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Josiele Bené Lahorgue Tecendo Redes entre Comunicação e Democracia: pelas tramas da Mídia Ninja Tese apresentada como requisito à obtenção do grau de doutora em psicologia, área de concentração psicologia social e cultura, linha de pesquisa estética, processos de criação e política. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Curso de Doutorado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Orientadora: Profa. Dra. Kátia Maheirie. Florianópolis 2018

Tecendo Redes entre Comunicação e Democracia: pelas tramas

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Josiele Bené Lahorgue

Tecendo Redes entre Comunicação e Democracia: pelas tramas daMídia Ninja

Tese apresentada como requisito àobtenção do grau de doutora empsicologia, área de concentraçãopsicologia social e cultura, linha depesquisa estética, processos de criaçãoe política. Programa de Pós-Graduaçãoem Psicologia, Curso de Doutorado,Centro de Filosofia e CiênciasHumanas.

Orientadora: Profa. Dra. Kátia Maheirie.

Florianópolis2018

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Para minha mãe, Cesa, que com seu cheiro de histórias me educou para ser livre.

Para meu pai, Lahorgue, que na rigidezme ensinou a fluidez da vida.

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Um beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você … ou …sobre como agradecer

Recordo-me que, quando era criança, adorava quando nãoprecisava ir à escola, pois significava que poderia ficar em casaassistindo ao Xou da Xuxa, que passava na Globo TV todas as manhãs.O programa era cheio de brincadeiras e prêmios para as crianças, sendoque aquela/e que vencia as brincadeiras tinha a chance de usar omicrofone da Xuxa para mandar beijos aos entes queridos. QuandoXuxa perguntava: “e você, vai mandar um beijo para quem?”, ascrianças geralmente respondiam com uma frase que virou jargão doprograma: “pra minha mãe, pro meu pai e pra você”.

Eu imaginava o que eu falaria se Xuxa me perguntasse para quemeu queria enviar um beijo. Desejava, sobretudo, que não fosse igual aoque acontecia a todas as outras crianças, de modo que durante horasensaiava meu próprio discurso. Essa, aliás, era uma das minhasbrincadeiras preferidas, da qual me ocupava enquanto assistia TV etricotava as roupas de minhas bonecas.

Conto esta pequena história para que a/o leitor/a me permita sairdo tradicional neste espaço da tese, destinado aos agradecimentos.Talvez tenha chegado o tão esperado momento de quebrar o protocolo –algo que já não posso fazer no extinto programa Xou da Xuxa, diante demilhões de telespectadoras/es. Ou então, talvez a própria tese já seja, porsi só, uma quebra de alguns protocolos acadêmicos, sutilmentefissurados no decorrer da escrita. Comprometo-me a não fazer nenhumspoiler1, e convido você a continuar a leitura para descobrir o que tempela frente.

Como a proposta deste trabalho é compreender as possibilidadesde tensionarmos o instituído, principalmente na construção de narrativasoutras, inicio agradecendo primeiramente a mim mesma pela realizaçãodesta tese. Afinal, saí por aí catando os restos de fios de lã etransformando-os em uma linda rede com múltiplos coloridos querefletem e refratam muitas relações, potentes e não tão potentes assim.Relações essas que me possibilitam ser quem sou a cada dia, de umaforma diferente. Então, quando agradeço a mim mesma, estou também

1 Spoiler é um termo utilizado para caracterizar o ato de revelar,antecipadamente, à alguém fatos sobre uma série, um filme ou livro. Apalavra advém do em inglês to spoil, que significa estragar.

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agradecendo a tantas outras e outros que estão presentes em mim. Tantase tantos que nem eu mesma sei elencar quem são, mas que certamentepassaram por mim e deixaram marcas.

Sempre me inquietei com o tradicional e hegemônico, na buscapor possibilidades outras de ser e estar nessa rede da vida. E por issosempre estou rodeada de amizades, que me movimentam e meacompanham. Como não concordo muito com essa perspectiva de quefamília são somente as pessoas com quem temos laços consanguíneos,as quais devemos amar e estar sempre junto, busquei constituir diversasoutras famílias, pelas quais tenho amor e com as quais aprendi que amarnão é uma obrigação, mas um sentimento vivido de forma singular.

Assim, nesses anos de caminhada, muitas foram as amizades quecompuseram/compõem uma de minhas famílias. Algumas estão maisdistantes fisicamente; outras, muito próximas. Agradeço às/aosamigas/os que tecem a rede da vida junto comigo e que de alguma formaestão presentes também na escrita desta tese, seja com as trocas deconhecimento, a força para conseguir finalizar, os encontros pararelaxar, as risadas, os choros, as idas à praia, os vinhos, as cachaças, ascomidas, os cafés, as mensagens pelo WhatsApp, as curtidas peloFacebook, as viagens… de alguma forma estivemos juntas/os nessacaminhada até aqui. Gratidão: Poli, André, Tati, Helô, Jana, Andressa,Felipe, Deysi, Aline, Neiva, Andreia, Stela, Sheila, Tainá, Laura, Dani,Icli, Tielly, Nalú, Cátia, Daphne, Cleiton, Marcelo, Camila, Beth, Nath,Patrícia, Paula.

Minha família (de sangue) sempre foi muito pequena. Minha mãeera filha única e meu pai sempre teve pouco contato com sua própriafamília. Recordo-me de conhecer meu tio e minha tia quando eu já tinhadez, onze anos. É como se eu não tivesse tios/tias/primos/primas. Mas,ao mesmo tempo, meu pai e minha mãe me presentearam com trêsirmãs. Ou talvez, eu tenha sido o presente para elas, afinal, sou a maisnova das quatro. E por ser a mais nova, carrego comigo muito dasexperiências dessas três mulheres e considero que, em certos aspectos,consegui me desfazer de algumas amarras e construir caminhos outros.Assim, elas são presentes em minha caminhada, mesmo que por vezestenhamos escolhidos trajetos distintos. Dani, Mi e Gaby o que sou hojeconstruí a partir do que sou com vocês.

Nessa rede familiar tenho ainda ma sobrinha dois sobrinhos.Manuela, André Luís e Gabriel. Por vezes são inspirações, que acalmam

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meu coração e por outras, me inquietam. Vejo muito de mim nela eneles, e também vejo outros “vir a ser” – alguns me agradam, outrosnem tanto. Inquieta-me a incerteza dos caminhos, mas também a certezade que sou o que posso quando estou na presença desses três diferentestempos. E que de alguma forma faço transparecer a percepção de que épossível escolher os caminhos que queremos seguir.

Agradecer foi algo que aprendi nos últimos anos, principalmentedurante este período em que estive envolvida com o doutorado. Paramim, essa palavra não é um simples verbo com suas múltiplasconjugações, é também sentimento. Agradecer, enquanto palavra nodicionário, é morta, mas enquanto enunciado é uma multiplicidade devozes, tempos e espaços. E é com essa multiplicidade de sentidos queagradeço àquela que hoje não está mais fisicamente ao meu lado, masque conseguiu me ensinar esses múltiplos sentidos do que parece seruma simples palavra. Foi com minha mãe que aprendi a me rever e a sermovimento. Com ela aprendi a tricotar a vida e a escolher o colorido damesma, juntando e dando vida aos restos de lã, em vez de considerá-losinúteis. E com ela também aprendi o que é sentir a dor da perda e aconviver com a saudade.

Nessa busca por tricotar minha própria rede, percebi quão rígido émeu corpo e ao mesmo tempo quão fluido ele pode ser; nesse momento,me permiti aprender a dançar a vida. Vida esta que se apresenta nem tãorígida e nem tão fluida, num limite muito tênue entre dois opostos que secomplementam. E ao conhecer esses pequenos limites, percebi o quantosou agradecida pela pessoa que meu pai foi e é em minha vida. O quantoele e sua rigidez de pensamentos me ensinam a saber que há momentosem que é preciso ouvir, mas há também aqueles em que é que precisodemarcar a minha opinião. Quando estou com ele me sinto umaequilibrista, dançando em uma rede bamba, driblando minhas certezas eafirmando minhas posições. E não há como finalizar esse agradecimentosem lhe dizer que: foi Golpe sim! E minha tese fala sobre isso. Mesmovocê discordando de mim neste aspecto, de alguma forma você seencontra nela.

Em caminhos desconhecidos me permiti caminhar lado a ladocom que se dispusesse a estar junto nas maiores empreitadas que a vidapode nos oferecer. E dessa forma fomos nos tecendo e percebendo queser duas não é deixar de ser quem somos, é ser três, quatro e muitasmais. E assim vamos multiplicando nossos desejos e trilhando os

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caminhos que nos são possíveis. Agradeço à Ana – àquela que conhecinove anos atrás e também a essa de hoje, por estar comigo, me ensinar ame conhecer e nisso aprender a se conhecer também. Você é o afagopara meu coração, mas também o tapa na cara que diz a hora de sair docasulo. No momento mais difícil foi tua voz que fez a tristeza se tornarpequena.

E como disse, nesse caminhar somos muito mais do que só nósduas. Somos uma multiplicidade de coloridos que formam uma redeaberta, heterogênea e que pulsa muito axé. Nessa tecitura de nossa redeaos poucos constituímos assim nossas famílias. Uma delas é nossafamília de fé, que representa os desafios que experienciamos nos últimosanos – afinal, afirmar-se enquanto umbandista e candomblecista é umdesafio nesta sociedade estruturada com base na intolerância religiosa.Somos, portanto, parte da família da Casa de Caridade Baiano ZéPelintra e Caboclo Tupinambá (Kwê Vodun Otoòlu Hundê2), a qualescolhemos para partilhar momentos diversos. Família que é constituídatambém pelas entidades da umbanda e orixás/voduns do candomblé,as/os quais muito têm me ensinado.

E nessa grande família de fé, algumas/alguns acabaram fazendoparte também da partilha de diversos momentos significativos para mim.Agradeço ao Pai Pepe, meu Doté, que muito me ensina, mesmo semsaber. Às mães Ekedjis Gláucia e Walkíria pelos abraços carinhosos epelo cuidado comigo. Ao Pejigan Marcelo, sempre disposto a aprendersobre comidas e plantas comestíveis. Às irmãs e irmãos Zanza, Natele,Maila, Kaylane, Catarina, Jean, Roberto, Flávio e Chico, por tudo quesempre foi e será partilhado entre nós, pelo amor e confiança, porfortalecerem essa rede que me compõe.

Outras grandes tramas de minha rede encontram-se enlaçadascom a rede da Ana: não fosse por ela, não teria Carla e Sally comomadrinhas de casamento; consequentemente, não teríamos tecido essafamília com fios tão fortes e seguros. Há nessa trama um compartilhar avida que a torna mais leve. Agradeço pela força, amor e compreensãodurante todos esses anos juntas.

Há um outro fio, que está sempre sendo tecido nessa vida emconstante movimento. Nossas agulhas estão sempre tricotando novas

2 Em yorubá significa: A Casa na qual o Caçador faz morada. Otolú é o orixádo Pai de Santo da Casa, é um orixá Odé – caçador e por isso a casa tem essadenominação.

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possibilidades e juntas nos constituindo. Não conseguiria tecer minharede da vida sem a presença de Cyssa. Ela está sempre por perto, desde ajuventude é a amiga-irmã com quem compartilho alegrias e tristezas.Aquela que ensina, que aprende e que sabe que sempre haverá lugar aomeu lado, e do lado da Ana também (eu deixo tá).

Alguns fios de minha rede começaram sendo tecidos através deoutros fios, mas com o tempo se fortaleceram como parte da minharede-família, de modo que, mesmo que o fio original se desate, a tramaentre eu e ele permanecerá. É o que acontece com aquele com o qualconvivi durante muito tempo, desde os meus cinco anos de idade.Maurício me viu crescer, viu essa rede ser tecida, fez parte da mesma eainda faz, mesmo que um pouco distante agora. Com ele aprendi muito,inclusive sobre redes (de computadores e de internet). Maurícioensinou-me que tenho a liberdade de escolher as cores para os fios daminha vida.

No caminho acadêmico, também encontrei fios que mepossibilitaram tecer tramas diversas. Foram tecituras muito potentes queme auxiliaram nesta caminhada e com as quais eu pretendo continuarconectada. Foram grandes aprendizados, os quais pude compartilhar deperto com três mulheres maravilhosas. Agradeço à Katita, por seuacolhimento no doutorado e pela liberdade que sempre impulsionouminhas escolhas. À Andrea Zanella, pela parceria durante o mestradoque inspirou-me a seguir tecendo redes na Universidade. À Jura, pelosencontros e pelas lindas tramas que tecemos juntas. Agradeço também aFrederico Viana Machado – ainda que rápidos, os encontros forampotentes. À Sônia Maluf, pela disponibilidade em contribuir com abanca de defesa.

Outra trama que se fez presente nesta trajetória tem relação comos governos dos últimos anos no Brasil e com as aquelas/es que estavamna gestão das políticas públicas de Pós-Graduação. Foram osinvestimentos nessa área que tornaram possível minha permanência nodoutorado, através de bolsa de estudos vinculada à agência de fomentoCAPES. Desejo que as políticas públicas implementadas durante essesanos permaneçam, abrindo possibilidades a outras/os pesquisadoras/es.Que tenhamos forças para lutar por nossos direitos!

Em tempo, outra trama necessária para a tecitura desta tese é aMídia Ninja, à qual estive e continuarei conectada através de diversosnós. Minha gratidão à todas e todos que tecem essa Rede, que a partir de

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suas narrativas fissura o tecido social contemporâneo e nos permitecompreender que a luta por direitos é necessária.

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Golpistas (Caio Prado)

Enquanto você dormeEles planejam um novo golpe

Dão armas aos fascistasEles são falsos moralistas

Enquanto você riEles dão curso ao retrocesso

Conspiram ministériosEles sustentam privilégios

Transformam o oprimido em opressor bandidoLegislam pela redução da idade penal

Reprimem manifestações com militaresIludem livremente em rede nacional

Precisamos falar de políticaA todo custo a praça pública ocupar

Precisamos falar de políticaA nossa luta é pela resistência popular

Enquanto você dormeEles planejam um novo golpe

Grampeiam o seu sonoEles são ratos desumanos

Enquanto você riEles torturam o seu passado

E se você não pensaOs mortos não estão na imprensa

Massacram todo dia pobre nas favelasDefendem morte como pena pra marginal

Revogam previdências de trabalhadoresGovernam para a exploração do capital

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RESUMO

Esta pesquisa analisou de que forma as narrativas da Mídia Ninja(Ninja) possibilitam tensionamentos no tecido social contemporâneo,buscando para isso compreender as condições ético-políticas queconstituem as narrativas dos meios de comunicação independentes etradicionais; as cenas que são visibilizadas pelas narrativas da Ninja queapontam para outros possíveis no campo da democratização dasociedade; como e em que medida a Ninja contribui para ademocratização da comunicação. Ninja é uma Rede de midialivristasque se contrapõe às grandes corporações midiáticas e que trabalha comouma mídia livre que independe financeiramente de partido político,emissora de televisão ou empresa. Ela surge ancorada na rede culturalFora do Eixo (FdE) que, a partir de vivências espalhadas pelo Brasil, dávisibilidade à produção musical independente. Como percursometodológico utilizamos a observação virtual da página da Ninja noFacebook e realizamos uma vivência de sete dias na Casa Fora do EixoSão Paulo – uma Casa Coletiva na qual as/os integrantes da Ninjaresidem. Utilizamos a perspectiva da análise dialógica do discurso, combase na teoria de Bakhtin, que nos auxiliou a auscultar as diversas vozesdos enunciados encontrados ao longo dos caminhos percorridos. Sendoassim, consideramos que o todo da tese se constitui como uma obra dearte que está inserida em um contexto, dialoga com o mesmo e seconecta a diversos outros espaços-tempos e, por este motivo encontra-seaberta para outros possíveis. Por esta razão, apresentamosquestionamentos, inquietações, emaranhados de incertezas queimpulsionam a continuar tecituras outras. Inicialmente apresentamos osprimeiros fios que foram tecidos e que dizem respeito à produção deuma outra comunicação e dão visibilidade às tecnologias de vidacoletiva instituídas pelo FdE, e que constituem também a Ninja. Natrama seguinte, buscando compreender o papel que cada canal midiáticoassume no campo do político, apresentamos o debate sobre a criação dastecnologias de comunicação digitais com o advento da internet e a formacomo as/os hacktivistas se apropriam de suas estruturas e que compõema diversidade de formatos que a comunicação pode assumir. Adentramosnas políticas públicas voltadas para o setor das comunicações desde aditadura militar até os anos 1990. Na trama seguinte, debatemos oconceito de democracia com base em Jacques Rancière e costuramos o

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mesmo com a discussão sobre as políticas públicas de comunicação nosGovernos Lula e Dilma. Tal tecitura nos leva a outra trama importanteque se relaciona à democratização da e na comunicação: a disputa denarrativas entre mídias tradicionais e independentes. Disputas denarrativas instituem cenas de dissenso e tornam audível o que antes eraconsiderado ruído. Na sequência debatemos o ativismo contemporâneo apartir da diversidade de perspectivas que instituem outra forma de fazerpolítica, que está relacionada à comunicação digital. Assim, tecemos osfios entre política e comunicação digital e analisamos essa relação apartir das manifestações de rua que aconteceram no Brasil entre 2013 e2016. As relações entre política e comunicação digital evidenciam aconstituição de um “Nós” que está sempre em construção. Na últimatrama apresentada discutimos sobre o cenário político que estruturou ogolpe parlamentar-jurídico-midiático que derrubou a presidenta DilmaRousseff em agosto de 2016. Relacionamos esse debate com o lugarpolítico de enunciação dos canais midiáticos e demarcamos assim que asmídias, tradicionais e independentes, amparam-se em perspectivasdiferentes de sociedade e, por este motivo, produzem e veiculamcomunicação de formas diferentes e que estão amparadas aos projetos desociedade que cada canal de mídia defende. Com isso, compreendemosque a Ninja é uma estrutura que conecta diversos nós que, através defluxos, produzem novos ordenamentos e outras possibilidades de(com)viver, (re)criam existências e resistências, ao mesmo tempo emque afetam e são afetados, agenciando outras formas de ser e de viver.

Palavras-chave: Comunicação digital. Democracia. Ativismo. MídiaNinja. Golpe 2016.

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ABSTRACT

This research analyzes how the Mídia Ninja’s narratives make tensionspossible in the contemporary social weave. For this purpose, we seek tounderstand: the ethnic-political circumstances that constitute the narra-tives of the independent and traditional mass media; the scenes that aremade visible by the Ninja narratives pointing to other possible in thefield of the democratization of society and how and to what extent Ninjacontributes to the democratization of communication. Ninja is a networkof independent media that is opposed to large media corporations; itworks as a free media that is financially independent of any politicalparty, television net or company. It emerges anchored at the 'Fuera deEje' cultural net that makes independent musical production visiblebased on the experiences spread by Brazil. As a methodological path, itwas used the virtual observation of the Ninja page on Facebook, and theexperience of staying seven days in the Casa Fuera del Eje São Paulo – aCollective House in which the members of Ninja reside. Based onBakhtin's theory, the perspective of dialogic analysis of the discoursewas used, helping auscultate the different voices of the statements foundalong the paths traveled. In this way, it is considered that the thesis islike a piece of art placed in a context, with which it dialogues and con-nects to different spaces-times, reason why, it is open to other possible.For this reason, we present questions, concerns, entanglements of uncer-tainties that lead to other attitudes of mind. Initially, we present the firstthreads that were woven and that talk about the production of a differentcommunication that makes visible the technologies of collective life in-stituted by the FdE, and that constitute Ninja. A debate on the creation oftechnologies of digital communication with the arrival of the Internet,and the way in which hacktivists adapt the structures that shape the di-versity of formats that communication can assume is offered to under-stand the role that each media channel assumes in the field of politics.We deepened in the issue of the public policies oriented to the communi-cation sector from the military dictatorship until the 1990’s. Also, wediscuss the concept of democracy based on the work of Jacques Ran-cière, linking it with the discussion on public communication policies inthe governments of Lula and Dilma. Such weaving leads us to anotherimportant story related to the democratization of and in communication:the dispute of narratives between traditional and independent media.

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Disputes of narratives institute dissent scenes and make audible whatwas previously considered noise. Next, we discuss contemporary ac-tivism based on the diversity of perspectives that establish another wayof doing politics, related to digital communication. Thus, we weave thethreads between politics and digital communication and we analyze thatrelationship from the street demonstrations that took place in Brazil be-tween 2013 and 2016. The relations between politics and digital com-munication show the constitution of a "We" that is always under con-struction. Finally, we discussed the political scene that structured theparlamentary-legal-media coup that dismissed President Dilma Rousseffin August 2016. We relate that debate to the political place of enuncia-tion of the media channels, and we demarcate that the media, traditionaland independent, depends on different perspectives of society and, forthis reason, they produce and transmit communication in different ways,sheltered in the projects of society that each media channel defends. Inthis way, we understand that Ninja is a structure that connects diverse¨us¨ that, through flows, produce new orders and other possibilities of(co)existing, (re)creating existences and resistances, at the same time asthey affect and are affected, producing other ways of being and living.

Keywords: Digital communication. Democracy. Activism. Mídia Ninja.Coup d’état 2016.

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RESUMEN

Esta investigación analiza de qué forma las narrativas de Mídia Ninja(Ninja) posibilitan tensionamientos en el tejido social contemporáneo.Para ello cual se busca comprender: las condiciones étnico-políticas queconstituyen las narrativas de los medios de comunicaciónindependientes y tradicionales; las escenas que son visibilizadas por lasnarrativas de Ninja que apuntan para otros posibles en el campo de lademocratización de la sociedad; cómo y en qué medida Ninja contribuyea la democratización de la comunicación. Ninja es una Red de mediosindependientes que se contrapone a las grandes corporacionesmediáticas, trabajando como un medio libre independientefinancieramente de cualquier partido político, televisora o empresa.Surge anclada en la red cultural ‘Fuera de Eje” que, a partir de vivenciasdifundidas por Brasil, visibiliza la producción musical independiente.Como camino metodológico utilizamos la observación virtual de lapágina de Ninja en Facebook, y tuvimos la vivencia de permanecer sietedías en la Casa Fuera del Eje São Paulo – una Casa Colectiva en la queresiden los/las integrantes de Ninja. Utilizamos la perspectiva delanálisis dialógico del discurso, basada en la teoría de Bajtin, lo que nosauxilió a auscultar las diversas voces de los enunciados encontrados a lolargo de los caminos recorridos. De esta forma, consideramos que eltodo de la tesis es como una obra de arte situada en un contexto, con elque dialoga y se conecta a diversos espacios-tiempos, motivo por el cualse encuentra abierta a otros posibles. Por esta razón, presentamoscuestionamientos, inquietudes, enredos de incertidumbres que impulsana continuar otras tesituras. Inicialmente presentamos los primeros hilosque se tejieron y que hablan respecto a la producción de unacomunicación diferente que visibiliza las tecnologías de la vidacolectiva instituidas por el FdE, y que constituyen también a Ninja. Enla siguiente trama, buscando comprender el papel que cada canalmediático asume en el campo de lo político, presentamos el debate sobrela creación de las tecnologías de comunicaciones digitales con la llegadade Internet, y la forma cómo las/los hacktivistas se apropian de lasestructuras que componen la diversidad de formatos que lacomunicación puede asumir. Profundizamos en las políticas públicasorientadas al sector de las comunicaciones desde la dictadura militarhasta los años 1990. En la trama siguiente debatimos el concepto de

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democracia basado en la obra de Jacques Rancière, hilvanándolo con ladiscusión sobre las políticas públicas de comunicación en los Gobiernosde Lula y Dilma. Tal tesitura nos conduce a otra importante tramarelacionada con la democratización de y en la comunicación: la disputade narrativas entre medios tradicionales e independientes. Disputas denarrativas instituyen escenarios de disenso, y tornan audible lo que antesera considerado ruido. Seguidamente, debatimos el activismocontemporáneo a partir de la diversidad de perspectivas que instituyenotra forma de hacer política, relacionada a la comunicación digital. Así,tejemos los hilos entre política y comunicación digital, y analizamos esarelación a partir de las manifestaciones callejeras que ocurrieron enBrasil entre 2013 y 2016. Las relaciones entre política y comunicacióndigital evidencian la constitución de un “Nosotros” que está siempre enconstrucción. En la última trama presentada, discutimos sobre elescenario político que estructuró el golpe parlamentario-jurídico-mediático que destituyó a la presidenta Dilma Rousseff en agosto de2016. Relacionamos ese debate con el lugar político de enunciación delos canales mediáticos, y demarcamos así que los medios, tradicionales eindependientes, se amparan en perspectivas diferentes de sociedad y, poreste motivo, producen y transmiten comunicación de formas diferentes,amparadas en los proyectos de sociedad que cada canal mediáticodefiende. De esta manera, comprendemos que Ninja es una estructuraque conecta diversos nosotros que, a través de flujos, producen nuevosórdenes y otras posibilidades de (con)vivir, (re)crean existencias yresistencias, al mismo tiempo en que afectan y son afectados,produciendo otras formas de ser y de vivir.

Palabras clave: Comunicación digital. Democracia. Activismo. MídiaNinja. Golpe de estado 2016.

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Sumário

Das Tramas que Enlaçam.....................................................................23

1 Compondo as tramas da pesquisa...................................................351.1.Rascunhando os afetos......................................................................431.2.A escrita na pesquisa: (re)vivendo os afetos.....................................481.3.A dialogia dos enunciados: as diversas tramas para outros possíveis.................................................................................................................50

2 Alguns nós que tecem as Redes FdE e Ninja..................................55 2.1 Uma trama necessária: a produção de uma vida coletiva..............55 2.2 Das tramas da cultura para as narrativas midiáticas: uma produção “alta performance do precariado”.........................................64

3 Alguns fios importantes: a comunicação digital e a democratização da e na comunicação.................................................773.1.A tecitura da comunicação digital....................................................783.2.A comunicação no Brasil: política pública ou mercadoria?............933.3.Lugar político de enunciação: vozes midiáticas em disputa..........101

4 Disputar narrativas e democratizar a comunicação: quando democracia e comunicação tecem redes............................................1114.1.Democratizar a comunicação: uma conversa com a Democracia.1114.2.Os governos de Lula e Dilma: uma história de amor e ódio com a Comunicação.........................................................................................1184.3.Disputar narrativas: as Redes em tensão.......................................1244.4.“ELES SABIAM DE TUDO”, só não viram o Helicoca voando: quando a narrativa entra em disputa....................................................128

5 Fervo e protesto: quando a comunicação se encontra com a política..................................................................................................1415.1.Redes digitais e as ruas: as tramas do ativismo contemporâneo...1415.2.Tecendo redes entre política e comunicação: o ativismo contemporâneo......................................................................................1475.3.Redes e Ruas: tecendo as cenas do campo político contemporâneo...............................................................................................................153

6 Foi Golpe sim!: tecendo redes entre comunicação e democracia...............................................................................................................1696.1.As vozes das ruas: para compreender os próximos nós.................169

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6.2.“Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”: mudando a porra toda...........................................................................1726.3.“Um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”: “a solução mais fácil”................................................................................1786.4.#BelaRecatadaeDoLar: o campo do político e a moral conservadora.........................................................................................1836.5.Comunicação e democracia: o que a comunicação em rede pode nosoferecer?................................................................................................191

Algumas tramas futuras.....................................................................197

Referências...........................................................................................201

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Das Tramas que EnlaçamEnquanto você ri

Eles torturam o seu passadoE se você não pensa

Os mortos não estão na imprensa(Golpistas – Caio Prado)

“Primeiramente, FORA TEMER!”Essa frase tem, desde 2016, antecedido vários discursos, pois

simboliza os protestos populares contra o Golpe que destituiu apresidenta eleita democraticamente Dilma Rousseff, levando àpresidência o ilegítimo Michel Temer. Esta mesma questão permeia apresente tese, a qual foi tecida durante o período de estruturação doGolpe. É por isso que, logo de início, estamos demarcando nossoposicionamento referente a este acontecimento no campo do político,sinalizando que nosso olhar, no decorrer das análises, focará em algunsdiscursos midiáticos que, em tensão, compuseram o cenário políticobrasileiro, de 2013 até 2016.

A cena política vivida no Brasil, das Jornadas de Junho de 2013ao Golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016, esteve permeada peladisputa de narrativas midiáticas, sobretudo, entre mídias independentes etradicionais – disputa que se deu no ambiente digital, isto é, nas redes deinternet em articulação com as pautas políticas e as manifestações nasruas. Neste contexto, a mídia tradicional tratou de manipular asmanifestações de rua, legitimando determinadas vozes sociais emdetrimento da criminalização de outras; as mídias independentes, porsua vez, acirraram o embate com as narrativas tradicionais produzindofissuras nas mesmas, com o objetivo de dar visibilidade às vozes dasruas.

Compreendemos que as narrativas midiáticas tradicionaiscontribuíram para o fortalecimento de um processo parlamentar-jurídico(ainda em curso) que referendou os interesses de grupos econômicos,incluindo aqueles que detêm os próprios meios de comunicaçãotradicionais que, em sua maioria, configuram suas produções midiáticasna dissimulação de seus posicionamentos, pois se dizem imparcial e seescondem no hegemônico de suas narrativas. No embate com estes tipos

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de mídias, as mídias independentes buscam assumir suas parcialidades einstituem possibilidades de uma maior democratização da comunicação.

Diante disso, há uma diferença entre estas narrativas midiáticas,seus projetos de sociedade e as pautas que defendem, revelando umentrelaçamento histórico entre comunicação e democracia que está nocerne das relações sociais, constituindo sujeitos e coletivos, modos depensar e atuar na vida política. É sobre essas tramas que nos debruçamospara tecer essa tese. Os fios que a compõem são múltiplos e intentam-sedialógicos, levando em consideração que a dialogia na perspectivabakhtiniana é considerada um “fenômeno quase universal, que penetratoda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vidahumana, em suma, tudo o que tem sentido e importância” (Bakhtin,1963/2010b, p. 47). Por relações dialógicas, a partir da contribuiçãobakhtiniana, compreendemos as relações de tensão e confrontamento dediferentes visões de mundo.

Ao mesmo tempo em que essa tese é composta pelas diversasvozes presentes em nossa sociedade, de 2013 até 2016, ela tambémperpassa as tramas que foram me constituindo enquanto sujeito epesquisadora e que demarcam assim o lugar que ocupo na tecitura destetrabalho. Durante a pesquisa de mestrado, quando acompanhei jovens domunicípio de Jaraguá do Sul/SC com o objetivo de analisar a formacomo caracterizavam a política a partir das suas relações com a cidade,entrei em contato com as manifestações que compuseram as Jornadas deJunho (Maricato et al., 2013). Este acontecimento se mostrou marcantepara mim, pois na condição de pesquisadora pude, pela primeira vez,transcender o olhar de militante – até então recorrente em minhatrajetória – e participar de tal ato com um olhar outro.

As questões relativas ao papel da mídia durante as Jornadas deJunho de 2013 foram brevemente apresentadas na escrita da dissertação.No entanto, não houve um aprofundamento do debate sobre as mesmas,pois elas não constituíam o foco da análise naquele momento.Constatamos, na época, que essas diversas vozes sociais – presentestanto nas matérias veiculadas nos diversos meios de comunicação,quanto na diversidade de cartazes da manifestação na cidade de Jaraguádo Sul – revelavam relações dialógicas presentes em nossa sociedade(Lahorgue, 2016).

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Ao iniciar o doutorado em Psicologia, as questões levantadasdurante o Mestrado estavam bem presentes, ao mesmo tempo em quemuitas outras inquietações foram surgindo. Navegando pelas redesdigitais, encontrei diversos canais de mídias independentes e, aospoucos, fui conhecendo a imensidão desse mar que compõe a culturadigital. Compreende-se por cultura digital o que Lévy (1997/2010, p.15) nos apresenta como cibercultura, a qual “expressa o surgimento deum novo universal” que “se constrói e se estende por meio dainterconexão das mensagens entre si”, por meio das relaçõesestabelecidas nos espaços digitais que possibilitam sentidos diversos aoque ali é produzido e compartilhado. A fim de dialogar com essadiversidade de sentidos produzidos, foquei meu olhar para as tramas quecompõem a cibercultura.

Nesse momento conheci a Mídia Ninja (NarrativasIndependentes, Jornalismo e Ação) e comecei a acompanhar aspostagens da mesma no Facebook em outubro de 2014, enquantoacontecia o segundo turno das eleições para presidenta/e no Brasil.Neste cenário político, com uma disputa acirrada entre Dilma Rousseff(Partido dos Trabalhadores) e Aécio Neves (Partido da SocialDemocracia Brasileira), deparei-me com um texto da Ninja: “A MídiaNinja tem lado” (Mídia Ninja, 2014). Tal texto me afetou de tal modoque despertou minha vontade de pesquisar sobre esse canal midiático,adentrando nas tramas dessa Rede. Assim, defini meu foco de pesquisa:as narrativas da Ninja – o que, no entanto, ainda não se configuravacomo um recorte para uma tese de doutorado em Psicologia.

Buscando compreender o que havia me afetado naquele texto,percebi que o que estava disposto no seu título era o que me causavatanta inquietação. O fato de a Ninja se considerar uma mídia que temlado demarcava sua parcialidade, o lugar político do qual as suasnarrativas emergem; e tal questão vinha ao encontro de uma posturaética que defendo, enquanto sujeito, psicóloga e pesquisadora. Esteencontro me levou a acessar a diversidade de nós que compõem umaoutra trama, a da minha vida, levando-me a retecê-la através delembranças-nós que refletem minha constituição.

Vou adentrar em alguns desses nós, que me auxiliaram tambémna tecitura desta tese e que são necessários para a compreensão do lugar

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a partir do qual ela é tecida: sou filha de uma geração que vivenciouuma ditadura, que lutou por seus direitos e conquistou diversos espaçosdemocráticos. Ouvia sempre as histórias de minha mãe sobre suaparticipação na União Pelotense de Estudantes Secundaristas (UPES),de como conseguiu exercer o direito ao voto pela primeira vez, naeleição de 1989. Cresci com o desenvolvimento das tecnologias digitais,acompanhando sempre o trabalho de meu pai em suas empresas deprocessamento de dados e de desenvolvimento de softwares, o queimplicou também na minha relação com diferentes tecnologias decomunicação: desde a época em que não tínhamos telefone em casa eutilizávamos o orelhão para ligações, passando pelo uso da internetdiscada até a atualidade, com o acesso à internet móvel e/ou Wi-Fi;

Atuei em diferentes frentes de luta por direitos, e me recordo daépoca de graduação em psicologia, quando iniciei minha participação nomovimento estudantil, envolvendo-me na gestão do Centro Acadêmicode Psicologia e do Diretório Central dos Estudantes. Recordo domovimento que eu e meus colegas realizamos na Universidade Regionalde Blumenau, contrário aos reajustes das mensalidades e que teve comouma das intervenções um “cortejo fúnebre” pelos corredores dainstituição. Até hoje ecoa em mim o toque daquele tambor que eumesma tocava. Depois de formada, tive a oportunidade de atuar comoconselheira tutelar em Blumenau e, na mesma época, coordenei aComissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia etambém participei do Centro de Defesa dos Direitos Humanos deBlumenau. Tais nós, portanto, se fazem presentes em minha trajetória,de modo que muitas inquietações estão marcadas em mim e me enlaçamcom o tema desta pesquisa, a saber: as relações entre comunicação edemocracia.

As inquietações que orientam esta tese, no decorrer de suatecitura, vão sendo costuradas por outras que, entrelaçadas com minhashistórias, vão constituindo uma rede dialógica. Durante esses quatroanos de doutorado, pude encontrar com os meus desencontros, com osfios soltos que me compõem, com os nós que não estavam conectados.Alguns desses nós foram compondo novas tramas, outros foramdesfeitos e abriram espaço para aprendizados, muitos foram (re)tecidoscom outras cores.

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Ressalto que rede é um conceito polissêmico, e o excesso de suautilização como metáfora pode até comprometer a sua compreensãoenquanto conceito (Musso, 2010), reduzindo-o a uma simples palavra.Assim, para que não nos percamos no seu uso metafórico, nesta teseafirmamos que a sociedade estrutura-se em rede e, ao realizarmos talafirmação estamos pensando “em rede” e não “na rede”. Ou seja, pensar“em rede” diz da “comunicação como lugar de inovação e doacontecimento, daquilo que escapa ao pensamento da representação”(Parente, 2007, p. 102). Compreendemos que o paradigma das redesadentrou a sociedade juntamente com a criação das tecnologias dacomunicação e da informação. No entanto, quando falamos de redenesta pesquisa, não estamos nos referindo somente a essas estruturastecnológicas, mas sim às estruturas sociais.

As redes são encontradas também na pluralidade de pensamentose ideias que estão postas, tanto vertical quanto horizontalmente e quevêm ocupando espaços importantes na estrutura social hierarquizanteque compõe o pensamento hegemônico do capitalismo. Pensar em redeé instituir um jeito outro de nos relacionarmos, o que modifica tambémas próprias estruturas sociais, tornando-as mais flexíveis e menoshierarquizadas. Por este motivo, podemos afirmar que a perspectiva deque a sociedade vem se estruturando a partir de redes não se devesomente ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação einformação – o que a reduziria a uma metáfora – pois “a rede se tornouuma dimensão, indissociavelmente ontológica e prática, de modelizaçãodo mundo e da subjetividade” (Parente, 2010, p. 09).

Assim, a partir de uma perspectiva bakhtiniana, nossapreocupação está em apresentar tensões existentes entre alguns discursosmidiáticos hegemônicos e independentes, sem concluí-los. Em seguida,buscamos ampliar os nós que as mesmas nos apresentam, mas sem apretensão de desatá-los, pois são eles que sustentam a pesquisa. Nossoolhar estará focado no que é dissensual a uma determinada dialogiadominante, bem como nas refrações, sem cair na comparação entre umadialogia dominante e uma dialogia da refração, do contradiscurso. Nestesentido, a Ninja é o dispositivo que nos auxiliará a pensar a cenapolítica, o que ela engendra – a partir de narrativas midiáticas –, a forma

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como a comunicação institui perspectivas diferentes sobre o cenáriopolítico e como isso se estruturou entre 2013 e 2016.

O que compreendemos por mídia tradicional é representado pelosconglomerados midiáticos, ou seja, por canais (ou redes) decomunicação que trabalham a partir de uma perspectiva hegemônica eque acumulam propriedade sobre diversos canais de mídia, o que fazcom que os conteúdos veiculados sejam similares. Apresentaremos, nodecorrer dos capítulos, enunciados produzidos por três diferentes meiosde comunicação tradicionais: o Grupo Globo, o Grupo Abril e a EditoraTrês3. O Grupo Globo estrutura-se como uma rede de comunicaçãocomposta por diversas empresas, que atuam em setores diferentes dacomunicação e com afiliadas espalhadas pelo Brasil e em outros países.Possuem canais de TV aberta e TV a cabo, rádio, impressos, indústriafonográfica, e etc (Grupo Globo, s. d.), e sua fundação data de 1965,desde a criação da Globo TV, e é coordenado pela Família Marinho.

Já o Grupo Abril é considerado um dos mais influentes grupos decomunicação e distribuição da América Latina. Atua nos setores deeducação e cultura e possui algumas holdings4 e empresas que atuam nasáreas de mídia, gráfica, distribuição e logística (Grupo Abril, s. d.). Foifundado em 1950 e é coordenado pela Família Civita5, sendo o grupoque gerencia a Editora Abril, a qual é responsável pela edição da revistaVeja. A Editora Três foi fundada em 1972 e hoje é considerada a terceiramaior editora de revistas do país, sendo a pioneira em utilizar dastecnologias digitais para lançar a primeira revista online do Brasil. Éresponsável pela edição da Revista IstoÉ que tem como foco “um

3 Tendo em vista que nesta tese a Ninja é utilizada como dispositivo para nosauxiliar a pensar a cena política contemporânea, é importante destacar que asnarrativas dos veículos de mídia tradicional utilizados para a escrita desta teseforam retiradas também da página do Facebook da Ninja. Tal questãoevidencia a constante disputa de narrativa que tal Rede vem constituindo coma diversidade de mídias tradicionais existentes hoje no Brasil.

4 Holdings são consideradas empresas que possuem o meios número de açõesde outra empresa e que por este motivo detém o controle da mesma.

5 As famílias Civita e Marinho são duas das sete famílias mais ricas do Brasil eque gerenciam o seleto grupo de empresas que comandam os meios decomunicação brasileiros.

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jornalismo crítico, plural, democrático e compromissado apenas com oLeitor” (Editora Três, s. d.).

As mídias independentes são aqui compreendidas como aquelasque se estruturam a partir de coletivos que independem de empresas,partidos políticos, ONGs e governos, tendo como base a gestãocolaborativa. Utilizam-se, em sua grande maioria, das redes de internetpara veicular informações6. Das mídias independentes, a Rede MídiaNinja (Ninja), será o foco de discussão nesta tese, tendo surgido em2013, início do período político que será analisado nesta pesquisa. ANinja articula o ativismo e a comunicação digital, tanto no modo deprodução quanto no conteúdo de suas narrativas.

Logo após tornar-se conhecida, a Ninja passou a ser alvo dereportagens e matérias de jornais de canais da mídia tradicional, cujosholofotes se voltaram para a forma como essa Rede surgiu e,principalmente para um dos nós da mesma, que é a Rede Fora do Eixo(FdE), para onde apontam diversas matérias que apresentam esquemas edenúncias. Ressaltamos, desde já, que temos conhecimento das mesmas;no entanto, elas não são o foco de nossa pesquisa e, por este motivo, osfios que escolhemos para compor nossa rede relacionam-se com apotência que a mesma é capaz de produzir. Não deixaremos de lado aspossibilidades de crítica à Ninja e ao FdE, mas consideramos que nãonos cabe somar aos discursos dos conglomerados midiáticos que julgamou que buscam apontar irregularidades para desestruturar suas ações. Oque intentamos, no presente trabalho, é construir um conhecimento quese proponha dialógico.

Como já afirmamos anteriormente, realizar uma discussão sobreas relações entre comunicação digital e democracia era a proposta inicialdesta pesquisa. No entanto, o tema é amplo, tornando necessário focarem algumas especificidades dessa grande rede denominada de “relaçõesentre comunicação e democracia”. Assim, primeiro é preciso reconhecerque consideramos as mídias tradicionais como vozes que reforçam o

6 Destacamos que é de nosso conhecimento que existem muitos outros canaisde mídias independentes no Brasil, tão importantes quanto a Ninja paratensionar as narrativas midiáticas. No entanto, o foco desta tese serão asnarrativas da Ninja.

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pensamento socialmente hegemônico, o qual se relaciona com umaperspectiva de sujeito e de mundo que tem como base as relaçõescapitalistas e conservadoras do status quo vigente. Já a Ninja, com osprocessos de comunicação colaborativa e a constituição de uma vida emrede, possibilita a configuração de uma outra produção de comunicaçãoe um outro projeto de sociedade, o qual se configura como maisdemocrático do que o projeto que está posto e que é referendado pelamídia tradicional. Com base nessa perspectiva nos questionamos: de queforma as narrativas da Ninja possibilitam tensionamentos no tecidosocial contemporâneo?

Considerando a questão levantada acima, algumas perguntas sãonecessárias para delinear os caminhos que seguiremos na tecitura destatese: que condições ético-políticas constituem as narrativas,independentes e tradicionais? Que cenas são visibilizadas pelasnarrativas da Ninja que apontam para outros possíveis no campo dademocratização da sociedade? Como e em que medida a Ninja contribuipara a democratização da comunicação?

Para tanto, organizamos a tese em algumas tramas (capítulos)principais, que se compõem de diversos nós que estão interligados.Assim como uma rede de pesca, que é tecida por fios de náilon quepercorrem mais de uma vez o mesmo trajeto entre um nó e outro., astramas desta tese ligam-se através de nós que, por sua vez, estão ligadosa diversos outros nós, compondo múltiplas tramas. Cada nó representaum ponto central de uma rede, o qual é imprescindível para que suaestrutura funcione. Se um nó estiver um pouco frouxo, a rede mudarásua estrutura e talvez não cumpra exatamente a sua função; no entanto,outros nós poderão dar o suporte necessário para suprir a falta daqueleque afrouxou.

Na primeira trama, “Compondo as tramas da pesquisa”,abrimos espaço para as tecituras da tese que nos fizeram perceber aimportância do tricotar sem receitas prévias, instituindo assim umpercurso metodológico que se intentou dialógico, sem medidas exatas,buscando auscultar a diversidade de vozes que foram sendo encontradaspelos caminhos, as quais constituem os fios tecidos ao longo da escritada tese, e que fazem da mesma uma rede híbrida, aberta a diversosoutros possíveis.

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Na segunda trama da tese, “Alguns nós que tecem as Redes FdEe Ninja”, apresentamos os primeiros fios que foram tecidos e que dizemrespeito à produção de uma outra comunicação. Os mesmos dãovisibilidade às tecnologias de vida coletiva instituídas pelo FdE, e queconstituem também a Ninja, bem como a produção de comunicação quea mesma apresenta. Alguns aspectos importantes da constituição dessasduas Redes nos auxiliam a compreender como se estrutura a disputa denarrativas com os conglomerados midiáticos.

Na trama seguinte, “Alguns fios importantes: a comunicaçãodigital e a democratização da comunicação”, adentramos no debatesobre a criação das tecnologias de comunicação digitais com o adventoda internet e a forma como as/os hacktivistas se apropriaram de suasestruturas em rede, buscando assim conhecer os formatos que acomunicação pode assumir. Em seguida, tecemos os fios que compõemas políticas públicas voltadas para o setor da comunicação no Brasil e aforma como as mesmas vêm se estruturando desde a época da ditaduramilitar. Esses fios servem como condutores para a tecitura dos próximosnós, que dizem respeito ao movimento de democratização da e nacomunicação que foi criado na década de 70, junto com o movimento deredemocratização brasileiro. A proposta desta trama é compreender acomunicação digital, com suas conexões em rede, e sua relação com osprocessos de democratização da e na comunicação. Neste sentido,apresentamos aqui a compreensão de que cada canal midiático enuncia apartir de um lugar no campo político de enunciação, ou seja, a partir daparcialidade que assume no contexto social.

Em nossa quarta trama, “Disputar narrativas e democratizar acomunicação: quando democracia e comunicação tecem redes”,adentramos no debate sobre o conceito de democracia e a forma comocompreendemos o mesmo nesta tese. Tal perspectiva contrapõe-se àforma como a democracia é compreendida no contemporâneo e temcomo base teórica os estudos de Jacques Rancière sobre o tema. O temaé costurado com a discussão sobre as políticas públicas de comunicaçãonos governos de Lula e Dilma, e como a comunicação fora, nesta época,tratada como mercadoria e ao mesmo tempo como um direito a sergarantido pelo Estado. Tal debate nos leva a outra tecitura importanteque se relaciona à democratização da e na comunicação: a disputa de

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narrativas entre mídias tradicionais e mídias independentes. Disputas denarrativas instituem cenas de dissenso que revelam os conflitos entreperspectivas diferentes que compreendem o que deve ser visto, ouvido,sentido. Assim, tornam audível o que antes era ruído e possibilitam acriação de outros possíveis.

A próxima trama, “Fervo e protesto: quando a comunicação seencontra com a política”, é tecida pelos fios que compõem o quedenominamos de ativismo contemporâneo. O mesmo é composto poruma diversidade de perspectivas que instituem outra forma de fazerpolítica, que está muito relacionada à comunicação digital. Talperspectiva vem se consolidando no mundo desde os anos 1990 com osurgimento do ciberativismo e do midialivrismo – este último,considerado como o hackeamento de narrativas, vem tensionando adisputa por uma outra forma de produzir comunicação. Neste capítulo,acompanhamos a tecitura dos fios entre política e comunicação digital, enos propomos analisar essa relação a partir de manifestações de rua queaconteceram no Brasil em 2013 e 2015. Tais manifestações instituíramuma outra forma de organização do campo do político nocontemporâneo, a qual engendra relações entre as redes digitais, a rua eo campo artístico-cultural. Essas relações evidenciam, assim, umaconstituição de um “Nós” que está sempre em construção e que serelaciona com o desenvolvimento da comunicação digital e da relaçãoda mesma com as pautas das ruas.

Na sexta trama, “Foi Golpe sim!: tecendo redes entrecomunicação e democracia”, apresentamos o cenário no qualestruturou-se o golpe parlamentar-jurídico-midiático que derrubou apresidenta Dilma Rousseff de seu cargo de presidenta. Relacionamosessa discussão com o debate que fizemos na terceira trama e que dizsobre o lugar político de enunciação de cada canal midiático,demarcando assim as diversas vozes que estavam em tensão durante oano de 2016. Evidenciamos os motivos pelos quais compreendemos queeste foi um golpe parlamentar (por envolver os setores legislativos etambém os partidos políticos que os compõem), jurídico (por ter seestruturado a partir de acordos entre partidos políticos e alguns setoresdo Pode Judiciário) e midiático (por envolver também os canais demídia tradicionais que buscavam preparar a opinião pública, desde

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2013). Por fim, consideramos que, as mídias tradicionais eindependentes amparam-se em perspectivas diferentes de sociedade e,por este motivo produzem e veiculam comunicação de formasdiferentes. No caso das mídias independentes, estas certamenteprotagonizam atos mais democráticos e contribuem para a constituiçãode outros modos de pensar e atuar no campo do político.

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1 Compondo as tramas da pesquisa

Observando o movimento do mar,senti que suas ondas se constituem de ondas que já se quebraram

e que estão voltando para a imensidão das águas de onde surgiram.Tal movimento faz com que as novas ondas se confundam com as que já se quebraram.

Assim é a pesquisa, assim é a vida.O novo que se constitui de partes do antigo.

O antigo que se renova no que é produzido atualmente.A pesquisa que vai e volta, que se desenvolve a cada novo caminhar,

que possui o antigo, mas que o transforma…. (Diário de campo, 10/11/2015)

Era dia 28 de julho de 2015. As malas estavam prontas – umamochila com roupas e uma mala de mão com computador, câmera, fonede ouvido, produtos de higiene e um livro. O dinheiro estava nacartucheira, junto com os documentos pessoais e o celular. Saí às cincoda manhã de casa, com destino ao aeroporto de Florianópolis. O cansaçose misturava com a ansiedade, que por sua vez anunciava umainquietação com o que estava por vir. O avião decolou no horárioprevisto e às 08:35 da manhã pousou no aeroporto de Guarulhos em SãoPaulo.

Depois de pegar a mochila que fora despachada, fui até o pontode ônibus e embarquei em um “Executivo”, o qual, uma hora e meiadepois, deixou-me na Estação Tatuapé. A estação integra ônibus, metrô etrem, e faz parte da Linha Vermelha, um dos trajetos de metrô quecompõem o sistema de transporte coletivo paulistano. Pensei que haviachegado em horário de pouco movimento, pois um número reduzido depessoas circulava pela área. Ainda bem, concluí, pois com a mochilaseria difícil me locomover em meio a muita gente.

Entrei no metrô em direção à Barra Funda e desci na estação daSé, que liga a Linha Vermelha à Linha Azul. Logo em seguida, adentreio metrô da linha Azul sentido Jabaquara, e desci na estação SãoJoaquim. Subi as escadas em direção à saída para esperar um táxi.Enquanto aguardava, sentei-me em um banco de cimento e pus-me aobservar as pessoas que passavam, todas aparentemente com pressa, na

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maioria indo em direção à Estação de metrô. Cheguei na casa FdE SãoPaulo por volta de meio dia, para realizar a pesquisa de campo dodoutorado.

Fui recebida por um participante das Redes, que me apresentou osespaços da Casa e também as pessoas que estavam por ali. Algumaseram moradoras antigas, outras estavam em vivência. Vivência é comoas/os Ninjas chamam as estadias de pessoas nas Casas Coletivas.Geralmente as Redes (Ninja e Fora do Eixo) abrem editais de seleçãoàs/aos interessadas/os em conhecer as mesmas e suas atividades. Aspessoas selecionadas passam um período nas Casas Coletivas,vivenciando as dinâmicas das Redes e também os processos de produçãode comunicação colaborativa. Embora eu não tenha ingressado na CasaFdE São Paulo por meio de edital, elas/es denominaram o período daminha pesquisa de campo como vivência; por este motivo utilizarei talconceito para descrever este período.

Uma outra menina, a Nath, também estava realizando umapesquisa sobre a Ninja. Ela estava concluindo o curso de ComunicaçãoSocial na Universidade de Santa Maria, e já havia participado da RedeFdE e da Rede Ninja, quando residira na Casa FdE de Santa Maria. Daexperiência que tivemos juntas na Casa de São Paulo, surgiu umaproximidade e, por vezes, algumas trocas que perduram até hoje.

Adentrei na casa pela porta da frente, que ao ser aberta revelou-me um ambiente acolhedor com poltronas, algumas fotos e escritos nasparedes que contavam histórias das Redes, bem como um quadro com osnomes das cidades onde aconteceria a edição daquele ano do GritoRock7. Visualizei a sala ao lado: uma mesa grande de madeira comalgumas cadeiras. Fui conduzida a mais uma sala, considerada a sala daNinja e da gestão da Casa e da Rede. Esses três cômodos eraminterligados sem divisória e compunham um pequeno estúdio.

Seguimos para um corredor, em cuja parede estavam penduradosporta-retratos com fotografias que relatavam momentos marcantes dahistória do FdE e da Ninja. Ao final do corredor, estava a cozinha. A

7 O Grito Rock é um festival de bandas independentes que acontece emdiversas cidades e é organizado pela Rede FdE desde o seu surgimento em2005.

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mesma possuía dois cômodos que não tinham separação física: em umdeles ficava uma grande mesa para alimentação, enquanto o outro, umespaço grande, contava com fogão, armários, pia e geladeira. Próximo àcozinha, havia outras duas salas: uma era considerada a sala de ediçãode vídeos; e a outra, uma sala de reuniões, era mobiliada com um sofágrande e uma TV (que não vi ligada em momento algum da minhaestadia).

O piso superior comportava cinco dormitórios e dois banheiros,dos quais somente um era utilizado para banho. Dois quartos eramocupados por dois casais que moravam na casa, enquanto outros doisdormitórios, de uso coletivo, eram destinados separadamente a mulherese homens. O último quarto possuía uma cama de casal e era denominado“motel”, o que por si só explicou-me sua função.

Havia uma área externa sem cobertura nos fundos da Casa, naqual era realizado o Domingo na Casa (DNC)8, evento tradicional queacontecia a cada quinze dias no local, trazendo sempre uma temáticaespecífica. Ainda na parte externa, uma área fechada chamada“Quartão” servia para alojar bandas que vinham tocar em São Paulo, etambém como camarim dos eventos da Casa. Ao fundo do quintal, maisuma edificação, denominada pub. Era um galpão grande, onde elesexibiam filmes e documentários, além de realizar transmissões ao vivo.Esta edificação era constituída de um piso superior, no qual ficava alavanderia e uma pequena horta.

Pronto, havia conhecido praticamente toda a casa e as pessoasque estavam por ali, as quais fariam parte da minha vivência na CasaFdE nos próximos oito dias. Pensei, e agora? Quais seriam os próximospassos? Deveria aguardar o almoço que estava quase pronto? Poderiaadentrar na reunião que já estava em andamento? Ou seria melhor mesentar e esperar a programação da tarde? Muitas dúvidas e uma únicacerteza, que eu repetia a mim mesma o tempo todo: “Josi, sem ansiedade

8 Em minha vivência na Casa FdE São Paulo tive a oportunidade departicipar da produção e realização de um DNC, cuja temática foi“Refugiados”. O evento contou com a participação de diversoshaitianos que viviam no bairro do Cambuci, o mesmo no qual ficalocalizada a Casa FdE São Paulo.

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e sem expectativas que tudo vai dar certo….” ou, como viria aprenderali, nos dias seguintes: “pega esse bonde e vai”.

No entanto, o que percebi aos poucos era que estava enlaçada adiversas expectativas, as quais se faziam presentes nos questionamentosque levava comigo a partir das diversas vozes sociais que mecompunham/compõem enquanto sujeito e pesquisadora. É neste sentidoque compreendo o conceito de experiência, o qual utilizarei para falarsobre a pesquisa de campo. Tal conceito constitui-se pela multiplicidadeque sou, e também pela multiplicidade que serei após os encontrospossíveis.

Tal conceito pode ser relacionado à perspectiva de eventicidadeque Bakhtin (1920/2010c) nos apresenta. Para o autor, estamosinseridas/os no mundo de forma responsiva, de modo que a eventicidadedenota o nosso agir no mundo desde essa responsividade, comoparticipante ativa/o do existir-evento, ou seja, dessa vida em devir,aberta para muitos possíveis. Esta perspectiva nos leva à compreensãoda pesquisa como uma possibilidade de reflexibilidade, de olharmospara nós mesmas/os e para essas/es outras/os com as/os quais sepesquisa de forma inconclusa, sem sistematizar conhecimentos eobjetificar verdades. Assim, adentrei na vivência na Casa FdE São Paulobuscando um olhar exotópico sobre o campo a ser pesquisado, sobre eumesma e também sobre aquelas/es com as/os quais estava pesquisando.

A exotopia, na perspectiva bakhtiniana, compreende um olhar apartir de uma outra perspectiva, em outro tempo e a partir de outrarelação. Bakhtin (1979/2011) apresenta esse conceito quando teorizasobre a relação entre autor e personagem na escrita literária. A exotopiaé, portanto, o excedente de visão que o autor tem com a sua personageme com o todo da sua obra; assim, para concluí-la ele precisa contemplá-la a partir de um outro lugar. A partir desse afastamento é que o autor dáo acabamento para sua obra e dá vida à/ao personagem, compartilhandoa obra para as/os leitoras/es (ou expectadoras/es quando falamos deobras visuais) atribuírem à mesma os sentidos diversos.

A exotopia também é compreendida como o processo de “afastar-se” para enxergar sob outras perspectivas a eventicidade que compõe astramas de nossa vida. Vida que se constitui a partir das relações queestabelecemos com outros, as quais nos possibilitam a reflexibilidade

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sobre nós mesmas/os (Bakhtin, 1920/2010c) e que são demarcadas pelaconstante dialogia que nos compõe. Uma pesquisa que se intentoudialógica pois buscou dar visibilidade às tensões criadoras quepossibilitam problematizarmos nosso lugar enquanto sujeito nessaarquitetônica que organiza tempos, espaços e valores heterogêneos.

Dialogia aqui compreendida a partir do que Bakhtin (1979/2011,p. 400) apresenta em seu ensaio sobre as metodologias nas ciênciashumanas, quando propõe que o “sujeito como tal não pode ser percebidoe estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito,não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que setem dele só pode ser dialógico”.

Portanto, dentro da perspectiva da exotopia, o olhar que se tem“sobre o outro não coincide nunca com o olhar que ele tem de simesmo” (Amorim, 2002, p14). É a partir de relações exotópicas queenxergamos essas/es outras/os com os quais pesquisamos. Mas étambém a partir dessas relações com as/os mesmas/os que podemos nosafastar daquilo que somos e olhar para nós na condição depesquisadoras/es. É desses deslocamentos de lugares que a rede dapesquisa vai sendo tecida.

Pesquisar é como tricotar com diversos fios diferentes, de cujascores não temos conhecimento prévio, semelhante ao ato que aprendicom minha mãe, que disponibilizava as sobras dos novelos de lã querestavam da confecção de nossas roupas de inverno, os quais euutilizava para criar roupas para minhas bonecas. Eram fios que eu iaencontrando espalhados pela casa, em caixas onde minha mãe guardavaseus utensílios de tricô.

Foi de maneira análoga que fui encontrando os fios para a tecituradesta tese, espalhados no caminho para a realização da pesquisa,percorrido “sem direções antecipadas” (Zanella, 2017, p. 101). Ato detricotar que me levou para a “reinvenção da vida, para a invenção demundos outros” (p. 106). Neste sentido, permiti-me adentrar à vivênciano campo de pesquisa, buscando reinventar a mim mesma e meprovocando a despir de muitas certezas, sem deixar de lado as marcas deminha existência, as quais carregava em minhas bagagens.

Durante a vivência na Casa FdE São Paulo, busquei conhecer ecompreender a potência das Redes Ninja e FdE, a forma como se

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organizavam coletivamente, quais as dificuldades que encontravamnessa vida em rede e como se articulavam para superar as mesmas. Sobessa perspectiva, trazia comigo uma expectativa de me conectar àspessoas que compõem essas Redes e me tornar parte delas.

Porém, esqueci-me de que havia ali uma diferença entre eu –pesquisadora – e as/os viventes das Casas. Geralmente as vivências têmcomo proposta conhecer os processos que são desenvolvidos e levá-los aoutros lugares. Assim, tive dificuldade em encontrar qual seria esse meulugar de pesquisadora, que não poderia se confundir com o lugar de umavivente, embora ao mesmo tempo fosse também o lugar de quem estavaem vivência. Afinal, experienciava a vida em rede, participando dasatividades, assumindo responsabilidades que são compartilhadas eauxiliando na execução de tarefas coletivas; porém, estava naquele lugarcomo “a pesquisadora”.

Neste contexto, considero que tive dificuldades em adentrar emalgumas dinâmicas já estabelecidas na Rede que, por muitas vezes,encontrava-se rígida aos olhares acadêmicos que eu representava paraelas/eles. Ao mesmo tempo, um pouco dessa dificuldade se deu porconta da minha própria timidez e rigidez em alguns pensamentos, bemcomo minha atitude de contestar, argumentar e compreender algumasquestões que me eram nítidas – afinal, a mim era possível odistanciamento, através do qual podia enxergar questões que elas/es nãoenxergavam.

Houve outras dificuldades enfrentadas por mim, relativas aoritmo de trabalho ao qual elas/es estão habituadas/os. Há oestabelecimento de um ritmo de produção intenso, que impede muitasvezes de se ter o descanso necessário para continuar, o que podedificultar o reconhecimento e a compreensão sobre o tempo de cadaum/a nessa rede. Esse ritmo pode ser relacionado com o tempo frenéticode produtividade que o capitalismo nos impõe, e que é típico das cidadesmodernas, que estão 24 horas por dias funcionando e que nos obrigam adar conta de tudo ao mesmo tempo. Neste aspecto, é preciso considerarque este ritmo é uma das linhas que nos subjetiva e a qual, por mais quetentemos escapar, se faz presente na forma como nos relacionamos, epor isso se revela também nos espaços que tensionam esse tipo de

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relação. Contudo, é de se considerar que para lidar com o enfrentamentoa essa perspectiva, é preciso adentrar em sua lógica para subvertê-la.

Assim, fui me conhecendo a partir dessas/es fios que comigo seconectavam; neste processo, fui também compreendendo as diversaspossibilidades de olhar para a pesquisa e para as inquietações quecarregava comigo naquela experiência. Permiti-me tecer novasinquietações a partir de retalhos de fios que fui encontrando ao caminharpor aquela Casa, e que trouxe em minhas bagagens de regresso. Muitasdessas tecituras só foram possíveis após o término da vivência, aoexperienciar o processo de escrita da tese. Para olhar com outros olhosos detalhes da pesquisa, foi preciso certo distanciamento, essemovimento exotópico que Bakhtin (1979/2011) nos ensina.

Consideramos a pesquisa como um processo de tecitura de redesdiversas, com conexões múltiplas entre sujeitos diferentes. Por muitasvezes é difícil definir quando se inicia a costura dessa rede, massabemos que um dos nós principais encontra-se nos questionamentosque levantei sobre o tema que me interessava pesquisar, qual seja: quaisas relações possíveis entre a comunicação independente e a democracia?

Durante a experiência na Casa FdE São Paulo levei comigo estequestionamento, buscando não respondê-lo, afinal, é impossívelencontrar resposta para tamanha pergunta. Meu propósito era esmiuçá-la, vivenciá-la, problematizá-la, e assim colecionar perguntas (Zanella,2013) que iriam compor as tramas desta tese. É sob esta perspectiva quecompreendemos que pesquisar é, portanto, olhar para as singularidadesque vão criando um campo de possibilidades de constituir outras formasde pensar, de viver, de perceber, de sentir e de nos relacionarmos comnós mesmas/os e com os outros, pautados em uma ética dos afetos(Spinoza, 2009). Afetos que são compreendidos como territórios queconstituem possibilidades para olhar dialogicamente o campo dapesquisa (S. Rolnik 1987/2011).

Enquanto estive na Casa FdE São Paulo experienciei a produçãode uma comunicação em rede, com os diversos nós construindonarrativas outras que visavam a disputa com a mídia tradicional.Auxiliei na produção de dois eventos (o Puro Lacry e o Domingo naCasa – Cultura de Refúgio), dormi pouco, fumei muito e tomei muitocafé. Participei de uma reunião sobre a produção do Festival Amanhecer

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contra a Redução que aconteceu na região do Campo Limpo no mês deagosto de 2015, no qual a Ninja e o FdE auxiliaram na organização eexecução. Também limpei banheiros, lavei louça, varri salas, dormi emum quarto compartilhado por mais quatro mulheres, conversei sobreassuntos diversos, reservei-me quando senti necessidade e, com isso,pude sentir as tensividades de uma vida em rede. Uma vida dedesprendimento, de “estar sendo” a partir do outro o tempo todo, o quepode gerar incertezas, dificuldades, cansaços, mas também muitapotência para enfrentar o sistema hegemônico no qual vivemos.

A partir dessa imersão, percebi que para conseguir viver de formacoletiva algumas estratégias precisaram ser criadas, com base naeconomia solidária e na economia criativa, o que caracteriza um jeitooutro de viver que tensiona o modelo instituído e que tem como base apotência dos sujeitos. As Casas Coletivas são engrenagens quecompõem muitos projetos, de forma que, para que o ativismo cotidianopossa acontecer, é preciso que as engrenagens estejam funcionando, oque indica a necessidade de gestão coletiva. Por este motivo é que astarefas de manutenção são compartilhadas entre todas/os. Na maioria dotempo em que estive na Casa FdE São Paulo, auxiliei nas tarefas dacozinha, espaço onde mais me encaixava, por me sentir segura do queestava fazendo.

Em um primeiro momento, foi estranho pensar que aquele seriaum espaço potente para a pesquisa, afinal queria compreender a formacom produziam comunicação e as possíveis relações entre comunicaçãoindependente e democracia. Aos poucos, fui percebendo que o ato decozinhar ou de cuidar dos afazeres da Casa é importante para que todo oresto aconteça. Assim, o que parecia ser uma participação sem muitaefetividade de minha parte se tornou um fio importante que mepossibilitou enxergar com outros olhos o processo da pesquisa. O ato decozinhar era quase como um encontro com esse outro de mim mesma,que me fazia (re)pensar e ir além do que estava posto.

O processo da pesquisa pode ser relacionado ao processo decozinhar: não cozinho com medidas exatas; cozinho com o olhar, ocheiro, o sabor e a textura. Essa equivalência me acompanha desde omestrado; afinal, nos momentos em que preciso de inspiração ou em queme sinto cansada, busco o conforto da cozinha, preparando alguma

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saborosa comida. Na pesquisa, é preciso cozinhar com os afetos, semmedidas exatas, mesclando os temperos, experimentando misturas quenos parecem inusitadas, mas que aguçam nosso paladar.

O ato de cozinhar sem medidas exatas me lembra também quandotricotava as roupas para minhas bonecas. Nunca gostei de seguir asreceitas de tricô que minha mãe utilizava, acabando por criar roupasinusitadas que deixavam minhas bonecas muito elegantes. O fato de nãome apegar em receitas ou medidas previamente estabelecidas temrelação, também, com a proposta desta pesquisa, que pretendi realizarsem métodos rígidos a serem seguidos e sem buscar respostas everdades sobre meus questionamentos, mas com a intenção de aumentaros horizontes de possibilidades para enxergar o que me inquieta.

1.1. Rascunhando os afetos

Era o mês de maio de 2015 e eu escrevia o projeto de qualificaçãoda minha pesquisa de doutorado. Em outubro do ano anterior, dera inícioao que considerava a pesquisa de campo: acompanhar as postagens daNinja na sua página no Facebook e salvar tudo o que era postado pelaRede. Inicialmente era apenas uma “coleta de dados”, afinal, todos osdias salvava os arquivos em pastas no computador, separadas daseguinte maneira: 1) Textos produzidos pela Mídia Ninja, publicados emseu site e divulgados na rede social; 2) Vídeos produzidos pela Ninja,replicados pela mesma em sua página na referida rede social; 3)Imagens/fotografias capturadas pela Mídia Ninja e replicadas na redesocial; 4) Print screen das postagens realizadas no Facebook.

Ao escrever sobre o método a ser utilizado na pesquisa dodoutorado, percebi que já tinha guardado material para passar ospróximos dez anos analisando. Assim, modifiquei o formato desteprocedimento de pesquisa e o denominei diário de observação virtual.Na ocasião, abri um arquivo no LibreOffice – programa de escrita detexto – no qual comecei a registrar somente as postagens que de algumaforma reverberavam minhas inquietações sobre o campo a serconhecido. Durante esse trajeto da pesquisa, fui modificando alguns

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procedimentos, que foram emergindo a partir dos encontros com ocontexto a ser pesquisado, na escolha dos fios que iriam compor nossarede. Deste modo, ampliei o olhar sobre o que, de fato, me instigavaconhecer, possibilitando olhar para os diferentes fios que emergiam dasdiversidades de contextos que a Ninja atua. O contato com essesdiferentes fios abriram os horizontes de possibilidades nas diversastramas possíveis de serem costuradas.

Esta mudança de procedimento relacionada ao contato com apágina da Ninja no Facebook mudou também minha relação com osenunciados produzidos e compartilhados pela mesma, possibilitando queeu iniciasse a escrita do que podemos considerar como o rascunho deuma obra, ou seja, anotações importantes que seriam retomadas em ummomento posterior e que auxiliariam na tecitura da tese. Ficou claro quesomente a coleta de dados não condizia com a perspectiva de umapesquisa com tempos outros, que busca olhar para as tramas de umarede, instituindo um ritmo outro para a perspectiva acadêmica, propondooutros possíveis sobre o próprio pesquisar.

Vale demarcar que compreendemos enunciado a partir do queBakhtin (1929/2010a) apresenta sobre o tema. Para o autor, enunciado éum acontecimento social, único e irrepetível, composto por uma parteverbal e outra extraverbal. É, portanto, considerado uma unidade dacomunicação verbal que tem autor e destinatário. Um enunciado podeser uma palavra, texto, filme, imagem, fotografia, escultura, frase ouqualquer outra “matéria que possa entrar numa relação de conversaçãoou diálogo entre sujeitos, provocando respostas, isto é, outrosenunciados” (Groff, 2015, p. 82). Respondemos a um enunciado a partirde outro enunciado, e isso forma uma cadeia enunciativa que estásempre aberta a respostas outras, a sentidos outros.

Cada enunciado encontra-se, portanto, “repleto dos ecos elembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior deuma esfera da comunicação verbal” (G. Souza, 2002, p.106), afinal, nãohá palavra que já não tenha sido dita (Bakhtin, 1920/2010c). Mas aomesmo tempo, o enunciado é considerado um acontecimento único eirrepetível, assim como as ondas do mar – que nascem de ondas antigas,que voltam para a imensidão do mar e que ao voltarem não são asmesmas. Os enunciados emergem de outros já proferidos, que também

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não são os mesmos, visto que já encontraram outros enunciados que lhespossibilitaram formar outra cadeia enunciativa. Portanto, o enunciado aomesmo tempo é produto e processo de uma cadeia discursiva e possuiuma dupla orientação: 1) em direção ao ouvinte, 2) em direção ao temado enunciado.

A partir de então, meu olhar voltou-se para os enunciados queafetavam e possibilitavam tecer relações com o campo teórico com oqual eu estava em contato. De forma que, ao modificar o procedimentoda observação virtual, modificou-se também minha relação com ocampo da pesquisa, pois até o momento eu adentrava nas teorias sobre acomunicação digital e nas relações da mesma com o ativismo, de acordocom o que está disposto nos capítulos 3, 4 e 5 desta tese. Assim, taisenunciados me inquietavam, trazendo questionamentos sobre o campoda pesquisa, sobre as possibilidades de relação entre comunicaçãodigital e democracia, e também sobre a Ninja – afinal, ainda não haviarealizado a vivência na Casa FdE São Paulo.

A proposta apresentada na qualificação do projeto era que aobservação virtual terminasse em dezembro de 2015, definição quesegui à risca, visto que restariam ainda dois anos para conseguir me(re)aproximar de todo material que eu tinha e então, escrever a tese. Noentanto – e como os imprevisíveis estão sempre presentes em umapesquisa – adentramos 2016 com a consolidação do Golpe parlamentar-jurídico-midiático que mais tarde derrubaria a presidenta Dilma, eleitademocraticamente em 2014. Tendo em vista que esta pesquisa seencontra inserida em um contexto social mais amplo, não havia comonão continuar acompanhando o Facebook da Ninja, o que nos levou àdecisão de continuar com a observação virtual.

Ansiava por saber se em breve poderia parar de acompanhar aspostagens. Durante meses, perguntei-me: “Estou pesquisando algoinserido nesses acontecimentos que parecem não ter fim, mas comoescrever uma tese sem finalizar o campo?”. A angústia não era somentepela instabilidade da pesquisa e pelos milhares de acontecimentos quepreenchiam meu diário de campo: era a inquietação de quem estavatestemunhando o desmonte das políticas públicas no Brasil. Assim, ummisto de tristeza e esperança ocupou-me todos os dias em que sentei àfrente do computador para escrever no diário de campo. Diante da

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necessidade de definir uma data para finalizar a observação virtual,decidimos encerrá-la no mês de agosto de 2016, quando findou oprocesso de derrubada da presidenta.

Os registros sobre a observação virtual auxiliaram também nocontato presencial com a Rede. As inquietações surgidas na observaçãovirtual, anotadas no arquivo do LibreOffice, acompanharam-me navivência na Casa FdE São Paulo (que ocorreu em Julho de 2015).Durante o tempo em que estive lá, continuei a escrita do diário deobservação virtual, que passou a incluir registros sobre a vivência, o quedenota uma nova mudança na forma de escrita do diário de observaçãovirtual, a qual passou a conter também anotações sobre a pesquisa comoum todo, transformando-se no que comumente chamamos de diário decampo.

À medida em que as tramas da tese foram sendo tecidas, foipreciso registrá-las, analisá-las, refazê-las, reelaborar suas composições,agregar novas tramas, apertar alguns nós e afrouxar outros,flexibilizando assim as conexões. Todos esses atos fazem da tecitura datese algo que “é contínuo, dá-se ao longo do desenvolvimento dapesquisa” (Sales, 2012, p. 127). Sob tal aspecto, a pesquisa éconsiderada uma atividade criadora, na qual a pesquisadora vai seafetando com os retalhos dos fios que encontra, os quais lhe abremdiversas possibilidades de tramas a serem tecidas. O resultado dessatecitura será compartilhado com leitora/es (expectadoras/es) diversas/os.

Por isso, considero que o diário de campo é o rascunho da obrafinal, recurso desse processo de criação que envolve as experiências dapesquisa. “A utilização do diário de campo não se limita a um registrodescritivo dos acontecimentos e dos encontros [...] mas, principalmente,revela-se um recurso de elaboração do vivido. ” (Lahorgue & Zanella,2013). Assim, sua escrita é a possibilidade de vivenciar a pesquisa,sentir o que nos passa, o que nos possibilita o encontro com os discursosdessas/es outras/os que compõem a pesquisa.

No diário de campo, registrei também os encontros coletivosrealizados com integrantes da Ninja durante a experiência na Casa FdE.Foram encontros informais que aconteceram no cotidiano, sem horamarcada e sem formalidades, mas que constituíram espaços importantespara compreender a dinâmica da Rede. Por este motivo, escolhi

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referenciar algumas informações contidas na tese como Mídia Ninja,tendo em vista que não há como designar uma/um única/o autora/autorpara os enunciados.

Assim como nos diz Bakhtin (1920/2010c), não há uma primeirapalavra que tenha sido dita, mas existem singularidades no existir quenos constituem e que constituem, assim, nossas relações. Para o filósofo,nos constituímos a partir das relações que estabelecemos com osdiversos outros, os quais refletem e refratam elementos que nosconcluem. Estes elementos, ao serem presumidos pela nossaconsciência, perdem o valor concludente e auxiliam na ampliação damesma sobre nós, superando esse mesmo valor e deixando para nossaconsciência a última palavra, que nunca será dita.

A designação de uma autoria coletiva às informações do registrode campo são importantes, nesta tese, para que se evidencie a relaçãoaxiológica com o campo de pesquisa. Esta é uma condição relevante naperspectiva de Bakhtin (1963/2010b, p. 72) para que se estabeleça umaanálise dialógica, pois “somente sob uma orientação dialógica internaminha palavra se encontra na mais íntima relação com a palavra dooutro, mas sem se fundir com ela, sem absorvê-la nem absorver seuvalor, ou seja, conserva inteiramente a sua autonomia como palavra”.

Por análise dialógica, compreendemos o que Bakhtin(1963/2010b) nos apresenta sobre a obra de Dostoiéviski a respeito darelação entre autor e personagem. Este, ao compor o romance, “não falado herói, mas com o herói” (p.72), possibilitando que o mesmo sejaresponsável pelo seu discurso, sem se tornar objeto do discurso do outro.O herói se compõe na tecitura da trama do romance, abrindo-se parasentidos outros, de forma a não se fechar nos sentidos produzidos peloautor.

Para Amorim (2002, p.10) “o objeto das Ciências Humanas é odiscurso ou, num sentido mais amplo, a matéria significante. O objeto éum sujeito produtor de discurso e é com seu discurso que lida o[a]pesquisador[a]” que busca compreender as tensões existentes entre asdiversas vozes que compõem esse discurso. Os registros realizados nodiário de campo compõem um material que abre múltiplaspossibilidades de análises para esta pesquisa, considerando as vozessociais em tensão que são possíveis de serem ouvidas a partir dos

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enunciados produzidos nos diversos contextos vivenciados pelapesquisadora.

1.2. A escrita na pesquisa: (re)vivendo os afetos

De acordo com o que estamos discutindo, a pesquisa é umprocesso sem medidas exatas, e composto por imprevisibilidades. Atéaqui, foi possível conectar alguns nós que compõem nossa tese. A partirdeste momento, pus-me a revisitar tudo aquilo que estava sendo tecido,e que compunha um diário de campo com 400 páginas. Iniciei oprocesso de leitura e releitura do mesmo, a fim de me reconectar com omaterial que havia sido escolhido. Foi quando percebi que,coincidentemente, o percurso da pesquisa acompanhara o segundomandato da presidenta Dilma, desde a sua eleição em 2014 até o Golpeque a retirou do seu cargo em 2016. Por esta razão, nesse primeiromomento considerei que este período de tempo seria a trama principalda tese.

A mesma sustentava-se por alguns temas transversais quecompunham os fios a serem usados na tecitura da trama principal, demodo que foram separados por eixos: Redução da Idade Penal,Ativismo/Comunicação Digital, Democratização da Mídia,Redes/Financiamento Coletivo, Olimpíadas Rio 2016, TerrorismoPolicial, Movimentos Sociais, Manifestações da Direita, PautasDiversas, #PrimaveradasMulheres/PL 5069, Vivência na Casa FdE SãoPaulo, Festival Emergências e Festival da Utopia. Sendo assim, essaprimeira impressão sobre os caminhos futuros mostrou a necessidade decriar estratégias para vislumbrar os possíveis caminhos para a tese.

Nesta tese, a rede não é compreendida somente como metáforapara a pesquisa, ela é um conceito importante para a compreensão dasrelações entre comunicação digital e democracia. Assim,compreendemos por rede aquilo que emerge dos nós que a compõem, ouseja, as relações possíveis que estão presentes nas diversas tramas, bemcomo no todo da rede. Este todo está presente em cada nó, o qual trazem si as diversas outras conexões que ele estabelece, de modo que estenó pode se conectar com qualquer outro nó (Parente, 2010; Antoun,

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2010). Uma rede é composta por diversas tramas, cada uma compondo otodo da rede e também suas singularidades.

Para conseguir perceber essas possibilidades é preciso odistanciamento, que pode ser físico, subjetivo e até mesmo temporal; eque nos coloque em uma posição outra para com a pesquisa. Afastar-separa conseguir retomar. Buscar impulso, fôlego, forças e outros olharespara que a tecitura dessa tese seja possível. Tese esta que se constitui apartir de cada um e cada uma que estiveram presentes de alguma formanesses quatro anos de doutorado, e também aquelas/es que estiverampresentes em algum momento que marcou minha caminhada até aqui.Afinal, compreendo que um doutorado não se faz em quatro anos, pois oque se vive nesse período é reflexo e refração de muitos outrosacontecimentos, únicos, irrepetíveis, singulares, e que vão constituindoassim a eventicidade da vida.

Neste momento da pesquisa, o afastamento foi físico, subjetivo etemporal. Vi-me na obrigação de deixar de lado os estudos, escritos,livros, textos e quaisquer outras conexões que me fizessem lembrar docompromisso de escrever uma tese. Mais uma vez a imprevisibilidadeda vida chegara, agora retirando de mim o convívio com o afetomaterno. Foram necessários alguns meses para conseguir pegar impulsoe retomar. E tal retomada se deu a passos lentos, com o fôlego aindacansado, a respiração difícil e o peito apertado.

Mesmo que inesperado, pode ser considerado um processoexotópico de afastamento para olhar de outro lugar o que compõe apesquisa. Importante demarcar que a exotopia não se deu somente nessemomento, ela esteve presente em outros tempos e espaços da tese.Considero-a uma importante ferramenta para nos enxergarmos comopesquisadoras/es, problematizando os lugares que assumimos, ascertezas, os encontros e a própria escrita. Escrita esta que procura nãofechar os diálogos, mas sim problematizá-los, e com isso problematizartambém o nosso lugar na pesquisa/escrita. Muitas vezes, imprimir o queestava escrevendo e realizar a leitura na praia ou em algum local emcontato com a natureza era a forma que encontrava de conseguir me vercom outros olhos, dando acabamento àquilo que por vezes pareciaacabado.

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Após aqueles meses de luto, era chegada a hora de retomar atecitura dessa tese para compartilhá-la com as/os leitoras/es possíveis.Essa retomada se deu através do reestabelecimento do contato com osafetos rascunhados no diário de campo, que me apresentaram umainfinidade de caminhos possíveis. Nele, encontrei diversas teses, demodo que era preciso definir qual seria aquela sobre a qual medebruçaria nos próximos meses. Foi nesse momento que retomei apercepção sobre a espinha dorsal da tese e percebi que haviampossibilidades no diário de campo para analisar o campo do político, de2013 até 2016, a partir dos enunciados da Ninja. Consideramos, combase em J. Souza (2016) que desde 2013 o Golpe estava sendoestruturado pela direita conservadora aliada à mídia tradicional e com oaparato jurídico-policial. Para realizar tal análise era precisocompreender de que forma tais enunciados foram se estruturando nocampo do político e consolidando assim projetos de sociedade que sãoopostos e que estiveram e ainda estão em disputa no Brasil. Com isso,fomos compondo as tramas dessa tese.

É preciso demarcar que,um dos desafios da tese foi o de costuraras relações entre a experiência na Casa FdE São Paulo com a observaçãodas narrativas postadas na página da Ninja do Facebook, como umaespécie de pesquisa que articulasse a vida online e a vida offline. Talcostura se dá a partir da análise dos enunciados na Ninja e, a experiênciana Casa FdE São Paulo está presente nas mesmas, por mais que nãoapareça de forma explícita, afinal, tal experiência fez vislumbrar umoutro modo de pensar a pesquisa, colocando-me sob outra possibilidadede (com)viver, baseada no compartilhamento de experiências e afetosque aumentam ou diminuem a potência dos sujeitos, bem como aprópria potência das redes que por elas/es são tecidas.

1.3. A dialogia dos enunciados: as diversas tramas para outrospossíveis

Sabendo qual seria o foco de nosso olhar, retomei a leitura ereleitura dessas 400 páginas (impressas), buscando perceber os

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enunciados postos em tensão, e relacionando-os com o arcabouçoteórico que já havia estudado, lido e fichado. A partir disso, comecei umtrabalho de decupagem desse material, criando eixos possíveis deanálise, que foram salvos em dois arquivos no LibreOffice, quais sejam:Eixo 1: Comunicação e Democracia e Eixo 2: Ativismo e NarrativasMidiáticas – das jornadas de junho de 2013 ao Golpe de 2016. A partirda definição desses dois eixos de análise, imprimi os arquivos com adecupagem do material e fiz a leitura do mesmo, com a intenção deesquematizar a escrita da tese. Assim, conectei esse material em formatode rede, utilizando da perspectiva da dialogia para tal ação.

Para uma análise dialógica do discurso é preciso compreender oenunciado a partir de alguns aspectos que são importantes e que farãocom que possam ser auscultadas as diversas vozes sociais que, emtensão, compõem os enunciados concretos. Ao adentrarmos nesseuniverso de enunciados, percebemos que alguns eram essenciais para aescrita da tese, e assim esmiuçamos os mesmos, buscando compreendê-los dentro de uma cadeia enunciativa.

Assim, ao definir os enunciados centrais em cada eixo de análise,ampliei os horizontes dos mesmos, procurando registrar algumas facetasimportantes para a análise dialógica: 1) quem enuncia, ou seja, quem sãosuas/seus autoras/es; 2) para quem se enuncia, quem são as/osinterlocutoras/es, 3) qual o contexto de enunciação, 4) quais ospresumidos desse enunciado e 5) para que possíveis eles apontam. Apósesses esquemas prontos, criei redes que foram estruturando os capítulosa serem escritos, abarcando assim as diversas vozes sociais colocadasem tensão nos enunciados que compunham nosso material de análise.

Chegamos então no momento da escrita da tese, essa que serácolocada para dialogar com diversas/os outras/os leitoras/es, tantoaquelas/es que avaliarão a produção da mesma, quanto a orientadora queparticipa no processo criativo, dando novo impulso para a escrita e,principalmente as demais pessoas que terão contato com essa produção.Para mim, o processo de escrita é considerado um processo solitário,mesmo que povoado pelas diversas vozes que me compõem. Por vezes,também pode ser doloroso, afinal, há a necessidade de concentraçãopara a criação de um texto autoral, mas que ao mesmo tempo precisa

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trazer essas outras vozes que estão postas em diálogo. Isso me inspirou arecorrer à algumas “amigas” para facilitar tal processo.

Foi então que me vi criando personagens e dando vida a elas,fazendo com que a escrita acadêmica se deslocasse um pouco do seulugar rígido, e trazendo assim certa fluidez para a minha escrita. Busqueiinspiração em Bakhtin, que afirma que ciência, arte e vida “adquiremunidade no sujeito que os incorpora à sua própria unidade” (Bakhtin,1979/2011, p. XXXIII). O autor também nos apresenta uma importantecontribuição para compreender a relação entre autor/a e personagem, oque me levou a refletir sobre quais lugares as mesmas assumiriam naescrita.

Era preciso, primeiramente, compreender que conteúdos emateriais constituiriam tais personagens e de que forma as mesmasapareceriam na escrita da tese. Recorri a Bakhtin (1979/2011), quandoem suas análises sobre a criação das personagens nos romances, afirmaque “a consciência do herói é dada como a outra, a consciência do outro,mas ao mesmo tempo não se objetifica, não se fecha, não se torna meroobjeto da consciência do[a] autor[a]” (p. 05). E, mais uma vez a relaçãoexotópica precisou adentrar na pesquisa, como forma de olhar para essaspersonagens distanciada de mim mesma, de minha própria criação. Crieias personagens, compreendendo-as como enunciados que serão postosem diálogo com outros enunciados e que terão assim suas vidasautônomas, desvinculadas do processo que as criou e de quem as criou.Trago alguns conceitos centrais da tese em forma de personagens paraque dialoguem com a cadeia enunciativa que as compõe, deixando-asassim abertas a sentidos outros que lhes serão atribuídos pelas/osleitoras/es.

Importante demarcar que escolhi apresentar alguns conceito comopersonagens mulheres para demarcar a força das mesmas na luta diáriacontra o sistema machista e patriarcal que vivemos. Nossas personagenssomos todas nós, que trazemos no corpo a marca da opressão, que nosreconhecemos na sororidade9 e juntas caminhamos para a construção de

9 Sororidade é um termo utilizado por feministas para se referir à empatia e aocompanheirismo e que demarca uma perspectiva ética e política, tendo emvista que a premissa é o não julgamento prévio entre mulheres, o que auxilia

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uma sociedade que respeite negras, pobres, faveladas, umbandistas,candomblecistas, mães solteiras, professoras, jovens, idosas, adultas,lésbicas, bissexuais, mulheres trans e muitas mais.

Não somente as personagens encontram-se (in)acabadas, mastambém as próprias reflexões e análises que aparecem no decorrer datese. Sendo assim, considero que o todo dessa tese se constitui comouma obra de arte, que será analisada e lida por diversas pessoas,comentada, estudada. Ou seja, uma obra que fala de um contexto, de umespaço-tempo que se conecta com outros espaços-tempos, que diz sobrerelações que estão postas e que nos constituem, e que também dáabertura para outros diálogos possíveis. Como obra, ela encontra-se(in)acabada, afinal, “não há limites para o contexto dialógico (este seestende ao passado sem limites e ao futuro sem limites)” (Bakhtin,1979/2011, p. 410). Por esta razão, não apresentamos certezas e nem nospropomos a desfazer os nós que compõem essa pesquisa. Nos deixandolevar pelo ritmo das ondas do mar, vamos compondo questionamentos,inquietações, emaranhados de incertezas que impulsionem a continuartecituras outras.

no fortalecimento da luta contra a sociedade machista.

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2 Alguns nós que tecem as Redes FdE e Ninja

Nossa pauta está onde a luta social e a articulação das transformações culturais,

políticas, econômicas e ambientais se expressa.(Mídia Ninja)

A Rede Mídia Ninja (Ninja) surgiu da experiência do Fora doEixo (FdE), um coletivo de produção cultural que, a partir de vivênciasespalhadas pelo Brasil, dá visibilidade à produção cultural independente,principalmente voltada à música, visando a disputa com o modelo deprodução e distribuição cultural hegemônico no Brasil. O objetivoinicial do FdE era conectar “cenas culturais de cidades de médio porte ecapitais afastadas do eixo produtor da cultura nacional que a aliança Rio– São Paulo representa” (Savazoni, 2014, p. 22), abrindo espaço paranovas/os artistas poderem produzir e distribuir suas criações musicais.

Na experiência do FdE a constituição de uma vida coletiva, bemcomo a produção de uma comunicação colaborativa e em rede, andamsempre muito juntas e estão ligadas a uma necessidade empíricadaquelas/es que costuram estas Redes. Neste sentido, consideramos que,para compreender o surgimento da Ninja, é preciso olhar para duasquestões importantes no FdE: o partilhar de uma vida coletiva e aspossibilidades de produzir comunicação. Sendo assim, iniciaremos estecapítulo apresentando o FdE e suas tecnologias de convivercoletivamente para chegarmos até o surgimento da Ninja e debater sobreas possibilidades de produção de comunicação independente nocontemporâneo.

2.1 Uma trama necessária: a produção de uma vida coletiva

O FdE surgiu ancorado em uma experiência coletiva, iniciada em2002, na cidade de Cuiabá/MT. O Coletivo Espaço Cubo, conhecidotambém como Cubo Mágico, trabalhava com produção culturaladministrando, a partir da lógica da economia solidária, a “cena local demúsica jovem na capital do Mato Grosso” (Savazoni, 2014, p. 20).

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Buscando levar essa experiência para outros pontos do Brasil, asparcerias iniciais ocorreram entre produtoras/es e artistas das cidades deRio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR) e, ao final de 2005,consolidaram o início de uma Rede de produção cultural independenteespalhada pelo Brasil. Inicialmente o foco estava no intercâmbiosolidário entre artistas, produtoras/es e espectadoras/es, visando debateras políticas públicas voltadas para a cultura, principalmente na área damúsica, o que deu origem ao Festival Grito Rock, que ocorre até hojeem diversas cidades do Brasil, EUA, América Latina e Europa(Savazoni, 2014; Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015).

O FdE, desde a sua consolidação, vem debatendo duas dimensõesda Rede que consideram importantes: a primeira está relacionada aocircuito cultural, que disputa espaço com a cultura fonográficahegemônica e faz emergir experiências alternativas e novos ambientesprodutivos; a segunda dimensão é a organização política, responsávelpor pensar a articulação dessa Rede tanto interna quanto externamente.Essas duas dimensões se retroalimentam “e ambas estruturam a rede-político cultural Fora do Eixo” (Savazoni, 2014, p. 68). Com acúmulosnessas duas dimensões, os coletivos vão percebendo que, para viver deprodução musical independente no cenário cultural brasileiro, erapreciso reduzir ao mínimo os custos necessários para a sobrevivência,bem como estimular as relações afetivas entre as/os artistas.

Em 2011, as/os integrantes do FdE resolveram alugar uma casapara que todas/os pudessem viver em coletividade e estruturaram assima primeira Casa Coletiva, sediada na cidade de São Paulo e consideradao centro articulador de toda a Rede FdE. (Mídia Ninja, comunicaçãopessoal, 2015). Na sequência, foram se consolidando, por todo o Brasil,outras Casas Coletivas, funcionando como espaços nos quais as/osartistas independentes residem. O FdE é composto também por diversoscoletivos, espalhados pelo Brasil, com responsabilidade de representar aRede em suas localidades, porém não se organizam em Casas Coletivas.A Rede conta ainda com Pontos Parceiros, “os quais não estãosubmetidos aos procedimentos de responsabilidade dos demaisintegrantes da rede, mas desenvolvem atividades em cooperação”(Savazoni, 2014, p. 23).

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Atualmente, a Rede tem Casas Coletivas nas seguintes cidades:Belém (PA), João Pessoa (PB), Maceió (AL), Fortaleza (PE), Vitória daConquista (BA), Macapá (AM), Brasília (DF), Belo Horizonte (MG),Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Santa Maria (RS), umas quatro oucinco no interior de São Paulo e da Bahia. As que estão nas articulaçõesmais nacionais – que recebem pessoas da Rede e que compartilham dastecnologias10 do viver coletivamente – são as Casas de São Paulo, BeloHorizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro, Brasília, Santa Maria e JoãoPessoa. As demais são Casas que se focam em articulações maisregionais ou até mesmo locais (Mídia Ninja, comunicação pessoal,2015).

Esta decisão de viver coletivamente vem de uma necessidademuito concreta dos coletivos que inicialmente articulavam o FdE. AsCasas Coletivas sobrevivem do compartilhamento financeiro entre as/osresidentes nas mesmas. Cada Casa possui caixas coletivos, que desde oinício foram estruturando as mesmas e hoje se consolidam como umaperspectiva de compartilhamento financeiro que escapa da lógicamonetária (Capilé, 2013). Na tentativa de escapar à ótica do capital,aquelas/es que residem nas casas do FdE constituem suas relações combase na troca dos serviços, transformando “1 em 10, na lógica de Rede,o que um da Rede faz, todo mundo recebe em conjunto, então isso vai semultiplicando o tempo inteiro” (Capilé, 2013, s. p.).

Foi a partir dessa experiência empírica que o FdE começou apensar as tecnologias sociais para viver coletivamente sem o uso dodinheiro e desmonetarizando as relações, formando assim uma outraeconomia, com base na colaboração, nos afetos e nas parcerias. Oscaixas coletivos são considerados como a tecnologia social maisimportante, pois ela está na base do projeto de sociedade que o FdE vemestruturando nos últimos 12 anos. A partir dessa tecnologia buscamressignificar a relação com o sistema capitalista (Mídia Ninja,

10 Para Lévy (1990/2011b), as tecnologias são dispositivos que constituemculturas e inteligências coletivas. O autor trabalha dentro da perspectiva daecologia cognitiva para apresentar os coletivos como pensantes e dinâmicos,povoados de singularidades atuantes e mutantes. As tecnologias são múltiplas,abertas, conflituosas e indeterminadas.

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comunicação pessoal, 2015) engendrando possibilidades de se afastaremda perspectiva monetária e intensificarem a lógica da coletividade.

Ao determinarem que o dinheiro não é a única maneira deviabilizar os projetos dessas Redes e também a subsistência das/osartistas que as costuravam, estabeleceram parcerias e trocas com pessoasfísicas e jurídicas, as quais foram sistematizadas e deram origem àmoeda social Card, que contabilizava as horas de trabalho, oempréstimo de equipamentos e outras trocas como parte da economiaque fazia girar os projetos do FdE (Mídia Ninja, comunicação pessoal,2015). Atualmente não há mais a necessidade de contabilizar as horastrabalhadas e transformá-las em cards, a contabilidade acontece deforma orgânica e com base na confiança entre as partes envolvidas.

Essa moeda social já passou por vários valores e hojecontabilizam que uma hora de trabalho é igual a cinquenta cards, e umcard equivale a um real na moeda corrente brasileira. Consideram que,todas/os que estão envolvidas/os nas Redes – principalmente as/os quevivem nas Casas Coletivas – estão investindo suas horas de trabalho emtroca desses cards (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015). É precisocompreender que cada residente de uma Casa Coletiva está vivendo etrabalhando para que as Redes (FdE e Ninja) se fortaleçam e, com isso,estão potencializando as mesmas com a dedicação de tempo e tesão paraos projetos. Não há pagamento de salários e todo dinheiro que entra paraas Redes é compartilhado por todas e todos. Há, portanto, a ideia de que,se você investe seu trabalho, ganha casa, comida, roupa, lazer e tudo oque for necessário para sua sobrevivência. O pagamento é a confiança eo lastro, que cada uma e cada um vai construindo, e é isso que vaisustentando as Redes.

As parcerias que se dão com pessoas físicas e jurídicas de foradas Redes também perpassa a confiança e se estabelece a partir da trocade serviços. Se uma pessoa empresta algum equipamento de som issoserá contabilizado e a Rede estabelecerá uma parceria com essa pessoa(física ou jurídica). Por exemplo, enquanto estive em vivência na CasaFdE São Paulo, nos eventos que ocorreram naquela semana, houve oempréstimo de equipamentos de som por parte de uma pessoa física. ARede não ficou devendo horas específicas para essa pessoa, mas poderáindicá-la para algum serviço, tendo em vista que muitas vezes o FdE é

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chamado para montagem de equipamentos de som em festivais oueventos; ou poderá também auxiliar essa pessoa a fazer algum materialgráfico para divulgar o seu trabalho ou outras formas de parcerias quepodem ser realizadas. Tudo depende da relação que se estabelece com aRede. Muitas pessoas fazem parcerias por reconhecerem a importânciado FdE e da Ninja na luta política brasileira, ou seja, reconhecem aimportância do projeto político dessas Redes.

O financiamento dessas Casas ocorre11 mediante o dinheirorecebido pelas prestações de serviços das/os residentes nas mesmas etambém pela participação em editais públicos de fomento, o que gera de3 a 7% do dinheiro que circula nelas (Capilé, 2013). A administraçãofinanceira ocorre a partir do que denominam de Banco FdE. Cada Casapossui uma pessoa responsável pela administração do Banco, que fazuma gestão transparente das movimentações originadas a partir dodinheiro que as Redes recebem. Todas as movimentações e gastos sãodebatidos coletivamente; no entanto, há prioridade para as despesas demanutenção de cada Casa: alimentação, saúde, luz, internet, lazer,vestimentas. A equipe do Banco é responsável também por escrevereditais, organizar trabalhos de freelancer e outras possibilidades quegerem recursos para as Redes.

Existe um caixa coletivo compartilhado entre todas as Casas.Uma conta comum que funciona por meio de solicitação. Se a Casa deSanta Maria precisa de alguma verba, vai pedir para as demais Casas etodas decidirão sobre a destinação do recurso para auxiliar a Casa deSanta Maria. Quando esta receber algum recurso, o mesmo serácompartilhado na conta coletiva. As Casas de São Paulo, Rio de Janeiroe Brasília possuem um caixa coletivo único entre as três. Elas sãoconsideradas as três principais Casas da Rede FdE. Esse caixa coletivoentre as três funciona de forma mais dinâmica, mais próxima e radical,

11 Enquanto revisávamos a escrita desse capítulo, a Ninja criou uma campanhade financiamento coletivo pelo Catarse, intitulada: Eu financio a Mídia Ninja.A campanha foi lançada no dia 18 de dezembro de 2017 em um eventorealizado na Residência da Mídia Ninja no Baixo Augusta, cidade de SãoPaulo. A proposta da campanha é conseguir um valor de 5.000,00 por mêspara financiar as atividades da Ninja. Mais informações:https://www.catarse.me/midianinja

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na qual todas as Casas têm acesso e podem mexer no mesmo. Esseprocesso funciona na base da confiança e, por isso, essas três Casaspossuem uma conta mais orgânica, pois já conseguiram criar confiançanas atividades realizadas (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015). Aoutra conta funciona predominantemente por solicitação.

Ainda sobre a manutenção das necessidades básicas daquelas/esque vivem nas Casas Coletivas é preciso registrar que, em sua maioria,existem parcerias com feirantes que trabalham próximo das Casas paraque seja realizada a Xêpa12. Essa é uma atividade importante, pois fazcom que a comunidade da região conheça o trabalho do FdE e da Ninja,crie confiança nessas Redes e colabore para a sua existência. A Xêpa éuma forma de as pessoas da Casa alimentarem-se e utilizarem acriatividade na produção dos alimentos, cozinhando com o que se tem enão com o que se quer. Essa é uma das tecnologias que faz parte do queelas/es chamam de precariado. A tag13 do precariado é muito utilizadapelas/os integrantes das Casas Coletivas do FdE. Precariado significabuscar e aumentar a potência de uma estrutura considerada precária,invertendo sua condição de precariedade. A mesma diz de um trabalhoque visa explorar os recursos que se tem, transformando no que seprecisa, no caso, transformando os alimentos recebidos de doação emrefeições para as/os residentes das Casas Coletivas.

Articulada com a tecnologia do precariado temos outra tecnologiasocial importante para o funcionamento das Casas que é a gestãocolaborativa. Essa gestão e as tecnologias empregadas nela podemmudar de uma Casa para outra, pois elas vão sendo experienciadas e

12 A Xêpa é a ação de buscar alimentos que não foram vendidos e que, aochegar o final da feira, os feirantes descartam. Com a ação da Xêpa essesalimentos não serão descartados e sim doados para quem solicitar.Ressaltamos que a palavra “xepa”, segundo as normas de ortografia brasileira,não possui acento. No entanto, optamos pela utilização da mesma grafia que aNinja utiliza.

13 Tag em inglês significa etiqueta. Na internet, uma tag é uma palavra-chave,que gera metadados. Esses relacionam, classificam e organizam os arquivos,páginas e demais conteúdos online. As hashtags, por exemplo, são conhecidaspelo símbolo # e utilizadas para que a/o internauta tenha acesso a todoconteúdo que é publicado na rede sobre determinado assunto.

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ajustadas conforme as pessoas que residem nas mesmas em determinadomomento. Destaca-se que as/os viventes acabam mudando muito de umaCasa para outra, não ficam sempre na mesma, até para experienciaremdinâmicas, processos e convívios diferentes. A proposta não é que apessoa se fixe em alguma Casa, mas que ela faça parte de todas. Há umafrase muito compartilhada por todas/os da Rede que é: “De Casa emCasa, sempre em casa”.

As Casas são pensadas como uma engrenagem que engloba todosos outros processos. Fica nítido que, para que os demais projetosconsigam ser realizados, é necessário que a gestão de cada Casa estejafuncionando. É comum ouvir de suas/seus moradoras/es que, se não hácomida e se não há um ambiente organizado, não é possível realizar oativismo cotidiano. As tarefas de organização da Casa são divididassemanalmente, conforme a disponibilidade de cada pessoa que estámorando ali naquela semana, pois a vida coletiva precisa ser gestadatambém. Existem necessidades de uma casa que precisam ser feitascomo, por exemplo, a limpeza de banheiros, as refeições, o mercado, afeira, entre outras tarefas domésticas importantes. Para isso, existe oCronograma Semanal de Tarefas ResCult (Residência Cultural).

Tal cronograma é dividido em quatro grandes eixos e cada eixo ésubdividido em tarefas a serem realizadas (Figura 01). Tal divisão ocorrea partir do compartilhamento, entre as/os viventes de cada Casa, de umatabela no Google Docs. Cada pessoa fica responsável por duasatividades por dia, relacionadas aos eixos de alimentação diária elimpeza diária; e uma atividade semanal, relacionada aos eixos demanutenção semanal e lavanderia. Sendo que, cada uma/um tem aresponsabilidade de lavar a sua louça após as refeições.

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Figura 01: Tabela (parte 1) do Cronograma Semanal da Residência Cultural daCasa FdE São PauloFonte: Arquivo da Pesquisadora

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Figura 02: Tabela (parte 2) do Cronograma Semanal da Residência Cultural daCasa FdE São PauloFonte: Arquivo da Pesquisadora

As pessoas que estão na Casa naquela semana, ou naquele mês, éque ditam o ritmo da mesma e desenham as tecnologias de gestão. Tudodepende de como é a rotina da própria Casa. Existem momentos em queas atividades são mais internas, as pessoas estão circulando mais pelaCasa e, portanto, a maioria consegue se dedicar mais às atividadesdomésticas. No entanto, podem existir momentos em que algumaspessoas estarão em atividades mais externas, passando muito tempo forada Casa, o que fará com que não consigam se dedicar o temponecessário para as atividades da mesma. Isso tudo é gerido a partir deuma Tecnologia do Viver Coletivamente, que é baseada na motivação apartir da necessidade que a ResCult tem e da forma como cada um ecada uma conseguirá colaborar. E o/a gestor/a de cada grande área é a/o

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grande nó responsável por fazer com que esses fios sejam tecidos.(Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015).

A Rede FdE se organiza, portanto, a partir de áreas de atuação, asquais possuem gestoras/es que são responsáveis por fazer funcionar osprojetos e por organizar a participação de cada uma e cada um quecompõem as Redes (Ninja e FdE). Ou seja, cada participante das Redespode atuar em mais de uma área e pode também ser gestor de algumadelas. Sendo assim, todas/os podem ser gestoras/es de uma área eatuarem em diversas outras áreas, como participantes e não comogestor/a. O que denominamos de áreas de atuação é o que o FdEdesigna, em seu Regimento Interno como simulacros – frentes gestorasmediadoras: Banco FdE que é “responsável pelas ações desustentabilidade da rede”; Partido da Cultura FdE “responsável pelaarticulação política, concepção e elaboração de estratégias”; CentroMultimídia “núcleo que trabalha toda a comunicação”; UniversidadeFdE, responsável por sistematizar conteúdo e por realizar capacitações;e a ResCult, “espaço de intercâmbio, vivências, hospedagem e/oumoradia, de artistas, gestores e produtores culturais”. (Savazoni, 2014,p. 240-244).

Assim, o FdE consolidou tecnologias para que conseguisse serindependente e autônomo, sem depender de partidos políticos, ONGs,governos etc., funcionando como uma incubadora. Se há um tempo atráso foco de trabalho era a música, agora está voltado para a área da culturadigital e para a luta por direitos humanos. E a Ninja é considerada umresultado desta incubadora de projetos, uma vez que surge daexperiência coletiva do FdE, utiliza-se de suas estruturas físicas e dosseus recursos materiais e, também, de suas tecnologias sociais, sendoconsiderada uma rede que já tem um acúmulo de dez anos de trabalho e,talvez por este motivo, tenha surgido como uma potência em 2013.

2.2 Das tramas da cultura para as narrativas midiáticas: umaprodução “alta performance do precariado”

Ninja é uma Rede de midialivristas que se contrapõe às grandescorporações midiáticas “na disputa pela construção de narrativas”

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(Malini & Antoun, 2013, p. 12). Entende-se por midialivristas as/oscomunicadoras/es independentes conhecidas/os como cidadãs e“cidadãos multimídia, que atuam em iniciativas inspiradas na dinâmicado compartilhamento e na construção da cultura do comum: internet,fanzines comunitários14, rádios comunitárias e etc.” (Lorenzotti, 2014, s.p.), que trabalham como uma mídia livre que independe financeiramentede partido político, emissora de televisão ou empresa.

A partir da organização dos festivais de bandas promovidos peloFdE, as/os artistas perceberam que a mídia tradicional não estavainteressada em divulgar o cenário de produção cultural independente.Passaram, então, a comunicar o que estava acontecendo para as pessoassaberem o que eram os festivais, de que forma aconteciam, quem eramas/os artistas que deles participavam. E assim, começaram a filmar edivulgar os festivais em tempo real, a trabalhar com a fotografia emtempo real, e a utilizar as redes sociais15. Portanto, desde 2005, quando oFdE se consolidou, até 2011, estavam produzindo uma comunicaçãomuito intensa e muito institucionalizada (Mídia Ninja, comunicaçãopessoal, 2015), ou seja, com enfoque nas questões voltadas para o queera produzido dentro daquela Rede. Assim, limitavam-se a divulgar seuspróprios festivais, mesmo que realizassem uma produção alternativa decomunicação, diferente daquela da mídia tradicional, opondo-se à lógicada indústria cultural.

A partir de 2011, o FdE começou a experienciar outraspossibilidades de comunicação, saindo do circuito cultural e, ao mesmotempo, levando essa experiência para outras áreas. Foi assim que deraminício ao processo que hoje denominam laboratório Mídia Ninja, com acriação do canal de televisão na internet conhecido como Pós-TV. De2011 até 2013, dedicaram-se a pensar o que seria essa nova Rede, que

14 Fanzines são publicações independentes, produzidas de forma artesanal ousemiprofissional que surgem na década de 30 nos Estados Unidos e no Brasilna década de 60. São “publicações produzidas à margem do mercado, semfins lucrativos e com forte motivação comunitária” o que os caracteriza comoexpressões de setores artísticos “menosprezadas pela grande imprensa”(Magalhães, 2009, p. 102).

15 As redes sociais utilizadas inicialmente pelo FdE para divulgação de seusfestivais eram o Orkut, ICQ, MSN e depois Facebook.

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não era mais só o FdE e que ainda não sabiam que iria se chamar MídiaNinja. (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015). A Pós-TV eraconsiderada um espaço para que o FdE escoasse o material que vinhaproduzindo, e atualmente é considerada um laboratório full time detecnologias e também um meio de disputa do imaginário do que podeser uma TV aberta no Brasil, que tipos de conteúdos se quer e de queforma pode-se dar vazão à produção independente, seja na área damúsica, do cinema, do teatro e etc.

Algumas atividades realizadas pelo laboratório Mídia Ninja, de2011 até 2013, e veiculadas na Pós-TV podem ser destacadas aqui, taiscomo: o Programa Supremo Tribunal Liberal e os Transeuntes daAugusta que Claudio Prado16 comandava, no qual, sentado em um sofáem frente ao seu prédio, na Rua Augusta, “batia papo com os passantes,pela madrugada, naquela rua que é um dos mais tradicionais pontoshistóricos da agitação cultural de São Paulo” (Lorenzotti, 2014, s. p.).Jogavam um cabo de internet do oitavo andar para a calçada, botavamum sofá na frente do prédio e montavam um estúdio ao ar livre (MídiaNinja, comunicação pessoal, 2015).

Em 2012, realizaram entrevistas e conversas sobre as eleiçõespara prefeito em diversas cidades, no programa “A cidade quequeremos”, que trazia debates sobre temas diversos relacionados aodireito à cidade. Os programas eram realizados em diversas partes doBrasil, assim como as/os espectadoras/es também estavam espalhadas/ospor diferentes estados. A audiência podia interagir, em tempo real, comas/os apresentadoras/es e participantes dos programas, por mensagensno Twitter, e-mail ou Skype. Nessa mesma época, participaram doevento “Existe Amor em São Paulo” que tinha o intuito de promover odebate sobre as eleições para a prefeitura paulistana. Começaram atransmitir também algumas manifestações ao vivo. A primeira delas foia Marcha da Maconha, que aconteceu em São Paulo e teve muita

16 Atualmente Claudio Prado realiza outro programa na Pós-TV, agoradenominado “Delírios Utópicos de Claudio Prado”, no qual o apresentadortrata de assuntos diversos relativos à conjuntura nacional, bem comoentrevista algumas pessoas sobre temas relacionados a cultura, política, mídia,ciência e etc. Para mais informações:https://www.facebook.com/DeliriosClaudioPrado/

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repressão da polícia. Nessa época, iam para as ruas com quatro câmerasde segurança, um carrinho de supermercado, um gerador, umcomputador com internet 3G, microfone e o combustível para o gerador(Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015).

Quando surge como Mídia Ninja, em 2013, a Rede cria umapágina no Facebook e, na foto do perfil (Figura 02), percebemos o rostode uma pessoa, sobreposto à imagem de um prédio, aparecendo somenteos olhos e uma luz iluminando os mesmos, escurecendo a parte abaixodos olhos, como se ela utilizasse uma faixa preta cobrindo nariz e boca.Esta figura nos remete à imagem que temos no Ocidente de um ninja,personagem do Japão feudal. A esta questão, as/os participantes da Ninjanos apresentam uma reflexão importante: segundo elas/es, no Japãofeudal haviam os ninjas que faziam a guerra de guerrilha enquanto ossamurais lutavam com todo o apoio do aparato do Estado. Os ninjasfaziam com o que tinham e jogavam do jeito que dava no territórioinimigo. (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015).

A escolha da sigla e da imagem diz respeito a esse fazer com oque se tem, que diz sobre a tag do precariado que, para além de explicara perspectiva da vida coletiva diz também de uma produção decomunicação independente, pois a Ninja não possui as tecnologias quealguns canais da mídia tradicional possuem. Assim, utilizam-se dosrecursos que estão disponíveis e da atuação em rede e de formacolaborativa, para realizarem uma produção “alta performance doprecariado” (Ninja, comunicação pessoal, 2015). Percebe-se, nessaprodução, a articulação entre diversos coletivos, grupos, movimentos epessoas que buscam fortalecer narrativas que se contrapõem ao que estáinstituído.

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Figura 03: Imagem do perfil da Mídia Ninja no FacebookFonte: Arquivo da Pesquisadora

Sendo assim, as possibilidades de produzir comunicação nocontemporâneo tem relação direta com o que a Ninja compreende comoseu papel na sociedade, principalmente no embate que realizam com osconglomerados midiáticos, pois, na mídia temos corporações quesobrevivem dos recursos de grandes empresas e também do Estado e, deoutro lado, tem pessoas morando em Casas Coletivas, buscandoproduzir comunicação com menos recursos, mas com qualidade igual àdos conglomerados midiáticos (Mídia Ninja, comunicação pessoal,2015).

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Logo após tornar-se conhecida, a Ninja foi chamada paraparticipar do programa Roda Viva.17 A entrevista ocorreu no dia 05 deagosto de 2013 com Bruno Torturra e Pablo Capilé. Ao assistirmos amesma, nos inquietou o debate que Capilé apresenta para oquestionamento da jornalista da Folha de São Paulo, Susana Singer. Amesma afirma que a Rede critica o tempo todo a grande imprensa pelasua falta de imparcialidade, mas transmite as manifestações do ponto devista de quem está na passeata. A jornalista sugere que não háimparcialidade por parte das/os midialivristas e questiona se o queelas/eles fazem é jornalismo ou ativismo, buscando compreender o quepara elas/eles é possível fazer em termos de imprensa. A estesquestionamentos Capilé (2013) afirma que a grande imprensa “não éimparcial” e que seria muito mais honesto ela assumir a suaparcialidade, para que, a partir dessas multiparcialidades o debate sobrea imprensa pudesse ser iniciado. E afirma ainda que a Ninja assume asua parcialidade e não se pretende ser imparcial.

Todo canal de mídia, seja ele independente ou afiliado a umconglomerado midiático, possui diferentes visões de sociedade, desujeito, de mundo, as quais estão presentes nas notícias.Compreendemos que ao assumir a sua parcialidade a Ninja estápropondo “mudar os referenciais do que é visível e enunciável”(Rancière, 2012, p.64), mostrando de outro jeito o que é veiculado noscanais dos grandes conglomerados midiáticos, tornando audível o queantes era ruído com “o objetivo de produzir rupturas no tecido sensíveldas percepções e na dinâmica dos afetos” (Rancière, 2012, p.64).Estariam, desta forma, produzindo novas ficções, novas relações entre osingular e o comum ao tensionarem o sensível partilhado socialmente.

Para Rancière (2005) o “sensível partilhado socialmente” é aquiloque é visível, dizível e contável em nossa sociedade e que se institui apartir da “partilha do sensível”. Para o filósofo, o termo partilha dosensível é utilizado para denominar “o sistema de evidências sensíveisque revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes

17 Programa da TV Cultura, que vai ao ar uma vez por semana, com umentrevistado diferente a cada semana. A TV Cultura é um canal de TV estatal,que tem como gestora o Governo do Estado de São Paulo.

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que nele definem lugares e partes respectivas” (Rancière, 2005, p. 15).Neste sentido, o filósofo compreende que o comum ao mesmo tempoque é compartilhado por todas/os também se estrutura a partir dadefinição de lugares, espaços, tempos e atividades que devem serdesempenhadas por cada sujeito.

A este conceito Rancière (1996a) articula o que ele denomina depolítica e polícia. O filósofo inverte a lógica de pensar a política e ainstitui como um ato de dissenso, de reconfiguração daquilo que édizível, visível e contável, e, denomina polícia àquilo que usualmentechamamos de política. Portanto, para Rancière (1996b, 2012, 2014a) apolícia é considerada a lógica que determina os lugares dos corpos nadistribuição desse sensível (com)partilhado socialmente. “É a ordem dovisível e do dizível que determina a distribuição das partes e dos papéisao determinar primeiramente a visibilidade mesma das ‘capacidades’ e‘das incapacidades associadas a tal lugar ou a tal função” (Rancière,1996b, p. 372), instaurando um dano ao princípio da igualdade.

O princípio da igualdade é estudado pelo filósofo quando omesmo se debruça a compreender a experiência de ensino de JosephJacotot, um professor francês que foi ensinar estudantes holandeses afalarem a língua francesa sem saber se comunicar no idioma de seusestudantes. Para Rancière (1987/2002) o princípio da igualdade écondição de partida que abre caminhos “no país do saber” (p. 38) noqual “todas as inteligências são iguais, não é preciso demonstrar isso,mas saber o que fazer a partir dessa suposição” (p. 56). Sendo assim, oprincípio da igualdade refere-se à igualdade nas capacidadesintelectuais, considerando a desigualdade como uma manifestaçãodesigual das inteligências (Rancière, 1987/2002) o que causa o dano, oqual é compreendido como a impossibilidade da arché, esta que supõe“uma determinada superioridade que se exerce sobre uma determinadainferioridade” (Rancière, 1996b, p. 140).

A arché para Rancière (1996a, 2014a) é a lógica da divisão dessecomum (com)partilhado socialmente e que determina quem tem voz equem tem legitimidade para governar. Tal divisão se estabelece a partirda disposição de sete títulos (axiai): 1) quatro desses títulos estãorelacionados a diferenças de nascimento: os que nasceram antes – pai-filho e adultos-crianças, os que nasceram melhor – mestres-escravos e

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nobres-comuns; 2) dois estão relacionados com o saber e com anatureza: os que sabem mais: sábios-ignorantes, os que são mais fortes:fortes-fracos. Tais títulos estabelecem a estrutura hierárquica quedemarca a ordem policial, de gestão dos corpos. O sétimo título não éum título e ocorre quando “o princípio do governo se separa da filiação,mas apela ao mesmo tempo à natureza” (Rancière, 2014b, p. 55). Não éconsiderado título pois estabelece-se ao acaso, a partir do “procedimentodemocrático, no qual um povo de iguais decide a distribuição doslugares” (p. 53).

Portanto, toda partilha do sensível pressupõe um dano, que seinstaura a partir das funções que cada uma/um exerce nessa lógica daarché e que para Rancière (1996a) é um dano que não pode ser reparadoa partir de um acordo entre as partes. Sendo assim, o filósofo afirma queo que o ato político denuncia não é um dano acidental entre esse ouaquele sujeito, mas um dano que persiste e, por isso, a denúncia dessedano também persiste. Assim, “o dano institui um universal singular, umuniversal polêmico, vinculando a apresentação da igualdade, como partedos sem-parte, ao conflito das partes sociais” (p. 51).

Sendo assim, a igualdade só se instaura a partir de atosdissensuais, ou seja, quando a política se instaura, como um ato raro.Para Rancière (1996a) a política é um ato de litígio que produz dissensose rompe com as hierarquias, reconfigurando o mundo sensível, naquelemomento mesmo em que ela acontece. Para o autor – a política – esseato de litígio, de produção de dissensos, encontra-se em contraposiçãoao ordenamento do mundo sensível, que denomina de polícia.

A política, para Rancière (2014a), é o jogo das práticas, guiadopela pressuposição da igualdade entre qualquer ser falante e está ligadadiretamente ao conceito de emancipação. A lógica da emancipação éheterológica, “uma lógica do outro” (p.73), um outro que nunca seafirma enquanto identidade, mas que a recusa e que ao mesmo tempobusca um lugar comum, polêmico para o tratamento do dano. Portanto, aheterológica nos faz ver uma identificação impossível, na qual oprocesso de igualdade se dá na diferença e o lugar que esta diferença semanifesta é no “entre”, no intervalo, “que é o lugar do sujeito político”(p. 74). A política “está sempre ameaçada de se dissipar” (1996b, p. 378)e de se transformar assim no seu contrário, na polícia.

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A polícia para Rancière (1996b, 2012), não se apresenta como umtermo pejorativo relacionado à instituição policial que conhecemos noBrasil, mas diz respeito às diversas instituições que determinam a gestãodos corpos e definem o que pode ser visto, ouvido ou falado. A polícia éa racionalidade da gestão da vida que é instaurada pela divisão doslugares e das vozes sociais que podem ou não ser ouvidas. Nestesentido, relacionamos os conglomerados midiáticos ao conceito depolícia de Rancière, pois os mesmos dominam os meios de comunicaçãoe podem, assim, ser compreendidos como aqueles que definem quaisvozes serão veiculadas.

A polícia é, portanto, a distribuição hierárquica dos lugares nosensível partilhado socialmente (Machado, 2013) e, para se afirmar e semanter enquanto uma lógica a ser seguida, sem que outras perspectivascompartilhem espaço no social, a polícia e a hegemonia caminhamjuntas. Hegemonia é compreendida como “resultado de uma articulaçãocontingente que desde o início encontra-se marcada pela ambiguidade epela incompletude da objetividade e que, necessariamente, implica narepressão de outras alternativas também contingentes, constituindo-seportanto, como uma relação de poder” (M. A. Prado & Costa, 2009, p.76).

As mídias tradicionais, representadas pelos conglomeradosmidiáticos, são perspectivas hegemônicas que buscam controlar osmeios de comunicação evitando que as demais mídias, principalmente asmídias independentes, se sobressaiam. O Grupo Globo é um exemplo doque consideramos como um conglomerado midiático que dominahegemonicamente os meios de comunicação.

Fazem parte do Grupo Globo: 1) a Globo TV, que possui cincoempresas próprias e mais de 100 empresas afiliadas em diversos países(Globo Internacional); 2) a Globo Filmes, voltada para a produção defilmes brasileiros; 3) a GloboSat, uma rede de canais de TV porassinatura; 4) a InfoGlobo, uma rede que congrega diversos canais demídia impressa, 5) a Editora da Globo, que trabalha com a edição derevistas e livros; 6) a Som Livre, que atua na área de produção musical,7) o Sistema Globo de Rádio, que congrega diversas emissoras própriase afiliadas; 8) o ZAP, um portal de classificados na internet. (GrupoGlobo, s. d.).

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Este mapeamento dos canais midiáticos que pertencem ao GrupoGlobo torna possível perceber o acúmulo de propriedade nas mãos deapenas um Grupo, o que caracteriza a hegemonia conquistada pelomesmo. Conforme as mídias foram se modificando, a Globo tambémmodificou a sua forma de organização e ampliou, seu alcance nacional einternacional, atualmente sendo considerada um oligopólio dascomunicações no Brasil e no mundo. O acúmulo de propriedade é umaestratégia utilizada há muitos anos no Brasil, o qual nenhum governoconseguiu coibir. Tal estratégia faz com que diversos canais de mídiaveiculem conteúdo similar (Lima, 2010; Liedtke, 2006, 2007), seja naforma, no material ou na perspectiva ideológica, restando pouco ounenhum espaço para os canais que possuem outra perspectiva.

Além de apoderarem-se da TV e do rádio, as mídiastradicionais/conglomerados midiáticos também ocupam os espaços dainternet, disputando-os com mídias independentes que resistem à lógicahegemônica. Sendo assim, a disputa de narrativas que as mídiasindependentes vem constituindo deve tornar-se cada dia mais forte eacirrada, tendo em vista a desigualdade de estrutura que encontramosentre as mídias tradicionais e independentes. No entanto, mesmo comessa diferença de estrutura, as mídias independentes, aqui representadaspela Ninja, seguem firmes na luta contra a hegemonia dos canais demídia tradicionais.

Para auxiliar a pensar sobre essas questões voltemos ao momentoem que surge a Ninja, em 2013. Em julho desse mesmo ano nosdeparamos com uma cena que tomou as mídias tradicionais e também asredes digitais. Na cidade do Rio de Janeiro, diversas/os manifestantesprotestavam contra a gestão do governador Sérgio Cabral e os gastosmilionários para a vinda do Papa Francisco ao Brasil, bem como contraa truculência policial que vinha se consolidando desde o mês anteriornas manifestações de rua no país.

Durante os protestos, a polícia utilizou de armas com balas deborracha e bombas de efeito moral para dispersar as/os manifestantes.Bruno Teles, um manifestante que filmava os acontecimentos – segundoo mesmo para um documentário – foi preso em uma perseguição após ouso de arma não letal (arma de choque) por policiais. Bruno foi autuadopor porte de material explosivo e levado para a delegacia, embora não

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tivesse nem uma mochila e carregasse em suas mãos somente a câmerafilmadora. Um dos ninjas que estava filmando a manifestação conseguiuadentrar na delegacia e entrevistou Bruno que pediu a quem o assistiaque enviasse filmagens dele na manifestação e também do ato de suaprisão para que conseguisse se defender das acusações pelas quais haviasido preso. (Jornal Nacional, 2013; Mídia Ninja, 2013b)

Nesta cena é possível encontrarmos a emergência de um sujeitopolítico através dos atos de dissenso provocados pela Ninja e tambémpelas/os demais manifestantes que se encontravam nas ruas comoativistas comunicadoras/es. Os vídeos que mostram Bruno Teles durantea manifestação e no ato de sua prisão, bem como a entrevista para aNinja foram utilizados para inocentar o jovem, rompendo assim com alógica da hierarquia e com as vozes dos conglomerados midiáticos queenunciavam que manifestantes eram baderneiras/os. Fica nítido esserompimento quando nos deparamos com a veiculação de tais cenas noJornal Nacional, do Grupo Globo, um dos maiores representantes damídia tradicional brasileira.

Ao assistirmos em uma mídia tradicional enunciados queemergem das ruas e que são visibilizados pelas mídias independentes,podemos afirmar que as vozes que antes não eram ouvidas, por nãoserem veiculadas pelos conglomerados midiáticos, passam a poder serouvidas por milhares de pessoas. Tal situação rompe com a lógicaeditorial do Grupo Globo, que precisou enunciar que a polícia agiu deforma truculenta ao prender e autuar erroneamente um manifestante quenão havia realizado qualquer ato de ilegalidade. No entanto, ao mesmotempo em que essas novas vozes são ouvidas, continuam sendo ruído,perante as condições hegemônicas de se fazer comunicação em nossasociedade.

Percebe-se aqui a dialogia entre as vozes dos conglomeradosmidiáticos e as vozes que constituem a Ninja, a tensão existente entre asmesmas e a disputa por serem contadas, por terem sua parte nestapartilha do sensível. Evidencia-se, portanto, a disputa de narrativascontra a hegemonia dos grupos de mídias tradicionais que as mídiasindependentes vem constituindo.

Encontra-se aqui também a escolha que se faz das vozes queserão veiculadas pelos canais de mídia. Os mesmos, sejam eles

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tradicionais ou independentes, veiculam as vozes daquelas/es que afinanciam, ou seja, se não é veiculado é porque o canal de mídia esuas/seus financiadoras/es não tem interesse que o assunto seja deconhecimento da população. Neste sentido, compreendemos que, ao dara voz para a Ninja – um canal de mídia independente que vinha seconsolidando pelas disputa de narrativas com os conglomeradosmidiáticos – o Grupo Globo tenta capturar as vozes das ruas e dos meiosde comunicação independentes. Ao mesmo tempo e por uma outraperspectiva, podemos afirmar que, ao dar a voz para a Ninja no JornalNacional, o Grupo Globo demonstra que não dá conta de fazer o que aNinja faz, porque a comunicação daquele ainda é analógica, mesmo quecom uma tecnologia digital.

Sendo assim, uma vez que consideramos os conglomeradosmidiáticos como polícia, que denominam as vozes sociais que serãoveiculadas e as que permanecerão como ruído, compreendemos que asações da Ninja podem ser consideradas atos dissensuais. Ou seja,demonstraremos, ao longo desta tese, alguns momentos em que essasações se objetivam e fazem desta Rede um sujeito político. Importantecompreender que, para Rancière (2014a), o sujeito político aparece emato na relação, no entre, no que ele denomina de in-between, nesse jogode práticas que não se identificam, que não possuem um lugar definido.Acreditamos nesta potência dissensual da Ninja.

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3 Alguns fios importantes: a comunicação digital e ademocratização da e na comunicação

E se a imprensa não falaÉ porque tem propaganda

De quem não quer ver o mundoIr para onde livre anda

E nada contra a correnteNo Brasil, infelizmente

Na mídia o dinheiro mandaCordel do Software Livre - Cárlisson Galdino (Bardo)

A comunicação se constitui na relação entre sujeitos e issoperpassa a (re)produção e a (re)transmissão de informações e relaciona-se diretamente com um campo simbólico em tensão (Bakhtin,1929/2010a; Castells, 2013; Lévy, 1997/2010; Santos & Cypriano,2014) e com a produção de sentidos antagônicos, podendo serconsiderada como um processo de circulação de informações, marcas edados. Constitui-se como espaço de tensividade e relaciona-se com oacontecimento, este que rompe a lei e a ordem sem que sejafundamentado, mas sim contingenciado (J. Prado, 2016).

Newcomb (2010) compreende que a produção de comunicação seestabelece como uma relação dialógica, na qual a mensagem produzida,quando acessada pelas/os leitoras/es, possibilita a produção de sentidosvariados. Sendo assim, cada sujeito, quando em contato com uma dadamensagem, atribui valores, modos de ser, de ver e de viver, que sãonovamente (com)partilhados com outros sujeitos, que por sua vez lhesdão sentidos outros.

Para a perspectiva dialógica bakhtiniana, o ato comunicativopode ser considerado como “um terreno das interações, conflitos edisputas sociais entremeado por pressões, determinações e balizamentospróprios de uma dada época e lugar” (Ribeiro & Sacramento, 2010, p.15). Sendo assim, tal ato deve ser compreendido como uma lutadiscursiva, na qual o sentido vai sendo produzido nas relações sociais epolíticas que são estabelecidas entre sujeitos e/ou coletivos e que sealteram mutuamente.

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Ao longo desse capítulo dois fios serão costurados: odesenvolvimento da comunicação no Brasil e as políticas públicasvoltadas para o setor. Outro nó importante para esta tese inicia a suatecitura nesse capítulo: as disputas de narrativas relacionadas àspossibilidades de democratização da e na comunicação. Para auxiliar naescrita, compartilharemos com vocês cartas e mensagens que recebemosde uma personagem que compõem os nós desta tese. Sabendo queescrevíamos sobre ela, resolveu nos enviar algumas histórias suas queconsidera importantes, juntamente com o pedido de quecompartilhássemos aqui as informações que recebíamos.

3.1. A tecitura da comunicação digital

***

Florianópolis, 08 de agosto de 2017.

Olá! Como vocês estão?Estou escrevendo para contar uma história. A minha

história. É preciso deixar claro, já no início, que não contareitoda a história de minha existência. Apresentarei para vocêsalguns dos nós que me constituem. Elencarei, portanto,histórias e personagens que afetaram, de alguma maneira, aminha existência. Os afetos, ah, os afetos!! Me constituemdesde que eu era pequenina. É por meio deles e com eles queeu me manifesto. Se não considerarmos os afetos, eu fico pelametade, não consigo existir como um todo.

Lembro-me que quando eu era ainda bebê, constituía-me pelas palavras faladas. Não havia a escrita comoencontramos nos dias de hoje e eu era muito utilizada quandoas pessoas se encontravam pessoalmente. Não tinha essa história

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toda de internet, de você conseguir conversar sem olhar nosolhos da pessoa ou por meio de computadores. Não, era sóquando as pessoas estavam cara a cara que eu me manifestava.

Ah, desculpem-me, já comecei contando da minhainfância sem me apresentar. Me chamo Comunicação, e comovocês podem agora concluir, existo há bastante tempo, atémesmo antes da escrita, recurso que utilizo para conversar comvocês. Sim, eu sou bem velhinha, mas nem por isso deixei deme atualizar. Vocês vão perceber que as modificações na minhaconstituição me fazem renascer; por isso, muitas vezes a idadecronológica não representa a idade que realmente tenho.Parece meio estranho, né? Mas é que eu vou acompanhando osavanços tecnológicos e as transformações sócio-históricas dahumanidade.

Ainda na minha infância, recordo-me que começaramalgumas alterações em minha existência. Eu começava a serutilizada por meio da escrita. Não era preciso que as pessoasestivessem cara a cara para que eu existisse. Era possível quecontassem histórias que haviam acontecido dias, ou até mesmoséculos antes, me utilizando. Fui constituindo desta formacartas, jornais, livros, e outros escritos. Foi assim que ahistória, para além da oralidade, passou a ser transmitida deforma escrita. E isso foi um avanço muito grande na minhaexistência.

Eu posso estar em vários lugares ao mesmo tempo. Issoé tão legal!. Sou participante ativa das relações entre aspessoas e por este motivo sou considerada essencial, afinal,todas/os precisam de mim para se relacionarem. Acompanho,portanto, diversas vidas e assim aprendo muitas coisas; e é por

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este motivo que a forma como me constituo vai semodificando. Vou contar uma história que me marcou demaisdentre as tantas que vivi: durante a ditadura militar no Brasil,um casal de namorados (uma moça que militava em umaorganização de esquerda e um rapaz que trabalhavainternamente no Quartel) de vez em quando se encontravampara almoçar nos dias de semana. O convite para o almoço erao código usado quando ele ligava para ela a fim de informarque sabia quais seriam as/os próximas/os militantes a seremperseguidas/os pelo exército. Afinal, ele trabalhava no Quartel,na parte administrativa, e naquela época havia uma única linhatelefônica com diversas extensões. Por acaso, ele ouvia asligações e anotava os nomes de suas/seus conhecidas/os.Desses almoços românticos entre um casal apaixonado,salvaram-se muitas e muitos.

Acompanhei de perto a constituição da família advindadesse casal. Adorava estar por perto aos domingos, pois era odia de comer o churrasco feito pelo pai, para depois curtiraquela sesta. Antes de começar os preparativos para ochurrasco, as meninas iam com a mãe até o orelhão na frenteda casa e ligavam para o avô e a avó materna. Nessa épocaeu já me constituía pela junção entre a distância e as palavras.No início, era tudo meio estranho, mas aos poucos as pessoasforam compreendendo que era possível me utilizar paraconversarem com pessoas que estavam em outras cidades, ouaté estados e países, sem que pudessem se ver, apenas seouvindo. Para isso, era preciso utilizar um aparelho chamadotelefone. Algumas pessoas não o tinham em casa, e assimutilizavam os telefones públicos, conhecidos como orelhões,

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como é o caso dessa família com quem eu passava osdomingos. No Brasil, inicialmente teve a telefonia fixa, e aofinal dos anos 1990 surgiu a telefonia móvel.

Após a sesta, a família toda sentava no sofá da sala epassavam o restante do dia assistindo aos programas deauditório e jornais de domingo do Grupo Globo, com algumaspausas para as refeições. Nessas pausas, conversavam sobre oque haviam assistido, ou até mesmo durante o programa teciamcomentários sobre o assunto apresentado. Nessa época eu jáme constituía a partir de outros recursos: a televisão e orádio.

Os avanços tecnológicos foram acontecendo muitorapidamente e com o surgimento da internet minhas estruturasse modificaram completamente, assim como a velocidade decirculação das informações. Muitas/os consideram que eu metornei mais democrática, afinal, com a internet diversas ideiasestão presentes em um mesmo espaço e podem ser acessadaspor um maior número de pessoas.

É tão emocionante saber que eu não vou parar nunca deme modificar, que eu existo a partir das mudanças queacontecem em mim mesma. Isso é sensacional! Vocês jáperceberam isso em vocês? Quando nos deparamos com esseconhecimento, a nossa vida parece que fica mais leve eaceitamos que não há avanços sem mudanças. E quando asmudanças acontecem muito rapidamente, a sensação é de quenão vamos aguentar; mas depois que os ventos que trazem amudança se acalmam, a gente percebe como foi boa aquelaventania tirar tudo do lugar e acomodar em outros lugares. Efoi assim comigo, quando começou o surgimento da internet.

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Por hoje é só. Agradeço a atenção.Até breve!

Abraços,Comunicação

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Como a Comunicação apresentou para nós, ela se se constitui apartir de diferentes meios, que são chamados de dispositivoscomunicacionais que variam a sua estrutura conforme a tecnologia,quais sejam: dispositivos baseados na relação “um-todos”, na qual umúnico centro transmissor envia a mensagem para um grande número dereceptores; os dispositivos em que a relação é de contato ponto-a-ponto(“um-um”), ou seja, a mensagem sai de um único transmissor e érecebida por um único receptor; o dispositivo “todos-todos”, nos quaishá mais de um receptor e de um transmissor. (Lévy, 1997/2010).

O telefone fixo, por exemplo, caracteriza-se como um dispositivoque perpassa uma relação “um-um”, ou seja, é possível noscomunicarmos por meio da ligação entre dois pontos, somente – otelefone que realiza a ligação e o outro que recebe. Atualmente, com oavanço das tecnologias de telecomunicações, tem-se a possibilidade derealizar chamadas a partir de telefones móveis com mais de uma pessoa(teleconferências), seja por voz ou por vídeo. Já na comunicação pelaTV há somente um ponto emitindo a mensagem (a TV) e vários pontosrecebendo (milhões de pessoas que estão assistindo ao mesmo canal), oque caracteriza o dispositivo comunicacional conhecido como como“um-todos”18.

18 A TV digital, que começou a ser implantada no Brasil em 2008 tinha comoperspectiva superar a lógica analógica na qual a TV se estrutura, que dependede um sinal que é contínuo e varia em função do tempo. Com a implantaçãoda TV digital a proposta era que se tornasse uma tecnologia que se modificaem uma velocidade maior e que, com isso, acompanha os desenvolvimentos

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Desta forma, se pensarmos para além da estrutura física que épreciso para a que as pessoas se comuniquem e considerarmos aperspectiva dialógica de Bakhtin (1929/2010a, 1963/2010b), mesmo nosdispositivos comunicacionais que estabelecem a relação “ponto-a-ponto” ou a relação “um-todos”, presente no telefone e na TV, podehaver a expressão de diversas ideias em um mesmo espaço, pois adialogia está presente na monologia, quando uma única voz se sobressai,uma vez que a dialogia está também relacionada ao que a/o receptor/airá fazer com a informação recebida, que sentidos lhes serão atribuídos equal o lugar que este nó terá na composição da trama da rede queconstitui cada sujeito.

O dispositivo “todos-todos”, que permite a mescla entreemissoras/es e espectadoras/es com base na interatividade, pode serencontrado a partir do advento da internet. Na primeira internetdesenvolvida, conhecida também como web 1.0, o processo decomunicação era linear sem a possibilidade de interatividade entre ossujeitos, impossibilitando a (re)produção e a (re)transmissão dasinformações, baseando-se apenas no acesso às mesmas. Com o adventoda conhecida web 2.0, considerada como a segunda geração dos serviçosonline, ocorre a ampliação dos espaços para compartilhamento dasinformações e para interação entre os usuários, potencializando assim asformas de publicação dos conteúdos (D’Andréa & Alcântara, 2009) e ainteração entre as diversas vozes sociais.

A web 2.0 caracteriza-se “pela conexão de alta velocidade quepermitiu a veiculação via web de informações em todos os formatos –áudio, vídeo, imagens, etc., em plataformas colaborativas” (Di Felice,2012, p. 280). Sendo assim, caracteriza-se pela utilização de programasde comunicação instantânea – e não somente o acesso à “informação”,mas uma troca de informações, instituindo uma relação outra com a rededigital. Portanto, os dispositivos comunicacionais digitais, seestabelecem a partir de uma relação entre diversos pontos sendo

tecnológicos e culturais. No entanto, no Brasil, os canais de TV modificaramsomente a recepção e transmissão do sinal, tendo em vista que ainteratividade proposta pela TV digital não foi concretizada e as mesmascontinuam operando dentro de uma perspectiva analógica.

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transmissoras/es e receptoras/es, modificando assim a forma daprodução de comunicação. São, por muitas vezes, considerados modelosmais democráticos de comunicação (D’Andréa & Alcântara, 2009), poisquebram a lógica unidirecional e possibilitam que diversas ideiasestejam presentes em um mesmo espaço, reconfigurando, desta forma aspráticas comunicacionais.

Uma questão importante relativa à comunicação digital – dizrespeito à relação espaço-tempo. O espaço digital possibilita que sujeitosse relacionem com outros sujeitos, independente de lugares geográficose da coincidência dos tempos (Lévy, 1997/2010). E esse dispositivocomunicacional desenvolve-se no que se denomina de ciberespaço. Porciberespaço compreende-se um “novo meio de comunicação que surgeda interconexão mundial de computadores” (Lévy, 1997/2010, p. 17).Essa representação envolve sua estrutura material/física e informacional,de forma que não pode ser compreendida separadamente do contextosocial – também conhecido como offline – pois os sujeitos sãoatravessados pela internet (Bentes, 2013) e assim, poderíamos dizer queo ciberespaço é constituído por e constituinte de “sujeitos”.

No ciberespaço, a interatividade e a circulação de conteúdosfazem com que o universal que nele se encontra representado não sejapautado no fechamento semântico, caracterizando uma cultura digital,ou seja, a cibercultura, que “dá forma a um novo tipo de universal: ouniversal sem totalidade” (Lévy, 1997/2010, p. 119). Esta écompreendida como um “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais),de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que sedesenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (Lévy,1997/2010, p. 17).

No que diz respeito ao universal proposto por Lévy (1997/2010),quando a comunicação acontecia somente pela oralidade, era permitidoque os sujeitos se comunicassem dividindo o mesmo contexto, a mesmasituação, o que fazia com que as mensagens chegassem à/ao receptor/ano mesmo tempo e lugar em que foram emitidas. Com o advento daescrita, as mensagens começam a chegar ao/à receptor/a fora docontexto de enunciação e com isso tentou-se criar um universaltotalizante, um fechamento para o sentido semântico das mensagens(Lévy, 1997/2010).

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Com o surgimento do ciberespaço, as informações não se tornammais totalizáveis, ou seja, não há uma única linha diretriz que paute asrelações ali estabelecidas. Por se estruturar tal qual uma rede, em quecada nó pode ser tanto emissor/a quanto receptor/a de conteúdo, ociberespaço permite que emissoras/es e receptoras/es compartilhem “omesmo contexto, o mesmo hipertexto19 vivo” (Lévy, 1997/2010, p. 118),por meio do que se denomina de interatividade. A internet e ocompartilhamento de informação “todos-todos” possibilitam que asvozes sociais sejam compartilhadas em uma outra velocidade, diferenteda presente na oralidade, na TV, no telefone, possibilitando uma relaçãooutra com a (re)produção e (re)distribuição da informação. E, talvez porisso, quando a comunicação assume um formato digital seja consideradacomo mais democrática. No entanto, questionamos: qual medidautilizam para considerarem o formato de comunicação digital como umacomunicação mais democrática? O acesso às informações? A difusão deconteúdos? A interatividade entre sujeitos?

Uma inquietação aparece neste ponto: compartilhar o mesmocontexto garante que os sentidos atribuídos aos enunciados sejam osmesmos? Mesmo quando na comunicação através da escrita, o contextode enunciação está presente e compõe o enunciado produzido e ossentidos a este atribuídos (Bakhtin, 1929/2010a). É a tensão entre asvozes sociais, a dialogia presente no processo de (re)produção e(re)transmissão da informação que permitirá que o universal da relaçãonão se totalize. O fechamento semântico das mensagens só estarápresente se os sujeitos da relação não considerarem o que constitui oenunciado concreto – este que é constituído por elementos verbais(língua, palavra) e elementos não verbais (a forma arquitetônica doenunciado). Estes últimos consideram o horizonte espacial comum, asituação de produção do enunciado; conhecimento e compreensãosemântica; o horizonte comum, axiológico. Os elementos verbais e os

19 Hipertexto, segundo Lévy (1995/2011a), é uma rede de informações tecidapor diversos nós: palavras, imagens, sons, páginas, etc, que se articulam deforma reticular na qual “cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira”(p. 33).

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extra-verbais devem ser considerados em relação, para uma análise doenunciado no tempo e no espaço (G. Souza, 2002).

Sobre os aspectos da comunicação digital, recebemos umamensagem via Telegram20 da personagem comunicação (Figura 03) e,seguindo seus ensinamentos, vamos adentrar nas questões relativas àprodução de comunicação de forma colaborativa e em rede paracompreender os processos que constituem a comunicação digital. Talformato de produção de comunicação é muito utilizado pela Ninja e seestabelece nessa Rede a partir do lastro que o FdE criou desde o seuinício. Atualmente, a comunicação em rede é possível por conta doavanço das tecnologias digitais, com a criação dos canais decomunicação instantânea.

20 O Telegram é um aplicativo de mensagens instantâneas no estilo de softwarelivre que pode ser utilizado tanto em tecnologias móveis como emcomputadores. Tal aplicativo possui uma criptografia de ponta-a-ponta, ouseja, as mensagens enviadas e recebidas são criptografadas e não podem serrastreadas. Esta é uma questão pela qual a Ninja utiliza o Telegram no lugardo WhatsApp, outro aplicativo de mensagens instantâneas.

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Figura 04: Mensagem de TelegramFonte: Arquivo da pesquisadora

Para Castells (1999), as tecnologias digitais possibilitam quenossa sociedade se estruture em rede, na qual se estabelecem relaçõesoutras com os tempos e os espaços. Podemos pensar nessa estrutura derede como possibilidades de conexões entre lugares e temporalidades. A

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rede não é considerada somente a infraestrutura, mas sim o que éproduzido a partir da mesma. Portanto, a rede se estabelece não somentea partir dos diversos “nós” que a compõem, mas principalmente a partirdos fios que são tecidos por esses “nós”. A rede é a capacidade de cadasujeito fazer com que outros/as produzam coisas inesperadas, criandopossibilidades que emergem nas relações entre sujeitos (Lemos, 2013)que constituem assim estruturas verticalizadas e horizontalizadas parasustentação das redes.

Podemos pensar a comunicação em rede como um processo quecompreende a relação entre diversos nós e que se constitui daspossibilidades de relações entre esses diversos nós. A internet, que é afaceta mais importante da comunicação em formato digital se estrutura apartir das redes peer-to-peer (P2P), oriundas do desenvolvimento depesquisas militares para defesa contra bombardeios inimigos nosEstados Unidos da América. Essas pesquisas eram desenvolvidas pelaestadunidense ARPA – Agência de Pesquisa e Projetos Avançados, umaagência militar de pesquisa em ciência e tecnologia que deu origem àARPANET, rede de computadores para comunicação de dados (M.Carvalho, 2006).

Com o objetivo de transmitir informações com um custo reduzidoe aumentar a confiabilidade e os objetivos militares nas pesquisasaéreas, a ARPANET começou a ser implementada no ano de 1969, pormeio da ligação de quatro nós: Universidade da Califórnia – LosAngeles, Universidade da Califórnia – Santa Bárbara, Universidade deUTAH e Instituto de Pesquisa Stanford. Iniciou-se assim odesenvolvimento da internet como forma de controle e monitoramentode informações. A ARPANET possuía arquitetura peer-to-peer (par-a-par), ou seja, as conexões eram feitas por meio de grandes nós, que nestecaso eram as Universidades, recrutadas pelos militares para ocompartilhamento de informações confidenciais (M. Carvalho, 2006;Malini & Antoun, 2013).

Até meados da década de 70, essas redes eram somente entreUniversidades. Posteriormente, duas outras redes foram desenvolvidasnos Estados Unidos: a PRNET (transmissão de dados via ondas derádio) e a SATNET (transmissão de dados via satélite). Essamultiplicação inspira um projeto de interconexão entre as redes, o

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Projeto Internet, que desenvolve um protocolo oficial para a ARPANET(M. Carvalho, 2006). No ano de 1984, os responsáveis pela ARPANETdecidem dividi-la em duas partes: uma rede de pesquisa com 45instituições civis e uma rede de produção com 68 instituições militares(M. Carvalho, 2006). A criação de uma rede somente com instituiçõescivis acelera o crescimento de uma internet civil, que já vinha sendodesenvolvida pelos hackers desde a década de 1970, quando tomaram deassalto a estrutura da internet e a disponibilizaram para conexões outras,que não somente entre militares e universidades (Malini & Antoun,2013).

Essas comunidades, surgidas a partir da década de 1970 “peloslibertários da contracultura” (Lorenzotti, 2014, s. p.) possibilitaram acriação da web 2.0, que se caracteriza pelo aumento da velocidade dacirculação de informação e é composta pelas redes sociais, quepossibilitaram uma conexão entre diversos saberes e espectadoras/es que(re)produzem informações que estão nos palcos digitais e que costurama rede que tece nossa sociedade. Todas/os são espectadoras/esemancipadas/os, que (re)criam “poesias” e constituem diversos nós damesma rede.

Recorremos aqui à metáfora de Rancière (2012) sobre o/aespectador/a emancipado/a. O autor, em suas discussões sobre o teatro eseu público, o agente e o/a espectador/a, problematiza a compreensãoque se tem do/a mesmo/a. Para ele, ao criar a performance o/a artistanão deve se preocupar em transmitir fielmente o saber ao/à espectador/a,mas sim apostar na relação que é criada, possibilitando ao/à espectador/aatribuir sentidos ao que vivenciou. O/A espectador/a é alguém queobserva, seleciona, compara, conecta-se com a ação teatral, participa doespetáculo mesmo sem estar no palco. De igual forma, aquelas/es queparticipam das redes sociais atribuem sentidos variados às informaçõesque circulam nas mesmas, compondo as conexões através de micro-nós.Relacionam o que veem com o que já viram em outras cenas (Rancière,2012), traduzindo-as de forma emancipada, ainda que não sereconheçam nesta condição.

A partir da lógica das conexões entre micro-nós, os hackersbuscaram a liberação das diversas vozes sociais, fomentando a criaçãode listas de discussões sobre assuntos diversos, pautados nas opiniões

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das/os participantes que compunham essas redes, agora tambémcompartilhadas entre civis (Malini & Antoun, 2013). Tal estruturaauxiliou no surgimento do ciberativismo no ano de 1984, quandoinúmeras/os ativistas se reúnem no ciberespaço e modificam sua lógicade funcionamento, trabalhando na perspectiva da colaboração, docompartilhamento de informações, das trocas virtuais de opiniões, dalibertação das vozes presentes naquele espaço de “subjugaçãoinformacional aos interesses exclusivos do capital” (Malini & Antoun, p.19). Essa mudança na lógica de funcionamento do ciberespaço modificao funcionamento das redes P2P (peer-to-peer, ou par-a-par).

Essas redes estruturam-se de diferentes maneiras: existem asredes que possuem um servidor central, tais como a que era utilizadapela comunidade Napster – “um sistema de troca de arquivos na web”(Malini & Antoun, 2013, p. 90). Neste caso, o servidor mantinha umdiretório que armazenava todos os arquivos que estavam noscomputadores de cada usuária/o que acessava o Napster para ocompartilhamento. Assim, as/os usuárias/os se conectavam entre si parafazer o download dos arquivos. Tal conexão se caracterizava por umaestrutura mais verticalizada, tendo em vista que o servidor, portanto,tinha a função de conectar as/os usuários, ou seja, uma autoridade(servidor) conectava e organizava os nós da rede (usuários) (Malini &Antoun, 2013).

O Napster possibilitou o surgimento de outros tipos de modelosde redes P2P, como o GNUtella, que se diferenciava por possuir umaarquitetura descentralizada que possibilita o anonimato dos usuários.Trata-se uma rede P2P distribuída, na qual não há um único servidor quedistribui as informações. Cada participante da rede é um servidor;portanto, não há uma centralidade, mas haviam assim estruturashorizontalizadas de conexão entre os diversos nós da rede. Essadescentralização permitiu também a criação de diversas redes decompartilhamento de dados. Outra arquitetura de rede P2P é conhecidacomo semicentralizada, que se caracteriza pela criação de redes híbridas– mistas. Essas redes se estruturam por super-nós (hubs) considerados osservidores da rede, mas ao mesmo tempo possibilitam trocas entre as/osusuárias/os sem passar por um dos servidores (hubs) (Malini & Antoun,

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2013). Aqui, encontramos estruturas horizontais e verticais sustentandouma mesma rede.

Do ponto de vista tecnológico, as redes P2P surgiram para que aspessoas pudessem compartilhar informações independentemente dosservidores, o que muitas vezes possibilitava burlar os “canais oficiais”nos quais era preciso pagar para obter o arquivo desejado (seja umamúsica ou um programa de computador). Portanto, as redes P2P foramcriadas para reduzir a “governança” sobre o que se queria compartilhar;ou então, para distribuir arquivos de músicas, por exemplo, semprecisar pagar direitos autorais. Tais estruturas criaram o que hojeconhecemos por redes sociais.

Levando em consideração que a Ninja é resultado de anos deexperiência do FdE, por trabalhar com a perspectiva da redecolaborativa, as/os midialivristas estão buscando descentralizar ações eresponsabilidades, a fim de trabalhar com a lógica descentralizada,rizomática, que está presente nas redes P2P híbridas da internet. Amaioria das/os midialivristas da Ninja vivem nas casas do FdE,compartilhando não só a experiência de ativismo, mas principalmente aexperiência de vida comunitária. Nesse espaço, tudo é compartilhado,constituindo uma forma de vida na qual todas/os se auxiliammutuamente, sustentando essa Rede colaborativa.

Desde o seu início, o FdE utilizou diversas tecnologias digitaispara conectar as pessoas de diferentes estados. Hoje utilizam oTelegram, que é um programa de comunicação instantânea, com o qualrealizam a comunicação interna de cada Casa Coletiva e também acomunicação entre as Casas Coletivas, bem como com os diversosoutros nós das Redes e suas parcerias. Portanto, as tecnologias decomunicação digital são muito utilizadas tanto para a comunicaçãointerna, para que a vida coletiva consiga “andar”, quanto para acomunicação externa – para articulação com os outros coletivos e a vidaem rede, fazendo com que estejam conectadas/os o tempo todo comtodas as Redes (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015). Comunicar-se muito intensamente com todas as Redes, sobre as diversas demandasdo dia-a-dia, é a forma como conseguem gerir e ajustar, organicamente,cada uma das necessidades dos projetos nos quais encontram-se

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envolvidas/os. Portanto, consideram que comunicar-se de forma muitointensa é a única possibilidade de lidar com o caos de forma organizada.

Atualmente, as Redes utilizam diversos canais para escoarem osconteúdos que produzem para o externo. Possuem uma página da Ninjana internet (www. m i dianinja.org), na qual publicam textos dereportagens e posicionamentos sobre assuntos relativos às suas pautas;uma página no Facebook e um Instagram, bem como um canal denotícias21 no Telegram que foi criado na época do Golpe de 2016 para apublicação de notícias sobre os acontecimentos políticos; esta queperdura até os dias de hoje. O FdE também possui uma página noFacebook e atualmente um canal no Telegram; possuem ainda aspáginas no Facebook das Casas Coletivas e do Gurizada – um projeto daRede FdE sobre educação não convencional. Administram no mínimoumas 30 páginas de redes sociais, nas quais publicam conteúdodiversificado. A decisão para qual página vai cada conteúdo é realizadaem um chat no Telegram, denominado Núcleo de Comunicação, no qualparticipam diversas pessoas que trabalham voltadas para a comunicaçãodas Redes. São muitas/os as/os responsáveis pela administração daspáginas e por gerarem conteúdos conforme a demanda e a discussãorealizada no chat (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015).

Portanto, assim como a rede P2P criada no ciberespaço para ocompartilhamento rizomático22 de conteúdo, as/os midialivristas daNinja vivem de forma rizomática nas casas do FdE, compartilhandoexperiências, vivências, afetos, mas principalmente, compartilhandouma outra possibilidade de se (com)viver, baseada em uma ética, umaestética e uma política. A partir do que já se conhece desta Rede,

21 Com o Telegram é possível você criar um canal de notícias, no qual aspessoas se inscrevem para participar e recebem as mensagens que sãopostadas pelas/os administradoras/es da mesma.

22 A expressão “rizomático” vem do conceito de rizoma utilizado por Deleuze eGuattari (2007). Os autores retiram este conceito da botânica, para pensar aprodução de conhecimento como um sistema aberto, com múltiplaspossibilidades de conexões entre conceitos e contrapondo-se à lógica binária.Em botânica, o rizoma é uma extensão de um caule que une diversos outrosbrotos, sendo assim, na teoria de Deleuze e Guattari (2007, p. 15), “qualquerponto de rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo”.

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percebe-se uma outra possibilidade de (com)viver e que de algum modoestá intimamente ligada à forma como essa Rede produz comunicação.A Ninja se constitui como uma Rede híbrida, composta por diversasvozes que se encontram enlaçadas em momentos diferentes, em espaços-tempos diferentes e que compõem relações horizontalizadas everticalizadas. Ao mesmo tempo que constituem uma única grandeRede, também pertencem a diversas outras redes, tão potentes quantoesta e que se tecem através da colaboração. Sendo assim, a Ninja, aomesmo tempo que produz uma outra comunicação, também produz umaoutra possibilidade de viver, e ambas estão sustentadas na colaboração econstituem-se mutuamente.

3.2. A comunicação no Brasil: política pública ou mercadoria?

Apresentamos uma carta recebida, na qual a Comunicação nosconta um pouco da sua história aqui no Brasil.

***

Florianópolis, 20 de agosto de 2017.

Olá. Como estão?Estou de volta para contar um pouco mais da minha

história para vocês. Conseguiram perceber que a ventania quea internet trouxe e, com isso, muitas foram as mudançasocorridas desde então? Eu levei tempos para conseguir meacostumar com tantas mudanças! E agora todos os meusformatos – oralidade, escrita, áudio, vídeo, áudio e vídeo –coexistem no ciberespaço. Agora, vou apresentar um pouco dahistória das políticas públicas desenvolvidas no Brasil para o

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meu desenvolvimento, desde a época das telecomunicações,passando pelas tecnologias de TV e rádio.

Até meados da década de 50, o Brasil ainda estava nafase embrionária do desenvolvimento das telecomunicações. Aospoucos, os governos foram investindo na regularização edifusão dessa tecnologia. Durante todo o período militar,muito pouco foi investido para o desenvolvimento dastecnologias de comunicação. Embora houvesse um setorgovernamental específico para essa questão, os governosmilitares iniciaram a entrega das concessões de rádio e TVpara as empresas privadas.

Nesta época, senti-me tratada como mercadoria, moedade troca e até mesmo usada como forma de controle emanipulação de sujeitos! Seja pelas telecomunicações, queestavam sob custódia do Estado e podiam ser utilizadas paracontrolar o que “comunistas” estavam fazendo; ou seja pelofato de que o governo tinha o controle sobre as TVs, quenão noticiavam o que realmente estava acontecendo no país.Tal situação deixou as/os telespectadoras/es alheias/os àrepressão que o Brasil estava vivendo e que causou a morte demuitas e muitos, cujas circunstâncias em muitos casospermanecem obscuras até os dia de hoje.

Enquanto as TVs e rádios se ocupavam em abafar aviolência dos Anos de Chumbo, muitas e muitos arrumavam umjeito de se encontrarem para formar estratégias deresistências aos governos militares. Lembram-se da históriadaquele casal que contei anteriormente? Então, ela e ele, aoencontrarem seu código secreto – o convite para almoçar –,criaram uma estratégia para lidar com a repressão e tentar

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salvar aquelas/es que estavam sendo perseguidas/os peloregime. Assim também agiam as organizações de esquerda, quelutavam contra a repressão: além das reuniões clandestinas,marcadas no boca a boca e divulgadas com todo cuidadopossível, utilizavam-me como resistência, por meio de jornaisimpressos, panfletos, cartazes ou até mesmo nos muros dascidades. Abaixo apresento para vocês a foto de um ativistapichando a fachada do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,durante a Passeata dos Cem Mil em 26 de junho de 1968. Apichação comunicava “Abaixo à Ditadura” e demonstrava queexistiam vozes que se opunham ao regime militar, fazendo comque as mesmas fossem ouvidas/lidas.

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Figura 05: Foto da Ditadura no BrasilFonte: http://m.memorialdademocracia.com.br/card/passeata-dos-cem-mil-afronta-a-ditadura

No Brasil pós-Constituição de 88, os meios decomunicação passaram a ser considerados serviços públicos aserem efetuados por empresas privadas. A década de 1990 émarcada como o período de privatizações de FHC. Astelecomunicações não ficaram fora da lista, afinal, o destino doque é público e supostamente não funciona é ser vendido paramultinacionais. Tais empresas tem recursos para investir e fazercom que o setor seja útil para a população. Foi isso queaconteceu com minha amiga energia elétrica, por exemplo epode acontecer com o petróleo. Os governos neoliberais (comoé o caso do governo FHC e do ilegítimo Michel Temer)propositadamente sucateiam as empresas públicas, deixando deinvestir recursos nas mesmas para que não funcionem direito, o

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que justifica a necessidade de privatização do setor, tratandoo que é um direito como mercadoria.

Mesmo com todo esse cerco que o governo brasileiro fezpara conseguir me tornar uma mercadoria e lucrar comigo,ainda na década de 70 houve uma mobilização pelademocratização da comunicação, que acompanhava o movimentopela redemocratização do país. Da mobilização surgiu o FNDC –Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, que atéhoje possui Comitês ativos em diversos estados brasileiros econtinua a erguer a bandeira pela democratização da e nacomunicação.

Por hoje é isso. Até breve!

Abraços,Comunicação

***

Ainda no início do desenvolvimento das telecomunicações noBrasil, estávamos vivenciando o governo de Juscelino Kubitschek que,buscando efetivar o projeto de integração nacional aprova o plano demetas, que visava agilidade na difusão de informações. No governo deJânio Quadros, temos a criação do Conselho Nacional deTelecomunicações (CONTEL) e seu sucessor, João Goulart aprova oregulamento do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT),inspirado nos estudos do EMFA – Estado Maior das Forças Armadas.Tal Código visava regularizar e centralizar o sistema nacional detelecomunicações (M. Carvalho, 2006).

No início da Ditadura Militar no Brasil, em 1964, reforçam-se osesforços para que as telecomunicações fossem retiradas das mãos dasempresas privadas, impulsionando assim a implantação do CBT ecriando, um ano depois, a Empresa Brasileira de Telecomunicações

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(Embratel), buscando “implementar a rede nacional, que passou aadquirir o controle das concessionárias privadas e assumir os serviçosnacionais e internacionais prestados pelas multinacionais” (M. Carvalho,2006, p. 51-52). Muitos são os relatos de utilização dos canais de TVspara propagar os ideais dos governos militares, não deixando queposições contrárias aparecessem (Liedtke, 2007).

Também foi durante a ditadura militar que tivemos a criação deum segmento importante para a manutenção do regime: a rede detelevisão brasileira, que já surgiu alinhada com o Congresso Nacional econtinua muito forte até hoje. (Schröder, 2009). Durante os anos dechumbo (1969 – 1973), o poder das forças armadas abafava o queacontecia nos espaços militares com aquelas/aqueles que lutavam contrao regime de exceção, de forma que na mídia tradicional não se ouviafalar nas torturas e perseguições às/aos militantes de esquerda. Enquantoseus gritos ecoavam dentro dos Departamentos de Ordem Política eSocial (DOPs), nas TVs e rádios o que se ouvia era o hino da seleção –Pra Frente Brasil23 – intercalado com notícias sobre o “milagreeconômico” que possibilitava a todas/os da família o ingresso nomercado de trabalho, afinal, sugeria a existência de empregos de sobrano Brasil durante esse período (Giannotti, 2009).

Como nos mostrou a personagem Comunicação na carta que nosenviou, na constituinte de 88, define-se que os meios de comunicaçãoserão considerados como serviços públicos, a serem efetuados pelo setorprivado. Até hoje, esses serviços são administrados por empresasprivadas, por meio de concessões públicas temporárias (10 anos pararádio e 15 anos para TV), o que se converteu em uma apropriação dos

23 Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil, no meu coração/Todos juntos,vamos pra frente Brasil/Salve a seleção!!!/De repente é aquela corrente prafrente, parece que todo o Brasil deu a mão!/Todos ligados na mesma emoção,tudo é um só coração!/Todos juntos vamos pra frente Brasil!/Salve aseleção!/Todos juntos vamos pra frente Brasil!/Salve a seleção!/Gol!/Somosmilhões em ação/Pra frente Brasil, no meu coração/Todos juntos, vamos prafrente Brasil/Salve a seleção!!!/De repente é aquela corrente pra frente, pareceque todo o Brasil deu a mão!/Todos ligados na mesma emoção, tudo é um sócoração!/Todos juntos vamos pra frente Brasil, Brasil!/Salve a seleção!/Todosjuntos vamos pra frente Brasil, Brasil!/Salve a seleção! (Gustavo, 1970)

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meios de comunicação, tendo em vista que 70% dos mesmos no Brasilestão nas mãos de apenas seis famílias (Brasil 247, 2013), formando osconglomerados midiáticos. É assim que, cada vez mais, a comunicaçãovai deixando de ser considerada como um direito e se tornandomercadoria (Conde, 2009). A constituinte de 88 redemocratiza diversossetores da sociedade; no entanto, não avança muito no que diz respeitoao setor de comunicação (M. Carvalho, 2006; Schröder, 2009).

Na década de 90 foi criada a teia mundial de computadores,conhecida como World Wide Web (WWW): uma nova ferramenta,desenvolvida por Bernes-Lee e Cailliau que atuavam no CERN –Conselho Europeu para Pesquisas Nucleares. A teia possuía umalinguagem simples de escrever e de entender e tinha como principalaspecto a universalidade, ou seja, um browser (navegador de internet)que poderia acessar qualquer servidor. (M. Carvalho, 2006; Castells,2013). Tanto no Brasil, quanto nos EUA e nos demais países surgemdiversos provedores de acesso à internet.

Em 1995, nos EUA, temos a privatização da Internet. Um anoantes, no Brasil, a Embratel inicia a disponibilização de serviço deinternet, como um projeto piloto, para um pequeno grupo de usuários detelecomunicações. A proposta da estatal era ampliar esse serviço e tornara internet acessível a uma grande parcela da população brasileira.Muitas críticas são feitas a respeito desse projeto, com apoio da grandemídia – a exemplo da revista Veja, que fez uma matéria de capa sobre otema. As críticas giravam em torno do que chamavam de monopólio daEmbratel (M. Carvalho, 2006).

No ano seguinte, o primeiro ano do governo de FernandoHenrique Cardoso (FHC), o ministro das comunicações Sérgio Mottainstituiu a Norma 004/95, que definia a relação entre a Embratel e asempresas públicas estaduais de telecomunicações e os futurosprovedores de acesso. Em maio do mesmo ano, uma Nota Conjuntaentre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério dasComunicações institui o fim das atividades da Embratel voltadas àconexão de internet, delegando à Rede Nacional de Pesquisa (RNP) agestão desta área. O documento definiu que a atuação das empresaspúblicas seria complementar às empresas privadas (M. Carvalho, 2006).Mais uma vez a comunicação foi tratada como mercadoria, utilizada

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para agradar o interesse de poucos – no caso, as empresas privadas detelecomunicações que buscavam entrar no mercado dos provedores deinternet.

A Rede Nacional de Pesquisa, posteriormente denominada RedeNacional de Ensino e Pesquisa, foi criada em 1989 com o intuito deseguir as diretrizes internacionais, as quais, desde o surgimento daARPANET, estabeleciam redes de pesquisa vinculadas àsUniversidades, com o intuito de criar os bancos de dadoscompartilhados entre as mesmas. No Brasil, a implantação da RNP tevecaráter de projeto e recebeu apoio do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Dez anos depois, oMEC – Ministério da Educação e Cultura a transforma, de projeto, paraOS – Organização Social, com o Programa Interministerial deImplantação e Manutenção da RNP (Malaguti & Nunes, 2009).

Conforme a personagem comunicação nos falou rapidamente emsua última correspondência, na década de 70 tivemos o movimento pelaredemocratização do país e a criação do FNDC. Nesse período, chegaaté o Brasil o debate que a Unesco vinha realizando e que definia acomunicação como um direito humano a ser garantido pelo Estado pormeio de políticas públicas que possibilitassem o acesso à comunicaçãode qualidade. Tal debate também se vinculava à luta dos ciberativistasda década de 70 que tomaram de assalto a internet para utilizá-la comoforma de resistência à lógica do capital. Um exemplo desta questãorelaciona-se ao desenvolvimento dos softwares livres, que buscamacabar com o monopólio das empresas que desenvolvem programas paracomputadores. Tais softwares não são divulgados pelos conglomeradosmidiáticos e nem tem o seu desenvolvimento incentivado pelos mesmos,afinal, como na poesia cantada de Cárlisson Galdino (2007) na epígrafedeste capítulo, se não tem propaganda e busca um mundo livre não é deinteresse da imprensa, pois “no Brasil, infelizmente na mídia o dinheiromanda”.

É assim que os veículos de comunicação priorizam interessesparticulares e deixam de lado seu caráter educativo, fazendo com que acomunicação seja considerada uma mercadoria. Há uma perspectivaliberal que alega que a regulamentação dos meios de comunicação écensura e cerceamento do direito à liberdade de expressão e à liberdade

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de imprensa a qual, por sua vez, é confundida com liberdade de empresa(Martins, 2014). Conforme o artigo 221 da Constituição Federal, aeducação deveria ser um princípio dos meios de comunicação, ou seja:eles deveriam promover a reflexão, produzir questionamentos, ouvirdiversas opiniões e fazer com que os sujeitos produzam sentidosdiversos sobre os acontecimentos que estão sendo veiculados. O papeldos meios de comunicação não se restringe somente a transmitirinformação, e é neste sentido que o debate sobre a democratização da ena comunicação está relacionado ao acesso aos meios de comunicação eà utilização dos mesmos para produzir informação (Gindre, 2009).

As mídias digitais dialogam com essa ideia de acessibilidade,tendo em vista as tecnologias nas quais com um único aparelho –celular, smartphone, tablet, iphone, etc – pode-se acessar a internet,escrever textos, enviar e-mails e até fazer vídeos com transmissão aovivo. Essa mobilização reaviva o debate sobre a democratização da e nacomunicação, o qual consiste em “assegurar a multiplicidade, dar voz aoconjunto dos interesses e demandas que circulam socialmente” (Conde,2009, p. 74). No entanto, sabemos que somente garantir o acesso àinternet não modifica a forma como a comunicação é produzida eveiculada. É preciso que o acesso a essas multiparcialidades sejaincentivado também pelos canais midiáticos tradicionais, para que ossujeitos reflitam, analisem e produzam conhecimento sobre asinformações acessadas e modifiquem assim a relação que estabelecemcom as informações que circulam nos meios de comunicação.

3.3. Lugar político de enunciação: vozes midiáticas em disputa

Como vimos anteriormente, a comunicação se constitui a partirda tensão entre os diversos enunciados que formam uma cadeiaenunciativa. Como espaço de tensão, é também utilizada por àquelas/esque resistem às perspectivas hegemônicas. Assim, encontra-se vinculadacom o ativismo, pois é considerada uma ferramenta necessária àsdiversas frentes de luta por direitos. Recordam o que a personagemcomunicação nos apresentou sobre seu lugar na época da ditadura,quando era muito utilizada em formato de mídias impressas e até mesmo

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com as pichações? Então, a partir disso é possível afirmar que essesformatos de comunicar o que acontecia no Brasil e que a mídiatradicional não veiculava era um indício de uma mídia independente,que rompia com as lógicas hegemônicas de produção e veiculação dainformação, já naquela época.

Assim, também existiam os tensionamentos entre a mídiatradicional e a mídia independente, as vozes em disputa – as mesmasque continuam disputando espaços nos dias atuais, mas agora comoutras possibilidades de serem enunciadas. Tais possibilidadesrelacionam-se com o que compreendermos por lugar político deenunciação, ou seja, à parcialidade que cada mídia se dispõe mostrar eque se relaciona à forma como produz comunicação e o formato peloqual as informações são veiculadas pelos canais de mídia. É sobre estenó que recaem as próximas reflexões. Para que vocês consigamcompreender o que entendemos por lugar político de enunciação,apresentaremos dois conceitos: enunciação e político.

Para Bakhtin (1929/2010a), a enunciação está diretamenterelacionada com o sujeito que enuncia e com a característica ideológicado signo. O autor afirma que os signos refletem e refratam uma dadarealidade e são produtos ideológicos da mesma. Para compreender umsigno utilizamos sempre de outro signo e formamos assim uma cadeiaenunciativa/ideológica que possui como terreno fértil para sua(re)produção a consciência interindividual. Para compreender o signoque está sendo veiculado é preciso que se compartilhe dos mesmosgrupos de signos. Cada época social e cada cultura compartilha de umrepertório de signos e de formas de se comunicar. Palavra e signo,portanto, procedem de alguém e se dirigem a alguém – são “produto dainteração do[a] locutor[a] e do[a] ouvinte” [grifo do autor] (Bakhtin,1929/2010a, p. 117).

Sendo assim, a enunciação é definida pela situação socialimediata e pelo meio social mais amplo e orienta-se em dois sentidos:em direção às/aos interlocutoras/es e a partir do sujeito que enuncia.Todas as direções da enunciação dizem respeito à compreensão do queestá sendo enunciado e tal compreensão constitui o ato comunicativo,pois “compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra”[grifo do autor] (Bakhtin, 1929/2010a, p. 137). Portanto, toda

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enunciação é uma resposta à alguma coisa e encontra-se associada à“um enunciador, a uma situação ideológica, a interesses sociais e a umcontexto social” e, assim como o enunciado encontra-se inacabadaesperando a sua contra palavra (Hirschkop, 2010, p. 95).

Para pensar a questão do político, utilizaremos Rancière (2014a),que afirma que o mesmo se refere ao encontro entre dois processosheterogêneos: governo e igualdade. O governo para o filósofo relaciona-se ao conceito de polícia e refere-se à distribuição hierárquica doslugares e funções no sensível que é (com)partilhado socialmente. Aigualdade relaciona-se ao conceito de política e refere-se à lógica daemancipação. Portanto, o político é o encontro entre polícia e políticaquando do tratamento de um dano, “é a cena na qual a verificação daigualdade deve tomar a forma do tratamento de um dano” (Rancière,2014a, p. 69). Como já vimos anteriormente, o dano é compreendidocomo próprio da lógica da arché que define os lugares a serem ocupadose as vozes que tem ou não legitimidade para serem ouvidas e paragovernarem. Tal lógica pressupõe um dano que pode ser tratado a partirdo ato da política, que instaura o dissenso e reconfigura o sensível.

Apresentaremos um exemplo mais concreto para que vocêsvisualizem na prática as multiparcialidades e a sua relação com o quecompreendemos por lugar político de enunciação de um canal midiático.Analisaremos algumas narrativas midiáticas que dizem respeito àvotação do projeto de emenda constitucional 171 (PEC 171) – a PEC daredução da idade penal – sob a perspectiva da Ninja e do Grupo Globo.

No início do ano de 201524, a PEC 171 voltou a ser debatida naCâmara Federal. A retomada da discussão do projeto na Casa Legislativareaviva as manifestações contrárias, movidas por parte de diversosgrupos, coletivos e movimentos sociais. É da mobilização dessesdiversos coletivos que surge o Amanhecer Contra a Redução(Amanhecer). Tal movimento foi criado em março de 2015 com ointuito de articular diversos coletivos, grupos e pessoas contra aaprovação da PEC 171 (Diário de Campo 30/06/2015). O nome domovimento retrata a forma como utilizaram a comunicação,

24 2015 foi um ano de diversas lutas contra retrocessos nos direitos humanos evárias foram as manifestações e intervenções que aconteceram pelo Brasil.

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inicialmente, para que as vozes contrárias à PEC fossem ouvidas/lidas:diversas cidades do Brasil amanheciam com cartazes, faixas, lambes,grafittes etc, que atentavam a população para o debate acerca da reduçãoda idade penal.

Além das manifestações nas praças das cidades, o Amanhecerrealizou também diversos Festivais Contra a Redução, começando pelaedição do Rio de Janeiro no mês de junho de 2015, seguida pela ediçãode Brasília, que aconteceu concomitante à votação da PEC 171 naCâmara Federal. Com a participação de caravanas de diversas cidadesdo Brasil, na edição de Brasília, o Festival contou também com aestrutura do Acampamento Contra a Redução, que coloriu os gramadosdo Congresso Nacional entre os dias 30 de junho e 01 de julho.

Durante esses dois dias, a Ninja esteve presente na CâmaraFederal e realizou transmissões ao vivo de Brasília para que todas/ospudessem acompanhar pela internet. A transmissão começou ao meio diado dia 30 de junho (dia da votação da PEC), com uma roda de conversaque contou com a presença de deputadas e deputados não favoráveis àPEC 171 e de representantes do Amanhecer Contra a Redução. Em suasfalas, apresentaram a necessidade de debate de diversas propostas pararedução da violência no Brasil, e ressaltaram que a redução da idadepenal não é uma alternativa porque não reduz a violência. Salientaram aimportância do acampamento e da presença dos movimentos sociais,sinalizando que a sociedade não deseja a redução da idade penal.

A sessão plenária também foi transmitida ao vivo, com algunsproblemas técnicos. No chat, internautas escreviam comentários, comdestaque para a frase “Redução não é solução” e as hashtags#NãoàRedução e #VoteContra171. A transmissão da plenária eraalternada com a transmissão das manifestações que aconteciam fora damesma. A Ninja contava com diversas/os “ninjas” espalhadas/os peloscorredores e no gramado do Congresso Nacional, cujos celularespermaneciam o tempo todo filmando o que estava acontecendo. (Diáriode Campo, 30/06/2015). A proposta de transmitir ao vivo tanto osbastidores quanto a sessão da Câmara demarcou o lugar ocupado pelaNinja, de ativista, que afirma a sua parcialidade, ou seja, que é contráriaà redução da idade penal, promovendo o debate sobre o tema e buscandoexplicar os motivos pelos quais posiciona-se contra a PEC 171. Neste

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sentido, é possível perceber que a comunicação que a Ninja realiza nãose pretende imparcial.

O Jornal Nacional, que é exibido todas as noites na Globo TV,apresentou uma matéria sobre a votação da emenda constitucional,também no dia 30 de junho. A matéria, que foi gravada e editada paraser veiculada, primeiramente expôs os movimentos que estavamacampados na frente do Congresso Nacional sob a narrativa:“manifestantes fizeram protestos, e houve confusão nos acessos àCâmara” (Vasconcelos, 2015). Na sequência, exibiu a posição doMinistro da Justiça, José Eduardo Cardozo, contrária à PEC e também afala do relator da proposta, o deputado Laerte Bessa que, favorável àredução, tratou a pauta como um tema de segurança, diferentemente dacúpula do governo federal que vinha tratando o tema com umaabordagem mais voltada às questões sociais.

Nesse início da reportagem já é possível perceber qual lugar aGlobo TV assume ao noticiar os acontecimentos relativos à PEC 171:mesmo apresentando um tom de imparcialidade ao mostrar osposicionamentos do Ministro da Justiça e do deputado Laerte Bessa esuas posições diferentes sobre o projeto, mostraram de forma pejorativaaquelas/es que estavam em Brasília lutando pelos direitos humanos econtrários à PEC 171. Ou seja, ao anunciarem que manifestantesprotestavam e houve confusão, deixam nos presumidos dos enunciadoso que a mídia tradicional vinha afirmando desde 2013: manifestante ébaderneira/o.

A reportagem prosseguiu com um breve resumo da PEC 171, emseguida retomando os conflitos entre manifestantes e deputados/as, aque tratou como “confusões”. Ao final, o repórter Júlio Mosquéra, quenesse momento apareceu ao vivo nos corredores da Câmara Federal,afirmou que se a PEC fosse rejeitada (se obtivesse menos de 308 votosfavoráveis), não poderia retornar para votação, alegando que havia umoutro projeto já em tramitação na Câmara, mas que não poderia servotado imediatamente e que deveria contar com “todo um debate enegociações fora do plenário” (Mosquéra, 2015a).

Nesse dia a PEC 171 não foi aprovada na Câmara Federal: dos308 votos necessários à aprovação do projeto, as/os deputadas/osfavoráveis conseguiram 303. O Brasil inteiro esteve em festa por

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algumas horas, até o amanhecer do dia seguinte, quando receberam anotícia de que o presidente da Câmara Eduardo Cunha realizara maisuma de suas manobras25 para conseguir a aprovação dos projetos quedefendia. Dessa vez o amanhecer não foi como muitas/os gostariam,com as cidades pintadas em defesa de nossa juventude, mas enfrentamosum amanhecer amargo, com gosto de ilegalidade. Cunha colocou a PECem votação novamente, alegando que não era o mesmo texto que estavasendo aprovado, mas sim um outro que, classificado como emendaaglutinativa26, retirava o tráfico de drogas e o roubo qualificado do rol decrimes que levaria o jovem com 16 anos a responder como um adulto(Streit, 2015). A nova proposta foi aprovada pela Câmara Federal emprimeiro turno.

Em reportagem veiculada no Jornal Nacional, enquanto ocorria anova votação na Câmara, o editorial do mesmo optou por apresentar deforma mais amena e tendenciosa o novo texto que entrara em votaçãocomo emenda aglutinativa. Iniciaram a reportagem afirmando que aPEC fora rejeitada na votação da noite anterior e que, no entanto, os“derrotados não desistiram”, adaptando a proposta. O noticiárioapresentou como derrotados as lideranças dos partidos governistas que,“com o apoio do PSDB e do Democratas, se uniu ao presidente daCâmara, Eduardo Cunha, para uma nova tentativa” (Mosquéra , 2015b).

Ao definir como “derrotados” os líderes dos partidos governistas,o Grupo Globo propôs nos presumidos dos enunciados que essa novaproposta fora reapresentada com apoio do governo federal. Ao omitir ainformação de quais partidos eram estes, a emissora criou umapossibilidade de compreensão de que pudesse ser o Partido dosTrabalhadores – partido da Presidenta na época – quando na verdade omesmo se opunha ferozmente à PEC 171. Ao mesmo tempo, otratamento dado pelo noticiário ao tema ameniza o fato de que amanobra política estava sendo executada pelo Deputado EduardoCunha, bem como, ameniza o que havia enfatizado no dia anterior: que

25 Eduardo Cunha já havia feito a mesma manobra para a votação do projeto delei sobre o financiamento privado de campanha eleitoral, em maio de 2015.

26 Emenda aglutinativa é uma espécia de emenda “que se propõe a fundir textosde outras emendas, ou a fundir texto de emenda com texto de proposiçãoprincipal” (http://www2.camara.leg.br/glossario/e.html).

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se a PEC fosse rejeitada não poderia ser votada imediatamente outraproposta.

Essa não foi a primeira nem última ocasião em que as matériasveiculadas na Globo TV expõem mudanças de entonação da noite para odia. O mesmo ocorreu em Junho de 2013, quando Arnaldo Jabor,comentarista do Jornal da Globo, expôs sua opinião sobre osmovimentos contra o reajuste da tarifa de transporte coletivo em SãoPaulo. No quarto dia de manifestações, o jornalista alegou que asmesmas eram motivadas por “apenas 20 centavos”, valendo-se destamenção para apresentar os manifestantes como “revoltosos da classemédia” que “não valiam nem 20 centavos”. Dias depois, Jabormodificou seu posicionamento, afirmando que havia criticadoerroneamente as manifestações e que vivíamos um momento históricono qual a juventude havia acordado e nos dado uma lição dedemocracia. (Lahorgue, 2016). A inversão do discurso midiático – sejasutil, no caso de Mosquéra ou declaradamente, como no caso de Jabor –apresenta-se como a tensividade que constitui a comunicação e que podeser encontrada nos enunciados de um mesmo canal midiático ou decanais midiáticos diferentes.

Por sua vez, a Ninja deu ênfase à manobra realizada por EduardoCunha, apresentando textos e vídeos explicativos sobre o que haviaocorrido, a fim de estimular a continuidade da pressão popular para queas/os deputadas/os se alinhassem à luta pelos direitos de jovensbrasileiras/os, declarando voto contrário à PEC 171. Também asmobilizações contrárias à redução da idade penal continuaram: outrosfestivais seguiram acontecendo pelo Brasil, além de tuitaços emanifestações massivas por telefonemas e e-mails dirigidos a deputadase deputados. A pauta da redução ficou muito forte, tanto na CâmaraFederal quanto nos movimentos e coletivos que resistiam à aprovação daPEC 171, até o mês de agosto, quando a mesma foi votada em segundoturno e aprovada novamente. Atualmente a PEC encontra-se emdiscussão no Senado Federal e as mobilizações contrárias continuamacontecendo.

O Grupo Globo colocou uma máscara de baderneiras/os nas/nosmanifestantes que estavam no Congresso Nacional no dia da primeiravotação da PEC 171. Indicou que as confusões estavam sendo causadas

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pelas/os manifestantes, sem apresentar o contexto no qual ocorriam asmanifestações: afinal, o que as/os manifestantes reivindicavam eram suaparticipação na sessão plenária que havia sido impedida por EduardoCunha. Tal grupo apresentou também somente um resumo sobre o que éa PEC, tendenciando que a mesma irá resolver a questão da segurançano Brasil, tendo em vista que, durante alguns dias a mesma emissoraveiculou diversas situações de adolescentes que haviam cometido algumtipo de ato infracional, como se a violência fosse causada somente poressas/es jovens. Ao não fazerem o debate sobre a PEC, a emissorainstitui uma voz monológica que define o que deve ser visto, ouvido,pensado e sentido sobre o assunto, apresentando no presumido dos seusenunciados qual seu lugar político de enunciação.

Contrapondo-se aos conglomerados midiáticos, a Ninja utilizou acomunicação desde uma outra lógica, trabalhando com a “construçãocolaborativa de narrativas e conteúdos feitos por muitos[as] autores[as]que resulta em uma pluralidade de pontos de vista” (Lorenzotti, 2014, s.p.). Buscam desvincularem-se da lógica hierárquica ao produzirem ainformação de forma colaborativa, em coletivo, na qual em princípionão há um/a única/o editor/a que decide que matérias serão veiculadas eque tipo de informação será construída. A lógica da cultura colaborativadiz respeito a uma produção de informação em rede, com a participaçãode diversas/os atrizes/atores para a construção dessa informação. Noentanto, a lógica colaborativa que é utilizada pela Ninja para a produçãoe veiculação da comunicação pode se dar de forma monológica, e osacontecimentos veiculados serem transmitidos sob uma únicaperspectiva – mesmo que essa seja a visão de um coletivo.

Portanto, a Ninja também institui uma voz monológica, ao trazerpara sua transmissão ao vivo somente deputadas/os e movimentos quenão são favoráveis à PEC 171. No entanto, as/os ninjas estãorepresentando uma parcela da população que não tem espaço para suavoz nos grandes canais de mídia. A perspectiva que é favorável à PEC játem espaço definido, o qual se faz hegemônico (mesmo que o GrupoGlobo insista em dizer que é imparcial) e por este motivo, o espaço damídia independente deve ser dado àquelas/es que não tem definido seusespaços. A Ninja vem provocando tensões na forma como acomunicação vem sendo produzida e veiculada no contemporâneo e,

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com isso, dispara possibilidades de visibilidade e dizibilidade, a partir deseus enunciados.

Como já vimos anteriormente as/os ninjas estão nas ruas, nasmanifestações, como ativistas que comunicam as vozes das ruas. Sendoassim, apresentam um recorte da realidade, o recorte que define de quelugar político de enunciação estão falando. Um lugar que se identificacom a pauta dos direitos humanos e não se identifica com o que éveiculado nos conglomerados midiáticos. Um lugar no entre, o lugar deum sujeito político. Ao instituírem lugar ao que antes era ruído,compreendemos que tais práticas comunicativas possibilitam que acomunicação produzida pela Ninja constitui-se de atos democráticos quefissuram o tecido do sensível, abrem espaço para o contraditório,tensionam o que antes era considerado hegemônico.

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4 Disputar narrativas e democratizar a comunicação: quandodemocracia e comunicação tecem redes

Movendo peçasZazá e Lola conversamEm torno do tabuleiro

Sobre a luta1972 – Fragmento (Alípio Freire)

O conceito de democracia é um dos fios que compõem nossa tesee, nesse capítulo, vamos costurá-lo com o debate sobre as políticaspúblicas de comunicação no Brasil durante os governos Lula e Dilma.Tal costura nos renderá a formação de um nó importante: o debate sobrea democratização da comunicação. Em seguida aprofundaremos aamarração de outro nó importante para esta tese: a disputa de narrativas,que será apresentada a partir da discussão sobre a forma como asmesmas se estabelecem entre mídia independente e mídia tradicional, nocontemporâneo.

4.1. Democratizar a comunicação: uma conversa com aDemocracia

Zazá e Lola que compõem a poesia apresentada na epígrafe sãopersonagens do livro de poesias de Alípio Freire (2007), que relatam aresistência de um povo contra um regime militar e que foram escritas nadécada de 90, no período em que o Brasil vivia o Impeachment de seuprimeiro presidente eleito pelo voto universal pós ditadura militar.Portanto, são poesias que falam das tecituras de redes para oenfrentamento às violações de direitos humanos.

Assim como Zazá e Lola precisam uma da outra para enfrentar aprisão e tortura que sofreram no período ditatorial, nossa amigaComunicação também precisa de uma companheira para resistir nos diasatuais. Recebemos outra correspondência dela, dessa vez para nos contarum pouco da história dessa amiga: a Democracia, com quem ela tece

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redes para o enfrentamento às perspectivas hegemônicas que nos sãoimpostas todos os dias.

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Florianópolis, 09 de outubro de 2017

Olá. Como estão?Ao receber a edição da “Revista Olhe” dessa semana me

lembrei de vocês.Por isso, envio a reportagem que saiu na sessão

“Conversa com” e que apresenta uma colega com quem convivofaz alguns anos resistindo às perspectivas hegemônicas ebuscando a construção de outros possíveis. Ela se chamaDemocracia.

Espero que gostem de conhecê-la.

Abraços,Comunicação

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Figura 06: Reportagem sobre a ComunicaçãoFonte: Arquivo da pesquisadora

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Como vimos na entrevista que recebemos da personagemComunicação, a Democracia é compreendida a partir de diferentesfacetas e sob perspectivas muitas vezes contraditórias. Como vimosanteriormente, o sentido de uma palavra (discurso/enunciado) estáaberto para encontros possíveis. Sendo assim, o sentido da palavrademocracia não pode ser engaiolado, – como o pássaro da história deRubem Alves (2008), que ao ser engaiolado perde suas cores, sua paixãopela música e deixa de ser encantado – e é por isso apresentado sobmúltiplas formas que, possuem sentidos até mesmo contraditórios.

Na modernidade, a democracia é compreendida como distante desi mesma, ou seja, distante daquilo pelo qual sempre foi conhecida: opoder igualitário entre os povos. Desta forma é compreendida a partir do

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consenso e é com o mesmo que estabelece a relação igualitária entreas/os diferentes, permitindo assim que cada uma/um tenha a sua parte napartilha do sensível. Quando isso acontece, a democracia é reduzida auma forma de governo ou um modo de vida (Rancière, 2014a, 2014b),deixando de lado o seu caráter polêmico caracterizado pelo “movimentoque desloca continuamente os limites do público e do privado, dopolítico e do social” (Rancière, 2014b, p. 81). Desta forma, ademocracia é compreendida como o seu contrário, o consenso, e quandoisso ocorre a mesma é reduzida à uma forma de governo que define queo todo da comunidade se resume à soma das partes e faz a políticadesaparecer (Rancière, 1996a).

Para Rancière (2014a, p. 43), a democracia existe “na medida emque o demos existe” como “poder de divisão do óklos”. O autor pegaemprestado alguns conceitos de Platão quando afirma que o demos(povo) deve ser considerado “o grande animal que ocupa a cena dacomunidade política sem, porém, nunca ser um sujeito uno” (p. 25); e oóklos como a multidão turbulenta de sujeitos diferentes de si, que vivem“na intermitência do desejo e no dilaceramento da paixão” (p. 25-26).Portanto, a democracia existe na medida em que existe o povo com seupoder de divisão da multidão. É o berço da igualdade e esta existe, naatualidade, não como um ideal a ser alcançado, mas como algo que seinstitui nos acontecimentos políticos. (Rancière, 2010).

Configura-se como a instituição própria da política, aquela que écompreendida como a fissura dissensual do regime do sensível(consenso), caracterizando-se como “uma maneira de ser do político”(Rancière, 1996a, p. 102), interrompendo o funcionamento da ordem deforma singular, instaurando assim dispositivos de subjetivação política.Tais dispositivos são caracterizados por três aspectos: 1) aparência:divisão da realidade e a sua refiguração como duplo; 2) povo: institui-sesujeitos flutuantes, que não coincidem com as partes do Estado ou dasociedade; 3) litígio político: diferentes conflitos de interesses quecolocam em jogo a distribuição das partes.

Rancière (2010) afirma que após a queda do muro de Berlimhouve, em diversos países, uma desconfiança a respeito da democraciae, por este motivo, hoje nos deparamos com discussões que retomam aorigem do termo pois, “desde que tal palabra existe, el único consenso

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que hay consiste en la idea de que ‘democracia’ quiere decir cosasdiferentes y opuestas” (p. 98). Poranto, não há um consenso nadefinição desse termo, ao mesmo tempo em que não há um outro termomelhor que expresse o que o autor define como “o governo dos semparte”, justamente porque democracia, para este autor configura-secomo o próprio da política e, para Rancière (2010) o próprio da lutapolítica consiste na luta pela apropriação das palavras.

Para Rancière (1996a), os governos que hoje em dia denominam-se democráticos são governos aristocráticos, pois se estabelecem a partirda ordenação dos corpos, da divisão entre aquelas/es que podemgovernar e aquelas/es que nasceram para serem governados. Tal divisãose configura na disposição de sete títulos (axiai) que vimosanteriormente: os quatro títulos de nascimento, os dois títulos denatureza e o sétimo título que é não é considerado título. Sendo assim,os seis primeiros são considerados os que organizam hierarquicamente aarché e o sétimo titulo é considerado como o fundamento dademocracia. Ou seja, para Rancière (1996a, 2014b) a democracia é ogoverno dos que não tem títulos para governar. A partir do que o filósofonos apresenta sobre os títulos que designam quem pode e quem nãopode governar podemos compreender as perspectivas contraditórias sobas quais a democracia é estudada hoje: a democracia representativa, quese estabelece com base nas eleições daqueles/as que possuem os títulospara governar e a anarquia, que é o poder dos sem títulos (Rancière2014a, 2014b).

Atualmente no Brasil, vivemos em uma democraciarepresentativa na qual as/os candidatas/os são eleitas/os através do votopara mandatos de quatro ou oito anos, dependendo do cargo. As eleiçõesocorrem através do voto universal obrigatório a partir dos dezoito anos.Para Rancière (2014b, p. 69-70), a eleição é considerada “umconsentimento que um poder superior pede” e não uma maneirademocrática de o povo ser ouvido. Nosso governo é constituído a partirde um sistema conhecido como presidencialismo: elege-se uma/umpresidenta/e, que governa o país e elege-se também um número delegisladoras/es (deputadas/os federais e senadores/as) que irão debatersobre as legislações.

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Sempre conhecemos a democracia como uma forma de governofundamentado na representatividade. Um espaço de poder que utilizadopelas elites que tem o título para governar e que tem suas/seuscandidatas/os exercendo cargos nos governos. Nos últimos anos, noBrasil, essa configuração foi se modificando e, aos poucos tivemosalgumas/alguns candidatas/os que não representam somente asexigências das elites e que governaram de forma mista: dialogando como capital financeiro para conseguir governar com políticas públicas paraa população. Foi o caso dos governos de Lula e Dilma que tiveramcontribuições importantes para mudanças sociais significativas no país,mas no que diz respeito à Comunicação, continuaram governando comas elites.

É necessário voltarmos um pouco na história do Brasil. Não fazmuito tempo que instituímos uma perspectiva de governo pautada nademocracia representativa. Antes, vivemos uma fase ditatorial, na qualos militares governavam de forma totalitária e com forte repressão. Aditadura foi instalada a partir de um golpe civil-militar para depor ogoverno de João Goulart, pois o mesmo dialogava com parte dapopulação que não era vinculada às elites financeiras. Comoapresentamos anteriormente, a ditadura foi considerada um período demuitas repressões e no qual ocorreram torturas e perseguições àquelas/esque resistiam ao totalitarismo imposto e buscavam a reabertura política.

Para Sader, (1991) esse período de reabertura política, demudanças no sistema de governo deve ser compreendido como umatransição de um tipo de governo para outro e não necessariamente umatransição de uma ditadura para uma democracia. Afirma que,pretensamente tentaram nos enganar dizendo constituir algo novo quenunca antes havíamos vivido, mas o que vivemos foi a “lógica de umacontinuidade do poder camuflado na floresta dos passes de mágica dosgrandes meios de comunicação” (Sader, 1991, p. 7). Ou seja, o Brasilcontinuou sendo governado pelas elites financeiras (e que detém osmeios de comunicação) e, portanto, não teve experiência de umademocracia.

Neste sentido, é possível relacionar esta afirmação com o quevimos até o momento com Rancière: quando caracterizada a partir darepresentatividade instaura-se uma “democracia representativa” que

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escapa portanto da lógica da política e é compreendida comoconsensual. É possível afirmar que não existe a possibilidade degovernar a partir de uma perspectiva democrática, pensando a partir deRancière. Em uma democracia representativa haverá sempre a parceladas/os sem parte, daquelas/es que não são aptas/os a governar e haverásempre aquelas/es que são aptas/os a governar e que precisarão seguir asregras daquelas/es que detém o poder econômico. São estas/es que defato governam.

A democracia, portanto, não pode se configurar como um regimede governo, pois o mesmo pressupõe o consenso. Sendo assim, não hácomo pensar em um governo democrático, pois a democracia é aausência de hierarquia, da autoridade. Está, portanto, relacionada aoconceito de política que, como vimos anteriormente, é compreendidocomo uma fissura na lógica de organização da sociedade, ou seja, umato de dissenso que rompe assim com a polícia. Democracia relaciona-setambém à lógica da emancipação que é a lógica do outro quedesclassifica e questiona a conta das partes. É “o modo de subjetivaçãoda política” (Machado, 2013, p. 270) que desnaturaliza o enunciado,disputa a palavra e engendra novas configurações do comum. E, assimcomo a política, apresenta-se como uma raridade, como um ato advindode um processo, ali mesmo onde deveria acontecer e que logo se dissipae se transforma no seu contrário. Sendo assim, é preciso pensarmos emprocessos democráticos, que se instituem a partir de atos da política eque reconfiguram partes da cena do político.

Compreendemos que os governos dos últimos doze anos (de Lulae Dilma) foram governos que dialogaram com as parcelas maisempobrecidas, no entanto, não deixaram de dialogar com as elitesfinanceiras, afinal, governar é consensuar. Nos questionamos de queforma esses governos estabeleceram esses diálogos, principalmente noque diz respeito às políticas de comunicação, Retomaremos um pouco ahistória da comunicação no Brasil, agora analisando os últimos dozeanos, o período de governos Lula e Dilma para compreendermos osprocessos democráticos que se instalaram no Brasil, no que diz respeitoàs políticas de comunicação.

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4.2. Os governos de Lula e Dilma: uma história de amor e ódiocom a Comunicação

Os governos Lula e Dilma tiveram dois tipos de comportamentosrelacionadas às políticas de comunicação. Um deles está vinculado àforma como esses governos trataram o Ministério das Comunicações(MiniCom) e como o mesmo se relacionou com a pauta dademocratização da e na comunicação, uma pauta defendida há anos pordiversos movimentos sociais; outro está relacionado ao Ministério daCultura (MinC) e a incorporação da pauta da democratização da e nacomunicação desde o primeiro mandato de Lula.

É preciso reconhecer que as políticas de comunicação aparecemmuito pouco já no plano de governo com o qual Lula concorreu àPresidência em 2002 (Liedtke, 2006, 2007; Liedtke & Aguiar, 2011). “Aênfase na comunicação foi citada de uma forma fragmentada naspropostas culturais ou de infraestrutura do Estado, sem entrar nasquestões polêmicas que historicamente marcam o setor” (Liedtke, 2006,p. 167). Quando na sua reeleição, em 2006, o plano de governo de Lulaapresenta algumas questões relativas à democratização da e nacomunicação, mas ainda muito incipientes.

Importante saber que os países latino-americanos seguem omodelo estadunidense, voltado para o livre comércio e com o mínimocontrole do Estado, no que diz respeito às políticas que regulamentamos meios de comunicação. Tais políticas preveem que o Estado atuecomo árbitro, assegurando a propriedade privada dos meios decomunicação, e como financiador, através da utilização de espaços parapropaganda governista. No que diz respeito à utilização dos meios decomunicação para propaganda, desde o início dos anos 1970 osgovernos tem sido os maiores anunciantes (Liedtke, 2006; Lima, 2010)nos canais de comunicação tradicionais (rádio, TV e impressos) geridospelos conglomerados midiáticos.

No Brasil, é histórica a falta de incentivo às políticas públicas queregulamentam o setor da comunicação, bem como, são inúmeras asdificuldades em realizar mudanças significativas, principalmenteadvindas do MiniCom. Tal ministério, desde a época da Ditadura noBrasil, sempre utilizou os meios de comunicação como ferramenta para

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implementar o plano de integração e segurança nacional, a partir dacensura e da manipulação do que poderia ou não ser veiculado noscanais de rádio e TV.

Nessa época, as concessões eram aprovadas diretamente pela/oPresidenta/e e, por este motivo foram muito utilizadas como moeda detroca e distribuídas por favorecimento político. Foi assim até o ano de1988, quando transfere-se essa tarefa para o Congresso, sem mudançanos critérios utilizados. Isso gera o que pesquisadoras/es denominam de“coronelismo eletrônico”, ou seja, a utilização dos meios decomunicação para fins políticos (Liedtke, 2007; Liedtke & Aguiar, 2011;Lima, 2010).

A relação entre a classe de políticas/os e os meios decomunicação no Brasil é “bastante estreita” e considerada umacaracterística central das políticas voltadas para o setor dascomunicações. Há “um número representativo de políticos[as] donos[as]ou acionistas de meios de comunicação” e, “32 deputados federais e 8senadores da atual legislatura” (2015 – 2018) são proprietários diretosde emissoras de rádio ou de TV. Outra relação entre a classe depolíticas/os e os meios de comunicação pode ser encontrada também deforma indireta, ou seja, diversos Grupos de comunicação possuemafiliadas municipais que são geridas por grupos regionais que estão nasmãos de políticas/os ou de famílias que tem tradição na política, como ocaso da família Magalhães no Estado da Bahia (Intervozes – ColetivoBrasil de Comunicação Social, 2017a).

O MiniCom, entre 2003 e 2010 enfrentou diversos desafios erecuou em muitos deles, deixando a desejar no que diz respeito àdemocratização da e na comunicação. Durante esse período, aoMinistério das Comunicações coube o debate sobre as políticas públicasvoltada ao setor de rádio e TV, que sempre estiveram focadas nocrescimento do setor privado. Tendo como base aliada dos governosLula e Dilma as/os políticas/os que são proprietárias/os de canais demídia tradicional (rádio, TV e impressos), sempre ocorreu certadificuldade para a implantação de medidas que favorecessem ademocratização da e na comunicação advindas desse ministério. Aomesmo tempo, foi durante a primeira gestão do Governo Lula que seefetivou a implementação da Empresa Brasileira de Comunicação

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(EBC), uma empresa pública de comunicação responsável por gerenciara TV Brasil – o primeiro canal de televisão público brasileiro. (Liedtke& Aguiar, 2011).

Nos Governos Lula e Dilma, poucos foram os ministros dascomunicações que eram filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT).Durante os dois mandatos de Lula, nenhum ministro que assumiu oMiniCom era filiado ao PT, todos eram do PMDB – partido que foi vicede Dilma nas suas duas eleições e que atualmente está no comando dopaís, após um Golpe. Durante os dois mandatos de Dilma Roussef(2010-2014 e 2014/2016) estiveram à frente do ministério somente doispetistas: Paulo Bernardo e Ricardo Berzoini, que teve que deixar acadeira para o Pedetista André Figueiredo (PDT) (Vannuchi, 2015). É dese perceber que o MiniCom sempre foi utilizado como mercadoriadentro das negociações do governo com os partidos da base aliada.

Somente em 2010, ao final do segundo mandato de Lula queocorreu a primeira Conferência Nacional de Comunicação e muitopouco ou nada das propostas aprovadas na mesma foram implementadasnos anos seguintes, quando Dilma assume a presidência. No governoDilma as concessões de rádio e TV continuaram a ser distribuídas parapolíticos/as ou para igrejas – a grande maioria das empresas de TV temcomo empresárias/os parlamentares (deputadas/os ou senadoras/es) ouestão nas mãos de congregações evangélicas ou católicas.

Importante destacar que a Constituição Federal, em seu Artigo 54,proíbe que políticas/os sejam “proprietários[as], controladores[as] oudiretores[as] de empresa que goze de favor decorrente de contrato compessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”(Constituição da República Federativa do Brasil, 1988). Pelo visto, esseartigo da constituição não é muito conhecido e nada utilizado desde aaprovação da nossa Carta Magna, tendo em vista os dados queapresentamos anteriormente.

Atualmente, além do coronelismo eletrônico, encontra-setambém, nos meios de comunicação, o acúmulo de propriedade, ou seja,a concentração de veículos de comunicação nas mãos de grupos e/oufamílias. Em pesquisa realizada pelo Intervozes – Coletivo Brasil deComunicação Social, destacou-se que “cinco grupos ou seus[suas]proprietários[as] individuais concentram mais da metade dos cinquenta

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veículos pesquisados”. (Intervozes – Coletivo Brasil de ComunicaçãoSocial, 2017b). Como já vimos anteriormente, o acúmulo de propriedaderelaciona-se ao conceito de hegemonia o qual é compreendido a partirda perspectiva de disputa de significação, ou seja, o discurso instituídobusca reprimir o seu contrário, excluindo do jogo “outras possibilidadesde significação do real que lhe são antagônicas” (M. A. Prado & Costa,2009, p. 76).

Desde o primeiro mandato de Lula, o Ministério da Cultura(MinC) é quem de fato assume a pauta das discussões sobre as políticasnecessárias para a democratização da e na comunicação e começa avincular seus projetos com o desenvolvimento das tecnologias digitais ecom a necessidade de multiplicação de acesso às mesmas. Com a duplaGil/Juca (Gilberto Gil como Ministro da Cultura e Juca Ferreira comoseu secretário executivo), inicia-se o desenvolvimento da políticacultural a partir de três dimensões: simbólica, econômica e cidadã, quetem como princípio que o Estado não é o responsável por “fazercultura”, mas sim em criar condições para que artistas e grupos criem ecirculem suas produções e também para que o público acesse asmesmas. Com base nessas três dimensões, iniciam a criação doPrograma Cultura Viva que teve como principal ação a implementaçãode Pontos de Cultura pelo Brasil. (Savazoni, 2014).

Com o lançamento dos editais de Pontos de Cultura, o MinCdisponibiliza 5 mil reais por mês, durante três anos, para cada projetoaprovado no Edital e os recursos visavam a promoção de ações culturaislocais. Inicialmente, o edital condicionava que os projetos aprovadosutilizassem esses recursos mensais para a aquisição de computadorescom internet e softwares livres, equipamentos para captação e ediçãoaudiovisual. Dentro do Programa Cultura Viva, o MinC lança a AçãoCultura Digital, que tinha como objetivo difundir o uso dos softwareslivres, o que permitiu um aumento na interconexão em rede dos agentesculturais já consolidados no Brasil, bem como o surgimento de novosagentes. Aliado a essas questões havia também o aumento do uso docomputador pessoal (residencial) e o aumento do acesso à internetresidencial, o que amplia as conexões altermundistas.

O movimento altermundista – antiglobalização – tem seu iníciona década de 90 e nos anos 2000 começa a ter mais força devido ao

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desenvolvimento da internet e das tecnologias de informação ecomunicação (Savazoni, 2014). No ano de 2002, a segunda edição doFórum Social Mundial (FSM), ocorrido na cidade de Porto Alegre/RS,debateu um outro mundo possível através da conexão entre diversosgrupos, coletivos e movimentos de todo o mundo. A partir desse ano, naAmérica Latina temos a eleição de governos progressistas que sepreocupam com direitos humanos, trabalhistas e com a população maisempobrecida. É nesse cenário em que o Coletivo Cubo Mágico iniciavasuas atividades, consolidando-se mais tarde como a Rede Cultural Forado Eixo (FdE). Neste sentido, o FdE, muito antes de fundar a Ninjacomo um coletivo de comunicação, já se estabelecia pautado pelosdebates acerca das redes digitais e das conexões com coletivos emovimentos de todo o mundo.

É preciso reconhecer que o Ministério da Cultura de Gil e Jucapautava suas políticas voltado para essas possibilidades de conexõesaltermundistas e, com isso, auxilia na criação de diversos grupos que seutilizavam das mídias digitais para resistirem as lógicas hegemônicas,sendo um deles a Rede FdE e, por consequência a Ninja. Seguindo essalógica, em 2009, depois de duas décadas de RNP – Rede Nacional deEnsino e Pesquisa, o MinC inicia sua participação no ProgramaInterministerial de Implantação e Manutenção da RNP, que foi criadoem 1999 (Malaguti & Nunes, 2009), o qual tinha o objetivo de conectardiversos nós para a implantação e manutenção de uma rede de internetacadêmica. Nesse mesmo ano é criado o Fórum da Cultura DigitalBrasileira, para debater o processo de construção de políticas públicas emarcos regulatórios para essa área (Carvalho Junior, 2009, p. 10). Odebate sobre a democratização da e na comunicação e o incentivo aoacesso à internet, durante os governos de Lula e Dilma ficaram a cargodo MinC.

Tendo em vista o que discutimos anteriormente, que a democracianão se configura como um regime de governo, pois o mesmo seestabelece a partir da lógica do consenso, é preciso compreender que, noque diz respeito à comunicação os governos Lula e Dilma governaramconsensuando entre as elites que detém os meios de comunicação etambém com os movimentos sociais. Os primeiros ficaram a cargo doMiniCom e os segundos estiveram próximos do MinC. No entanto, é

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preciso demarcar que os meios de comunicação ainda encontram-se nasmãos de poucas famílias (as famílias Marinho, Macedo, Saad, Frias,Sirotsky, Civita) que sempre utilizaram dos mesmos para manipulareleições ou para apoiar os Golpes (de 1964 e de 2016) que aconteceramno Brasil.

Para Liedtke (2006), a comunicação é considerada um setorestratégico da sociedade contemporânea e por isso é preciso governarcom a mídia, “administrar o fluxo informativo entre o Estado e asociedade, mas também formular políticas para a área de comunicação”,(Liedtke, 2006, p. 124). Por isso, podemos dizer que Lula e Dilmagovernaram com a mídia, ao sentar para negociar com os donos dosmeios de comunicação, ao criar uma empresa de comunicação pública etambém, ao sancionar, em suas últimas atividades como presidenta, odecreto que regulamenta o Marco Civil na Internet27, uma importanteferramente para a democratização da e na comunicação.

Percebe-se que nesses treze anos de governos (2003 até 2016)tivemos espaços dentro desses mesmos governos que trataram acomunicação de formas diferentes: como mercadoria, sendo utilizadacomo moeda de troca para conquistas políticas, e como um direito – umbem público que deve ser democrático. Sendo assim, apresentamosalguns questionamentos que consideramos importantes para acompreensão dos debates produzidos nessa pesquisa: é possívelpensarmos em uma mídia democrática? Em que medida conseguiremosalcançar a democratização da e na comunicação? As narrativas da Ninjacontribuem para a democratização da e na comunicação econsequentemente para a constituição de uma sociedade maisdemocrática? A internet pode ser considerada um meio democrático decomunicação?

Para nos auxiliar a pensar sobre essas questões apresentaremos oconceito de disputa de narrativas, dentro de uma perspectivabakhtiniana, considerando os discursos midiáticos em tensão e as

27 O Marco Civil da Internet foi um projeto apresentado pelo Governo Federalà Câmara dos(as) Deputados(as) para regulamentação do uso da rede deinternet no país, um tipo de Constituição que define princípios, direitos,garantias e deveres de internautas e de empresas.

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possibilidades que comunicação e democracia, juntas nos auxiliem àresistir aos discursos hegemônicos, assim como Zazá e Lola resistiram àditadura. E que possamos transformar os ruídos em vozes, ouvidas e(re)conhecidas.

4.3. Disputar narrativas: as Redes em tensão.

Como vocês acompanharam na história da comunicação, contadano capítulo 3, a mesma se constitui a partir da relação entre sujeitos edos sentidos antagônicos que a perpassam. Desta forma, é possívelcompreender a produção de comunicação como uma relação dialógica,que é caracterizada por Bakhtin (1979/2011, p. 200) como “umacontecimento da interação das vozes”, “lá onde elas são acordes”. Oautor afirma também que não há limite para o contexto dialógico, pois“cada sentido terá sua festa de renovação” (p. 410). Sendo assim,mesmo dentro de uma perspectiva monológica, ou seja, mesmo que anotícia/informação veiculada apresente somente um único referencial,uma única voz dominante e não abra espaço para a diversidade de vozesque compõem um mesmo enunciado, há ainda a presença de diversasvozes. As mesmas podem se apresentar de forma presumida ou abafadae podem ser acessadas através da produção de sentidos que as/osespectadoras/es atribuem à notícia, de modo que cada enunciado écomposto de uma diversidade de vozes que podem ou não ser acessadase que podem ou não ter seu acesso facilitado por quem produz anotícia/informação.

Para Voloshínov e Bakhtin (1976/s. d., p. 09), os enunciados sãoconsiderados “expressão e produto da interação social de trêsparticipantes: o falante (autor), o interlocutor (leitor) e o tópico (o queou o quem) da fala (o herói)”, composto por uma parte verbal (língua epalavra) e por uma parte extra verbal (horizonte espacial comum entrefalante e interlocutor/a). Enunciado é, portanto, “uma unidade dacomunicação verbal” (G. Souza, 2002, p. 91) composto a partir dediversas vozes sociais. Sendo assim, adentraremos na discussão sobre“disputa de narrativas” a partir de uma perspectiva bakhtiniana.Inicialmente articularemos o enunciado com outros conceitos, para

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conseguir compreender a constituição dialógica da comunicação, taiscomo: palavra, signo, discurso, enunciação.

As palavras “são tecidas a partir de uma multidão de fiosideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos osdomínios” (Bakhtin, 1929/2010a, p. 42), determinam nossos contatosverbais – as formas, as condições e os meios de comunicação verbal.Essa se forma através de enunciações que devem ser compreendidas apartir dos aspectos sociais e econômicos que as envolvem. (Bakhtin,1929/2010a). Para o autor a palavra é fenômeno ideológico, assim comoos signos, que refletem e refratam uma dada realidade que lhe é exterior.

O discurso é considerado para Bakhtin (1929/2010a, p. 207)como a língua e sua integridade concreta e viva. É um fenômeno que seencontra vinculado a uma situação determinada, um momentoenunciativo da situação e é orientado para uma resposta. Pode sercompreendido como uma “interação comunicativa produtora de sentidosque se realiza por meio de enunciados concretos” (Queijo, 2016, p. 54).Sendo assim, as narrativas das mídias são consideradas como discursosque dialogam com uma dada realidade, a partir de enunciados concretose para locutoras/es determinadas/os.

O enunciado, na perspectiva bakhtiniana é um acontecimentoúnico na existência, ou seja, é dialógico, produto de um diálogo, um elona cadeia da comunicação verbal. Para compreendermos o todo doenunciado é preciso compreender as particularidades constitutivas domesmo, quais sejam: a) o contexto do enunciado – a alternância entre ossujeitos falantes e o contexto de enunciação; b) o acabamento doenunciado – a possibilidade de resposta; c) a relação do enunciado comquem o enuncia e com os outros sujeitos da comunicação verbal. (G.Souza, 2002). Portanto, “todo ato comunicativo é também um pontopreciso da ação e do cruzamento de forças centrípetas e centrífugas,conservadoras e progressistas, bem como de processos de centralização”(Ribeiro & Sacramento, 2010, p.14)

Segundo Stam (2010), as mídias de massa (aqui representadaspelos conglomerados midiáticos) podem ser compreendidas como redescomplexas de signos ideológicos que se situam em ambientes múltiplos– o ambiente dos meios de comunicação, o ambiente mais amplo(ideológico), o ambiente socioeconômico e o ambiente das/os

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espectadoras/es. Para o autor não há como dizer que os conglomeradosmidiáticos veiculam somente os enunciados hegemônicos socialmente,eles também enunciam discursos que estão nas margens, vozes que sãoruídos, mas que muitas/os espectadoras/es querem ouvir. Comoexemplo, podemos citar as novelas da Globo TV, que em alguns de seusenredos apresentam temáticas que muitas vezes são invisibilizadas.Apresentar tais enunciados, para muitas/os espectadoras/es faz com queo canal midiático seja considerado um canal “democrático”, no qual adiversidade de vozes sociais estão presentes. No entanto, essaperspectiva democrática pode ser refutada ao analisarmos os presumidosdos enunciados, nos quais reconhecemos as tensões entre ideias-forçadiferentes.

Essas reflexões nos apontam que, ao analisarmos a partir de umaperspectiva dialógica, os enunciados que parecem visibilizar vozes quemuitas vezes são ruídos e que não são ouvidas, podem conter tambémperspectivas hegemônicas. Portanto, compreende-se que a tensão entreas ideias-força (que são dominantes) e as ideias latentes (em devir) estãopresentes em um mesmo canal midiático, para além de estarempresentes em canais midiáticos diferentes, sendo isso o que caracteriza adialogia. As disputas de narrativas são enunciados postos em diálogo,que refletem e refratam ideologias, encontram-se inconclusos, abertos erepresentam sempre um novo começo (Bakhtin, 1929/2010a).

Em um texto publicado em sua página na internet e replicado napágina da Ninja no Facebook, Caetano Manente, ex-jornalista do GrupoGlobo relata que “hostilizar” a Globo é necessário para que a mesmapossa “deitar no divã e debater a sua relação com os[as] brasileiros[as]”(Manente, 2016, s. p.). O autor afirma que as reportagens do Grupo nãoconseguem chegar até a ocupação do MTST, na greve dos garis, napasseata contra a repressão policial ou até mesmo no discurso do Lulana sede do PT – fato esse que gerou o texto de Manente. “A Globoprecisa se deixar questionar. Quem questiona e pressiona o país desdeque nasceu deve ter a grandeza de ser questionado perante ele” afirmaManente (2016) e nos permite uma reflexão: é preciso questionar ou atémesmo hostilizar as mídias tradicionais e fazer a disputa de narrativaspara que tenhamos as diversas parcialidades circulando.

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Mídias independentes como a Ninja possibilitam quequestionemos os conglomerados midiáticos e nos auxiliam a pensar soboutra perspectiva o diálogo com esses enunciados que estão postoshegemonicamente. Causam, deste modo, fissuras no tecido socialhegemônico, possibilitando a criação de sentidos outros aos enunciadosque nos constituem enquanto sujeitos. Como já colocado anteriormente,o Grupo Globo precisa ser questionado e precisa se deixar questionar: eacrescentamos que, os conglomerados midiáticos precisam serquestionados e se deixarem questionar. Por diversas vezes tais gruposescondem-se atrás do arauto da imparcialidade (Capilé, 2013) e nãodemonstram interesse nos questionamentos que recaem sobre si,despercebendo-se nessa relação dialógica e não modificando suaperspectiva, tendo em vista que servem a um poder político e econômicoespecífico.

Assim, as disputas de narrativas podem ser compreendidas como“cenas de dissenso”, que se caracterizam como cenas polêmicas, asquais estabelecem situações que nos fazem mudar nossa forma deenxergar o que está posto hegemonicamente. Essas cenas revelam oconflito dos horizontes de percepção que distinguem o que é audível doque é inaudível (Marques, 2011). As disputas de narrativas tem comobase o desentendimento – dissenso – que é compreendido como a baseestética da política. Tal base é constituída “pelos elementos extradiscursivos que apontam para diferentes níveis de divisões entreaqueles[as] que podem fazer parte da ordem do discurso e aqueles[as]que permanecem fora de um espaço previamente definido como‘comum’” (Marques, 2011, p. 26).

Na próxima seção, vamos analisar alguns enunciados da Ninja emcontraposição à enunciados postos na mídia tradicional e que compõemo que denominamos de disputa de narrativas. Tais enunciadoscircularam durante o mês de Outubro de 2014, quando ocorreu osegundo turno das eleições presidenciais brasileiras. Apresentaremos,quando possível, a tensão existente dentro do mesmo canal midiático,para reforçar a perspectiva dialógica que compõe essa pesquisa. Sãoenunciados que refletem e refratam as vozes sociais em disputa, querepresentam a cadeia de comunicação verbal na qual nos constituímos

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como sujeitos e que dizem muito sobre o cenário político dos últimosquatro anos no Brasil.

4.4. “ELES SABIAM DE TUDO”, só não viram o Helicocavoando: quando a narrativa entra em disputa

Em Outubro de 2014, no segundo turno das eleições presidenciaisno Brasil, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves do Partido Social daDemocracia Brasileira (PSDB) concorriam à presidência. Apesar dasdivergências com o PT, devido aos governos dos últimos 12 anos, osmovimentos e partidos de esquerda se unificaram na luta (com algumasexceções como o PSTU) contra o retorno de um governo neoliberal e odesmonte do Estado. As mídias tradicionais uniram-se com a direitaneoliberal para apoiar a candidatura de Aécio. O apoio estava nos ditos enos não ditos, no que foi e no que não foi veiculado.

Como parte da campanha de apoio à candidatura de Dilma,coletivos de mídias independentes e alguns movimentos sociaisorganizaram e executaram diversos eventos que aconteceram no Rio eem São Paulo e tinham o objetivo de debater o cenário político a partirdos enunciados que emergiam nos debates organizados e veiculados noscanais de mídias tradicionais. Os eventos contavam, portanto, comconvidadas/os que comentavam sobre os debates, juntamente com umaanálise da conjuntura política brasileira.

No Rio de Janeiro, por iniciativa “do Barão de Itararé, MídiaNinja, OCafezinho, MegaCidadania, Laboratório de Políticas Culturais,coletivos urbanos e culturais” (Zona Eleitoral, 2014), aconteceramdiversas edições de um evento político-cultural que teve como propostaocupar as ruas da Vila Mimosa com arte e política. A #ZonaEleitoral,nome dado ao evento, levou os debates que os canais de TV realizaramentre as candidaturas à presidência para as ruas do Bairro Vila Mimosa,na Zona Norte do Rio de Janeiro o qual é o local de maior concentraçãode estabelecimentos onde trabalham profissionais do sexo, que semisturam aos comerciantes e moradoras/es (Orsolya & Santos, 2008;Teixeira & Lopes, 2015).

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A escolha do nome do evento faz alusão à Zona Eleitoral, local devotação em dia de eleição. Cada um/a faz parte de uma Zona Eleitoral,na qual estão inscritas diversas outras pessoas. A descrição do evento(Figura 07) faz alusão ao local de trabalho das profissionais do sexo quecompõem a Vila Mimosa, convidando-nos a adentrar a zona e “afastar aonda conservadora no corpo quente das ruas”. A forma comocomunicam a atividade destaca o lugar da Ninja enquanto canal demídia, tensionando os enunciados das mídias tradicionais e até mesmo odiscurso que perpassa as campanhas eleitorais, ao mesmo tempo em queinstitui o olhar para uma população que há muito está invisibilizada eque faz parte dos sem parte.

Figura 07: Postagem da Ninja no Facebook divulgando o evento #ZonaEleitoralFonte: Diário de Campo

A #ZonaEleitoral foi considerada uma ocupação político-culturaldas ruas de Vila Mimosa e foi transmitida ao vivo, pela internet, atravésda Pós-TV. Diversas foram as intervenções e atrações culturais ediversos foram as/os convidadas/os para participarem da análise dosdebates e para discutirem a conjuntura política. A proposta das/os

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organizadoras/es era a de “carnavalizar a indignação, rir do ódio edebochar da hipocrisia de plantão”, conforme podemos ver na Figura 06.Tal imagem, apresenta também um dos cartazes de divulgação doevento, no qual é possível verificar a alusão à carnavalização e aoprazer. A carnavalização é um conceito que Bakhtin discute em seu livroProblemas da poética de Dostoiévski (1963) e também no livro sobreRabelais – A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: ocontexto de François Rabelais (1977). No primeiro Bakhtin articula oconceito de carnavalização com o conceito de polifonia para analisar asobras de Dostoiévski e no segundo, o autor apresenta o conceito degrotesco relacionado com o de carnavalização para debater a literaturade Rabelais.

Bakhtin (1963/2010b, 1977/1993) afirma que a carnavalizaçãotem influência do carnaval na literatura sob o aspecto do gênero, ou seja,o carnaval não é um fenômeno literário, mas ao ser transposto para alinguagem da literatura carnavaliza-a. O carnaval é a “festa darenovação”, o mundo fora da ordem habitual, no qual não há distânciaentre os sujeitos e no qual as hierarquias não existem. A carnavalização,enquanto linguagem literária, é “uma forma insolitamente flexível devisão artística” que torna relativo o que é estável e acabado e nospossibilita o contato com as diversas vozes sociais postas emequipolência – o que caracteriza a polifonia para Bakhtin. Portanto, apolifonia – característica marcante das obras de Dostoiévski – possuirelação com o conceito de carnavalização na perspectiva bakhtiniana.Para o autor a tradição do romance carnavalesco combina-se com asparticularidades do romance polifônico, onde não há ponto conclusivo eno qual todo fim é um começo.

Dentro da literatura, a cosmovisão carnavalesca está presente nosgêneros conhecidos como sério-cômico que trabalham com a“atualidade viva” (Bakhtin, 1963/2010b, p. 123 – grifo do autor), ouseja, com as questões que estão postas na sociedade. No sério-cômicoencontra-se a sátira-menipéia que tem suas raízes no folclore antigo e éconsiderado, para Bakhtin (1963/2010b), o gênero utilizado porDostoiévski em seus romances. A sátira-menipéia é caracterizada peloaumento do peso cômico, pela liberdade de invenção do enredo quepossibilitam a criação de “situações extraordinárias para provocar e

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experimentar uma ideia filosófica” (p. 130 – grifo do autor). Pode-seperceber a utilização da sátira-menipéia nos enunciados da Ninja, osquais atribuem peso cômico ao que está posto nas situações do cotidianoe fazem com que outros sentidos sejam atribuídos ao embate eleitoralque estava acontecendo em outubro de 2014.

A sátira também se faz presente nos enunciados sobre os eventosque foram organizados com a participação da Ninja na cidade de SãoPaulo: o Churrascão da MeriTIOcracia e o Churrascão da GenteDesinformada. A referência do nome do primeiro evento estárelacionada ao debate ocorrido no canal de TV conhecido como SBT,veiculado ao vivo no dia 14 de outubro de 2014 e no qual Aécio declaraque, caso eleito, seu governo seria pautado na “meritocracia”, acabandoassim com os concursos públicos e se pautando no “mérito” paracontratação de profissionais. Na figura 07, um dos convites para oevento que aconteceu no dia 16 de outubro, é explícita a alusão ao “Reido Camarote” (milionário que ficou conhecido nas redes sociais por umvídeo em que relatava como gastava seu dinheiro em camarotes defestas da elite de São Paulo) e a relação do mesmo com a figura deAécio, um filho da elite brasileira, que gasta seu dinheiro em festas comamigos, bebidas caras, comidas e “helicópteros”28. (SPressoBR Brasil,2014).

28 No link https://www.youtube.com/watch?v=exYxNIxwYM8 é possívelassistir um vídeo que apresenta melhor essa relação entre Aécio e o Rei doCamarote.

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Figura 08: Imagem de divulgação do Churrascão da merTIOcracia com o Rei doCamaroteFonte: Arquivo da Pesquisadora

O nome do evento Churrascão da MeriTIOcracia, faz alusãotambém às diversas denúncias de que Aécio empregou seus parentesquando foi Governador de Minas Gerais (P. Nogueira, 2014). Nadescrição do evento as/os organizadoras/es tornam visível essa relação:“Faça como Aécio, traga sua família para nosso camarote. Todos bemvindos, avô, tio, irmã, primas e cunhados. Um brinde ao mérito datradicional família rica em se dar bem na vida desde cedo, graças a todoseu talento individual” (Churrascão da MeriTIOcracia, 2014).

O Churrascão da Gente Desinformada, por sua vez, ironiza a falado ex-presidente FHC que chamou as/os eleitoras/es de Dilma dedesinformadas/os. O evento tinha a proposta de mostrar que as críticas ereflexões sobre a cena política brasileira não se dão somente a partir doque a grande mídia nos mostra, de modo que o interesse público mereceo respeito da mesma. Afirmam as/os organizadoras/es na descrição doevento no Facebook que não são apenas “gente diferenciada” como sãotambém “desinformadas/os”, mas o que importa é que e elas/es tem

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umas/uns as/aos outras/os enquanto a direita tem somente a grandemídia.

A essa questão podemos relembrar o debate sobre a produção decomunicação colaborativa e em rede que é utilizada pela Ninja e pormuitos outros canais de mídia independente. Quando afirmam que o queimporta é que tem uns/umas aos/as outros/as e que a direita “só tem agrande mídia” percebemos a importância da potência das redes que,espalhada por diversas cidades e estados tem força para enfrentar asnarrativas da grande mídia, que vem perdendo credibilidade nos últimosanos.

Os Churrascões são baseados em um outro evento que aconteceuem 2011 e no qual a Ninja participou, enquanto Laboratório MídiaNinja. O Churrascão da Gente Diferenciada, como foi chamado,aconteceu em São Paulo como forma de protesto contra a população deHigienópolis que não queria uma estação de metrô fosse instalada naAvenida Angélica, pois isso faria com que tivessem que conviver com“gente diferenciada” (Geraldo José Rodrigues Alckmim Filho Não,2013)

No que diz respeito aos canais de mídia tradicionais e o apoio àAécio, podemos relembrar brevemente sobre o “Helicoca”, como ficouconhecido o helicóptero interceptado pela Polícia Federal (PF) no dia 24de novembro de 2013 com 450 kg de pasta base de cocaína. Tal fato nãofoi comentado pela Globo TV ou pela revista Veja. O fato de nãocomentar sobre tal situação nos leva a considerar que o apoio da mídia àalgum/a candidata/o está relacionado também a não veiculação denotícias sobre situações que envolvam a/o mesma/o. O Helicoca,pertencia/pertence à família Perrella e estava/está registrado no nome deGustavo Perrella, deputado estadual em Minas Gerais e filho do senadorZezé Perrella (PDT). O piloto era funcionário da Assembleia Legislativade Minas Gerais e o próprio transporte foi autorizado pelo deputadoGustavo Perrella – segundo o mesmo ele não sabia o conteúdo que seriatransportado no helicóptero (K. Nogueira, 2014).

A família Perrella é conhecida por protagonizar diversosprocessos no Ministério Público por irregularidades. Mas, qual avinculação desta família com Aécio Neves? Dentre esses diversosprocessos estão os que dizem respeito às irregularidades de Aécio

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enquanto governador de Minas Gerais. A ligação entre Perrella e ocandidato à presidência vem de muitos anos e ultrapassa as aliançaspolíticas. O senador aparece na propaganda política de Aécio paragovernador de Minas Gerais (J. Carvalho, 2014). Não trazer à tona talnotícia evidencia a escolha da Globo TV e da Veja em não apresentarnotícias que relacionem o candidato Aécio Neves a algum esquema decorrupção ou até mesmo de tráfico de drogas.

Algumas reportagens investigativas levaram a suspeita de que afilha de Aécio Neves estava no helicóptero, mas em momento algum,nos meios de comunicação do Grupo Globo e do Grupo Abril talsituação com o Helicoca foi vinculada à família Neves, diferente do quefizeram/fazem com os esquemas de corrupção investigados nos últimosanos nos governos do PT. Um deles, o esquema conhecido comoPetrolão – que iniciou toda a investigação da Lava Jato e derruboudiversas/os ministras/os do Governo Dilma (2010-2014) – foi matériados jornais do Grupo Globo e capa da revista Veja por algumas semanas,uma delas a semana que antecedeu as eleições de 2014.

Nessa ocasião, a capa da Veja apresentou uma foto de parte dorosto de Lula ao lado de outra foto com parte do rosto de Dilma e com afrase: “ELES SABIAM DE TUDO”. A matéria de capa dizia respeito àsinvestigações de desvio de recursos da Petrobrás e um depoimento deAlberto Yousseff, um doleiro que foi caixa do esquema de corrupçãoque envolveu a estatal. Yousseff estava preso desde o início de 2014 eaceitou realizar a “delação premiada”, um processo no qual o acusadorealiza depoimentos que denunciem outras pessoas envolvidas noscrimes e em troca ameniza a sua pena.

Como podemos verificar na figura 08, a capa da revista apresentaum fundo preto, que, segundo Cappellari e Negrini (2016, p. 12) remeteao “contexto de fatos nebulosos, obscuros” e até mesmo negativos. Afrase em destaque “ELES SABIAM DE TUDO” foi escrita em caixaalta e na cor vermelha, o que indica que a proposta era destacar aafirmação de que Lula e Dilma sabiam do que acontecia e nada fizeram,apresentando como presumido o fato de que estavam envolvidos noesquema de corrupção.

A imagem de Lula e a de Dilma possuem uma estéticadesvalorizada, ambos aparentam um olhar preocupado e uma expressão

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de desespero, como se estivessem apavorados com o depoimento deYousseff. Em letras brancas, menores que as letras destaque da capa, arevista explica que a manchete diz respeito à delação premiada deYousseff e que o mesmo afirma que Lula e Dilma tinham conhecimentodas “tenebrosas transações na estatal”. A palavra tenebrosa remetenovamente a um clima obscuro, de suspense ou até mesmo de terror(Cappellari & Negrini, 2016).

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Figura 09: Capa da Veja de 29 de outubro de 2014Fonte: Arquivo da Pesquisadora

No mesmo dia em que a Revista chegou às bancas, diversos sitesdivulgaram que o advogado de Yousseff negou ter realizado qualquertipo de delação que envolvesse Lula e Dilma. Segundo o site Brasil 247

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(2014), que teve o texto replicado no Facebook da Ninja, o advogadoafirmou que desconhecia o depoimento e considerava a matéria da Vejauma tentativa de golpe à democracia brasileira. Ao veicular esse texto, aNinja afirma que a democracia foi prejudicada pela elite da mídiaquando a Veja “transformou o depoimento de um bandido em prova decrime contra Lula e Dilma”, conforme podemos ver na Figura 09.

“A escolha das matérias e sua apresentação são formas queevidenciam a linha editorial do veículo e posição tomada por ele.”(Cappellari & Negrini, 2016, p. 09). Sendo assim, a Veja e a Ninjadecidem tomar posição ao apresentarem enunciados que demarcam suaslinhas políticas e ideológicas, de forma presumida ou não. Compreende-se que os dois canais midiáticos utilizam-se da manipulação dainformação e apresentam uma única perspectiva. A Veja optou porapresentar um falso depoimento para manipular assim o voto de diversaspessoas e tentar modificar o resultado de uma eleição presidencial,enquanto a Ninja buscou enfrentar essa narrativa e defender assim oprocesso democrático, utilizando-se para isso do termo “bandido” comoforma pejorativa, como se a palavra de um “bandido” não pudesse serescutada.

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Figura 10: Postagem da Ninja no Facebook em 23 de outubro de 2014Fonte: Diário de Campo

A manipulação, por parte da Veja, pode ser percebida também naantecipação da distribuição da revista. “Conforme sua distribuiçãosemanal, a revista Veja, edição 2397, ano 47, nº 44, deveria estar nasbancas na quarta-feira, 29 de outubro de 2014. Contudo, em face dadenúncia apresentada com o depoimento do doleiro Alberto Youssef,Veja decide divulgar na sexta-feira, 24 de outubro de 2014” (Capellari &Negrini, 2016), tendo em vista que as eleições aconteceriam nodomingo, 26 de outubro de 2014.

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Ao acessarmos o blog de Felipe Moura Brasil, blogueiro da Veja,é possível compreender a manipulação da informação sendo utilizadapara manipulação de votos. Felipe publica um post que tem como título“CAPA BOMBA DA VEJA! Lula e Dilma sabiam de tudo!” (F. M.Brasil, 2014) e no qual afirma que “se essas autoridades não agirem atédomingo, se o impeachment não sair a tempo, a população brasileiraprecisa se dar conta da dimensão dessa bomba para ao menos despacharessa gente pelo voto. Que Aécio Neves (PSDB) faça bom uso dela.” (F.M. Brasil, 2014, s/p). O blogueiro demarca o lugar político deenunciação que está presente na Revista que assume seu posicionamentopolítico e ideológico em sua página vinculada à página do Grupo Abril.Na mesma afirmam que seus jornalistas “não se limitam ao conforto daimparcialidade” e buscam sempre travar um debate intelectual como“uma marca sólida assentada em uma maneira de ver o mundo” (Veja, s.d.).

No que diz respeito à Ninja, a mesma declarou apoio explícito àDilma Rousseff durante o segundo turno das eleições, não somente coma participação na organização e execução dos eventos analisadosanteriormente, mas também na publicação de um texto em sua página nainternet e replicado na página do Facebook no qual afirmam: “A MídiaNinja tem lado” (Mídia Ninja, 2014). No texto apresentam a vitória daPresidenta Dilma não como um ponto de chegada, mas como um pontode partida, de avanço na luta pelos direitos humanos e pela democraciabrasileira (Mídia Ninja, 2014). Encontramos, no presumido dosenunciados, a falta de ética das grandes mídias, principalmente no quediz respeito as questões apresentadas nas postagens destacadasanteriormente – sobre o helicóptero e a capa da Veja (Ninja, 2014).

Ter lado indica demarcar o lugar pelo qual compreendem omundo, de que forma pensam como querem viver nele. Quando umcanal de mídia afirma a sua parcialidade circunscreve uma posição demundo, de sujeito, de sociedade. Ao demarcarem qual o lado queocupavam naquele momento político importante de nossa sociedade, oscanais de mídia disputam os enunciados que estavam postos em tensãono cenário político naquele momento.

A partir dos relatos e análises desses diversos enunciadospercebe-se as diferentes formas pelas quais a comunicação é produzida e

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veiculada – desde a manipulação da informação com o objetivo deapresentar uma perspectiva ideológica, até a utilização da sátira e dacarnavalização para que alguns enunciados deixem de ser ruído. Aperspectiva dada pela Ninja deve ser considerada uma forma de produzire veicular comunicação que institui um outro possível, que abre espaçopara a diversidade de vozes e que constitui sujeitos que sejam capazesde compreender as diversas interpretações de uma mesma realidade. Aomesmo tempo, em alguns momentos instituem enunciados fechados,sem possibilidade de abertura para outros sentidos. A comunicação deveser considerada como espaço de tensão, e não se pretender acabada,pois não expressa a primeira nem a última palavra, deixa aberto odiálogo. Comunica, de formas diferentes, espaços e tempos diferentes,ideologias diferentes, e constitui assim, diferentes sujeitos e sociedades.

Dos episódios acima relatados, emerge a disputa de narrativasque vem acontecendo entre a mídia independente e a mídia tradicional.A Ninja vem disputando diretamente com o Grupo Globo e com oGrupo Abril as narrativas sobre pautas relacionadas aos direitoshumanos e produz uma narrativa que se contrapõe aos enunciadoshegemônicos, catalisando vários outros coletivos que têm a mesmapreocupação. Portanto, questionamos: o que pode a comunicaçãoindependente no campo das disputas por narrativas? Que modos depensar ela intenta produzir?

Com base nesses questionamentos é que o debate sobre ademocratização da e na comunicação e as parcialidades da mídia sefazem presentes na comunicação independente, a qual foi e é constituídaao longo desses anos de articulação entre a Ninja e o FdE. Tal debatetambém está presente na forma como as/os integrantes de ambas asRedes instituem a vida coletiva, o que evidencia o modo como asmesmas vêm buscando instituir um projeto de sociedade baseado emuma outra forma de viver, de ser e de sentir a vida em comunidade,tendo como foco o compartilhamento de experiências, afetos, ideias esonhos.

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5 Fervo e protesto: quando a comunicação se encontra com apolítica

Precisamos falar de políticaA todo custo a praça pública ocupar

Precisamos falar de políticaA nossa luta é pela resistência popular

(Golpistas – Caio Prado)

Nesse capítulo costuraremos um outro importante nó desta tese: oativismo contemporâneo. Inicialmente apresentaremos o debate sobre ociberativismo, desde o seu surgimento nos anos 1990 e a suaconsolidação no mundo. Em seguida, teceremos os fios que conectam apolítica com a comunicação digital que nos apresentará uma outra formade fazer política, a qual vem ocupando as ruas do Brasil desde 2013 eque vem se consolidando a partir da perspectiva da comunicaçãocolaborativa que as mídias independentes vem construindo.

5.1. Redes digitais e as ruas: as tramas do ativismocontemporâneo

Como vimos anteriormente, a web 2.0 caracteriza-se pelaconexão de diversas/os emissoras/es e receptoras/es que compartilham omesmo contexto em espaços-tempos diferenciados, interagindo entre si.Essa interatividade toma corpo com o surgimento das redes sociais, asquais aumentaram a velocidade da circulação de informação nociberespaço. Tais estruturas foram apropriadas por ativistas após osurgimento da internet, possibilitando, uma conexão entre diversossaberes e espectadoras/es que (re)criam os conteúdos recebidos e(re)transmitem os mesmos para outras/os espectadoras/es, tecendo assimredes de emissoras/es e receptoras/es (Castells, 1999; Lévy, 1997/2010;Malini & Antoun, 2013). Algumas dessas redes compõem o queconhecemos por ciberativismo.

O ciberativismo surgiu na década de 70 com as/os libertárias/osda contracultura, que hackearam as estruturas da ARPANET e a

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tornaram uma rede “de afetos, de cooperação e de trocas deconhecimentos micropolíticos” (Malini & Antoun, 2013, p. 17), fazendocom que a internet deixasse de ser utilizada somente para ocompartilhamento de informações sigilosas por militares euniversidades. Neste sentido, as/os ciberativistas/hacktivistas seapropriaram de ferramentas e tecnologias capazes de produzirresistências e inovações, utilizando a internet como instrumento de lutacontra a capitalização do comum que ocorre em nossa sociedade(Bentes, 2013). Portanto, operaram com algo produzido pelo capitalismopara o monitoramento de nossas vidas, convertendo-o em uma forma deresistência contra as regras do próprio capital. Neste hackeamento,derrubam os muros da prisão, evidenciando que na contemporaneidadenão é somente o vigia do panóptico que tudo vê (Mendes Junior, 2010),mas todas/os veem e são vistas/os, todas/os estão expostas/os.

Aqui nos referimos ao panóptico de Bentham, utilizado porFoucault (1987/1999) na construção de sua teoria sobre o nascimentodas prisões. O panóptico é um sistema circular onde quem vigia seconcentra no centro do espaço e consegue visualizar todas/os que seencontram presas/os sem que ninguém possa lhe ver. Portanto,configura-se em um dispositivo de vigilância de sujeitos através do jogotempo-espaço, o qual totaliza o tempo e busca fixar o sujeito no espaço,trabalhando com um jogo de visibilidade (daquela/e que é vigiada/o) einvisibilidade (daquela/e que vigia).

Nesse hackeamento das tecnologias, redes de colaboração sãocriadas e desta forma as resistências que são tecidas nas redes digitaiscosturam-se com as vozes das ruas. Nessa disputa, encontramos a lutapela produção de outras narrativas que combatem as vozes hegemônicasque se sobressaem nos conglomerados midiáticos, rompendo assim como sensível instituído e apresentando outras formas de olhar, sentir, dizer,fazer. A internet possibilita, portanto, o fortalecimento do midialivrismo,que relaciona o ativismo e a produção de uma comunicaçãoindependente, visando o enfrentamento das formas tradicionais decomunicação.

As/Os midialivristas são hackers das narrativas que geramconteúdo para se contrapor ao que está hegemonicamente instituído.Utilizam de dispositivos comunicacionais para criar "um ruído cujo

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principal valor é de dispor uma visão múltipla, conflitiva, subjetiva eperspectiva" (Malini & Antoun, 2013, p. 23) sobre acontecimentossociais, constituindo assim dois grupos: midialivristas de massa emidialivristas ciberativistas.

As/Os primeiras/os originam-se dos conhecidos novosmovimentos sociais29 e “se organizam em torno de rádios livres ecomunitárias, imprensa alternativa e experiências de produção de vídeose documentários com e sobre as classes populares” (Malini & Antoun,2013, p. 22). Originados, no Brasil, desde a época da ditadura militar,compunham as vozes que tensionavam o instituído pelos grupos demídias tradicionais, através de jornais impressos, panfletos, cartazes epichações, conforme apresentado no capítulo 3. Por sua vez, as/osmidialivristas ciberativistas estão vinculadas/os ao movimento dacontracultura, e se pautam no enfrentamento às lógicas impostas pelocapital, caracterizando-se por “uma prática colaboracionista decomunicação horizontal na internet que sugere resistência à hegemoniadas grandes corporações jornalísticas” (Rodrigues, 2014, p.01).

Ambos os grupos reivindicam uma nova economia política dosmeios, através da cooperação na produção da comunicação e nacirculação livre dos conteúdos produzidos. Buscam a “liberação davoz”, apropriando-se das palavras e possibilitando que lhes sejamatribuídos outros significados, outros valores, outras percepções. Noentanto, segundo Malini e Antoun (2013, p. 22), por mais que tenhamas reivindicações muito próximas, esses dois grupos possuemgenealogias diferentes, ou seja, “o midialivrismo de massa quer seliberar do poder concentrador da propriedade dos meios decomunicação; o ciberativista quer radicalizar os direitos fundamentais(ou mesmo subverter o sentido liberal destes), sobretudo a liberdade de

29 O conceito “Novos Movimentos Sociais” surge na década de 70, nos estudosda sociologia sobre os Movimentos Sociais, demarcando-os assim como“novas formas de expressão social” que devem ser compreendidas “comosínteses dialéticas inacabadas entre subjetividades e objetividades. Nestesentido, envolvem tanto aspectos macroestruturais histórico-político-econômicos, quanto aspectos microestruturais como relações intergrupais,interpessoais, consciência, linguagem, emoções, identidade” (Maheirie, 1997,p. 164).

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expressão”. A partir da colaboração e do uso das tecnologias dacomunicação e da informação as/os ciberativistas constroem processoscompartilhados de comunicação que reúnem experiências e criam cadavez mais dispositivos digitais e tecnológicos para subverter a lógica docapital.

Diversas são as experiências de midialivrismo que vêm seconsolidando no mundo e muitas delas, desde os anos 1990, utilizam-sede tecnologias digitais para contraporem-se às narrativas das mídiastradicionais. A seguir relataremos algumas dessas experiências, quefazem ver as diversas formas de produção de comunicação digitalrelacionadas ao ativismo que vêm sendo experienciadas há anos nomundo.

Durante os acontecimentos de 11/09/2001 nos Estados Unidos daAmérica (EUA), as mídias mais conhecidas estavam com suas páginasde internet congestionadas, devido ao grande número de pessoas quebuscavam informações. Tal situação levou o público a procurarinformações nos canais de TV e nos blogs. Os primeiros seconcentravam na leitura das imagens que eram repetidamentereproduzidas, sem trazer informações sobre as vítimas. Já os blogsrelatavam informações em tempo real sobre a situação dos locais dosatentados. Neste sentido, serviram como canal de informação parafamiliares das vítimas, veiculando notícias, debatendo sobre as causasdos atentados e até mesmo desmentindo informações veiculadas emalguns canais de televisão. (Malini & Antoun, 2013)

Uma outra experiência de midialivrismo que pode ser destacadaaconteceu em 2009, na Islândia. Hordur Torfason, cantor islandês,musicou a recessão econômica numa apresentação em frente aoparlamento de seu país, a qual foi registrada em vídeo e publicada nainternet, fazendo explodir uma série de manifestações nas ruas pedindoa reformulação do parlamento. As/Os manifestantes exigiram novaseleições, a refundação da República e uma nova constituição, a qual teveseu texto debatido nas redes digitais e enviado ao Parlamento paravotação (Castells, 2013).

Dois anos depois, (2011) houve "uma eclosão simultânea econtagiosa" de manifestações de rua inspiradas pelo que aconteceu naIslândia, tomando a "dimensão de um movimento global" (Carneiro,

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2012, p. 7). Os movimentos iniciaram-se no norte da África,espalhando-se pela Europa, Estados Unidos e América Latina. Asmanifestações tiveram configurações muito parecidas, apesar de asreivindicações serem muito peculiares. Organizavam-se sem uma únicaliderança e em formato de redes de colaboração, havendo uso dacomunicação digital, a ocupação de praças e a negação às instituiçõespolíticas/partidárias tradicionais, debatendo alternativas às mesmas.

Dentre essas manifestações podemos destacar a da Tunísia contraa crise econômica, que teve seu início na internet e tomou as ruas dopaís. (Castells, 2013). Nesse mesmo ano tivemos a ocupação da praçaTahir no Egito e das praças Puerta del Sol e da Catalunya na Espanha,também iniciadas nas redes digitais – as quais foram utilizadas paradivulgar as manifestações, fazer a transmissão ao vivo das mesmas e,também, para debates, discussões e deliberações sobre os rumos dosmovimentos. Os protestos do Movimento #15M da Espanha surgiram apartir de um grupo de discussão no Facebook; os diálogos nas redesderam origem a inúmeros movimentos pelas praças do país, cujasdecisões eram divulgadas nas redes sociais, ganhando repercussãomundial. (Castells, 2013).

No mesmo ano, a ocupação de Wall Street nos EUA levantouquestionamentos quanto à especulação financeira promovida pelosbanqueiros deste centro financeiro – manifestação que também tevegrande repercussão mundial devido à utilização das redes sociais,levando diversos grupos espalhados pelo mundo a ocupar espaçospúblicos, juntando-se às reivindicações do Occupy. Também em 2011, acidade de São Paulo recebeu a Marcha da Maconha, que sofreu forterepressão policial, sendo novamente convocada alguns dias depois como nome "Marcha da Liberdade", configurando-se como a primeiratransmissão ao vivo da Ninja, ainda como Laboratório de comunicaçãodo FdE.

Essas diferentes experiências de midialivrismo constituem aNinja, juntamente com a experiência da vida coletiva e de produção decomunicação consolidada pelo FdE. A partir do lançamento dolaboratório Mídia Ninja, o FdE intensificou os diálogos com osmovimentos sociais, movimento estudantil, grupos e coletivos quevisam a luta pelos direitos humanos no Brasil. Desta forma, a Ninja é

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considerada um veículo de comunicação que está focado nas vozes dasruas, o que leva aquelas/es que costuram essa Rede a afirmar que aNinja é RUA. Todas essas vozes constituem a Ninja, que é consideradauma experiência dentre tantas outras que surgiram e que ainda vão surgirnos debates sobre midialivrismo, sobre democratização da comunicaçãoe sobre outras formas de produção de comunicação no contemporâneo.

Olhar para as diversas experiências que constituem a Ninja nosfaz pensar sobre as condições de possibilidades para que, em Junho de2013, surgisse uma Rede de midialivristas que se denominam ninjas.Naquele momento, afirmam as/os midialivristas da Ninja, as juventudesse encontravam descrentes com as notícias veiculadas na mídiatradicional, aliadas ao já constante descontentamento com as instituiçõespolíticas. Talvez Ninja fosse o enunciado que mais conseguisse dialogarcom aquelas juventudes naquele momento (Mídia Ninja, comunicaçãopessoal, 2015; Rodrigues, 2014). Podemos assim afirmar que a Ninja fezemergir um sujeito político quando o mesmo precisava aparecer,propondo uma estética necessária para a época, que dialogava com osacontecimentos diversos, pautando o embate forte que estavaacontecendo entre a mídia tradicional e as mídias independentes,instituindo assim uma desidentificação e bagunçando com as identidadesque estavam postas.

Ninja demarca um ato político ao configurar um novo campovisível, que antes não estava configurado e no qual agora as pessoastransitam. Apresenta a possibilidade de outra forma de relação entresujeitos e está aberta para uma série de outros possíveis. Dialoga com oimaginário social de rejeição aos partidos políticos, de desconfiança comos canais de mídias tradicionais, apresentando assim o que hojecaracteriza os movimentos contemporâneos: a organização semlideranças fixas e a organização online e offline, na qual há uma relaçãomuito forte entre as vozes das ruas e das redes digitais (Brasil & Frazão,2013; Castells, 2013 ; Malini, Calmon, Medeiros, Reis, & Aboirdib,2014; Rodrigues, 2014).

A Ninja é considerada um "porta-voz de ideologia" que pautaaquilo que aquelas/es que tecem essa rede acreditam que precisa servisibilizado, discutido, modificado. Não é um veículo de comunicação,mas sim um "universo de comunicação" que transforma em potência

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aquilo que não é visto ou ouvido. Um exemplo disto encontramos nasquestões relativas às/aos imigrantes haitianas/os que vivem em SãoPaulo: no lugar de fazer uma reportagem que apresentasse as/osimigrantes como pessoas que estão sofrendo e vivendo na pobreza, aNinja auxiliou na organização e na execução de um evento na Casa Forado Eixo São Paulo, o Domingo na Casa (DNC), que teve como temáticaa cultura haitiana (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015).

Neste sentido, ressaltamos que a Ninja não é somente um canalde comunicação que está nas manifestações ou eventos para fazer acobertura das/os mesmas/os. O "A" da sigla Ninja que significa Açãoremete ao fazer, ao agir e não somente comunicar, transmitir. Portanto,esse “A” diz de uma forma outra de fazer comunicação que estádiretamente vinculada ao ativismo e que demarca que a Ninja é umcoletivo de comunicação que está no meio da manifestação, naorganização da mesma, articulada com os movimentos, propondoencontros, debates e lutando pela garantia dos direitos humanos. Éconsiderada uma rede de ação direta, de ativismo, por aquelas/es quetecem essa rede (Mídia Ninja, comunicação pessoal, 2015). Sendoassim, deslocam e se desidentificam do lugar da mídia tradicional e pormeio desse deslocamento experienciam a subjetivação política,emergindo, por meio dos seus atos como um sujeito político.

Diante disso, é possível perceber que a relação entre o ativismo ea produção de comunicação digital no contemporâneo tem a ver com asformas como a comunicação é produzida, veiculada e principalmentecom o espaço-tempo que conecta diversos nós das redes que buscamtensionar o universal instituído pelos conglomerados midiáticos. ANinja, na disputa de narrativas com estes conglomerados, é uma dessasredes, e encontra-se o tempo todo produzindo contra-palavras.

5.2. Tecendo redes entre política e comunicação: o ativismocontemporâneo

Neste momento apresentaremos mais uma mensagem querecebemos de nossa amiga Comunicação. Desta vez ela vem nosapresentar uma outra colega: a Política, com quem a Comunicação vem

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se articulando para “ocupar as praças e ruas e lutar pela resistênciapopular” como afirma Caio Prado em sua música “Golpistas” queencontra-se na epígrafe deste capítulo e nos inspira na escrita do mesmo.

***

Florianópolis, 01 de dezembro de 2017.

Olá, como estão?Venho agora para apresentar uma nova colega, a Política.Anexo está o print de uma mensagem que ela deixou no

Twitter esses dias e que me fez lembrar de vocês.Espero que gostem de conhecê-la, mesmo que com uma

passagem rápida por aqui.

Abraços,Comunicação

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Figura 11: Postagem no TwitterFonte: Arquivo da pesquisadora

Para Rancière (1996b, 2012), a política deve ser consideradacomo um ato raro, que se dissipa no instante em que se institui e, porisso, o filósofo inverte a lógica de pensarmos a política que, durantemuito tempo foi compreendida no âmbito institucional como umaprofissão, ou seja, considerada uma conquista alcançada somente poraquelas/es que exercem cargos políticos (prefeitas/os, presidentas/es,senadoras/es, vereadoras/es, governadoras/es, deputadas/os), portantovinculada a uma "forma de atividade ou praxes humana" que "estáestreitamente ligada ao conceito de poder" (Sousa, 2005, p. 264).

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Tal perspectiva aproxima-se do que Rancière (1996a) denominade polícia, que está relacionado à gestão dos corpos e que para esseautor é o oposto do que ele compreende por política. Ao ser instituída, apolítica dá visibilidade a um dano, partindo da verificação da igualdadede seres falantes e de um processo de identificação impossível, ou seja,da impossibilidade que sujeitos tem em se identificar com a lógica queinstaura o dano que está sendo denunciado, que é a lógica da polícia.

A verificação da igualdade concretiza o processo de emancipaçãoque, para Rancière (2012, 2014a) se caracteriza pela subjetivaçãopolítica, por uma desidentificação, um lugar no entre, que se estabelecepor uma heterologia, ou seja, pela lógica do outro. A emancipaçãocaracteriza a política e, quando a mesma se entrelaça com o seucontrário, com a lógica policial, formam o terreno propício "para otratamento de um dano" (Rancière, 2014a, p. 69), o terreno do político.

A lógica do outro caracteriza o processo de subjetivação política,a partir de três importantes determinações: 1) recusa à identidade fixadapela lógica policial; 2) constituição de um lugar comum – polêmico parao tratamento de um dano; 3) uma identificação impossível. O processode subjetivação política "liga um não-ser a um ser-por-vir" (Rancière,2014a, p. 72) e se estabelece a partir de uma disputa entre contrários quese encontram em tensão e que, a partir dessa tensão, constroem algonovo.

A política se estabelece, portanto, a partir do dissenso, que "põeem jogo, ao mesmo tempo, a evidência do que é percebido, pensável efactível e a divisão daqueles que são capazes de perceber, pensar emodificar as coordenadas do mundo comum" (Rancière, 2012, p. 49).Rompe com a lógica da arché (Rancière, 2014a), caracterizando-se nãopelo confronto entre interesses contrários, mas pela relação entre oscontraditórios que compõem as lógicas que operam na comunidade.Sendo assim, a política apresenta-se sempre em contraposição à lógicapolicial, que é aquela que define os lugares a serem ocupados e “oslimites de um sensível compartilhado” Machado, 2013, p. 268).

Rancière (2012) considera que existem duas formas de contar aspartes da comunidade: a polícia e a política. A primeira conta as "partesreais, grupos efetivos definidos por diferenças de nascimento, defunções, de lugares (p. 146) e a segunda contabiliza a parte dos sem

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parte; e ambas se encontram nas manifestações, as quais se configuramcomo confrontos "entre duas partilhas do sensível" (p. 149),constituindo assim, o campo do político.

Podemos afirmar que, tal campo vem se constituindo dediferentes maneiras no Brasil, no que diz respeito às formas de embatecom as perspectivas hegemônicas. Na década de 1930, tivemos osurgimento do movimento operário e sindical, que constituía-se porinstituições que se organizavam a partir de uma lógica institucionalizadaque previa uma gestão muitas vezes fixa e horizontal, com liderançasmuito bem definidas. Durante os anos 1960, no início da DitaduraMilitar no Brasil, contamos com diversos coletivos de resistência quesofreram perseguições por parte dos militares que governavam o país. Jána década de 1970, tivemos o surgimento dos novos movimentos sociaisque instituem um jeito outro de fazer política marcado “pelasespecificidades regionais, culturais, econômicas e políticas” (Maheirie,1997, p. 166), que se relaciona com o cotidiano no qual atuam. Nestesentido, instituem formas bastante diferenciadas de atuar no campopolítico e configuram uma outra estética, diferente da estética domovimento operário e sindical da década de 1930 e dos movimentos deresistência anos anos 1960.

Na atualidade, a militância em movimentos sociais tradicionais,sindicatos e partidos políticos já não serve mais para aquelas/aquelesque estão nas ruas (Malini, et al., 2014; Moraes, Gutiérrez, Parra,Albuquerque, Tible, & Schavelzon, 2014). As diferentes vozes das redesdigitais e das ruas nos fizeram ver e ouvir vozes antes nunca vistas eouvidas. Esse cenário é tecido a partir de uma outra forma deorganização do campo do político, que a partir da relação das novasconfigurações do ativismo com uma outra forma de produzir e veicularcomunicação empreendem uma outra estética, a qual difere daquela quesempre esteve presente nas ruas. Uma estética que dialoga com as redesdigitais e que se aproxima de práticas mais vinculadas ao universo dasartes.

Por estética compreendemos o que Rancière (1996a) nosapresenta com o conceito de configuração do sensível, que por sua vezestá relacionado ao que ele entende por política. A estética é considerada“um recorte dos tempos e dos espaços do visível e do invisível, da

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palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está emjogo na política como forma de experiência” (Rancière, 2005, p. 16).Para o autor, a estética está relacionada à constituição de jeitos de ver, deouvir, de funcionar (Marques, 2011) e tem relação com ainteligibilidade, esta “que indica a própria experiência” e diz respeito“ao habitual, ao episódico, à própria partilha do comum” (Gomes, 2016,p. 53-54).

Por ser considerada como a base da política, a estética relaciona-se também com o princípio de igualdade que para Rancière (2002) écondição ontológica, que ele discute a partir do método de Jacotot,quando afirma que “quem emancipa não tem que se preocupar comaquilo que o emancipado deve aprender. Ele aprenderá se quiser, nada,talvez” (p. 37). Portanto, Rancière, ao instaurar o princípio da igualdadecomo condição ontológica que iguala qualquer ser falante com qualqueroutro ser falante, institui a igualdade como a racionalidade da política.

Através de práticas autogestionadas, mais horizontais, comflexibilidade dos lugares a serem ocupados, os coletivos e movimentoscontemporâneos podem reconfigurar o sensível e dar visibilidade àpráticas que são possíveis, constituindo diversas alternativas para umoutro fazer. Constroem isso de forma concreta e argumentativautilizando de uma lógica diferente, um jeito diferente de funcionar. Nãoficam somente como ruído, se fazem ouvir. Por conta disso, a políticaconstitui-se por novas experiências e vai constituindo assim um jeitooutro de atuarmos no campo do político, não mais como antigamente,quando somente estavam nas ruas os sindicatos, partidos políticos e asinstituições. Sendo assim, os coletivos e movimentos contemporâneosconstituem formas outras de relação com o campo do político aopromoverem atos concretos de ruptura, que podem ser denominados deatos políticos. Instituem, portanto, uma outra estética, a partir daemergência de uma outra pensabilidade, medidas pelas novastecnologias de comunicação e informação.

A política institui uma estética outra a qual a Ninja auxiliou (eainda auxilia) a constituir. Tal estética utiliza-se da comunicação digitalque relaciona-se com as vozes das ruas, que se apresentam a partir daperspectiva do fervo e do protesto (Mídia Ninja, comunicação pessoal,2015) para tornarem o ruído compreensível. Ferver e protestar diz,

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portanto, de uma narrativa pensada a partir do universo artístico-culturalque visa tensionar o discurso hegemônico das mídias tradicionais einstituir o lugar do não lugar, o sujeito-devir.

Diante deste emaranhado de nós é que consideramos que apolítica vem instituindo uma estética outra que não mais a mesma damilitância encontrada, por exemplo, na época da ditadura brasileira eque já foi aqui apresentada (brevemente), em capítulos anteriores. Ocampo do político de 2013 até 2016 é complexo e por isso é preciso queressignifiquemos nossa compreensão sobre a forma de fazer política,para conseguir compreender este campo e tecer outras possibilidades deenfrentamento à uma partilha do sensível que engendra sujeitosindividualistas e, recentemente, cada vez mais antidemocráticas/os. Aperspectiva do ativismo, que é engendrada pela relação entre as redesdigitais, as ruas e o campo artístico-cultural relaciona-se com as novasformas de produção e de veiculação da informação e, portanto, faz comque a política e a comunicação estejam em constante interação.

5.3. Redes e Ruas: tecendo as cenas do campo políticocontemporâneo

As Jornadas de Junho de 2013, aconteceram em todo o Brasil,iniciando a partir das ações do Movimento Passe Livre de São Paulo(MPL) contra o reajuste das tarifas do transporte urbano. O MPL levoupara as ruas a luta em prol ao direito à cidade, estampada na frase “Nãoé só por 20 centavos”, que indicava o perfil da bandeira de luta do MPL,naquela época. O impacto dessas ações teve dimensão nacional,inspirando outras manifestações que tomaram diversos rumos. Assim,muitas pessoas foram às ruas, em várias cidades do país, com as maisdiversas reivindicações como: a garantia de direitos sociais básicos, ofim da corrupção, a diminuição de impostos, entre tantas outras pautas.Afirma R. Rolnik (2013, p. 8) que, “podemos pensar essasmanifestações como um terremoto” que abalou muitas certezas e gerouquestionamentos que possibilitaram diversificadas análises.

Estes acontecimentos tiveram a cobertura dos conglomeradosmidiáticos – por meio da TV, impressos, páginas de internet ou redes

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sociais. Além dos conglomerados midiáticos, as redes sociais foramtambém utilizadas por canais de mídias independentes. Muitos dessescanais, durante as manifestações de Junho de 2013, expressavamopiniões contrárias ao que se veiculava na mídia tradicional, gerandoassim certo tensionamento nos discursos hegemônicos. Estetensionamento evidenciou os diferentes enunciados produzidos sobre asmanifestações e os lugares ocupados pelos canais de mídia no que dizrespeito aos modos de produção da comunicação. A partir dessesenunciados, postos em tensão, percebemos também que a forma como ainformação era produzida e veiculada possuía relação direta com o papelque cada canal midiático assumia no cenário político naquele contexto.

Em sua maioria, a mídia tradicional apresentava uma únicaperspectiva dos acontecimentos: manifestantes definidas/os comobaderneiras/os que não respeitavam o direito de ir e vir das/os outras/oscidadãs/ãos. A mídia tradicional afirmava que aquelas/es que estavamnas ruas para lutar pelo direito à cidade, que inclui o direito de ir e vir,retiravam esse direito das outras pessoas (Strappazzon, Groff, &Lahorgue, 2014). Ao mesmo tempo, diversos canais de mídiaindependente apresentavam as/os manifestantes como sujeitos dedireitos que tensionavam o instituído e os protestos como contundentes enecessários, marcando assim a forte diferença na forma como asmanifestações eram significadas entre os diversos canais midiáticos(Lahorgue, 2016).

É neste contexto que a Ninja torna-se conhecida. Com celularesem punho e no meio do “olho do furacão”, as/os ninjas realizavam astransmissões ao vivo das manifestações que ocupavam as ruas de SãoPaulo para lutar contra o aumento da tarifa do transporte público etambém contra a repressão da polícia para com as/os manifestantes. Paraalém de transmitir o que estava acontecendo desde o espaço da rua esem estar em cima de prédios ou em helicópteros, a Ninja tinha oobjetivo de se antecipar aos canais de mídia tradicionais, postando a fotoo mais rápido possível, fazendo a cobertura em tempo real, disputandoem alto nível e de forma desmonetarizada (Mídia Ninja, comunicaçãopessoal, 2015).

Como vimos no capítulo 2, de 2011 até 2013 a Ninja vinhaexperienciando a cobertura de outros eventos e manifestações que

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aconteceram em São Paulo, abrindo o leque de atuação política do FdEpara além da cultura musical. No entanto, Junho de 2013 foi diferente: oacúmulo de experiência na fotografia e na transmissão ao vivo foiaproveitado, mas a estrutura que antes era utilizada precisou sermodificada. Tal modificação na produção da comunicação se deu devidoà forte repressão policial com balas de borracha, bombas de efeito morale com a prisão de diversas pessoas que aconteceram durante asmanifestações. As/os ninjas compreenderam que não havia comoproteger-se da repressão policial tendo que carregar um carrinho desupermercado com equipamentos, e consideravam perigoso andar pelasruas com um galão de gasolina (Mídia Ninja, comunicação pessoal,2015), sendo que portar uma garrafa de Pinho Sol e outra de águasanitária resultou em prisão naquela época (#LibertemRafaelBraga30).

Diante deste cenário, um dos integrantes da Ninja sugere queutilizem um aplicativo de celular para fazer a transmissão ao vivo: otwitcasting. Tal tecnologia rapidamente viralizou e atualmente é muitoutilizada, tendo sido incorporada na plataforma do Facebook,possibilitando que qualquer perfil possa transmitir ao vivo sem queprecise baixar outro aplicativo para a função. Isso reforçou a disputa denarrativas entre a Ninja e as mídias tradicionais e, em muitos momentos,levou a primeira a um enfrentamento direto contra a Globo TV, que

30 Rafael Braga é um jovem de 28 anos que mora na região da Vila Cruzeiroem São Paulo. Catador de latinhas, o jovem estava nas ruas de São Pauloenquanto acontecia uma das manifestações de Junho de 2013. A PM, quevinha reprimindo e prendendo manifestantes, prendeu Rafael por portar duasgarrafas de produto de limpeza: uma de Pinho Sol e outra de água sanitária.Desde então, Rafael vem sofrendo com processos e foi condenado a 11 anosde prisão, no dia 20 de abril de 2017. No dia 12 de setembro desse mesmoano seus advogados conseguiram que ele respondesse a pena em prisãodomiciliar. A hashtag #LibertemRafaelBraga tomou a internet por todos essesanos e representa o racismo do judiciário brasileiro. Atualmente a hashtagcontinua nas redes pedindo que Rafael seja inocentado de sua pena, tendo emvista que as acusações contra ele são equivocadas. Para saber mais sobre ahistória de Rafael acesse: https://www.liberdadepararafael.meurio.org.br/ ouhttps://libertemrafaelbraga.wordpress.com/about/

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possui afiliadas em diversos estados e está entre as cinco maiores redesde TV do Brasil (Osório, 2008).

Em julho daquele mesmo ano, ocorreu na cidade do Rio deJaneiro uma manifestação contrária à gestão do governador SérgioCabral e os gastos milionários para a visita do Papa Francisco ao Brasile contra a violência da polícia com as/os manifestantes. Talmanifestação teve a prisão de diversas pessoas que filmavam o queacontecia. Uma das prisões foi a de Bruno Teles, um manifestante quefilmava a manifestação com uma câmera de mão, para a realização deum documentário, segundo ele mesmo. Tal cena já foi relatada nocapítulo 2 e mostrou que a mídia tradicional e o aparato policial estavamequivocadas ao enunciarem que manifestante é baderneira/o e trouxe àtona a violência policial que tomou as ruas do Brasil desde 2013.

Outra prisão ocorrida nesta mesma manifestação foi a de FelipePeçanha, o Carioca, integrante da Mídia Ninja que estava no localtransmitindo ao vivo o protesto. O vídeo do ninja mostra o momento emque a Tropa de Choque da Polícia Militar (PM) dispersa as/osmanifestantes do local onde se encontrava o Papa. A dispersão ocorreuquando o ato estava finalizando, e houve uso de balas de borracha ebombas de efeito moral. Peçanha continua andando pelas ruas próximasdo local onde ocorria a manifestação e transmitindo ao vivo o queacontecia. Havia um contingente muito grande de policiais, em suamaioria sem nenhuma identificação na farda. Em vários momentos édifícil enxergar o que o ninja está filmando e ficamos somente com a suavoz narrando os acontecimentos, tendo em vista que as imagens sãofeitas com um celular e com o ninja caminhando ou correndo pelas ruas.

Após uma meia hora, o Ninja reencontra algumas/nsmanifestantes que estavam se concentrando novamente, agora na frenteda Igreja no Largo do Machado. Peçanha encontra-se com a câmera docelular ligada, enquanto conversa com uma manifestante sobre osacontecimentos que antecederam. Nesse momento ele é abordado porum homem que ao pedir que o ninja lhe conceda uma entrevista, vaiconduzindo o mesmo para próximo de um grupo de policiais que estãofardados sem identificação.

Um dos PMs solicita que o ninja deixe que revistem a suamochila e que Peçanha acompanhe o procedimento. O ninja responde

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que acompanhará junto a mais 5 mil pessoas que estão assistindo atransmissão ao vivo pela internet. Felipe fica questionando o que estáacontecendo, quem é o cara que lhe abordou e porque a sua mochila estásendo revistada. Depois de alguns minutos de tumulto, os policiaiscolocam Peçanha dentro do camburão à força, sem dizer o motivo. Oninja foi autuado por "incitação à violência", mesmo que o vídeo nãonos mostre nada que confirme a acusação (Mídia Ninja, 2013a).

O uso das tecnologias para transmitir ao vivo as manifestaçõesconsolidou-se no Brasil desde 2013 e vem constituindo o queconhecemos por cidadãs/ãos multimídias. Estas/es constituem ofenômeno denominado de mídias pós-massivas ou massas de mídias,que reconfiguram o sensível e dão voz ao que antes era ouvido somentecomo ruído. O conceito de massas de mídias constitui-se a partir doaumento das transmissões ao vivo e à possibilidade de interatividade deespectadoras/es que se tornam também (re)produtoras/es de conteúdo eauxiliam na visibilidade de questões que não têm espaço na mídiatradicional (Almeida & Evangelista, 2013; Bittencourt, 2015).

Na cena de Peçanha e de Bruno Teles, a transmissão ao vivopossibilitou a denúncia de um dano através dessa outra forma de fazerpolítica que vem sendo instituída desde 2013 nas manifestações de rua eque se articula com uma outra comunicação. A partir do uso dastecnologias de comunicação digital, os ativistas rompem com a lógicahierárquica e denunciam que quem é violenta é a polícia, que utiliza debombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para dispersar as vozes dasruas. A polícia é violenta ao utilizar de força hierárquica para prendermanifestantes e unir-se ao coro das mídias tradicionais que bradavam:manifestantes são baderneiras/os.

As mídias independentes são consideradas como massas demídias, uma vez que qualquer pessoa pode ser um/a comunicador/a aomostrar um acontecimento utilizando seu celular, o qual possibilita umenquadramento outro que não mais o da mídia tradicional. Isso pode servisto na ação de Bruno Teles, que não fazia parte da Rede Ninja, masestava na manifestação, não à paisana, filmando os acontecimentos paradepois produzir um documentário e, por este motivo pode serconsiderado um midialivrista, afinal, as/os mesmas/os caracterizam-sepor fazerem "o seu recorte da realidade sem tentar buscar alcançar a

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objetividade pretendida pelos veículos de massa" (Almeida &Evangelista, 2013, p. 09).

Assim, enquanto as mídias tradicionais estão se reformulandodevido à crise em sua credibilidade, conforme apresentado na página146 deste capítulo, "as mídias independentes se espalham pelociberespaço e se utilizam de ferramentas disponíveis na Internet parapromover a informação de forma diferenciada dos grandesconglomerados midiáticos" (Almeida & Evangelista, 2013, p. 06). Essasmassas de mídias instituem uma outra comunicação, a qual se dá deforma direta, sem edições, buscando apresentar os fatos "direto do localde acontecimento" (Brasil & Frazão, 2013, p. 130), levando a/oespectadora/espectador para dentro do mesmo, rompendo com a estéticada mídia tradicional (Almeida & Paiva, 2015).

Sendo assim, é preciso compreender que "nessa captação domundo, essa animal-câmera em combate com o[a] inimigo[a] ou emfuga descobre uma multidão que o[a] constitui'" (Bentes, 2014, p. 334).Tal multidão é percebida na fala de Peçanha relatada na cena acima,quando o mesmo diz ao policial que acompanhará a vistoria de suamochila junto com mais 5 mil pessoas que estão acompanhando ostreaming31. Naquele momento, o ninja é toda a multidão que está narua, junto com ele, e também todas as pessoas que estão pela internet,acompanhando a manifestação e a sua prisão. Essa parte da cena,especificamente, nos remete a pensar na constituição de um nós, queestá presente na forma como se estruturam as Casas Coletivas e que dizsobre a lógica de viver e trabalhar em formato de rede. Esse nós, queestá sempre em construção e que tece essas Redes (o FdE e a Ninja),constitui-se a partir de uma outra relação que só é possível por conta dodesenvolvimento da comunicação digital e do emaranhado que elapossibilita entre as redes digitais e as ruas.

Compreendemos que nas cenas relatadas sobre a prisão de BrunoTeles e de Peçanha as transmissões ao vivo foram utilizadas paradenunciar o abuso policial e provar que a mídia tradicional estava

31 Streamming é a transmissão ao vivo de imagem e som por qualquer rede decomputadores e que as pessoas que acessam podem visualizar o conteúdo semprecisar fazer o download do mesmo.

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equivocada ao dizer que manifestantes são vândalas/os e baderneiras/os.As transmissões ao vivo constituem-se de "imagens que carregam amarca de quem afeta e é afetado[a] de forma violenta, colocando ocorpo/câmera em cena e em ato" (Bentes, 2014, p. 333), como bemvemos nas filmagens de Peçanha que nos leva para dentro dosacontecimentos e nos faz vivenciá-lo com ele. As redes e as ruas estãoconectadas, através de celulares e smartphones, que desde então sãoconsiderados como armas. Afinal, foi com essas tecnologias que seenfrentou a repressão policial nas cenas relatadas e em muitas outrascenas que compõem o campo do político desde 2013 no Brasil.

Esta reconfiguração na forma de comunicar as manifestações nosfaz lembrar sobre a discussão relacionada as quedas dos muros dasprisões e ao fato de que, com o advento da internet, não há somenteum/a que vigia, mas todas/os vigiam e são vigiadas/os. É possívelperceber essa derrubada dos muros através das transmissões ao vivo,que possibilitam o acesso de milhares de pessoas ao que estáacontecendo naquele instante, podendo até modificar uma autuaçãopolicial. Tais questões recordam também o debate sobre a internet comomeio mais democrático de comunicação, que já foi questionado nocapítulo 3.

No entanto, mesmo sendo considerada um dos meios maisdemocráticos de comunicação, é preciso saber que a internet tem suainfraestrutura concentrada na mão de apenas uma empresa privadanorte-americana – a AICA, com sede na Califórnia – que presta contaspara o Departamento de Comércio norte-americano (Gindre, 2009).Sendo assim, desta perspectiva pode-se dizer que ainda há somente um/aque vigia e que possui acesso aos dados de todas/os que compõem essarede digital.

As manifestações de rua que vem se consolidando desde 2013 noBrasil também possibilitam reflexões diferentes sobre os diversos nósque compõem o debate sobre a derrubada de muros da prisão e a ideiade que todas/os são vigias e vigiadas/os ao mesmo tempo. Um dessesnós está relacionado ao fato de que não foram somente ativistas queforam para as ruas com câmeras para filmar o calor dos acontecimentos:a PM também passou a ir às ruas com capacetes equipados comcâmeras, divulgando imagens de pessoas depredando equipamentos

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públicos e privados. Estes registros foram utilizados pela mídiatradicional para dilatar o discurso de que manifestantes sãobaderneiras/os, justificando assim o uso da violência policial.

Um outro nó sobre esse jogo de vigiar e ser vigiada/o relaciona-seà distribuição dos lugares na partilha do sensível e aos recursosdestinados para o controle dos corpos. Para conseguir tal controle foicriada a Lei 13.260/2016 conhecida como a Lei Antiterrorismo,aprovada no Senado Federal e sancionada pela presidenta DilmaRoussef em março de 2016, pouco antes do seu afastamento do cargo depresidenta. A aprovação da lei remete à reflexão de que a estratégia devigilância e controle é utilizada não somente por ativistas, mas tambémpor quem controla a gestão dos corpos e constitui assim o ordenamentodo sensível.

A esta questão é possível refletirmos sobre a tensão que compõemo campo do político no Brasil, desde o início dos governos de Lula eDilma, principalmente no que diz respeito ao diálogo com osmovimentos sociais, grupos e coletivos que estiverem nas ruasreivindicando seus direitos. Encontramos a tensão entre política epolícia, na perspectiva de Rancière (2012, 2014a, 2014b). A políticarepresentada pelos atos das mídias independentes que foram para as ruasfilmar as manifestações para fazer emergir uma outra voz sobre asmesmas e mostrar que quem é violenta é a polícia militar que prendemanifestantes sem motivação criminal; e a polícia, representada pelalegislação aprovada por deputadas/os, senadoras/es e sancionada pelaPresidenta Dilma, que atua afirmando que “manifestante ébaderneira/o”, definindo assim qual o seu lugar nessa partilha dosensível.

Outra reflexão que apresentamos relaciona-se ao fato que de osconglomerados midiáticos não estão presentes nas manifestações domesmo modo que a Ninja, a qual se coloca no asfalto, correndo juntoàs/aos manifestantes e lutando pelas reivindicações que estão em pautanos protestos. Isso porque a comunicação que surgiu nas ruas em 2013no Brasil é muito mais digital, interativa, em tempo real, e busca trazeruma outra perspectiva dos acontecimentos: a perspectiva da própria rua,das/os manifestantes que lutam por direitos (Almeida & Evangelista,2013; Bentes, 2014; Bittencourt, 2015).

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Sob este contexto existe uma outra comunicação que se estruturaa partir da relação que estabelece com o ativismo e que só é possível apartir do que vinha acontecendo, desde a expansão do movimentoantiglobalização/altermundista da década de 1990. Tal movimentoemergiu com força a partir do crescimento da internet e daspossibilidades de conexões em redes a partir de espaços-temposdiferentes que a caracterizam. Assim, desde os "anos 1990, novasformas de ativismo já nasciam do desenvolvimento das tecnologias deinformação e da comunicação" (Bittencourt, 2015, p. 89), como vimosno início deste capítulo. O uso dessas tecnologias por coletivos emovimentos sociais, portanto, não é novidade e vem expandindo desde aPrimavera Árabe. Assim como uma outra comunicação vem seconsolidando também uma outra forma de fazer política, que sediferencia daquela dos movimentos tradicionais (partidos políticos,sindicatos, movimentos sociais, etc).

As redes e as ruas estão ocupadas por coletivos e movimentos quevêm hackeando as narrativas e criando uma outra partilha do sensível"que inventa tempo e espaço, prática do descontrole e doacontecimento" (Bentes, 2014, p. 332) que se dá através da linguagem eda experimentação e que institui uma perspectiva afetiva para a política.São diversas as características do ativismo que constitui as redes digitaise as ruas desde 2013 no Brasil e que surge acompanhado de uma outracomunicação, a qual se relaciona com as tecnologias digitais,principalmente com a utilização da internet.

Acompanhando essa nova forma de compor as manifestações derua, tivemos no ano de 2015, no Brasil, a #PrimaveradasMulheres. ComEduardo Cunha presidente da Câmara Federal, muitos foram os projetosde lei discutidos que tratavam as questões dos direitos humanos sob umaperspectiva conservadora e moral. O PL 5069/2013 tratava o abortocomo crime, ignorando milhares de mulheres que morrem por fazerabortos ilegais. Para além da questão de saúde, a legalidade desta práticadiz respeito ao direito da mulher decidir sobre seu corpo, de modo queas ruas foram tomadas por movimentos, grupos, coletivos e mulheresque eram contrárias/os a esse PL.

No dia 28 de outubro, a escadaria da Câmara de Vereadoras/es doRio de Janeiro foi palco de uma dessas manifestações, a qual teve a

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cobertura da Ninja. Em uma das postagens no Facebook, a Redepublicou uma foto da intervenção que aconteceu no local (Figura 12). Apostagem é finalizada com a seguinte frase: "É das mulheres que nascemos humanos. Elas estão parindo o mundo novo" (Diário de Campo,28/10/2015). No dia seguinte ao da manifestação, a Ninja publicou umvídeo produzido sobre o protesto realizado no dia anterior, na cidade doRio de Janeiro.

O material inicia com um homem gritando "ABORTO É HOMICÍDIO DACRIANÇA, (...) VOCÊS SÃO HOMICIDAS, HOMICIDAS!". Corta. Ummúsica fúnebre inicia e ouvimos a voz de uma mulher declamando o poema:"Pulso Aberto", ao mesmo tempo em que passam imagens do protesto. Corta. Amúsica de fundo continua e se mistura com os gritos de protesto: "O CORPO ÉNOSSO, É NOSSA ESCOLHA, É PELA VIDA DAS MULHERES". Corta.Mostram imagens de uma mulher nua com um microfone na mão, caminhandopor um tapete roxo estendido sobre a escadaria do prédio da Câmara deVereadores do Rio de Janeiro, com uma multidão ao seu redor. Nesse momentopodemos ouvir uma voz feminina: "ficar nua todo mundo fica desde que nasce.O problema é a repressão que colocam sobre nossos corpos. Cada uma sabe,cada uma de nós sabe a dificuldade que a gente tem de ser mulher (...)".Enquanto se escuta essa frase, a imagem vai mudando e definindo o rosto dessavoz feminina. Corta. Aparece a imagem dessa mesma mulher, de lado, nua,falando ao microfone e a multidão, em coral, repetindo o que ela fala: "EU SOUFORTE, EU SOU MULHER!". A imagem abre e mostra que ela está sobre otapete roxo e a multidão ao seu redor. Corta. Mostram-se diversas mulheresfalando sobre seus direitos. Corta. Uma MC aparece compondo sua rima comum megafone: "Minha arte é o escudo que forma a minha proteção, minha gingae minha história são vias de contramão. Na selva de concreto sou princesa. Nababilônia tenho praga de militante. Sobrenome é Esperança. Canto por todas asminas singelas, brancas e negras (...) de favela. Por minha mãe, por todas elas,discurso sincero sem falsa modéstia". Corta e finaliza o vídeo com a logo daNinja (Mídia Ninja, 2015).

No início do vídeo nos deparamos com um homem gritando queaquelas/es que estavam nas ruas eram homicidas por serem favoráveis àlegalização do aborto. Nessa cena, é possível percebemos a tensão devozes encontradas nas manifestações de rua desde 2013 e, da qual foisurgindo um fascismo fora do Estado e um saudosismo a um período

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ditatorial que muitos de suas/seus defensoras/es não viveram, nãorecordam e não têm conhecimento de como se estruturou (Moraes, et al.,2014).

Tais discursos compõem as narrativas dos meios de comunicaçãotradicionais e instituem assim a estética hegemônica a qual osconglomerados midiáticos vem auxiliando a consolidar no Brasil. Desdeentão, vimos crescer o ataque às populações em situação devulnerabilidade social (negras/os, LGBTs, mulheres, indígenas,população de rua, etc), por parte de pessoas que compõem os espaçosdigitais e que em alguns momentos, até 2016, compuseram também asruas de várias cidades no Brasil. Em muitas vezes ouvimos os gritosdaquelas/es que pediam a derrubada de Dilma do cargo de presidentajunto com os pedidos de volta da ditadura militar como solução paraacaber com a corrupção no Brasil.

Em contraposição a esses discursos, encontramos as narrativasque compuseram as manifestações denominadas de#PrimaveradasMulheres, as quais não tiveram espaço nas mídiastradicionais e foram veiculadas somente pelas mídias independentes. Apartir do relato das cenas sobre a manifestação ocorrida no dia28/10/2015 no Rio de Janeiro é possível perceber que tais narrativasfazem emergir “novas poéticas que permitem uma reconfiguração daexperiência comum, por meio de novas figuras de linguagem" (Bentes,2014, p. 338). A perspectiva do fervo e do protesto nos auxilia a pensaressa estética que está posta nessas cenas, que traz à tona o absurdo equestiona assim os contraditórios. Constitui, portanto, uma outra estéticaaliando a potência da interatividade com a proposta de descentralização"das redes e sistemas digitais que ressignificam a democracia"(Bittencourt, 2015, p. 89).

Essa estética do fervo e do protesto que vem se consolidandodesde as Jornadas de Junho resiste e ainda constrói (Moraes et al., 2014)outras possibilidades, outras/os atrizes/atores que dialogam com as lutasantigas e criam outros espaços e outras formas de fazer com que apolítica exista ali onde é preciso que ela apareça. Essa resistência seconstrói e se sustenta na cultura das redes gestada nos últimos anos pelomundo e que vem se fortalecendo a cada dia. Redes humano/máquina,concreta/virtual. Redes híbridas, que fizeram e fazem resistência às

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"redes centralizadas clássicas (mídia empresarial, governos, partidos)"(Moraes, et al., 2014, p. 19).

O conceito de rede é um conceito polissêmico que, utilizado pordiversas ciências, pode denominar compreensões diferentes: para asciências sociais é conhecido como os sistemas de relações entre sujeitos,para a matemática e a informática é considerada como modelos deconexões, na economia é utilizado como um conceito que define novasrelações e novos modelos teóricos, nas tecnologias designa as estruturasdas telecomunicações, e na biologia é utilizado para conhecermos ofuncionamento do corpo humano (Musso, 2010).

Utilizamos o conceito de rede para pensar as possibilidades derelações que se estabelecem entre os sujeitos e entre esses e os coletivos,não somente como uma metáfora, mas como uma forma de(com)vivência, de experienciar a vida entrelaçando as singularidades emtorno do comum, em determinado dispositivo de enunciação coletiva. Arede aqui é considerada como um sistema aberto, que se conecta a partirde seus diversos nós e que pode se estender por todas as direções e não édotada de superfície. Rede híbrida, que se conecta a partir deheterogeneidades, em uma conexão descentralizada, não hierárquica enem determinista (Kastrup, 2010).

Fervo e protesto encontram-se com o riso que tem em si a crise ea renovação. A possibilidade de que o novo surja desta grande mudançana arquitetônica de nossas vidas. O grande tempo nos mostra o riso e acrise, a possibilidade de alargamento do mundo pelo riso que rompecom as hierarquias (Bakhtin, 1963/2010b), um alargamentodemocrático, que é possível através da instituição da política, esta quenos faz experienciar uma outra estética possível, ou seja, uma outraforma de ver, sentir, pensar e fazer.

A narrativa do fervo e do protesto é constituída com os recursosdiscursivos do gênero sério-cômico o qual foi apresentado no capítulo 4e que se relaciona com o conceito de carnavalização de Bakhtin(1963/2010b; 1977/1993). O autor, no livro em que discute a obra deRabelais (1977/1993), apresenta uma das mais antigas descrições do queé considerado o carnaval. Tal descrição apresenta “uma visão mística doinferno vivenciada por um santo dos primórdios da Idade Média, SãoGuochelin, e relatada por um historiador normando do século XI,

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Oderico Vital” (Discini, 2012, p. 53). Tal cena é considerada como umacarnavalização do inferno que se apresenta a partir de dois aspectosprincipais: o grotesco e a ambivalência.

O grotesco é um termo que tem origem na Roma do século XVquando foram encontradas pinturas “nas paredes subterrâneas das termasde Tito, denominadas grottesca” (Discini, 2012, p. 58) e na qualapareciam formas vegetais, animais e humanas que se confundiam nomesmo desenho. Portanto, o grotesco tem como origem a perspectiva deuma “transmutação de certas formas em outras, no eterno inacabamentoda existência” (Bakhtin, 1977/1993, p. 28-29). Sendo assim, a imagemgrotesca é compreendida como aquela que se apresenta na ambivalência,no processo contraditório, incompleto e vincula-se ao conceito decarnavalização pois o mesmo é compreendido como uma função dogênero literário do sério-cômico.

É possível compreender essa relação entre fervo e protesto com acarnavalização e o grotesco na Figura 12, na qual encontramos um corpoque se posiciona em um espaço público; um corpo fora dos padrões debeleza, mas que nos apresenta uma beleza muito maior do que aquelaque nos é imposta pela sociedade. Uma mulher que mostra seu corpopara a sociedade e que o coloca na luta para que não haja mais regrasimpostas sobre nossos corpos, na luta para que sejamos livres em aceitaro corpo que temos e livres para escolher o que queremos para nossoscorpos.

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Figura 12: Foto postada no Facebook da Ninja no dia 28/10/2015.Fonte: Arquivo da Pesquisadora

Mulher-multidão capturada pelas lentes de um corpo/câmera,juntas resistem às lógicas hegemônicas e utilizam as ruas como palcopara manifestarem-se. Manifestações que se encontram no terreno doque consideramos como político-cultural. Resistem ao existiremocupando as ruas, ocupando as redes e provocando fissuras noordenamento social, combatendo o hegemônico, aquilo que está posto eo que está sendo imposto aos corpos. Corpos estes que disputam oreordenamento dos espaços e tempos desde uma estética outra, "pensadaa partir das demarcações de territórios, de ocupações/moradas, demarcas expressivas, de assinaturas" (Bentes, 2014, p. 340).

Tal imagem apresenta não somente uma manifestação de rua, masuma multidão que faz emergir o insuportável de uma época, assim comofaz emergir também novas formas de vida. Uma imagem que mostra apotência dessa mídia-multidão que divulga o acontecimento, este queinsiste e instaura novas possibilidades, sem se comprometer emapresentar a solução para algum problema (Corrêa & Jobim e Souza,

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2013) mas que busca tornar visível, audível, perceptível um dano.Imagem-potência que faz com que muitas/os reflitam sobre os lugaresque ocupam. Potência-multidão das massas de mídias que instituemnovas configurações do sensível através de imagens que existem eresistem.

É do tensionamento entre os contrários que emergem aspossibilidades de construção de novos possíveis. A partir da denúncia deum dano, da verificação da igualdade entre seres e da configuração deum novo sensível que a política se constitui, como um ato raro, quaseimpossível de ser verificado. Portanto, é nessa incessante reconfiguraçãode um sensível que, ao mesmo tempo reparte e compartilha, é quesurgem essas outras possibilidades de ativismo, relacionando-se com acomunicação digital e dialogando com o imaginário mais amplo e comas juventudes que estão nas ruas desde 2013.

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6 Foi Golpe sim!: tecendo redes entre comunicação e democracia

“Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela,

essa porra não vai parar nunca”(Romero Jucá)

A perspectiva da colaboração, aliada ao conceito de rede, nosauxilia a compreender os formatos diferentes de comunicação que sãoproduzidos no contemporâneo. Tais questões estão relacionadas tambémà discussão sobre democracia e sobre uma mídia mais democrática. Enão haveria como falar sobre todas essas perspectivas semconsiderarmos os projetos de sociedade que estão em disputa nocontemporâneo, e como os mesmos se articulam com a comunicaçãodigital e com a democracia. Esses serão os nós centrais deste capítulo, epara tecê-los, vamos analisar o Golpe parlamentar-jurídico-midiáticoque o Brasil sofreu em 2016.

6.1. As vozes das ruas: para compreender os próximos nós

No Brasil, com a ascensão democrática e popular que teve seuinício com os governos do Partido dos Trabalhadores na década de 2000,agregada ao movimento altermundista, tivemos uma avalanche demovimentações de rua que se estruturaram de formas diferenciadas eque hoje identificam os movimentos que compõem o campo da esquerdano Brasil, como vimos no capítulo 5.

Esses movimentos estiveram nas ruas em Junho de 2013 ecompuseram as Jornadas de Junho (Maricato et al., 2013) – uma série demanifestações de rua que aconteceram durante o primeiro governoDilma. Iniciados em São Paulo e no Rio de Janeiro através da chamadado Movimento Passe Livre, esses protestos tinham como pauta acontrariedade ao aumento da tarifa do transporte coletivo e o direito àcidade, ambas pautas municipais. Inicialmente, o Grupo Globo lançouos discursos de que manifestantes eram baderneiras/os que

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desrespeitavam o direito de ir e vir das/os demais moradoras/es dascidades, como já vimos nos capítulos anteriores.

Durante essas manifestações, encontramos uma mistura de vozesocupando as ruas ao mesmo tempo; aos poucos, algumas dessas vozesforam sendo apropriadas pela mídia tradicional, a qual por sua vezcomeçou a pautar as reivindicações que compuseram faixas e cartazesdas Jornadas de Junho. Buscando modificar as pautas das ruas e abafaras vozes que pediam o direito à cidade, e percebendo a dificuldade emdefender a violência policial que atacava até mesmo jornalistas dosgrupos de mídias tradicionais, o Grupo Globo inverteu seu discurso(como na fala de Arnaldo Jabor, no capítulo 3), passando a manipular asmanifestações e determinando que, se fossem para acontecer, deveriamter na pauta a corrupção e a PEC 3732. Essas narrativas tradicionais sobreas manifestações enunciavam que as mesmas deviam ser pacíficas econsideradas como expressões democráticas daquelas/es que estavamdescontentes com os desmandos do governo Dilma, na tentativa deinvisibilizar a pauta do MPL sobre o direito à cidade.

A mídia tradicional, portanto, orquestrou a federalização da pautadessas manifestações e instituiu assim uma luta contra a corrupção, aqual se instalou no Brasil como uma luta fulanizada e seletiva (J. Souza,2016a). Mesmo que a revogação do aumento das passagens tenhaocorrido em muitas cidades, a classe média continuou nas ruas, gritandocontra a corrupção, contra os investimentos na Copa do Mundo de 2014,contra a falta de investimentos nos serviços públicos e em hostilizaçãoaos que se vestiam de vermelho. Assim, no dia 20 de junho de 2013,havia uma diversidade de vozes ocupando as ruas e classificadas comouníssonas pelas mídias tradicionais. No entanto, se olharmos comatenção, veremos que eram vozes dissonantes, que tinham perspectivasdiferentes de sociedade e que nunca antes haviam sido vistas lado alado.

32 “A PEC 37 foi um projeto de emenda constitucional posteriormente rejeitadono plenário da Câmara Federal. A referida emenda previa a exclusividade deinvestigação de crimes pelas polícias federal e civis, restringindo o papel doMinistério Público em tais investigações” (Larhorgue, 2016, p. 154).

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Consideramos que os efeitos de Junho de 2013 ficaram maisfortes nos anos seguintes, à medida que as vozes que naquela ocasiãoestiveram juntas passaram a ocupar as ruas separadamente, assinalandoo surgimento de manifestações consideradas contraditórias, pois sediferenciavam até mesmo pela forma como aconteciam. Dois gruposcomeçaram a compor as manifestações de rua no Brasil: um deles vestiaverde e amarelo e gritava contra a cor vermelha do outro grupo,agredindo (verbalmente ou fisicamente) quem estivesse nas ruas comalguma peça de roupa que tivesse essa cor. Usar vermelho, que é a corda bandeira do PT, foi transformado em sinônimo de ser petista,comunista e corrupta/o. Já o outro grupo caracterizava-se pelasvestimentas compostas por uma diversidade de cores, pois o que osdefinia não era somente a cor que vestiam, mas principalmente as pautasque reivindicavam.

Portanto, compreendemos que, desde 2013, a emergência de"novas formas de luta, novas táticas de insurgência, mas, também, novastecnologias de repressão" (Moraes et al., 2014, p. 16) era um indicativode como a mídia tradicional apropriava-se dos gritos das ruas parautilizá-los a seu favor, afinal, “enquanto ela [Dilma Roussef] estiver ali,a imprensa, os caras querem tirar ela”, como bem afirma o SenadorRomero Jucá (PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro)em uma conversa com Sérgio Machado33 na frase que compõe a epígrafedeste capítulo. Tal apropriação se deu a partir da designação daquilo quedeveria ser reivindicado e do abafamento das pautas daquelas/es quesempre estiveram na luta pelos direitos humanos – estratégia quepermitiu criar o aparato necessário para a consolidação do Golpe em2016 pois, com a mudança da pauta das manifestações, estabelece-se aaliança entre mídia, aparelho jurídico-policial e classe médiaconservadora, constituindo uma “base popular” para o Golpe (J. Souza,2016a).

Ao mesmo tempo, tivemos desde 2013 uma forte resistência porparte dos movimentos de luta por direitos, com suporte das mídiasindependentes, como já discutimos em capítulos anteriores. Tal

33Adiante vamos explicar melhor sobre essa conversa entre o ex-Ministro deTemer e o ex-presidente da Transpetro.

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resistência segue até os dias atuais (em Abril de 2018, quandofinalizamos a escrita desta tese), ocupando as ruas e enunciando suaspautas a partir do aparato das mídias independentes, disputandonarrativas e instituindo outros possíveis na luta por uma sociedade maisdemocrática.

6.2. “Tem que mudar o governo pra poder estancar essasangria”: mudando a porra toda

A presidenta Dilma Rousseff, eleita democraticamente em duaseleições diretas, suportou desde o início do seu primeiro mandato (2011-2014) as agruras de negociar com as elites financeiras para garantir apermanência do governo popular. Durante as eleições de 2014 Dilmaenfrentou a mídia tradicional e suas narrativas manipuladoras, como acapa da revista Veja que apresentamos no capítulo 4, a qual trazia o“escândalo do Petrolão”, depois conhecido como Operação Lava-Jato.Em uma disputa acirrada, Dilma se elege com mais de 54 milhões devotos, vencendo no segundo turno “o exemplar perfeito do machismo”,o candidato Aécio Neves (Biscaia, 2016, p. 87).

Logo após as eleições, a presidenta enfrenta diversos protestos degrupos, coletivos e movimentos que foram criados em 2014, quaissejam: Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados Online e oMovimento VemPraRua (M. Amaral, 2016) que eram contrários aogoverno de Dilma e ao Partido dos Trabalhadores. Tais grupos, coletivose movimentos começaram a ocupar as ruas e realizar atos contrários àgestão da presidenta eleita, pedindo o seu Impeachment e o fim dacorrupção.

Ao longo do ano de 2015, o Juiz Sérgio Moro, responsável pelasinvestigações da Operação Lava-Jato “foi glorificado pelos[as]manifestantes que foram às ruas” (Leite, 2015, p. 14) de diversascidades do país segurando faixas e cartazes, pedindo o impeachment deDilma e a prisão de Lula. Muitas/os ainda reivindicavam a volta daDitadura, da Monarquia e o fim da corrupção. Havia aquelas/es queatribuíam ao PT a responsabilidade única pela corrupção, ignorando que

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ela tenha começado a ser desvelada nas investigações que só tiveram apossibilidade de serem instauradas com o apoio do governo popular.

Concomitante a esses movimentos, a presidenta enfrentoutambém a mídia tradicional com as matérias sobre as investigações daLava Jato que criminalizavam diretamente o Partido dos Trabalhadores,ignorando a existência, nos demais partidos, de outros envolvidos noesquema de corrupção que a Polícia Federal vinha investigando com oaval da presidenta. Este foi o cenário no qual se arquitetou o Golpecontra Dilma e o Partido dos Trabalhadores, um golpe contra apopulação menos favorecida que vinha sendo atendida, ainda queminimamente, por políticas públicas nos últimos doze anos. Um golpecontra a classe trabalhadora e que infelizmente pode colocar o Brasil devolta no mapa da fomes (Peres, 2018).

A Operação Lava-Jato foi instaurada em 2014 com o objetivo deinvestigar supostos desvios de recursos da Petrobrás que, segundo oMinistério Público Federal (s. d.), são executados a partir de umesquema de corrupção que envolve empreiteiras, executivos do altoescalão e agentes públicos diversos. Algumas considerações sobre aLava-Jato são importantes para que possamos compreender o esquemapelo qual se estruturou o Golpe de 2016 e a forma como o mesmo vemsendo mantido, ainda nesse início de 2018 (período em que escrevemosesse capítulo da tese).

Para Leite (2015), a Lava-Jato é um golpe de misericórdia aotripé Lula-Dilma-PT que modificou o Brasil de 2003 até 2014 no quediz respeito às questões socioeconômicas, tendo em vista que houveuma melhora significativa na distribuição de renda e um aumento nasoportunidades de empregos e de acesso ao consumo. O autor afirma queé preciso relembrar que já no governo FHC houve denúncia, por partedo jornalista Paulo Francis, de desvios de dinheiro na Petrobrás e quenada foi feito pelo Presidente na época.

A Operação, comandada pelo Juiz Sérgio Moro, estrutura-se apartir da espetacularização de prisões “e os assim chamados‘vazamentos seletivos’, cuidadosamente orquestrados entre osparticipantes do complexo jurídico-policial do Estado e a mídiaconservadora” (J. Souza, 2016a, p. 110). Podemos afirmar que essaestrutura se configura como forma de tortura àqueles que são

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acusadas/os, visto que muitas/os tiveram suas prisões preventivasdecretadas e/ou estão presos sem obtenção de provas de que cometeramcrime e sem terem sido julgados.

Manter as/os acusadas/os nessas condições é considerada umaforma de tortura porque usa da privação de liberdade não como pena,mas como recurso para que a/o suspeita/o confesse suposto crime edenuncie aquelas/es que estão envolvidas/os em troca de redução de suapena (Leite, 2015). Diversas foram as/os executivas/os e agentespúblicos com prisão preventiva decretada que aceitaram realizar adelação premiada, como o caso de Alberto Yousseff, que foi capa darevista Veja em outubro de 2014.

Para além destas irregularidades, há outra questão que sustenta aOperação Lava-jato: a aliança com a mídia, que criou “uma atmosferade linchamento político” (J. Souza, 2016a, p. 110) dirigido ao partido dapresidenta, tendo como destaque a tática dos vazamentos de escutas emcanais de mídia tradicional, criando assim uma espetacularização dasinvestigações e ampliação dos estereótipos, jogando holofotes em algunsacontecimentos para deixar na penumbra outros (Leite, 2015) e fazendocom que se crie um clima de ódio e fascismo com algumas instituiçõesdemocráticas, principalmente com algumas/ns de suas/seus dirigentes,como é o caso de Lula.

O pacto com a mídia tradicional pode ser exemplificado comfatos que aconteceram em Março e Maio de 2016, quando diferentesgravações obtidas através de escutas telefônicas foram disponibilizadaspara os meios de comunicação tradicionais. A primeira situação a serrelatada refere-se ao ocorrido no dia 16 de março de 2016, data em queLula foi nomeado Ministro da Casa Civil do Governo Dilma. Nessaocasião o Juiz Sérgio Moro quebrou o sigilo de diversas gravações detelefonemas do ex-presidente. As escutas protagonizaram a edição doJornal Nacional (JN), que exibiu, em praticamente todos os blocos,matérias sobre a nomeação de Lula como ministro e as gravações queforam divulgadas por Moro.

As transcrições de alguns trechos das gravações foram lidas peloapresentador Willian Bonner e pela apresentadora Renata Vasconcelos, aexemplo da conversa entre Lula e o ex-ministro Paulo Vanucchi, em queo primeiro fala alguns palavrões, os quais não foram lidos por Bonner,

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que no lugar utiliza a expressão: “e o presidente usa um palavrão”(Jornal Nacional, 2016a). A apresentadora continua narrando trechos dasconversas de Lula sem pronunciar os demais palavrões, distanciando-sedo sentido do diálogo em si e indicando que os termos são consideradosimpróprios para serem veiculados em uma emissora de alcance nacional.A escolha dessa forma de apresentar as conversas sugere que Lula nãodispõe de uma educação digna de um ex-presidente – afinal, dentro deuma perspectiva moral e conservadora, somos proibidas/os de falarpalavrões, algo que se aprende desde criança, quando se tem “boaeducação”.

Neste mesmo dia, uma gravação entre Lula e Dilma foi tambémnarrada por Vasconcelos e Bonner. O editorial do JN, que tem Bonnercomo o editor-chefe, decidiu por citar o seguinte trecho da conversa:

- Dilma: Alô- Lula: Alô- Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.- Lula: Fala, querida. Ahn- Dilma: Seguinte, eu tô mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!- Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.- Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.- Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.- Dilma: Tá?!- Lula: Tá bom.- Dilma: Tchau.- Lula: Tchau, querida.

Em seguida, a apresentadora afirma que José Eduardo Cardozo,advogado-geral da União informou que a oposição havia interpretadoerrado o diálogo entre Lula e Dilma e que a mesma “não estava dando aLula um documento para ele se livrar de possível ação policial”(Vasconcelos, 2016) e com isso encerram a reportagem. Ao apresentar ajustificativa do Ministro Cardozo sobre o que os partidos de oposiçãoafirmavam sobre a conversa entre Lula e Dilma, o JN institui assim osentido sobre esse trecho da conversa que escolheram divulgar.Juntamente com a entonação utilizada pela apresentadora, Vasconcelos

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deixa como presumido o fato de que a mesma referia-se à indicação doex-presidente para Ministro da Casa Civil para obtenção de foroprivilegiado, como uma alternativa para evitar sua prisão.

A expressão utilizada por Lula ao final da conversa foiposteriormente utilizada de forma ampla pelos movimentos que pediamsua derrubada do governo; estes anunciavam pelas redes e pelas ruas“Tchau, querida!” com tom jocoso e irônico, ostentando o desejo de queDilma saísse logo do cargo presidencial. Inclusive, no dia da votaçãosobre a continuidade do processo contra a Presidente na CâmaraFederal, as/os deputadas/os comemoraram a vitória com cartazes quetraziam esta frase. Tal expressão foi até capa da revista Veja, que maisuma vez expôs a sua declarada parcialidade (Jornal Nacional, 2016a).

Em contrapartida, a gravação da conversa entre Romero Jucá – naépoca Ministro do Planejamento do governo interino (ilegítimo) deTemer – e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, teve outrotratamento na edição do dia 23 de maio de 2016 do Jornal Nacional.Neste dia, a apresentação não ficou a cargo do editor-chefe WilliamBonner, sendo exibida uma breve reportagem sobre tal acontecimento,sem leitura de trechos das mensagens interceptadas pela PF (JornalNacional, 2016b).

Escolhemos alguns trechos dessa gravação para compor ossubtítulos e a epígrafe desse capítulo. A conversa girou em torno danecessidade de um pacto entre judiciário, legislativo e executivo,citando nomes de envolvidas/os no esquema, e deixando explícito queentre essas pessoas havia a compreensão de que somente a retirada dapresidenta Dilma do poder poderia parar as investigações da Lava-Jato,que a essa altura já ameaçava os partidos da base de oposição ao PT. Noperíodo em que houve a quebra do sigilo dessas gravações e suaimediata publicação na imprensa, Dilma já estava afastada do seu cargode presidenta, enquanto Michel Temer ocupava o poder presidencial deforma interina e ilegítima. Tornou-se nítido, neste momento, que oafastamento da presidenta era a configuração de um Golpe, afinal, para“resolver essa porra… tem que mudar o governo para poder estancaressa sangria” (Jucá, 2016).

Ao analisar essas duas situações que envolvem esquemas deinvestigação com provas obtidas através de escutas telefônicas e no qual

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as mesmas são veiculadas na mídia tradicional me fez recordar o ano de2013 quando o ex-prefeito de Blumenau, João Paulo Kleinubing (JPK),do DEM – Partido Democratas, foi indicado pelo então governador deSanta Catarina, Raimundo Colombo (PSD – Partido SocialDemocrático), a ser presidente do BADESC (Banco do Estado de SantaCatarina). Tal indicação ocorreu logo após JPK ser indiciado naOperação Tapete Negro, uma investigação sobre desvio de recursos deobras públicas realizadas em Blumenau na gestão de JPK.

Na época, o mesmo havia recém terminado seu segundo mandatode prefeito e, por não ocupar mais nenhum cargo público, seria presocaso as acusações que recaíam contra si fossem provadas. Por estemotivo, o ex-prefeito de Blumenau foi designado ao cargo de presidentedo BADESC para obter foro privilegiado. No entanto, tal situação nãoapareceu nas mídias tradicionais da mesma forma que aparece aindicação de Lula à Ministro da Casa Civil e as escutas telefônicas domesmo.

Tais questões nos remetem ao que já discutimos no capítulo 3 eque dizem respeito ao lugar político de enunciação que cada canal demídia ocupa, ou deseja ocupar. Esse lugar político de enunciação, quediz sobre os tensionamentos entre os enunciados presentes nas mídiastradicionais e nas mídias independentes e que demarca assim as vozesque se encontram em disputa socialmente, configuram a forma comocada canal de mídia produz comunicação. Essa produção decomunicação, por sua vez, está também relacionada ao formato peloqual as informações são veiculadas e relacionam-se intrinsecamente comos projetos de sociedade que compõem cada canal de mídia.

J. Souza, (2016b) afirma que somente na disputa presidencial éque encontramos efetivamente a disputa por projeto de sociedade. Oautor explica que para o Congresso Nacional somente 6% das/dosdeputadas/os e senadoras/es que são eleitas/os pelo voto direto, as/osdemais são eleitas/os através do voto das coligações. Por esta questão éque ele considera que o que aconteceu em 2016 com a presidenta Dilmafoi um golpe, afinal, o que estava em disputa eram projetos desociedade: um que havia sido escolhido nas urnas por mais de 54milhões de votos e o outro que havia sido derrotado. Essa questão podeser percebida no plano do presidente ilegítimo Michel Temer, “Ponte

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para o Futuro”, que é muito próximo ao plano de governo proposto porAécio nas eleições de 2014.

Muitas/os questionam se o que aconteceu em 2016 foi parecidocom o que o Brasil já havia vivido em 1964, ou se podemos chegar a tera instalação de uma Ditadura Militar. Consideramos que, muitasquestões estão próximas, e concordamos com Löwy (2016) quandoafirma que em 1964 tivemos as "Marchas por Deus e pela Família", quetomou as ruas de diversas cidades e antecipou o golpe civil militarconsolidado no dia 01/04 daquele ano. Para o autor, as manifestaçõespatrióticas de 2015 que levaram a classe média para as ruas, sobinfluência da mídia tradicional, clamando pelo combate à corrupção eanunciando o golpe parlamentar-jurídico-midiático contra a presidentaDilma, podem ser comparadas às marchas de 1964 que anteciparam ogolpe civil-militar.

Em 2016, não tivemos um golpe civil militar, mas um golpeparlamentar-jurídico-midiático que foi ancorado pelos meios decomunicação tradicionais que alimentaram o ódio fascista contra apopulação mais empobrecida e também contra as/os que eram/são deesquerda. Portanto, percebe-se aqui a aliança da mídia tradicional com adireita conservadora e a elite financeira (do dinheiro) para criar uma“base social, extremamente engajada, que saía às ruas toda vez que erachamada” (J. Souza, 2016b, p. 155).

A mídia tradicional é considerada o partido da elite, afinal,arregimenta e convence a população dos rumos a serem tomados (J.Souza, 2016b). Além desse papel, o autor indica que a mídia tradicionalteve também a tarefa de criar uma narrativa para as “pessoas que odeiamos pobres e que tinham medo deles” (p. 155), visto que essa classe vinhaascendendo econômica e culturalmente.

6.3. “Um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”:“a solução mais fácil”

No início do século XXI, a esquerda ganhou força na eleiçõespresidenciais na América Latina, indicando o descontentamento deeleitoras/es com as políticas neoliberais que vinham sendo, até então,

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implementadas em diversos países (Löwy, 2016). No caso do Brasil, oPT foi eleito em 2002 com uma divisão muita clara de classes: enquantoa classe média votou no partido da elite (o PSDB, Partido da SocialDemocracia Brasileira do candidato Geraldo Alckmin), as classespopulares votaram no Partido dos Trabalhadores (em Lula).

Perante este contexto, desde o seu início, o governo Lula precisounegociar com a elite financeira para que pudesse implementar osprogramas de distribuição de renda como Bolsa Família e Fome Zero, osquais beneficiavam as classes menos favorecidas. No entanto, mesmoconseguindo dialogar com a elite do dinheiro, o PT, desde o primeiromandato de Lula, já vinha sofrendo tentativas de Golpes: o primeirodeles em 2005, com a denúncia do esquema de Mensalão que envolvia opartido. (J. Souza, 2016a).

Sempre com o apoio dos conglomerados midiáticos, a referidatentativa de golpe teve como pano de fundo a corrupção estatal: aomesmo tempo em que investia em destruir a aceitação popular doPartido dos Trabalhadores, a mídia tradicional também foi “agenciando”a classe média “com seu discurso de neutralidade e de mostrar averdade”, visando a construção do mito de uma classe que seconsiderasse “paladina da justiça” (J. Souza, 2016a, p. 51), aquela quelutaria pelo fim da corrupção e acabaria para sempre com as/ospolíticas/os corruptas/os.

Mas não foi em 2005 que os conglomerados midiáticos e a elitefinanceira conseguiram criar esse corpo de pessoas para lutarem contra oPT, embora nesta época já fosse considerado o partido responsável pelacorrupção no Brasil. Mas a concretização deste mito estava cada vezmais próxima, especialmente após as tentativas de golpe midiático naseleições de 2010 e 2014, que contaram com a circulação de diversasreportagens nas mídias tradicionais que buscavam influenciar o votocontrário à Dilma e ao seu partido (Leite, 2015).

Este cenário aponta o Golpe de Estado que se efetivou no Brasilem 2016 como um plano arquitetado pelas elites detentoras do capitalfinanceiro, as quais não estavam dispostas a negociar porque nãoaceitavam mais as transformações sociais e a diminuição dasdesigualdades econômicas e de direitos, sobretudo quando esses direitospromovem a ascensão dos jovens, dos filhos de pedreiros às

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universidades, bem como a aquisição de casa própria por empregadasdomésticas (Sampaio, 2016).

A elite do dinheiro (financeira) é, para J. Souza (2016a), aquelaque explora a força de trabalho, detendo o lucro para si. Este segmento,que comanda o Brasil desde a sua exploração como colônia de Portugal,adquiriu poder suficiente para comprar todos os demais, sendo a eliteintelectual a primeira a ser comprada por ser a que desenvolve osmecanismos que justificam a riqueza e privilégios de alguns, dizendo oque é certo e o que é errado, o verdadeiro e o falso e assim garantindo apermanência dos dispositivos exploratórios. O autor afirma ainda que acorrupção é uma manobra utilizada pela elite financeira para concentrara riqueza, colocando a culpa nas outras elites.

Apesar da força da elite do dinheiro, Chauí (2016) aponta aexistência de uma nova estratificação de classes na sociedade, a qualpermite a mobilidade social, isto é, a passagem de uma classe para aoutra. Para a autora, no Brasil mais atual, desponta uma nova classetrabalhadora, que surge por conta do avanço nas políticas sociais dosúltimos anos e também pelo desenvolvimento de aspectos centrais doneoliberalismo, quais sejam: “de um lado a fragmentação, terceirizaçãoe ‘precarização’ do trabalho e, de outro, a incorporação à classetrabalhadora de segmentos sociais que, nas formas anteriores docapitalismo, teriam pertencido à classe média” (p. 19).

A classe média serviu de “base popular” para o Golpe contraDilma, tendo em vista que a mesma se beneficiou com as políticaseconômicas dos últimos governos, mas não com a mesma intensidadeque a classe trabalhadora (J. Souza 2016a, 2016b). Por este motivo, éprovável que ela já não se reconheça como classe trabalhadora,carregando um sentimento de perda ao serem alcançadas por aquelas/esque antes se encontravam abaixo na estratificação social. Assim, para aclasse média atual, há uma linha que separa a “pequena burguesia” da“classe trabalhadora”.

Uma outra divisão, de ordem política, também surgiu no Brasilmais atual, de acordo com Boito Jr. (2016): a frente neoliberal,vinculada à burguesia e ao capital internacional e apoiada por parte daclasse trabalhadora; e a frente desenvolvimentista, representada pelospartidos de esquerda que governaram o país de 2002 até 2016. Com a

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crise do capital financeiro internacional, a primeira retomou suasatividades, unificando forças para a derrubada dos desenvolvimentistasno poder.

Na contramão do que tínhamos conquistado em quase duasdécadas, e apoiado por uma elite que se nega a dividir com a classetrabalhadora os lucros de um governo de bem-estar social, o atualpresidente não eleito, Michel Temer, aproveitou-se da insatisfação daelite do dinheiro com as transformações sociais para ascender ao cargode presidente e, “em poucas semanas de governo interino, anunciou ouaplicou medidas que apontam para um retrocesso nos direitos sociais,econômicos e individuais conquistados pela população mais pobre”(Sampaio, 2016, p. 147). Entre eles, destacamos o Plano de EmendaConstitucional 241/201634, mais tarde renumerado para 55 (PEC 55) queestabelece um teto para as despesas governamentais por até 20 anos,incluindo os investimentos na área de Educação (Senado Federal, s. d.).Considerada o mais severo ajuste fiscal em quase 30 anos, a PEC foiaprovada e promulgada em dezembro de 2016, apesar da grande rejeiçãopopular.

Como já vimos anteriormente, a democracia representativa noBrasil é muito jovem em nosso país e sempre foi marcada pelainsatisfação das elites, sobretudo pelas constantes tentativas de burlar aascensão e a participação dos movimentos sociais e políticos queprotagonizaram suas lutas na conquista e consolidação de um estadodemocrático. Para Löwy (2016), os governos que são consideradosdemocráticos e que buscam governar aproximando-se dos mais pobressão uma exceção nos últimos dois séculos da história mundial. Aomesmo tempo, são considerados, pelas elites que detêm o podereconômico, um empecilho para a execução de um programa capitalista.

Neste sentido, e tendo em vista que políticas implementadas nocenário brasileiro desde 2003 estavam centradas no fortalecimento doestado e sobretudo, numa visível governabilidade para os mais

34Em contrariedade à PEC 55 e demais mudanças previstas pelo Governoilegítimo de Temer no que diz respeito à educação, como a MP do EnsinoMédio e o Projeto Escola sem Partido, diversas/os estudantes ocuparamInstituições públicas de educação pelo Brasil no ano de 2016.

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desfavorecidos, entende-se porque, embora reeleita em outubro de 2014por eleições diretas, o segundo ano de mandato de Dilma Roussef tenhainiciado com o processo de derrubada de seu cargo.

O próprio Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, afirmouque tanto nas denúncias como nas delações premiadas da OperaçãoLava-Jato, não havia informações consistentes para enquadrar Dilma porcrime de responsabilidade fiscal. Além disso, para que o afastamentofosse legalmente possível, era necessário que o crime tivesse ocorridodurante sua gestão como Presidenta. No entanto, os indícios eram fracose faziam referência à Dilma na época em que ela ocupava o cargo deMinistra Chefe da Casa Civil e de Minas e Energia nas gestões de Lula.Janot acrescenta ainda que para que pudessem investigá-la sobre essasdenúncias, seria necessário esperar o término de seu mandato enquantopresidenta, que finalizaria em Janeiro de 2019 (Leite, 2015).

No entanto, mesmo sem terem provado que Dilma cometeuqualquer crime de responsabilidade, a mesma foi afastada do cargopresidencial em abril de 2016, tendo seu mandato finalizado em agostodo mesmo ano, sem a perda dos direitos políticos. Assim, o queaconteceu no Brasil foi um “Golpe de Estado, pseudolegal,‘constitucional’, ‘institucional’, parlamentar ou o que se preferir, masgolpe de Estado” (Löwy, 2016, p. 64). O autor ainda salienta aexistência de golpe pelo fato de que 60% das/os deputadas/os esenadoras/es que defenderam o processo de afastamento estavam/estãoenvolvidos em esquemas de corrupção.

Este cenário aponta uma estrutura do Golpe sustentada pelos doisbraços da elite financeira: o congresso nacional e a mídia tradicional. OCongresso, comandado por Eduardo Cunha e Renan Calheiros, estavafortemente articulado para conseguir aprovar o processo contra apresidenta e retirar ela do comando do país; enquanto isso, a mídiatradicional desde 2013 cumpria seu papel de preparar a opinião públicacom notícias sobre o governo e a Operação Lava-Jato. A mesma mídiaque, na ocasião, já estava articulada com o aparato jurídico-policial,quando na ocasião defendeu a não aprovação da PEC 37 e obteve assima confiança do Ministério Público Federal (J. Souza, 2016a). O cenárioperfeito, portanto, para efetivar o "acordo com o Supremo, com tudo"

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para deixar Michel Temer no poder, conforme afirmam Jucá e Machadoem conversa telefônica (Valente, 2016):

Machado – Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel.Jucá – [concordando] Só o Renan que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o EduardoCunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.Machado: É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.Jucá: Com o Supremo, com tudo.Machado – Com tudo, aí parava tudo.

6.4. #BelaRecatadaeDoLar: o campo do político e a moralconservadora

O cenário político brasileiro pode ser considerado um retrato denossa sociedade, a qual se estrutura com base no patriarcado e nadesigualdade de gênero, sendo marcada pela desigualdade salarial e decondições de acesso aos direitos fundamentais entre homens e mulheres.No campo do político, “as mulheres conquistaram o direito ao votosomente no ano de 1932 e nesses 84 anos a participação darepresentatividade feminina nas eleições [como candidatas] não passa de12%” (Biscaia, 2016, p. 86). No atual parlamento, “temos 51 deputadasfederais (9,94% do total) e cinco senadoras (13,58%)” (Boiteux, 2016,p. 262), o que se considera como pouco espaço de representatividadepara a luta feminina.

Essas questões refletem-se na forma como as mulheres sãotratadas no campo do político no Brasil e nos fazem compreender que omesmo “é um espaço demarcado como masculino, garantido eprivilegiado, portanto, não destinado a mulheres” (Boiteux, 2016, p.262) no qual as mesmas serão sempre minoria, tendo em vista que aforma como o mesmo se estrutura dificulta ou até mesmo impede aparticipação feminina.

A cultura do machismo que estrutura nossa sociedade e também ocampo do político é reforçada pelos discursos da mídia tradicional, aqual, desde o início do primeiro mandato de Dilma arregimentou as falas

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misóginas que recaiam sobre a mesma. A misoginia é considerada“como o ódio ou aversão às mulheres, especialmente quando elasrompem com os papéis sociais que lhes são atribuídos em umasociedade machista e patriarcal” (Boiteux, 2016, p. 263). Estas questõespodem ser compreendidas a partir das narrativas apresentadas na RevistaIstoé e na revista Veja em Abril de 2016.

No dia 06 de abril de 2016 a edição nº 2417 da Revista Istoétrouxe em sua matéria de capa (Figura 13) uma imagem de Dilma com aboca aberta, demonstrando uma expressão de fúria e raiva,acompanhada da manchete em letras grandes de cor branca: “Asexplosões nervosas da presidente”; sob a chamada, uma frase continhaos seguintes dizeres, escritos em letras menores na cor branca comalguns trechos destacados em negrito amarelo : “em surtos dedescontrole, com a iminência de seu afastamento e completamente forade si, Dilma quebra móveis dentro do Palácio, grita comsubordinados, xinga autoridades, ataca poderes constituídos e perde(também) as condições emocionais para conduzir o País” (grifo darevista). “Na matéria interna da revista, o título ‘Uma presidente fora desi’ seguia a mesma linha da capa, com relatos de atitudes da presidenteque revelariam o seu descontrole emocional diante dos acontecimentospolíticos por ela vivenciados” (Silveira & Santos, 2016, p. 832).

Neste mesmo dia, diversos coletivos, grupos, movimentos eONGs feministas criaram a hashtag #IstoÉMachismo, que viralizou nasredes sociais como forma de protesto em resposta aos enunciadosmachistas, preconceituosos e misóginos que a revista veiculou e que“diminuía a presidenta como profissional e mulher” (Lopes, 2016, p.01). Onze dias depois, Dilma era afastada de seu cargo de presidenta equem assumia o governo era seu vice Michel Temer (Temer).

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Figura 13: Capa da Revista IstoÉ edição 2417Fonte: Arquivo da Pesquisadora

Por sua vez, no dia em que Temer assume como presidenteprovisório (ilegítimo), a revista Veja lançou uma reportagem em suapágina na internet, cuja manchete apresentava: “Marcela Temer: bela,recatada e do lar”, seguida da frase “a quase primeira-dama, 43 anos

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mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dosjoelhos e sonha em ter mais um filho com o vice” (Linhares, 2016).

No mesmo dia dessa matéria, surge outra hashtag,#BelaRecatadaeDoLar, através da qual diversas mulheres postam suasfotos no bar, trabalhando, com decotes, roupas curtas, beijando suasesposas ou namoradas, com a intenção de demonstrar que as mulheresrejeitam a perspectiva misógina e patriarcal que se apresenta nareportagem com Marcela Temer e, por conseguinte, não reconhecem oque seriam os valores ideais para uma mulher na sociedade. Através da#BelaRecatadaeDoLar, as mulheres mostraram que ocupam os lugaresque quiserem, sem se submeter ou ficar à sombra de homens que asimpeçam de ser o que desejam.

Para compreender como os enunciados midiáticos participam daconstrução dos discursos relativos à mulher e como essa construção sefaz presente nos discursos que compõem as relações sociais que seestabelecem a partir desses enunciados, é preciso retomarmos acompreensão que temos sobre enunciado, a partir da perspectivabakhtiniana. Para Bakhtin (1979/2011), o enunciado se constitui pelaalternância de sujeitos falantes, ou seja, “o falante termina seuenunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensãoativamente responsiva” (p. 275). Neste sentido, o autor considera oenunciado uma atividade responsiva, ou seja, que se encontra semprerelacionada à uma atividade de compreensão. Sendo assim, nas palavrasdo autor o enunciado “é prenhe de resposta” (Bakhtin, 1979/2011, p.328).

Tal resposta não necessariamente será uma resposta queconcorde, mas poderá ser uma resposta que complemente ou até mesmoque refute o enunciado que foi produzido e isso dependerá do sujeitoque terá contato com tal enunciado (Queijo, 2016). Portanto, essarelação que se estabelece entre quem enuncia, o enunciado e a/ointerlocutor/a deve ser considerada a partir de uma dimensão valorativaaxiológica que está presente na relação que se tem com o enunciado e naforma como o mesmo é relacionado com as histórias e percepçõesdessa/e última/o. “Por isso cada enunciado é pleno de variadas atitudesresponsivas a outros enunciados de uma esfera da comunicação”(Bakhtin, 1979/2011, p. 297).

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Cada campo da atividade humana no qual a língua é utilizadaelabora seus tipos de enunciados que são considerados relativamenteestáveis e que são denominados de gêneros do discurso, os quaisagrupam diversos tipos de enunciados com propriedades próximas e decerta maneira regulares, quando comparados a outros tipos deenunciados (Bakhtin, 1979/2011). Os gêneros do discurso dividem-seem gêneros primários e secundários. Os primeiros formam-se nocotidiano e são considerados frutos de interações mais espontâneas e quenão se estabelecem ainda como sistemas ideológicos (Bakhtin,1929/2010a), mas nos quais “acumulam-se mudanças e deslocamentosquase imperceptíveis que, mais tarde, encontram sua expressão nasproduções ideológicas acabadas” (p. 43).

Tais produções constituem sistemas ideológicos que instituemcerta estabilidade nos signos a partir de um determinado contexto sociale isso faz com que o mesmo se converta em um valor social. Essasmudanças e deslocamentos são absorvidas e reelaboradas, e possibilitamque os gêneros discursivos primários convertam-se em gênerossecundários (Queijo, 2016). Tendo em vista que consideramos osenunciados midiáticos como signos ideológicos que encontram-seestabilizados e dizem de um determinado contexto social, eles são,portanto, considerados gêneros discursivos secundários, afinal, “surgemnas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamentemuito desenvolvido e organizado” (Bakhtin, 1979/2011, p. 263).

Como já apresentamos anteriormente, os meios de comunicação,para Stam (2010), são compreendidos como redes complexas tecidas porsignos ideológicos que compõem ambientes múltiplos e, neste sentido,tais meios mediam as relações que os sujeitos estabelecem com ocontexto cultural, político e econômico e fazem com que diversossujeitos compartilhem os mesmos signos em espaços-tempos diferentes,estabelecendo assim uma cadeia comunicativa. Portanto, o atocomunicativo abrange “acontecimentos anteriores, a situação culturaldo[a] emissor[a] e do[a] receptor[a] e o conhecimento desses[as] sobre asituação em que estão” (Queijo, 2016, p. 64). Os enunciados midiáticossão assim compreendidos como atos comunicativos que ao se realizaremcomo tal ativam uma produção de sentido, “alterando de maneirarelevante a sociedade que o abarca” (p. 70), sendo também

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compreendidos como atos responsáveis, a partir da perspectiva éticabakhtiniana.

Para Bakhtin (1920/2010c) um pensamento, um desejo, uma fala,um sentimento são considerados atos e precisam ser compreendidoscomo únicos no existir-evento e, como todo ato, responde à algo a partirde um lugar e por isso o autor considera como “ato responsável”. Aotrazer a perspectiva do ato responsável o autor faz uma crítica ao homemgenérico, à individualidade e apresenta a perspectiva ética de sua teoria,afinal, viver implica em relacionar-se com diversos “outros” e taisrelações possibilitam certa reflexibilidade sobre o que esses outrosapresenta sobre mim e isso faz com que eu me olhe a partir desse olharque me conclui e ao mesmo tempo me apresenta condições depossibilidades de constituição de diversos “Eus” e “Nós” (Bakhtin,1979/2011, 1920/2010c).

Portanto, se compreendermos os atos comunicativos a partir dessaperspectiva ética e relacionarmos com a perspectiva de que os mesmossão formados por cadeias enunciativas/ideológicas, é possível afirmarque os enunciados midiáticos são ideológicos e estão marcados “pelohorizonte social de uma época e de um grupo social determinados”(Bakhtin, 1929/2010a, p. 45) e portanto, encontram-se inseridos em umadada realidade, imediata e atual, composta por um momentoenunciativo, um passado imediato e um futuro previsível. Tal realidadedemarca os signos que são compartilhados pelos grupos sociais e quecompõem assim o “horizonte social” que os constitui.

O horizonte social, portanto, é importante para a criação dosenunciados midiáticos, afinal, os mesmos precisam dialogar com essecontexto mais imediato que é composto por diversas/os leitoras/es queirão interagir com tais enunciados e atribuir sentidos diversos aosmesmos. No entanto, esses enunciados compõem também o que Bakhtin(1979/2011) denomina de “grande tempo”, isto é, o contexto históricomais amplo; e são essas duas dimensões que compõem o enunciado: asituação mais imediata e a mais ampla do contexto social no qualencontra-se inserido.

O horizonte social mais imediato pode ser considerado o contextovivido pelo Brasil em 2016, principalmente no mês de abril. No dia 17de abril, estava marcada uma votação para que deputadas e deputados

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federais discutissem sobre a continuidade do processo de retirada deDilma do cargo de presidenta, bem como seu afastamento do cargo por180 dias, até que o seu julgamento fosse analisado pelo Senado Federal.

No que diz respeito aos enunciados das revistas IstoÉ e Veja, ogrande tempo pode ser compreendido como a condição que é dada paraa mulher no nosso país, representado pelo lugar que é delegado a ela porambas as publicações: uma mulher dona de casa, hétero, casada e quenão assume funções públicas, pois estas competem ao marido. Umamulher recatada, que usa vestidos abaixo do joelho, que não mostramuito o seu corpo em público – o qual precisa estar esteticamente dentrodo padrão – além de ser dotada de certa paciência, afinal, a fúria fica acargo dos homens, que não possuem a sensibilidade feminina.

De acordo com Bakhtin (1979/2011), o grande tempo tambémestá relacionado com os processos de (re)significação dos enunciados,os quais encontram-se abertos e inconclusos, esperando sempre “a suafesta de renovação” (p. 410). Portanto, se as capas das revistas Istoé eVeja formam-se a partir de uma cadeia enunciativa que compõe nossasociedade e que tem encontrado interlocutores que a perpetuam, essamesma cadeia vem sendo contestada, confrontada e modificada pordiversas/os outras/os interlocutoras/os que compõem outros enunciadose que estabelecem, assim, sentidos outros. Falamos aqui dos enunciadosque foram criados em resposta às capas dessas revistas, quais sejam: as#IstoéMachismo e #BelaRecatadaedoLar.

Os referidos contra-discursos apresentam uma outra perspectivade mulher que não condiz com aquela dada pelas já mencionadasrevistas. As hashtags afirmam que há outro lugar possível para asmulheres, bem como uma sociedade que se organiza a partir deperspectivas que não têm como base o machismo que sempre estruturouas relações sociais. Esta outra perspectiva demonstra ainda que o lugarda mulher pode, sim, ser na política, no bar, na rua, no local de trabalhoe onde ela quiser estar – e com a roupa que ela quiser vestir. E,finalmente, denuncia que apontar a histeria e o desequilíbrio emocionalcomo características femininas que impedem qualquer mulher degovernar um país é um discurso machista e misógino, que relega àmulher o lugar de dona de casa, como uma #BelaRecatadaedoLar.

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Os enunciados midiáticos sobre a presidenta, principalmentedurante o processo de Golpe, não visavam auxiliar no debate políticosobre a questão, pois eram constituídos por “movimentos demidiatizações de ódio e misoginia” (M. E. P. Amaral & Arias Neto,2017, p. 12) caracterizados por ataques pessoais a Dilma. Tais ataquesestão relacionados aos enunciados misóginos, tendo em vista que, paraalém dos ataques ao PT e da articulação da elite do dinheiro com oaparato jurídico-policial para a efetivação do Golpe, houve também umaestrutura perversa que atacou a presidenta enquanto mulher com podere condições para governar um país – o que, para a voz monológicainstituída pelos conglomerados midiáticos é algo difícil de conceber.

Os presumidos da matéria com Marcela Temer, bem como aprópria manchete, demonstram que “a intenção não era apenas ratificaro papel social da mulher segundo uma visão conservadora, mas dereforçar estereótipos contra mulheres que não apresentassem o perfil dapersonagem da matéria” (M. E. P. Amaral & Arias Neto, 2017, p. 25).Esses sentidos dialogavam com a pauta que fora capa da Istoé algunsdias antes – afinal, a presidenta foi considerada “um ser histérico que seutiliza dos surtos como estratégias de defesa” (p.25), que vai deencontro ao perfil idealizado de mulher que cuida do seu marido e dacasa e possui total controle das suas emoções.

Assim, ambos os discursos têm como base a moral e "criam umapauta política limitada ao horizonte estreito de juízos de valoresbinários, numa luta eterna entre o bem e o mal, este sempre identificadocom o adversário, tratado por inimigo” (Oliveira, 2016, p. 196). Essabinariedade deu sustentação para a efetivação do Golpe de 2016, nãosomente no que diz respeito ao lugar da mulher, mas também ao que sevincula às questões de classe, visto que “se criou uma política do ódio apartir desse novo orgulho da direita, a partir desse moralismo deocasião” (J. Souza, 2016b, p. 158) que não conseguia conviver comas/os trabalhadoras/es acessando políticas públicas de saúde, moradia,alimentação, entre outros.

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6.5. Comunicação e democracia: o que a comunicação em redepode nos oferecer?

Retornaremos a partir de agora a perspectiva da comunicação emrede para aprofundar as reflexões vistas anteriormente, pois elas dizemrespeito à relação entre comunicação digital e democracia. Relembrandoum pouco, a comunicação se constitui a partir de dispositivoscomunicacionais que são: um-um, um-todos e todos-todos. Esse últimoé encontrado no ciberespaço e se estrutura principalmente a partir doque conhecemos por redes, que são constituídas por diversos nós entrereceptoras/es, espectadoras/es e emissoras/es de informações.

No ciberespaço, a partir da colaboração e da interatividade que seestabelece entre os canais de mídia independente e as/os espectadoras/es(re)produtoras/es de conteúdo cria-se o que Antoun (2010) denomina de“guerra em rede” e que contrapõe-se à “guerra da informação” doscanais de mídia tradicional. Tal conceito opera para além do ciberespaçoe se articula com as vozes das ruas, criando assim uma rede híbrida, aqual utiliza a comunicação digital como “arma” para enfrentar asnarrativas dos conglomerados midiáticos.

As redes da referida “guerra em rede” são formadas pelosciberativistas hacktivistas que derrubam os muros das prisões, e que seapropriam das tecnologias da informação e da comunicação paratransformar a sociedade da informação em uma sociedade na qualsujeitos “inspecionam os gestos, as atividades, os discursos e oscomportamentos uns dos outros e, também, de si mesmos” (Ferreira,2014, p. 112), o que institui uma “guerra discursiva que mobilizainformações e conhecimentos” (p. 113) e desconstrói a noção de umpoder hierarquizado e unilateral.

Segundo Ferreira (2014), desde os anos 1960, por conta dodesenvolvimento de novas dinâmicas de circulação da informação e doconhecimento, vivemos na sociedade da informação – uma sociedadeheterogênea, que se modifica de um país para o outro e, muitas vezes,dentro de um mesmo país. Estas diferenciações estão relacionadas aosinvestimentos que são destinados para infraestruturas nastelecomunicações e nas tecnologias de informação e de comunicação.

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Na sociedade da informação temos diversas perspectivas desociedade que estruturam os canais de comunicação. Pensando narealidade brasileira, podemos afirmar que as mídias tradicionais e osconglomerados midiáticos estruturam-se desde a era da comunicaçãoanalógica e que há muito dominam o setor das comunicações, como bemvimos nos capítulo 3 e 4. Disputando as narrativas com estesconglomerados, temos as mídias independentes, que se estruturam combase na colaboração e que ocupam muito mais as redes digitais, compouco alcance ao meios tradicionais.

Consideramos, portanto, que a produção de uma vida em rede, talcomo vem sendo construída pela Ninja e que dá base para todos osoutros projetos aos quais ela vem se dedicando nos últimos anos,articula-se com a produção de comunicação e com os enunciados quesão produzidos pela Ninja e que dizem sobre aquelas/es que constituemessa Rede. Dizem, pois, de uma arquitetônica que é estruturada a partirde tempos, espaços e valores que são heterogêneos e que se articulam apartir de uma ética dos afetos.

Para Bakhtin (1920/2010c), a existência é um evento aberto einconcluso, que na sua eventicidade é irrepetível. Para o autor, não háseparação entre o conteúdo do ato e a realidade como experiência, ouseja, a eventicidade da vida, de forma que não há como uma proposiçãoser universalista, seja ela científica, filosófica, cultural, estética ou ética.O que controla nosso existir-evento somos nós mesmos quandoassumimos a responsabilidade por nossos atos, uma vez que estesúltimos se encontram articulados à uma respondibilidade voltada à umoutro na arquitetônica que estrutura tempos, espaços, valores.

A compreensão do que Bakhtin quer nos dizer com o conceito deato responsável perpassa compreender a postura ética que está presentenesse conceito e na perspectiva que ele abarca, as quais dizem sobreestabelecermos relações pautadas na ética para com o outro com o qualnos relacionamos o tempo todo. Para o autor essas relações são pautadasna perspectiva dialógica, afinal, as relações dialógicas constituem nossasrelações no mundo, e por este motivo são compreendidas comoconstituidoras de sujeitos que nas relações entre si vão engendrandopossibilidades de ser, sentir, dizer, fazer, pensar. Para Bakhtin(1920/2010c), pensar o sujeito é pensar na constituição de um “Nós”,

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afinal, nos enxergamos a partir dos olhares de diversos outros que nosinterrogam e nos constituem. “O sujeito não é isto ou aquilo, ele devémpovoado de infinitas vozes, afetos e suas diferentes forças. Há em cadasujeito a passagem de muitos (con)textos” (Groff, 2015p. 71).

Portanto, na dialogia da vida, sujeitos vão constituindo redes deafetos que engendram potencialidades entre si. Tais redes buscaminstituir atos de fissura com o sensível que é partilhado socialmente.Vinculamos essa perspectiva ao que conhecemos da Rede FdE e a formacomo a mesma gesta a sua vida coletiva (que perpassa também a formacomo produzem comunicação), ou seja, a perspectiva da gestãocolaborativa na qual cada sujeito é considerado um nó importante narede que é tecida no dia-a-dia.

Como já vimos no capítulo 2, cada Casa Coletiva é consideradauma engrenagem que precisa funcionar para que os demais projetos dasRedes também funcionem. Para isso, as/os viventes nas Casascompartilham de Tecnologias que são importantes para a atividadedessas engrenagens. Algumas dessas tecnologias já foram apresentadas,entre elas o Cronograma Semanal da ResCult, uma planilha que écompartilhada com todas/os a partir do Google docs e que possui adivisão de tarefas que são necessárias para que a Casa se mantenha emordem e organizada, cuja escolha de atividades a serem assumidasperpassa o que elas/eles denominam de Banco de Estímulos.

Portanto, com base numa perspectiva de consolidação de umavida em rede, cada um e cada uma é considerada/o um nó importante naconstituição dessa vida e, por este motivo, uma não existe sem a outra: avida em rede precisa de cada sujeito, assim como cada sujeito precisa davida em rede. É isso que a tecnologia do Banco de Estímulos buscaarticular: todas/os que vivem nas Casas Coletivas e tecem o FdE e aNinja precisam estar estimuladas/os a participar, e esse estímulorelaciona-se com os desejos de cada um/uma, mas também com osprojetos que as Redes vêm desenvolvendo. Ou seja, ainda que algumapauta seja deixada de lado em um primeiro momento, a Rede dispõe deprojetos em múltiplas frentes de trabalho, de modo que cada um/umapoderá trabalhar em uma tarefa que estimule o seu processo criativo eo/a faça enxergar além do que está dado.

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A Tecnologia do Banco de Estímulos está muito relacionada àTecnologia do Precariado, que já foi apresentada no capítulo 2 e que dizsobre o processo de reconhecer as potencialidades que tecem as Redes.Tais tecnologias encontram-se muito articuladas ao processo criativo, oqual é estimulado o tempo todo, fazendo com que cada sujeito crieoutras formas de lidar com a precariedade, o que por sua vez o leva areconhecer a sua própria potência e também a das demais pessoas quecompõem essa rede. Tudo isso está relacionado não só ao processo deprodução de comunicação, mas também ao processo da gestão da vidaem rede.

Ao trabalharem com a perspectiva da rede colaborativautilizando-se da lógica do compartilhamento financeiro para gerir osdiversos “nós”, as/os ninjas estão buscando descentralizar ações eresponsabilidades, trabalhando com uma lógica que se identifica com asredes P2P rizomáticas que estruturam a comunicação digital. Por contadessa descentralização, essas redes são capazes de “criar novos arranjossociais e políticos, novas articulações entre sujeitos em busca de práticasmais colaborativas” (Segurado, 2015, p. 1677). É desta maneira que noprocesso de produção de comunicação todas/os se auxiliammutuamente, sustentando essa rede colaborativa, que institui assimmomentos democráticos e por este motivo podem ser consideradascomo um meio de comunicação mais democrática

Tal estrutura se articula a partir da convivência entre umahorizontalidade que é estimulada o tempo todo e uma verticalidade queé necessária para que a rede se sustente. Para que essa grandeengrenagem funcione, existem gestoras/es responsáveis por fazerfuncionar as diferentes engranagens. Essas/es gestora/es podem serassociados aos (hubs), utilizando-se da metáfora das redes P2P híbridasque apresentamos anteriormente, pois têm a tarefa de fazer com que asatividades sejam executadas pelas/os demais que compõem as Redes,constituindo a verticalidade das mesmas. Portanto, nas Casas Coletivastudo é compartilhado, constituindo uma forma de vida comunitária naqual a verticalidade não funciona sem a horizontalidade. Afinal, cadapessoa é considerada responsável pela tecitura dessas Redes, sem que asdecisões tomadas para o gerenciamento das mesmas precisenecessariamente passar pelas/os gestoras/es, o que caracteriza um

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processo colaborativo. As relações baseiam-se mais nas potencialidadesdo que em um esquema de hierarquia. Esta existe, mas não é o quesustenta a rede.

É possível compreender que a lógica da cultura em rede dizrespeito à constituição de uma tecnologia de (com)viver coletivamente,que se relaciona com as formas como a comunicação e o ativismo seestabelecem na atualidade, sobretudo com o espaço-tempo que conectaos diversos atores da Ninja. Sendo assim, compreender como umaexperiência de vida em rede pode se constituir como resistência a ummodo de vida hegemônico em nossa sociedade – sem se pautar pelalógica monetária, mas pela perspectiva de compartilhamento deexperiências, afetos, desejos – pode nos levar a pensar em outrospossíveis em uma sociedade que exige sujeitos e práticas cotidianashomogêneos/as.

Neste sentido, considera-se que a Ninja vem enfrentando asperspectivas hegemônicas dos conglomerados midiáticos, sustentada pordiversos nós que têm como base um projeto de sociedade diferentedaquele que a mídia tradicional busca instituir. Isso se revela nosenunciados que apresentamos neste capítulo (bem como nos anteriores),os quais estiveram em disupta, claramente, no ano de 2016 (e também,desde 2013). Afirmamos que são enunciados que intentam umasociedade mais democrática, ou seja, que através de atos políticosreconfiguram o sensível que é partilhado socialmente e instituem assimporcessos democráticos, já que se faz instituição da política queinterrompe o funcionamento da ordem ao instaurar dispositivos desubjetivação política.

O Grupo Globo, a Editora Abril e a Editora Três, aliados aoaparato jurídico-policial, vinculam-se a um projeto de sociedademachista, patriarcal, moralista, elitista e menos democrática, quandodifundem enunciados que tem como base essas perspectivas e, também,ao defenderem o Golpe que se consolidiou em agosto de 2016. Nestesentido, essas mídias buscam consolidar o sensível partilhadosocialmente, definindo modos de pensar, sentir, dizer, e de se portarsocialmente. Já a Ninja vem buscando instituir outra possiblidade deviver, que se pauta em uma outra perspectiva de sujeito, já que faz comque seus integrantes abram mão de diversos aspectos da sociedade

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capitalista (ter uma casa, um carro, um curso superior, filhos/as, etc.)para viver coletivamente. As Casas Coletivas podem ser consideradascomo micro sociedades que tensionam o sensível compartilhadosocialmente, instituindo outra perspectiva de vida e de comunicação, nabusca por difundir outra perspectiva de vida, e lançando um outro olharsobre os acontecimentos sociais. Instituem, assim, a voz dos que nãotem voz.

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Algumas tramas futuras“É impossível engaiolar o sentido”

(Rubem Alves)

Na busca por compreender as relações entre comunicaçãoindependente e democracia, a proposta desta tese foi analisar de queforma as narrativas da Ninja possibilitam tensionamentos no tecidosocial contemporâneo. Para tal, pesquisamos as condições ético-políticasque constituem os meios de comunicação independentes e tradicionais;identificamos quais cenas visibilizadas pela Ninja que apontam paraoutros possíveis no campo da democratização da sociedade; einquirimos como e em que medida a Ninja contribui para ademocratização da comunicação e da sociedade.

Nossa proposta, ao longo destes quatro anos, foi refletir sobre taisinquietações e, a partir destes tensionamentos, apresentar perguntasoutras, compreendendo a inconclusibilidade dos enunciados. Foinecessário, neste sentido, fazer escolhas sobre que fios utilizar para atecitura desta tese. A trajetória de pesquisa concedeu os novelos que, aospoucos, foram sendo tricotados por mim e por diversas outras pessoasque participaram (direta ou indiretamente) desta caminhada.Consideramos que as tramas tecidas são inconclusas, abertas a outrospossíveis - afinal, como bem diz Rubem Alves, “é impossível engaiolaro sentido” (2008, p. 20). E é com essa perspectiva que (in)concluímosessa tese.

A possibilidade de estudar as relações entre comunicação edemocracia ao longo de quatro anos conduziu-nos a compreender umainfinidade de perspectivas que constituem os meios de comunicação, osquais estão presentes nos projetos de sociedade em disputa naatualidade. Ao mesmo tempo, assumimos o risco de analisar algo queainda está em processo e que, portanto, não finalizará com a escritadesta tese, visto que as mudanças no campo do político são constantes.Assim, muito mais do que tramas firmes e fixas, apresenteiapresentamos tecituras que partem de reflexões diversas e quesuscitaram assim diversas outras tramas que ficam para tecituras futuras.

Sabemos que a Rede que, comigo, tece esta pesquisa temsuas/seus ninjas espalhados pelo Brasil, vivendo em Casas Coletivas,

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atuando em formato de rede descentralizada, híbrida, na qual ahorizontalidade e a verticalidade convivem. Sua articulação comdiversos outros grupos, coletivos, movimentos e pessoas aspira a umasociedade pautada na defesa dos direitos humanos, com processosdemocráticos instituídos. Percebemos que a Ninja é um laboratório quenos instiga a pensar que mídia queremos e que tipo de mídia seaproxima do projeto de sociedade que buscamos. Neste sentido,questionamos: ao enunciarem questões relativas aos direitos humanos,instituem sujeitos que lutam por estes direitos? Se a comunicaçãoindependente fosse hegemônica, quais configurações sociais seriampossíveis?

A criação de uma rede de movimentos é essencial para que acomunicação independente seja tecida a partir de nós fortalecidos. Tantona experiência na Casa FdE São Paulo como no acompanhamento doFacebook da Ninja, constatamos a dimensão dessa Rede de redes.Diversos grupos, coletivos, movimentos e redes atuam junto à Ninja narealização de eventos, coberturas ao vivo, em debates como o daRedução da Idade Penal, ou durante o segundo turno das eleições de2014. São esses diferentes nós que tecem resistências às perspectivashegemônicas que a grande mídia efetua no campo da comunicação,disputando com elas as narrativas midiáticas. Nossa pesquisa aponta,desta forma, que a rede é condição para que o ativismo se encontreestruturado da forma como está atualmente, o que produz outroquestionamento: o que há no ativismo contemporâneo que possibilita aconfiguração de novos possíveis?

Mídias tradicionais e independentes amparam-se em perspectivasde sociedade contraditórias, e o que diferencia essas duas perspectivasestá relacionado à forma como produzem comunicação e à perspectivade colaboração revelada em seu projeto de sociedade. A Ninja, Redeescolhida para representar as mídias independentes nesta pesquisa, vempautando a perspectiva da colaboração e da vida em rede, enquantorepresenta um projeto de sociedade contrário àquele das mídiastradicionais (representado por três diferentes grupos de comunicação: oGrupo Globo, a Editora Abril e a Editora Três). Essa diferença deperspectiva de sociedade transparece nas pautas que apresentamos no

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decorrer desta tese, as quais foram enunciadas de formas diferentes pelaNinja e pelas mídias tradicionais.

Aliado a esses diferentes projetos de sociedade, encontramosformas distintas de produção de comunicação. A Ninja, através doformato de rede híbrida, não tem uma/um única/o editora/editor chefe,contando com várias pessoas que decidem a pauta, definindo prioridadese relacionando as informações que são produzidas. No caso das mídiastradicionais apresentadas, embora algumas também possam trabalhar emum formato de rede, encontram-se pautadas em uma perspectivacentralizada em uma/um única/o editora/editor chefe.

Desde as Jornadas de Junho, a internet vem sendo cada vez maisutilizada por coletivos e movimentos no Brasil para divulgar asmanifestações, realizar a cobertura das mesmas em tempo real,comprovar a violência policial, deflagrar um outro olhar sobre as pautasdas ruas, e disputar as narrativas com as mídias tradicionais – quegeralmente apresentam somente as vozes daquelas/es que sãocontrárias/os às manifestações, destinando a invisibilidade aosopositores.

Essa disputa entre diferentes projetos de sociedade relaciona-setambém com a constituição de sujeitos, o que é possível vislumbrar nasformas diferentes de produzir e veicular a informação que mostramos aolongo dessa tese com exemplos dos discursos da Ninja, do Grupo Globo,Grupo Abril e da Editora Três.

Neste sentido, ao refletirmos sobre as possibilidades de produçãode uma outra comunicação, representada pela narrativa que a Ninja vemapresentando para nós desde 2013, e ao relacionarmos essa outracomunicação com a produção de uma estética outra e uma outra formade fazer política, questionamos: Que sujeitos acessam essas narrativas?O que tais narrativas produzem nos sujeitos que as acessam? Quesujeitos teríamos se a produção de informação fosse de outra forma?

A Ninja é uma estrutura que conecta diversos nós que, através defluxos, produzem novos ordenamentos e outras possibilidades de(com)viver, baseadas no compartilhamento de experiências e afetos queaumentam ou diminuem a potência dos sujeitos e a própria potência dasredes que por elas/es são tecidas. Compreendemos que cada sujeitocompõe a rede, pois é a partir das relações que se estabelecem, tanto no

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convívio diário entre as/os moradoras/es de cada Casa Coletiva, quantonas atividades desenvolvidas com as parcerias de outros movimentos epessoas físicas, que a mesma vai se tecendo e ampliando alguns nós efortalecendo outros. A Ninja e o FdE, através das tecnologias de(com)viver coletivamente, bem como da utilização da comunicaçãodigital e do ativismo em rede, estabelecem relações dialógicas que(re)criam existências e resistências, ao mesmo tempo em que afetam esão afetados, agenciando outras formas de ser e de viver.

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