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TÉCNICAS ROTINEIRAS DE PREPARA˙ˆO E AN`LISE DE L´MINAS HISTOLÓGICAS Lílian de L. Timm Centro Universitário La Salle Museu de Ciências Naturais La Salle [email protected] [email protected] RESUMO Para a anÆlise das microestruturas ana- tômicas dos tecidos de animais sob microsco- pia óptica Ø necessÆria a confecçªo de lâmi- nas histológicas. Neste artigo sªo abordadas as tØcnicas de coleta, fixaçªo, inclusªo, micro- tomia, criomicrotomia e coloraçªo em amos- tras de tecidos moles e as tØcnicas de desgate e descalcificaçªo para tecidos ósseos. Sªo abor- dadas ainda, tØcnicas especiais de preparaçªo de amostras para anÆlise sob microscopia ele- trônica, criofratura e fracionamento celular. PALAVRAS-CHAVE: TØcnicas histológicas, mi- crotomia, coloraçªo, desgaste, descalcificaçªo, microscópios eletrônicos INTRODU˙ˆO Histologia Ø o ramo da anatomia que estuda os tecidos animais e vegetais. Tanto a zoologia quanto à botânica apresentam nomen- claturas especiais. Neste artigo serªo aborda- dos, exclusivamente, conceitos e tØcnicas de histologia animal. A maioria dos tecidos Ø formada por cØlulas e matriz extracelular. Nesta categoria se enquadram os diferentes tipos de tecidos conjuntivos especializados cartilaginoso, adi- poso, sangüíneo e ósseo alØm dos tecidos conjuntivo propriamente dito, muscular e ner- voso. As cØlulas que os constituem, possuem formas e funçıes muito distintas. Contudo, to- das trabalham em conjunto na sustentaçªo e na manutençªo do tecido. A matriz Ø formada principalmente por fibras e Ægua que auxilia, principalmente no transporte de substâncias. A exceçªo à regra estÆ no tecido epite- lial. Embora formado por cØlulas epiteliais com diferentes formas, como cœbicas, pavimento- sas ou colunares, e arranjadas em diferentes camadas (simples, estratificadas ou pseudo- estratificadas), este tecido Ø freqüentemente caracterizado pela ausŒncia de matriz extrace- lular. Sua nutriçªo acaba sendo efetuada pelo tecido conjuntivo vascularizado adjacente. Maior variaçªo ainda se encontra em alguns tipos de tecido ósseo, como o tecido acelular dos peixes teleósteos, onde hÆ a au- sŒncia completa de cØlulas ósseas. Neste caso especial, hÆ uma perda progressiva dos osteó- citos durante o crescimento do animal, que culmina na sua ausŒncia completa na matriz calcificada do indivíduo adulto (Enlow e Brown, 1956). TÉCNICAS UTILIZADAS EM HISTOLOGIA Muitas sªo as tØcnicas utilizadas em his- tologia e nªo seria possível, neste momento, aborda-las detalhadamente. Deste modo, foram selecionadas algumas tØcnicas freqüentemen- te utilizadas em rotinas de laboratórios que pro- porcionam a visualizaçªo das microestruturas dos tecidos. Caderno La Salle XI, Canoas, v.2, n” 1, 231 - 239, 2005

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TÉCNICAS ROTINEIRAS DE PREPARAÇÃO EANÁLISE DE LÂMINAS HISTOLÓGICAS

Lílian de L. TimmCentro Universitário La Salle

Museu de Ciências Naturais La Salle [email protected]

[email protected]

RESUMO

Para a análise das microestruturas ana-tômicas dos tecidos de animais sob microsco-pia óptica é necessária a confecção de lâmi-nas histológicas. Neste artigo são abordadasas técnicas de coleta, fixação, inclusão, micro-tomia, criomicrotomia e coloração em amos-tras de tecidos moles e as técnicas de desgatee descalcificação para tecidos ósseos. São abor-dadas ainda, técnicas especiais de preparaçãode amostras para análise sob microscopia ele-trônica, criofratura e fracionamento celular.

PALAVRAS-CHAVE: Técnicas histológicas, mi-crotomia, coloração, desgaste, descalcificação,microscópios eletrônicos

INTRODUÇÃO

Histologia é o ramo da anatomia queestuda os tecidos animais e vegetais. Tanto azoologia quanto à botânica apresentam nomen-claturas especiais. Neste artigo serão aborda-dos, exclusivamente, conceitos e técnicas dehistologia animal.

A maioria dos tecidos é formada porcélulas e matriz extracelular. Nesta categoriase enquadram os diferentes tipos de tecidosconjuntivos especializados � cartilaginoso, adi-poso, sangüíneo e ósseo � além dos tecidosconjuntivo propriamente dito, muscular e ner-voso. As células que os constituem, possuem

formas e funções muito distintas. Contudo, to-das trabalham em conjunto na sustentação ena manutenção do tecido. A matriz é formadaprincipalmente por fibras e água que auxilia,principalmente no transporte de substâncias.

A exceção à regra está no tecido epite-lial. Embora formado por células epiteliais comdiferentes formas, como cúbicas, pavimento-sas ou colunares, e arranjadas em diferentescamadas (simples, estratificadas ou pseudo-estratificadas), este tecido é freqüentementecaracterizado pela ausência de matriz extrace-lular. Sua nutrição acaba sendo efetuada pelotecido conjuntivo vascularizado adjacente.

Maior variação ainda se encontra emalguns tipos de tecido ósseo, como o tecidoacelular dos peixes teleósteos, onde há a au-sência completa de células ósseas. Neste casoespecial, há uma perda progressiva dos osteó-citos durante o crescimento do animal, queculmina na sua ausência completa na matrizcalcificada do indivíduo adulto (Enlow e Brown,1956).

TÉCNICAS UTILIZADAS EMHISTOLOGIA

Muitas são as técnicas utilizadas em his-tologia e não seria possível, neste momento,aborda-las detalhadamente. Deste modo, foramselecionadas algumas técnicas freqüentemen-te utilizadas em rotinas de laboratórios que pro-porcionam a visualização das microestruturasdos tecidos.

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Confecção de Lâminas Histológicas: Co-leta, Fixação, Inclusão e Microtomia

Para a análise sob microscopia óptica énecessária a confecção de lâminas delgadasdos tecidos que formam os órgãos. Estas lâmi-nas podem ser permanentes ou provisórias.A seguir, serão descritas as etapas de confec-ção de lâminas histológicas permanentes.

Coleta do materialPartes de órgãos são retiradas com o

auxílio de um bisturi, pinça ou lâmina de bar-bear. Não é indicada a extração de porçõesgrandes, uma vez que o objetivo final é a ob-tenção de uma camada fina que possa ser ana-lisada em um microscópio óptico.

Fixação do materialEsta etapa consiste na utilização de

procedimentos físicos ou químicos para imo-bilizar as substâncias constituintes das cé-lulas e dos tecidos, fornecendo maior resis-tência para suportar as demais etapas. Alémdisso, os fixadores retardam os efeitos postmortem do tecido, mantendo sua arquitetu-ra normal. Os agentes fixadores mais utili-zados são o formol tamponado e o líquidode Bouin. Ambos fixam as proteínas evitan-do sua degradação.

O formol, por ser mais acessível e deuso simples, é o fixador mais utilizado nastécnicas histológicas. Contudo, seus resul-tados geralmente não são satisfatórios. Poressa razão é recomendada a dissolução deformol em tampão fosfatado preparado doseguinte modo (Junqueira e Junqueira,1983):

� Formol (solução a 37% de formaldeído)_______________________________ 100ml

� Água destilada___________________ 900ml

� Fosfato de sódio monobásico _______ 4,0g

� Fosfato de sódio dibásico (anidro) ____ 6,5g

O tempo de fixação dependerá do ta-manho do fragmento do tecido, podendo va-

riar entre 06 e 24h. É recomendado que, sem-pre que possível, não ultrapasse a 3mm deespessura e se utilize, no mínimo, um volume20 vezes maior de fixador, em relação ao te-cido a ser fixado, para que o material reajasatisfatoriamente. Uma vez fixado, a peça deveser transferida para álcool 70%, onde poderápermanecer indefinidamente.

O fixador de Bouin tem a seguinte fór-mula (Junqueira e Junqueira, 1983):

� Solução aquosa saturada de ácido pícrico__________________________________ 75ml

� Formol ___________________________ 25ml

� Ácido Acético______________________ 5ml

Após a fixação é fundamental a remo-ção do ácido pícrico dos tecidos para a pos-terior etapa de coloração. Além disso, resídu-os deste ácido podem favorecer a deteriora-ção da peça com o passar do tempo. Para aeliminação do excesso de fixador dos tecidosé recomendado (Junqueira e Junqueira,1983):

1º) Lavagem em água corrente por 18h;

2º) Transferência da peça para álcool50%, durante 30min;

3º) Armazenamento da peça em álcool70%.

Importante: O conteúdo dos frascos de ácidopícrico deve ser mantido úmido, pois ele é ex-plosivo quando seco (Junqueira e Junqueira,1983).

InclusãoEste procedimento consiste na impreg-

nação do tecido com uma substância de con-sistência firme que permita, posteriormente,seccioná-lo em camadas delgadas. Pelo fácilmanuseio e bons resultados, a parafina é amais utilizada neste procedimento. Como elanão é miscível em água, a primeira etapa dainclusão compreende a desidratação, quan-do ocorre a retirada da água dos tecidos e asua substituição por álcool. A diafanização é

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a etapa seguinte, com a substituição do álco-ol, agora presente nos tecidos, por xilol. Final-mente, na impregnação, última etapa, o xilolé substituído por parafina fundida a 60° empequenos blocos. Neste momento a catalo-gação do bloco é importante para a posterioridentificação da peça.

MicrotomiaEsta etapa (Fig. 1 A) consiste, basicamen-

te, em utilizar um micrótomo para obter cortessucessivos, delgados e uniformes, a partir dosblocos de parafina com as peças incluídas. Esteaparelho (Fig. 2) é formado por uma lâmina (fixaou descartável) de aço, afiada, e um braço aoqual se prende o bloco e que se desloca verti-calmente.

Figura 1. Esquema das etapas de microtomia (A) edistensão da fita em banho-maria (B) (Modificado deJunqueira e Junqueira, 1983).

Figura 2. Fotografia de um micrótomo para cortes emresina (Retirado de Junqueira e Carneiro, 1995)

É difícil obter cortes abaixo de 3 a 4micrômetros de espessura dos materiais inclu-ídos em parafina. De um modo geral, são obti-dos cortes entre 5 e 7 micrômetros.

Montagem da lâmina histológicaAs fitas obtidas a partir do micrótomo

são transferidas para um banho-maria, com oauxílio de uma pinça, para serem distendidas(Fig. 1 B). A água deve estar entre 3° e 8º abai-xo do ponto de fusão da parafina utilizada.Nesta etapa, são retiradas as dobras e evita-das as bolhas abaixo da fita. Após a distensão,os cortes são separados individualmente ou emgrupos, conforme a conveniência, utilizando-se lâminas de vidro previamente limpas comdetergente, estocadas em álcool 80% e previ-amente secas. Antes da utilização das lâminas,é necessário revestir suas superfícies com umafina camada de albumina para facilitar a ade-são da peça. Os cortes obtidos podem ser trans-feridos, inicialmente, para uma estufa onde fi-cam alguns minutos (não mais que dez minu-tos) para posteriormente serem colocados emum suporte inclinado. Finalmente, os cortesdevem ser depositados em uma estufa a 60ºpara secagem entre uma e 24 horas.

Técnica de Criomicrotomia (= Microtomiapor Congelamento)

A técnica descrita acima, sem dúvida, éa mais utilizada. Contudo, em alguns casos, estatécnica é contra-indicada, como, por exemplo,no estudo da distribuição dos lipídios, em téc-nicas histoquímicas avançadas ou quando são

(B)

(A)

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necessários cortes urgentes, como em examespatológicos. Nestes casos, os tecidos são en-durecidos através do congelamento. Os apa-relhos utilizados para os cortes podem ser dedois tipos: micrótomos de congelamento oucriostatos (Junqueira e Junqueira, 1983).

Nos micrótomos de congelamento(Fig. 3) os tecidos são congelados tanto fixa-dos quanto frescos. O congelamento ocorrepor expansão de CO2 no suporte apropriadopara o tecido. Assim como nos micrótomosde parafina, estes micrótomos possuem umanavalha. Contudo, não produzem cortes muitofinos. Suas lâminas cortam acima de 10 mi-crômetros. Outro inconveniente é acertar atemperatura ideal para corte: se estes se frag-mentam durante a passagem pela navalha, otecido está frio demais; se ao contrário, sedeformam, o tecido precisa ser resfriado.

Figura 3. Fotografia de um micrótomo para cortes con-gelados.

O criostato é um aparelho mais aperfei-çoado que o anterior. Permite a obtenção decortes muito mais finos de tecidos não fixados(até dois micrômetros), facilitando a visualiza-ção das células (Junqueira e Junqueira, 1983).

Técnicas de Coloração de Cortes Histo-lógicos

A coloração consiste numa etapa muitoimportante para a visualização das estruturasdo tecido. Normalmente são utilizados coran-tes hidrossolúveis, sendo necessário, deste

modo, a remoção da parafina da peça que foipreparada nas etapas descritas anteriormentee que permanece na lâmina de vidro.

Existem muitos tipos de corantes, masde um modo geral podem ser agrupados emtrês classes distintas (Gartner e Hiatt, 1999):

� Corantes que diferenciam os compo-nentes ácidos e básicos das células;

� Corantes especializados que diferen-ciam os componentes fibrosos da matriz extra-celular;

� Sais metálicos que precipitam nos te-cidos.

Os corantes mais utilizados nos proce-dimentos histológicos são a Hematoxilina e aEosina (HE). A Hematoxilina é uma base quecora, preferencialmente, componentes ácidosdas células em um tom azulado escuro. Comoos componentes ácidos mais abundantes sãoo DNA e o RNA, tanto o núcleo, quanto certaspartes do citoplasma, se tornam azulados. Es-ses componentes são chamados de basófilos.A Eosina, ao contrário, é um ácido que cora asestruturas básicas da célula de rosa. Estas es-truturas são abundantes no citoplasma e sãochamadas de acidófilas (Gartner e Hiatt, 1999).

Outros corantes são também utilizadosem procedimentos de rotina em laboratórios,tais como (Gartner e Hiatt, 1999):

� Tricrômico de Masson - cora o núcleode azul escuro, o citoplasma, a queratina e omúsculo de vermelho e o mucigênio e o colá-geno de azul claro;

� Orceína - cora as fibras elásticas demarrom;

� Weigert - cora as fibras elásticas deazul;

� Prata - cora as fibras reticulares depreto;

� Hematoxilina férrica - cora as estria-ções dos músculos, os núcleos e os eritrócitosde preto;

� Ácido periódico reativo de Schiff - coraas moléculas ricas em glicogênio e carboidra-to de magenta;

� Wright e Giemsa - especializado emcélulas sangüíneas, cora de rosa os eritróci-

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tos e os grânulos eosinófilos, de púrpura onúcleo dos leucócitos e grânulos basófilos ede azul o citoplasma dos monócitos e dos lin-fócitos.

Para corar peças incluídas em parafinaé necessária a retirada da parafina e a hidrata-ção da peça. Este procedimento é realizado apartir de uma seqüência de banhos em xilol,álcool e água, inversamente ao procedimentoexecutado na etapa de inclusão. Segundo Jun-queira e Junqueira (1983), o procedimento éo seguinte:

� 1º Banho de xilol ___________________5min

� 2º Banho de xilol ___________________2min

� 3º Banho de xilol ___________________1min

� Álcool 100% ______________________1min

� Álcool 95% ______________________1min

� Álcool 70% ______________________1min

� Água _____________________________2min

Após a hidratação, os cortes são cora-dos de acordo com o procedimento mais apro-priado para a análise que será realizada pos-teriormente. Aqui serão abordadas as etapasdo método da hematoxilina-eosina, por ser omais utilizado e por ter um resultado final sa-tisfatório.

Técnica da hematoxilina-eosina (HE)

a) Material necessário para a solução deHematoxilina de Harris (Junqueira e Junquei-ra,1983):

� Hematoxilina ______________________ 2,5g

� Álcool 100% _____________________ 25ml

� Alúmen de amônio ou potássio ______ 50g

� Água destilada ___________________ 500ml

� Óxido vermelho de mercúrio _______ 1,25g

� Ácido acético _____________________ 20ml

Inicialmente, a hemotoxilina deve serdissolvida no álcool e o alúmen na água desti-lada (previamente aquecida). Posteriormente,

as duas soluções devem ser misturadas e aque-cidas até a fervura. O óxido de mercúrio é adi-cionado à solução que deve ser resfriada, mer-gulhando-se o frasco em água fria. O ácidoacético é então colocado na solução fria parafinalmente ser filtrada.

O prazo de envelhecimento desta solu-ção é entre dois e três meses. A partir destadata o corante perde suas propriedades e nãoreage adequadamente com o tecido.

b) Material necessário para a Eosina(Junqueira e Junqueira,1983):

� Eosina solúvel em água _______________ 1g

� Água destilada ___________________ 100ml

c) Procedimentos para a coloração:

Embora as etapas possam ser defini-das, o tempo em cada fase depende da quali-dade e da idade das soluções dos corantes.Deste modo, poderá ser observada nas eta-pas abaixo uma variação muito grande emrelação ao tempo que pode ser ajustado du-rante o procedimento no laboratório. De acor-do com Junqueira e Junqueira (1983), as eta-pas são:

1º) desparafinar e hidratar os cortes;

2º) corar em hematoxilina entre 5 e15min;

3º) lavar em água corrente por 10min;

4º) corar em eosina entre 1 e 10min;

5º) lavar em água e desidratar emálcool 70% rapidamente;

6º) diafanizar e montar em resina.

d) Montagem Final da Lâmina:

Este processo consiste em depositaruma gota de resina líquida sobre o corte queestá aderido à lâmina de vidro e cobri-lo comuma lamínula. Nesta etapa deve-se evitar asbolhas de ar que se formam na resina durantea colocação da lamínula. Finalmente a lâminaé catalogada.

A resina depois de seca garantirá umalâmina permanente que poderá durar anos.

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Técnicas Utilizadas para Confecção deLâminas Ósseas

Para a confecção de lâminas ósseas sãoutilizadas duas técnicas: a primeira consiste nodesgaste do osso através do polimento comlixa (Fig. 4). Inicialmente, é retirado um frag-mento do osso a ser analisado. Esse fragmen-to é colado com bálsamo do Canadá sobre umasuperfície de madeira plana. Em um bloco demadeira é colada uma lixa de granulometriagrossa para o primeiro polimento. O polimentofinal é feito com uma lixa mais fina, com movi-mentos firmes e no mesmo sentido, até que setenha obtido uma camada de osso delgada.O osso é retirado da madeira com xilol e aderi-do à superfície da lâmina de vidro. Sobre ele écolocada uma lamínula e fixada com resina(Amaral et al. 1994 ; Timm, 1996 a,b).

Figura 4. Confecção de lâminas ósseas por desgaste.

A segunda técnica implica na descalci-ficação do osso. Este procedimento tem porobjetivo retirar o fosfato de cálcio do tecidoósseo para que possa ser seccionado posteri-ormente. A descalcificação pode ser feita atra-vés da imersão em ácidos ou compostos que-lantes.

Os quelantes capturam os íons metáli-cos (entre os quais o cálcio), removendo-os dostecidos com um mínimo de alteração. Emborade ação mais lenta, agridem menos o tecido, esão mais utilizados nos procedimentos histoló-gicos. Uma das fórmulas mais usadas, segun-do Junqueira e Junqueira (1983):

� Etileno Diamino Tetra Acetato (EDTA) __ 5,5g

� Água ____________________________ 90ml

� Formol ___________________________ 10ml

Após a fixação, o material é lavado pararetirar o excesso de fixador e transferido paraum descalcificador. Não é recomendado utili-zar fragmentos maiores do que 3mm de diâ-metro. Deve-se usar, no mínimo, 40 vezes ovolume do tecido, agitando o frasco várias ve-zes ao dia e trocando o descalcificador a cada2 ou 3 dias. Os tecidos descalcificados nãodevem ser transferidos diretamente ao álcool70%, e sim, lavados em água corrente por al-gumas horas.

Para a confecção das lâminas histológi-cas de ossos descalcificados seguem-se as eta-pas rotineiras citadas anteriormente.

Microscopia Óptica de Alta ResoluçãoA microscopia óptica utiliza cortes del-

gados e preparados com qualquer uma dastécnicas descritas anteriormente, com o obje-tivo de estudar a morfologia celular. A resolu-ção das estruturas pela microscopia óptica éda ordem de 0,2 micrômetros. Na prática his-tológica em parafina, raramente é inferior a 0,6micrômetros, o que mesmo assim proporcio-na um bom resultado visual (Stevens e Lowe,1995).

O microscópio óptico possui um arran-jo específico de grupos de lentes para ampliara imagem do tecido. Como tem mais que umalente, freqüentemente é conhecido como mi-croscópio composto. A fonte de luz provém deum bulbo elétrico com um filamento de tungs-tênio, cuja luz conflui para um feixe focal atra-vés das lentes do condensador. Microscópiosmais antigos não possuem sua própria fontede luz, necessitando do auxílio de uma luminá-ria que projeta a luz para um espelho situadona base do microscópio que a reflete para ocondensador.

Em ambos os casos, o feixe de luz atra-vessa o tecido delgado fixado na lâmina histo-lógica e penetra em uma das lentes objetivas.Estas lentes estão situadas em um cilindromóvel conhecido como canhão. Normalmen-

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te, existem quatro lentes objetivas que ampli-am a imagem em 4, 10 e 40 vezes e uma lentede imersão que amplia a imagem em 100 ve-zes, onde deve ser utilizado um óleo mineral.

A imagem das objetivas conflui e poste-riormente é aumentada pela lente ocular quenormalmente amplia a imagem em um múlti-plo de 10. A imagem ampliada pela objetivadeve ser multiplicada pelo valor da ocular paraa obtenção do valor de aumento total.

A focalização da imagem é obtida atravésdo uso de parafusos que movem as lentes obje-tivas para cima e para baixo. O parafuso macro-métrico move-se em intervalos maiores que oparafuso micrométrico. A imagem projetada naretina é invertida da direita para a esquerda e decima para baixo (Gartner e Hiatt, 1999).

Microscopia EletrônicaNos microscópios ópticos, as lentes fo-

calizam a luz visível (feixe de fótons). Nos mi-croscópios eletrônicos, os eletromagnetos fo-calizam um feixe de elétrons. A resolução é cer-ca de mil vezes maior do que a de um micros-cópio óptico, podendo ampliar em 150.000vezes a imagem de um objeto, o que permite,por exemplo, a visualização de macromolécu-las como DNA (Gartner e Hiatt, 1999).

Microscopia Eletrônica de Transmissão(MET)

A preparação de amostras de tecido parao MET (Fig. 5) envolve as mesmas etapas bási-cas da microscopia óptica. Contudo, fixadoresespeciais têm sido desenvolvidos, uma vez queas ligações cruzadas entre proteínas devem sermais finas em função da alta resolução do apa-relho. Estes fixadores incluem soluções tampo-nadas de glutaraldeído, paraformaldeído, tetró-xido de ósmio e permanganato de potássio quenão só atuam na preservação das ultraestrutu-ras, como também atuam como corantes elé-trons-densos. Para a inclusão também foi de-senvolvida uma resina especial, como a resinasepóxi e o bloco resultante não maior do que1mm3 (Gartner e Hiatt, 1999). Os cortes devemser ultrafinos, na ordem de 0,1 micrômetro deespessura (Stevens e Lowe, 1995).

Figura 5. Fotografia de um Microscópio Eletrônico deTransmissão (MET).

Os feixes de elétrons são produzidosnuma câmara a vácuo pelo aquecimento deum filamento de tungstênio, o catódio. Os elé-trons são atraídos para o anódio, carregadopositivamente, numa placa de metal em formade amêndoa com um orifício central. O feixede elétron é focalizado no material através deeletromagnetos análogos às lentes do conden-sador do microscópio óptico.

Os tecidos são corados com metais pe-sados (urânio ou chumbo) que precipitam nasmembranas lipídicas, fazendo com que os elé-trons percam parte da sua energia cinética àmedida que interagem com o tecido. Os elé-trons que deixam os tecidos estão sujeitos aoscampos magnéticos de muitos eletromagne-tos adicionais, que focalizam o feixe numa pla-ca fluorescente. À medida que os elétrons al-cançam a placa, sua energia cinética é con-vertida em pontos luminosos. É feito um re-gistro permanente da imagem resultante, atra-vés da substituição de um filme sensível aoelétron no local da placa fluorescente, com aprodução de um negativo a partir do qual podeser impressa uma fotomicrografia em preto ebranco (Gartner e Hiatt, 1999; Stevens e Lowe,1995).

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Microscopia Eletrônica de Varredura(MEV)

Diferentemente da MET, a MicroscopiaEletrônica de Varredura é utilizada para obser-var a superfície de um espécime sólido (ao in-vés de cortes), proporcionando uma imagemtridimensional (Fig. 6). O material é preparadocom uma camada de metal pesado como ouroou paládio, depositado na sua superfície. Con-forme o feixe de elétrons varre a superfície domaterial, alguns se refletem (elétrons de dis-persão) e outros são ejetados (elétrons secun-dários) a partir da cobertura do metal pesado.Estes elétrons são capturados por detectores,interpretados, coletados e mostrados em ummonitor com uma imagem tridimensional.A imagem pode ser fotografada ou digitalizada(Gartner e Hiatt, 1999).

Figura 6. Fotografia de um Microscópio Eletrônico deVarredura (MEV).

CriofraturaTecidos congelados rapidamente, mas

tratados com criopreservativos, não desenvol-vem cristais de gelo durante o processo decongelamento e, por isso, não sofrem danomecânico. Quando seccionado por uma nava-lha fria, o tecido sofre fratura de acordo com oplano de clivagem, nas regiões com menospontes moleculares. Nas células, a fratura ten-de a ocorrer entre as camadas interna e exter-na das membranas. A face fraturada é cobertapor platina ou carbono, formando acúmulos emapenas um dos lados da projeção, o que gerauma réplica da superfície. O tecido é então re-

tirado e a réplica é examinada ao microscópioeletrônico de transmissão, revelando, porexemplo, as proteínas intercalares da membra-na endoplasmática (Gartner e Hiatt, 1999).

Fracionamento CelularEsta técnica permite que células intei-

ras sejam rompidas de maneira controlada. Asdiferentes partículas que resultam são separa-das para análise funcional ou estrutural, atra-vés da centrifugação das células rompidas emsoluções especializadas de densidade conhe-cida, à alta velocidade. Os núcleos, as mitocôn-drias, os retículos endoplasmáticos e os ribos-somos podem ser isolados em forma relativa-mente pura (Stevens e Lowe, 1995).

INTERPRETAÇÃO DE CORTESHISTOLÓGICOS

Analisar uma lâmina histológica pode seruma tarefa difícil. O primeiro passo é entendero que se está observando. O órgão antes tridi-mensional, agora está seccionado, preparado,corado e fixado em uma lâmina de vidro. Asestruturas, quando cortadas transversalmente,se apresentam de modo distinto de quandocortadas longitudinalmente. Alguns planos decorte podem ser observados na Fig. 7.

Figura 7. Tipos de cortes que podem ser obtidos (Re-tirado de Gartner e Hiatt, 1999).

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Entendido isto, basta ter atenção aosdetalhes, desenhar o que se está sendo ob-servado e acompanhar esta tarefa com umatlas histológico. O mundo das microestrutu-ras anatômicas (Fig. 8) pode ser bem interes-sante. Visualizar a base de todo organismovivo, sua relação com outras células, sua or-ganização em tecidos e entender que somosum conjunto de estruturas vivas formando umúnico ser fazem parte da formação de todobiólogo.

Figura 8. Corte histológico da costela de Caimanlatirostris realizado pelo método de desgaste. Secçãotransversal. Aumento: 96x. (Retirado de Timm, 1996b).

AGRADECIMENTO

Ao técnico administrativo Paulo Rober-to Peres Carvalho do Centro de MicroscopiaEletrônica da UFRGS (CME) pela permissão defotografar os Microscópios Eletrônicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Daoiz Mendoza; MENDONÇA, Ola-vo Valmor; LAURINO, Laviera B. Patologia ós-sea � Fundamentos. São Paulo: BYK, 1994.

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