativa, foi instituído em nível nacional, via atuação do Grupo de

Trabalho sobre Assistência Técnica e Extensão Rural (GT-Ater), integrante do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Agricultura Familiar

(Condraf)33

, o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER),

gerenciado pela Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério de

Desenvolvimento Agrário. Por meio desta política, entidades ligadas à ANA atuaram na

implementação de projetos para grupos produtivos que queriam se aperfeiçoar ou aderir

aos sistemas agroecológicos de produção (WEID, 2006).

A PNATER é entendida como uma importante política pelos cientistas da área,

não só por ter sido a primeira política pública a incluir em seu conteúdo o termo

“agroecologia”, mas por ter potencializado a atuação das entidades de Assistência

Técnica e Extensão Rural – ATER das esferas pública federal e estaduais na promoção e

na implementação de seus programas institucionais, inclusive voltadas para

organizações civis interessadas em receber recursos públicos. Por meio deste programa

houve uma ampla formação de Agentes de ATER (Assistência Técnica e Extensão

Rural), em âmbito nacional, de modo que entre 2004 e 2010, foram capacitados no

Brasil cerca de 16 mil extensionistas, o que demandou do poder público, só entre 2007 e

33

Trata-se de órgão de articulação entre os governos Federal, Estaduais e Municipais, e as organizações

da sociedade civil para discussão de políticas voltadas para a formulação e a implementação de políticas

públicas relacionadas ao desenvolvimento rural sustentável, à reforma agrária e à agricultura familiar (ver

www.condraf.org.br).

116

2008, o investimento de quase dois milhões de reais (BRASIL/DATER, 2009) para

custear eventos de média e curta duração, todos invariavelmente assumindo o objetivo

de propagar a perspectiva agroecológica. O fruto mais importante desta política foi a

orientação para a agroecologia nos Termos de Referência que regiam os convênios entre

as entidades estaduais e o governo federal (CAPORAL; PETERSEN, 2012).

Diante da crescente instituição de políticas públicas voltadas para o fomento à

ampliação de práticas agroecológicas, foram criadas redes sociais de assessoria técnica,

atores importantes no intercâmbio de informações e na interlocução entre agricultores/as

do país. Dentre as diversas redes formadas, destaca-se a Articulação Semiárido

Brasileiro (ASA BRASIL), com atuação em todo semiárido brasileiro, formadora de

interlocuções importantes no oeste potiguar, e responsável pela implementação de

políticas relacionadas à democratização do acesso à água (Programa 1 Milhão de

Cisternas – P1MC e o programa 1 Terra 2 Águas – que busca garantir água não só para

o consumo humano, mas também para a produção).

No que diz respeito à atuação do Ministério da Educação no tema, a partir de

2003 foram criados mais de 100 cursos de Agroecologia ou com enfoque em

agroecologia no Brasil, entre cursos de nível médio e superior, consagrando a

estruturação de uma nova área de conhecimento dentro das ciências exatas e da terra.

Ademais, ampliaram-se os cursos de Especialização, Mestrado e linhas de pesquisa de

programas de Doutorado dentro deste campo. Desde 2010, núcleos de extensão e

pesquisa estão sendo criados nos Institutos Federais e nas Universidades Públicas

(CAPORAL; PETERSEN, 2012), o que tem demonstrado o interesse na formação de

profissionais qualificados na área. Estas iniciativas podem, portanto, conduzir, mediante

a continuidade dessas políticas, a uma difusão qualificada de informações em torno da

agroecologia no país, como também no desenvolvimento de tecnologia e

aperfeiçoamento de políticas na área.

2.2.1 A agroecologia, suas interações com os grupos de mulheres do semiárido

potiguar e a Rede Xique Xique

Ao final da 2ª Guerra Mundial, diante dos avanços tecnológicos alcançados, um

amplo programa transnacional de modernização produtiva da agricultura foi

desenvolvido, inicialmente nos Estados Unidos e Europa (década de 1950), sob o

argumento de que a falta de alimento mundo era responsável pela fome no mundo

117

(MATOS; PESSOA, 2011). Esta expansão agrícola estava baseada no uso massivo de

insumos industriais, na mecanização da produção pelo uso de máquinas de grande porte

dependentes de recursos energéticos não renováveis e na redução do custo de manejo

que gerou impactos significativos no trabalho rural. Para tanto, investiu-se na

modificação genética das sementes, no estudo e desenvolvimento de fertilizantes e

agrotóxicos, na monocultura e na produção em larga escala.

Como resultado, houve a exploração intensiva dos bens ambientais,

especialmente da água, a quase extinção de biomas, a contaminação de solos e dos

indivíduos, além da concentração fundiária – que teve impacto significativo na cultura

dos pequenos agricultores e nas populações tradicionais.

O Brasil, neste contexto, já trazia os grandes latifúndios monocultores como um

produto da história de exploração que viveu ao ser colônia, que, aliado ao trabalho

compulsório e à produção para exportação, constituíam o sistema agrícola predominante

na América dos séculos XV a XIX, denominado plantation. Ainda subsistente em

determinados contextos na América Latina (PINTO, 2016), tal como no nordeste

brasileiro, inclusive em terras privilegiadas das regiões semiáridas, o plantation foi

responsável por desestruturar a agricultura familiar, por implementar hábitos de

consumo ambientalmente reprováveis e socialmente injustos, sobretudo porque, ao

assumir diretrizes capitalistas, baseia-se em relações intersubjetivas exploratórias e

verticalizadas.

Assim, a concentração fundiária no Brasil, subsidiada por investimentos,

públicos e privados (que visam a entrada de capital via exportação de bens primários),

em tecnologia, sobretudo a partir da década de 1990, viabilizou o crescimento

exponencial agrícola, com a expansão das fronteiras de produção e a implantação de

culturas como soja, milho e algodão.

Esta disposição de estrutura social implementada a partir da revolução verde é

parte de um modelo de desenvolvimento que é denominado de “modernização

conservadora” (Graziano da Silva (1980); Andrade (2011); dentre outros), uma vez que

concretizava mudanças técnicas e produtivas que não se convertiam no incremento do

bem-estar social. Observou-se, nesse sentido, que embora tenha ocorrido um aumento

da produção, ele não foi suficiente para solucionar problemas sociais relevantes, pois

com o passar do tempo observou-se que a fome, além de ser mantida, foi agravada, e

que outros problemas sociais foram ocasionados, tal como a degradação dos recursos

naturais (DOURADO, 2011).

118

Como alternativa a este modelo produtivo, organizações e movimentos sociais

começaram a discutir, em nível internacional, a necessidade de uma maior associação

entre a agronomia e a ecologia, entre os seres humanos e a natureza, entre a natureza e a

cultura. Na década de 1980, a agroecologia começa a se popularizar, sobretudo em

virtude de trabalhos dos acadêmicos Miguel Altieri e Stephen Gliessman, os quais

analisaram cientificamente comunidades tradicionais campesinas, principalmente na

América Latina, e passaram a buscar fundamentos e metodologias para transformar a

agroecologia em uma ciência, que também deveria ser concebida como uma prática

política e como um movimento social (WEZEL, et al, 2009).

A participação política das mulheres em defesa de investimento em políticas de

EcoSol e agroecologia no município de Mossoró (RN) decorreu, sobretudo, dos

movimentos de sindicatos de trabalhadores rurais, de organizações não-governamentais

e da Universidade Federal Rural do Semiárido. Em meio a avances e retrocessos, as

articulações de produtores em prol da agroecologia tem gerado tensões entre

profissionais atuantes nas capacitações produtivas e os grupos de mulheres: de um lado

os técnicos questionam o envolvimento político como um elemento que retira ou

diminui a participação das mulheres na produção; de outro, os movimentos sociais,

especialmente o feminista, suscitam o engajamento feminino na luta pelo

reconhecimento de direitos.

De fato, algumas mulheres que trabalham na gestão da Rede Xique Xique, por

exemplo, diminuíram ou se afastaram da atividade rural produtiva. Segundo elas, tal

contexto decorre das atividades da Rede, pois “em Mulunguzinho não tem internet e

nem pega celular. Como eu vou articular as atividades da Rede?”.

Assessoras do Centro Feminista entendem, porém, que “o afastamento de

algumas produtoras do campo é necessário, pois a atuação política das mulheres da

região foi responsável por grandes conquistas”. E tal conjuntura, segundo membros do

CF, justifica que a atuação política das mulheres tem gerado um maior respaldo

institucional, inclusive via políticas públicas, o que tem replicado positivamente no

trabalho feminino no campo. De todo modo, a renovação da atuação das mulheres nos

grupos produtivos deve ser estimulada, inclusive com políticas públicas voltadas para a

juventude rural feminina.

Com a mesma percepção do Centro Feminista, um antigo técnico da Associação

Terra Viva, atualmente docente do magistério federal, que atuou na elaboração e

execução inicial do projeto da Rede Xique Xique, entrevistado 18, entende que “a

119

atuação política de parte das mulheres é tão importante quanto o trabalho produtivo, já

que o primeiro viabiliza e angaria investimentos para o segundo”.

Assim, existem agricultoras que não participam dos movimentos políticos da

Rede diretamente, bem como existem pessoas que atualmente só trabalham na parte

administrativa da rede, não vivendo mais, portanto, da agricultura. Esta situação, porém,

cria um contexto preocupante do ponto de vista previdenciário, já que as pessoas que

não contribuem para o INSS - por serem trabalhadores rurais em regime familiar1 -

devem comprovar a condição de agricultor/a rural na ocasião da requisição de qualquer

benefício previdenciário, devendo existir provas cabais desta condição, a exemplo da

nota fiscal em nome do segurado relativa à aquisição de sementes, instrumentos de

trabalho, dentre outras. Perguntada sobre a questão, uma das pessoas da organização da

Rede, entrevistada 3, respondeu que “por ser assentada da reforma agrária tem direito à

aposentadoria como trabalhadora rural, que não exige contribuição”, sem maiores

preocupações em relação à problemática levantada. Esta mesma resposta foi dada por

sua filha, que atualmente também trabalha exclusivamente na Rede, e mesmo quando

morava no assentamento, não auxiliava a genitora na produção, pois, segundo a

entrevistada 6, “eu nunca gostei do trabalho no campo. Eu gosto de trabalhar aqui na

Rede”.

O ideal, entretanto, é que haja um número maior de pessoas envolvidas com o

trabalho da Rede, de modo que nenhuma produtora tenha que deixar de produzir para

acompanhar as atividades políticas do coletivo. Como tanto as atividades produtivas,

como a organização da Rede são imprescindíveis, o objetivo é que ambas subsistam, se

complementem e não se excluam. Tal necessidade é importante para o fortalecimento da

Rede, o que assume premente importância no contexto atual, diante das vicissitudes

políticas pelas quais o país perpassa.

As instabilidades políticas atuais do Brasil decorrentes do processo que gerou o

afastamento da presidente Dilma Rousseff da chefia do executivo já começaram a

evidenciar o enfraquecimento das políticas de EcoSol no Brasil, especialmente com a

saída de Paul Singer da SENAES, com a desestruturação dos dados do Sistema de

Informação sobre Economia Solidária (SIES) e com a descontinuidade de várias

políticas públicas voltadas para o meio rural.

Assim, embora decisões políticas do Partido dos Trabalhadores não tenham

promovido uma reconfiguração da política econômica institucional do Estado brasileiro,

em se tratando do respaldo institucional às ações de EcoSol, observa-se que os governos

120

do Partido dos Trabalhadores, especialmente por terem origem no movimento sindical,

mantiveram tradicionalmente uma constante interlocução com os movimentos sociais e

assumiram compromissos de promover uma maior justiça social e retribuição de renda.

Mesmo não encarando a EcoSol como uma agenda central para o desenvolvimento do

país, dadas as forças econômicas hegemônicas que viabilizaram a própria ascensão do

PT ao governo, foi nestes governos que a EcoSol e as políticas de correção das

distorções históricas de gênero ganharam espaços na estrutura do Estado, de forma

inédita, especialmente com a criação da SENAES e da SPM, aquela dentro do MTE e

esta com status de ministério, vinculada diretamente à presidência da república.

Portanto, longe de tais iniciativas significarem uma mudança estrutural das

relações produtivas no Brasil, do ponto de vista da horizontalização das relações

laborais e de despatriarcalização das relações sociais, estas políticas em favor das

mulheres rurais têm um importante poder simbólico. Isto porque figuraram como

importantes estratégias em favor do reconhecimento das experiências feministas de

EcoSol existentes no país, como experiências reais de desenvolvimento alternativo.

O mencionado contexto de instabilidade política, ademais, tende a produzir

reflexos negativos na subsistência e continuidade dos grupos

produtivos/associações/cooperativas, pois, embora eles devam guardar uma postura de

independência em face do Estado, existem políticas essenciais que viabilizam e

qualificam o seu trabalho, tal como as de assistência técnica. Num primeiro momento,

porém, observa-se que os grupos têm se mobilizado para manter os níveis de produção e

articular consumidores. Isto tem resultado, inclusive, numa maior organização da Rede

e dos seus respectivos grupos fornecedores, o que demonstra que, em momentos de

crises institucionais e econômicas, a atuação organizada das mulheres direcionou-se

para buscar estratégias de continuidade mais autônomas em relação ao Poder Público.

Um efeito benéfico para esta fase de insegurança da Rede, portanto, foi um

maior fortalecimento das relações horizontais com os produtores, pois se percebe o

aumento das articulações e mobilizações com produtores rurais da região para

fornecerem mais produtos para os consumidores das cestas de alimentos encomendadas

via whatssap e entregues aos consumidores na sede da Rede. Assim, aparentemente a

sociedade vem aderindo de forma mais constante à compra de produtos via Rede, bem

como é perceptível um maior engajamento das organizadoras em aumentar a oferta de

alimentos. Instituiu-se, ainda, uma feira toda última sexta-feira do mês na rua onde a

Rede está sediada, embora em agosto de 2016 uma das produtoras comentou que a

121

Prefeitura de Mossoró não está querendo mais autorizar o fechamento da rua –

provavelmente por questões políticas, visto que a rua não possui muito trânsito.

O fato é que a participação das produtoras na organização da Rede tem

contribuído não só para a valorização dos espaços de atuação produtiva e política das

mulheres, mas também para ressignificar a sua própria relação com o meio ambiente,

embora a produção agroecológica exija formação continuada e uma sólida política de

assessoria técnica.

Observa-se, contudo, que as mulheres do semiárido apresentam mudanças de

visão sobre a função social da alimentação, o que evidencia os reflexos positivos

decorrentes do processo de conscientização dos produtores/as sobre a importância da

agroecologia, já que é perceptível, entre os produtores/as rurais que trabalham com

produção agroecológica, o orgulho, não só por comerem, mas também por

comercializarem produtores sem veneno. Segundo a entrevistada 15, “é muito bom

produzir sem veneno porque a gente também come do que a gente produz. Sem veneno,

a gente não faz mal nem aos outros, nem a gente mesmo”. No mesmo sentido, a

entrevista 20 relata: “antes eu plantava hortaliça com veneno, eu vivia com problema na

respiração. Hoje, graças a Deus, eu sou outra pessoa”.

Para entender holisticamente as propostas da transição para uma produção

agroecológica, é importante promover mudanças culturais, no âmbito tecnológico,

ecológico e socioeconômico.

Vejamos:

122

Quadro 12 Confronto entre agricultura ecológica e convencional.

Fonte: ARAÚJO, 2009.

Assim, ao tempo em que se deve ter a compreensão de que se trata de um

processo de médio e longo prazo, a adoção de técnicas e princípios da agroecologia, por

não assumir compromissos produtivistas, traz consigo mais segurança alimentar aos

produtores e às comunidades do entorno, prestigia as interações biológicas naturais e

estimula a atividade biológica do solo, ao tempo em que preserva os ecossistemas; a

flora e a fauna do bioma. Esta complexidade de mudanças faz com que ainda tenhamos

de conviver com “dois modelos de desenvolvimento rural e de agricultura: um velho,

não sustentável, mas ainda hegemônico; e outro, em construção, que busca a

sustentabilidade” (CAPORAL, 2006, p. 24).

Ainda que com estrutura social precária (saúde, educação, saneamento) e a

privação de muitos serviços públicos essenciais, os grupos sociais rurais do semiárido

potiguar encontraram na produção agroecológica um meio de incrementar a sua

123

qualidade de vida, em variadas conjunturas. Tal contexto tem produzido reflexos

positivos, especialmente no fortalecimento da relação específica que o campesino

possui com a terra, bem como com a reestruturação da organização familiar e

comunitária, envolvidos coletivamente na geração de renda via trabalho coletivo, e

aliados na luta pela terra e autonomia campesina.

A partir da ótica das agricultoras entrevistadas, a aproximação com

metodologias agroecológicas traz implícito em seu bojo a difusão de uma racionalidade

não-mercantilista, o compromisso com a policultura, o incentivo ao trabalho coletivo e

as organizações sociais em torno da comunidade rural (embora hajam processos de

descontinuidade dos grupos) e uma economia voltada para a circulação de renda na

comunidade ou com a dinamização da economia local, com o desenvolvimento

endógeno. Ao mesmo tempo, há ações políticas de resistência ao domínio do

agronegócio, embora muitos produtores – especialmente os mais jovens, terminem se

rendendo a ele. Para os trabalhadores do campo, pois, a produção agroecológica

restabeleceu a ideia de que os produtos rurais são bens com valor de uso com

centralidade no seu valor ecológico. Assim sendo, a agroecologia tem um papel

importante em reavivar a base da forma de vida campesina nas relações de

reciprocidade da organização comunitária, o que auxilia na resolução de desafios diários

por meio do trabalho coletivo (GUERREIRO, 2012).

O cultivo a partir de sistemas de produção agroecológica, tanto incentivado por

organizações não governamentais, como, a posteriori, por parte de políticas públicas,

tem favorecido não só a ressignificação do trabalho comunitário, mas também a

ampliação da diversidade de culturas na região, embora ainda subsista a inviabilidade

do cultivo agroecológico de determinadas espécies que não convivem bem com o

semiárido, como abacaxi, melancia e melão, pela quantidade de água que demandam

(produzidos na região por meio do agronegócio para exportação).

As políticas públicas que instituíram projetos de extensão rural e assessoria

técnica estimularam a produção de hortaliças orgânicas, a produção de mel, o

beneficiamento de polpa de fruta, por meio da formação, treinamento e monitoramento

de grupos produtivos, os quais também foram incentivados e formados para

organizarem associações e cooperativas, a fim de escoarem a produção via

comercialização direta, evitando a concorrência entre os grupos e o recurso a

atravessadores.

124

Em paralelo às formações das quais participavam, alguns grupos de produtores

começaram a integrar movimentos sociais que, para além de fomentar a produção rural

via participação de políticas públicas, promoviam a formação política das/os

envolvidas/os, tal como se pode destacar a ligação entre a Rede Xique Xique de

Comercialização Solidária e o Centro Feminista 8 de Março. Como produto desta

articulação, observa-se um substancial empoderamento político das mulheres, já

existindo agricultoras eleitas conselheiras tutelares e candidata a vereadora nas eleições

municipais de 2016, além de outras situações em que se observa este empoderamento

nos próprios discursos das produtoras, conforme exposto a seguir.

Segundo a entrevistada 5, ela começou a fazer beneficiamento34

de frutas, “mas

ia aparecendo uns cursos por aqui e por ali e eu também ia participando.” Ela diz que

gosta muito quando é chamada para dar cursos nas comunidades do semiárido. “Quando

eu chego lá tem de 12, 15 pessoas. O pessoal dá muita atenção e eu fico muito feliz.” Já

a entrevistada 4 diz que “foi muito importante a gente fazer curso sobre beneficiamento,

pois tinha muita coisa que a gente tinha em casa e se perdia.” Além do mais, diz Dona

A., “ficou entre os produtores aquela preocupação de quando um aprender uma coisa

nova passar para os outros. Quando eu vou para alguma comunidade que as pessoas têm

as coisas e não sabem aproveitar, eu digo tudo o que eu sei”. Este discurso, por

exemplo, evidencia o prestígio de alguns princípios da EcoSol, tendo em vista a

demonstração do entendimento de que o conhecimento deve ser compartilhado entre os

membros dos grupos para a expansão do próprio coletivo, o que demonstra o espírito de

cooperação e colaboração entre os envolvidos.

Em paralelo à organização produtiva dos grupos sociais do semiárido, houve a

criação de hortas comunitárias, as quais são cuidadas pelos coletivos de produtores/as

do entorno conjuntamente, bem como o incentivo à formação e/ou o incremento da

organização de espaços de comercialização, de modo que na atualidade existem feiras

agroecológicas em vários municípios do Rio Grande do Norte. Há também outros

espaços de comercialização, tal como a Rede Xique Xique, que possui uma loja

permanente de venda de polpas de fruta, queijos, doces, marisco, castanha, frutas,

legumes, carne de caprino, galinha de capoeira, ovos, mel e artesanato de produtores de

vários municípios do Estado, além de uma feira de produtos agroecológicos todas as

34

“Ato de melhoramento, ato ou efeito de beneficiar; preparo industrial de produtos para consumo; o ato

de transformar um produto primário em um produto industrializado de maior valor”. Disponível em: <

https://pt.wiktionary.org/wiki/beneficiamento>. Acesso em 04 set. 2016.

125

sextas-feiras, na sede da Rede. Há, ainda a venda de cestas de hortaliças e produtos

produzidos por produtores rurais da região, como feijão verde, batata doce, óleo de

coco.

Diante desse contexto, observa-se que embora as grandes monoculturas

produtivas existentes no semiárido potiguar disseminem a informação inversa, a

agricultura camponesa do semiárido tem capacidade para adotar princípios

agroecológicos para orientar as suas produções, não obstante se reconheça que esta

transição exige médio ou longo prazo para atingir resultados satisfatórios, o que muitas

vezes é um desestímulo aos produtores, especialmente os mais jovens.

O semiárido, assim, tem pleno potencial produtivo para a adoção destes

sistemas, de modo que vários produtores deixam claro que conseguem viver do que

produzem, mesmo sem recorrer ao uso de veneno. A aproximação com a agroecologia,

além de incrementar a relação dos produtores/as com a terra e o meio ambiente em

geral, fomentou entre os/as produtores/as a ideia de que a alimentação é um ato político,

o que lhes amplia o senso de responsabilidade em relação ao que produzem, tornando-os

não só indivíduos mais conscientes, mas produtores mais engajados em produzir e

comercializar produtos que sejam fonte de nutrição e riqueza, não de doenças.

Por sua vez, propor aos próprios agricultores uma mudança de perspectiva

produtiva, relacional e sociocultural é, no dizer de Wanderley (2009, p. 9), “dar um voto

de confiança aos produtores do campo, e acreditar na sua capacidade de assumir,

efetivamente, um papel de agente de transformação social, de protagonista na

construção de outra agricultura e de um outro meio rural no nosso país.”.

Assumindo que os pequenos produtores/as rurais têm a força para mover esse

processo de transição em favor da agroecologia, o pequeno agricultor e presidente de

uma Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, entrevistado 16, afirma que

“o cultivo que era feito desde nossos antepassados, devido a esse mundo moderno que

se diz...., deixou de ser realizado, mas, por conta de capacitações, das atividades e

também dos intercâmbios que fizemos, sabemos que temos que voltar àquela forma de

produzir, se a gente quiser deixar uma herança pros nossos filhos”.

O agente de desenvolvimento local no semiárido potiguar, entrevistado 1, disse

que encontra dificuldades na execução do PPDLES/Brasil Local, programa voltado para

o acompanhamento de empreendimentos econômicos solidários da região. Relatou que

o Estado do Rio Grande do Norte é dividido, para o programa, em cinco territórios,

chamados “territórios da cidadania”, cada qual com 2 agentes. A sua função seria

126

realizar o acompanhamento sistemático de 50 grupos produtivos por território, a fim de

prestar assessoria administrativa e técnica aos produtores/as.

Segundo o entrevistado 1, vários resultados positivos foram alcançados com a

política: “muitos coletivos tinham necessidade de se regularizarem junto à Receita

Federal e ao governo. Nós, como membros da política, procuramos saber como resolver

as pendências dos produtores/as, e ajudamos a regularização fiscal de muitas

cooperativas e associações”.

Relatou, ainda, o entrevistado 1 que “os agentes do PPDLES também auxiliaram

os grupos por meio do ensinamento de rotinas de prestação de contas; no ajuste de

gastos com material de expediente, como com a redução no uso de papel, em razão de

maior utilização de documentos eletrônicos; diminuição de produção de lixo”. O

programa financiou, ademais, conforme o entrevistas 1 a “criação de um escritório

regional coletivo para os produtores, além de ter financiado formações para os

produtores/as para o estímulo à produção para comercialização local, com o fim de uma

maior dinamização da economia local”.

Por outro lado, o entrevistado 1 aponta que “a burocracia do governo do Estado

dificulta muito a execução da política, pois impõe empecilhos à liberação de diárias, à

autorização de uso de combustível e à liberação de motorista, o que atrasa as visitas”.

Ademais, relatou que “cada grupo tinha um pequeno financiamento, de 6 mil e 500

reais, para a compra de equipamentos que ajudassem na produção. Foram feitos

diagnósticos e os produtores já apontavam os equipamentos necessários. Mas até a

presente data não foram adquiridos os equipamentos, por questões burocráticas”.

Afirma o entrevistado 1 que o dinheiro destinado pelo programa atualmente está em

uma conta vinculada ao projeto e, como o recurso ainda estava disponível para uso, foi

realizado um termo aditivo ao Programa, que deveria durar 2 anos, mas passou a ter 3

anos de duração, para que a execução das ações previstas inicialmente fosse finalizada.

A partir dessa experiência, pois, observa-se a necessidade de uma melhor

articulação entre governos (federal, estadual e municipal), a fim de que as ações, as

políticas e os projetos empreendidos ganhem eficiência e consigam trazer para a

sociedade um retorno mais eficiente e satisfatório.

No que tange ao respaldo público conferido ao movimento agroecológico no

semiárido potiguar, embora a sociedade tenha se aproximado das feiras agroecológicas

(a Rede Xique Xique possui, somente via encomendas no whatssap, 256 consumidores

fixos semanais), ainda existem vários entraves. A descontinuidade dos programas

127

políticos, os entraves burocráticos à formalização de grupos e as relações de

dependência que muitas vezes se estabelecem entre produtores/as e agências de

execução das políticas públicas dificultam a obtenção de melhores resultados nesse

processo de implantação ou aperfeiçoamento de sistemas agroecológicos.

Por outro lado, se observa o empenho incansável de organizações não

governamentais para angariar recursos públicos nacionais e internacionais para auxiliar

na consolidação dos grupos produtivos e das práticas agroecológicas no semiárido. Há,

pois, uma disposição importante, tanto das/os agricultores/as, quanto dos executores de

ações políticas nos assentamentos e grupos da região. No semiárido potiguar, é

impressionante o nível de organização atingido por determinados grupos produtivos,

sobretudo em face da atuação de entidades do movimento social, especialmente o

vinculado à causa feminista (Centro Feminista 8 de Março) e à luta por políticas de

convivência do semiárido (Terra Viva, AACC e ASA). As parcerias entre estas e outras

entidades no semiárido vêm alcançando resultados importantes para o incremento da

qualidade de vida da população da região, especialmente das mulheres, tradicionalmente

alijadas da participação no mercado produtivo, sobretudo no contexto rural do nordeste

brasileiro, sobretudo porque tais entidades atraem financiamentos e desenvolvem

políticas e projetos que viabilizam a formação e o fortalecimento de coletivos no

semiárido.

Perguntadas sobre a importância das organizações de apoio à auto-organização

dos grupos da região, a entrevistada 17 afirmou que “o trabalho dos coletivos da região

melhorou muito depois que passaram ter a ajuda de outros grupos mais fortes e

articulados com entidades do país todo e até de fora”. Segundo ela, “o apoio das

organizações da região foi importante, porque se via experiência que as companheiras

de mais tempo nos movimentos sociais tinham”. Algumas mulheres também relataram

que cada conquista política, institucional e pessoal delas é um incentivo, e que a

formação de redes de grupos feministas e agroecológicos tem contribuído para a

continuidade no envolvimento e participação nos movimentos promovidos.

Por outro lado, as mulheres que trabalham em grupos produtivos também

relatam o problema da descontinuidade da participação feminina: “Tem muita mulher

que só vem pra cooperativa quando não tem emprego na época de veraneio. Às vezes

tem mulher que prefere trabalhar de doméstica pra ganhar menos de que um salário do

que pescar”. Segundo informações da pesquisa de campo, as mulheres também

encontram dificuldade de comparecer com assiduidade às

128

cooperativas/associações/grupos informais dos quais fazem parte em virtude do

acúmulo de responsabilidades no âmbito familiar, que variam dos afazeres domésticos

ao cuidado de membro/s da família, ou somente em razão da exigência de maior

permanência no âmbito doméstico por parte dos maridos, muitas vezes convertidas em

violência física ou emocional, geralmente quando associada à ingestão de álcool por

parte dos companheiros. A entrevistada 18 relata: “Muitas vezes não vou pra associação

porque quando meu marido chega em casa e eu não estou ele não gosta. Fica

perguntando por mim. E quando ele bebe fica violento”. Tal situação, ademais, tem um

efeito cascata, já que a ausência de assiduidade de uma ou outra participante

desestimula a própria existência do grupo. Também dados da pesquisa de campo

evidenciam dificuldade de algumas cooperativas, especialmente de pescadoras e

marisqueiras, que têm a participação das mulheres integrantes dependente da existência

de outras oportunidades de emprego no litoral, sobretudo no verão.

Desse modo, embora seja perceptível a importância social, política e ambiental

de conferir uma aproximação as práticas agrícolas e os princípios ecológicos, observa-se

que existem entraves significativos a serem transpostos, inclusive de cunho cultural. A

importância dessa transição, porém, possui reflexos multidimensionais, vez que o

produtor de subsistência que utiliza técnicas agroecológicas de produção, além de se

beneficiar com a qualidade do bem produzido, contribui para a segurança alimentar da

sociedade, o que ressignificar a função social das/os produtores pequenos rurais.

A construção de um desenvolvimento a partir de outras bases no semiárido

potiguar, nesse sentido, tem recorrido à autoorganização das mulheres como estratégia

de maior participação das decisões sociais, o que tem gerado importantes conquistas

feministas na região, que também se traduzem, minimamente, em medidas importantes

para a humanidade, na medida em que se coaduna com o respeito à capacidade de

suporte do meio ambiente.

129

3 A REDE XIQUE XIQUE E SUAS REDES

A Rede Xique Xique de Comercialização Solidária é uma entidade que agrega

uma associação e uma cooperativa que constituídas para a mobilização, o fortalecimento

produtivo e a articulação de produtores e produtoras do semiárido para a

comercialização solidária, via Rede. A sua instituição visou, pois, dinamizar a economia

local e desenvolver entre os produtores relações de cooperação, longe da lógica

exploratória, fomentando o compartilhamento de conhecimento e de espaços de

produção.

Por meio da articulação com outras entidades, a Rede tem fomentado a formação

política dos seus membros, promovendo discussões políticas sobre novas propostas de

desenvolvimento para o semiárido, especialmente a partir de princípios da EcoSol, do

feminismo e da agroecologia.

A Rede foi constituída por meio da articulação de movimentos de

trabalhadores/as rurais do semiárido potiguar, especialmente via mobilização produtiva

de um grupo de mulheres do assentamento Mulugunzinho, localizado no oeste potiguar,

perto do município de Mossoró. Estas mulheres, ao criarem o grupo “Decididas a

Vencer”, marco histórico para a formação da Rede, plantaram as sementes para a

produção coletiva e solidária no semiárido, para o empoderamento feminino e para a

difusão de técnicas produtivas ecológicas na região, iniciativas ampliadas e fortalecidas

com apoio de entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais.

Para resgatar a memória da Rede Xique Xique, foram realizadas entrevistas

abertas, tanto com mulheres do grupo “Decididas a Vencer”, como também com agentes

de instituições que contribuíram para a construção e consolidação da Rede – UFERSA,

CF8, Visão Mundial, Terra Viva.

Assim, este capítulo inicia com uma delimitação da atual estrutura da Rede

conforme previsto no seu estatuto, busca resgatar a memória da sua constituição pelo

relato de fundadoras do grupo “Decididas a Vencer” e recorre à visão das entidades se

articulam com a Rede para se entender os objetivos, as potencialidades e a sua

importância para o semiárido potiguar.

130

3.1 Estrutura e composição da Rede Xique Xique

A Rede Xique Xique se subdivide formalmente em duas estruturas: a

Associação de Comercialização Solidária Xique Xique e a Cooperativa de

Comercialização Solidária Xique Xique (COOPERXIQUE). Ambas funcionam na

sede da REDE XIQUE XIQUE, no centro da cidade de Mossoró.

A Associação de Comercialização Solidária Xique Xique, criada juntamente

com a instituição da Rede, em 2003, nos termos dos seus atos constitutivos

registrados em cartório, consiste em uma entidade sem fins lucrativos, criada por

tempo ilimitado e que tem o objetivo de constituir e fortalecer a comercialização dos

grupos de produtores, através do comércio ético e solidário, com o escopo de afastar

os produtores/as da dependência do comércio via atravessadores. Conforme relatam

as conselheiras, quando a associação foi criada, em 2004, se vislumbrava criar

estratégias de comercialização a partir desta organização. A impossibilidade de gerar

receitas para os produtores por meio da associação fez surgir a necessidade de criar

uma cooperativa, e deixar a associação com a finalidade de organizar as atividades

culturais e políticas da Rede.

A priori, pois, não se idealizava a criação de uma cooperativa específica da

Rede, posto que já existiam cooperativas ligadas a ela e a intenção era fortalecê-las,

não criar uma nova. Posteriormente, porém, foi imprescindível a criação da

COOPERXIQUE, uma vez que nenhuma associação pode, por força de lei, obter

ganhos, enquanto as cooperativas podem gerar rendas a partir dos produtos que

comercializam. Desse modo, embora formalmente a função da associação seja

viabilizar a comercialização dos produtos dos parceiros/as, atualmente os associados

asseveram que a atuação da associação, como dito, é mais política e cultural, quer

com a organização de eventos, quer com a submissão de projetos a políticas públicas

de fomento a organizações do semiárido.

No que se refere à COOPERXIQUE, trata-se de uma pessoa jurídica criada com

o objetivo de auxiliar as/os produtores/as familiares econômica, social e culturalmente,

por meio da ajuda mútua, libertando-os do comércio dos atravessadores. Conforme os

seus atos constitutivos, a COOPERXIQUE é constituída por 31 sócios, dos quais apenas

5 são homens, e todos os membros são agricultoras/es rurais. Ao todo, se articulam na

composição da Rede cerca de 60 famílias de agricultoras/es familiares, apicultores/as,

artesãs/ãos e pescadores.

131

Na busca por tentar organizar os grupos produtivos, a Rede criou 19 núcleos

no Estado do Rio Grande do Norte, cada qual vinculado a produtoras/es da sua região.

A partir dessa descentralização, passaram a organizar feiras locais de agricultura

familiar, além de comercializar produtos diretamente nas lojas (hoje existem duas: em

Mossoró e em São Miguel do Gostoso).

Dos 19 núcleos existentes na REDE, 12 núcleos existem desde a sua

formação. Os núcleos estão localizados nos municípios de Apodi, Baraúna, Grossos,

Janduís, Governador Dix-sept Rosado, Messias Targino, Mossoró, Tibau, São Miguel

do Gostoso, Serra do Mel, Felipe Guerra e Upanema.

Embora a Rede ainda não tenha um censo acerca da sua área de abrangência

e dos grupos envolvidos especificamente criados a partir da sua atuação, os

organizadores estimam que a Rede se articule, diretamente ou não, com grupos do

Estado do Rio Grande do Norte, mencionados no mapa a seguir:

Figura 7: Mapa dos núcleos da Rede Xique Xique.

Fonte: Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte

(adaptado pela autora)

A coordenação da Rede tem realizado articulações também com produtores

de mais sete municípios: Pureza, João Câmara, Jandaíra, Parnamirim, Natal,

132

Pendências e São Rafael, todos localizados no Estado do Rio Grande do Norte. Cada

Núcleo possui um conselho diretor, composto geralmente por 2 pessoas, eleitas por

meio de indicação dos grupos de cada região, geralmente dentre as pessoas que têm

mais contato e mais facilidade de acesso à Rede. A sua função é articular o grupo

produtivo do núcleo com a Rede, a fim de mobilizar os/as produtores/as com a

cooperativa de comercialização criada dentro da rede: a Cooperxique.

3.1 As Redes sociais do semiárido potiguar e as ações coletivas em favor da maior

igualdade de gênero no meio rural

As ações em desfavor dos bens ambientais decorrentes da relação de domínio

sobre a natureza evidenciam uma apropriação desregrada e irresponsável de diversos

ambientes e territórios. Por conseguinte, também justificam as relações de poder que se

estabelecem entre homens e mulheres, entre o meio urbano e rural, entre os detentores

dos meios de produção e os explorados. Esta configuração das relações sociais atribui à

sociedade constituída após a Revolução Industrial, segundo LEFF (2009), duas

características: ser produtivista e antiecológica.

A situação é agravada pelo fato dos desequilíbrios criados pelas ações e relações

humanas não gerarem, na mesma proporção e com eficiência, soluções que supram as

externalidades decorrentes. Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 14) assevera que os

problemas criados pela modernidade ainda não geraram uma solução moderna e isto

induz à necessidade de “reinvenção da emancipação social”, a partir de novos

pressupostos humanos, sociais, culturais, ambientais, políticos e econômicos. Tal

reposicionamento social pressupõe uma globalização “alternativa, contra-hegemônica,

constituída pelo conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que, através de

vínculos, redes e alianças locais/globais lutam contra a globalização neoliberal,

mobilizados pela aspiração de um mundo melhor” (SANTOS, 2002, p. 72).

Com a perspectiva de resistir à lógica concorrencial estimulada por um

desenvolvimento à custa da precarização humana, é crescente o fomento ao

agrupamento de pessoas com o objetivo de criar redes, movimentos, entidades e

articulações que assumam o desígnio de promover, via reflexões teóricas e ações

políticas, práticas que contestem a lógica mercadológica com que são tratados

reincidentemente os indivíduos e os recursos ambientais. Essa luta pela propagação de

relações sociais mais justas e equilibradas tem como pressuposto a construção de uma

133

nova racionalidade ambiental (LEFF, 2009) - por conseguinte, social e econômica,

baseada em estratégias alternativas de desenvolvimento, capazes de integrar a natureza a

uma lógica produtiva que conviva com a capacidade de resiliência ou de reestruturação

dos bens naturais, na medida do seu ritmo e ciclos naturais.

As mulheres, assim como o meio ambiente, também foram reduzidas a objeto de

apropriação ao longo da história da humanidade. Elas seriam: instrumentos de

perpetuação da espécie, prostitutas ou mão de obra gratuita no âmbito doméstico e, após

a revolução industrial, mão de obra barata, tal qual a infantil. Foram - e em muitas

ocorrências ainda são - objetificadas: vendidas, violadas e usadas, tal como a natureza

tem sido ao longo da história da humanidade, sobremaneira modernamente. Este padrão

desigual de relações de gênero nutre uma cultura violenta e subordinante, calcada em

um pressuposto: há uma identidade específica dos homens - supervalorizada

historicamente, e outra das mulheres - frágeis, fúteis, tímidas, histéricas e dependentes.

Aliadas às iniciativas internacionais, várias ações sociais, desde meados do

século XIX, com os movimentos sufragistas nascidos na Inglaterra e Estados Unidos,

até os dias atuais, reivindicam a igualdade de gênero, a partir de múltiplas perspectivas.

Especialmente a partir da década de 1990, iniciou-se um processo de

mobilização e fortalecimento da sociedade civil, influenciado, inclusive, pela atuação de

organizações não governamentais internacionais no Brasil. Esta conjuntura instigou a

formação de grupos informais no semiárido potiguar, especialmente em razão de

mobilizações por parte dos sindicatos de trabalhadoras/es rurais e do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dessas articulações houve, dentre outros

episódios marcantes, a ocupação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

(Sudene), em 1993, com o objetivo de criar uma agenda de políticas de convivência

com o semiárido em contraposição à política governamental de combate à seca vigente

na época (ASA, 2016).

Já em 1999, paralelamente à 3º Conferência das Partes da Convenção de

Combate à Desertificação e à Seca (COP3) da Organização das Nações Unidas (ONU),

realizada em Recife-PE, as organizações lançaram a Declaração do Semiárido

Brasileiro. Buscou-se, com este documento, romper a filosofia e as ações do combate à

seca vigentes, ao tempo em que se propôs, a partir das demandas da população do

semiárido, medidas estruturantes para o desenvolvimento sustentável a partir das

potencialidades da região. Assim, expôs-se a necessidade de um conjunto de ações

políticas e práticas de convivência com o semiárido e, nesse contexto, propôs-se a

134

formulação de um programa para construir um milhão de cisternas no semiárido

brasileiro (ASA, 2016).

Os grupos, então, começaram a se institucionalizar, tanto para acompanhar a

execução deste programa, como também para participar de editais públicos e de projetos

com financiamento, pois começaram a surgir investimentos como contrapartida às

mobilizações organizadas.

O semiárido potiguar, nesta conjuntura, especificamente na região oeste, passou

a se destacar pelo quantitativo de coletivos com foco no desenvolvimento sustentável da

região. Além da Rede Xique Xique, destacamos: a Articulação Semiárido Brasileiro

(ASA), formada por mais de três mil organizações da sociedade civil de distintas

naturezas – sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas,

ONG´s, Oscip; a Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do

Norte (AACC/RN), organização social de interesse público (Oscip), fundada em 1985

com o objetivo de contribuir para a autodeterminação das mulheres, homens, jovens e

organizações do campo (ASA, 2016); o Centro Feminista 8 de Março

(CF8), organização não-governamental criada em março de 1993, com o objetivo

desenvolver políticas de igualdade de gênero na região.

O CF8 é responsável pelo intercâmbio de ideias, formações políticas e apoio

institucional, diretamente ou por meio de parceiros, e mobiliza o semiárido potiguar

para o fortalecimento de uma economia solidária e feminista, comprometida com a

neutralização das vulnerabilidades sociais, a partir de uma perspectiva feminista. Esta

orientação política do CF8 criou uma ligação visceral com a Rede Xique Xique,

especialmente diante do protagonismo das mulheres nos grupos produtivos que

comercializam via Rede. Assim, o CF8 possui decisiva contribuição na formação

política, técnica e social das mulheres da região, especialmente por meio do fomento a

meios sustentáveis de geração de renda. Novas tecnologias de produção são

desenvolvidas e propagadas pela sua atuação, além de realizarem discussões políticas

coletivas em torno da noção da igualdade de direitos e de oportunidade que as mulheres

fazem jus. Esta simbiose entre a luta feminista e movimentos de mulheres pela geração

de renda a partir de iniciativas não-exploratórias fez surgir na região oeste potiguar

vários coletivos que aliam anseios feministas e agroecológicos, tais como a Rede de

Economia Solidária e Feminista (RESF) e a Coordenação Oeste de Mulheres, sendo que

a Rede Xique Xique assume protagonismo, pois é a única entidade da região cujo

135

escopo é dinamizar a economia a partir de princípios agroecológicos e da EcoSol,

prestigiando grupos produtivos majoritariamente compostos por mulheres.

Além de propagar a comercialização e o consumo solidário na região via Rede

Xique Xique, o CF8 executou e executa projetos que beneficiam ou já beneficiaram a

Rede e/ou os seus cooperados. Dentre outros, destacam-se os projetos:

“Fortalecer a Organização Produtiva de

grupos de mulheres rurais, através do

melhoramento e escalonamento da

produção para o acesso ao Programa

Nacional de Alimentação Escolar, nos

Territórios da Cidadania Açu-Mossoró e

Sertão do Apodi” (Convênio nº

750044/2010) – ano: 2011;

Projeto de Assessoria Técnica e

Extensão Rural, ATER Mulheres– ano:

início em 2000 e ainda em execução;

“Assistência técnica para o fortalecimento

da auto-organização, diversificação e

ampliação da produção e alternativas de

comercialização dos grupos de mulheres

trabalhadoras rurais e pescadoras do

Território Açu-Mossoró” (Convênio nº

0000139/10) – ano 2011;

Projeto Água Viva – objetivou

desenvolver técnicas de reuso da água

da lavagem de roupa, da casa, da

louça, para melhor convivência com o

semiárido e, assim, potencializar a

produção dos quintais das mulheres em

busca de melhorias de vida para estas e

suas famílias” – ano 2015

Mulheres e autonomia: Fortalecendo o

acesso das trabalhadoras rurais as políticas

públicas nos territórios da cidadania do

NE brasileiro” (Convênio nº 701362/08) –

ano: 2011;

Projeto Mulheres do Quintal ao Mar –

dentre outras ações, objetiva melhorar

a renda das mulheres pescadoras a

partir da diversificação das suas

atividades produtivas– ano: 2015 Quadro 13 Projetos produtivos que beneficiaram a Rede Xique Xique.

Fonte: Elaboração da autora, 2016.

Das diversas articulações existentes entre os grupos e movimentos sociais foram

criadas parcerias importantes, geralmente a partir de congregações dos assentamentos

da reforma agrária no Estado: sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, Centro

Feminista 8 de março, Terra Viva, Visão Mundial, dentre outros. O intercâmbio de

informações e o compartilhamento de experiências objetivou o fortalecimento das

comunidades, preteridas tradicionalmente pelas políticas públicas nacionais.

Os diálogos políticos multifacetados dos coletivos os qualificaram e os tornaram

mais transversais e interdisciplinares, fazendo-os acumularem demandas de um

quantitativo substancial de agricultoras/es, apicultoras/es, pescadoras/es, criadoras/es de

animais, artesãs/os, homens, mulheres, jovens, idoso, negros, população LGBT

(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Esta reunião de

136

demandas incrementa as ações empreendidas pelos diversos movimentos, que passaram

a assimilar propósitos coletivos comuns, tal como, os movimentos ecofeministas

encabeçados, por exemplo, pela Rede Xique Xique, que alia o feminismo, à

agroecologia e à EcoSol como estratégia de melhoria da qualidade de vida dos seus

membros e da comunidade do seu entorno.

Neste contexto, serão analisados os diálogos decorrentes da pesquisa empírica

desenvolvida com a participação de cooperados, gestores e participantes de redes sociais

do semiárido potiguar, especialmente na Rede Xique Xique. Ademais, foram ouvidos

professores universitários e coordenadores de entidades do semiárido do Rio Grande do

Norte, conforme detalhado no percurso metodológico, a fim de se observar as propostas

de desenvolvimento que orientam a atuação das entidades do oeste potiguar.

3.1.1 “Decididas à vencer” e a transformação das mulheres: como nasceu a ideia

da Rede Xique Xique?

Diante da crescente organização da sociedade civil no semiárido potiguar, várias

organizações adotaram o objetivo comum de fomentar a criação de contextos sociais,

políticos, culturais, econômicos e ambientais de maior igualdade. As pautas giravam em

torno da necessidade de criar estratégias de condições de acesso e uso da água; do

fomento ao desenvolvimento comunitário; do incentivo aos meios de produção que

respeitem as vocações individuais e as possibilidades geoclimáticas; do reconhecimento

da importância da mão de obra feminina no âmbito rural.

Siliprandi e Cintrão (2011, p. 200) identificaram, entre os anos de 2005 e 2009,

920 grupos produtivos de mulheres rurais, em praticamente todos os estados do país.

Especificamente no ano 2008 criou-se, em nível federal, o Programa de Organização

Produtiva de Mulheres Rurais, integrado por órgãos de seis diferentes ministérios.

Nesse contexto, pessoas de Sindicatos de Trabalhadores Rurais do entorno de

Mossoró (RN) e, posteriormente, grupos de mulheres de outras entidades, criaram o

grupo de mulheres “Decididas a Vencer”, no assentamento da reforma agrária

Mulunguzinho35

que, juntamente com o apoio de várias entidades, ajudaram a construir

35

Assentamento criado oficialmente em 14 de maio de 1992, por meio do Instituto Nacional de Reforma

Agrária (INCRA) mantendo a sua denominação original - Fazenda Mulunguzinho. Sua área total é de

7.944,30 ha. Tratava-se de uma propriedade de Sr. Narciso Ferreira Souto, desapropriada após um amplo

processo de reivindicação do Movimento de Trabalhadoras/es Sem Terra (MST) no oeste potiguar,

137

uma Associação de Parceiros da Terra, de onde brotou a Rede Xique Xique de

Comercialização Solidária. Segunda entrevistada 4, “a APT foi criada para ajudar a

gente na comercialização. Graças a Deus foi um projeto que deu certo... aí nós

conversamos com um e com outro e caminhamos para construir a rede.”.

A formação da Rede ocorreu a partir da mobilização de produtoras locais que

trabalhavam com hortaliças, auxiliadas por técnicos da região, em meados da década de

1990. Na oportunidade, foi formado um grupo fixo de consumidores de cestas de

produtos, que gradativamente passou a demandar mais produtos, o que fazia com que os

grupos produtivos necessitassem manter uma maior interlocução entre si. Conforme o

entrevistado 13, estudante da UFERSA e atuante em uma ONG na região, “entramos em

contato com funcionário da UFERSA, do Banco do Brasil e de várias entidades para

criar um mercado consumidor para as mulheres que começaram a produzir com base na

agroecologia”.

Na região semiárida potiguar havia a atuação de uma organização não-

governamental (ONG) internacional denominada Visão Mundial (VISÃO MUNDIAL,

2015), atualmente sediada em Recife-PE, que desenvolvia atividades com crianças e

adolescentes carentes nas zonas periféricas no Rio Grande do Norte, desde a década de

1990 e no Brasil desde 1975, por meio da implantação dos chamados Programas de

Desenvolvimento de Área (PDA‟s), que propõe o incremento da qualidade de vida das

comunidades pelo apoio profissional dos adultos e atividades esportivas e educacionais

às crianças.

A ONG, a fim melhorar a renda per capita das famílias da região, contratou

entidades da região, tais como o Centro Terra Viva, para fazer formações sobre auto-

organização de grupos produtivos, que também prestou assessoria técnica aos grupos,

associações e cooperativas da região, apoiando a organização de feiras locais para

comercialização de excedente. Em horário alternativo à escola, a ONG disponibilizava

esportes para crianças. Os PDA‟s tinham um coordenador, os quais se organizaram com

grupos produtivos de mulheres da região que trabalhavam com hortaliças para

elaborarem um projeto de criação de uma sede de venda de produtos de grupos

produtivos da região. Conforme a entrevistada 30, assistente social da Terra Viva, “a

Visão Mundial foi um suporte inicial decisivo para a construção da Rede, pois financiou

1 ano de aluguel da sede da loja que comercializava os produtos da região”.

iniciado em meados da década de 80 (Disponível em: <http://jotaemeshon-

assentamentos.blogspot.com.br/>. Acesso em 10 abr 2016.).

138

A Visão Mundial, ademais, entre 2003 e 2004, a ONG disponibilizou automóvel

e combustível para fazer o transporte dos produtos do entorno de Mossoró para ser

comercializado na sede da Rede, o que contribuiu para estreitar os vínculos e as relações

econômicas entre diversos grupos da região. Os grupos produtivos passaram a integrar

redes sociais locais, tais como do Centro Feminista 8 de Março, o que viabilizou a

difusão e o incremento de políticas públicas36

de fomento ao desenvolvimento do

semiárido.

Integram a Rede Xique Xique grupos informais, famílias de agricultores/as,

pescadoras/es, apicultores/as, cooperativas e associações do oeste potiguar, em sua

maioria, que assumem práticas agroecológicas e que orientam-se por princípios da

EcoSol e mantém proximidades com discussões em torno do feminismo.

A Rede Xique Xique está com cerca de 10 anos de existência e foi inicialmente

criada com o objetivo de escoar a produção dos grupos informais das comunidades de

agricultores familiares do oeste potiguar, de modo a promover a geração de renda para

agricultores/as familiares das cidades de Governador Dix-Sept Rosado, Apodi, Mossoró

e Baraúna.

Atualmente, porém, a Rede se articulada com grupos das mais diversas

vertentes, promovendo e participando de formações políticas, e, por isso, acumula a

função de encabeçar ações políticas e sociais importantes na região, com o apoio do

movimento rural do oeste potiguar e de profissionais comprometidos com formas de

produção alternativas.

Tal entidade qualifica-se, porém, porque além de estar engajada com o

desenvolvimento regional, visa criar meios de fomentar uma maior igualdade de gênero

no semiárido, através da difusão dos sistemas agroecológicos de produção e do

desenvolvimento de práticas comerciais não-exploratórias, do ponto de vista da

produção e do consumo.

Os sistemas agroecológicos de produção são entendidos como estratégia de

igualdade de gênero pelo CF8, uma vez que estimula a auto-organização produtiva das

mulheres, a formação de lideranças, a integração com outros movimentos sociais, o que

projeta os grupos de mulheres e o inseri em circuitos produtivos dos quais apenas

participava de forma coadjuvante.

36

Cristóvam (2005) entende que “As políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos

e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são

traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos

e direitos fundamentais dispostos na Constituição.

139

As práticas comerciais não-exploratórias, tal como o comércio justos e a

produção cooperada, no mesmo sentido, ao afastarem as mulheres da condição de

concorrência, fortalece o grupo como um todo, evitando posturas individualistas e

autodestrutivas.

Nesse sentido, o CF8 e as práticas que fomenta assume o propósito mais amplo

de promover novas perspectivas de desenvolvimento, baseadas em relações

comunitárias mais equilibradas, tanto do ponto de vista socioambiental, como a partir de

uma perspectiva feminista.

A partir do pressuposto de que a equidade social é um princípio fundamental

para o desenvolvimento sustentável (SACHS, 2009), entidades feministas aliaram às

suas lutas políticas à agroecologia e à EcoSol, com o objetivo de criar meios para um

ambiente social em que haja maior igualdade. A Rede Xique Xique, como espaço de

mobilização das mulheres para o desenvolvimento do semiárido potiguar, reconhece,

igualmente, as potencialidades da aliança entre economia solidária, agroecologia e

feminismo como alternativas à subvaloração da atuação feminina nos espaços sociais,

ao subaproveitamento das potencialidades do semiárido e às práticas concorrenciais que

orientam o agronegócio monocultor dominante na região.

3.1.1.1 O grupo produtivo “Decididas a Vencer”

O Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Mulunguzinho é um dos locais

onde foi gerada a Rede Xique Xique. O assentamento está localizado na zona rural de

Mossoró e dista do centro da cidade cerca de 25 quilômetros, com ligação por estrada

estreita, de barro bem vermelho, cheia de curvas e totalmente tomada por pedras.

Mulunguzinho possui 112 famílias assentadas (além de outros grupos que se

estabeleceram no local), mas, em razão da atuação política do grupo de mulheres da

localidade, algumas conquistas substanciais foram alcançadas: lá funciona uma escola

municipal - onde algumas mulheres trabalham; mensalmente há uma visita de um

médico que atende os moradores no galpão da associação (muito embora os moradores

também recorram a Mossoró por conta da precariedade do atendimento), e houve

também a construção de uma cisterna (com 16 mil litros) por casa de assentado/a

exclusivamente para o consumo humano. Algumas casas têm uma segunda cisterna

(com 52 mil litros), cuja finalidade é exclusivamente armazenar água para produção.

“Após a organização do grupo Decididas a Vencer, nós entramos na associação dos

140

moradores e moradoras de Mulunguzinho e conquistamos muitas coisas. Hoje existe

atendimento médico aqui por conta de nossas batalhas”, relata a entrevistada 20.

Uma das coordenadoras da Rede Xique Xique relata que o assentamento, como a

própria Rede, recebe visitas de pesquisadores, assistentes sociais e equipes de avaliação

do governo. “Quando chega alguém de fora no assentamento a comunidade encaminha

logo o povo para falar com as mulheres que construíram o grupo dizendo: „Vão até as

mulheres, elas é quem são responsáveis pela organização aqui‟”, diz a entrevistada 2.

Ao chegar certo dia à sede da Rede, numa sexta-feira, às 8 horas, uma das

coordenadoras avisou que iria a Mulunguzinho com uma pessoa da ASA, para marcar

um encontro entre o grupo de mulheres de lá e um grupo que viria do semiárido de

Minas Gerais conhecer as práticas produtivas daquele assentamento. Logo fui

convidada e aceitei o convite de conhecer Mulunguzinho. Peguei o meu caderno de

campo e fui de carro, juntamente com a comunicadora da ASA e um de seus

coordenadores. Fomos conversando ao longo do caminho, quando eu contei como foi a

minha trajetória até chegar a ser professora da UFERSA, em 2013, oportunidade em que

comecei a me interessar pelas atividades da Rede Xique Xique. Eles, por sua vez,

relataram a criação da ASA e as suas ações com as entidades da região.

Para seguir o menor caminho entre o centro de Mossoró e Mulunguzinho,

atravessamos um rio profundo e sem uma gota de água, que quando está cheio não

permite a passagem de qualquer veículo. O sol é escaldante, a água limitada, o lugar

desestruturado, as mulheres fascinantes. Já trazem consigo discursos e palavras que

foram nitidamente incorporadas dos movimentos sociais, mas mantêm certa pureza

típica de quem nunca trabalhou em uma empresa privada ou teve a sua carteira de

trabalho assinada.

Chegando ao assentamento, logo foram aparecendo as mulheres que compõem o

grupo de mulheres “Decididas a vencer”37

. Ao perguntar a uma das fundadoras do grupo

de mulheres, entrevistada 21, o que teria sido responsável pela formação do coletivo, a

resposta foi enfática: “a necessidade, minha filha!”. Ela é natural de Angicos (RN), e lá

já tinha experiência com horta, com coentro e cebola: “antes de vir pra Mulunguzinho

37

O grupo de mulheres do assentamento de Mulunguzinho formou-se em meados 1995, a partir de uma

reunião do sindicato de trabalhadores rurais da região, na qual houve uma formação sobre auto-

organização. Na oportunidade houve contato com outros grupos de mulheres, o que instigou as

participantes do assentamento de Mulunguzinho de formar um grupo do assentamento. Buscaram

formação e contato com o CF8, que articulou a UFERSA e outras entidades para apoiar o grupo. Hoje o

grupo produz conjuntamente apenas mel de abelha, visto que muitas já são aposentadas. Cada qual,

porém, tem criações e plantações em seus quintais, e ainda fornecem ovos, galinha, bolo, polpa de fruta e

outros produtos para a Rede.

141

eu já plantava coentro, cebola, lá em Apodi, mas era tudo com veneno”. Segundo ela,

tudo começou em 1995, quando o Sindicato de Trabalhadores Rurais do Oeste Potiguar

solicitou a participação de uma mulher residente no assentamento de Mulunguzinho em

um encontro de trabalhadores rurais da região: “As meninas que sabiam ler não

quiseram ir para o encontro do Sindicato, porque tinham vergonha. Aí eu fui, mesmo

sem saber ler”.

Lá no sindicato, a entrevistada 21 observou que outros assentamentos possuíam

grupos de mulheres: “Quando eu cheguei ao sindicato eu vi que nos outros

assentamentos da região existiam grupos de mulheres”. No encontro promovido pelo

Sindicato de Trabalhadores Rurais do Oeste Potiguar, as mulheres debatiam sobre os

direitos das agricultoras, sobre a necessidade de reconhecimento do trabalho que

desempenhavam, participavam de formações e eventos promovidos por várias

organizações, na busca de crescer, alcançar mais apoio e projetos de geração de renda.

Segundo a entrevistada 21, ao voltar a Mulunguzinho já veio determinada a constituir

um grupo de mulheres. E, ao final do relato disse: “depois desse dia a nossa vida nunca

mais foi a mesma”.

A própria Rede Xique Xique, então, é produto de uma rede formada a partir da

interação de trabalhadores rurais (via sindical), na qual aos poucos as mulheres foram se

inserindo, ganhando protagonismo, adquirindo reconhecimento e, a partir daí, passaram

a lutar por representatividade. A sua integração a um grupo, porém, não era suficiente;

elas queriam mais, lutavam pelo seu empoderamento, pela capacidade de autogestão das

suas vidas e pelo exercício das suas potencialidades, tradicionalmente reprimidas.

Queriam ocupar espaços nunca ocupados; mudar a configuração das suas famílias;

assumir responsabilidades diante da sua comunidade.

Tão logo chegou à sua casa, se juntou às vizinhas, expôs a organização das

mulheres de assentamentos vizinhos e começaram a pensar na estruturação de uma

associação de mulheres. Ao encontrar o seu marido lhe disse que iria batalhar para

formar um grupo de mulheres, com o intuito de buscar algum meio de geração de renda,

pois o que o marido ganhava na fábrica de carvão somente era suficiente para a

alimentação, “as outras coisas ficavam a desejar”. “Ele nunca me impediu de ir à

associação, mas antes eu tinha que sair da roça para ir fazer o almoço dele. Depois, ele

que vem deixar o meu.”.

Algumas mulheres de Mulunguzinho solicitaram que o Centro Feminista 8 de

Março assessorasse a organização de um grupo de mulheres no assentamento. Nos

142

primeiros contatos, todas as reivindicações e angústias foram expostas, as dificuldades,

as necessidades, os temores. No início o medo de sapo tirou muitas mulheres da

lavoura. As mais corajosas foram à plantação de beterraba e cenoura, tiraram todos os

sapos do local para encorajar outras mulheres. Poucos dias depois toda a produção só

tinha “os talinhos”, pois tinha sido comida pelos grilos e gafanhotos. Tiverem que se

reunir para comprar sapos para soltar na plantação para evitar que o episódio se

repetisse. Segundo N., “aos poucos a gente foi aprendendo que não adianta ter medo e

querer tirar todos os sapos da roça, pois eles comem os grilos. Se a gente tirasse os

sapos de lá, os grilos comeriam tudo que plantamos”.

Em um segundo momento, além de terem assessoria das universidades da região,

o CF8 começou a realizar oficinas, com o objetivo de iniciar a auto-organização do

grupo, inserir o grupo em debates feministas, além de investir na formação política das

envolvidas. As mulheres de Mulunguzinho começaram a se mobilizar e buscaram

espaços de atuação no âmbito da comunidade. Na associação de moradores até então

não havia a participação de nenhuma mulher. Buscaram inicialmente o reconhecimento

do grupo pleiteando espaço na associação do assentamento: queriam o direito de votar e

de serem votadas. Dizem que nunca tomaram a iniciativa de participar da associação

porque os homens eram os “posseiros das terras do assentamento” e, por isso, pensavam

que o estatuto proibia. Ao analisá-lo, porém, perceberam que, na verdade, o estatuto

nem proibia e também não autorizava a entrada das mulheres. Elas, simplesmente, eram

ignoradas.

Iniciou-se, assim, um difícil percurso para romper as barreiras impostas pela

divisão sexual do trabalho, pelo machismo e, especialmente, pela culpa internalizada

pelas mulheres (igualmente machistas) em relação à delegação do trabalho doméstico e

aos cuidados com os filhos. Inicialmente, os companheiros não entendiam a importância

das reuniões dos grupos; se recusavam a apoiar a participação das suas esposas, mesmo

sabendo que com a renda exclusiva do homem a qualidade de vida da família não era

boa. Aos poucos, afirma N., “conscientizávamos nossos maridos das vantagens que a

associação das mulheres traria para toda a família. Como associadas, somaríamos os

nossos benefícios e direitos aos deles. Mas só conseguiríamos isso através da

organização”. Ainda há relatos, porém, de mulheres que dizem ter vontade de participar

mais ativamente dos grupos e associações de mulheres e não vão por oposição dos seus

maridos, que muitas vezes são agressivos e não admitem chegar em casa e não

encontrarem as esposas.

143

O grupo do assentamento de Mulunguzinho era composto por mulheres que

tinham entre 31 e 55 anos (CF8/2015), as quais, antes de entrar no grupo, reproduziam

acriticamente os estereótipos em relação ao papel da mulher na sociedade, tal como

ensinado pelos seus pais e avós. Dedicavam-se exclusivamente à dura jornada do

trabalho doméstico e à criação dos filhos, atividades que, por não fazerem parte do fluxo

circular do valor de troca e do capital, são consideradas improdutivas. Neste cenário, as

mulheres são invisibilizadas e desvalorizadas, especialmente no que diz respeito à sua

capacidade produtiva. Conforme afirma Faria (2009, p. 2)

As relações patriarcais no campo fazem com que a família seja

compreendida como um todo homogêneo em que o homem representa

os interesses do conjunto e detém o poder de decisão. Dessa forma, a

partir da família se organiza uma hierarquia de gênero e geração

centrada no poder dos homens sobre as mulheres e filhos(as).

Algumas das mulheres de Mulunguzinho cuidavam de pequenas produções de

milho e feijão para subsistência, além de pequenas criações nos seus quintais, com o

objetivo de complementar a renda obtida pelo marido, o que subvalorizava a sua

potencialidade para o trabalho. A economia predominante na região, na década de 1990,

era a produção de carvão e sal, empregos que apenas absorviam a mão de obra

masculina.

A partir do momento em que passaram realmente a contribuir com as decisões

da comunidade, pelo exercício do direito de votarem e serem votadas na associação, as

mulheres progressivamente ampliavam a fruição da sua cidadania e, por conseguinte, as

suas visões sobre as funções que poderiam assumir na comunidade. Dona N, mãe de

uma das atuais coordenadoras da REDE, foi presidente da Associação de Moradores de

Mulunguzinho por vários anos, protagonismo reproduzido pela sua filha na gestão da

Rede Xique Xique. Segundo expõe a coordenadora de projetos do Centro Feminista 8

de Março, a partir da atuação mais expressiva das mulheres na associação de moradores,

de fato, “todas as mulheres do grupo se tornaram sócias do assentamento”38

.

À medida que avançavam na organização do grupo ficava mais nítido o

empoderamento feminino, especialmente via inclusão política na comunidade.

38

Organização Não-Governamental que surgiu em março de 1993 a partir de ações voltadas à

reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM), em Mossoró/RN.

Essa interseção visava sensibilizar a sociedade ante a problemática da violência contra a mulher,

principalmente, no sentido de garantir às mulheres a incorporação, no seu cotidiano, de elementos de

identificação, denúncia e combate à violência sexista. (Disponível em: < http://centrofeminista.com/a-

instituicao/>. Acesso em 04 mar 2016.).

144

Participavam de forma ativa na região de diversas mobilizações (protestos, encontros),

tais como a Marcha das Margaridas, Batucada Feminista, a fim de reivindicarem mais

políticas públicas em favor das mulheres do semiárido.

Figura 8: Mobilizações das mulheres em Mossoró e região.

Fonte: Centro Feminista 8 de março

Em Mulunguzinho inicialmente não havia qualquer suporte técnico ou recurso

tecnológico que representassem alternativas de convivência com os longos períodos de

estiagem. A priori, as limitações climáticas e o isolamento geográfico eram fatores que

dificultavam substancialmente a produção de lavouras, suprimindo a disposição para o

trabalho das mulheres. Nesse sentido, o grupo de mulheres “Decididas a vencer” foi de

substancial importância no assentamento, pois entendeu a relevância de recorrer ao

apoio técnico disponível para a criação de projetos locais de geração de renda, a fim de

que houvesse uma maior autonomia econômica do coletivo, o que traria reflexos

positivos também no contexto privado das famílias.

O Centro Feminista 8 de Março, com o objetivo de diminuir episódios de

violência doméstica na região a partir do empoderamento feminino, se articulou com

organizações, agências e entidades de incentivo a pequenos produtores e produtoras

para a realização de formações voltadas para a autogestão, planejamento, sistematização

e execução de projetos de geração de renda no campo.

O grupo Decididas a Vencer, porém, diante da instalação de grandes empresas

nas cidades-polo, passou por processos conflituosos e períodos de enfraquecimento,

145

tanto pelo incentivo à urbanização decorrente da precariedade dos serviços públicos da

zona rural, como pela relativa estabilidade do emprego com carteira assinada oferecido

nas cidades. As descontinuidades as quais estava sujeito o grupo, exigiram a luta contra

o que Castells (2000, p. 120) nomeia um “processo de desterritorialização”. Tal

processo seria o abandono das raízes e das práticas cotidianas que marcaram a história

de um indivíduo, e a assimilação de outros valores à sua vida, não necessariamente

comprometidos com os parâmetros anteriormente existentes, a partir das novas

configurações das relações sociais conformadas.

Buscando alternativas às dificuldades encontradas, o Centro Feminista tentou

articular alternativas de renda na região, a partir da identificação das potencialidades

locais. Uma das propostas foi a criação de uma fábrica de doces pelo grupo. Para tanto,

conseguiram a doação de sementes, estacas, arame e adubo. O grupo de mulheres

conseguiu a doação pela associação de moradores de uma área de 1,5 hectare. Os

homens iniciaram o desmatamento da área para plantar as “fruteiras”, mas logo

abandonaram o serviço. Das 30 mulheres que se comprometeram a ir terminar de

desmatar a área, apenas 9 apareceram, disse uma das gestoras da Rede. O grupo desistiu

da criação da fábrica de doces, e passou a produzir hortaliças orgânicas, a partir da

orientação de técnicos da região.

146

Figura 9: Plantação de hortaliças em Mulunguzinho.

Fonte: Arquivo disponibilizado pela Rede Xique Xique.

Em 1999, o grupo foi apresentado aos princípios da agroecologia e da economia

solidária, por meio de contatos com técnicos e professores universitários da região, que

trabalhavam com sistemas agroecológicos de produção. O grupo Decididas a Vencer foi

informado acerca da demanda da região pela produção de hortaliças orgânicas. Muitas

integrantes do coletivo tinham familiaridade com a terra e vivências na agricultura,

embora não tivessem o domínio sobre técnicas sustentáveis de produção. Não bastassem

as dificuldades climáticas, políticas e culturais existentes, a adesão ao grupo ainda era

bem reduzida. O desafio era colocar em prática, a partir das ideias do CF8 e de outras

entidades locais, um projeto inovador no Rio Grande do Norte: um trabalho coletivo e

consciente que não recorresse às técnicas nocivas ao ambiente e aos indivíduos. Queria-

se, ao mesmo tempo, empoderar as mulheres locais, dinamizar a economia das

comunidades locais, incrementar a qualidade de vida das famílias, manejar técnicas de

produção sustentáveis e comercializar seus produtos sem a lógica de mercado e da

competição, para distanciar o grupo de relações competitivas.

Assim, o grupo decidiu, juntamente com assessores técnicos da Terra Viva e do

CF8, guardar coerência com as propostas apresentadas, realizando o cultivo de

hortaliças sem recorrer ao uso de defensivos agrícolas ou qualquer outro recurso

químico. Quanto ao escoamento da produção, definiu-se a adoção de princípios da

EcoSol, em virtude da orientação de técnicos de entidades da região, da Associação de

Parceiros e Parceiras da Terra (APT) e de alunos e professores da UFERSA que tinham

contato com outras Redes de EcoSol, tal como a Rede Bodegas, no Ceará, bem como

diante da compatibilidade da EcoSol com a lógica da agroecologia.

Destacam, porém, que passaram por muitos problemas, não só relativos à falta

de justa distribuição de água, mas também, com o furto das bombas que puxavam a

147

água da adutora que abastecia a produção. Numa única semana, furtaram 2 bombas do

grupo, interessados nos fios de cobre existentes no seu interior. Tais episódios

enfraqueceram a organização do grupo, embora, mesmo diante de várias adversidades,

as mulheres se envaidecem de nunca terem deixado de pagar em dia as suas contas de

água e energia.

O quantitativo de consumidores/as foi gradativamente crescendo, a ponto de se

sentir a necessidade de formação de uma organização para articular com outros grupos e

aumentar a comercialização. Criou-se, assim, em 1999, com apoio das universidades da

região, também baseado nos princípios da economia solidária, uma associação informal

denominada Associação de Parceiros e Parceiras da Terra – APT. Consistia num grupo

de produtoras e consumidores/as locais agrupados com o fito de comercializar/consumir

hortaliças orgânicas dos produtores rurais do entorno de Mossoró. Tal organização

perdurou até 2003, quando, diante de demandas de outros grupos de produtores e

produtoras e da experiência positiva da APT, iniciou-se a formação da Rede Xique

Xique de Comercialização Solidária, à qual está vinculado até então o Grupo de

Mulheres Decididas a Vencer.

Em dezembro de 2003, com apoio da organização não governamental Visão

Mundial foi criada uma sede do grupo, localizada em um imóvel alugado no centro de

Mossoró (RN). Tal ONG custeou, por um ano, o pagamento do aluguel do Espaço de

Comercialização Solidária Xique Xique, que consistia em uma lojinha criada com o

escopo de vender produtos agroecológicos diversificados e, assim, atrair e fortalecer o

consumo solidário. Eliminou-se, assim, o acúmulo exploratório de lucro pelos

intermediadores, o que fez a Rede tornar-se referência para o recebimento e o

escoamento da produção advinda da agricultura familiar da região oeste do RN (CF8,

2016). O terreno destinado à fábrica de doces, a partir de 1999 até meados de 2010

(quando a segunda bomba foi furtada), se transformou em um canteiro de cultivo de

quiabo, rúcula, beterraba, coentro, alface, espinafre, tomate-cereja, cenoura, pimentão,

abobrinha, cebola, cebolinha, e algumas fruteiras, bem como de outras espécies

inseridas conforme a estação do ano e a pedido dos consumidores e consumidoras.

A apicultura também passou a ser desenvolvida na região porque a companhia

de água do Estado começou a restringir o uso da água potável ao consumo humano, o

que ocasionou diversos conflitos nos assentamentos da região. Diante deste contexto,

outras práticas produtivas sustentáveis foram buscadas pelo grupo. Para tanto, em 2005

solicitaram apoio do Centro Feminista, que à época somente contava com assistentes

148

sociais na sua estrutura, e recorreu ao apoio técnico da Associação de Apoio às

Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte (AACC/RN), entidade realizou várias

formações e integrou a apicultura, o beneficiamento de polpa de fruta e a caprinocultura

às suas atividades. Foi promovida uma formação em beneficiamento de fruta para

fabricação de polpa e de doce por outra parceira da Rede Xique Xique, o Serviço

Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR).

Assim, diante das articulações realizadas pela REDE, agricultores/as,

pescadores/as, apicultores/as e artesão/ãs de vários municípios do Estado passaram a

comercializar via REDE. Todos os bens destinados à negociação, para dar suporte

financeiro à Rede Xique Xique, têm o seu valor acrescido em um percentual de 15%

sobre o preço do produtor/a. Os produtores locais recebem o pagamento do produto que

comercializam via Rede até o dia 10 do mês subsequente ao da entrega, quando ocorre a

prestação de contas do que foi vendido e o que ainda tem no estoque. Tal situação,

muitas vezes, porém, favorece a venda por meio de atravessadores, pois embora eles

paguem pouco, pagam à vista.

Segundo a coordenadora de projetos do Centro Feminista 8 de Março (2016),

boa parte da produção local é destinada ao consumo das famílias da comunidade ou são

permutados no próprio assentamento com vizinhos por outros bens ou são destinados a

pequenas feiras locais, o que tem contribuído para melhorar significativamente os

hábitos alimentares da comunidade, além de conferir mais segurança alimentar à

população do entorno.

Com o seu trabalho cada vez mais reconhecido pela comunidade do oeste

potiguar, as mulheres também contribuíram com a formação de coletivos de jovens em

várias comunidades que têm produtores/as vinculados à REDE e, além de participarem

de eventos externos, recebem muitos pesquisadores e apoiam a Coordenação Oeste de

Mulheres Trabalhadoras Rurais. O trabalho do grupo com a produção agroecológica no

semiárido já foi objeto de estudos, documentários, reportagens em mídia impressa e

televisiva, que sempre destacam o potencial desbravador e a importância da Rede Xique

Xique, em nível local, regional, nacional e transnacional. Tal experiência representa,

ademais, segundo o Centro Feminista 8 de Março (2016), “uma das principais

iniciativas em organização feminista e agroecologia no Rio Grande do Norte, inspirando

outras agricultoras e agricultores a terem um olhar voltado para os resultados atingidos,

para a mobilização social e para a agroecologia.”, o que evidencia o caráter pedagógico

das práticas que a Rede se utiliza para diversos territórios.

149

Sempre reunidas para conversas na casa de uma das fundadoras do grupo, que é

a mãe de uma das coordenadoras da REDE, as senhoras do grupo Decididas a Vencer

chegam para contar as suas histórias. Enquanto algumas relatavam a formação do grupo

e a ideia de criar um centro de comercialização, outra conversava com uma das

mulheres do grupo sobre a barra de sua calça, que estava muito comprida, além de

afirmar com empolgação que este ano (2016) passaria o carnaval plantando feijão! A

multiplicidade de habilidades daquelas mulheres era nítida, como também o

subaproveitamento das suas capacidades de criação, de geração de renda, de autonomia.

Assim foram os primeiros passos do que hoje consiste numa história de referência para

o movimento agroecológico, para a economia solidária e para o feminismo no oeste

potiguar.

3.1.2 Onde a Rede Xique Xique atua e quem viabiliza este trabalho?

A caatinga, bioma exclusivamente presente no nordeste brasileiro, é comumente

simbolizada pelo xique-xique, planta típica desta vegetação, resistente à seca, que

prospera mesmo nos contextos mais adversos do solo e do clima. Pode atingir até 4

metros de altura e possui ramos espinhosos, flores brancas e produzem frutos ricos em

sais minerais. Em períodos de estiagem é muito utilizada como alimento para os

animais e ainda está bem presente da região do semiárido, não obstante hajam

consideráveis impactos decorrentes da devastação da caatinga diante da urbanização

acelerada e de outras atividades humanas na região.

Foi a resistência desta planta que deu nome à Rede Xique Xique de

Comercialização Solidária, pois, segundo uma das coordenadoras da REDE, “a gente

escolheu esse nome por entender que a Rede é isso: resistente. Resistente à falta de

dinheiro, à falta de produto, a tudo que possa vir pela frente.”. A Rede representa uma

importante articulação social na região, pois viabiliza a assessoria técnica aos

produtores/as, atuando como um instrumento de mobilização dos produtores rurais e

urbanos, bem como das entidades que atuam com esta temática no Estado do Rio

Grande do Norte. Propõe a produção agroecológica de produtos rurais ou a produção

sustentável de outros bens, tais como artesanato, polpa de fruta, geleia e mel, além da

busca pela geração de renda de modo não concorrencial. Está, portanto, comprometida

com o respeito aos bens ambientais, à igualdade de gênero, à segurança alimentar dos

150

produtores e consumidores, e com a autonomia de seus membros, tanto que estimula a

autogestão e não lida com intermediadores.

Como dito, após os resultados positivos, a Associação de Parceiros e Parceiras

da Terra foi transformada, em dezembro de 2003, no Espaço de Comercialização

Solidária Xique Xique, hoje denominada Rede Xique Xique de Comercialização

Solidária. Além da formação política e qualificação técnica dos produtores/as, para

promover uma oferta diversificada de produtos, o objetivo da criação da Rede foi

constituir um ponto fixo de comercialização de bens produzidos no oeste potiguar, a fim

de contribuir para o escoamento dos produtos excedentes da agricultura familiar.

Para tanto, além de promover feiras todas às sextas-feiras, a Rede possui na sua

sede uma loja, aberta diariamente em horário comercial, para comercialização de polpa

de fruta, mel, galinha, codorna, artesanato, queijos, pão, doces, castanha, frutas,

verduras e hortaliças.

Figura 10: Feira de comercialização na sede da Rede Xique Xique (2013).

Fonte: Arquivo fornecido pela Rede Xique Xique.

Os produtos vendidos são:

151

Figura 11: Preços e produtos comercializados na Rede.

Fonte: Arquivo próprio da autora.

Discutiu-se a criação de um centro de convergência de comercialização, para

atrair e consolidar o consumo direto e consciente na região, além de dinamizar a

economia local e regional. A oferta dos produtos é, porém, limitada e irregular, já que se

resguarda o tempo natural de maturação dos bens, o que pode gerar o progressivo

esvaziamento deste centro, como também se alega a dificuldade de manter um

empregado exclusivamente para trabalhar com a venda neste centro de comercialização,

de modo que os cooperados da Rede entendem que não seria um ponto positivo.

A Rede lida com quatro tipos distintos de organização: unidades familiares,

grupos informais, associações e cooperativas. Diante da limitação de pessoal na

estrutura da organização, que é essencialmente formada por agricultoras/es,

pescadoras/es, artesãos/ãs e apicultores, não há um censo que precise a quantidade de

pessoas que compõem a Rede.

152

Figura 12: Sede da Rede Xique Xique de Comercialização Solidária (Mossoró, 2014).

Fonte: Arquivo próprio da autora.

Em 2004, diante do crescimento de políticas públicas na área de economia

solidária decorrente, sobretudo, da criação da Secretaria Nacional de Economia

Solidária (SENAES), sentiu-se necessidade da formalização da Rede. Instituiu-se,

então, a Associação de Comercialização Solidária Xique Xique, fruto de um processo de

construção coletiva que contou com a parceria de um conjunto de organizações da

sociedade civil extremamente comprometido com o desenvolvimento local no semiárido

e com a implantação de tecnologias de convivência com a escassez de água. A Rede,

então, passou a atuar em diferentes frentes em busca da autonomia e melhoria da

qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, a partir do

objetivo de, via projetos e políticas públicas, qualificar, fortalecer e transacionar com os

produtores/as familiares, associações de produtores, grupos informais e cooperativas.

A organização destaca-se, pois, por estimular os produtores que lhe fornecem

produtos a replicarem essa lógica na sua produção, de modo a se formar uma cadeia

produtiva ética, das sementes crioulas ao comércio justo.

Quando perguntada sobre como fazem para certificar que os seus produtos são

orgânicos, uma das coordenadoras da REDE expõe que “a Rede não tem estrutura ou

condições para analisar cada produto que comercializa. Qualquer pessoa que quiser

pode pegar os produtos e levar para fazer análise e avaliar se tem veneno ou não. A

única garantia que temos com os produtores é a confiança! Se acharem veneno em algo

que a gente venda, o que a gente vai fazer é não vender mais produto daquele parceiro.”.

A Rede Xique Xique, embora só tenha representação em núcleos no Rio Grande

do Norte, está presente em todo o país, de forma indireta, pois é comum o intercâmbio

153

de saberes em eventos nacionais, bem como em visitas que são realizadas na sede da

organização. Recentemente (dias 11, 12 e 13 de maio de 2016), inclusive, a Rede

recebeu a visita de agricultoras familiares que integram a Rede Estadual de Mulheres

Tecer para Crescer, da Bahia, que vieram com o objetivo de conhecer experiências

relacionadas à produção, comercialização, consumo solidário, organização e autogestão

na Rede Xique Xique.

Figura 13: Mulheres da Rede Estadual de Mulheres Tecer para Crescer (Bahia) em intercâmbio na Rede.

Fonte:http://redexiquexique.blogspot.com.br/2016/05/rede-xique-xique-recebe-intercambio-de.html.

Instituída em 2011, formalizada em 2012, a Cooperxique foi criada para

possibilitar que a Rede pudesse ampliar a renda dos produtores/as da região via

comercialização dos produtos, posto que as associações legalmente não podem ter fins

lucrativos. A princípio, uma das coordenadoras da REDE revela que era contra a criação

de uma cooperativa específica para a comercialização da Rede, pois já existiam várias

cooperativas vinculadas a ela, tal como a Coopermups (Cooperativas de Mulheres

Prestadoras de Serviços), Cootipesca (Cooperativa Tibauense de Pescado), dentre

outras. Todavia, um estudo das opções de cooperativas existentes evidenciou que a

melhor alternativa seria criar uma cooperativa com a finalidade e característica da Rede,

pois as existentes não se vinculavam ao trabalho rural e, para que as cooperadas não

perdessem a condição de trabalhadoras rurais para fins previdenciários, a cooperativa só

poderia ter cooperada/o que seja trabalhador/a rural da agricultura familiar.

154

A Cooperxique, regularmente formalizada, passou a fazer vendas diretas com a

emissão de nota fiscal, começou a vender para eventos, restaurantes, bem como a

fornecer produtos para políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos39

(PAA),

Programa Nacional de Abastecimento Escolar40

(PNAE – que exige a formalização do

grupo), podendo vender atualmente para quaisquer outras entidades que exijam

Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), como a Feira Nacional da Agricultura

Familiar41

(Fenafra).

Alguns/mas produtores/as da cooperativa vendem a sua produção

individualmente para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): hortaliças, galinha

caipira e mel. Já a cooperativa vende produtos para o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (Pnae). A comercialização para o programa começou no segundo

semestre de 2013, quando foram feitos dois contratos, de peixes e frutas, no valor de R$

7 mil, e que deve ser o primeiro de muitos, segundo expectativa de uma das cooperadas

(MDA, 2016). Ela chama atenção, porém, que o PAA e o PNAE não são focos da Rede,

39

PAA - Programa de Aquisição de Alimentos, regulado pela Lei 10696/2003, tem a finalidade de

incentivar a agricultura familiar, por meio da aquisição de produtos agropecuários de produtores,

cooperativas ou associações, sem processo licitatório, para a distribuição à pessoas em situação de

insegurança alimentar e formação de estoques estratégicos. (Disponível em:<

http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/camaras_tematicas/Cooperativismo/3RO/App_Conab_Coop

erativismo.pdf>. Acesso 16 abr 2016.). 40

PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar, implantado em 1955, visa contribuir para o

desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por

meio da oferta da alimentação escolar a toda a educação básica (infantil, ensino fundamental, ensino

médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades

comunitárias (conveniadas com o poder público), bem como para a educação alimentar e nutricional dos

seus beneficiários. Os recursos financeiros provêm do Tesouro Nacional e estão assegurados no

Orçamento da União. O FNDE realiza transferência financeira às entidades executoras (estados, Distrito

Federal e municípios) em contas correntes específicas abertas pelo próprio Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE), sem necessidade de celebração de convênio ou qualquer outro

instrumento. As entidades executoras são responsáveis pela execução do programa, inclusive pela

utilização dos recursos financeiros transferidos pelo FNDE, que são complementares. É de

responsabilidade das entidades executoras garantir a oferta da alimentação escolar aos alunos

matriculados. A transferência é feita em dez parcelas mensais, a partir do mês de fevereiro, para a

cobertura de 200 dias letivos. Cada parcela corresponde a vinte dias de aula. O valor a ser repassado é

calculado da seguinte forma: TR = Número de alunos x Número de dias x Valor per capita, onde TR é o

total de recursos a serem recebidos. Dos recursos financeiros repassados pelo FNDE às entidades

executoras, no mínimo, 30% (trinta por cento) devem ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios

produzidos pelo agricultor familiar e pelo empreendedor familiar rural. O controle social do programa é

exercido por meio do Conselho de Alimentação Escolar, cuja constituição é condição para o recebimento

dos recursos. (Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-

escolar-funcionamento/execu%C3%A7%C3%A3o-alimentacao>. Acesso 16 abr 2016.). 41

FENAFRA – a Feira Nacional da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária é realizada desde 2004

com o objetivo da Feira foi de promoção, divulgação e comercialização via venda direta dos produtos da

agricultura familiar e reforma agrária, público beneficiário do MDA. Consiste em um momento de

intercâmbio de informações entre os agricultores e de ampliação das redes, associações e cooperativas,

por meio de articulações produtivas. (Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-

escolar/alimentacao-escolar-funcionamento/execu%C3%A7%C3%A3o-alimentacao>. Acesso 16 abr

2016.).

155

criada para a comercialização das/os produtoras/es do entorno. Participar destas

políticas, segundo uma das cooperadas, foi uma consequência positiva da dedicação dos

grupos às suas produções. Segundo ela, 90% dos recursos captados pela Rede hoje

provém da venda direta.

A loja da Rede está localizada em uma casa alugada localizada no centro de

Mossoró, e no mesmo espaço físico funciona a Cooperxique, “porque a gente não tem

condições de pagar aluguel para associação e para a rede em locais separados, nem tem

necessidade”, disse a entrevista 2. Recentemente criou-se um grupo no aplicativo de

mensagens instantâneas whatssap, já com mais de cem membros, visando o

agendamento de encomendas. A equipe da loja, porém, relata que muitos consumidores

do grupo ainda não estão entendendo a lógica da Rede. Solicitam produtos como se eles

não fossem perecíveis; esquecem que a disponibilidade do produto não é como a dos

produtos dos supermercados; fazem pedidos em quantidades mínimas, desconsiderando

as limitações de logística e o custo da entrega – embora as entregas estejam suspensas

por questões orçamentárias atualmente.

Comumente frequentam a sede da Rede: Neneide e Tatiana (coordenadoras),

Adriano (Assessor técnico de serviços territoriais), Cleidinha e Nara (trabalham na loja),

Zânia e Fátima (trabalham exclusivamente nos projetos da Rede, diariamente), Eliane

(captação de projetos e recursos), sua irmã, Kika (serviços gerais), e Tarso (estudante de

administração, residente em Mossoró, que se aproximou da Rede pelo movimento

juvenil de que participa e ajuda na comercialização).

Uma das coordenadoras da REDE, a entrevistada 2, viveu desde meados do ano

2000 na zona rural de Mossoró, no assentamento Mulunguzinho, mas há 3 anos reside

na cidade de Mossoró. Com três filhos, de 21, 24 e 27 anos, N. foi mãe pela primeira

vez aos 15 anos e, aos 43 anos, tem quatro netos. É filha de uma das fundadoras do

Grupo de Mulheres Decididas a Vencer, que foi presidente da Associação de Moradores

de Mulunguzinho por muitos anos. Segundo a entrevistada 2, sua mãe foi uma das

maiores lideranças de Mulunguzinho e é “daquelas que cai em campo!”.

Dona N., mãe da entrevistada 2, é casada com o mesmo senhor desde que a

entrevistada 2 tem 5 anos, ou seja, há 38 anos. Num dos encontros dos quais participei

na casa de Dona N., ele ficou calado, observando todas as histórias contadas pelo grupo.

Vendo tal comportamento, comentei certo dia na Rede: “O marido de Dona N. parece

ser bem calmo!”. Imediatamente veio a resposta: “Aquilo é tão bruto no mundo!”. Na

hora veio à tona a definição de “poder simbólico” de Bourdieu, como o poder invisível

156

exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que estão sujeitos a ele ou

mesmo que o exercem” (1989, p. 7). Aposentada, Dona N. tem dores nas articulações

dos braços e ombros, mas continua com as suas plantações no quintal, pois segundo ela,

“a terra existe para ser plantada”, embora seus filhos reclamem, pois dizem que sua

genitora não precisa mais trabalhar, porque juntamente com o marido, única pessoa com

quem mora, são aposentados. Dona N. sempre que vai ao centro de Mossoró, passa nos

Correios e leva todas as correspondências do assentamento. Ela costuma doar as frutas

que as suas árvores dão para as mulheres fazerem o beneficiamento da polpa, o que é

criticado por seu marido e filhos, que entendem que ela deve vender as frutas ou trocar

por comida para as galinhas.

Dona N. criou o filho mais velho da entrevistada 2, que trabalha há quase 10

anos em uma loja de vendas em atacado em Mossoró. Dizem que ele gosta muito do

campo, cria passarinho, mas não quer viver de agricultura. A filha do meio de N.,

segundo ela, é “patricinha”, e Na. é a única que trabalha na Rede, na parte

administrativa da loja. Nenhum de seus filhos atualmente reside em Mulunguzinho. Na.

se divide entre os seus trabalhos na Rede, o estudo para terminar o supletivo do ensino

médio e a sua filha, Cla., com 2 anos de idade.

A entrevistada 2 é da segunda geração do grupo Decididas a Vencer, atualmente

é casada com uma pessoa que trabalha na construção civil em Mossoró. Vai para

Mulunguzinho apenas nos finais de semana, pois no horário comercial contribui para o

andamento dos projetos coletivamente construídos com as articulações da região. É uma

das coordenadoras da Rede Xique Xique e da Cooperxique, o que lhe demanda muito

tempo. Porém, ao ser abordada por uma vendedora de roupas na sede da Rede, disse que

não estava podendo comprar nada, já que está desempregada, pois todo o seu trabalho

na Rede é voluntário. Trabalhadora do campo, nas folgas da Rede aproveita para

trabalhar com as abelhas e plantar em Mulunguzinho, onde possui um lote do

assentamento. Ela tem uma disposição impressionante, enfrenta os desafios diários com

muita simpatia e objetividade, lidera os encontros dos conselhos da Rede e está sempre

disposta a assimilar conhecimento e aberta a sugestões. Divulga, para quem puder, os

benefícios das práticas agroecológicas, reproduz com firmeza discursos feministas e

participa de todos os eventos e movimentos sociais que tenham causas análogas às da

Rede. Sem dúvida, é uma grande força para a REDE.

A entrevistada 6, também coordenadora da Rede, é natural de Guamaré (RN) e

passou a infância em Macau (RN), mas há 26 anos reside em Tibau (RN). É filha de

157

pescadores e desde a infância ia para cima da embarcação no rio remar e ajudar os pais

“a despescar a rede”.

Eu vim para Tibau porque na época eu fugi. Tibau foi o meu ponto de

partida quando eu me separei. Eu não tinha outra opção, ou fugia ou

morria. Eu cheguei aqui em época de desespero. Eu peguei minhas 3

filhas e saí sem eira nem beira. Ao Deus dará. Onde eu pousava era

pouso. Eu tinha muito medo do meu ex-marido vir atrás de mim. Dizia

a todo mundo que meu nome era Geralda, porque o nome do meu pai

era Geraldo.

Ao refazer a vida em Tibau, começou a conviver com o segundo companheiro,

também pescador. Para se capacitar, fez um curso no Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural (SENAR) de beneficiamento de peixe, juntamente com outras

mulheres. Segundo ela, a população que reside em Tibau exerce a função de pescador,

no inverno, e agricultor, no verão. Além de pescadora, ajuda o marido - que cria gado,

vende leite e cria galinha. “Eram anos de invernos bons, sobrava peixe.”, disse a

entrevistada 6. Com a criação da cooperativa, a partir de orientação de entidades da

região, a venda do pescado ficou mais organizada. “A cooperativa melhorou muito a

combater com essa história de explorar o trabalho das mulheres e das crianças aqui em

Tibau. Tanto que as mulheres passaram a participar mais das reuniões, embora o

número de participantes seja muito variável, hoje só tendo seis mulheres. Eu, como

mulher, fico muito feliz quando vem alguma querendo participar da produção.”

Muitas mulheres que participam da Rede dizem que, antes de começar a

trabalhar nas associações eram domésticas. Trabalhavam o mês todo para ganhar

duzentos reais, além de só ter emprego no verão e em feriados. Sendo assim, prefeririam

começar a pescar, a plantar, a trabalhar com apicultura.

O entrevistado 7, assessor técnico de serviços territoriais da Rede, é nascido em

Mossoró e trabalha na parte de comercialização solidária42

. Foi aprovado mediante

seleção simplificada e faz parte da Rede Xique Xique desde setembro de 2014. Não

tinha vivência no campo até ser apresentado à Rede por meio da sua articulação com os

movimentos da Igreja católica do Alto da Conceição (Bairro de Mossoró), e exerce

funções fundamentais na Rede, tanto no que diz respeito à parte burocrática,

mobilizando os produtores, como também ajuda na organização e participa de eventos e

42

CONVENIO MTE nº 774491/2012, projeto: “Apoio ao Sistema Nacional de Comércio Justo e

Solidário no Brasil: fortalecendo identidade, processos e práticas de base justa e solidária” através do

convênio firmado entre o MTE/SENAES/REDE XIQUE XIQUE de nº 774491/2012.

158

fóruns no país todo. Por ser do sexo masculino, diante de todo o protagonismo que as

mulheres exercem, sempre é coadjuvante nos documentários e entrevistas da Rede, mas

é muito importante para o seu funcionamento.

As entrevistadas 8 e 9 são de Mulunguzinho, e já da terceira geração do

“Decididas a Vencer”. A primeira tem 21 anos, é mãe de uma menina de 2, para quem

busca uma vaga em uma creche em Mossoró atualmente. Casada, chegou a ser retirada

do grupo da igreja de Mulunguzinho, quando adolescente, por questões atinentes a sua

intimidade. Diz que o seu marido nunca a impediu de estudar; ela que não quis mesmo!

Mas agora, após perder muitas chances de ingressar em projetos da Rede em razão da

ausência da escolaridade mínima exigida, tenta terminar o ensino médio fazendo provas

do supletivo e diz que sonha seguir o curso de Educação no campo, disponibilizado pela

Universidade Federal Rural de Semiárido (Ufersa). Frequenta de forma mais assídua a

Rede há 4 anos; inicialmente só ia quando a responsável pela loja não podia ir. Depois

começou a ajudar a fazer as entregas de verdura. Gradativamente foi frequentando mais

o espaço: iniciou limpando a sede, depois começou a ajudar com a mobilização dos

produtores e vender hortaliças. Quando o entrevistado 10, o antigo responsável pelas

vendas da Rede, saiu da loja (passou no concurso de Agente de combate de endemias do

município de Aracati-CE), ela (a entrevistada 8) aprendeu a controlar estoque, emitir

nota fiscal e passar o cartão de crédito, e até então está na Rede, pelo menos 3 dias por

semana.

A entrevistada 9, grávida do seu primeiro filho, e filha de uma das fundadoras do

grupo Decididas a Vencer, também é responsável pela organização da loja, mobiliza os

produtores para as entregas de produtos em dia de feira, atende aos consumidores,

confecciona a cesta de verduras para entrega, ensaca os produtos e pesa. Embora seja

perceptível a ausência de técnicas mais apuradas do ponto de vista de controle de

estoque, de setorialização dos produtos, tem sempre boa vontade e paciência para

resolver as diversas demandas que enfrenta, e desde às 7 horas da manhã, quando abre a

loja, até a hora que for necessário, carrega um lindo sorriso nos lábios e um olhar doce e

delicado.

A entrevistada 11, técnica de nível superior, trabalha exclusivamente na parte

contábil da Rede, diariamente, pois foi selecionada via processo simplificado para

trabalhar no acompanhamento, organização e atuação das atividades físico-financeiras

da Rede Xique Xique. Tal edital foi elaborado mediante um Convênio entre a Rede, a

SENAES e o Ministério do Trabalho e Emprego, a fim de viabilizar o projeto: “Apoio

159

ao Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário no Brasil: fortalecendo identidade,

processos e práticas de base justa e solidária”.

Por fim, entrevistada 12, com graduação e mestrado em Ciências Sociais, pela

Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), tem uma trajetória profissional

toda voltada na participação de ações e projetos que envolvem tecnologias sociais de

convivência com o semiárido. Iniciou a sua vida profissional na Comissão Pastoral da

Terra - CPT/RN e desde então atua na formação direta de homens, mulheres e jovens no

processo de organização e constituição de associações e cooperativas, tendo coordenado

um Programa de Desenvolvimento de Área da Visão Mundial, em associação com a

Terra Viva. Tem experiência na formação de mercados para agricultores

familiares. Segundo ela, “estamos testemunhando a quebra de paradigmas sociais (entre

eles, nas relações de gênero) e produtivos” (ABA, 2016) com a auto-organização e a

autogestão de grupos do semiárido potiguar e das zonas rurais brasileiras, pois “os

movimentos organizados de mulheres têm demonstrado capacidade em reunir, organizar

e qualificar os grupos de mulheres na perspectiva de combater as desigualdades nas

relações sociais de gênero” (ABA, 2016).

Como as mulheres que compõem a REDE passaram por um processo de

formação política, tanto em face dos movimentos sindicais da região, como em razão da

atuação do Centro Feminista 8 de Março, nos encontros e discussões da REDE é nítida

a força das opiniões e posturas dos seus membros. Poucos têm receio de verbalizar o

que pensam, de debater, de rebater e criticar. Tal contexto revela que, mesmo sendo

assessorado por profissionais com um maior nível de escolaridade do que os membros

da REDE, eles preservam as suas opiniões e posturas, não obstante, na maioria das

vezes, estejam abertas ao diálogo.

Por outro lado, é latente a falta de estabilidade dos envolvidos na Rede no que

diz respeito à estabilidade profissional, já que muitas vezes ficam à mercê da renovação

de projetos ou do lançamento de editais. Muitos se confiam na aposentadoria como

trabalhador rural, tendo em vista que são assentados e vinculados ao sindicato de

trabalhadores rurais. Todavia, é primordial que a REDE não fique à mercê de

financiamentos públicos, de modo que tanto os participantes respeitem a autonomia que

fundamenta os movimentos sociais, buscando meios de continuamente se autogerirem e

se autossustentarem, como também é necessário um redirecionamento das políticas de

base do Estado no que diz respeito à reestruturação produtiva do país, com vistas a

auxiliar na promoção de um desenvolvimento territorial mais emancipatório.

160

Tais pretensões seriam satisfeitas a partir, no primeiro caso, da compatibilização

das atividades políticas das integrantes da Rede com atividades produtivas, já que

ambas são igualmente importantes; e, no segundo caso, a promoção de uma

reestruturação produtiva do país deveria ocorrer a partir da continuidade de políticas de

concessão de microcrédito, da qualificação profissional das comunidades do campo a

partir de suas vocações; da criação de um suporte social digno para as comunidades

rurais, de modo desestimular a urbanização em condições precárias; com a aproximação

das compras públicas dos pequenos e médios produtores, desburocratizando os

procedimentos, conferindo suporte técnico e criando marcos regulatórios que fomentem

a formalização dos grupos para, por exemplo, estimular a sua contribuição

previdenciária.

Indo de encontro a estas perspectivas, o modelo de modernização agrícola

adotado pelo país assimilou padrões exógenos de crescimento econômico (GONDIM, et

all, 2013), o que tem repercussões etnoculturais irreparáveis do ponto de vista

econômico, ecológico e histórico para a nação. Nesse sentido, Escobar (2005, p. 69) ao

afirmar que “o enfraquecimento do lugar tem consequências profundas em nossa

compreensão de cultura, do conhecimento, da natureza, e da economia”, chama a

atenção para a necessidade de que as experiências de desenvolvimento pelas quais a

sociedade passa não devem romper com “os modelos de cultura e conhecimento que se

baseiam em processos históricos, linguísticos e culturais” (ESCOBAR, 2005, p. 74).

Tal perspectiva, porém, somente em meados da década de 1990 vem sendo

paulatinamente assimilada pelas políticas públicas brasileiras, a partir de quando foram

acolhidas algumas demandas dos movimentos sociais e se começou a construir ações

voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar, para a reestruturação dos

mercados regionais e para a preservação do etnoconhecimento das populações

tradicionais, agricultores/as, pescadores/as, artesãos/ãs. Tais iniciativas, entretanto,

ainda são insipientes e ainda muito vulneráveis diante das instabilidades políticas do

país, sobretudo em razão da tensão entre uma perspectiva capitalista e propostas

alternativas de desenvolvimento que o Estado brasileiro busca enfrentar.

3.2 Organograma da Rede Xique Xique

Muitas dúvidas cercam as explicações dos integrantes da Rede na ocasião de

explicarem a sua estruturação. Quais os órgãos que a compõe? Quantos são? Qual a

161

função que cada órgão assume? Como eles se subdividem? Assim, foi necessária a

realização de uma pesquisa documental, baseada na análise de atas das assembleias e

encontros promovidos pela REDE, como também a busca em cartórios dos documentos

registrados em seu nome para aclarar como formalmente a Rede foi instituída.

Ao construir um organograma da entidade, chegamos à seguinte estrutura:

CO

Figura 14: Organograma da Associação de Comercialização Solidária.

Fonte: Arquivo próprio da autora.

A associação é composta por 2 tipos de membros: os produtores/as, que têm

direito a voto nas deliberações da assembleia geral; os consumidores, apenas com

direito a voz nas discussões do grupo. O conselho de ética da associação deve ser

composto por 15 membros, todos indicados pela Assembleia Geral, dos quais 10 serão

produtores, 3 técnicos e 2 consumidores.

Há também, como visto, um conselho de certificação, que tem a atribuição

estatutária de deliberar sobre o Sistema Participativo de Garantia (SPG). Tal sistema

consiste em validar e certificar que os produtos produzidos e comercializados são

Conselho de

certificação

Coordenação Conselho Fiscal

Produtor

es

Técnico

Consumidor

2ª Coord

Financeir

a

2ª Coord

de

secretaria

1ª Coord

de

secretaria

Associação de

Comercialização Solidária

Xique Xique

Assembleia Geral

Conselho

Diretor

Conselho de

ética

(mandato

162

efetivamente orgânicos. A partir de inspeções regulares do conselho nas produções, a

organização adquire um selo emitido pelo Sistema Brasileiro de Avaliação da

Conformidade Orgânica (SisOrg), criado pelo Art. 29 do Decreto Nº 6.323/07. Este

conselho deve ser composto por 3 produtores, 1 assessor técnico e 1 consumidor, os

quais devem ser indicados pelos núcleos que compõem a associação.

Na prática, verifico que a Associação Xique Xique não obteve até então este

selo, de modo que legalmente não há o reconhecimento de que os produtos que ela

comercializa são orgânicos. Como dito anteriormente, a REDE supõe que os produtores

praticam os princípios sob os quais ela se sedimenta, mas a partir puramente de relações

de confiança, de modo que ao participar das políticas públicas na região, o seu produto

não pode ser encarado como orgânico, já que lhe falta o selo do SisOrg. Tal situação,

porém, não impede a venda direta dos bens como produtos agroecológicos, mas a

legislação sobre produção orgânica somente possibilita este tipo de comercialização

(venda direta) como produto orgânico, por ausência do selo.

Quando a REDE foi criada, se vincularam a ela várias cooperativas, tais como a

COAFAPI43

e a COOPERCAJU44

. Nenhuma delas, porém, discute o feminismo desde a

sua instituição, tanto que eram lideradas por homens, em sua maioria. Ademais, para

não perderem o direito de se aposentarem como trabalhadoras rurais tinham que criar

uma cooperativa composta tão somente por agricultores familiares que trabalhem

exclusivamente no âmbito rural. Diante desse contexto, criaram, em 2012, a

COOPERXIQUE, responsável pela manutenção financeira da REDE, já que a

cooperativa tem direito a 15% sobre o preço dos produtos que comercializa, percentual

bem menor do que os cobrados pelos atravessadores.

Segundo o Estatuto da associação, para integrar os seus quadros é necessário ser

indicado por um sócio, ser aprovado pela assembleia, pagar a anuidade e ser membro de

um dos núcleos da REDE. Os seus recursos, conforme o estatuto, advém de auxílios

43

COAFAPI – A Cooperativa da Agricultura Familiar de Apodi foi fundada em 4 de janeiro de 2001, por

20 sócios, todos/as agricultores/as familiares de comunidades e assentamentos do município de Apodi.

Atualmente é formada por 252 pequenos/as agricultores/as de 30 comunidades rurais e por assentados/as

de 16 assentamentos da reforma agrária de Apodi () (RN) (Disponível em:

<http://www.caatingacerrado.com.br/cooafap/>. Acesso em 1 abr 2016). 44

COOPERCAJU – A Cooperativa dos Beneficiários Artesanais de Castanha de Caju está situada no

município Serra do Mel (RN), e foi fundada em junho de 1991. Sua atividade principal é a coleta, o

beneficiamento e a comercialização de amêndoas de castanha de caju. A cooperativa possui 170

associados e 450 famílias envolvidas. Sua produção mensal chega à 15 toneladas de castanha de caju. O

destino dessa produção vai além das fronteiras brasileiras e estão sendo exportadas para Suíça, Áustria e

Itália; Ao longo desses anos a cooperativa vem conquistando as bases do comércio justo e solidária, e já

possui certificação orgânica.

163

financeiros, políticas públicas, convênios, subvenções e contribuições. Na prática, como

a sede da Associação da Rede funciona no mesmo local da COOPERXIQUE, as receitas

da cooperativa representam o principal aporte financeiro da associação.

Quanto à estrutura da cooperativa, ela se organiza do seguinte modo:

Figura 15: Organograma da COOPERXIQUE.

Fonte: Arquivo próprio da autora.

Na prática, observa-se que a REDE tem um grupo específico e restrito de

produtores que se dedica mais de perto à sua estrutura, de modo que muitos membros da

COOPEPRXIQUE não entendem a lógica cooperativa do funcionamento da

comercialização via Rede, o que é essencial para que a sua estrutura seja fortalecida. Por

outro lado, os produtores/as já tinham a dinâmica de participar de feiras locais, e a Rede

não pode ser um mecanismo de enfraquecimento do comércio local; ao revés, deve

estimular a dinamização da economia das diversas localidades do Estado onde seus

produtores/as estão domiciliados. Tal contexto, porém, gera vez por outra impasses

entre organizadores da Cooperxique e seus cooperados, que são os proprietários do

empreendimento, pois as pessoas que atuam mais ativamente na Cooperxique defendem

COOPERXIQUE

Coordenação Assembleia Geral Cooperados

Secretaria

Fundo de Assistência Técnica,

educacional e social (FATES)

Conselho

Fiscal

Conselho de

Administração

Coord. Geral

Coord. Financeira

Coord. Administrativa

Coord.

Comercial

Vogal

164

que toda a comercialização dos produtos produzidos pelos cooperados seja feita via

Rede, o que, para os cooperados, muitas vezes, se torna inviável, sobretudo porque a

participação em feiras envolve menos custo de logística e o pagamento é à vista.

3.3 Tecendo a REDE: parcerias e articulações de apoio

Num momento seguinte da busca sobre a formação da Rede, recorreu-se ao

relato de membros de organizações parceiras que participaram da história da

constituição de grupos de produtores/as ou de apoio a eles/as no semiárido potiguar.

Foram vários encontros, viagens, eventos e reuniões até ficar clara a identificação de

quais entidades ajudaram a conceber a formação e apoio para consolidação da Rede

Xique Xique. Ao conversar com as mulheres de Mulunguzinho, não ficou claro qual o

suporte técnico que elas receberam para a criação do grupo e para o trabalho a partir de

sistemas de produção agroecológicos. Nas conversas ocorridas na Rede, uma vez ou

outra, pessoas e entidades eram mencionadas, assim como nos documentários sobre a

Rede disponíveis na internet identificou-se a presença de parceiros importantes.

Percebeu-se um importante apoio de um agrônomo, o entrevistado 13, além de ser

visível a inter-relação da Rede com o CF8. Houve, ademais, importantes contribuições

da associação civil Terra Viva e da Universidade Federal Rural do Semiárido, à época

denominada E scola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM).

3.3.1 Centro Feminista 8 de Março

O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma organização não-governamental

que surgiu em março de 1993 criada em razão das crescentes reivindicações acerca da

instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM) no município de

Mossoró/RN. O objetivo do CF8, assim, era sensibilizar a sociedade da problemática da

violência contra a mulher, sobretudo com vistas a garantir às mulheres a incorporação,

no seu cotidiano, de elementos de identificação, denúncia e combate à violência sexista.

Ao longo de seus 17 anos de existência, o CF8 tem se constituído como uma entidade

de referência na formação em gênero no Rio Grande do Norte, prestando assessoria à

outras instituições em alguns estados vizinhos (CF8/2016).

Atualmente, segundo a entrevista 29, assistente social do CF8, a entidade

desenvolve iniciativas alicerçadas em três elementos: feminismo, organização e

165

formação. A comunicadora social do CF8, a entrevistada 31, relatou que o propósito

inicial do CF8 estava mais ligado especificamente às ações de instituição da Delegacia

da Mulher em Mossoró, seu corpo técnico, a princípio, era bem limitado, formado

basicamente por assistentes sociais. A partir das demandas dos grupos atendidos, o CF8

foi especializando as suas atividades e passou a contar com agrônoma e comunicadora.

As suas ações têm o escopo de auxiliar no fortalecimento das organizações de mulheres

nos espaços sociais, especialmente das trabalhadoras rurais, por atuar num Estado onde

o clima predominante é o semiárido. Para tanto, oferece apoio, assessoria e formação

em gênero aos coletivos de mulheres, comissões femininas dos sindicatos de

trabalhadores/as rurais, entidades de assessoria técnica, gerencial e organizativa que

atuam no meio rural e urbano de Mossoró e região (CF8, 2016).

O CF8, segundo a coordenadora do centro, a entrevistada 32, assume uma visão

crítica das relações de dominação: “é preciso contestar as situações recorrentes de

violência em desfavor das mulheres do semiárido, que se estendem do contexto

estrutural das relações econômicas aos contextos de violência no meio familiar”. Por

isso, entende que o CF8 deve procurar pautar as suas ações articulando as questões de

classe, gênero e raça/etnia, de modo a priorizar a construção de políticas feministas que

integrem as demandas que são correlatas a essas perspectivas. Nesse sentido, estimula a

formação de coletivos de mulheres na região, ajudando na sua formatação, pois entende

que somente a partir da auto-organização as mulheres poderão conquistar a sua

autonomia.

O CF8 está articulado em parcerias com várias entidades públicas e privadas do

país, mas também possui intercâmbios com entidades internacionais (Genéve Tiers

Monde - Suíça, Manos Unidas - Espanha e Actionaid - Grécia/Brasil).

Uma parceria do CF8 com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)

expandiu a área de atuação da entidade, de forma que lhe conferiu a oportunidade de

mostrar e desenvolver trabalhos no nordeste brasileiro, potencializando discussões nos

grupos de mulheres e contribuindo no debate da produção da agricultura familiar. Suas

atividades em nível local estão integradas à inserção das mulheres em discussões

feministas no âmbito nacional, o que tem favorecido uma formação política forte das

mulheres que se relacionam com o CF8. Desse modo, consolida-se cada vez mais a

construção de uma atuação forte e sólida, principalmente no debate sobre as relações de

gênero, ajudando a transformar padrões culturais vigentes, em prol de uma organização

da sociedade mais igualitária e justa para todas as pessoas (CF8, 2016).

166

Figura 16: As mulheres e o CF8.

Fonte: Centro Feminista 8 de Março.

Um dos convênios importantes entre o CF8 e o MDA, por meio da diretoria de

políticas para as mulheres rurais, é a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) -

Mulheres, que tem por objetivo garantir a assistência técnica à 240 mulheres rurais em

Sertão do Apodi, Mato Grande e Seridó.

Recentemente, inclusive, o CF8 recebeu o prêmio “Fundação Banco do Brasil de

Tecnologia Social”, na categoria “mulheres”, pelo projeto “Água Viva: Mulheres e o

redesenho da vida no semiárido do Rio Grande Norte”. A tecnologia social

desenvolvida foi o uso racional do recurso hídrico por meio do reaproveitamento de

toda água utilizada nas atividades domésticas, como lavagem de pratos e de roupas, que

passou a ser purificada e reutilizada na irrigação de árvores frutíferas e hortaliças

agroecológicas. Antes de chegar ao seu destino final, a água que seria descartada passa

por um processo de purificação por meio de filtros orgânicos, caixas e tubos instalados

nas propriedades. A filtragem é feita com a utilização de produtos extraídos na região,

como a palha de carnaúba e a fibra do coco triturada. Depois disso, o sistema de

irrigação das hortaliças ocorre por meio de gotejamento. O projeto é basicamente assim:

167

Figura 17: Sistema de aproveitamento de água do CF8.

Fonte: Centro Feminista 8 de Março.

O objetivo da iniciativa foi criar alternativas de convivência com a estiagem no

semiárido. Tal projeto foi cofinanciado pela União Europeia (através do projeto

“Mulheres: do Quintal ao Mar”), e é resultado do processo de auto-organização das

mulheres do Assentamento Monte Alegre I, de Upanema (RN) e de professores e

estudantes da Universidade Rural do Semiárido (UFERSA), responsáveis pelo

acompanhamento e análises laboratoriais que comprovam a qualidade da água.

A história do CF8 com a Rede Xique Xique é antiga, antes mesmo de existir a

Rede, o CF8 já atuava em Mulunguzinho. Inicialmente, o CF8 não realizava assessoria

direta, pois a sua pretensão era debater sobre a saúde das mulheres e violência

doméstica. A partir da fixação de parcerias com entidades do semiárido, bem como da

expansão da atuação do CF8 em bairros periféricos (onde residem as pessoas que vêm

da zona rural, geralmente), esta entidade resolveu se aproximar do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que realizava assistência técnica na região

para o plantio de melancia com o uso de agrotóxico.

A postura primária do CF8 era que o apoio produtivo por assistência técnica

deveria ser encabeçado por outras entidades, já que o funcionamento do CF8, na sua

fundação, contava com o trabalho de voluntárias, e sua equipe técnica era limitada. Dois

ou três anos após a sua criação foram surgindo os primeiros apoios financeiros, como

também demandas sociais por ações políticas focadas na geração de renda.

168

Ao estudarem o mercado regional, identificaram uma demanda por hortaliças.

Pretendiam estimular sistemas alternativos de produção. Após fazer visitas a entidades

do Estado do Ceará e consultarem entidades que compõem as várias redes e arranjos

sociais que participam, decidiram por buscar meios de propor uma mudança dos modos

de produção tradicional para sistemas agroecológicos, o que impõe

a substituição de insumos. Nesse sentido, é necessário demarcar a

diferença entre agricultura alternativa, compreendida como um

conjunto de práticas e tecnologias que permitem a utilização de certos

insumos e não de outros, e a agroecologia, considerada como uma

ciência que apresenta uma série de princípios e metodologias para

estudar, analisar e desenhar agroecossistemas (ARAÚJO, 2009, p. 85).

O maior ganho do redimensionamento das técnicas de produção na região não

seria, portanto, exclusivamente ambiental, já que as comunidades do entorno e os

produtores tenderiam a ter uma maior segurança alimentar, a recorrer menos ao sistema

único de saúde, provocando efeitos positivos em cascata. Assim, a efetiva aliança entre

a ideia de ecologia aplicada às atividades agrícolas precisa assumir uma dimensão

política e cultural (ARAÚJO, 2009, p. 85), valorizando, ao mesmo tempo, o ser

humano, o meio ambiente e a relação de interdependência entre eles (GLIESSMAN,

2000, p. 590).

Como na época o CF8 não tinha agrônomo/a, recorreu-se ao apoio do

entrevistado 13, especialista em sistemas de produção agroecológicos, que trabalhava na

ONG Visão Mundial. Pretendiam propor o estabelecimento de outras bases para a

comercialização, recorrendo a leis de mercado alternativas, baseadas na solidariedade,

não na maximização de lucros ou na exploração da mão de obra da mulher ou infantil.

Tal conjuntura levou à ampliação da atuação do CF8, que incorporou à sua

atuação a lógica da economia feminista e solidária. Foram, então, organizadas

formações, encontros e discussões sobre auto-organização, autogestão, cooperativismo,

divisão sexual do trabalho, inclusive o doméstico. As reuniões, formações e o

intercâmbio entre os diversos grupos da região gerou a criação de uma Associação de

Parceiros da Terra (APT), que consistia numa associação de produtores/as e

consumidores econômicos solidários, atualmente, em sua maioria, consumidores da

Rede Xique Xique.

Muitas vezes, segundo a assessora técnica do CF8, entrevistada 14, dada a

melhoria da qualidade de vida das mulheres e da população em geral na região, muitas

169

pessoas passaram a se engajar ativamente nas ações políticas das quais o CF8

participava ou promovia. Este contexto gerou conflitos com o agrônomo, pois eles

entendiam que a produtividade dos grupos estava tendo impactos negativos por conta da

assídua participação das mulheres no movimento social. As próprias mulheres,

entretanto, afirmavam que não eram só um grupo produtivo, e que a participação

política nas ações do CF8 fortalecia os grupos.

As participantes do CF8 relatam que se observam outras relações dos indivíduos

ligados, direta ou indiretamente, a algum grupo produtivo com os recursos naturais. A

região, entretanto, está passando por dificuldades na produção de hortaliças por conta da

estiagem que já dura mais de 4 anos, e investe mais, atualmente, no incentivo ao plantio

de árvores frutíferas que tenham uma boa adaptação ao semiárido.

Os grupos de mulheres, segundo uma das assessoras técnicas do CF8, já foram

bem maiores, mas foram reduzindo, não por falta de interesse, mas em razão dos

conflitos domésticos que a participação feminina em grupo gera. Assim, algumas

mulheres vão pegar marisco, mas vendem para atravessadores, pois não podem perder

mais tempo com o beneficiamento do produto, já que não podem se ausentar da sua

residência por muito tempo.

Essas situações evidenciam, como afirma uma técnica do CF8, que ao mesmo

tempo em que são conseguidas conquistas importantes, há muito conservadorismo na

sociedade, como reação à organização dos movimentos sociais. Ainda assim, nos

últimos anos muitas políticas públicas de referência foram construídas, tal como a

criação, no mesmo ano da instituição da SENAES, em 2003, da Secretaria de Políticas

para as Mulheres, sobretudo em decorrência do processo de luta organizado pelas

mulheres. Os direitos conquistados em decorrência dessas iniciativas, porém, são

constantemente ameaçados, especialmente pela ausência de um sólido sistema público

de formação política, educacional e cultural focado na valorização e reconhecimento

dos direitos humanos.

Nesse sentido, o trabalho do CF8 é admirável e fundamental na região. Auxilia

na manutenção e fortalecimento dos grupos de mulheres do semiárido, pois as ajuda a se

mobilizarem e a atuarem politicamente, além de inseri-las em debates importantes sobre

as experiências que enfrentam, como produtoras ou como mães, esposas/companheiras,

filhas, ou seja, como mulheres. Desse modo, o CF8 é uma força integradora das

mulheres, o que vem adquirindo reconhecimento não só das mulheres da região, mas de

entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais.

170

3.3.2 Universidade Federal Rural do Semiárido

A Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) transformou-se em

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) por meio da Lei nº 11.155, de 29

de julho de 2005, publicada no Diário Oficial da União no dia 01 de agosto de 2005. É

uma universidade de tradição na área de agronomia, tendo o primeiro Curso de Pós-

Graduação stricto sensu na área de Ciências Agrárias, em Fitotecnia, em nível de

Mestrado, desde junho de 1988, bem como possui curso de Doutorado também em

Fitotecnia desde junho de 2003.

O entrevistado 15 é formado em agronomia pela Escola Superior de Agricultura

de Mossoró (1973) e tem mestrado em Fitotecnia (Produção Vegetal) pela Universidade

Federal de Viçosa (1981). Atualmente é professor aposentado da UFERSA e Presidente

no nordeste da Associação Brasileira de Biodinâmica (ABD). Atuou em Mulunguzinho

algumas vezes, ministrando cursos de formação em hortaliças orgânicas, juntamente

com discentes da UFERSA, tendo, inclusive, aprovado um projeto com financiamento

do Banco do Nordeste para desempenhar este projeto. Também ajudou a elaborar o

estatuto do grupo Decididas a Vencer. Observando a dificuldade de comercialização dos

produtos produzidos pelo grupo, foi ao Ceará observar práticas de comercialização

solidária (Rede Bodega), juntamente com discentes da UFERSA, com vistas a observar

a viabilidade de trazê-las para a região.

Em virtude do furto das bombas de água do grupo de mulheres de

Mulunguzinho, houve a construção de cisternas de 50 mil litros para armazenamento de

água para o plantio em alguns lotes do assentamento, o que enfraqueceu o trabalho

coletivo na região. Para tentar não enfraquecer o vínculo do grupo de mulheres locais,

uma parcela das envolvidas buscou o CF8 para a criação de estratégias de

fortalecimento coletivo.

Segundo o entrevistado 15, após o Centro Feminista começar a atuar na

comunidade, houve o engajamento em atividades políticas que tiravam muito as

mulheres do campo, o que teve reflexos na produtividade do grupo. A participação

política das mulheres produtoras em movimentos sociais, assim, foi um ponto de tensão

entre as expectativas dos agrônomos que apresentaram as mulheres aos sistemas

agroecológicos, uma vez que eles tinham em mente a formação de redes de

consumidores cada vez maiores, chegando a relatar, inclusive, que dialogaram com

empresas dos Estados Unidos interessadas em comprar mel, mas tais transações foram

171

inviabilizadas porque os grupos produtivos que fariam parte deste negócio venderam o

mel para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), pois à época pagavam

cinquenta centavos a mais do que o mercado americano. Os agrônomos entenderam que

esta conduta dos produtores fragilizou a entrada nos mercados externos, e passaram a

investir os seus esforços na formação e fortalecimento das feiras locais.

Identifica-se, mais uma vez, uma tensão em torno das pretensões que os grupos

produtivos do oeste potiguar deveriam assumir: a produção orgânica teria como

finalidade crescer progressivamente com vistas a alcançar mercados internacionais ou o

objetivo era a consolidação dos grupos, a autonomia e segurança alimentar dos

produtores, gerando trabalho e renda para a população rural em contextos de

adversidade?

Da convivência com as mulheres da REDE, da participação em encontros no

CF8 e a partir dos relatos das mulheres, observa-se que a participação das mulheres em

espaços de discussão política é muito importante não somente para a reafirmação da

identidade de cada uma, mas também para a continuidade da participação de muitas nos

grupos de produção coletiva, que sofrem ciclos de muita/pouca integração das mulheres.

As marisqueiras do distrito de Pernambuquinho, em Tibau, Mossoró (RN), por

exemplo, relatam que ir pescar marisco em grupo é importante para elas, porque uma dá

força à outra, além de que os maridos quando sabem que elas vão em grupo ficam mais

tranquilos (embora este excesso de cuidado possa ser, em verdade, uma forma de

controle).

Outro episódio interessante diz respeito a uma equipe técnica que veio prestar

assessoria a um grupo produtivo da região e um dos técnicos foi substituído pela

entidade executora por provocação das mulheres, em virtude de comportamento sexistas

e desrespeitosos.

Assim sendo, o envolvimento das mulheres em alguns espaços de participação

política, além de ser o exercício de uma liberdade que gera desenvolvimento (pessoal,

profissional, comunitário), as envolve em discussões que giram em torno de questões

que lhes são caras, tais como sobre o uso racional dos recursos naturais, o resgate das

sementes crioulas, a violência doméstica, o planejamento familiar, dentre outros. Este

contexto provocou o CF8 a incluir no seu quadro de empregados uma profissional na

área de agronomia, uma vez que a partir do envolvimento desta profissional nas

atividades do centro, haveria mais coerência com as decisões políticas desta entidade,

172

fazendo com que o público-alvo passasse a ser atendido de forma mais congruente com

os interesses do CF8.

Por outro lado, houve um distanciamento dos agrônomos que participavam da

formação dos grupos produtivos em sistemas agroecológicos, os quais passaram a se

dedicar na criação de feiras orgânicas locais. Segundo R.B, essa iniciativa tem

repercussões positivas na dinâmica das economias locais dos municípios, e não impede

que aqueles produtores que quiserem trabalhar com outros parceiros realizem este

diálogo. Por isso, foi um dos fundadores da Feira da Agricultura Orgânica de Mossoró,

existente há cerca de dez anos, uma proposta fomentada pelo Serviço Brasileiro de

Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE). Essa feira rcorre todos os sábados, das 5

às 9 horas da manhã, na praça do museu, no centro da cidade. Os frequentadores da

feira elogiam muito a qualidade dos produtos e a organização, mas afirmam que seria

melhor se a feira pudesse ser em um horário um pouco mais tarde, entretanto isso

dificultaria a logística dos produtores/as.

Quando o SEBRAE procurou o entrevistado 15 para a organização da feira, ele

encaminhou os técnicos para a Rede Xique Xique, uma vez que tal entidade já estava há

mais tempo neste processo. Contudo, a Rede não demonstrou interesse, pois alega que a

comercialização que estimulava deveria ser coletiva, via Rede, não individualmente em

feiras. Desse modo, o entrevistado 15, vendo, segundo ele, que os produtores/as tinham

vontade, mas não tinham técnica, reuniu alguns produtores/as, muitos também

fornecedores da Rede, e começou a orientá-las quanto ao código de condutas técnicas, e

a partir daí a feira começou a funcionar.

O SEBRAE forneceu vários instrumentos de irrigação para hortaliças e frutíferas

e passou 2 anos fazendo assistência técnica à Associação dos Produtores/as da Feira

Agroecológica de Mossoró (APROFAM). O Banco do Brasil e a Petrobrás também

participaram do financiamento para o custeio da implantação do Sistema de Produção

Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), nacionalizando o sistema mandalla de

produção, de origem africana45

.

45

Segundo o idealizador do Sistema Integrado de Produção Mandalla ou Projeto Mandalla, o

administrador Willy Pessoa, ele desenvolveu esta proposta há cerca de trinta anos e não tem nenhum

vínculo com a esfera política, nem é partidário de nenhuma ideologia econômica, social ou política em

particular. O projeto é voltado para os indivíduos e a coletividade dentro de uma perspectiva altruísta,

benevolente e comunitária: “A nossa missão como uma organização da sociedade pública sem fins

lucrativos é justamente ajudar aos governos – seja que governo for, seja que partido for -, e

principalmente ao partido que nos interessa, esse partido chamado Brasil. A partir daí, começar a criar

uma semente de que nós somos responsáveis por nós mesmos e pelos outros.”. (Disponível em: <

173

Mandala, palavra de origem sânscrita que significa círculo, universalmente

representa a harmonia e a integração. O sistema mandalla de produção estabelece

estrutura circular de plantio, e propõe a diversidade da atividade agrícola. São, em

média, nove círculos interdependentes, além do lago no meio, que serve para o cultivo

de peixes (MARIUZZO, 2007).

Além de produzir alimentos voltados à subsistência das famílias, esse sistema

auxilia na geração de renda aos moradores de áreas rurais de pequeno porte e estimula a

produtividade em grupo entre os agricultores. Funciona da seguinte maneira

(PENSAMENTO VERDE, 2014):

• No centro do sistema agrícola mandalla é construído um reservatório

de água com formato circular, com capacidade média de 30 mil litros.

Ele serve para irrigar a plantação e também é destinado para a criação

de peixes e aves, cujo esterco serve de adubo e a água é distribuída

com a ajuda de uma bomba elétrica.

• Em seguida, vêm os três primeiros anéis, os chamados Círculos de

Melhoria da Qualidade de Vida Ambiental. Eles são destinados para o

cultivo de hortaliças e plantas medicinais.

• Os círculos seguintes, chamados de Círculos da Produtividade

Econômica, são reservados para o plantio de milho, feijão, abóbora e

frutíferas, por exemplo.

• O Círculo do Equilíbrio Ambiental, o último da mandalla agrícola,

serve para construir cercas vivas e quebra-ventos. Assim, ajudará a

melhorar a produtividade e também servirá de alimento para os

animais.

Figura 18 Sistema Mandalla.

Fonte:https://www.epochtimes.com.br/sistema-mandalla-projeto-auto-sustentavel-promissor-para-

brasil/#.WBk4iy0rKM8.

https://www.epochtimes.com.br/sistema-mandalla-projeto-auto-sustentavel-promissor-para-

brasil/#.VwnszvkrKM8>. Acesso em 10 abr 2016).

174

Nesse sistema de produção, o controle de pragas do plantio é realizado com o

auxílio de galinhas, soltas no meio do canteiro, que consomem os insetos existentes. O

custo médio de implantação do sistema de mandalla agrícola é de aproximadamente R$

4 mil e pode ser construído em espaços reduzidos. Entretanto, antes de iniciar o

processo, é importante avaliar as condições do solo para identificar quais são as

necessidades de correção e quais plantas e hortaliças são melhores para cultivar na área

(PENSAMENTO VERDE, 2014).

Acerca da atuação da Rede, o Professor R.B. afirma que legalmente os alimentos

comercializados por ela não podem ser considerados orgânicos, pois a legislação

vigente exige que haja certificação, o que não ocorre com os produtos comercializados

via Rede. Reconhece, porém, que a Rede é pioneira, pois as mulheres têm uma

capacidade para o trabalho muito grande e romperam várias barreiras, inclusive de

gênero. Enfatiza, porém, o entrevistado 15: “sou um grande defensor das da

comercialização livre, em feiras. Elas promovem a ocupação de praças e espaços

públicos, contribuem para uma maior dinamização da economia local e não exigem

burocracias para o seu funcionamento.”.

3.3.3 O trabalho da Organização Não Governamental Visão Mundial

A Visão Mundial fez interlocução com Mulunguzinho por meio de um técnico, o

entrevistado 13, que possui graduação em Agronomia pela ESAM (1995) e

especialização em Agricultura Biodinâmica, Agroecologia e Economia Ecológica, pelo

Instituto ELO de Economia Associativa e Universidade de Buenos Aires, UBA,

Argentina. Atualmente trabalha como auditor de agricultura orgânica, com a

certificação de produtos.

Também contribuiu com o grupo Decididas a Vencer, de Mulunguzinho,

mobilizando o coletivo para trabalhar com agricultura orgânica. Trabalhou também para

mobilizar um grupo de 40 pessoas, dentre elas funcionários das Universidades da

região, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, para criar um mercado

consumidor para o grupo Decididas a Vencer. Montou enquete para entender o consumo

das famílias e organizou encontros de produtoras e consumidores para apresentar as

demandas recíprocas. Segundo relata, para financiar o trabalho do grupo Decididas a

Vencer, ficou acordado que haveriam 3 meses de investimento dos consumidores para a

175

aquisição de insumos pelo grupo e, à medida que a produção fosse ocorrendo haveria o

pagamento retroativo em produtos.

As primeiras colheitas começaram a ser entregues via cestas de hortaliças e o

entrevistado 13 passou a buscar meios de financiamento para criar um sistema de

comercialização, de modo a fazer com que o grupo não recorresse a atravessadores.

Nesse contexto, a organização não-governamental Visão Mundial, que já fazia um

trabalho com crianças na periferia de Mossoró e de outros município do Estado,

demonstrou interesse em ajudar na formação de uma loja de produtos da agricultura

família, já que muitas mães dos adolescentes e crianças atendidos pela ONG ficavam

obsoletas, enquanto os seus filhos realizavam as atividades promovidas pela entidade,

sendo grande parte dessas mulheres da zona rural, que habitam na periferia de Mossoró

em busca de melhor qualidade de vida.

O entrevistado 13 afirma que a Lei 10831/2003, que regulamenta a certificação

de produtos orgânicos, passou a exigir a certificação dos produtos agroecológicos, o que

gerou muito conflito, pois exige que todo produto orgânico use um selo – o SisOrg.

Segundo a legislação, quem não tem o selo de produção orgânica somente pode

comercializar via venda direta, e não pode vender os seus produtos como orgânico em

políticas públicas ou vender para pessoa jurídica. O entrevistado 13, tal como o seu

professor (entrevistado 15), acredita que a Rede não soube dosar bem a sua participação

política e as suas atividades produtivas, e, conforme o seu ponto de vista, muitos

filhos/as de produtores tem saído da zona rural porque entendem que o trabalho com

orgânico não é lucrativo. Entende, ainda, que a Rede ainda sobrevive por conta de

financiamentos externos e de políticas públicas, não a entendendo como um ente

autossustentável, de modo que a mudança de governo ou a descontinuidade de políticas

pode ter impacto significativo na existência da entidade.

Com relação à participação política dos grupos produtivos, é importante afirmar,

ainda, que, de fato, as pessoas envolvidas atualmente na gestão da Rede Xique Xique

não produzem e nem sequer residem mais em Mulunguzinho. Costumam ir para o

assentamento aos finais de semana, sobretudo porque ainda possuem lote no

assentamento. Dessa forma, identifica-se que a Rede e as atividades políticas correlatas,

em alguns casos, retiraram a autossustentação de determinadas mulheres, que antes

tinham na terra ou nas abelhas as suas fontes de renda, e atualmente dependem dos

projetos, financiamentos e comercialização da cooperxique, não obstante a atuação

política das mulheres da Rede visar os investimentos públicos na área que atuam, de

176

modo que esta atividade também deve ser vista como importante para o semiárido e

para as mulheres da zona rural.

No que diz respeito à dificuldade de autossustentação da REDE, observa-se que

há sinais de que a sua arrecadação não é suficiente para arcar com as despesas fixas,

tanto de manutenção, como de pessoal. Tal questão, inclusive, já foi objeto de

provocação em algumas intervenções da pesquisadora na REDE, sobretudo no que diz

respeito à uma maior eficiência no controle das receitas e despesas da entidade.

Recentemente, inclusive, em razão das instabilidades políticas e econômicas do país,

alguns projetos dos quais a REDE participava foram encerrados, o que gerou a decisão

da entidade de não mais fazer entregas das cestas de produtos em domicílio, de modo

que as pessoas que encomendam produtos devem ir buscá-los na sede da entidade.

Outra preocupação suscitada é a falta de envolvimento dos filhos dos produtores

da Rede na atividade rural, já que se observa que muitos dos adolescentes da zona rural

têm o discurso de ir estudar e trabalhar em Mossoró. As pessoas que participam mais de

perto das atividades da REDE, como a entrevistada 2, uma das coordenadoras e L.,

responsável pela parte administrativa, moram em Mossoró juntamente com os seus

filhos. As mulheres do assentamento relatam que seus filhos pretendem sair do

assentamento, e nos encontros do conselho gestor há pouca participação de jovens. Em

um determinado encontro, todavia, conversei com um jovem produtor que é estudante

do curso técnico em agroecologia, no Instituto Federal do Rio Grande do Norte, em

Ipanguaçu (autorizado pela Resolução Nº 38/2012-CONSUP/IFRN, de 26/03/2012), o

que evidencia o entendimento do poder público da necessidade de interiorizar cursos

técnicos e superiores, a partir das potencialidades de cada território.

O entrevistado 16, filho de um carpinteiro e de uma professora primária do

semiárido do Rio Grande do Norte, é formado em Agronomia pela UFERSA e

atualmente docente na UFRPE. Destaca a importância de políticas públicas para a

juventude rural, especialmente a partir da reelaboração de um currículo escolar

regionalizado, que valorize as características e potencialidades locais. Defende a

importância, igualmente, da disponibilização de alternativas de meios de vida não

necessariamente agrícolas para os jovens do campo, de modo que se faculte aos filhos

de agricultores que não queiram exercer atividade rural ou que tenha outros tipos de

habilidades, a ter outras alternativas profissionais.

No município de Mossoró, como em vários outros do país, há uma proposta

pública de criar um centro de comercialização da agricultura familiar, mas R.M. entende

177

que o melhor seria fortalecer as feiras nas diversas localidades do Estado, pois a criação

de um centro pode misturar agricultores que trabalham com princípios diferentes, e tirar

a credibilidade daqueles que trabalham de forma orgânica.

Entende, ainda, que a seca é um fenômeno natural, mas que existem técnicas de

convivência com o semiárido. Só que, mais que isso, é preciso difundir técnicas de

convivência com a chuva também, com o estoque de sementes, alimentos, água e feno46

;

silagem47

e forragem48

.

3.3.4 O Centro Terra Viva

O Centro Terra Viva é uma associação civil de direito privado, que não possui

fins lucrativos e atua em assessorias técnica e gerencial de entidades do semiárido

norteriograndense. Assume o objetivo de ajudar no desenvolvimento sustentável local,

utilizando-se de tecnologias alternativas para incentivar práticas agroecológicas e

solidárias. Constituída em 03 de outubro de 1997, por proposição de um grupo de

profissionais de formação multidisciplinar, a Terra Viva buscou ao longo dos seus quase

20 anos de existência fomentar ações calcadas em metodologias sintonizadas com as

demandadas dos assentamentos de reforma agrária e comunidades rurais, a partir de

diversos programas e projetos de assessoria técnica e capacitação direcionados para

esses atores. As ações desta organização, porém, vêm priorizando os municípios do

oeste potiguar, como Apodi, Upanema, Janduís, Governador Dix-Sept Rosado e

46

O feno é obtido mediante a exposição ao sol e ao ar da planta cortada, que sofre dessecação lenta e

parcial, de modo que a sua taxa de umidade, originalmente de 60 a 85%, seja reduzida para teores entre

10 e 20%, com perda mínima de nutrientes, maciez, cor e sabor. O bom feno é palatável, nutritivo e ótima

fonte de vitaminas A e D. Em virtude da sua concentração, um quilo de feno pode substituir três quilos de

silagem de milho ou sorgo ou de forragem verde (Disponível em:

<http://fenosantahelena.com.br/plus/modulos/conteudo/?tac=feno-e-fenacao>. Acesso em 03 abr 2016). 47

Silagem é o produto oriundo da conservação de forragens úmidas (planta inteira) ou de grãos de cereais

com alta umidade (grão úmido) através da fermentação em meio anaeróbico, ambiente isento de oxigênio,

em locais denominados silos. A silagem de planta inteira (volumoso energético) é um alimento distinto da

silagem de grão úmido (concentrado energético). Portanto, são alimentos complementares e não

substitutivos. Na alimentação de ruminantes (bovinos de leite e de corte, bubalinos e ovinos), a silagem

de grãos úmidos, por ser uma alternativa de um alimento com concentrado energético, complementando a

silagem de planta inteira, que é o volumoso, resulta em uma dieta eficiente e de menor custo. Na

alimentação de monogástricos (suínos, aves e equinos) a silagem de grão úmido substitui total ou

parcialmente os grãos de cereais, que tradicionalmente são conservados na forma de grãos secos

(Disponível em: <http://www.sementesagroceres.com.br/pages/Silagem.aspx>. Acesso em 03 abr 2016). 48

Cultivo de espécies de vegetação, natural ou plantada, que cobre uma área e é utilizada para

alimentação de animais, seja ela formada por espécies de gramíneas, leguminosas ou plantas produtoras

de grãos (Disponível em: <

http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa_pnla/_arquivos/glossrio_bndes_textodoc_46.pdf>. Acesso em 14

nov. 2016)

178

Mossoró. Contudo, alguns projetos da entidade se expandiram para municípios

vizinhos, tais como Carnaubais, Porto do Mangue, Grossos, Upanema e Baraúna

(TERRA VIVA, 2016). Em ambos os casos, a organização produtiva das comunidades é

fruto da organização dos movimentos sindicais da região, bem como da Comissão

Pastoral da Terra do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST),

que resultou no assentamento de várias famílias, e chegou inclusive a criar um curso de

pedagogia para assentados na região, com apoio do poder público.

Sob uma perspectiva política, ideológica e gerencial, houve uma reestruturação

do quadro de cooperados(as) da entidade, visando uma maior atuação junto a entidades

do terceiro setor, bem como a formalização dos vínculos empregatícios dos

trabalhadores da entidade. A Terra Viva, a partir da necessidade de rediscutir a sua

personalidade jurídica, influenciada pelas suas parcerias, alavancou um processo de

discussão interna que culminou na transformação da sua estrutura jurídica de

cooperativa para a criação do Centro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura

Familiar – TERRA VIVA, uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos,

atuando em áreas temáticas vinculadas ao desenvolvimento sustentável do semiárido,

especialmente nos municípios de Apodi e Mossoró, embora a sua ação se estenda aos

demais municípios do médio-oeste do Rio Grande do Norte (TERRA VIVA, 2016). O

escopo é, além de viabilizar convênios, de respeitar legalmente as garantias sociais dos

seus empregados.

As áreas de atuação da Terra Viva têm sido o apoio ao desenvolvimento local

via capacitação em temas como gênero e de renda; o incentivo à prática agroecológica;

o uso de tecnologias alternativas e a comercialização dos produtos da agricultura

familiar (TERRA VIVA, 2016).

O Terra Viva iniciou as suas atividades na região prestando assessoria rural em

assentamentos a partir do projeto LUMIAR49

. Destacou-se na região, ademais, pelo

Programa de Desenvolvimento de Área (PDA), da ONG Visão Mundial, cujas ações

têm o compromisso de gerar condições econômicas e sociais para a

autossustentabilidade e para o desenvolvimento integral da comunidade. O programa

tem vida útil média de 10 a 15 anos. Ele pode abranger áreas urbanas e rurais e envolver

várias comunidades de uma mesma região, urbanas ou rurais. O programa iniciou no

semiárido com um diagnóstico, feito pela equipe da Visão Mundial, que identifica e

49

Projeto de assistência técnica aos assentamentos, desenvolvido pelo INCRA em parcerias com

organizações e associações do país desde a década de 90.

179

avalia as necessidades das famílias para, juntamente com a comunidade, definir os

projetos que serão implementados. O PDA dá apoio aos grupos que estão mais

vulneráveis nos âmbitos social e econômico, sempre com foco nas crianças e

adolescentes. São aplicadas iniciativas que buscam reduzir as desigualdades, promover

a inclusão social, desenvolver o protagonismo comunitário e estimular a vida

associativa, com objetivo de contribuir e alcançar o bem-estar das crianças e

adolescentes (TERRA VIVA, 2016).

Na execução deste programa, a Terra Viva prestava assessoria em produção,

com o apoio de agrônomos, veterinários e assistentes sociais, bem como realizava

capacitações, a partir das potencialidades identificadas em cada território, além de

fomentar a formação de grupos produtivos. Segundo a assistente social da Terra Viva, a

entrevistada 30, os veículos dos PDA‟s durante muito tempo ajudaram no transporte de

produtos dos/as agricultores/as regionais para serem comercializados nas feiras locais e

em Mossoró. A entidade trabalhou, ainda, na elaboração de estatutos, no seu registro em

cartório, na eleição da primeira diretoria e, à medida que os grupos iam se tornando

autossuficientes, deixava os coletivos assumirem autonomamente as suas necessidades e

desafios.

Logo os grupos começaram a se reunir para a produção de hortas orgânicas, mas

tinham dificuldade na comercialização. A partir de então, a Terra Viva, em parceria com

outras pessoas e entidades, pensou num projeto para comercialização, envolvendo

produtores da região. Fez-se um projeto de criação de uma loja de comercialização, o

qual foi apresentado à Visão Mundial, que decidiu financiar a implantação da loja da

Rede, com base na previsão orçamentária do projeto, pelo período de um ano. Ao final

deste prazo, a ONG Visão Mundial deixou de financiar o projeto e a Rede Xique Xique

que passou a arcar com custos que até então não tinha. Aos poucos a Rede vem

conseguindo financiamentos de entidades parceiras e políticas públicas que auxiliam a

sua manutenção.

A assistente social e fundadora do Centro Terra Viva, C.M., a esse respeito,

entende que é importante a Rede lutar pela sua autossuficiência, a fim de que tenha uma

maior autonomia, além de conferir mais segurança aos seus membros.

Atualmente, segundo dados da Terra Viva, a Rede possui em média 60 grupos

associados, beneficiando diretamente cerca de 600 produtoras/es e indiretamente mais

de 2.000 pessoas. Dentre as entidades que se articulam com a Rede, destacam-se:

180

Rede de Economia Solidária e Feminista

(RESF)

SENAES – Secretaria Nacional de

Economia Solidária

Centro Feminista 8 de Março UFERSA – Universidade Federal Rural

do Semiárido

AACC – Associação de Apoio às

Comunidades do Campo

ASA – Articulação Semiárido Brasileiro

SETHAS – Secretaria de Turismo,

Habitação e Assistência Social

SDE – Secretaria de Desenvolvimento

Econômico

Fórum Potiguar

Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais do Oeste Potiguar

Organização Não Governamental Instituto

Florestan Fernandes de Formação da

Cidadania e do Desenvolvimento Humano

Secretaria Municipal de Agricultura e

Abastecimento de Mossoró

Coordenação Oeste de Mulheres

Trabalhadoras Rurais Quadro 14 A Rede Xique Xique e suas redes sociais.

Fonte: Elaboração da Autora, 2016.

Observa-se que a Rede Xique Xique foi criada com o objetivo de facilitar e

formalizar a comercialização dos produtos das/os agricultoras/es do oeste potiguar. Ao

mesmo tempo, uma das coordenadoras da REDE afirma que os grupos de produtores/as

de Mossoró, Apodi, Governador Dix-sept Rosado e Baraúnas, que participaram da

idealização e formação da rede não queriam só um espaço para vender a produção. “A

gente queria algo que tivesse um elo; que se preocupasse desde à produção, à formação

e à comercialização”.

Tal entidade se originou do trabalho de um grupo de mulheres que se articulou

com outros movimentos sociais, tais como, sindicatos de trabalhadores locais e

entidades de apoio aos produtores/as, e se constituiu a partir da identificação, por

entidades de apoio, com experiências de outros coletivos, cooperativas e grupos de

comercialização do Brasil, tal como a Rede Bodega de Economia Popular Solidária50

do

Ceará. É nítido, inclusive no próprio discurso das mulheres da Rede, que foi decisivo o

suporte e incentivo do Centro Feminista 8 de Março de Mossoró, que atualmente tem

sua sede próxima à atual sede da Rede Xique Xique. Embora não exista um censo que

precise quantas pessoas comercializam por meio da Rede, ela não se restringe apenas às

50

Rede Bodega de Economia Popular Solidária - A Rede Bodega iniciou a sua estruturação em 2004,

reunindo empreendimentos nos territórios e entornos de Fortaleza, Aracati, Tianguá e Limoeiro do Norte,

nas cooperativas Bodega Nordeste Vivo e Solidário, Budega do Povo, Budegama e Arcos. Com

assistência técnica da Cáritas Brasileira Regional Ceará, hoje há em torno de 50 grupos produtivos

produzindo horta orgânica, quintal produtivo, pequenos animais, mel, artesanato, mudas nativas e

frutíferas, beneficiamento de frutas, entre outras atividades. (Disponível em: <

http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3907/1/bmt50_econ03_aexperiencia.pdf>. Acesso em 1

abr. 2016).

181

produtoras rurais (cerca de 50% do total), mas quem se relaciona com a rede percebe

que as discussões feministas são referência para a entidade. Há, sem dúvida, relações

patriarcais entre as participantes e suas respectivas famílias, afinal, são produtos de uma

cultura histórica. Mas há, igualmente, consciência dos participantes da Rede de que os

papéis sociais assumidos pelas mulheres precisam ser cada vez mais ampliados.

Em relação à atual participação do grupo Decididas a Vencer na REDE, observa-

se um processo de desarticulação (embora isto não seja afirmado ou sequer confirmado

pela REDE), pois as suas idealizadoras, em sua maioria, estão aposentadas como

trabalhadoras rurais, e os seus descendentes têm preferido residir em áreas urbanas,

terem empregos com carteira assinada, sobretudo em virtude do padrão educacional

vigente no Brasil, voltado para a valorização do meio urbano. Tal constatação foi feita a

partir da limitação dos produtos provenientes de Mulunguzinho para serem

comercializados pela REDE. Fica claro que se a REDE fosse comercializar

exclusivamente produtos deste assentamento ela não conseguiria custear as suas

despesas. Embora a intenção da criação da REDE não tinha o objetivo de comercializar

produtos exclusivos de qualquer assentamento, a pretensão era que o grupo Decididas a

Vencer fosse fortalecido com a sua criação, o que não ocorreu. O mel é o único bem

ainda produzido coletivamente em Mulunguzinho, sobretudo por não exigir uma

dedicação diária das produtoras. A maioria das mulheres que vive no assentamento

ainda produz, a partir de princípios agroecológicos, de forma individual, nos quintais.

As mulheres que assumiram a liderança da rede, porém, enfatizam a importância

do envolvimento dos cooperados e da necessidade do compartilhamento das

responsabilidades da Rede. A entrevista 2, afirmou, a esse respeito, que “seria bom se as

cooperadas e os cooperados se envolvessem mais nas atividades da Rede, pois tem

produtor e produtora que manda os produtos por carro alternativo, para não ter o

trabalho de sair da sua casa e vir deixar o que produziu aqui.”.

Embora se observe que não há uma perspectiva concorrencial entre os membros

da Rede, o que a qualifica e aproxima da lógica da EcoSol, ainda há necessidade de

fortalecimento da perspectiva de que cada cooperado é sócio da Rede, o que induz a

necessidade de participação direita e ativa nas decisões e rotinas administrativas.

Observa-se, nesse sentido, a necessidade de desenvolvimento de um maior senso de

coletividade entre os indivíduos eu a compõe. Ademais, há o crescente anseio por

independência em relação aos projetos e financiamentos públicos, o que reafirmam a

182

importância da consolidação da Rede, uma vez que representa um espaço autônomo de

fortalecimento do feminismo, da EcoSol e da agroecologia.

Vê, pois, que ao encampar as propostas da EcoSol, observa-se que a Rede busca

uma maior auto-organização das mulheres, sobretudo com o apoio de outras redes, o

que favorece ao intercâmbio de demandas, propostas e ações políticas. A agroecologia,

nesse contexto, além de garantir renda com pouco impacto ambiental, vem subsidiando

discussões em torno da necessidade de maior segurança alimentar para as/os

produtoras/es e às comunidades do entorno; o feminismo, em meio a avances e

retrocessos, tem levado as mulheres a terem mais autonomia, participando de forma

mais ativa de espaços tradicionalmente restritos à atuação feminina.

3.4 Quais as contribuições do feminismo, da agroecologia e da EcoSol para o

semiárido potiguar?

O predomínio desses padrões androcêntricos fomentaram valores baseados em

interações sociais invariavelmente desvantajosas para as mulheres, que vêm sendo

contestadas e desconstruídas de modo progressivo – em meio a períodos de avanços e

outros de retrocesso. Várias iniciativas têm favorecido para um maior reconhecimento e

uma maior representatividades das mulheres, a exemplo da agroecologia e da EcoSol: a

agroecologia por sugerir a reconfiguração de interações humanas tradicionalmente

exploratórias, na medida em que “oferece bases para a modificação dos sistemas de

produção que causam degradação social e ecológica, por meio do desenho ou redesenho

de sistema, dentro do conceito de sustentabilidade (EMBRAPA, 2006, p. 26)”; a

EcoSol, por provocar uma reconfiguração das relações humanas, reconhecendo todas as

potencialidades produtivas das mulheres, bem como por se fundar em propostas de

caráter pedagógico que abarcam desde a reavaliação da postura das mulheres no âmbito

familiar à inserção das mulheres nos debates e espaços políticos.

A compatibilidade das experiências da Rede com as propostas do Feminismo, da

EcoSol e da Agroeocologia, pode ser analisada a partir dos critérios definidos,

respectivamente, por Mance (1999), Lisboa (2000) a Altieri (2000). Adicionalmente,

para o reconhecimento de experiências compatíveis (ou não) com a indagação central

desta tese, serão retomadas as ideias de desenvolvimento de Sen (2009), entendidas

como diretrizes fundamentais para orientar experiências alternativas de

desenvolvimento.

183

Quanto ao cumprimento dos pressupostos que orientam os princípios da EcoSol,

Mance (1999) identifica os seguintes: que não haja exploração do trabalho; que exista o

compromisso com o equilíbrio dos ecossistemas; que seja realizada a comercialização

dos excedentes produzidos para a expansão da própria rede; que haja espírito de

cooperação e colaboração para a autogestão dos meios e a autodeterminação dos fins.

Em contextos de vulnerabilidade, tal como no semiárido, as práticas capitalistas –

excludentes e exploratórias por serem baseadas num eixo estruturador concorrencial de

relações sociais, embora hegemônica - não vem consistindo na única alternativa

econômica de produção. Isto porque foram identificadas experiências produtivas

baseadas no trabalho coletivo, a exemplo do trabalho das mulheres da associação de

marisqueiras de Grossos (RN), onde a coleta, o processamento e o beneficiamento é

feito por um grupo de seis mulheres (em média), as quais compartilham os ganhos

obtidos. Esta constatação evidencia que os grupos produtivos da região semiárida,

especificamente os que compõem a Rede Xique Xique, praticam um trabalho que não

recorre a formas exploratórias de relações, sobretudo porque não existe a figura do

patrão/empregador, já que as relações que têm sido formadas são de coordenação, não

hierárquicas. Cumpre destacar, ainda, que também não foram identificadas relações

exploratórias da comercialização dos produtos vendidos na rede, já que os preços

praticados são compatíveis com os de mercado e as/os produtores da Rede evitam

recorrer à figura do atravessador.

Vários relatos obtidos na pesquisa de campo evidenciam a disposição das

mulheres para o trabalho coletivo a partir da lógica da EcoSol:

Entrevistada Relatos das entrevistadas demonstram a

assimilação de princípios da EcoSol

Entrevistada 2 “A gente não queria só um espaço para

comercializar o excedente. A gente queria

algo que tivesse um elo; que se preocupasse

desde à produção, à formação e à

comercialização”.

Entrevistada 20 “Se Deus quiser a Rede vai crescer muito

ainda. Não cresceu mais porque ainda tem

gente que na hora da necessidade negocia com

atravessador, mesmo sabendo que vão ser

explorado”.

Entrevistada 19 “Em tempo de verão, quando as casas estão

cheias, muitas mulheres se afastam do

beneficiamento do pescado, e isso enfraquece

184

a cooperativa. Às vezes, trabalham o mês todo

pra ganhar 200 reais”.

Quadro 15 Relato das entrevistadas demonstram a assimilação de princípios da EcoSol

Fonte: Elaborado pela autora

Observa-se, ainda sobre a adesão à lógica da EcoSol, que as agricultoras

familiares, os grupos informais e as cooperativas da região também demonstram

sensibilidade para a preservação dos ecossistemas e dos recursos ambientais. É

recorrente no discurso das entrevistadas o orgulho de não utilizarem “veneno”, tanto

porque consomem os produtos que cultivam, como em razão da qualidade dos produtos

comercializados e da preservação da terra para o futuro uso pelos herdeiros, o que

reflete um processo de conscientização, decorrente de políticas educativas realizadas em

formações promovidas por entidades públicas e privadas.

A adesão à proposta da Rede por parte das produtoras/es rurais evidencia a

intenção de vender excedentes por meio desta entidade. É comum, porém, muitas

produtoras mandarem produtos a mais do que a rede mobiliza, a fim de que, caso o

produto seja vendido, aquele valor seja revertido para a Rede. Quando da realização de

diálogos informais com as cooperadas da cooperxique, todas manifestaram a

concordância da Rede acrescer 15% ao preço recebido pelo produtor para se

autossustentar. Essas posturas revelam a preocupação e a contribuição dos membros da

Rede com a sua própria expansão.

Quanto à autodeterminação dos fins da Rede, bem como à gestão cooperada dos

meios, embora existam cooperadas/os diretamente envolvidas/os no trabalho, identifica-

se a necessidade de maior participação e envolvimento dos seus participantes em

espaços de articulação e deliberação coletiva. A entrevistada 18, por exemplo, é

cooperada da COOPERXIQUE e residente em um assentamento localizado no

município de Upanema (RN), além de produzir leite, queijo e hortaliças na sua

comunidade, às sextas-feiras pega um transporte alternativo para deixar os bens

produzidos na região, e fica até o final da feira da Rede, a fim de ajudar no atendimento

dos consumidores e no recebimento de produtos levados pelos produtores/as. Há

produtores, entretanto, que se limitam apenas a mandar o que produzem, mas não têm

contato cotidiano com a Rede. Aquela postura demonstra o espírito de cooperação e

colaboração que a Rede precisa para funcionar plenamente, mas ainda é perceptível a

necessidade de um maior investimento na formação dos produtores em relação à

necessidade de maior participação da gestão da Rede. Isto viabilizaria, inclusive, que as

185

coordenadoras da Rede produzissem com maior constância, não as distanciando das

atividades do campo, da condição de agricultoras.

Diante deste contexto, observa-se que as/os produtoras/es do semiárido potiguar

vinculados à Rede Xique Xique têm recorrido a práticas fomentadas pela EcoSol, que

vem se traduzindo numa lógica alternativa à hegemônica potencialmente executável e

que tem contribuído para uma proposta de desenvolvimento alternativo do semiárido.

Em determinadas situações, porém, ainda se identificam posturas de dependência entre

produtores e Estado que as lideranças da Rede não têm contribuído para minimizar, o

que desvirtua as práticas e os rumos que se buscou tradicionalmente alcançar.

Todavia, mesmo com a ausência de centralidade das políticas de EcoSol e das

dificuldades de sua consolidação em face das burocracias e da dimensão continental do

país, diante das potencialidades de geração de bem-estar em contextos de

vulnerabilidade, é imprescindível que Estados e municípios da Federação internalizem

políticas de estímulo à EcoSol. O Brasil ainda não usufrui plenamente do potencial

revolucionário de empoderamento que a EcoSol nutre, da capacidade emancipatória das

iniciativas autogestionadas, cooperadas, associadas, essenciais para a promoção de uma

cidadania mais ativa. Tal contexto termina por atrasar o processo de fortalecimento e de

consolidação das instituições e organizações do país que se destinam a esta alternativa

de produção, primeiras ameaçadas em momentos de crise. É, portanto, essencial

reconhecer a EcoSol como estratégia de fortalecimento comunitário, de dinamização

das economias locais, de crescimento socioeconômico em que o social predomine.

Trata-se, assim, de uma proposta de desenvolvimento endógeno, solidário, sustentável e

justo, capaz de viabilizar a capacidade de cada indivíduo exercer livremente todas as

prerrogativas que lhes são inerentes.

No que se refere ao empoderamento das mulheres, segundo Lisboa (2000), para

ele se realizar é preciso a expansão da capacidade de escolha das decisões que

permeiam a vida de cada mulher; o autogerenciamento; a atuação em contexto onde a

capacidade de atuação das mulheres era negada; a plena cidadania. A ONU Mulheres,

ratificando esta perspectiva, estabeleceu como princípios de empoderamento, dentre

outros, o tratamento de todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho; a

promoção de educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres; o

apoio ao empreendedorismo das mulheres.

As mulheres do semiárido potiguar, após contato com sindicatos rurais, ao

decidirem se auto-organizarem para produzir e comercializar os bens cultivados,

186

demonstram uma disposição para autogerenciarem as suas vidas, a princípio por meio

do grupo “Decididas a Vencer”, depois com a criação da Rede Xique Xique de

Comercialização Solidária. Essas iniciativas demonstram um protagonismo das

mulheres na região, o qual foi potencializado em face dos relevantes movimentos

sociais, especialmente o feminista, que se estabeleceram no oeste potiguar, que

contribuíram para a expansão da capacidade de decisão das mulheres. Embora muitos

problemas sociais ainda subsistam, tais como a má-gestão da água, a precariedade de

serviços públicos de assistência social (sobretudo no meio rural), a falta de políticas

específicas para as mulheres e a descontinuidade de políticas de geração de renda no

semiárido, aliados ao machismo cultural mais incidente no campo, identifica-se o

progressivo incremento das capacidades de realização das mulheres com a criação da

Rede Xique Xique, mormente em face das redes sociais (feministas, produtivas,

ambientais) das quais elas fazem parte. Por um lado, tal contexto indica a ampliação da

consciência das mulheres acerca das suas potencialidades, por outro dificulta a

formação de consensos, sobretudo diante de mulheres de gerações diferentes. Isto pode

ter sido um dos fatores que contribuiu para a fragilização do grupo Decididas a Vencer.

Neste contexto, o Centro Feminista 8 de Março passou a acompanhar todo o

processo de auto-organização feminina no oeste potiguar, o que culminou com a

formação da Rede Xique Xique. Por esta razão, além de outras, o CF8 figura como um

essencial articulador para sustentar a luta cotidiana que as mulheres travam para que a

sua capacidade produtiva, política e social seja reconhecida. A atuação consciente em

contextos sociais onde as mulheres não participavam tem como pressuposto uma

formação política sólida, o que possibilita o reconhecimento das mulheres enquanto

cidadãs. A Rede Xique Xique, aliada às redes sociais que compõem, tem sido um

instrumento importante de fomento à expansão das fronteiras de circulação de pessoas,

produtos e serviços. A ampliação dos espaços de atuação da Rede significa, por sua vez,

a expansão dos espaços de participação das mulheres. Isto demonstra que a Rede tem

contribuído para transformar demandas femininas em propostas políticas feministas.

Observou-se, assim, um amplo protagonismo político das mulheres no semiárido

potiguar, também em razão das atividades promovidas pela Rede Xique Xique. As

articulações e formações políticas da Rede, aliadas às parcerias com diversos

movimentos sociais, vêm contribuindo para a formação de lideranças femininas na

região. Participantes da Rede são presidentes de associações de moradores em

assentamentos e demais comunidades rurais do entorno, há uma mulher eleita

187

conselheira tutelar, e outra que concorre ao cargo de vereadora no município de Grossos

(RN) nas eleições de 2016. Do relato das participantes há consenso em relação à

melhoria da qualidade de vida das envolvidas após a criação, estruturação e atuação da

Rede. Observa-se, também, o envolvimento de alguns filhos/as das participantes com

movimentos juvenis relacionados à EcoSol, entretanto ainda não se vislumbra um apoio

institucional específico para os jovens da zona rural, que, por conseguinte, não

alimentam o anseio de dar continuidade às práticas produtivas dos seus ascendentes.

No desenvolvimento da pesquisa de campo, alguns relatos evidenciam um maior

empoderamento feminino:

Entrevistada Relatos das entrevistadas demonstram

empoderamento das mulheres

Entrevistada 21 “As meninas que sabiam ler não quiseram ir

para o encontro do Sindicato, porque tinham

vergonha. Aí eu fui, mesmo sem saber ler.”.

Entrevistada 2 “O Centro Feminista é muito importante pra

nós, porque quando as mulheres estão se

afastando ele faz uma reunião, uma marcha, e

a gente se junta de novo.”.

Entrevistada 24 “Eu já nasci feminista, eu só não sabia que

era! Não gosto de depender de ninguém. Vou

plantar, colher, cuido das galinhas, faço meu

artesanato.”.

Quadro 16 Relatos das entrevistadas demonstram empoderamento das mulheres

Fonte: Elaborado pela autora

Em relação ao empoderamento feminino, portanto, observa-se que a Rede tem

contribuído para que as mulheres do semiárido potiguar tenham maior autonomia e

gerencie de modo mais independente as decisões em suas vidas. Tal constatação não

permite, porém, o reconhecimento de uma cidadania plena por parte das mulheres, dado

que ainda existem mulheres que convivem em contextos violentos, ainda se observa a

ausência de atuação do poder público em diversos contextos, o que evidencia que ainda

existem substanciais ambientes de desigualdade no campo, sobretudo em desfavor das

mulheres.

Acerca da agroecologia, como a teoria, a prática agrícola e o movimento social

(WEZEL, et all, 2009) que, a partir da ressignificação dos saberes tradicionais, otimiza

os agroecossistemas do ponto de vista sociocultural, econômico, técnico e ecológico,

188

Altieri (2000) observou uma significativa adesão e promoção dos seus princípios nas

práticas produtivas da região.

No semiárido potiguar, em face da ocupação exploratória para produção em

larga escala que tradicionalmente marca a região, a concentração de terras propicia a

manutenção e regalias das oligarquias agrárias, a partir da exploração da mão de obra

daqueles que compunham os agricultores rurais, mas que eram desprovidos de terras

férteis ou perderam suas terras por causa dos endividamentos contraídos no período da

modernização agrícola. A partir deste cenário é possível compreender a premente

necessidade de redimensionamento ou redistribuição das terras agricultáveis do país.

Os assentamentos do oeste do Rio Grande do Norte têm contado com o apoio de

organizações não governamentais e com políticas públicas para iniciar um processo de

mudança de perspectiva produtiva, para ampliação dos sistemas agroecológicos de

produção. Centrado na qualidade da produção, e na preservação dos recursos naturais, a

agroecologia tem sido progressivamente entendida pelos produtores/as da região como

um aliado no incremento da qualidade de vida, sobretudo diante da possibilidade de

concorrência em condições de igualdade com as agroindústrias que, em verdade, têm

como foco a produção em larga escala voltada para o mercado externo.

No transcurso da pesquisa de campo, as/os produtoras/produtores demonstram

reconhecer a importância de não se recorrer a instrumentos produtivos nocivos ao meio

ambiente:

Entrevistada Relatos das entrevistadas demonstram

assimilação de princípios da agroecologia

Entrevistada 2 “aos poucos a gente foi aprendendo que não

adianta ter medo e querer tirar todos os sapos

da roça, pois eles comem os grilos. Se a gente

tirasse os sapos de lá, os grilos comeriam tudo

que plantamos.”.

Entrevistada 20 “antes eu plantava hortaliça com veneno, eu

vivia com problema na respeiração. Hoje,

graças a Deus, eu sou outra pessoa.”.

Entrevistada 25 “Hoje a caatinga é para nós uma região boa.”.

Quadro 17 Relatos das entrevistadas demonstram assimilação de princípios da agroecologia.

Fonte: Elaborado pela autora

Todavia, mesmo diante da disposição dos produtores e produtoras da região,

observa-se a necessidade de maior apoio institucional das/os produtoras/es que

189

compõem a Rede, especialmente em relação à certificação dos produtos

comercializados como orgânicos, sobretudo a fim de que os agricultores e a própria

Rede possa participar de políticas públicas de aquisição de alimentos orgânicos.

Atualmente a Rede não possui certificados exigidos pela legislação que atestam o

caráter orgânico dos seus produtos, somente podendo fazer a venda direta dos produtos

que comercializa para consumidores, em face das relações de confiança estabelecidas.

O grande progresso, nessa seara, foi a assimilação e difusão da importância dos

sistemas agroecológicos de produção, discurso recorrente entre os produtores/as que

comercializam via Rede Xique Xique, sobretudo diante de atividades de extensão

promovidas pela UFERSA e organizações da região, como a ASA e a AACC. Essas

instituições realizaram formações e desenvolveram, em conjunto com as comunidades,

experiências que visam potencializar a reutilização dos recursos naturais, que têm

demonstrado ser proveitosa, a exemplo do prêmio recebido pelo Centro Feminista 8 de

Março em face do desenvolvimento de uma tecnologia social de reaproveitamento da

água doméstica na produção.

Assim, a Rede Xique Xique e suas redes sociais têm contribuído para ampliar as

posturas socioculturais e práticas econômicas das/os produtoras/es, sobretudo por meio

da difusão de técnicas ecológicas novas e do resgate de práticas das comunidades

tradicionais.

Conforme Sen (2009), o desenvolvimento está intrinsecamente ligado à

expansão das liberdades reais imanentes à condição humana. Nesse sentido, ele gera o

aumento da capacidade de realização dos indivíduos, pois o seu principal produto é o

bem-estar dos indivíduos. Igualmente, Boaventura Santos (2002) entende que uma

proposta de desenvolvimento alternativo se embasa no fomento às formas não

capitalistas de produção e consumo, e contesta a concentração de recursos e de poder.

Afasta-se, pois, de arranjos sociais empobrecidos pela alienação, pelo individualismo e

por práticas exploratórias.

A experiência política da Rede Xique Xique de buscar compatibilizar os

princípios feministas, a EcoSol e a agroecologia traduz-se numa proposta de

desenvolvimento alternativo, pois tem como principal objetivo promover o

reconhecimento social, político e econômico das mulheres enquanto sujeitos essenciais

para a construção de uma sociedade mais igual e justa, inclusive sob uma perspectiva

ambiental. A Rede Xique Xique, portanto, ao agregar iniciativas que prestigiem a

agroecologia, o feminismo e a EcoSol, tem contribuído para fomentar a expansão dos

190

espaços de participação das mulheres, consistindo numa experiência alternativa de

desenvolvimento no semiárido potiguar, na medida em que vem contribuindo para a

expansão das liberdades reais das mulheres.

Nesse sentido, observou-se que a busca feminina por maior autonomia política,

econômica, social, familiar, pode se aliar à promoção de outros valores, como o uso

racional dos recursos naturais e a construção de relações produtivas não exploratórias. A

EcoSol, ao propor a geração de renda por meio da autogestão e da preservação dos

ecossistemas, pode figurar, ao lado do feminismo e da agroecologia, como uma

alternativa de desenvolvimento economicamente viável, socialmente justa e

ambientalmente sustentável. A partir da experiência da Rede Xique Xique, pois, a

agroecologia, a EcoSol e o feminismo tem se demonstrado como importantes recursos

para o empoderamento feminino no semiárido potiguar.

191

Considerações Finais

O fomento desenfreado à lógica do produtivismo, em nome de uma perspectiva

linear e evolucionista de desenvolvimento tem como produto o reincidente desrespeito

aos direitos sociais básicos dos trabalhadores/as, além da produção de um progresso

científico e tecnológico incapaz de absorver as externalidades a que da causa.

Observou-se que a formação de redes sociais no semiárido potiguar a partir da

auto-organização de grupos produtivos tem figurado um importante mecanismo de

fomento a princípios e práticas que propõem um desenvolvimento alternativo. Isto

porque recorrem a práticas mais justas do ponto de vista ambiental, social e econômico,

tais com a agroecologia, o feminismo e a EcoSol. A agroecologia tem se destacado por

conscientizar os/as produtores sobre a relevância da qualidade dos alimentos e da

importância do uso de práticas produtivas sustentáveis; o feminismo destaca-se por

desnaturalizar as relações de gênero por meio de críticas aos papeis ocupados pelas

mulheres historicamente, sobretudo no meio rural, o que tem contribuído para o

empoderamento feminino na região; a EcoSol, por propor uma economia que provoca

inclusão social via geração de renda e fortalecimento comunitário, à luz dos princípios

da cooperação e da autogestão, fomenta relações intersubjetivas mais iguais.

A experiência política da Rede Xique Xique, ao agregar os princípios feministas,

da EcoSol e da agroecologia, tem atendido ao objetivo de gerar o empoderamento das

mulheres do semiárido, ao tempo em que tem colaborado para ampliar relações

produtivas mais sustentáveis. Por isso, a Rede se configura como um importante apoio

na ampliação da cidadania, por meio da politização dos seus integrantes e pelo resgate

de valores e relações que contestam as propostas de disposição humana e social do

capitalismo.

Há, entretanto, fragilidades das políticas públicas que fomentam iniciativas

contra-hegemônicas no Brasil, tanto por limitações orçamentárias, como pelas crises

institucionais que recorrem ao enxugamento destas iniciativas, o que denuncia as suas

fragilidades e evidencia que há potencialidades viáveis de propostas de

desenvolvimento no Brasil que ainda são subdimensionadas, tal como a EcoSol. A

descontinuidade das políticas públicas, ainda, representa outra problemática que precisa

ser superada, a fim de que os resultados alcançados sejam mais eficientes. Cumpre

destacar, ainda, que quando do planejamento e da implementação das políticas públicas,

em nível macroinstitucional, é relevante a institucionalização de iniciativas que gerem

192

empoderamento e respeitem a autonomia que deve orientar os movimentos sociais.

Observa-se, em alguma medida, no âmbito rural, sobretudo, uma expectativa de que o

poder público conceba políticas a partir de uma concepção paternalista, dada a postura

tradicional do Estado em relação à população do campo. As políticas que têm como

base a EcoSol, ao revés, têm a perspectiva de que ações públicas contemplem e

fortaleçam a autonomia dos grupos sociais, sobretudo porque entendem que as decisões

cooperadas pressupõem a ausência de dependência ou de subordinação em qualquer

nível.

A organização dos/as produtores/as e dos movimentos sociais para a

mobilização pública e institucional visando o investimento em estratégias que

convertam os indivíduos em cidadãos é elementar, sobretudo em meios adversos do

ponto de vista geográfico e, sobretudo, político. A formação de redes sociais de

colaboração mútua, igualmente, pressupõe a autonomia de cada grupo social, na medida

em que as relações intergrupais devem ser também de coordenação, de cooperação.

No caso da Rede Xique Xique, sobretudo em razão dos projetos que envolvem

financiamentos externos, há certa relação de dependência com organizações não

governamentais da região. Igualmente se observa certo nível de dependência com o

poder público, tanto que a saída do Partido dos Trabalhadores do governo exigiu maior

esforço das organizadoras da Rede na captação de consumidores, em razão do fim de

algumas políticas institucionais.

Embora tal contexto seja compreensível, dado que se trata de organizações

relativamente recentes, há de se reconhecer que é necessário o maior envolvimento dos

produtores/as na organização e decisões da Rede para o seu fortalecimento, já que é

princípio elementar da EcoSol que os membros do coletivo trabalhem para o seu

fortalecimento. Esta problemática é preocupante na Rede Xique Xique, em razão da

baixa participação dos cooperados nas suas atividades, especialmente de jovens,

especialmente face a pouca existência de jovens produtores. Observou-se que há pouca

mobilização entre os jovens rurais no sentido de dar continuidade às atividades dos seus

ascendentes, como também há baixo envolvimento nas atividades administrativas da

própria Rede, o que, a médio e longo prazo, pode fragilizá-la.

Este contexto, como mencionado, demonstra a necessidade de atuação do poder

público também na ampliação das possibilidades de geração de renda para a juventude

rural, que deve recorrer a iniciativas multidimensionais que variam da reelaboração do

193

currículo das escolas do campo à abertura de linhas de crédito específicas para jovens

do campo, com assessoramento técnico.

O fortalecimento das feiras locais é, também, uma problemática a ser discutida,

já que é importante que elas existam, uma vez que as/os produtoras/es comercializam os

seus produtos, recebem o dinheiro à vista e contribuem para a dinamização da economia

local, mas, por outro norte, ao se comercializar por meio de feiras, as/os produtores/as

têm menos produtos para comercializar via Rede. Observa-se, até então, que o público

das feiras livres não é o mesmo da Rede, posto que os consumidores da Rede alegam

que não frequentam a feira orgânica por conta do seu horário de funcionamento (de 5 às

7 horas, em Mossoró), enquanto que eles (os consumidores da Rede) podem fazer as

suas encomendas à Rede via whatssap e pegar o produto em qualquer horário durante a

sexta-feira ou no sábado – embora a quantidade de produtos comercializados seja

limitada, de modo que sempre tem pedidos que não são plenamente atendidos.

Em relação à certificação dos produtos negociados pela Rede como orgânicos,

entende-se que é relevante que ela ocorra, porque amplia as possibilidades de

comercialização da Rede e de participação de políticas públicas que visam contratar

produtos com esta qualidade. Para tanto, é basilar, tanto investimentos da própria Rede -

por exemplo, via formação de um fundo específico para esta finalidade a partir dos

ganhos obtidos – como também a elaboração de políticas públicas de apoio aos

coletivos de trabalhadoras/es rurais, já que a certificação envolve conhecimentos e

procedimentos técnicos e jurídicos que elas/es não dominam.

A autonomia dos grupos de trabalhadoras/es no semiárido potiguar é, portanto,

decisiva para a redistribuição dos espaços e das riquezas socialmente produzidas. As

experiências alternativas de desenvolvimento via organização coletiva e por meio de

construção de redes sociais é elementar neste processo, ainda mais quando se trata de

experiências políticas contra-hegemônicas. A Rede Xique Xique de Comercialização

Solidária, nesse sentido, representa uma experiência de desenvolvimento alternativo

pioneira e relevante para o semiárido potiguar, na medida em que visa incrementar o

bem-estar da população a partir da promoção de princípios do feminismo, da

agroecologia e da EcoSol. O potencial produtivo da EcoSol, sobretudo quando

articulada ao feminino e à agroecologia ainda é subdimensionado no Brasil, não

obstante se observe a capacidade de promoção de valores essenciais para o bem-estar

humano, tais como a segurança alimentar e a igualdade de gênero.

194

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207

APÊNDICES

208

1 Aprovação do projeto de tese no Comitê de Ética

209

2 Artigo publicado em periódico

210

3 Artigo submetido a periódico –em fase de ajuste para publicação

211

4 Modelo do termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) Senhor (a)

Esta pesquisa é sobre Economia solidária, feminismo e agroecologia no

semiárido e está sendo desenvolvida pela pesquisadora Eddla Karina Gomes Pereira,

aluna do Curso de Doutorado da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação

do(a) Prof(a) Maristela Oliveira de Andrade e sob a co-orientação da Profa. Alícia

Ferreira Gonçalves.

Os objetivos do estudo são analisar a estruturação e o trabalho da Rede Xique

Xique de Comercialização Solidária (RN), considerando os reflexos da atuação desta

entidade no semiárido em relação ao trabalho feminino no Rio Grande do Norte, bem

como os valores socioambientais fomentados por tal entidade. Pretende-se, ainda,

realizar uma pesquisa bibliográfica sobre a institucionalização da economia solidária no

Brasil, analisando-se em que medida a economia solidária pode se figurar numa

alternativa de desenvolvimento viável do ponto de vista dos direitos humanos,

especialmente a partir da formação de redes e arranjos sociais.

A finalidade deste trabalho é demonstrar que a organização feminina em redes

pode contribuir para o empoderamento das mulheres, ampliando seus espaços de

participação social, especialmente no contexto rural. Ademais, pretende-se perceber em

que medida a economia solidária pode ser uma alternativa para a igualdade de gênero,

ao tempo em que contribui para o estabelecimento de relações econômicas e ambientais

mais justas para a sociedade.

Solicitamos a sua colaboração para realização de uma entrevista, com registro de

imagens, como também a sua autorização para divulgar os resultados do encontro em

eventos ou em publicações. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será

mantido em sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece riscos, previsíveis, para a

sua saúde.

Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a)

senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades

solicitadas pelo Pesquisador(a). Caso decida não participar do estudo, ou resolver a

qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano, nem haverá

modificação na assistência que vem recebendo na Instituição (se for o caso).

212

Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que

considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.

Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu

consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente

que receberei uma cópia desse documento.

______________________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa

ou Responsável Legal

_____________________________________

Assinatura da Testemunha

Contato do Pesquisador (a) Responsável:

Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o (a)

pesquisador (a) --------------------------------------------------------------------------------------

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

--------------------------------------

Endereço (Setor de Trabalho):---------------------------------------------------------------------

----

Telefone: ----------------------------------------------------------

Ou

Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal

da Paraíba Campus I - Cidade Universitária - 1º Andar – CEP 58051-900 – João

Pessoa/PB

(83) 3216-7791 – E-mail: [email protected]

Atenciosamente,

___________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável

___________________________________________

Assinatura do Pesquisador Participante

213

5 Roteiro de entrevistas

ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

- Executor de Política Pública e Docente

1- Como começou a direcionar os estudos/participação em temas como trabalhos

autogestionados, cooperativismo?

2- A partir de quando o Sr passou a trabalhar com a economia solidária? Em qual

contexto político-institucional?

3- Quais os principais avances que o Sr percebe hoje, em relação ao início do

movimento?

4- Em que condições, na opinião do sr, estão os trabalhadores rurais têm acesso às

políticas públicas de economia solidária no Brasil?

5- O Sr acredita que a economia solidária pode, de fato, ser uma alternativa viável ao

modo de produção capitalista?

6- Como entende a importância das interlocuções da economia solidária com os demais

movimentos sociais?

7- Quais as principais políticas públicas existentes no Brasil que assumem a lógica da

economia solidária? Como o Sr entende a eficácia desta política, ela alcançou os seus

propósitos?

8- Especificamente quanto à participação feminina na economia solidária, o Sr entende

que as mulheres contribuíram /contribuem para a projeção da economia solidária no

Brasil?

9- Quais o rumos que o Sr entende que a economia solidária terá? Quais são os

principais desafios?

10- Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?

- Colaborador/EX- Colaborador externo da REDE

1- Como iniciou a sua colaboração com a REDE XIQUE XIQUE? Quanto tempo

durou?

2- Quais os principais avances que percebeu ao longo da sua participação?

3- Quais as atividades que desenvolvia na REDE?

4- Quais os resultados pretendidos e alcançados ao participar da REDE?

5- Você acredita que a REDE assume posturas coerentes com os seus princípios?

6- Qual seria a importância das mulheres dentro da REDE?

7- A REDE contribui, sob o seu ponto de vista, para difundir estratégias de convivência

com o semiárido, bem como para viabilizar o acesso a políticas públicas?

8- Dentre as dificuldades da REDE, quais seriam as que você destacaria?

9- Como sugestão, quais as estratégias que a REDE poderia adotar para se consolidar no

cenário nacional?

10- Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?

- Gestora/EX- Gestora da Rede

1- Porque e como foi escolhido o nome da REDE? O que fez com que se tratasse de

uma rede de comercialização solidária?

2- Como nasceu a ideia de se organizar em REDE?

3- Quem originariamente integra a REDE? Hoje, quantas pessoas do início ainda

permanecem?

4- Porque a REDE decidiu assumir como pilares a economia solidária, a agroecologia e

o feminismo?

5- Quantas entidades compõem a estrutura da REDE? Quais as entidades que se

articulam com a REDE?

214

6-Quais seriam as principais conquistas da REDE?

7- Quais são os maiores desafios?

8- Como se arrecadam recursos financeiros para manter a estrutura da REDE? Recebem

algum incentivo recebem do governo estadual e federal?

9- Como são tomadas as principais decisões da REDE?

10- Qual a participação das mulheres na consolidação da REDE?

11- Quais seriam os principais objetivos da REDE hoje? Como a REDE quer estar

daqui a 10 anos?

12- Quais as entidades que servem de referência para a REDE?

13- Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?

-Membro/EX-Membro/Consumidor da Rede

1- Como houve a aproximação com a REDE?

2- Qual o apoio que a REDE efetivamente concede ao trabalho que você desenvolve?

3- O que mudou após a aproximação com a REDE?

4- A REDE teve influência na forma com que você se relaciona com o trabalho? E

dentro da sua família? Na comunidade?

5- Como poderia haver um maior apoio da REDE?

6- Como você espera que esteja a REDE daqui a 10 anos?

-Parceiros/EX-Parceiros

1- Como houve a sua aproximação com o trabalho da REDE? Você tem formação na

área? Tem contato pessoal com o meio rural?

2- Quais interações existem entre a sua entidade e a Rede?

3- Quais os principais obstáculos para fortalecer este vínculo?

4- Sob o seu ponto de vista, a existência da Rede é significante para a comunidade?

5- Quais seriam as suas sugestões para que a Rede gere mais desenvolvimento para o

semiárido?

6- Quais os maiores aprendizados adquiridos da sua vivência com a Rede?

7-Como percebe a aliança entre EcoSol, agroecologia e feminismo?