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Pareceres e Recomendações Seminários e Colóquios LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO Balanço e Prospetiva sŽůƵŵĞ //

Tel.: (+351) 217 935 245 [email protected] Balanço e ... · A educação é consabidamente um processo de socialização, ou seja, de progressiva integração e recriação social

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Pareceres e Recomendaes Seminrios e Colquios

Volume II

LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO Balano e Prospetiva

Conselho Nacional de Educao Rua Florbela Espanca 1700-195 Lisboa Portugal Tel.: (+351) 217 935 245 [email protected] www.cnedu.pt

Pareceres e Recomendaes

As opinies expressas nesta publicao so da responsabilidade dos autores e no refletem necessariamente a opinio ou orientao do Conselho Nacional de Educao.

Ttulo: Lei de Bases do Sistema Educativo: balano e prospetiva Volume II

Autor/Editor: Conselho Nacional de Educao

Direo: Jos David Justino (Presidente do Conselho Nacional de Educao)

Coordenao: Manuel Miguns (Secretrio-Geral do Conselho Nacional de Educao)

Coleo: Seminrios e Colquios

Organizao e edio: Ana Canelas; Ana Rodrigues; Carmo Gregrio; Erclia Faria; Filomena Ramos; Isabel Pires Rodrigues; Marina Peliz; Paula Flix; Rute Perdigo; Slvia Ferreira; Teresa Casas-Novas

Composio e montagem: Paula Flix

Capa: Teresa Cardoso Bastos //DESIGN

1 Edio: julho de 2017

Tiragem: 200 exemplares

Impresso e acabamento:

ISBN: 978-989-8841-17-9 Volume II

Depsito legal:

CNE Conselho Nacional de Educao Rua Florbela Espanca 1700-195 Lisboa Telefone: 217 935 245 Endereo eletrnico: [email protected] Stio: www.cnedu.pt

As opinies expressas nesta publicao so da responsabilidade dos autores e no refletem necessariamente a opinio ou orientao do Conselho Nacional de Educao.

Ttulo: Lei de Bases do Sistema Educativo: balano e prospetiva Volume II

Autor/Editor: Conselho Nacional de Educao

Direo: Jos David Justino (Presidente do Conselho Nacional de Educao)

Coordenao: Manuel Miguns (Secretrio-Geral do Conselho Nacional de Educao)

Coleo: Seminrios e Colquios

Organizao e edio: Ana Canelas; Ana Rodrigues; Carmo Gregrio; Erclia Faria; Filomena Ramos; Isabel Pires Rodrigues; Marina Peliz; Paula Flix; Rute Perdigo; Slvia Ferreira; Teresa Casas-Novas

Composio e montagem: Paula Flix

Capa: Teresa Cardoso Bastos //DESIGN

1 Edio: julho de 2017

Tiragem: 200 exemplares

Impresso e acabamento:

ISBN: 978-989-8841-17-9 Volume II

Depsito legal:

CNE Conselho Nacional de Educao Rua Florbela Espanca 1700-195 Lisboa Telefone: 217 935 245 Endereo eletrnico: [email protected] Stio: www.cnedu.pt

A liberdade de ensino simultaneamente uma liberdade de ensinar e de aprender. O direito educao um direito que decorre da responsabilidade de educar e ser educado, isto do dever de ensinar e de aprender, que diz respeito tanto a quem ensina como a quem ensinado.

A liberdade de ensino compreende pois o direito de acesso educao. O direito de aceder educao, como direito de todos, aponta para a igualdade de oportunidades, tanto de educar como de ser educado. S h liberdade onde existem condies de leal concorrncia e condies paritrias de escolha da educao.

A liberdade conjuga-se, assim, com a igualdade, no direito educao.

1. O direito e o dever de educar pertencem, antes de mais e em primeiro lugar, famlia e no ao Estado. So os pais, at maioridade dos filhos, que tm o direito e o dever prioritrio de educar os filhos, e de escolher para eles a educao e o ensino mais consentneos com esse desgnio.

H uma prioridade da famlia, em relao ao Estado, no que toca ao direito e dever de educar. O homem da famlia, antes de ser do Estado. sobre os pais e sobre as famlias que recai a obrigao primeira de sustentar e de educar os prprios filhos.

A famlia tem uma prioridade de natureza e, portanto, uma prioridade de direitos relativamente sociedade civil. famlia cabe a responsabilidade primeira da orientao global do processo educativo. Por isso, se justifica a consociao dos pais s escolas frequentadas pelos seus filhos. Por isso, se exige que os pais no se demitam da responsabilidade orientadora da educao dos filhos, na escola, perante os meios de comunicao social, perante os ambientes sociais dos filhos.

1 Universidade Catlica Portuguesa

A liberdade de ensino simultaneamente uma liberdade de ensinar e de aprender. O direito educao um direito que decorre da responsabilidade de educar e ser educado, isto do dever de ensinar e de aprender, que diz respeito tanto a quem ensina como a quem ensinado.

A liberdade de ensino compreende pois o direito de acesso educao. O direito de aceder educao, como direito de todos, aponta para a igualdade de oportunidades, tanto de educar como de ser educado. S h liberdade onde existem condies de leal concorrncia e condies paritrias de escolha da educao.

A liberdade conjuga-se, assim, com a igualdade, no direito educao.

1. O direito e o dever de educar pertencem, antes de mais e em primeiro lugar, famlia e no ao Estado. So os pais, at maioridade dos filhos, que tm o direito e o dever prioritrio de educar os filhos, e de escolher para eles a educao e o ensino mais consentneos com esse desgnio.

H uma prioridade da famlia, em relao ao Estado, no que toca ao direito e dever de educar. O homem da famlia, antes de ser do Estado. sobre os pais e sobre as famlias que recai a obrigao primeira de sustentar e de educar os prprios filhos.

A famlia tem uma prioridade de natureza e, portanto, uma prioridade de direitos relativamente sociedade civil. famlia cabe a responsabilidade primeira da orientao global do processo educativo. Por isso, se justifica a consociao dos pais s escolas frequentadas pelos seus filhos. Por isso, se exige que os pais no se demitam da responsabilidade orientadora da educao dos filhos, na escola, perante os meios de comunicao social, perante os ambientes sociais dos filhos.

1 Universidade Catlica Portuguesa

O direito da famlia de educar os filhos anterior a qualquer direito da sociedade civil e do Estado, e , por isso, inviolvel por parte de todo e qualquer poder poltico. O poder dos pais sobre os filhos no pode ser suprimido nem absorvido pelo Estado.

Aos pais compete, assim, o direito e o dever primeiro da educao dos seus filhos, a que se segue o direito de escolher a educao e a escola para os seus filhos, princpio amplamente reconhecido.

Proclamou-o, solenemente, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, no seu Artigo 26. (n. 3):

Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gnero de educao a dar aos filhos

Proclamou-o, igualmente, e por vrias vezes, a Igreja Catlica desde a Divini Illius Magistri de Pio XI, de 31 de dezembro de 1929, quando os totalitarismos, quer nacionalistas quer internacionalistas, ameaavam monopolizar a educao, at recente Exortao Amoris Laetitia do Papa Francisco

A educao consabidamente um processo de socializao, ou seja, de progressiva integrao e recriao social. A primeira das instituies de socializao a famlia. Por isso se lhe chama instituio de socializao primria, no apenas por ser primeira, cronologicamente falando, mas, sobretudo, por ser primeira, em termos de importncia social e em termos ticos e jurdicos. A socializao primria englobante e integral, constituda por relaes comunitrias, sendo por isso a mais marcante ao longo da vida.

Tal primado da misso educativa da famlia no quer dizer que o direito educativo dos pais seja absoluto. Primazia no quer dizer unicidade. A famlia no tem a exclusividade da educao. O direito e o dever primeiro dos pais de educar so partilhados com o Estado. Tambm o Estado tem direitos e deveres na educao dos cidados.

2. No entanto, a funo do Estado na educao uma funo supletiva. Ao Estado compete proteger e promover, e ainda suprir e completar, e no absorver a famlia ou substituir-se a ela. dever do Estado proteger o

direito anterior da famlia sobre a educao dos filhos. O Estado no se substitui famlia, mas supre as deficincias, e providencia com os meios apropriados. O Estado promove a educao da juventude, favorecendo e ajudando a iniciativa das famlias, e completando esse esforo, quando no baste, por meio de escolas e instituies prprias. O Estado deve respeitar esses direitos anteriores. O Estado deve suprir as incapacidades educativas da famlia, quando ela se verificar, ou completar a sua tarefa quando a famlia e a sociedade, enfraquecidas, no estiverem em condies de exercer as suas funes. O Estado deve ajudar a famlia a cumprir os seus deveres educativos para com os filhos, sem substituir a famlia e a sociedade nessa tarefa. O Estado deve intervir na educao quando o esforo das famlias e da sociedade for insuficiente.

O dever e o direito de educar pertencem ao Estado em nome da responsabilidade que detm de promover o bem comum. O direito que assiste ao Estado de promover a educao apenas resultante deste fim, devendo pois ater-se aos limites desta promoo do bem comum.

A educao , seguramente, um bem pblico, mas que no tem de ser servido pelo Estado. O servio pblico de educao pode e deve ser exercido pela sociedade, e s supletivamente pelo Estado.

Para alm de supletivo, o papel do Estado na educao deve, tambm, ser subsidirio. No deve o Estado fazer aquilo que instncias inferiores podem e sabem fazer mais e melhor.

Este princpio da subsidiariedade, lapidarmente formulado por Pio XI, na Quadragesimo Anno, hoje princpio europeu, consignado no tratado de Maastricht, onde foi introduzido por alguns lderes europeus, designadamente o ento Presidente da Comisso Jacques Delors.

Ao Estado compete, em nome da prossecuo da justia, garantir a educao para todos, sem para tanto absorver funes que pertencem prioritariamente a outros.

Se no compete ao Estado substituir as famlias e a sociedade na tarefa educativa, no aceitvel o chamado monoplio educativo do Estado, tpico dos regimes totalitrios, pelo qual o Estado nega esse direito e esse

O direito da famlia de educar os filhos anterior a qualquer direito da sociedade civil e do Estado, e , por isso, inviolvel por parte de todo e qualquer poder poltico. O poder dos pais sobre os filhos no pode ser suprimido nem absorvido pelo Estado.

Aos pais compete, assim, o direito e o dever primeiro da educao dos seus filhos, a que se segue o direito de escolher a educao e a escola para os seus filhos, princpio amplamente reconhecido.

Proclamou-o, solenemente, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, no seu Artigo 26. (n. 3):

Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gnero de educao a dar aos filhos

Proclamou-o, igualmente, e por vrias vezes, a Igreja Catlica desde a Divini Illius Magistri de Pio XI, de 31 de dezembro de 1929, quando os totalitarismos, quer nacionalistas quer internacionalistas, ameaavam monopolizar a educao, at recente Exortao Amoris Laetitia do Papa Francisco

A educao consabidamente um processo de socializao, ou seja, de progressiva integrao e recriao social. A primeira das instituies de socializao a famlia. Por isso se lhe chama instituio de socializao primria, no apenas por ser primeira, cronologicamente falando, mas, sobretudo, por ser primeira, em termos de importncia social e em termos ticos e jurdicos. A socializao primria englobante e integral, constituda por relaes comunitrias, sendo por isso a mais marcante ao longo da vida.

Tal primado da misso educativa da famlia no quer dizer que o direito educativo dos pais seja absoluto. Primazia no quer dizer unicidade. A famlia no tem a exclusividade da educao. O direito e o dever primeiro dos pais de educar so partilhados com o Estado. Tambm o Estado tem direitos e deveres na educao dos cidados.

2. No entanto, a funo do Estado na educao uma funo supletiva. Ao Estado compete proteger e promover, e ainda suprir e completar, e no absorver a famlia ou substituir-se a ela. dever do Estado proteger o

direito anterior da famlia sobre a educao dos filhos. O Estado no se substitui famlia, mas supre as deficincias, e providencia com os meios apropriados. O Estado promove a educao da juventude, favorecendo e ajudando a iniciativa das famlias, e completando esse esforo, quando no baste, por meio de escolas e instituies prprias. O Estado deve respeitar esses direitos anteriores. O Estado deve suprir as incapacidades educativas da famlia, quando ela se verificar, ou completar a sua tarefa quando a famlia e a sociedade, enfraquecidas, no estiverem em condies de exercer as suas funes. O Estado deve ajudar a famlia a cumprir os seus deveres educativos para com os filhos, sem substituir a famlia e a sociedade nessa tarefa. O Estado deve intervir na educao quando o esforo das famlias e da sociedade for insuficiente.

O dever e o direito de educar pertencem ao Estado em nome da responsabilidade que detm de promover o bem comum. O direito que assiste ao Estado de promover a educao apenas resultante deste fim, devendo pois ater-se aos limites desta promoo do bem comum.

A educao , seguramente, um bem pblico, mas que no tem de ser servido pelo Estado. O servio pblico de educao pode e deve ser exercido pela sociedade, e s supletivamente pelo Estado.

Para alm de supletivo, o papel do Estado na educao deve, tambm, ser subsidirio. No deve o Estado fazer aquilo que instncias inferiores podem e sabem fazer mais e melhor.

Este princpio da subsidiariedade, lapidarmente formulado por Pio XI, na Quadragesimo Anno, hoje princpio europeu, consignado no tratado de Maastricht, onde foi introduzido por alguns lderes europeus, designadamente o ento Presidente da Comisso Jacques Delors.

Ao Estado compete, em nome da prossecuo da justia, garantir a educao para todos, sem para tanto absorver funes que pertencem prioritariamente a outros.

Se no compete ao Estado substituir as famlias e a sociedade na tarefa educativa, no aceitvel o chamado monoplio educativo do Estado, tpico dos regimes totalitrios, pelo qual o Estado nega esse direito e esse

dever a todas as demais instituies da sociedade. A Igreja e os Papas denunciaram, por diversas vezes, como injusto e ilcito, o monoplio do estado na educao que obrigue as famlias fsica ou moralmente, a frequentar as escolas do Estado, contra as obrigaes da conscincia crist ou mesmo contra as suas legtimas preferncias2

O monoplio de ensino disse o Conclio Vaticano II3 vai contra os direitos inatos da pessoa humana, contra o progresso e a divulgao da cultura, contra o convvio pacfico dos cidados, e contra o pluralismo em vigor nas sociedades de hoje.

No compete, pois, ao Estado substituir escolas privadas por escolas pblicas, nem criar escolas pblicas onde j existam escolas privadas, inviabilizando-as com concorrncia desleal, nem estatizar escolas privadas.

Como processo de socializao, a educao no visa apenas fins pessoais como o da construo da personalidade mas tambm fins sociais, como o de tornar o homem til sociedade

Deste ponto de vista ganha relevo a igualdade de oportunidades como horizonte de justia. A democratizao da educao consiste precisamente em dar a todos as mesmas oportunidades de acesso e de sucesso, o que s se consegue num quadro de liberdade, de livre expresso de cada um e de todos. A liberdade , assim, condio de justia social.

3. O Estado no deve nem pode orientar axiologicamente a educao, educao que necessariamente um processo de inculcao de valores.

O processo educativo no axiologicamente neutro. A neutralidade educativa uma falcia. No h educao sem orientao por valores e para valores. Ora, o Estado, que se pretende neutro do ponto de vista axiolgico, no pode, por isso, deixar de respeitar o pluralismo e a diversidade social na educao.

2 Divini Illius Magistri, 48. 3 Declarao sobre a Educao Crist, 6.

Ao Estado compete promover o pluralismo educativo, que tem que ser necessariamente um pluralismo institucional. Uma sociedade pluralista, que respeita democraticamente a variedade de orientaes axiolgicas, tem que promover o pluralismo educativo atravs do pluralismo de escolas. O pluralismo prprio ao Estado democrtico escreveu o Prof. Jorge Miranda um pluralismo interno nas escolas pblicas e um externo nas escolas no-pblicas; interno naquelas, por, na mesma escola, coexistirem diferentes perspetivas doutrinais e confessionais dos professores, externo nas segundas, porque a diversidade de orientaes de escola para escola traduz o pluralismo geral do sistema. O pluralismo democrtico, consagrado na constituio de 1976, requer o pluralismo das escolas e dos projetos educativos, e este a liberdade de cada escola ter como professores aqueles, e somente aqueles, que com esse projeto se conformam. O direito de criao de escolas diferentes das estatais (artigo 43. 4) envolve esse direito e o correspondente dever de integrao dos que nela so chamados a ensinar4.

Ao Estado compete garantir as liberdades fundamentais, entre elas a liberdade de ensino, entendida como liberdade de instituio de escolas, de acordo com o pluralismo educativo, e como liberdade de escolha dessas escolas. O direito que assiste aos pais de escolher a educao para os filhos , por conseguinte, um direito a escolher tambm as escolas que melhor satisfazem o projeto educativo que acalentam para os seus filhos. A liberdade pressupe pluralismo de escolhas, no condicionadas por mecanismos destorcedores de concorrncia. As famlias devem poder escolher livremente a escola para os seus filhos, sem serem condicionadas por razes de carcter econmico.

O que significa que o Estado, se decide financiar o ensino, tornando-o gratuito, no o pode fazer inviabilizando esta liberdade de escolha, financiando apenas os estabelecimentos oficiais e obrigando quem opta pelos estabelecimentos particulares ou cooperativos a pagar propinas. O

4 Parecer de 28 de Dezembro de 2009, citado por Manuel Braga da Cruz, Os dias da Universidade e outras intervenes, Lisboa, UC Editora, 2012, pp.98-99

dever a todas as demais instituies da sociedade. A Igreja e os Papas denunciaram, por diversas vezes, como injusto e ilcito, o monoplio do estado na educao que obrigue as famlias fsica ou moralmente, a frequentar as escolas do Estado, contra as obrigaes da conscincia crist ou mesmo contra as suas legtimas preferncias2

O monoplio de ensino disse o Conclio Vaticano II3 vai contra os direitos inatos da pessoa humana, contra o progresso e a divulgao da cultura, contra o convvio pacfico dos cidados, e contra o pluralismo em vigor nas sociedades de hoje.

No compete, pois, ao Estado substituir escolas privadas por escolas pblicas, nem criar escolas pblicas onde j existam escolas privadas, inviabilizando-as com concorrncia desleal, nem estatizar escolas privadas.

Como processo de socializao, a educao no visa apenas fins pessoais como o da construo da personalidade mas tambm fins sociais, como o de tornar o homem til sociedade

Deste ponto de vista ganha relevo a igualdade de oportunidades como horizonte de justia. A democratizao da educao consiste precisamente em dar a todos as mesmas oportunidades de acesso e de sucesso, o que s se consegue num quadro de liberdade, de livre expresso de cada um e de todos. A liberdade , assim, condio de justia social.

3. O Estado no deve nem pode orientar axiologicamente a educao, educao que necessariamente um processo de inculcao de valores.

O processo educativo no axiologicamente neutro. A neutralidade educativa uma falcia. No h educao sem orientao por valores e para valores. Ora, o Estado, que se pretende neutro do ponto de vista axiolgico, no pode, por isso, deixar de respeitar o pluralismo e a diversidade social na educao.

2 Divini Illius Magistri, 48. 3 Declarao sobre a Educao Crist, 6.

Ao Estado compete promover o pluralismo educativo, que tem que ser necessariamente um pluralismo institucional. Uma sociedade pluralista, que respeita democraticamente a variedade de orientaes axiolgicas, tem que promover o pluralismo educativo atravs do pluralismo de escolas. O pluralismo prprio ao Estado democrtico escreveu o Prof. Jorge Miranda um pluralismo interno nas escolas pblicas e um externo nas escolas no-pblicas; interno naquelas, por, na mesma escola, coexistirem diferentes perspetivas doutrinais e confessionais dos professores, externo nas segundas, porque a diversidade de orientaes de escola para escola traduz o pluralismo geral do sistema. O pluralismo democrtico, consagrado na constituio de 1976, requer o pluralismo das escolas e dos projetos educativos, e este a liberdade de cada escola ter como professores aqueles, e somente aqueles, que com esse projeto se conformam. O direito de criao de escolas diferentes das estatais (artigo 43. 4) envolve esse direito e o correspondente dever de integrao dos que nela so chamados a ensinar4.

Ao Estado compete garantir as liberdades fundamentais, entre elas a liberdade de ensino, entendida como liberdade de instituio de escolas, de acordo com o pluralismo educativo, e como liberdade de escolha dessas escolas. O direito que assiste aos pais de escolher a educao para os filhos , por conseguinte, um direito a escolher tambm as escolas que melhor satisfazem o projeto educativo que acalentam para os seus filhos. A liberdade pressupe pluralismo de escolhas, no condicionadas por mecanismos destorcedores de concorrncia. As famlias devem poder escolher livremente a escola para os seus filhos, sem serem condicionadas por razes de carcter econmico.

O que significa que o Estado, se decide financiar o ensino, tornando-o gratuito, no o pode fazer inviabilizando esta liberdade de escolha, financiando apenas os estabelecimentos oficiais e obrigando quem opta pelos estabelecimentos particulares ou cooperativos a pagar propinas. O

4 Parecer de 28 de Dezembro de 2009, citado por Manuel Braga da Cruz, Os dias da Universidade e outras intervenes, Lisboa, UC Editora, 2012, pp.98-99

dinheiro pblico dinheiro de todos os contribuintes e para todos, e no apenas para as escolas oficiais e para os seus alunos e professores. A igualdade de oportunidades obriga a que o Estado no discrimine os cidados, penalizando-os pela sua legtima opo de escola.

Essa discriminao inaceitvel obriga alguns cidados, precisamente os que, em nome da liberdade de ensino que lhes assiste, exercitam o seu direito de opo, a pagar duas vezes a educao dos seus filhos, atravs dos impostos com que o estado financia a educao dos cidados, e atravs das propinas. Tal situao configura uma flagrante injustia social.

A liberdade de ensino, reduzida a mera liberdade de instituio de estabelecimentos, no passa de mera tolerncia. A liberdade de ensino, como liberdade de escolha da escola e do projeto educativo para os filhos, obriga a uma igualdade de oportunidades, que se deve traduzir, no caso do financiamento pblico da educao, num financiamento a todos os estudantes ou a todas as famlias.

4. O processo educativo um processo de avaliao e de classificao, no apenas de quem aprende mas tambm de quem ensina. um processo atravessado por isso por uma dinmica de competio. Ao Estado compete salvaguardar as regras em que essa competio se desenrola.

A primeira regra da competio educativa a da equidade, ou igualdade de condies, o que implica a no-discriminao de instituies e de alunos no acesso educao que desejam.

Se o Estado define, de acordo com a recomendao da Declarao Universal dos Direitos do Homem, a gratuitidade da educao obrigatria A educao deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar obrigatrio (artigo 26, n1) -, no pode confinar essa gratuitidade apenas a algumas instituies ou a alguns alunos.

Para que a emulao pela qualidade educativa seja equitativa o Estado no pode reservar para seu financiamento apenas as suas escolas, mas deve abranger com ele todas as escolas. essa a realidade j em vrios pases da Europa. Esse financiamento tanto pode ser feito s instituies, como

aos alunos e suas famlias, que pagam com esse financiamento (ou cheque-ensino) a educao das escolas.

5. Infelizmente a nossa Constituio de 1976, fortemente influenciada pelos princpios do coletivismo socialista, atribua em 1976 esse dever e esse direito ao Estado, no n75.

Ao Estado competia criar, dizia o n 1 desse artigo, uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades de toda a populao. Era o monoplio tendencial da educao em Portugal. O Estado admitia transitoriamente, e supletivamente, o ensino particular. Dizia o n2 do mesmo artigo: O Estado fiscaliza o ensino particular supletivo do ensino pblico.

Na reviso constitucional de 1982 foi felizmente abandonada esta afirmao do primado do Estado e o carcter supletivo da iniciativa privada na educao, substituindo-se, no primeiro desses dois artigos, a designao estabelecimentos oficiais pela designao estabelecimentos pblicos, admitindo assim que a educao pblica possa ser prestada por estabelecimentos no oficiais, e introduzindo nela o direito de criao por todos de escolas particulares e cooperativas (artigo 43, n 4), e banindo, por conseguinte, da Constituio a conceo supletiva do ensino particular em relao ao Estado.

A reviso Constitucional abriu, assim, o sistema de ensino portugus a uma parceria entre a sociedade e o estado, entre a iniciativa do Estado e a iniciativa da sociedade, mas sem ainda afirmar claramente o primado democrtico da famlia e da sociedade na educao bem como o caracter supletivo do Estado.

Como sublinha Guilherme dOliveira Martins5, a Constituio, revista em 1982, ao reconhecer no apenas o direito de ensinar e de aprender, por um lado, mas tambm o direito fundao de escolas particulares e cooperativas, por outro, consagra a liberdade de ensino como um direito

5 Guilherme dOliveira Martins, Liberdade de aprender e de ensinar, in Liberdade e Compromisso. Estudos dedicados ao Prof. Mrio Pinto, vol. I, Lisboa, UC Editora, 2008, p.164

dinheiro pblico dinheiro de todos os contribuintes e para todos, e no apenas para as escolas oficiais e para os seus alunos e professores. A igualdade de oportunidades obriga a que o Estado no discrimine os cidados, penalizando-os pela sua legtima opo de escola.

Essa discriminao inaceitvel obriga alguns cidados, precisamente os que, em nome da liberdade de ensino que lhes assiste, exercitam o seu direito de opo, a pagar duas vezes a educao dos seus filhos, atravs dos impostos com que o estado financia a educao dos cidados, e atravs das propinas. Tal situao configura uma flagrante injustia social.

A liberdade de ensino, reduzida a mera liberdade de instituio de estabelecimentos, no passa de mera tolerncia. A liberdade de ensino, como liberdade de escolha da escola e do projeto educativo para os filhos, obriga a uma igualdade de oportunidades, que se deve traduzir, no caso do financiamento pblico da educao, num financiamento a todos os estudantes ou a todas as famlias.

4. O processo educativo um processo de avaliao e de classificao, no apenas de quem aprende mas tambm de quem ensina. um processo atravessado por isso por uma dinmica de competio. Ao Estado compete salvaguardar as regras em que essa competio se desenrola.

A primeira regra da competio educativa a da equidade, ou igualdade de condies, o que implica a no-discriminao de instituies e de alunos no acesso educao que desejam.

Se o Estado define, de acordo com a recomendao da Declarao Universal dos Direitos do Homem, a gratuitidade da educao obrigatria A educao deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar obrigatrio (artigo 26, n1) -, no pode confinar essa gratuitidade apenas a algumas instituies ou a alguns alunos.

Para que a emulao pela qualidade educativa seja equitativa o Estado no pode reservar para seu financiamento apenas as suas escolas, mas deve abranger com ele todas as escolas. essa a realidade j em vrios pases da Europa. Esse financiamento tanto pode ser feito s instituies, como

aos alunos e suas famlias, que pagam com esse financiamento (ou cheque-ensino) a educao das escolas.

5. Infelizmente a nossa Constituio de 1976, fortemente influenciada pelos princpios do coletivismo socialista, atribua em 1976 esse dever e esse direito ao Estado, no n75.

Ao Estado competia criar, dizia o n 1 desse artigo, uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades de toda a populao. Era o monoplio tendencial da educao em Portugal. O Estado admitia transitoriamente, e supletivamente, o ensino particular. Dizia o n2 do mesmo artigo: O Estado fiscaliza o ensino particular supletivo do ensino pblico.

Na reviso constitucional de 1982 foi felizmente abandonada esta afirmao do primado do Estado e o carcter supletivo da iniciativa privada na educao, substituindo-se, no primeiro desses dois artigos, a designao estabelecimentos oficiais pela designao estabelecimentos pblicos, admitindo assim que a educao pblica possa ser prestada por estabelecimentos no oficiais, e introduzindo nela o direito de criao por todos de escolas particulares e cooperativas (artigo 43, n 4), e banindo, por conseguinte, da Constituio a conceo supletiva do ensino particular em relao ao Estado.

A reviso Constitucional abriu, assim, o sistema de ensino portugus a uma parceria entre a sociedade e o estado, entre a iniciativa do Estado e a iniciativa da sociedade, mas sem ainda afirmar claramente o primado democrtico da famlia e da sociedade na educao bem como o caracter supletivo do Estado.

Como sublinha Guilherme dOliveira Martins5, a Constituio, revista em 1982, ao reconhecer no apenas o direito de ensinar e de aprender, por um lado, mas tambm o direito fundao de escolas particulares e cooperativas, por outro, consagra a liberdade de ensino como um direito

5 Guilherme dOliveira Martins, Liberdade de aprender e de ensinar, in Liberdade e Compromisso. Estudos dedicados ao Prof. Mrio Pinto, vol. I, Lisboa, UC Editora, 2008, p.164

pessoal de todos aplicvel universalmente em toda a rede de educao e formao, que assim se constitui em rede de servio pblico de educao, servio pblico esse que no se confunde com servio estatal.

Entender a obrigao constitucional de o Estado criar uma rede pblica de estabelecimentos que cubra todas as necessidades educativas da populao como sendo composta apenas por escolas do Estado, equivale a negar a existncia, a prazo, de escolas privadas, cuja criao por todos o artigo 43, 2 permite, e a recusar liminarmente a liberdade de ensino consignada no artigo 43 da Constituio.

Sendo o ensino obrigatrio gratuito, o Estado tem assim a obrigao de subsidiar a educao, tanto ministrada nas escolas oficiais do Estado, como nas escolas particulares, mormente as que ministram o ensino obrigatrio. No o fazer, limitando-se a subsidiar as escolas estatais, para alm de expressamente ilegal, como o recorda Mrio Pinto6, desrespeita a liberdade de criao de escolas, a liberdade de funcionamento do sistema, acabando por apenas tolerar a iniciativa particular na educao.

Para alm disso, tolerar o ensino privado apenas para quem tem possibilidade de pagar propinas, e obrigar quem no as pode pagar a frequentar o ensino estatal, constitui uma inaceitvel discriminao socioeconmica, indigna de um Estado democrtico, e configura uma grave injustia social.

5. Apesar de a liberdade de ensino, como liberdade de instituio de escolas e como liberdade de escolha de escolas, ser um direito consagrado pela constituio a todos os portugueses, estamos, no entanto, confrontados em Portugal com a ausncia de plena liberdade de ensino, j que esta liberdade no apenas liberdade de criao de estabelecimentos, mas tambm liberdade de competio entre eles, s possvel em condies de igualdade, e liberdade de escolha por parte das famlias.

6 In Observador de XI.2015

Ora esta liberdade est longe de estar conseguida em Portugal. As famlias no so livres de escolher a escola para os seus filhos, pois esto condicionadas pela desigualdade de custos da frequncia do ensino estatal e do ensino no estatal, que lesa essa liberdade de opo. Enquanto o primeiro gratuito, ou quase gratuito no superior, o segundo obrigado a cobrar as despesas reais. Desse modo, as escolas no concorrem livremente ente si, sendo assim lesada a liberdade e a lealdade da competio.

Esta ausncia de liberdade e de concorrncia leal tambm um problema de justia social, como sublinhmos, porque discrimina com base no exerccio de um direito legitimamente exercido. Esta disparidade de condies, alm de injusta, tambm insustentvel pois poder provocar a prazo a impossibilidade de sobrevivncia da iniciativa privada e social no domnio da educao.

6. Assistimos, infelizmente, a uma forte tendncia para a estatizao do ensino em Portugal, que contraria a liberdade de ensino consagrada na Constituio, e que pretende repor a supletividade do ensino privado em relao ao ensino estatal, como se assiste no atual debate sobre a supresso e reduo de contratos de associao.

Demonstrao dessa tendncia o facto de o Estado ter vindo a colocar escolas e ofertas educativas desnecessariamente, onde anteriormente existiam iniciativas congneres privadas, esbanjando recursos nacionais, ou para as eliminar ou estabelecendo com elas uma concorrncia desleal pela desigualdade de propinas praticadas, e obrigando desse modo ao seu desaparecimento. E f-lo, por vezes, com a confessada inteno de vir a assumir sozinho a funo educativa.

Noutros casos, o Estado prodigaliza exclusivamente s suas escolas apoios financeiros de tal grandeza, que recusa s demais escolas, inviabilizando a livre competio entre instituies, e proporcionando a instalao de um protecionismo monopolizador, que em nada favorece a preparao das instituies escolares portuguesas para a competio no espao europeu e internacional.

pessoal de todos aplicvel universalmente em toda a rede de educao e formao, que assim se constitui em rede de servio pblico de educao, servio pblico esse que no se confunde com servio estatal.

Entender a obrigao constitucional de o Estado criar uma rede pblica de estabelecimentos que cubra todas as necessidades educativas da populao como sendo composta apenas por escolas do Estado, equivale a negar a existncia, a prazo, de escolas privadas, cuja criao por todos o artigo 43, 2 permite, e a recusar liminarmente a liberdade de ensino consignada no artigo 43 da Constituio.

Sendo o ensino obrigatrio gratuito, o Estado tem assim a obrigao de subsidiar a educao, tanto ministrada nas escolas oficiais do Estado, como nas escolas particulares, mormente as que ministram o ensino obrigatrio. No o fazer, limitando-se a subsidiar as escolas estatais, para alm de expressamente ilegal, como o recorda Mrio Pinto6, desrespeita a liberdade de criao de escolas, a liberdade de funcionamento do sistema, acabando por apenas tolerar a iniciativa particular na educao.

Para alm disso, tolerar o ensino privado apenas para quem tem possibilidade de pagar propinas, e obrigar quem no as pode pagar a frequentar o ensino estatal, constitui uma inaceitvel discriminao socioeconmica, indigna de um Estado democrtico, e configura uma grave injustia social.

5. Apesar de a liberdade de ensino, como liberdade de instituio de escolas e como liberdade de escolha de escolas, ser um direito consagrado pela constituio a todos os portugueses, estamos, no entanto, confrontados em Portugal com a ausncia de plena liberdade de ensino, j que esta liberdade no apenas liberdade de criao de estabelecimentos, mas tambm liberdade de competio entre eles, s possvel em condies de igualdade, e liberdade de escolha por parte das famlias.

6 In Observador de XI.2015

Ora esta liberdade est longe de estar conseguida em Portugal. As famlias no so livres de escolher a escola para os seus filhos, pois esto condicionadas pela desigualdade de custos da frequncia do ensino estatal e do ensino no estatal, que lesa essa liberdade de opo. Enquanto o primeiro gratuito, ou quase gratuito no superior, o segundo obrigado a cobrar as despesas reais. Desse modo, as escolas no concorrem livremente ente si, sendo assim lesada a liberdade e a lealdade da competio.

Esta ausncia de liberdade e de concorrncia leal tambm um problema de justia social, como sublinhmos, porque discrimina com base no exerccio de um direito legitimamente exercido. Esta disparidade de condies, alm de injusta, tambm insustentvel pois poder provocar a prazo a impossibilidade de sobrevivncia da iniciativa privada e social no domnio da educao.

6. Assistimos, infelizmente, a uma forte tendncia para a estatizao do ensino em Portugal, que contraria a liberdade de ensino consagrada na Constituio, e que pretende repor a supletividade do ensino privado em relao ao ensino estatal, como se assiste no atual debate sobre a supresso e reduo de contratos de associao.

Demonstrao dessa tendncia o facto de o Estado ter vindo a colocar escolas e ofertas educativas desnecessariamente, onde anteriormente existiam iniciativas congneres privadas, esbanjando recursos nacionais, ou para as eliminar ou estabelecendo com elas uma concorrncia desleal pela desigualdade de propinas praticadas, e obrigando desse modo ao seu desaparecimento. E f-lo, por vezes, com a confessada inteno de vir a assumir sozinho a funo educativa.

Noutros casos, o Estado prodigaliza exclusivamente s suas escolas apoios financeiros de tal grandeza, que recusa s demais escolas, inviabilizando a livre competio entre instituies, e proporcionando a instalao de um protecionismo monopolizador, que em nada favorece a preparao das instituies escolares portuguesas para a competio no espao europeu e internacional.

Este progressivo estrangulamento da iniciativa privada e social, numa rea de tamanha importncia econmica, social, e cultural, contraria, quer o esprito europeu, que fez seu o princpio de subsidiariedade, quer as orientaes da Unio Europeia, quer a doutrina social da Igreja.

Alm disso, assistimos hoje a tentativas de reduo dos j poucos contratos de associao do Estado com escolas privadas, reduzindo, desse modo, a j pouca liberdade de escolha dos poucos que ainda a tinham, precisamente dos mais desfavorecidos, em vez de se avanar para a plena instaurao da liberdade de ensino.

Tais contratos de associao, em lugar de serem entendidos como parcerias, como expresso, embora limitada, da liberdade de escolha, so encarados como expresso da supletividade do ensino privado em relao ao ensino pblico, banida da Constituio, e no como parte integrante dele.

7. Portugal fez progressos assinalveis no campo da educao nas ltimas dcadas, com um enorme aumento das taxas de escolarizao. No entanto, estamos longe ainda de igualar as taxas dos pases mais desenvolvidos.

As atuais necessidades de promoo da educao e de prossecuo de metas mais ambiciosas para educao em Portugal tornam urgente, entre ns, uma grande parceria entre a sociedade e o Estado.

Ora existem entraves ao crescimento das taxas de escolarizao. Entre elas est, em primeiro lugar, a falta de crdito da educao junto das famlias e pais, que no sentem a necessidade de dar continuidade educao escolar dos filhos, preferindo a sua mais rpida e precoce entrada no mercado de trabalho. A deficiente articulao entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho, com a consequente deficiente empregabilidade da escolaridade, bem demonstrada pelo particularmente elevado desemprego intelectual, repercute-se na procura escolar e explica em parte as, ainda baixas, taxas de escolarizao entre ns.

fundamental aproximar a escola da sociedade, do mundo profissional e do mundo empresarial, de molde a garantir a melhor profissionalizao, formao para o emprego, empregabilidade das formaes. E isso pede

uma maior articulao com a sociedade, que a estadualizao do ensino no s no favorece como desincentiva.

A crescente assuno de responsabilidades por parte do Estado na educao desresponsabilizou a sociedade das tarefas da educao. Nos pases de mais forte sociedade civil so frequentes as iniciativas sociais em prol do financiamento da educao, como a criao de fundaes destinadas a recolher e a oferecer bolsas de estudo e prmios escolares, para estudantes mais carenciados e de maior mrito. A sociedade tem um amplo papel a desempenhar na promoo do ensino e do mrito escolar. A sociedade precisa de ser chamada a exercer as suas responsabilidades, quer em termos de protagonismo quer em termos de financiamento.

O modelo estatista na educao nasceu quando o Estado era o grande consumidor e beneficirio dos resultados da expanso educativa. Hoje, os alunos que se formam no se destinam nem exclusivamente nem sobretudo funo pblica, mas antes ao mundo do trabalho e das empresas, que devem por isso assumir tambm as responsabilidades da formao dos seus quadros e funcionrios.

Impe-se, por conseguinte, uma parceria com a sociedade para a educao, que procure elevar as metas da educao em Portugal, tanto em termos quantitativos, como qualitativos. A batalha por melhores resultados no acesso escolarizao e no sucesso da escolaridade, requer uma especial mobilizao da sociedade e das famlias, de que exemplo a apontar, entre ns, a associao EPIS.

E, com o incentivo da responsabilidade da sociedade, importa valorizar uma cultura de mecenato de educao em Portugal. A pouca que havia foi destruda pela crescente intromisso do Estado.

urgente mobilizar a sociedade para a educao: pais e famlias tm estado demasiado afastados da educao. As famlias alheiam-se da educao. Muitos pretendem mesmo que a escola substitua a famlia na educao, o que mais contribui ainda para uma desvalorizao social da educao em muitos sectores da sociedade.

Este progressivo estrangulamento da iniciativa privada e social, numa rea de tamanha importncia econmica, social, e cultural, contraria, quer o esprito europeu, que fez seu o princpio de subsidiariedade, quer as orientaes da Unio Europeia, quer a doutrina social da Igreja.

Alm disso, assistimos hoje a tentativas de reduo dos j poucos contratos de associao do Estado com escolas privadas, reduzindo, desse modo, a j pouca liberdade de escolha dos poucos que ainda a tinham, precisamente dos mais desfavorecidos, em vez de se avanar para a plena instaurao da liberdade de ensino.

Tais contratos de associao, em lugar de serem entendidos como parcerias, como expresso, embora limitada, da liberdade de escolha, so encarados como expresso da supletividade do ensino privado em relao ao ensino pblico, banida da Constituio, e no como parte integrante dele.

7. Portugal fez progressos assinalveis no campo da educao nas ltimas dcadas, com um enorme aumento das taxas de escolarizao. No entanto, estamos longe ainda de igualar as taxas dos pases mais desenvolvidos.

As atuais necessidades de promoo da educao e de prossecuo de metas mais ambiciosas para educao em Portugal tornam urgente, entre ns, uma grande parceria entre a sociedade e o Estado.

Ora existem entraves ao crescimento das taxas de escolarizao. Entre elas est, em primeiro lugar, a falta de crdito da educao junto das famlias e pais, que no sentem a necessidade de dar continuidade educao escolar dos filhos, preferindo a sua mais rpida e precoce entrada no mercado de trabalho. A deficiente articulao entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho, com a consequente deficiente empregabilidade da escolaridade, bem demonstrada pelo particularmente elevado desemprego intelectual, repercute-se na procura escolar e explica em parte as, ainda baixas, taxas de escolarizao entre ns.

fundamental aproximar a escola da sociedade, do mundo profissional e do mundo empresarial, de molde a garantir a melhor profissionalizao, formao para o emprego, empregabilidade das formaes. E isso pede

uma maior articulao com a sociedade, que a estadualizao do ensino no s no favorece como desincentiva.

A crescente assuno de responsabilidades por parte do Estado na educao desresponsabilizou a sociedade das tarefas da educao. Nos pases de mais forte sociedade civil so frequentes as iniciativas sociais em prol do financiamento da educao, como a criao de fundaes destinadas a recolher e a oferecer bolsas de estudo e prmios escolares, para estudantes mais carenciados e de maior mrito. A sociedade tem um amplo papel a desempenhar na promoo do ensino e do mrito escolar. A sociedade precisa de ser chamada a exercer as suas responsabilidades, quer em termos de protagonismo quer em termos de financiamento.

O modelo estatista na educao nasceu quando o Estado era o grande consumidor e beneficirio dos resultados da expanso educativa. Hoje, os alunos que se formam no se destinam nem exclusivamente nem sobretudo funo pblica, mas antes ao mundo do trabalho e das empresas, que devem por isso assumir tambm as responsabilidades da formao dos seus quadros e funcionrios.

Impe-se, por conseguinte, uma parceria com a sociedade para a educao, que procure elevar as metas da educao em Portugal, tanto em termos quantitativos, como qualitativos. A batalha por melhores resultados no acesso escolarizao e no sucesso da escolaridade, requer uma especial mobilizao da sociedade e das famlias, de que exemplo a apontar, entre ns, a associao EPIS.

E, com o incentivo da responsabilidade da sociedade, importa valorizar uma cultura de mecenato de educao em Portugal. A pouca que havia foi destruda pela crescente intromisso do Estado.

urgente mobilizar a sociedade para a educao: pais e famlias tm estado demasiado afastados da educao. As famlias alheiam-se da educao. Muitos pretendem mesmo que a escola substitua a famlia na educao, o que mais contribui ainda para uma desvalorizao social da educao em muitos sectores da sociedade.

Para essa reorientao da escola para a sociedade, fundamental voltar a colocar no centro da escola o aluno, e fomentar a sua identidade comunitria.

Temos vindo a assistir, com a crescente sindicalizao da escola, colocao do professor no centro da escola pblica. O prprio Ministrio da Educao se tem tornado numa imensa entidade patronal, absorvida primordialmente com negociaes com os professores. O recentrar da escola no aluno, mobilizar os professores para a formao de comunidades educativas, com cultura e projeto pedaggico prprios, reforando as identidades e a capacidade competitiva das escolas. E favorecer, seguramente, a emergncia de uma cultura de iniciativa e de inovao, o que s uma escola autnoma, aberta inovao e iniciativa da sociedade pode garantir cabalmente.

Portugal precisa de uma escola livre e competitiva, para ter um sistema educativo aberto e internacionalmente competitivo, que contribua de forma decisiva para o seu desenvolvimento e para a sua afirmao internacional.

Cest tout ce domaine de limplicite que la philosophie de lducation a pour fonction dexpliciter, en dgageant les significations caches, le non-dit ou le non-peru qui environnent laction quotidienne. En dautres termes, si sa fonction pistmologique est dvaluer la validit des savoirs acquis sur lducation, sa fonction lucidatrice est didentifier les valeurs qui la promeuvent, de tirer au clair la vision de lHomme qui lanime et den apprcier la pertinence.2

Da liberdade de ensinar, pode-se dizer, com um exagero menor do que se poderia supor, o que Agostinho de Hipona enuncia sobre o tempo: se ningum mo pergunta, sei o que ; mas se quero explic-lo, no sei3. Esta situao paradoxal revela tratar-se de uma expresso-umbela, de cariz filosfico, sem prejuzo da sua traduo jurdica, que comporta uma pluralidade de sentidos e de referentes, eventualmente, antinmicos, posta a funcionar de modo dialtico. Esse perfil, no menos do que a viabilidade da sua efetuao, requer o exerccio sistemtico da hermenutica e da crtica, com o objetivo de lidar com uma tal complexidade, bem como a sua permanente discusso, destinada a determinar as modalidades da sua operacionalizao em cada configurao contextual. Por sua vez, s perplexidades tericas, suscitadas pela anlise do conceito, associa-se um argumentrio epocal que lhe atribui significaes predominantes, como seja a atual confuso com a chamada liberdade de escolha, e lhe confere um aparato justificativo peculiar, de cariz liberal e naturalista.

Este artigo pretende, por conseguinte, constituir um pequeno contributo para esse trabalho de desconstruo terica. A partir das trs perguntas

1 Universidade Nova de Lisboa 2 Guy Avanzini; Alain Mougniotte, Penser la philosophie de lducation Pourquoi ? Pour quoi?, Lyon, Chronique Sociale, 2012, p. 59. 3 Santo Agostinho, Confisses, XI, XIV, 17, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000, p. 567.

Para essa reorientao da escola para a sociedade, fundamental voltar a colocar no centro da escola o aluno, e fomentar a sua identidade comunitria.

Temos vindo a assistir, com a crescente sindicalizao da escola, colocao do professor no centro da escola pblica. O prprio Ministrio da Educao se tem tornado numa imensa entidade patronal, absorvida primordialmente com negociaes com os professores. O recentrar da escola no aluno, mobilizar os professores para a formao de comunidades educativas, com cultura e projeto pedaggico prprios, reforando as identidades e a capacidade competitiva das escolas. E favorecer, seguramente, a emergncia de uma cultura de iniciativa e de inovao, o que s uma escola autnoma, aberta inovao e iniciativa da sociedade pode garantir cabalmente.

Portugal precisa de uma escola livre e competitiva, para ter um sistema educativo aberto e internacionalmente competitivo, que contribua de forma decisiva para o seu desenvolvimento e para a sua afirmao internacional.

Cest tout ce domaine de limplicite que la philosophie de lducation a pour fonction dexpliciter, en dgageant les significations caches, le non-dit ou le non-peru qui environnent laction quotidienne. En dautres termes, si sa fonction pistmologique est dvaluer la validit des savoirs acquis sur lducation, sa fonction lucidatrice est didentifier les valeurs qui la promeuvent, de tirer au clair la vision de lHomme qui lanime et den apprcier la pertinence.2

Da liberdade de ensinar, pode-se dizer, com um exagero menor do que se poderia supor, o que Agostinho de Hipona enuncia sobre o tempo: se ningum mo pergunta, sei o que ; mas se quero explic-lo, no sei3. Esta situao paradoxal revela tratar-se de uma expresso-umbela, de cariz filosfico, sem prejuzo da sua traduo jurdica, que comporta uma pluralidade de sentidos e de referentes, eventualmente, antinmicos, posta a funcionar de modo dialtico. Esse perfil, no menos do que a viabilidade da sua efetuao, requer o exerccio sistemtico da hermenutica e da crtica, com o objetivo de lidar com uma tal complexidade, bem como a sua permanente discusso, destinada a determinar as modalidades da sua operacionalizao em cada configurao contextual. Por sua vez, s perplexidades tericas, suscitadas pela anlise do conceito, associa-se um argumentrio epocal que lhe atribui significaes predominantes, como seja a atual confuso com a chamada liberdade de escolha, e lhe confere um aparato justificativo peculiar, de cariz liberal e naturalista.

Este artigo pretende, por conseguinte, constituir um pequeno contributo para esse trabalho de desconstruo terica. A partir das trs perguntas

1 Universidade Nova de Lisboa 2 Guy Avanzini; Alain Mougniotte, Penser la philosophie de lducation Pourquoi ? Pour quoi?, Lyon, Chronique Sociale, 2012, p. 59. 3 Santo Agostinho, Confisses, XI, XIV, 17, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000, p. 567.

indicadas no ttulo, as quais, pelo seu carcter direto, so de molde a facultar o acesso a algumas perplexidades fundamentais sobre o objeto da educao, o estatuto conferido aos intervenientes no processo educativo, as razes que justificam a ideia de uma variedade potencial de tipos de ensino e de aprendizagem, procuraremos suscitar uma reflexo sobre os limites conceptuais do princpio em causa, que, assim o esperamos, sirva sobretudo de mote para o debate em curso. Dado que se trata de uma liberdade determinada, isto , referida a um determinado tipo de ao, o ensino, realizada num contexto institucional particular, o sistema educativo, que se conjuga ou conflitua com outras liberdades, outros princpios e outros valores (liberdade de aprender, justia, formao, etc.), parece-nos adequado seguir a metodologia avanada por John Rawls, ainda que no nos sintamos, por isso, obrigados a perfilhar o conjunto das suas teses: A descrio geral de uma liberdade assume, pois, a seguinte forma: algum, uma ou mais pessoas, est livre (ou no) de uma restrio (ou conjunto de restries) de fazer (ou no fazer) alguma coisa. () Deste ponto de vista, a liberdade uma determinada estrutura institucional, um sistema de regras pblicas que definem direitos e deveres.4

Esta forma de equacionar a liberdade de ensino torna patente que, independentemente de outras relaes, ela se enquadra no mbito geral de uma teoria da justia, como equidade, cujo princpio afirma que algum tem a obrigao de fazer aquilo que lhe cabe, consoante o especificado pelas regras de uma instituio, sempre que tenha aceite voluntariamente benefcios da mesma [].5 No entanto, como salienta o autor, no se pode esquecer que o princpio de equidade tem duas partes, uma que indica como que contramos obrigaes, praticando voluntariamente certos atos, e outra que estabelece a condio de que a instituio em causa deve ser justa, seno de modo perfeito, pelo menos to justa quanto

4 John Rawls, Uma Teoria da Justia, Lisboa, Presena, 2001, p. 168. 5 Ibidem, pp. 267-268.

razovel esperar face a circunstncias concretas.6 Tal significa que, mesmo uma compreenso incipiente, no pode deixar de ter em conta esse duplo conjunto de condies, respeitantes tanto s aes dos indivduos que detm o atributo dessa liberdade (no caso vertente, aqueles a quem cabe ensinar, sejam eles pessoas ou instituies escolares), quanto funcionalidade do sistema educativo, as quais indiciam o grau de efetividade e de justeza do conceito de liberdade de ensino dentro de um contexto especfico, que o de uma educao democrtica.

Como se poder depreender, uma boa parte da complexidade do conceito advm deste jogo necessrio entre planos, mais ou menos particulares, mais ou menos institucionais, mais ou menos subjetivos, mais ou menos normativos, na medida em que a elucidao do seu contedo no saberia prescindir daqueles fatores que constituem a problemtica geral da educao. Esta implicao decorre de se tratar de uma liberdade especfica, a liberdade de ensino. Mas, essa especificidade acarreta, igualmente, dois outros aspetos que reforam a sua dificuldade.

Por um lado, o sistema educativo detm um lugar especial no conjunto dos sistemas sociais, pois, no s forma os futuros cidados que iro interagir, consolidando ou transformando esse campo institucional, como constitui a base dos outros sistemas, ao assegurar a transmisso dos conhecimentos e das normas de que o respetivo funcionamento depende, bem como ao veicular interpretaes dos mesmos, que assumem o duplo papel de valorizadoras de determinados bens, relativamente a outros que acabam desvalorizados, e de antecipadoras do agir futuro, de acordo com a sua dinmica injuntiva. Mas, sobretudo, por outro lado, nas sociedades modernas, de modo ao mesmo tempo constitutivo e estratgico, ao sistema educativo cabe a funo de possibilitar a alterao pacfica, isto , nem blica, nem revolucionria, do esquema das desigualdades vigentes, por via da mediao da educao tida pelo bem dos bens da modernidade, ou seja, de realizar, precoce e simbolicamente, um desgnio corretivo e compensatrio de justia social. Neste sentido, o sistema educativo no

6 Ibidem, p. 268.

indicadas no ttulo, as quais, pelo seu carcter direto, so de molde a facultar o acesso a algumas perplexidades fundamentais sobre o objeto da educao, o estatuto conferido aos intervenientes no processo educativo, as razes que justificam a ideia de uma variedade potencial de tipos de ensino e de aprendizagem, procuraremos suscitar uma reflexo sobre os limites conceptuais do princpio em causa, que, assim o esperamos, sirva sobretudo de mote para o debate em curso. Dado que se trata de uma liberdade determinada, isto , referida a um determinado tipo de ao, o ensino, realizada num contexto institucional particular, o sistema educativo, que se conjuga ou conflitua com outras liberdades, outros princpios e outros valores (liberdade de aprender, justia, formao, etc.), parece-nos adequado seguir a metodologia avanada por John Rawls, ainda que no nos sintamos, por isso, obrigados a perfilhar o conjunto das suas teses: A descrio geral de uma liberdade assume, pois, a seguinte forma: algum, uma ou mais pessoas, est livre (ou no) de uma restrio (ou conjunto de restries) de fazer (ou no fazer) alguma coisa. () Deste ponto de vista, a liberdade uma determinada estrutura institucional, um sistema de regras pblicas que definem direitos e deveres.4

Esta forma de equacionar a liberdade de ensino torna patente que, independentemente de outras relaes, ela se enquadra no mbito geral de uma teoria da justia, como equidade, cujo princpio afirma que algum tem a obrigao de fazer aquilo que lhe cabe, consoante o especificado pelas regras de uma instituio, sempre que tenha aceite voluntariamente benefcios da mesma [].5 No entanto, como salienta o autor, no se pode esquecer que o princpio de equidade tem duas partes, uma que indica como que contramos obrigaes, praticando voluntariamente certos atos, e outra que estabelece a condio de que a instituio em causa deve ser justa, seno de modo perfeito, pelo menos to justa quanto

4 John Rawls, Uma Teoria da Justia, Lisboa, Presena, 2001, p. 168. 5 Ibidem, pp. 267-268.

razovel esperar face a circunstncias concretas.6 Tal significa que, mesmo uma compreenso incipiente, no pode deixar de ter em conta esse duplo conjunto de condies, respeitantes tanto s aes dos indivduos que detm o atributo dessa liberdade (no caso vertente, aqueles a quem cabe ensinar, sejam eles pessoas ou instituies escolares), quanto funcionalidade do sistema educativo, as quais indiciam o grau de efetividade e de justeza do conceito de liberdade de ensino dentro de um contexto especfico, que o de uma educao democrtica.

Como se poder depreender, uma boa parte da complexidade do conceito advm deste jogo necessrio entre planos, mais ou menos particulares, mais ou menos institucionais, mais ou menos subjetivos, mais ou menos normativos, na medida em que a elucidao do seu contedo no saberia prescindir daqueles fatores que constituem a problemtica geral da educao. Esta implicao decorre de se tratar de uma liberdade especfica, a liberdade de ensino. Mas, essa especificidade acarreta, igualmente, dois outros aspetos que reforam a sua dificuldade.

Por um lado, o sistema educativo detm um lugar especial no conjunto dos sistemas sociais, pois, no s forma os futuros cidados que iro interagir, consolidando ou transformando esse campo institucional, como constitui a base dos outros sistemas, ao assegurar a transmisso dos conhecimentos e das normas de que o respetivo funcionamento depende, bem como ao veicular interpretaes dos mesmos, que assumem o duplo papel de valorizadoras de determinados bens, relativamente a outros que acabam desvalorizados, e de antecipadoras do agir futuro, de acordo com a sua dinmica injuntiva. Mas, sobretudo, por outro lado, nas sociedades modernas, de modo ao mesmo tempo constitutivo e estratgico, ao sistema educativo cabe a funo de possibilitar a alterao pacfica, isto , nem blica, nem revolucionria, do esquema das desigualdades vigentes, por via da mediao da educao tida pelo bem dos bens da modernidade, ou seja, de realizar, precoce e simbolicamente, um desgnio corretivo e compensatrio de justia social. Neste sentido, o sistema educativo no

6 Ibidem, p. 268.

est adstrito apenas ao aspeto normativo da justia (honrar uma promessa, um estatuto, etc.), mas totalidade do que cabe nessa categoria, nomeadamente, ao aspeto interventivo da justia e a uma espcie de funo totalizadora que lhe confere o papel de mobilizadora da eticidade coletiva, em suma, lgal et le legal [] un principe de rpartition [], une forme de vie thique.7

Consequentemente, e ao arrepio do que um certo liberalismo pretende, o sistema educativo no est comprometido apenas com a transmisso eficaz de um conhecimento utilitrio, em funo de um padro de eficcia, mensurvel por uma hipottica relao entre as aptides adquiridas e a sua aplicao na esfera laboral, mas encontra-se constitutivamente vinculado a um desgnio social e poltico de solidariedade, pelo qual o que tido por eficaz e o que se corresponde consensualmente ao justo se encontram conjugados. Essa a legitimao efetiva para a existncia de um sistema de ensino pblico e massificado. A transmisso do saber e do saber-fazer, enquanto tais, pode ser levada a cabo por outras vias, como ocorreu ao longo da histria, por exemplo, com o ensino familiar, religioso ou corporativo.

Porm, importa no cair na tentao oposta, de um certo pragmatismo pedagogista, que o reconduzisse organizao de um processo direto de solidariedade, de acordo com o qual a dimenso da objetividade epistmica viesse to s a constituir um pretexto instrumental para a prtica de relaes intersubjetivas de mtuo reconhecimento. Pelo contrrio, das muitas funes atribuveis ao sistema educativo, uma tem de manter-se em todas as combinatrias, aquela que consiste em promover um determinado processo de aprendizagem. Ora, esta condicionante acarreta a consequncia de que a afirmao das vrias liberdades, e a luta pelo seu reconhecimento, no seio do sistema educativo, tem como tipo a relao de ensino e de aprendizagem. Sem prejuzo da relevncia que as expectativas legtimas de reconhecimento individual e coletivo detm no quadro de uma sociedade democrtica, o sistema educativo oferece-se

7 Patrice Canivez, Quest-ce que laction politique ?, Paris, Vrin, 2013, p. 42.

como uma espcie de prisma, que as analisa e reorienta, a partir de critrios oriundos de uma racionalidade vocacionada para as objetivar e universalizar, retirando-lhes deliberadamente o aspeto paroquial e agonstico que apresentam partida. Por se tratar de uma arena qualificada, precisamente como educativa, apesar de conectada com todas as outras (o que cria a iluso de totalidade, na base da atribuio abusiva de uma nova srie de deveres que contradizem o preceito segundo o qual qualquer dever implica um poder,8o que alimenta a perceo disseminada de uma progressiva ineficcia e de uma crescente injustia do sistema educativo), no s aplica um princpio de aceitabilidade, como este resulta reconduzido, liminarmente e in fine, s condies prprias da prtica educativa. Podemos definir um tal princpio do seguinte modo: so aceitveis todas as expectativas de reconhecimento que se possam justificar nos termos da racionalidade educativa. Por conseguinte, mesmo que se seja tentado a concordar que if we could ever be moved solely by the desire of solidarity, setting aside the desire for objectivity altogether, then we should think of human progress as making it possible for human beings to do more interesting things and be more interesting people,9 impe-se clarificar que essa verso do mundo no aquela que subjaz, alimenta e autoriza um sistema educativo que assume a figura de um sistema de ensino. Uma vez mais, a histria revela alternativas, sistemas iniciticos, de treino, de doutrinao, etc., pelo que se torna fundamental no perder de vista essa especificidade decorrente da ensinabilidade.

O sistema de ensino constitui uma parte do conjunto dos processos educativos, que se caracteriza por levar a cabo, no seio de um quadro institucional especfico, designado globalmente como Escola, o desgnio de solidariedade por via da mediao da ordem disciplinar, na dupla aceo epistemolgica e tica, oriunda da modernidade. Por isso, ao sistema de ensino das sociedades modernas no cabe transmitir toda e qualquer viso da realidade, mas uma certa maneira de conhecer e de ser,

8 John Rawls, op. cit., p. 193. 9 Richard Rorty, Solidarity or Objectivity?, Michael Krauz (ed.), Relativism: Interpretation and Confrontation, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1989, p. 174.

est adstrito apenas ao aspeto normativo da justia (honrar uma promessa, um estatuto, etc.), mas totalidade do que cabe nessa categoria, nomeadamente, ao aspeto interventivo da justia e a uma espcie de funo totalizadora que lhe confere o papel de mobilizadora da eticidade coletiva, em suma, lgal et le legal [] un principe de rpartition [], une forme de vie thique.7

Consequentemente, e ao arrepio do que um certo liberalismo pretende, o sistema educativo no est comprometido apenas com a transmisso eficaz de um conhecimento utilitrio, em funo de um padro de eficcia, mensurvel por uma hipottica relao entre as aptides adquiridas e a sua aplicao na esfera laboral, mas encontra-se constitutivamente vinculado a um desgnio social e poltico de solidariedade, pelo qual o que tido por eficaz e o que se corresponde consensualmente ao justo se encontram conjugados. Essa a legitimao efetiva para a existncia de um sistema de ensino pblico e massificado. A transmisso do saber e do saber-fazer, enquanto tais, pode ser levada a cabo por outras vias, como ocorreu ao longo da histria, por exemplo, com o ensino familiar, religioso ou corporativo.

Porm, importa no cair na tentao oposta, de um certo pragmatismo pedagogista, que o reconduzisse organizao de um processo direto de solidariedade, de acordo com o qual a dimenso da objetividade epistmica viesse to s a constituir um pretexto instrumental para a prtica de relaes intersubjetivas de mtuo reconhecimento. Pelo contrrio, das muitas funes atribuveis ao sistema educativo, uma tem de manter-se em todas as combinatrias, aquela que consiste em promover um determinado processo de aprendizagem. Ora, esta condicionante acarreta a consequncia de que a afirmao das vrias liberdades, e a luta pelo seu reconhecimento, no seio do sistema educativo, tem como tipo a relao de ensino e de aprendizagem. Sem prejuzo da relevncia que as expectativas legtimas de reconhecimento individual e coletivo detm no quadro de uma sociedade democrtica, o sistema educativo oferece-se

7 Patrice Canivez, Quest-ce que laction politique ?, Paris, Vrin, 2013, p. 42.

como uma espcie de prisma, que as analisa e reorienta, a partir de critrios oriundos de uma racionalidade vocacionada para as objetivar e universalizar, retirando-lhes deliberadamente o aspeto paroquial e agonstico que apresentam partida. Por se tratar de uma arena qualificada, precisamente como educativa, apesar de conectada com todas as outras (o que cria a iluso de totalidade, na base da atribuio abusiva de uma nova srie de deveres que contradizem o preceito segundo o qual qualquer dever implica um poder,8o que alimenta a perceo disseminada de uma progressiva ineficcia e de uma crescente injustia do sistema educativo), no s aplica um princpio de aceitabilidade, como este resulta reconduzido, liminarmente e in fine, s condies prprias da prtica educativa. Podemos definir um tal princpio do seguinte modo: so aceitveis todas as expectativas de reconhecimento que se possam justificar nos termos da racionalidade educativa. Por conseguinte, mesmo que se seja tentado a concordar que if we could ever be moved solely by the desire of solidarity, setting aside the desire for objectivity altogether, then we should think of human progress as making it possible for human beings to do more interesting things and be more interesting people,9 impe-se clarificar que essa verso do mundo no aquela que subjaz, alimenta e autoriza um sistema educativo que assume a figura de um sistema de ensino. Uma vez mais, a histria revela alternativas, sistemas iniciticos, de treino, de doutrinao, etc., pelo que se torna fundamental no perder de vista essa especificidade decorrente da ensinabilidade.

O sistema de ensino constitui uma parte do conjunto dos processos educativos, que se caracteriza por levar a cabo, no seio de um quadro institucional especfico, designado globalmente como Escola, o desgnio de solidariedade por via da mediao da ordem disciplinar, na dupla aceo epistemolgica e tica, oriunda da modernidade. Por isso, ao sistema de ensino das sociedades modernas no cabe transmitir toda e qualquer viso da realidade, mas uma certa maneira de conhecer e de ser,

8 John Rawls, op. cit., p. 193. 9 Richard Rorty, Solidarity or Objectivity?, Michael Krauz (ed.), Relativism: Interpretation and Confrontation, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1989, p. 174.

que concomitante de uma leitura cientfica do mundo, a par da axiologia que atravessa o projeto inacabado da modernidade, como lhe chamou Habermas, na qual pontuam os valores concomitantes da liberdade, autonomia, pluralismo, tolerncia, dignidade, cidadania, cosmopolitismo, secularidade, etc.. Longe de lhe corresponder uma mera funo instrumental, o sistema de ensino inclui e veicula, uma filosofia poltica da educao, 10 que dobra a sua realidade emprica com consideraes deontolgicas, sobre o que legtimo e o que ilegtimo, o que desejvel e o que se afigura indesejvel. Esta filosofia pressupe, assim, uma dialtica de fundo, entre objetividade e solidariedade, entre transmisso e ao, entre saber e justia, que pode obter a seguinte formulao: merece ser ensinado (conhecimentos, atitudes, hbitos, valores, regras) o que permite, ao mesmo tempo, legitimar a solidariedade, por via de critrios associados ideia da objetividade, e autorizar o conhecimento, pelo entremeio do efeito esperado em termos de solidariedade.

Deste modo, se cabe reconhecer que um sistema de ensino pblico e universal encontra a sua verdadeira legitimidade num desgnio coletivo de solidariedade, no deixa igualmente de ser adequado reconhecer que essa finalidade se encontra regulada por exigncias racionais, plasmadas no tipo de conhecimento veiculado. Tal deve-se ao facto de que a solidariedade, por mais genrica ou universal que se proponha ser, como o caso da sua traduo em direitos, se dirige sempre a situaes particulares e a exigncias especficas, diferenciadas, ainda quando o objetivo seja igualitrio, logo, sempre marcadas por uma validade circunscrita, enquanto o conhecimento objetivo (experiencial, filosfico, cientfico, literrio, o campo no importa desde que o tipo de racionalidade esteja em ao) julgado comum, partilhvel, universalizvel, falsificvel, transponvel para uma multiplicidade de situaes, desse modo igualador, apesar de diferenciado.

10 Cf. Marie-Claude Blais et al., Pour une philosophie politique de lducation, Paris, Fayard/Pluriel, 2013.

No obstante, seria inadequado considerar que os dois elementos, nesta equao, esto a par, como se o sistema de ensino cumprisse duas funes, numa complementaridade relativa, mas no convergente. Pelo contrrio, se a transmisso que prevalece na prtica, na medida em que a equidade pensada como dependente do sucesso dessa comunicao, a solidariedade que est constantemente a ser visada, uma vez que o que est em causa a construo do humano, no uma solidariedade orientada para a consagrao da matriz cultural comunitria de base (etnocentrismo que, segundo Rorty, seria apangio do pragmatist, dominated by the desire for solidarity11) ou da organizao socio-laboral dominante (tese dos liberais), mas para a promoo da emergncia de uma humanidade menos carenciada, menos insatisfeita, menos sujeita aos efeitos da injustia, numa palavra, menos limitada na tentativa de dar um sentido sua existncia, seja por via do trabalho, do exerccio da cidadania, do lazer ou de outro modo de realizao pessoal. Como sugere Fernando Savater, o destino de cada ser humano no a cultura, nem sequer a sociedade, em sentido restrito, enquanto instituio, mas os seus semelhantes. E precisamente a lio fundamental da educao apenas pode corroborar este ponto bsico e deve partir dele para transmitir os saberes humanamente relevantes.12

Assim, por mais que queira estabelecer um vnculo dominante a um grupo particular, qualquer sistema de ensino induz um exerccio de distanciao que equivale a um princpio de libertao desse elo, razo pela qual, por exemplo, se gera, no seio das ditaduras mais ferozes, um nmero crescente de contestatrios. Do mesmo modo, a convico de que o ensino visa a satisfao das exigncias do mercado de trabalho ignora quer a incomensurabilidade entre o percurso formativo e o que deste aproveitado pela organizao laboral, indicador claro de que o sistema educativo prev uma srie de outras aplicaes, quer, sobretudo, que o trabalho s se justifica pelo homem e para o homem, enquanto a

11 Richard Rorty, art. cit., p. 177. 12 Fernando Savater, O Valor de Educao, Lisboa, Presena, 1997, p. 29.

que concomitante de uma leitura cientfica do mundo, a par da axiologia que atravessa o projeto inacabado da modernidade, como lhe chamou Habermas, na qual pontuam os valores concomitantes da liberdade, autonomia, pluralismo, tolerncia, dignidade, cidadania, cosmopolitismo, secularidade, etc.. Longe de lhe corresponder uma mera funo instrumental, o sistema de ensino inclui e veicula, uma filosofia poltica da educao, 10 que dobra a sua realidade emprica com consideraes deontolgicas, sobre o que legtimo e o que ilegtimo, o que desejvel e o que se afigura indesejvel. Esta filosofia pressupe, assim, uma dialtica de fundo, entre objetividade e solidariedade, entre transmisso e ao, entre saber e justia, que pode obter a seguinte formulao: merece ser ensinado (conhecimentos, atitudes, hbitos, valores, regras) o que permite, ao mesmo tempo, legitimar a solidariedade, por via de critrios associados ideia da objetividade, e autorizar o conhecimento, pelo entremeio do efeito esperado em termos de solidariedade.

Deste modo, se cabe reconhecer que um sistema de ensino pblico e universal encontra a sua verdadeira legitimidade num desgnio coletivo de solidariedade, no deixa igualmente de ser adequado reconhecer que essa finalidade se encontra regulada por exigncias racionais, plasmadas no tipo de conhecimento veiculado. Tal deve-se ao facto de que a solidariedade, por mais genrica ou universal que se proponha ser, como o caso da sua traduo em direitos, se dirige sempre a situaes particulares e a exigncias especficas, diferenciadas, ainda quando o objetivo seja igualitrio, logo, sempre marcadas por uma validade circunscrita, enquanto o conhecimento objetivo (experiencial, filosfico, cientfico, literrio, o campo no importa desde que o tipo de racionalidade esteja em ao) julgado comum, partilhvel, universalizvel, falsificvel, transponvel para uma multiplicidade de situaes, desse modo igualador, apesar de diferenciado.

10 Cf. Marie-Claude Blais et al., Pour une philosophie politique de lducation, Paris, Fayard/Pluriel, 2013.

No obstante, seria inadequado considerar que os dois elementos, nesta equao, esto a par, como se o sistema de ensino cumprisse duas funes, numa complementaridade relativa, mas no convergente. Pelo contrrio, se a transmisso que prevalece na prtica, na medida em que a equidade pensada como dependente do sucesso dessa comunicao, a solidariedade que est constantemente a ser visada, uma vez que o que est em causa a construo do humano, no uma solidariedade orientada para a consagrao da matriz cultural comunitria de base (etnocentrismo que, segundo Rorty, seria apangio do pragmatist, dominated by the desire for solidarity11) ou da organizao socio-laboral dominante (tese dos liberais), mas para a promoo da emergncia de uma humanidade menos carenciada, menos insatisfeita, menos sujeita aos efeitos da injustia, numa palavra, menos limitada na tentativa de dar um sentido sua existncia, seja por via do trabalho, do exerccio da cidadania, do lazer ou de outro modo de realizao pessoal. Como sugere Fernando Savater, o destino de cada ser humano no a cultura, nem sequer a sociedade, em sentido restrito, enquanto instituio, mas os seus semelhantes. E precisamente a lio fundamental da educao apenas pode corroborar este ponto bsico e deve partir dele para transmitir os saberes humanamente relevantes.12

Assim, por mais que queira estabelecer um vnculo dominante a um grupo particular, qualquer sistema de ensino induz um exerccio de distanciao que equivale a um princpio de libertao desse elo, razo pela qual, por exemplo, se gera, no seio das ditaduras mais ferozes, um nmero crescente de contestatrios. Do mesmo modo, a convico de que o ensino visa a satisfao das exigncias do mercado de trabalho ignora quer a incomensurabilidade entre o percurso formativo e o que deste aproveitado pela organizao laboral, indicador claro de que o sistema educativo prev uma srie de outras aplicaes, quer, sobretudo, que o trabalho s se justifica pelo homem e para o homem, enquanto a

11 Richard Rorty, art. cit., p. 177. 12 Fernando Savater, O Valor de Educao, Lisboa, Presena, 1997, p. 29.

transformao da natureza fsica ou social tem na mira melhorar significativamente a vida.

Longe de uma relao puramente instrumental, unvoca, dos requisitos do mercado para a oferta curricular, a ligao entre o sistema de ensino e a esfera laboral consigna o entrosamento exposto da objetividade e da solidariedade, uma vez que a gesto dos contedos partilhados, mesmo quando no se afigura percetvel, combina as competncias tcnicas e investigativas, destinadas eficcia, com uma interpretao tico-antropolgica do modo de exerc-las, em conformidade com um complexo de valores humanistas que visam viabilizar um incremento sustentado dos nveis de justia. Bem compreendida, a leitura cientfica da realidade, e, consequentemente, o tipo de conhecimento a que conduz, obtm o seu sucesso, menos dos fatores negativos que passaram a ser lugares-comuns da crtica da razo objetiva reificao, mecanizao, utilitarismo cego -, do que das possibilidades que encerra de integrar teoria e produo num projeto poltico de uma humanidade dotada das condies necessrias mesmo que no suficientes, como se tem sucessivamente tornado evidente para realizar a satisfao das expectativas legtimas de uma coexistncia equitativa.

O sistema de finalidades, que esta forma de equidade, projetada, mais do que respeitosa, criativa, mais do que estatutria, institui, desloca, por conseguinte, o foco da liberdade de ensino da afirmao do que, nela, respeita liberdade, para a zona do que cabe ao ensino, gerando uma esfera de necessidade que se impe prpria liberdade. Em consequncia, as condies do exerccio dessa liberdade no se esgotam no cumprimento das obrigaes legais ou estatutrias, qualquer que seja o agente educativo, sem prejuzo, obviamente, de haver correlaes diferenciadas em funo do tipo de detentores dessa prerrogativa (instituies, grupos de docncia, funcionrios), mas dependem das peculiaridades da atividade educativa, enquanto tal, em particular, do que nela envolve a conciliao das duas dimenses evidenciadas, quer na procura, por parte das geraes antecedentes, de obter liberdades semelhantes para os seus

descendentes,13 quer, sobretudo, na generosidade para partilhar modos de construir mundos, na suposio de que as geraes seguintes tero, assim, acesso a liberdades superiores e a padres de justia mais elevados do que aqueles que couberam aos educadores.

Ora, por um lado, este tipo de intencionalidade, faz, claramente, parte de uma prtica de promessa, como forma de assuno livre de uma obrigao, 14 que, como decorre do exposto, ainda que realizada por indivduos, institucional e coletiva, o que leva a que haja um esquema de mtuas restries da liberdade de ensino, determinado, em maior ou menor grau, por uma orientao funcional, relativa coeso do sistema educativo e s finalidades para as quais se encontra institudo. Dessa feita, ainda que o que se compreende por liberdade de ensino, as diferentes verses do que aceitvel, como justo, e do que no o pode ser, como injusto, no que respeita ao seu exerccio e s respetivas restries, sejam, em parte, como tudo o que humano, historicamente transitivas, variando segundo os contextos, em funo das possibilidades que estes viabilizam de negociao dos interesses e dos significados, de supor a existncia de um conjunto de condies limite, s parcialmente transitivo, que, no s condiciona todo o processo, como subverte a possibilidade de uma aplicao literal da regra rawlsiana da prioridade, segundo a qual os princpios da justia devem ser hierarquizados em ordem lexical, e portanto, a liberdade s pode ser restringida se tal for para o bem da prpria liberdade,15 no que respeita liberdade de ensino.

Tal implica, por um lado, que a explicitao do conceito de liberdade de ensino deve comear por responder pergunta relativa s circunstncias em que a liberdade se encontra favorecida ou restringida, para poder dar uma resposta satisfatria pergunta sobre quem detm ou merece deter uma tal liberdade. D-se, assim, uma espcie de sobredeterminao do que cabe compreender por liberdade de ensino pelas condies fundamentais

13 John Rawls, op. cit., p. 172. 14 John Rawls, op. cit., p. 271. 15 John Rawls, op. cit., p. 203.

transformao da natureza fsica ou social tem na mira melhorar significativamente a vida.

Longe de uma relao puramente instrumental, unvoca, dos requisitos do mercado para a oferta curricular, a ligao entre o sistema de ensino e a esfera laboral consigna o entrosamento exposto da objetividade e da solidariedade, uma vez que a gesto dos contedos partilhados, mesmo quando no se afigura percetvel, combina as competncias tcnicas e investigativas, destinadas eficcia, com uma interpretao tico-antropolgica do modo de exerc-las, em conformidade com um complexo de valores humanistas que visam viabilizar um incremento sustentado dos nveis de justia. Bem compreendida, a leitura cientfica da realidade, e, consequentemente, o tipo de conhecimento a que conduz, obtm o seu sucesso, menos dos fatores negativos que passaram a ser lugares-comuns da crtica da razo objetiva reificao, mecanizao, utilitarismo cego -, do que das possibilidades que encerra de integrar teoria e produo num projeto poltico de uma humanidade dotada das condies necessrias mesmo que no suficientes, como se tem sucessivamente tornado evidente para realizar a satisfao das expectativas legtimas de uma coexistncia equitativa.

O sistema de finalidades, que esta forma de equidade, projetada, mais do que respeitosa, criativa, mais do que estatutria, institui, desloca, por conseguinte, o foco da liberdade de ensino da afirmao do que, nela, respeita liberdade, para a zona do que cabe ao ensino, gerando uma esfera de necessidade que se impe prpria liberdade. Em consequncia, as condies do exerccio dessa liberdade no se esgotam no cumprimento das obrigaes legais ou estatutrias, qualquer que seja o agente educativo, sem prejuzo, obviamente, de haver correlaes diferenciadas em funo do tipo de detentores dessa prerrogativa (instituies, grupos de docncia, funcionrios), mas dependem das peculiaridades da atividade educativa, enquanto tal, em particular, do que nela envolve a conciliao das duas dimenses evidenciadas, quer na procura, por parte das geraes antecedentes, de obter liberdades semelhantes para os seus

descendentes,13 quer, sobretudo, na generosidade para partilhar modos de construir mundos, na suposio de que as geraes seguintes tero, assim, acesso a liberdades superiores e a padres de justia mais elevados do que aqueles que couberam aos educadores.

Ora, por um lado, este tipo de intencionalidade, faz, claramente, parte de uma prtica de promessa, como forma de assuno livre de uma obrigao, 14 que, como decorre do exposto, ainda que realizada por indivduos, institucional e coletiva, o que leva a que haja um esquema de mtuas restries da liberdade de ensino, determinado, em maior ou menor grau, por uma orientao funcional, relativa coeso do sistema educativo e s finalidades para as quais se encontra institudo. Dessa feita, ainda que o que se compreende por liberdade de ensino, as diferentes verses do que aceitvel, como justo, e do que no o pode ser, como injusto, no que respeita ao seu exerccio e s respetivas restries, sejam, em parte, como tudo o que humano, historicamente transitivas, variando segundo os contextos, em funo das possibilidades que estes viabilizam de negociao dos interesses e dos significados, de supor a existncia de um conjunto de condies limite, s parcialmente transitivo, que, no s condiciona todo o processo, como subverte a possibilidade de uma aplicao literal da regra rawlsiana da prioridade, segundo a qual os princpios da justia devem ser hierarquizados em ordem lexical, e portanto, a liberdade s pode ser restringida se tal for para o bem da prpria liberdade,15 no que respeita liberdade de ensino.

Tal implica, por um lado, que a explicitao do conceito de liberdade de ensino deve comear por responder pergunta relativa s circunstncias em que a liberdade se encontra favorecida ou restringida, para poder dar uma resposta satisfatria pergunta sobre quem detm ou merece deter uma tal liberdade. D-se, assim, uma espcie de sobredeterminao do que cabe compreender por liberdade de ensino pelas condies fundamentais

13 John Rawls, op. cit., p. 172. 14 John Rawls, op. cit., p. 271. 15 John Rawls, op. cit., p. 203.

de um sistema pblico de ensino. Consequentemente, o que se afigura decisivo o que se conseguir apurar sobre os limites da liberdade de ensino, definidos a partir da conceo de ensino em conformidade com uma sociedade democrtica, que, h que relev-lo, no s confere um contedo a essa liberdade, como, e antes de mais, a converte num seu requisito fundamental, ao invs de outras conjunturas histricas nas quais passa por secundria, seno mesmo despicienda.

Este complexo de condies transcendentais, com as quais nos propomos analisar a noo de liberdade de ensino, no resulta, portanto, de uma qualquer considerao apriorstica sobre a natureza humana ou sobre o sentido metafsico da axiologia educacional ou mesmo sobre uma teleologia progressiva ou conservadora, com a qual a educao estivesse comprometida, mas decorre da prpria ideia moderna, e logo intra-histrica, de um sistema educativo moderno, democrtico e universal, aquele no seio do qual faz verdadeiramente sentido pensar em tal liberdade. Ora, como vimos, estas condies esto balizadas por trs categorias fundamentais, conhecimento, justia e democraticidade, que devero ser conjugadas de diferentes pontos de vista, mas que no podero, sem prejuzo de coerncia e, logo, de significao, estar ausentes de uma adequada discusso de qualquer questo relativa ao sistema de ensino. So estas categorias que devem ser correlacionadas com a da liberdade tendo em vista o esclarecimento dos paradoxos associados expresso liberdade de ensino.

Impe-se insistir, nesta etapa, que estamos a apontar uma forma de interao mutuamente constitutiva, no a descrever um estado de coisas tal como este se apresenta na concreo emprica, inevitavelmente mais ou menos prxima dessa transcendentalidade, hoje, ao que tudo indica, por uma espcie de irreflexo generalizada, facilmente disposta a ignorar este equilbrio. Mas um dos interesses terico-prticos, a nosso ver, no despiciendo, dum tal desenho ideal, para alm da anlise do conceito de liberdade de ensino que admite, reside no modo como nos d a ver o limite at ao qual a ideia moderna de um sistema de ensino universal mantm o seu horizonte de sentido intacto e aquele a partir do qual acaba por perd-

lo, de forma a compor um critrio decisivo, de cariz dialtico, em funo do cruzamento dos trs termos - cumprimento, objetividade e solidariedade -, cada um com exigncias especficas, do que cabe em tal projeto e do que se oferece como uma sua eventual negao. Pela articulao dos dois tipos ideais, relativos aos dois termos, o de uma liberdade como ausncia total de restries e/ou atributo absoluto de um sujeito, o de uma ao educativa, responsabilizada pelo objetivo de ensinar, como condio, universo e sentido de