Tecnologia Ano 07 Vol 024

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ECONOMIA & TECNOLOGIAPublicao do Centro de Pesquisas Econmicas (CEPEC) da Universidade Federal do Paran, com o apoio do Instituto de Tecnologia do Paran (TECPAR)

Ano 7 Volume 24 Jan./Mar. de 2011ISSN 1809-080X

EDITORIAL MACROECONOMIA E CONJUNTURA Ronald Hillbrecht Luza Cardoso de Andrade e Andr Moreira Cunha Marco Flvio da Cunha Resende e Fabrcio de Assis Campos Vieira Ricardo Aguirre Leal e Flavio Tosi Feij Adriano Stockly, Eziquiel Guerreiro e Augusta Pelinski Raiher Cludia Maria Sonaglio Luciano Luiz Manarin DAgostini DESENVOLVIMENTO ECONMICO E REGIONAL Lzia de Figueirdo Ari Francisco de Araujo Junior e Cludio Djissey Shikida Daniela Goya Tocchetto e Sabino da Silva Porto Jnior Mari Aparecida dos Santos, Antonio Carlos Moretto, Rossana Lott Rodrigues e Ricardo Kureski Igor Zanoni Constant Carneiro Leo Ana Elisa Gonalves Pereira, Luciano Nakabashi e Adolfo Sachsida ECONOMIA E TECNOLOGIA Mrcia Frana Ribeiro F. dos Santos, Suzana Borschiver e Maria Antonieta P. Gimenes Couto Eliezer Martins Diniz Anderson Catapan, Edilson Antonio Catapan, Dariane Cristina Catapan, Diego Felipe Lobo Teles, Amauri Domakoski e Jocelino Donizetti Teodoro Armando Dalla Costa e Elson Rodrigo de Souza-Santos Denise Maria Maia OPINIO

Apoio

Luiz Antnio Fayet e Luciano Nakabashiwww.economiaetecnologia.ufpr.br

ECONOMIA & TECNOLOGIAParan, Publicao do Centro de Pesquisas Econmicas (CEPEC) da Universidade Federal docom o apoio do Instituto de Tecnologia do Paran (TECPAR)

CENTRO DE PESQUISAS ECONMICAS Boletim de Economia & Tecnologia Coordenao Geral Luciano Nakabashi Secretria Geral Aurea Koch Superviso Geral nio Fabrcio Ponczek Superviso Carlos Eduardo Frhlich Equipe Tcnica Bruno de Alcntara Carlos Eduardo Frhlich Ksia Oliveira da Paixo Patrcia Keiko Ramos Ricardo Nascimento Colaborador Joo Baslio Pereima Neto Endereo para Correspondncia Centro de Pesquisas Econmicas (CEPEC) Av. Prefeito Lothario Meissner, 632 Jardim Botnico Setor de Cincias Sociais Aplicadas - UFPR Curitiba - PR CEP: 80210-170 (41) 3360-4400 Endereo eletrnico [email protected]

ECONOMIA & TECNOLOGIAParan, Publicao do Centro de Pesquisas Econmicas (CEPEC) da Universidade Federal docom o apoio do Instituto de Tecnologia do Paran (TECPAR)

Dados Internacionais de Catalogao da Publicao (CIP) ECONOMIA & TECNOLOGIA / Centro de Pesquisas Econmicas (CEPEC); Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Econmico (PPGDE); Universidade Federal do Paran (UFPR). Curitiba, 2005Ano 07, Vol. 24, Jan./Mar. de 2011 Trimestral ISSN 1809-080X 1. Boletim de Conjuntura Econmica; 2. Tecnologia; 3. Economia Brasileira.

permitida a reproduo dos artigos, desde que mencionada a fonte. Os artigos assinados so de inteira responsabilidade dos autores.

NDICE..................................................................................................................................................1 EDITORIAL..........................................................................................................................................3 MACROECONOMIA E CONJUNTURA Gesto macroeconmica e controles de capitais.........................................................................5 Ronald Hillbrecht A diplomacia do iuane: breves comentrios sobre a internacionalizao financeira da China (parte II - evidncias e concluses)........................................................15 Luza Cardoso de Andrade Andr Moreira da Cunha Taxa de cmbio real e dficits gmeos na economia monetria: relaes de causalidade....................................................................................................................27 Marco Flvio da Cunha Resende Fabrcio de Assis Campos Vieira O regime de metas de inflao foi a melhor escolha para o Brasil?....................................43 Ricardo Aguirre Leal Flavio Tosi Feij Exportaes e importaes do agronegcio brasileiro e seus determinantes no perodo 1995-2009...................................................................................53 Adriano Stockly Eziquiel Guerreiro Augusta Pelinski Raiher Fatos sobre a possvel desindustrializao no Brasil: mudana conjuntural ou estrutural?.............................................................................................61 Cludia Maria Sonaglio A recente expanso do crdito, o aumento dos preos das commodities, as polticas monetrias dos EUA versus Brasil e a atual presso inflacionria no regime de metas para a inflao...........................................71 Luciano Luiz Manarin DAgostini DESENvOLvIMENTO ECONMICO E REGIONAL Incerteza sobre o impacto do capital humano na desigualdade de renda no Brasil..............................................................................................79 Lzia de Figueirdo Decomposio das taxas de homicdios no Brasil e seus estados: a demografia de fato importante?..........................................................................................87 Ari Francisco de Araujo Junior Cludio Djissey Shikida Arghhhhh!!! Eu nunca mais vou comer pimenta Oba! Pimenta!: Homer Simpson, arquitetura de escolha e polticas pblicas...............................................101 Daniela Goya Tocchetto Sabino da Silva Porto Jnior Escolaridade, emprego e renda: o setor educao mercantil no Paran em 2006........................................................................................................117 Mari Aparecida dos Santos Antonio Carlos Moretto Rossana Lott Rodrigues Ricardo Kureski A utopia do desenvolvimento sustentvel.................................................................................127 Igor Zanoni Constant Carneiro Leo Qualidade das instituies nos municpios brasileiros.........................................................135 Ana Elisa Gonalves Pereira Luciano Nakabashi Adolfo Sachsida

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ECONOMIA E TECNOLOGIA O complexo agroindustrial da cana-de-acar no Brasil: uma discusso sobre aspectos atuais relacionados ao etanol biocombustvel........................145 Mrcia Frana Ribeiro F. dos Santos Suzana Borschiver Maria Antonieta P. Gimenes Couto Brasil, a mudana do clima e o perodo ps-Quioto................................................................159 Eliezer Martins Diniz Desempenho das distribuidoras de energia eltrica e a relao consumo x PIB nos anos de 2006 a 2009....................................................................167 Anderson Catapan Edilson Antonio Catapan Dariane Cristina Catapan Diego Felipe Lobo Teles Amauri Domakoski Jocelino Donizetti Teodoro Embraer diversifica projetos na rea militar: o novo cargueiro C-390.............................179 Armando Dalla Costa Elson Rodrigo de Souza-Santos Belo Monte: desenvolvimento para quem?...............................................................................187 Denise Maria Maia OPINIO Infraestrutura e agronegcio do Brasil......................................................................................193 Luiz Antnio Fayet Luciano Nakabashi INDICADORES ECONMICOS ndices de Preos.......................................................................................................................................195 ndices de Confiana.................................................................................................................................197 ndice do Volume de Vendas Reais no Varejo..........................................................................................198 Contas Nacionais....................................................................................................................................199 Finanas Pblicas....................................................................................................................................200 Receitas e Despesas..................................................................................................................................200 Atividade Industrial................................................................................................................................201 Consumo de Energia...............................................................................................................................202 Taxa de Desemprego................................................................................................................................202 Pessoal Ocupado e Rendimentos...............................................................................................................203 Taxa de Juros e Reservas Internacionais..................................................................................................204 Setor Externo..........................................................................................................................................205 Taxa de Cmbio......................................................................................................................................206 Agregados Monetrios..............................................................................................................................207

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EDITORIAL Com grande satisfao, caro leitor, apresento o vigsimo quarto volume do boletim de Economia & Tecnologia da UFPR. Primeiramente, gostaria de fazer um agradecimento especial aos leitores, aos autores das mais diversas instituies que participaram da elaborao do mesmo e aos patrocinadores (SETI, TECPAR e Setor de Cincias Sociais Aplicadas da UFPR). Na rea de Macroeconomia e Conjuntura, iniciamos com um excelente artigo de Ronald Hillbrecht (UFRGS) que analisa as implicaes da imposio de controles de capitais sobre variveis macroeconmicas, tanto no que diz respeito a polticas de estabilizao, quanto ao crescimento econmico de longo prazo. Em seguida, Marco Flvio da Cunha Resende e Fabrcio de Assis Campos Vieira, ambos do CEDEPLAR/UFMG, fazem uma discusso da relao entre dficit em transaes correntes, apreciao da taxa de cmbio real e excesso de absoro domstica. Ricardo Aguirre Leal e Flavio Tosi Feij, ambos da FURG, apresentam as opes de regimes monetrios com que se defrontava a autoridade monetria brasileira com o fim do cmbio fixo em janeiro de 1999, e verificam se a escolha pelo regime de metas de inflao foi a mais adequada. Na sequncia, Adriano Stockly (Banco do Brasil), Eziquiel Guerreiro (UEPG) e Augusta Pelinski Raiher (UEPG) realizam um estudo sobre os fatores determinantes das exportaes e importaes do agronegcio brasileiro, no perodo 1995-2009. Cludia Maria Sonaglio (UEMS) apresenta algumas evidncias de que a perda de participao da indstria ocorre por fatores conjunturais, como o processo de apreciao cambial e o forte crescimento da demanda internacional por commodities. O ltimo artigo dessa seo, de autoria de Luciano Luiz Manarin DAgostini (UFPR e IBPEX) aponta quatro motivos para a existncia da presso inflacionria no Brasil, tanto do lado da oferta, quanto do lado da demanda. Na seo Desenvolvimento Econmico, Lzia de Figueiredo (CEDEPLAR/UFMG) faz a abertura com um artigo que trata dos aspectos quantitativos e qualitativos do capital humano na determinao do nvel de renda dos estados brasileiros. Ari Francisco de Araujo Junior e Cludio Djissey Shikida, ambos do IBMEC-MG, estudam a relao entre fatores demogrficos e taxa de homicdios para o Brasil no perodo 1996-2007. Em sequncia, Daniela Goya Tocchetto e Sabino da Silva Porto Jnior, ambos da UFRGS, apresentam uma breve introduo discusso sobre Nudge e arquitetura de escolha como uma nova alternativa de desenhar polticas pblicas. Mari Aparecida dos Santos (UEL), Antonio Carlos Moretto (UEL), Rossana Lott Rodrigues (UEL) e Ricardo Kureski (PUC-PR e IPARDES), por meio da Matriz Insumo-Produto, avaliam a importncia econmica do setor Educao Mercantil no Paran. Igor Zanoni Constant Carneiro Leo (UFPR) mapeia o caminho percorrido as mudanas no conceito de3 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

desenvolvimento sustentvel ocorridas nas ltimas dcadas. Finalmente, Ana Elisa Gonalves Pereira (UFPR), Luciano Nakabashi (UFPR) e Adolfo Sachsida (IPEA) fazem uma anlise da qualidade institucional nos municpios brasileiros. Na abertura da seo de Economia e Tecnologia, Mrcia Frana Ribeiro F. dos Santos, Suzana Borschiver e Maria Antonieta P. Gimenes Couto, professoras e pesquisadoras da Escola de Qumica da UFRJ, discutem os aspectos atuais relacionados ao etanol biocombustvel no Brasil. Eliezer Martins Diniz (FEARP/USP) realiza um estudo sobre a negociao de um acordo no perodo ps-Quioto e o posicionamento do Brasil face a esse tema. Os dados revelam que o pas o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa. Em seguida, Anderson Catapan (PUC-PR), Edilson Antonio Catapan (COPEL), Dariane Cristina Catapan (UFPR), Diego Felipe Lobo Teles (COPEL), Amauri Domakoski( PUC-PR) e Jocelino Donizetti Teodoro (UFPR) mostram a relao entre consumo de energia e variao do PIB para quatro empresas brasileiras distribuidoras de energia eltrica. Finalizando, os pequisadores e professores da UFPR Armando Dalla Costa e Elson Rodrigo de Souza-Santos apresentam a trajetria de diversificao da EMBRAER na rea militar com o lanamento do cargueiro C-390 e Denise Maia aborda a polmica sobre a necessidade ou no da construo da usina de Belo Monte bem como a forma pela qual esse processo tem sido conduzido. Na seo de Opinio, contamos com o artigo de Luiz Antnio Fayet (Consultor em Logstica) e Luciano Nakabashi (UFPR) sobre os problemas da infraestrutura para o agronegcio no Brasil. Na firme convico de que o vigsimo quarto volume do boletim Economia & Tecnologia ser uma leitura agradvel e til a todos os interessados nos problemas da economia brasileira e regional, subscrevo atenciosamente,

Prof. Dr. Luciano Nakabashi Coordenador Geral do Boletim Economia & Tecnologia

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MACROECONOMIA E CONJUNTURA

Gesto macroeconmica e controles de capitaisRonald Hillbrecht* RESUMO - Esta nota discute as implicaes da imposio de controles de capitais sobre variveis macroeconmicas, tanto no que diz respeito a polticas de estabilizao, quanto no que diz respeito a crescimento econmico de longo prazo. Vasta evidncia emprica permite sugerir que, a despeito de seus custos microeconmicos e duvidosas vantagens macroeconmicas, existe um espao, ainda que limitado, para que controles de capitais sejam teis no alcance de determinados objetivos econmicos. Palavras-chave: Globalizao financeira. Fluxos de capitais. Polticas macroeconmicas. Crescimento econmico. Controles de capitais. 1 INTRODUO Existe um intenso debate no mundo acadmico e entre elaboradores de poltica no que diz respeito desejabilidade de fluxos livres de capitais. De acordo com a teoria econmica convencional, fluxos de capitais melhoram a alocao global de recursos, pois o capital migraria de pases desenvolvidos, onde a taxa marginal de retorno do capital seria mais baixa, para pases em desenvolvimento e mercados emergentes, onde as taxas marginais de retorno seriam mais altas, refletindo sua escassez relativa. Desta forma, movimentos de capital para pases de maior taxa marginal de retorno lhes seriam benficos, pois poderiam financiar mais projetos de alta taxa de retorno e acelerar o crescimento econmico. Entretanto, a experincia emprica parece divergir da teoria. De acordo com Davies e Drexler (2010), o Grfico 1 abaixo apresenta evidncias de animal spirits: em 1998-2002, quando a bolha dot-com produziu o crowding out de investimentos em mercados emergentes, e em 2001-2007 quando um volume crescente de poupana global buscou oportunidades rentveis de investimento. Adicionalmente, o perodo 1997-2002 produziu uma reverso do fluxo de capitais privados (criando uma sada lquida de capitais) em pases asiticos em desenvolvimento, em decorrncia da crise financeira da sia de 1997. A forte contrao dos fluxos de capital para mercados emergentes e pases em desenvolvimento, depois de alcanar um pico em 2007, por outro lado, no parece ter sido causada por uma sbita falta de oportunidades de investimen-

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* Doutor em economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereo eletrnico: [email protected]. 5 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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to. O objetivo desta nota avaliar a ideia de imposio de controles de capitais para evitar que a elevada volatilidade de fluxos de capitais tenha desdobramentos negativos no que diz respeito a polticas de estabilizao macroeconmica, sem no entanto prejudicar prospectos de maior crescimento econmico de longo prazo. A Seo 2 analisa as relaes entre globalizao financeira e desempenho macroeconmico, enquanto que a Seo 3 busca avaliar a eficcia de controles de capitais. Finalmente, a Seo 4 conclui.GRFICO 1 - FLUXOS FINANCEIROS PRIVADOS LQUIDOS PARA MERCADOS EMERGENTES E PASES EM DESENVOLVIMENTO

FONTE: IMF, World Economic Outlook, October 2010.

2 GLOBALIzAO FINANCEIRA E PERFORMANCE MACROECONMICA Globalizao financeira um dos tpicos de pesquisa terica e emprica mais importantes e controversos. Globalizao financeira, nas formas de liberalizao da conta capital e livre movimentao de capital, tem sido interpretada como um fator indutor de instabilidade e crise financeira1. Por outro lado, a maior abertura da conta capital pode ser vista como um passo necessrio para que um pas relativamente pobre em capital possa alcanar maior crescimento econmico, ao mesmo tempo em que produz maior estabilidade em pases industrializados2. Kose, Prasad, Rogoff e Wei (2010), em resenha da literatura recente, sugerem que polticas econmicas que promovem o desenvolvimento do setor financeiro, qualidade institucional e abertura comercial, so importantes no apenas por si s, mas como tambm ajudam os pases menos desenvolvidos a capturar os benefcios da globalizao. Da mesma forma, polticas1 Ver, por exemplo, Stiglitz (2002) e Rodrick (1998). 2 Ver, por exemplo, Summers (2000) e Fischer (1998). 6 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

Gesto macroeconmica e controles de capitais

macroeconmicas consistentes parecem ser um importante pr-requisito para garantir que a globalizao financeira seja benfica para os estes pases. Adicionalmente, Kose, Prasad, Rogoff e Wei (2010) tambm sugerem que dependncia excessiva de regimes de cmbio fixo tem sido um fator dos mais importantes para a proliferao de crises financeiras em pases de mercados emergentes nos ltimos quinze anos. Desta forma, a adoo de um regime de cmbio flutuante contribui para a reduo dos riscos que os pases incorrem ao se tornarem financeiramente mais integrados. Finalmente, Kose, Prasad, Rogoff e Wei (2010) tambm sugerem que pases que sistematicamente tm problemas com endividamento pblico podem se beneficiar mais da globalizao financeira se seus governos tomarem medidas para evitar acumulao excessiva de dvida pblica. Teoricamente, os impactos esperados da globalizao financeira sobre o crescimento econmico podem ser divididos entre impactos diretos e indiretos. Os impactos diretos decorrem do aumento do estoque de capital em pases relativamente pobres em capital, impactos estes provenientes do influxo de capital em busca de taxas de retorno mais elevadas. Este influxo complementa a poupana domstica e permite uma elevao no investimento agregado. Adicionalmente, certos influxos de capital podem tambm gerar um spillover tecnolgico, ao estarem associados a prticas administrativas e formas organizacionais mais avanadas. Os impactos indiretos decorrem de benefcios paralelos da globalizao financeira, que envolvem o desenvolvimento do setor financeiro, melhorias no arcabouo institucional e melhores polticas macroeconmicas3. Por exemplo, Bartolini e Drazen (1997) argumentam que, ao assumir os custos de maior abertura financeira, um pas estabelece um compromisso crvel com melhores polticas macroeconmicas. Entretanto, um grupo de economistas tem questionado se estes impactos so realmente positivos. O argumento terico decorre da ideia de polticas de second best, onde as distores preexistentes de polticas macroeconmicas, do regime de comrcio exterior, do mercado de trabalho e de assimetrias de informao, fazem com que os impactos da globalizao econmica sejam diametralmente opostos aos esperados pela teoria convencional. Por exemplo, Brecher e Diaz Alejandro (1977) argumentam que se alguns setores forem protegidos com barreiras comerciais, com a liberalizao financeira o capital estrangeiro pode entrar nestes setores para aproveitar os benefcios da proteo. Neste caso, haver perdas de bem-estar associadas ao crescimento econmico (immiserizing growth). Adicionalmente, Stiglitz (2004) argumenta que a presena de informao assimtrica decorrente de falta de transparncia em instituies financeiras pode levar a m alocao de capital estrangeiro quando da abertura financeira.3 Ver, por exemplo, Kose, Prasad e Terrones (2006). 7 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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A evidncia emprica sumarizada por Kose, Prasad, Rogoff e Wei (2010) sugere que no h uma relao robusta entre liberalizao financeira e crescimento econmico pelo canal direto, como enfatizado pela teoria econmica convencional. Desta forma, esta evidncia emprica inconclusiva. Por outro lado, embora ainda esparsa, estudos empricos parecem indicar que a relao entre liberalizao financeira e crescimento econmico pelo canal indireto positiva. Por exemplo, a integrao financeira tende a disciplinar polticas macroeconmicas, pois pases com maior grau de abertura financeira tm maior probabilidade de gerar melhores polticas monetrias, em termos de controle da inflao. Adicionalmente, Kaminsky e Schmukler (2003) argumentam que reformas institucionais ocorrem predominantemente aps a integrao financeira. Entretanto, no existe muita evidncia de que a relao entre integrao financeira e qualidade da poltica fiscal seja positiva. O motivo, argumenta-se, que o acesso a financiamento externo permite que governos consigam sustentar maiores dficits por mais tempo, escapando das amarras do sistema financeiro domstico. Finalmente, de acordo com Bonfiglioli (2008) e Kose, Prasad e Terrones (2009), a integrao financeira parece impactar sobre crescimento econmico via deslocamento da produtividade total dos fatores, isto , pela criao de ganhos de eficincia (por exemplo, a adoo de melhores tecnologias) e pela eliminao de distores (por exemplo, com a melhoria das instituies financeiras domsticas). Maior integrao financeira tem sido apontada frequentemente como causa de maior volatilidade do produto e de crises financeiras. Kose, Prasad, Rogoff e Wei (2010) no encontram evidncias sistemticas entre abertura financeira e volatilidade do produto. No que diz respeito a crises financeiras, a evidncia emprica parece indicar que pases com controles de capital tendem a estar mais sujeitos a crises, embora isto pudesse simplesmente refletir o fato de que pases com fundamentos macroeconmicos ruins adotam controles para se protegerem das crises. Adicionalmente, segundo estes autores, as evidncias empricas tambm no do suporte tese de que a liberalizao da conta capital afeta positivamente a vulnerabilidade a crises bancrias, enquanto que os efeitos negativos de crises bancrias parecem ser menores em pases com a conta capital aberta. A liberalizao financeira pode contribuir para aumentar os prospectos de crescimento econmico se for acompanhada de polticas macroeconmicas slidas, que incluem as polticas fiscal, monetria e cambial. Cardarelli, Elekdag e Kose (2009) analisam as consequncias das respostas de polticas macroeconmicas a mais de cem episdios de grandes influxos de capital em vrios pases ao longo dos ltimos vinte anos. Episdios de grandes influxos de capital esto associados a apreciaes cambiais, a deterioraes da conta corrente e aceleraes do crescimento do produto, que tende a se reduzir significativamente aps estes episdios. Com relao8 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

Gesto macroeconmica e controles de capitais

poltica fiscal, eles concluem que manter gastos pblicos sob controle durante episdios de grandes influxos de capital ajuda a evitar uma sobrevalorizao excessiva da taxa de cmbio e a reduzir presses de demanda agregada, levando a maior crescimento econmico aps os episdios de grandes influxos de capital. Adicionalmente, resistncia a apreciao cambial com esterilizaes tende a ser ineficaz se o influxo for permanente. Finalmente, a introduo e aprofundamento de controles de capital no esto, em geral, associadas a melhores desempenhos macroeconmicos. Com a globalizao financeira, a escolha apropriada do regime cambial tambm importante sob o ponto de vista de melhores resultados macroeconmicos. A abertura da conta capital conjugada com um regime de cmbio fixo pode tornar um pas mais vulnervel a crises financeiras, levando ao colapso do regime de cmbio fixo, de acordo com Prasad, Rumbaugh e Wang (2005). Argumenta-se que na ausncia de cmbio fixo, muitas das crises dos anos 1990, que envolveram o Mxico, sia, Rssia e Brasil, poderiam ter tido efeitos menores ou mesmo terem sido inteiramente evitadas. Por outro lado, Husain, Moday e Rogoff (2005) encontram evidncias de que cmbio fixo ou controlado pode ser vantajoso para pases cuja abertura a movimentos de capitais relativamente pequena. Adicionalmente, eles encontram que a probabilidade de crises financeiras maior para pases que tm cmbio fixo ou controlado. Neste sentido, Wyplosz (2004) sugere uma estratgia de curto prazo para pases em desenvolvimento, baseada em uma combinao de um regime de cmbio administrado (soft peg) com limites bem desenhados sobre controles de capital. Tanto a manuteno de cmbio flutuante como a de cmbio fixo em uma situao de plena liberalizao financeira requerem um forte compromisso com o estabelecimento de um bom arcabouo institucional, em particular no que diz respeito regulao e superviso do sistema financeiro. Uma concluso desta discusso que os mritos relativos da globalizao financeira dependem de fatores especficos de cada pas. Conquanto o sistema financeiro domstico for subdesenvolvido e houver a necessidade de evitar uma excessiva apreciao cambial decorrente dos influxos de capital, certos tipos de controles de capital podem ser utilizados, embora com a devida cautela. O problema desta estratgia que a abertura financeira pode ser necessria para estimular o desenvolvimento do sistema financeiro domstico e capturar os benefcios em termos de maiores possibilidades de crescimento econmico que os influxos de capital proveem. 3 UMA AvALIAO DE CONTROLES DE CAPITAL COMO INSTRUMENTO DE POLTICA Embora liberalizao financeira tenha potencialmente grandes benefcios de longo9 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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prazo para o crescimento econmico, o problema que grandes influxos de capital no curto prazo podem provocar transtornos de natureza macroeconmica. A questo ento como lidar com este problema de forma eficaz. Uma maneira pela instituio de controles sobre a movimentao de capital. Conforme Magud e Rainhart (2007), existem quatro medos que motivam a implementao de controles de capital:

i) Medo de apreciao: com os influxos de capital est associada apreciao da moeda domstica, que reduz a competitividade da indstria exportadora domstica em mercados globais. Para evitar a apreciao cambial, um mtodo utilizado a acumulao esterilizada de reservas internacionais. Entretanto, ao longo do tempo, a esterilizao da acumulao de reservas se torna cada vez mais difcil, o que motiva a adoo de um mtodo mais direto de interveno. ii) Medo de capital especulativo de curto prazo (hot money): para elaboradores de poltica econmica de pases em desenvolvimento, uma entrada repentina de grande volume de fundos em um mercado domstico pequeno pode provocar uma certa distenso neste mercado, distenso esta equivalente provocada por uma sada repentina de capital. A desconfiana sobre a volatilidade do capital especulativo de curto prazo motiva a introduo de um imposto capaz de dissuadir a entrada de capital e reduzir os danos provocados pela sua sada. iii) Medo de grandes influxos: um grande influxo de capitais pode provocar distenso no sistema financeiro domstico, em particular quando alimenta bolhas em mercados de ativos ou encoraja tomada de risco por parte de intermedirios financeiros domsticos. Neste caso, a imposio de um imposto vista tambm como benfica. iv) Medo de perda de autonomia monetria: este medo decorre da existncia da trindade impossvel, que estabelece que no se pode obter simultaneamente cmbio fixo, autonomia monetria e livre movimentao de capitais. Se os elaboradores de poltica econmica entenderem como desejvel uma certa flexibilidade de poltica monetria para alcanar determinados objetivos de poltica, ento deve-se abdicar de algo. Na presena do medo de apreciao, parece natural abdicar da livre mobilidade de capitais.

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Gesto macroeconmica e controles de capitais

Assim sendo, a imposio de controles de capital parece ser til para controlar presses sobre a taxa de cmbio, evitar grandes influxos de capital e restabelecer a autonomia da poltica monetria. Entretanto, a evidncia emprica inconclusiva no que diz respeito ao alcance dos objetivos que levam imposio de controles de capitais. Abdelal e Alfaro (2003) concluem que raramente pases conseguem controlar fluxos de capital impondo controles, enquanto que Magud e Rainhart (2007) sumarizam a evidncia emprica da seguinte forma: i) controles de capitais sobre influxos parecem tornar a poltica monetria mais independente, alterar a composio dos fluxos e reduzir a presso cambial; ii) controles sobre influxos no parecem reduzir o volume de fluxos lquidos e, portanto, no conseguem influenciar o saldo em conta corrente; e iii) controles sobre sada de capital parecem ter tido efeito na reduo do fluxo de sada apenas na experincia da Malsia. Desta forma, com a exceo da Malsia, no existe evidncia sistemtica de sucesso na imposio de controles. Em adio a estas evidncias, Cardarelli, Elekdag e Kose (2009) encontraram que episdios de grandes influxos que terminaram com uma reverso abrupta do fluxo de capitais no parecem estar associados a menores controles de capitais. Por outro lado, Forbes (2005) faz uma resenha de estudos recentes que usam dados microeconmicos e conclui que controles resultam em custos significativos de eficincia no nvel de firmas individuais ou setores. Estes custos se referem a aumentos no custo do capital, reduo na disciplina de mercado, criao de distores no comportamento de firmas e indivduos e imposio de custos administrativos substanciais ao governo. Desta forma, a evidncia emprica disponvel sugere que a imposio de controles de capitais no leve a significativos ganhos de performance macroeconmica, embora esteja associada a custos microeconmicos substanciais. A despeito destes impactos esperados dos controles de capitais, persiste a questo de como lidar de forma eficaz com grandes influxos de capital, que tm o potencial de provocar instabilidade macroeconmica. Os instrumentos disponveis para lidar com este problema so as polticas fiscal, monetria e cambial, intervenes no mercado de cmbio, regulao prudencial do sistema financeiro domstico e eventualmente controles sobre capitais, que podem se tornar desejveis em casos particulares. De acordo com Ostry et al. (2010), a combinao apropriada de polticas depende do estado da economia (quo prxima ela est do seu potencial), do nvel de reservas internacionais (se adequada ou se um nvel maior desejvel ou apropriado), da qualidade da regulao prudencial existente (se a regulao existente do sistema financeiro adequada para lidar com ciclos de crdito e bolhas de preos de ativos), da atual taxa real de cmbio (se desejvel deix-la valorizar mais) e da persistncia provvel dos influxos de capitais (se forem permanentes, respostas de poltica so menos desejveis do que se forem11 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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transitrios). Desta forma, controles de capitais so justificveis como parte dos instrumentos de poltica econmica quando a economia estiver operando perto do seu potencial, o nvel de reservas internacionais for adequado, a taxa real de cmbio no estiver depreciada e os fluxos de capitais forem considerados temporrios. Mesmo em se considerando a desejabilidade de controles de capitais nestes casos especiais, Ostry et al. (2010) ainda sugerem cautela quanto ao uso amplo de controles por parte de economias de mercados emergentes, por causa de consequncias multilaterais adversas. Os autores advertem que a atual recuperao econmica global depende do ajuste macroeconmico das economias de mercados emergentes, que pode ser negativamente afetada por controles de capitais, particularmente em casos onde a taxa real de cmbio encontra-se depreciada. No apenas a ampla adoo de controles de capitais pode aumentar os desequilbrios globais e reduzir a velocidade de reformas econmicas necessrias, como tambm a adoo de controles por parte de alguns pases pode levar outros a adot-los, tendo um impacto negativo de longo prazo sobre crescimento econmico, integrao e globalizao financeira, com perdas significativas de bem-estar. 4 CONCLUSES Globalizao financeira e fluxos de capitais so uma parte importante do atual sistema econmico global e a questo importante como estimular seus aspectos positivos ao mesmo tempo em que se minimizam seus aspectos negativos. O fato que no existe uma forma absolutamente segura de lidar com influxos de capital de curto prazo que podem ter impactos desestabilizantes. Desta forma, a anlise desenvolvida nesta nota considera que controles de capitais, mesmo que em situaes restritivas, podem ser considerados parte integrante do conjunto de polticas macroeconmicas disponveis para lidar com o potencial desestabilizante de influxos de curto prazo.

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Gesto macroeconmica e controles de capitais

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A diplomacia do yuan: breves comentrios sobre a internacionalizao financeira da China (parte II - evidncias e concluses)Luza Cardoso de Andrade* Andr Moreira Cunha** RESUMO - O presente artigo avalia o processo recente de internacionalizao da China, enfatizando sua dimenso monetria. Avalia-se a hiptese do iuane renmimbi se tornar uma moeda internacional como decorrncia da ascenso chinesa condio de potncia global. Palavras-chave: China. Internacionalizao monetria e financeira. Iuane renmimbi. 1 INTRODUO DA SEGUNDA PARTE Esta parte final do trabalho que analisa os movimentos mais recentes da estratgia de internacionalizao da China. No nmero anterior deste Boletim foram apresentados os aspectos tericos que condicionam a internacionalizao de uma moeda. Evidncias preliminares para o caso chins foram introduzidas para que, aqui, fosse possvel complementar a anlise. Partiu-se da hiptese de que a China entrou em uma nova etapa de seu processo de internacionalizao onde a extroverso financeira est ganhando maior proeminncia. Todavia, segue sendo prematuro vislumbrar o yuan renmimbi como uma moeda plenamente conversvel e internacional. 2 CONvERSIBILIDADE E CONTROLE DE CAPITAIS NA CHINA Embora seja possvel para residentes da China usar o iuane para comprar moedas estrangeiras para pagar importaes ou cumprir com obrigaes no exterior, h vrias restries converso de ttulos em iuane em outras moedas, e no fcil para no residentes comprar ttulos denominados em iuane em troca de suas moedas nacionais. Em outras palavras, o iuane conversvel para a maioria das transaes em conta corrente, mas para transaes de conta capital, sua conversibilidade muito mais restrita.

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A moeda chinesa denominada Renminbi (RMB ou CNY), termo que significa a moeda do povo. Iuane sua unidade de medida. * Bolsista PIBIC-CNPq na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereo eletrnico: luiza.c.andrade@ gmail.com. ** Doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas. professor do Departamento de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do CNPq. Endereo eletrnico: andre. [email protected]. 15 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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A conversibilidade da conta capital importante porque os agentes, sejam indivduos ou companhias, buscaro manter em seu poder moedas que possam ser investidas. Caso no tenham opes de aplicaes rentveis para uma moeda, os agentes ficaro apreensivos em aceit-la como pagamento, a menos que esperem poder pass-la adiante muito rapidamente. De fato, as barreiras conversibilidade constituem um dos principais empecilhos a um uso internacional mais amplo do iuane. Se verdadeiro que ainda h muitas barreiras conversibilidade do iuane, tambm fato que h um movimento - ainda que bastante lento - em direo liberalizao dessas restries, principalmente daquelas impostas a bancos e outras companhias no financeiras. Ao analisar as mudanas ocorridas nesse sentido e as formas de investimento existentes atualmente, essa abertura foi acompanhada de significativo aumento no fluxo - tanto de entrada quanto de sada - de investimento direto estrangeiro (IDE, daqui para frente). As reformas que deram incio liberalizao dos fluxos de capital e investimento na China comearam em 1979, quando foi permitido que empresas estrangeiras atuassem no pas, dentro de regras pr-determinadas. No mesmo ano, foram criadas as Zonas Administrativas Especiais. As facilidades de investimento e atuao nessas quatro regies foram, em 1984, estendidas a outras 14 unidades administrativas, principalmente na costa chinesa. Em 1986, as redues de impostos que j eram concedidas nessas reas se tornaram possveis para empresas de investimento estrangeiro em todo o pas, com ateno especial quelas voltadas exportao e aos projetos que se utilizassem de tecnologias mais avanadas para aumentar a capacidade de produo interna. O governo chins declarou, em 1999, que pretendia implementar a conversibilidade da conta capital at 2000. No entanto, com a crise asitica e a importncia dos fluxos de capitais (no IDE) nesse processo, a ideia foi abandonada, e o pas comeou a acumular reservas internacionais1. Pode-se perceber, nas iniciativas de liberalizao tomadas desde ento, que a principal preocupao dos policymakers chineses com a estabilidade. Nesse sentido, eles buscam restringir a entrada de capitais de curto prazo, tais como investimento em portflio, e incentivar os fluxos de investimento estrangeiro direto. Essa poltica tinha fora especial no incio do processo de abertura, quando havia uma preocupao maior em estimular a entrada de capitais que pudessem ajudar o pas a aumentar seu domnio de tecnologia e a se adaptar melhor ao sistema de mercado, o que tambm privilegiava os fluxos de IDE, em detrimento do financiamento via dvida externa. Assim, inicialmente os produtores tinham de entrar no pas fazendo parcerias com empresas chinesas,1 Prasad e Wei (2005). 16 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

A diplomacia do iuane: breves comentrios sobre a internacionalizao financeira da China (parte II evidncias e concluses)

permitindo que os residentes aprendessem com os eles. Atualmente, j tendo as companhias chinesas adquirido know-how tecnolgico e de mercado, empresas totalmente estrangeiras so permitidas (CUNHA; ACIOLY, 2009). A entrada da China na Organizao Mundial do Comrcio, em 2001, representou a acelerao do processo de internacionalizao financeira. Passou-se a estimular o investimento em outros pases por parte de companhias chinesas2. No entanto, at 2003 investidores estrangeiros praticamente no tinham acesso a ttulos e aes da China continental e apenas os bancos chineses eram autorizados a investir diretamente no exterior - e somente na forma de instrumentos de renda fixa. Em 2003, foi criado o esquema de Qualified Foreign Institutional Investor (QFII, de agora em diante), que permite que empresas estrangeiras que satisfizerem determinadas condies comprem ttulos chineses, visando a impulsionar o mercado domstico de aes. Como veremos a seguir, o QFII continua vigente ainda hoje com algumas alteraes, porm os investimentos feitos atravs dele ainda so bastante limitados no volume permitido e nas possibilidades de repatriamento, alm de terem de ser aprovados pelo governo. Em abril de 2006, foi criado o Qualified Domestic Institutional Investor (QDII), que permite que indivduos e companhias chinesas realizem investimentos em portflio fora do pas atravs de intermedirios autorizados, e que as seguradoras domsticas convertam yuan em dlar para investir em ttulos estrangeiros. Os investidores e intermedirios tm de satisfazer determinadas condies e h quotas limitando os investimentos em ambos os casos. Em junho do mesmo ano, novas medidas foram tomadas para estimular a sada de capitais domsticos do pas, buscando diminuir o supervit externo. Tais medidas - que tambm estabeleciam quotas para a sada de investimentos, porm simplificando os processos de aprovao, alm de permitir que os lucros sejam reinvestidos no exterior - visam a garantir o acesso a recursos naturais, principalmente na frica, e a encorajar o crescimento das grandes companhias chinesas. Dessa forma, como chamam ateno Ma e McCauley (2007), os esquemas de QFII e QDII buscam institucionalizar a administrao dos fluxos em portflio que entram e saem da China, possibilitando um maior controle sobre eles, numa tentativa de diminuir os riscos de instabilidade por eles representados. Assim, ambos envolvem procedimentos de pr-aprovao, gerenciamento de quotas, regras para converso em moedas estrangeiras, restrio de instrumentos e entrega regular de relatrios. Em janeiro de 2007, o banco central chins anunciou um teto de US$ 50.000 por pes2 Ma e McCauley (2007). 17 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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soa por ano para livre converso entre o iuane e moedas estrangeiras por residentes chineses. Dentro desse limite, os residentes chineses podem transferir seus fundos para alm das fronteiras livremente3. Em agosto desse mesmo ano, a State Administration for Foreign Exchange anunciou que investidores chineses poderiam abrir contas na subsidiria do Banco da China em Tianjin para comercializar aes listadas no mercado de Hong Kong. No entanto, essa medida foi revertida em novembro. Em julho de 2010, uma nova medida foi anunciada, o chamado mini-QFII, que permitir que, de Hong Kong, depsitos em iuane no exterior sejam canalizados para os mercados financeiros chineses. O programa, que teria incio ainda nesse ano, tem tamanho inicial esperado de US$1,5 bilho, podendo chegar a US$15 bilhes, e complementa o QFII, que atualmente permite que investidores estrangeiros negociem as chamadas A shares4 e tem teto de US$30 bilhes.GRFICO 1 - ENTRADA DE IDE DE ECONOMIAS SELECIONADAS, 1983-2007 (ESTOQUE, % TOTAL MUNDIAL)

FONTE: UNCTAD.

Alguns autores tm dvidas quanto efetividade dos controles de capitais na China. Ma e McCauley (2007), por exemplo, observam que as reaes dos fluxos de conta capital, assim como os de conta corrente, s condies de mercado, segundo eles, poderia sugerir que os controles no funcionam como deveriam. Efetivas ou no, em 2000 um estudo da Pricewaterhouse Coopers indicou que, dos pases analisados, a China estava entre os nicos cinco que ofereciam restries ao IDE em todas as categorias analisadas5. J em 2005, Prasad e Wei estimaram que os controles de capitais ainda eram aplicados a cerca de 25% das categorias do FMI. Pode-se3 Ma e McCauley (2007). 4 A shares so aes de companhias da China continental negociadas em yuan nos mercados de Shanghai e Shenzhen. 5 Prasad e Wei (2005). 18 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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notar que h avanos em direo liberalizao, mas que o caminho a percorrer ainda longo. Como se pode ver nos Grficos 1 e 2, essas polticas de incentivo entrada de IDE tiveram xito, e desde a dcada de 1980 a China est entre os principais destinos de investimento no mundo.GRFICO 2 - ENTRADA DE IDE NA CHINA, 1979-2009 (FLUXO, US$ BILHES)

FONTE: UNCTAD.

No que diz respeito sada de IDE do pas, os Grficos 3 e 4 mostram que os fluxos aumentaram bastante a partir da dcada de 1990, porm ainda eram pouco volumosos at 2007. Em junho desse ano, o pas anunciou a criao da China Investment Corporation (CIC), atravs da qual vem diversificando aplicaes de suas reservas. Inicialmente este fundo soberano tinha um capital de US$ 200 bilhes. Ademais, empresas estatais e grandes conglomerados privados vm ampliando a aquisio de ativos no exterior, como parte da poltica governamental de Going Global. A busca de acesso a recursos naturais estratgicos, mercados e tecnologias de fronteira esto no centro deste movimento, que parece ter ganhado fora aps a crise financeira global (MILLER, 2010). Note-se que, em 2009, o pas j era o 16 maior investidor em termos de estoque e o 6 no fluxo anual.Ma e Haiwen (2009) estimavam que, em 2007, a China j possua a segunda maior posio credora lquida do mundo. A diferena entre seus ativos e passivos internacionais equivalia a 30% do PIB. Desde ento suas reservas internacionais, o principal componente dos ativos, no pararam de crescer, atingindo o montante de US$ 2,6 trilhes ao final de 2010, ou, 46% do PIB6.6 Ver: http://www.dbresearch.com; http://www.hangseng.com/ermt/eng/fxmv/pdf/chem_e.pdf (China Economic Monitor, December, 2010). 19 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

Luza Cardoso de Andrade, Andr Moreira Cunha GRFICO 3 - SADA DE IDE EM ECONOMIAS SELECIONADAS , 1983-2009(ESTOQUE, % DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: UNCTAD. GRFICO 4 - SADA DE IDE DA CHINA, 1982-2009 (FLUXO, US$ BILHES)

FONTE: UNCTAD.

Ma e Haiwen (2009) estimavam que, em 2007, a China j possua a segunda maior posio credora lquida do mundo. A diferena entre seus ativos e passivos internacionais equivalia a 30% do PIB. Desde ento suas reservas internacionais, o principal componente dos ativos, no pararam de crescer, atingindo o montante de US$ 2,6 trilhes ao final de 2010, ou, 46% do PIB7.7 Ver: http://www.dbresearch.com; http://www.hangseng.com/ermt/eng/fxmv/pdf/chem_e.pdf (China Economic Monitor, December, 2010). 20 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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3 SISTEMA BANCRIO E FINANCEIRO NA CHINA At 1979, apenas o Banco do Povo da China (BPC), cujas funes hoje se restringem s de um Banco Central, era a nica instituio bancria existente no pas. Tampouco existiam mercados financeiros, de forma que o prprio BPC era responsvel pela canalizao dos recursos para investimento. Assim, ele alocava os fundos entre empresas estatais e instncias de governo de acordo com um planejamento previamente estabelecido. Desde ento, foram criados mais quatro grandes bancos nacionais, o Banco da Agricultura da China, o Banco da China, o Banco da Construo da China e o Banco Industrial e Comercial da China, todos estando principalmente voltados para o financiamento de empresas estatais8. A partir de 1995, o governo chins realizou reformas para transformar os Quatro Grandes em bancos comerciais. Foram criados novos bancos para realizar os policy lendings e tem sido feito um esforo para retirar os non-performing loans dos balanos. Alm disso, o BPC reformou os padres regulatrios e as normas para a realizao de emprstimos. Em 2003 teve incio um novo processo de reformas nos bancos comerciais para aumentar sua competitividade antes de abrir o setor bancrio concorrncia externa, o que deveria acontecer em 2006 como parte do acordo para a entrada da China na OMC - at ento, a participao mxima de investidores estrangeiros na propriedade dos bancos permitida era de 25%. Os dois bancos que serviram de piloto para a reforma foram recapitalizados, tiveram sua governana corporativa e seu gerenciamento de risco reestruturados, sua transparncia aumentada e seus non-performing loans solucionados. Alm de tornar os bancos chineses mais competitivos, essas reformas deveriam atrair investidores estratgicos para o setor e prepar-los para que possam ser listados em bolsas estrangeiras. Os investidores estrangeiros contribuiriam no apenas com capital, mas tambm com a experincia adquirida em gerenciamento e governana corporativa, alm de trazer novos produtos, aumentando a eficincia e o potencial de retorno dos bancos chineses. Com os bancos listados em bolsas de valores estrangeiras, haveria presso do mercado para que se adotassem os padres internacionais de preciso e transparncia, e a performance dos bancos passaria a ser avaliada em termos de eficincia e lucratividade. Em 2005 os bancos j estavam prximos de alcanar seus objetivos quantitativos. Apesar do sucesso da reforma nos bancos-piloto, ainda h forte influncia do partido nos bancos; mesmo quando no esto nominalmente presentes nos conselhos, decises de grande importncia ainda so tomadas por eles extra-oficialmente. Alm disso, embora a qualidade dos emprstimos tenha melhorado consideravelmente desde 2000, os antigos non-performing loans8 Cunha e Acioly (2009). 21 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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ainda pesam sobre os balanos dos Quatro Grandes, a despeito dos esforos para liquid-los. Vem sendo feito um esforo de melhoramento da superviso bancria, sobretudo a partir de 2004, atravs da China Banking Regulatory Comission, principalmente no que diz respeito classificao de ativos e adequao de capital - mais uma vez tentando solucionar o problema dos non-performing loans. No entanto, o sistema regulatrio ainda no est bem desenvolvido. O banco central (BPC), por exemplo, controla a oferta monetria e regula o crdito atravs de controle direto sobre as taxas de emprstimos e depsitos dos bancos9. A regulao dos bancos e dos mercados financeiros no transparente, e as diferentes agncias reguladoras s vezes tem funes sobrepostas10. Alm disso, dado que a maioria dos players so controlados pelo governo e a falta de competio inibe a inovao no mercado, o sistema regulatrio ainda no foi testado como seria em um mercado mais aberto, podendo se mostrar inadequado conforme as restries foram sendo liberalizadas. Historicamente, os bancos estatais tm privilegiado como critrio para escolha de seus financiamentos a manuteno do emprego e da estabilidade social. A principal desconfiana internacional com relao ao sistema bancrio chins justamente sua hesitao em adotar critrios como risco e rentabilidade ao efetuar emprstimos. Segundo Dobson e Kashyap (2006), o governo insiste em manter o controle acionrio nos bancos justamente para preservar o poder de canalizar diretamente o crdito. Dado que as maiores e mais lucrativas empresas estatais costumam se financiar atravs de fundos retidos e que o mercado de ttulos ainda muito pouco desenvolvido, a maior parte do financiamento na China feita atravs dos bancos. Assim, resta a eles financiar as empresas que oferecem maior risco. A forte presena estatal no sistema bancrio e a interferncia administrativa do banco central distorcem as decises de crdito ao enfatizar restries setoriais sobre decises baseadas no risco e na produtividade de tomadores de emprstimos e projetos. Os maiores bancos chineses ainda do mostras de que priorizam critrios polticos em suas decises de crdito. Embora esse seja apontado como o principal problema do sistema bancrio chins, outros autores ressaltam ainda problemas de segmentao dos mercados, dificuldades de precificao pela ausncia de taxas de benchmark, baixa liquidez, falta de modelos contbeis modernos e de transparncia por parte das empresas que lanam ttulos, falta de disciplina de mercado e de educao dos investidores e subdesenvolvimento do mercado de crdito devido recente aprovao das leis de falncia, com as quais ainda h pouca familiaridade (UBS, 2006; ZHOU,9 Naughton (2007). 10 UBS (2006). 22 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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2005). Como enfatizado anteriormente, os bancos enfrentam pouca concorrncia de mercados de dvidas, j que mercados de dvidas corporativas, na forma de commercial papers e asset backed securities esto apenas comeando a ser estabelecidos. As grandes empresas estatais tm acesso privilegiado aos bancos e utilizam largamente os lucros retidos como fonte de financiamento. Comparados aos mercados de pases vizinhos como Coreia, Malsia e Tailndia, os mercados chineses ainda esto muito pouco desenvolvidos. O lanamento de ttulos corporativos bastante restrito, sendo supervisionado pelo banco central e agncias reguladoras. Recentemente, com a eliminao da obrigatoriedade de aprovao dos ttulos lanados por comisses de planejamento, o nmero de ttulos lanados comeou a acelerar. Assim, como se pode observar, no que diz respeito s reformas nos sistemas bancrio e financeiro, a China se v dividida entre as presses internacionais para a abertura dos mercados e adoo de padres de eficincia e a preocupao do governo em manter o emprego e a estabilidade. Apesar dos avanos que j foram feitos em direo a um setor bancrio mais transparente, com adoo de critrios de mercado, ainda h distores e novas reformas sero necessrias. Essas reformas permitiro uma alocao mais eficiente da elevada poupana privada do pas e facilitaro a transmisso da poltica monetria. Elas tambm sero decisivas para que os mercados financeiros chineses venham a se desenvolver. Para que o remninbi se torne atrativo internacionalmente, a China ter de desenvolver mercados financeiros lquidos e profundos. Como ressalta Eichengreen (2009a, 2009b), isso significa que o pas ter de desenvolver sistema de liquidao e compensao mais confiveis e transparentes, ativos de benchmark, curva de rendimento bem definida e massa crtica de participantes do mercado. Portanto, o desenvolvimento dos mercados financeiros, a continuao das reformas no sistema bancrio e a conversibilidade da conta capital so objetivos econmicos interligados e que devem ser trabalhados conjuntamente. Embora eles venham sendo abordados, demonstrando certo interesse do governo chins na realizao dessas mudanas, nota-se tambm que ele no est disposto a abrir mo de suas polticas de manuteno do emprego e de proteo do pas contra a instabilidade financeira. Isso determina o gradualismo das reformas no pas. Considerando que uma vez que elas tenham sido realizadas ainda ser necessrio um perodo de adaptao e de consolidao das mudanas at que os detentores de riqueza criem confiana nos ativos emitidos e liquidados na moeda chinesa, ainda h um longo caminho a ser percorrido at que o iuane seja amplamente utilizado internacionalmente.

23 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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4 CONSIDERAES FINAIS Este artigo procurou avaliar algumas evidncias dos movimentos mais recentes da estratgia de internacionalizao da China. Enfatizou-se a questo da possibilidade do iuane renmimbi se tornar uma moeda internacional capaz de rivalizar o dlar e outras moedas de reserva. Aps uma breve reviso da literatura sobre as precondies para a internacionalizao de uma moeda, constatou-se que, a despeito de seu peso crescente na economia mundial, especialmente na renda e fluxos de comrcio e investimento direto, a China no preenche todas as condies previamente levantadas, particularmente no que se refere ao grau de conversibilidade do iuane renmimbi, desenvolvimento de suas instituies monetrias e financeiras, bem como de restries livre mobilidade de capitais. Ainda assim, constatou-se que a economia chinesa entrou em uma nova etapa de seu processo de internacionalizao onde a extroverso financeira passou a ter maior proeminncia. razovel supor que o papel de destaque a que a China foi alada na economia mundial deve ser reforado nos prximos anos. A nova postura que o governo chins vem apresentando desde a crise de 2008 com relao ao uso internacional de sua moeda, como fica claro por sua promoo de acordos de swap com diversos pases, representa mais um passo no processo de internacionalizao da economia chinesa. O fato de que o governo agora adota uma postura favorvel internacionalizao do iuane renmimbi e vem, portanto, promovendo polticas para reforar sua influncia global naturalmente facilitar esse processo. No entanto, o ritmo das reformas nos mercados financeiros, no sistema bancrio e no regime de conversibilidade mostram que tal processo se dar gradualmente e que a principal preocupao chinesa com manuteno do elevado crescimento com estabilidade macroeconmica e poltica. As recorrentes crises financeiras dos ltimos quinze anos parecem ter reforado a estratgia gradualista. Se levarmos em conta o longo caminho que ainda deve ser percorrido, isso significa que o yuan renmimbi no representar, em um horizonte prximo, uma ameaa hegemonia do dlar ou do euro, principalmente no que diz respeito aos seus usos como constituintes de reservas estrangeiras. At alcanar de fato o status de moeda internacional, no entanto, provvel que a moeda chinesa passe a ser mais amplamente utilizada, num primeiro momento, na regio em que a influncia econmica do pas mais forte, ou seja, entre os pases do Leste Asitico. Atualmente, j possvel observar o uso do yuan nesses pases, principalmente em reas tursticas. Nos prximos anos esse uso deve ser ampliado, num primeiro momento para a realizao de transaes comerciais com a China. O processo de integrao regional tem sido, cada vez mais, sino-cntrico, tendncia que deve se reforar neste perodo ps-crise financeira global24 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

A diplomacia do iuane: breves comentrios sobre a internacionalizao financeira da China (parte II evidncias e concluses)

(CUNHA, 2010).

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Taxa de cmbio real e dficits gmeos na economia monetria: relaes de causalidadeMarco Flvio da Cunha Resende* Fabrcio de Assis Campos Vieira** RESUMO - No h consenso na literatura econmica sobre as causas do dficit em transaes correntes. Duas causas so frequentemente apontadas: a apreciao da taxa de cmbio real e o excesso de absoro domstica, geralmente causado pelo dficit pblico. Argumenta-se neste estudo que seria um falso dilema a controvrsia sobre as causas do dficit em transaes correntes. Pretende-se demonstrar que o dficit pblico pode causar o dficit em transaes correntes porque provoca a apreciao da taxa de cmbio real. Demonstra-se neste artigo, tambm, que a relao entre dficit pblico, taxa de cmbio real e dficit externo se d no mbito do circuito Finance-Investimento-Poupana-Funding para economias abertas. Assim sendo, o dficit pblico no pode causar uma insuficincia de poupana nacional visto que a precedncia do investimento em relao poupana permanece vlida. Palavras-chave: Dficit pblico. Cmbio real. Dficit externo. Circuito Finance-InvestimentoPoupana-Funding. 1 INTRODUO No h consenso na literatura econmica sobre as causas do dficit em transaes correntes. Duas causas so frequentemente apontadas: a apreciao da taxa de cmbio real implica alterao de preos relativos (bens comercializveis versus bens no comercializveis), afetando os saldos comerciais e em conta corrente do balano de pagamentos, e o argumento de que o dficit pblico resulta em dficit em transaes correntes do balano de pagamentos porque o desequilbrio das contas pblicas implica excesso do investimento sobre a poupana nacional; isto resulta em absoro de poupana externa (dficit em transaes correntes), necessria para compensar a insuficincia de poupana nacional - a tese dos dficits gmeos. Porm, os mecanismos atravs dos quais o dficit pblico causa um dficit externo no so, em geral, demonstrados nos estudos sobre o tema. Sobre este assunto, Krugman (1992, p. 24) argumenta que h uma concluso definitiva e uma probabilidade. A reduo de desequilbrios externos requer depreciao do cmbio real nos pases deficitrios e apreciao do cmbio real nos pases superavitrios, e isto definitivo.

______*

Doutor em economia pela Universidade de Braslia. professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. Endereo eletrnico: [email protected]. ** Mestre em economia pela Universidade Federal de Uberlndia. professor substituto do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais. Endereo eletrnico: [email protected]. 27 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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Porm, a contribuio dos desequilbrios fiscais para ampliar os desequilbrios externos seria apenas uma probabilidade, segundo aquele autor. De outro lado, autores como McKinnon (1984) e Giambiagi e Amadeo (1990) argumentam que hiatos de poupana-investimento so diretamente refletidos na balana comercial, sem necessidade de alterao dos preos relativos1. A esse respeito, Pastore e Pinotti (1995, p. 140) consideram que:Estabelecer se as flutuaes do cmbio real so menos importantes do que as variaes do excesso de absoro sobre o produto na determinao da magnitude dos saldos comerciais, no entanto, uma questo emprica, com as evidncias favorecendo a importncia relativa da taxa cambial. (PASTORE; PINOTTI, 1995).

Ainda, Investigaes empricas recentes sobre a relao entre os dficits oramentrio e comercial geraram resultados dbios (VAMVOUKAS, 1999, p. 1093). No mbito da relao entre dficit pbico, deteriorao da poupana nacional e dficit em conta corrente h, ainda, outra controvrsia. Esta diz respeito relao de causalidade entre poupana e investimento. Keynes (1988; 1988a, 1988b) demonstrou a precedncia temporal do investimento em relao poupana para o caso da economia fechada no mbito do circuito Finance-Investimento-Poupana-Funding2. Se este argumento for vlido tambm para a economia aberta, ento no poderia haver restrio de poupana nacional em relao ao investimento, pois este que precede aquela. O objetivo deste artigo investigar a hiptese de que seria um falso dilema a controvrsia sobre as causas do dficit em transaes correntes, isto , a apreciao da taxa de cmbio real e o desequilbrio fiscal do setor pblico no seriam duas causas distintas, ou separadas, do dficit externo. Argumenta-se neste estudo que o dficit pblico pode causar o dficit em transaes correntes porque provoca a apreciao da taxa de cmbio real, ensejando, por meio deste mecanismo, uma insuficincia de poupana nacional. Um segundo objetivo deste artigo demonstrar que este mecanismo de determinao do dficit em transaes correntes se d no mbito do circuito Finance-Investimento-Poupana-Funding, quando se considera o referencial terico ps-keynesiano. Ou seja, partindo deste referencial pretende-se demonstrar que o dficit pblico pode provocar a apreciao da taxa de cmbio real e o dficit externo, embora o investimento continue precedendo a poupana. Neste caso, o investimento, que contabilmente igual soma da poupana nacional e da absoro de poupana externa, produzir estmulos para a formao tanto da poupana nacional como tambm da poupana do resto do mundo que ser objeto de absoro por meio do dficit em1 Giambiagi e Amadeo (1990) explicitam que isto ocorre quando h pleno emprego dos fatores de produo. 2 Sobre o circuito Finance-Investimento-Poupana-Funding, ver Studart, cap. 4. 28 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

Taxa de cmbio real e dficits gmeos na economia monetria: relaes de causalidade

conta corrente. Novamente, o mecanismo atravs do qual este processo se verifica a alterao de preos relativos (mudana da taxa de cmbio real). Alm desta introduo, o artigo conta com outras trs sees. Na Seo 2 sero explicitadas as relaes entre dficit pblico, taxa de cmbio real, poupana nacional e dficit em transaes correntes. Na seo seguinte ser demonstrada a validade do circuito Finance-Investimento-Poupana-Funding para economias abertas. Ser demonstrado, tambm, o mecanismo atravs do qual o dficit pblico produz vazamentos (para o resto do mundo) do estmulo formao de poupana que decorre do investimento, no mbito do circuito. Ou seja, o dficit pblico reduz o estmulo dado pelo investimento para a formao de poupana nacional compensando exatamente o desvio (aumento) do estmulo em direo formao de poupana no resto do mundo. A quarta seo destina-se s consideraes finais do trabalho. 2 O DILEMA SOBRE AS CAUSAS DO DFICIT EM TRANSAES CORRENTES H muita confuso na literatura a respeito das causas dos dficits em transaes correntes (CC). Pastore e Pinotti (1995) identificam duas causas possveis: o excesso de absoro domstica, muitas vezes causado pelo dficit pblico, e a apreciao da taxa de cmbio real. No primeiro caso, o dficit pblico causaria o dficit em CC porque provocaria a insuficincia da poupana nacional em relao ao investimento (tese dos dficits gmeos). Este argumento em geral demonstrado por meio da seguinte identidade macroeconmica3: CC = SN - I Ou, ento: CC = Y - E = SP - (G - T) - RLEE - I onde: CC = saldo em conta corrente; Y = renda nacional; E = despesa agregada; SP = poupana privada agregada; I = investimento agregado; T = receitas correntes do governo; G = gastos correntes do governo; T - G = poupana pblica; SN = poupana nacional = SP + (T - G) RLEE; RLEE = renda lquida enviada ao exterior. Porm, as identidades das Contas Nacionais (CN) tm uma natureza contbil: as va3 Ver, por exemplo, Baharumshah et al. (2005), Vamvoukas (1999), Krugman (1992), Feldstein (1992), Rosensweig e Tallman (1993), Oskooee (1995), Giambiagi & Amadeo (1990), Amadeo (1995), Resende (1995). 29 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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riaes de estoque so contempladas, desejadas ou no. As Contas Nacionais representam uma situao de equilbrio macroeconmico ex post. Portanto, a identidade supracitada no uma teoria econmica ou uma regularidade emprica, mas uma identidade contbil sobre a qual no pode haver nenhum debate (FELDSTEIN, 1992, p. 4). Ainda, [...] olhar para as identidades nunca pode ser a anlise completa. Devemos perguntar como a identidade contbil traduzida em incentivos que afetam o comportamento individual (KRUGMAN, 1992, p. 5)4. O vnculo entre desequilbrios oramentrios e desequilbrios comerciais muito fraco (KRUGMAN, 1992, p. 4). Em primeiro lugar, o desequilbrio fiscal pode apenas deslocar gastos privados (crowding out) e/ou estimular a poupana privada (Equivalncia Ricardiana), sem afetar, portanto, o saldo em CC. Em segundo lugar, no esto claros os mecanismos atravs dos quais um excesso da absoro domstica sobre a produo nacional deterioraria o saldo em CC. Segundo Krugman (1992), mudanas no CC dependem de alteraes na distribuio dos gastos mundiais, sendo que tais alteraes dependem de mudanas na taxa de cmbio real. Krugman (1992, p. 14) demonstra que a correo do desequilbrio em CC num contexto de pleno emprego s vivel mediante mudanas na taxa de cmbio real5. comum o argumento de que o desequilbrio das contas pblicas implica excesso do investimento sobre a poupana nacional. Isto resulta em absoro de poupana externa (dficit em CC), necessria para compensar a insuficincia de poupana nacional. Ou seja, o investimento corresponde ao aumento do estoque de capital fsico da economia (formao bruta de capital fixo mais variao de estoques) (SIMONSEN; CYSNE, 1995, p. 151) e, em equilbrio macroeconmico (ex post), contabilmente igual soma das poupanas nacional e externa (FEIJ et al., 2001, p. 8). Assim, a poupana nacional a renda nacional no consumida e est associada produo de capital que ir satisfazer a demanda de investimento. Se o dficit pblico implica aumento do consumo para um dado nvel de renda, argumenta-se que haver reduo da taxa de poupana nacional, isto , insuficincia de poupana nacional para um dado nvel de investimento (RESENDE, 1995). O excesso do investimento agregado em relao poupana nacional estaria associado a um dficit em conta corrente (absoro de poupana ex4 A contabilidade nacional [...] no passa de um aglomerado de tautologias [...] As explicaes da inflao e do dficit de transaes correntes pelo dficit pblico, acima apresentadas, pecam exatamente pela extrema pobreza das hipteses de comportamento [...] as relaes entre causa e efeito so muito mais complexas do que o simples instrumental da contabilidade nacional pode revelar. (SIMONSEN; CYSNE, 1995, p. 165). 5 O autor demonstra que apenas em uma situao terica, que no prevalece na prtica, seria possvel corrigir o desequilbrio em conta corrente de uma economia em pleno emprego apenas atravs da redistribuio dos gastos mundiais. Porm, o modelo de Krugman (1992) pode ser refinado supondo dois setores: o de bens comerciveis e o de no comerciveis. Nesse caso, a redistribuio dos gastos mundiais, por maior que seja, no corrige tal desequilbrio num contexto de pleno emprego, fazendo-se necessria uma mudana de preos relativos para o alcance deste objetivo. 30 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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terna). Todavia, os mecanismos atravs dos quais este processo se manifestaria no so claros. Tavares et al. (1982, p. 35) argumentam que tal processo no concretamente possvel visto que em certo momento do tempo o estoque de capital da economia est dado. Deste modo, o aumento da absoro domstica no pode transformar bens de capital destinados produo de capital em bens de capital destinados produo de bens de consumo, e vice-versa6. Neste caso, o dficit pblico no reduz a disponibilidade interna de mquinas e equipamentos requeridos para o investimento e, ento, seriam falaciosas as relaes entre dficit pblico e insuficincia de poupana nacional, e entre dficit pblico e dficit externo. Todavia, o argumento de Tavares et al. (1982) s vlido para economias fechadas. Se alteraes na absoro domstica vierem acompanhadas de mudanas dos preos relativos haver mudanas na oferta de bens de investimento, alterando a poupana nacional, em economias abertas. Atravs da depreciao (apreciao) da taxa de cmbio real a poupana nacional pode ser ampliada (reduzida)7. H dois efeitos distintos relacionados mudana da taxa de cmbio real. Segundo Pastore e Pinotti (1995, p. 141), o aumento relativo dos preos dos bens comerciveis (BC) estimula a substituio do consumo em direo aos no comerciveis (BNC), ao mesmo tempo em que estimula o aumento da produo daqueles, ampliando o excedente exportvel. Resultado semelhante tambm obtido quando se trabalha com um modelo de fixao de preos segundo a regra de mark-up, e onde a economia no opera necessariamente a pleno emprego8. O aumento do preo no setor de BNC em relao ao setor de BC pode eliminar produtores de BC menos eficientes por meio do esmagamento de suas margens de lucro decorrente do aumento de custos de produo - aumento de preos de BNC. Do mesmo modo, a queda do preo relativo de BNC viabiliza a entrada de produtores menos eficientes no setor de BC. O aumento dos preos dos BC em relao aos preos dos BNC resulta, ento, em aumento do saldo comercial. A elevao das exportaes lquidas (de importaes) corresponde contabilmente ampliao da poupana nacional9. Portanto, mquinas que produzem bens de6 A abstinncia do trabalhador [...] no pode converter-se em poupana efetiva [...] Isto pela simples razo de que, da banana ao feijo preto, do rdio de pilha ao tev em cores, nenhum desses produtos postos margem do consumo pode transmutar-se, num passe de mgica, no cimento, no ao ou no projeto de engenharia que iro constituir a base real do investimento. (TAVARES et al., 1982, p. 35). 7 No h nenhum canal direto pelo qual a relao poupana-investimento refletida de alguma maneira no saldo comercial sem afetar a taxa de cmbio real. (KRUGMAN, 1992, p. 24). 8 Sobre o modelo de mark-up ver, por exemplo, Kandir (1989) e Pereira (1999). 9 A desvalorizao aumenta o preo e reduz a demanda pelos bens chamados comerciveis. Cai, portanto, o consumo desses bens e aumenta a poupana interna. Eis por que o saldo em conta corrente melhora. (RESENDE, 1995, p. 135). 31 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

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consumo no podem se metamorfosear em mquinas produtoras de bens de investimento, porm, os bens de consumo exportados geram divisas externas para importar bens de capital. O aumento da absoro domstica acima de uma dada taxa de crescimento do produto potencial, quando acompanhado de apreciao da taxa de cmbio real, reduz as exportaes lquidas, inibindo a oferta de bens de investimento (bens de capital) que ocorre por meio de importaes, num contexto de equilbrio externo. Para que tal oferta no se reduza, torna-se necessrio manter o nvel das importaes de bens de capital, apesar da queda das exportaes lquidas, deteriorando-se o saldo em conta corrente. Assim, supondo que dficits pblicos implicam em aumentos na absoro domstica (ausncia de crowding out e de Equivalncia Ricardiana), a questo-chave saber se o aumento da absoro domstica resulta em apreciao da taxa de cmbio real, necessariamente. Tal apreciao levar a uma insuficincia de poupana nacional em relao a um dado nvel de investimento10. A relao entre dficit pblico e alteraes de preos relativos j est estudada em Resende (2009) e Rosensweig e Tallman (1993). Estes autores demonstraram por meio do modelo Mundell-Fleming que o dficit pbico pode provocar a apreciao da taxa de cmbio real. Resultado semelhante encontrado em Feldstein (1992) para o caso de taxas de cmbio flexveis. O primeiro autor demonstrou, tambm, que no h uma relao de causalidade sistemtica entre dficit pblico e apreciao da taxa de cmbio real, mesmo quando se considera a ausncia de Equivalncia Ricardiana e de crowding out11. Isto , no sempre que o dficit pblico produz apreciao da taxa de cmbio real e dficit externo e, portanto, nem sempre prevalece a tese dos dficits gmeos12. Isto posto, um falso dilema a controvrsia sobre as causas do dficit em CC, quais sejam, a apreciao da taxa de cmbio real e o excesso de absoro domstica - sendo tal excesso muitas vezes causado pelo dficit pblico. Este ltimo pode ensejar o dficit em CC quando provoca a apreciao da taxa de cmbio real13. A apreciao cambial, por sua vez, implicaria a10 Krugman (1992), analisando os dados para a economia dos Estados Unidos, no encontrou evidncias de uma relao sistemtica entre estas variveis. Evans (1986) encontrou evidncias de que os dficits pblicos norte americanos depreciam o dlar, ao invs de apreci-lo. Estes resultados podem advir da ocorrncia de crowding out e/ou Equivalncia Ricardiana. 11 Sobre Equivalncia Ricardiana e crowding out, ver, por exemplo, Seater (1993) e Krugman (1992). 12 Resende (2009) avaliou os efeitos do dficit pblico sobre a taxa de cmbio real quando estes so financiados por emisso monetria ou pelo aumento da dvida pblica interna, quer em regime de taxa de cmbio fixa, quer flexvel, seja com o produto em seu nvel de pleno emprego ou aqum deste e num modelo onde so contemplados os setores de bens comerciveis e no comerciveis. 13 Frise-se que, enquanto o dficit pblico pode provocar a apreciao da taxa de cmbio real, esta nem sempre decorre do dficit pblico. possvel, por exemplo, que a poltica cambial produza apreciao cambial e dficit em CC, quer em um contexto de dficit pblico ou de supervit das contas do governo. Ademais, no sempre que 32 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

Taxa de cmbio real e dficits gmeos na economia monetria: relaes de causalidade

insuficincia de poupana nacional para uma dada taxa de investimento e tambm a deteriorao do saldo em CC. Mas esta ltima seria o resultado da insuficincia de poupana nacional ou da apreciao cambial? Isto nos remete ao argumento ps-keynesiano, segundo o qual o investimento que antecede a poupana e no o contrrio. 2.1 CMBIO, INVESTIMENTO E POUPANA A precedncia do investimento em relao poupana no consensual na literatura econmica. Na abordagem ps-keynesiana no pode haver restrio de poupana ao investimento mesmo quando o dficit pbico leva apreciao cambial e reduo da poupana nacional, j que esta no antecede o investimento, necessariamente. Ademais, na economia fechada o investimento sempre igual poupana nacional, enquanto na economia aberta o investimento sempre igual soma da poupana nacional e da absoro de poupana externa. Portanto, qual a relao entre dficit pblico, investimento e poupana em economias monetrias abertas? Quando o dficit pblico implica apreciao da taxa de cmbio real, parcela da demanda de investimentos deslocada para o exterior, afetando a taxa de poupana nacional14. O aumento do preo relativo dos bens no comerciveis implica aumento da demanda domstica por bens comerciveis e reduo da produo domstica destes. Assim, a apreciao do cmbio real reduz a disponibilidade domstica de bens de capital, entendida como a soma da produo domstica de bens de capital destinada ao mercado interno e das importaes destes bens at o ponto onde o saldo em transaes correntes se equilibra. Aps a apreciao da taxa de cmbio real torna-se necessrio aumentar o volume de importao (de bens de capital) de modo a viabilizar dado volume de investimento, deteriorando-se o saldo em transaes correntes. Ento, a parcela do investimento total que corresponde demanda de bens de capital satisfeita atravs da compra destes bens no mercado interno e da importao de bens de capital at o ponto onde o saldo em transaes correntes se equilibra, se reduz aps a apreciao da taxa de cmbio real, ensejando na mesma medida um menor volume de poupana nacional no mbito do circuito Finance-Investimento-Poupana-Funding (F-I-S-F). Quando a apreciao cambial ocorre, verificam-se, simultaneamente, deteriorao do saldo em CC, queda da poupana nacional e reorientao para o exterior do estmulo formao de poupana proporcionado pelo investimento. Estes trs processos so faces da mesmao dficit pblico provoca a apreciao cambial, isto , no h uma relao sistemtica de causalidade entre dficit pblico e apreciao da taxa de cmbio real (RESENDE, 2009). 14 H na abordagem ps-keynesiana vrios canais atravs dos quais o dficit pblico afeta o investimento e que no so objeto de estudo neste trabalho. Trata-se da relao entre: dficit pblico e demanda efetiva, dficit pblico e melhora ou deteriorao das expectativas dos agentes, dficit pblico e oferta de finance nacional e internacional, etc. 33 Economia & Tecnologia - Ano 07, Vol. 24 - Janeiro/Maro de 2011

Marco Flvio da Cunha, Fabrcio de Assis Campos Vieira

moeda. Quando a taxa de cmbio real se aprecia as exportaes lquidas caem. Assim, a parcela do investimento que corresponde s importaes de bens de capital (BK), que antes da apreciao cambial estimulava a formao de poupana nacional atravs das exportaes, passa a estimular a formao de poupana no exterior. O investimento gera renda e, via multiplicador dos gastos, gera a poupana nacional na economia fechada. Na economia aberta, este papel do investimento tambm exercido pelas exportaes: a exportao gera renda e, via multiplicador, surge a poupana15. A receita das exportaes usada para a importao de BK, ou seja, tudo se passa como se as exportaes fossem o prprio investimento domstico (isto , fossem a produo domstica de BK), j que a receita das exportaes trocada por importao de BK16. Da mesma forma que ocorre com o investimento, as exportaes geram renda, consumo e poupana nacional, apenas, ao invs de haver produo de BK para atender demanda de investimento, haver produo de bens destinados ao mercado externo e a receita destas exportaes ser usada para importar BK e, assim, satisfazer a demanda de investimento. Do mesmo modo que a produo de BK realizada para atender a demanda de investimento gera renda, consumo e poupana nacional no contexto do efeito multiplicador dos gastos, a atividade exportadora gera renda, consumo e poupana nacional, sendo esta ltima correspondente s exportaes lquidas das importaes de bens de consumo aps deduzidos os gastos com a renda lquida enviada ao exterior (RLEE). Quando a taxa de cmbio real se aprecia, surgem de modo simultneo deteriorao do saldo em CC e queda da poupana nacional, estando ambos os processos associados contrao das exportaes lquidas. Contudo, se a magnitude do investimento no se alterar, a magnitude da despesa com BK tambm no se modificar. Uma vez que as exportaes lquidas se reduziram aps a apreciao cambial, no haver mais a troca de bens exportados por importaes de BK, pelo menos parcialmente. Isto , parcela das importaes de BK e, portanto, parcela do investimento, no ter mais correspondncia na poupana nacional17. Aps a apreciao cambial, parcela das importaes de BK ter sua correspondncia na absoro de poupana externa (dficit em CC). Do ponto de vista do resto do mundo (ou dos parceiros comerciais), suas exportaes lquidas tero aumentado aps a apreciao da taxa de cmbio15 A atividade exportadora gera renda e parcela desta transforma-se em consumo e o restante poupado, podendo ser exportado. Assim, as exportaes fazem parte da poupana nacional quando no tm como contrapartida importao de bens de consumo. 16 Note que a parcela das exportaes cuja receita usada para importar bens de consumo no representa a poupana nacional. 17 Para facilitar a compreenso do argumento, suponha que antes da apreciao cambial a RLEE e as exportaes lquidas (das importaes) fossem z