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TEMAS E TEIAS DA DOCÊNCIA: FORMAÇÃO E SABERES NA
LICENCIATURA E NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
O tema articulador dos trabalhos desse painel está centrado na formação docente,
especialmente explicitando os processos formativos que contribuem para a construção
de saberes envolvidos na constituição da docência: a formação inicial, o estágio
curricular e a prática docente. Os trabalhos foram produzidos no estado do Rio Grande
do Sul em dois Institutos Federais (IF) e uma Universidade Federal (UF). Assim,
destacam-se três temas: o primeiro discute a formação e profissão docente no âmbito da
educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância, bem como
das práticas pedagógicas e conhecimentos que destas decorrem. O método de
investigação foi o fenomenológico, que estruturou-se por meio das análises ideográfica
e nomotética oriundas das falas de gestores, professores e tutores da Rede E-Tec Brasil.
Articulada a essa discussão o segundo tema enfoca o conhecimento pedagógico do
conteúdo, categoria considerada por Shulman (2005) como um dos saberes base para o
ensino, analisando como ele se configura na docência da educação profissional. Os
dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas realizadas com egressos de um
Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e Profissional de
um IF. O terceiro tema propõe a reflexão acerca da construção de saberes na, para e
sobre a docência no âmbito dos estágios supervisionados na licenciatura em Geografia.
Traz para o debate as contribuições do estudo realizado com egressos da licenciatura de
uma UF, portando como horizonte a reflexão sobre a prática formativa, suas
articulações com a educação básica e com o contexto político-pedagógico. Tendo por horizontes tais temáticas os resultados dos trabalhos apontam que a formação de professores
ocorre no entrelaçamento de saberes sobre a docência, cuja gênese é a formação inicial, na
docência, resultante da experiência e para a docência, que ocorre por meio da reflexão
cotidiana sobre o seu fazer profissional.
Palavras-chave: Formação de Professores. Saberes Docentes. Educação Profissional.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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SABERES E DOCÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTÁGIO
SUPERVISONADO E ENSINO DE GEOGRAFIA
Robson Olivino Paim1
Ana Maria de Oliveira Pereira2
Resumo: Partindo da constatação de que existem poucas produções acadêmicas no
Brasil acerca das especificidades da formação do professor de Geografia e sobre a
necessária relação entre Geografia, Pedagogia e Didática para pensar o ensino e a
formação dos professores desta área, o trabalho objetiva contribuir nas discussões
acerca da formação inicial de professores de Geografia no âmbito dos estágios
supervisionados e a construção-mobilização de saberes sobre, na e para a docência.
Utilizando-se de narrativas de estudantes egressos do curso de Licenciatura em
Geografia da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim-RS, apresentam-
se como principais categorias de resultados: no que concerne aos saberes sobre
docência – que e as experiências de estágio supervisionado permitem (re)elaborar
conhecimentos no âmbito didático-pedagógico da Geografia Escolar e sobre a educação
no âmbito teórico-prático; metodologias de ensino, estratégias e recursos didáticos para
a Educação Geográfica, juntamente com o entendimento da organização e dinâmica dos
processos educativos conformam a categoria de saberes construídos na docência,
enquanto os elementos da comunicação didática constituem a categoria analítica mais
presente no que se refere aos saberes para a docência.
Palavras-chave: Estágio supervisionado. Ensino de Geografia. Saberes docente.
Formação inicial de professores.
1. APRESENTAÇÃO
A formação de professores e a importância social da ação docente têm merecido
destaque na contemporaneidade, tanto do ponto de vista dos discursos sociais, quanto
no contexto das políticas públicas educacionais e dos debates acadêmicos. Mesmo com
sucessivas mudanças vislumbradas nas políticas e práticas de formação docente, ainda
encontramo-nos frente a um quadro insatisfatório no que concerne à ação e formação
docente. Saviani (2013) atribui essa insatisfação como resultante de cinco dilemas que
1Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Geografia. Professor
da Universidade Federal da Fronteira Sul na área de ensino de Geografia. [email protected] 2Doutoranda no PPg Diversidade Cultural e Inclusão social da Universidade Feevale, Mestre em
Educação, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul na área de ensino de Geografia.
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permeiam a história da formação de professores no Brasil: por um lado temos um
diagnóstico adequado da situação e, por outro, a incapacidade de encaminhar soluções
satisfatórias; os textos dos documentos e pareceres se mostram excessivos no acessório
e restritos no essencial; Centralidade da noção de “competências” versus incapacidade
de superar a incompetência formativa; a formação do professor técnico versus o
professor culto; Dicotomia entre os dois modelos básicos de formação de professores
(modelo cultural-cognitivo e modelo pedagógico-didático).
A formação profissional para o exercício da docência em Geografia não está
imune a estas tendências. Aliem-se a isto as diferentes correntes teórico-metodológicas
da Geografia enquanto ciência de referência para a Geografia Escolar e os objetivos
sociopolíticos que estas atribuem ao conhecimento geográfico e percebemos o quão
complexas se tornam as atividades de ensinar Geografia e, mais que isso, de formar
professores para esta tarefa. Porém, tal como expresso por Callai (2013, p. 115), “pensar
e teorizar a própria prática” também constitui-se num movimento de formação, ao qual
Paim (2006) denominou como um dos momentos do „fazer-se professor‟, evidenciando
a historicidade da prática docente de cada um.
Entender o professor como sujeito do seu processo de formação implica em
considerar o papel formativo do trabalho na docência e dos saberes que são
mobilizados, construídos e (re)contextualizados para a efetivação do ensino e da
aprendizagem, os quais, segundo Tardif e Raymond (2000, p. 212), são provenientes de
fontes diversas: “formação inicial e contínua dos professores, currículo e socialização
escolar, conhecimento das disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão,
cultura pessoal e profissional, aprendizagem com os pares etc.,” tendo na experiência
profissional a fonte primária do saber ensinar. Neste sentido, ao tratar dos saberes
mobilizados pelos educadores é preciso considerar que o “saber profissional está, de
certo modo, na confluência de várias fontes de saberes provenientes da história de vida
individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos
lugares de formação etc.”(TARDIF; RAYMOND, 2000.p.215). São as referências
espaço-temporais da vida e do trabalho do professor as fontes de validação e
legitimidade dos encaminhamentos didático-pedagógicos que empreenderá.
Com o intuito de conhecer os anseios, expectativas, desconfortos e também
ouvir as considerações dos formandos em Geografia da primeira turma do curso da uma
instituição pública do sul do Brasil, optou-se por realizar esta pesquisa sobre o estágio
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supervisionado e os saberes nele mobilizados, a partir das narrativas de egressos do
curso. O eixo da análise é o estágio supervisionado como um dos processos da formação
inicial para a construção da profissionalidade no contexto da formação docente e dos
saberes produzidos sobre, na e para a docência.
2. ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A CONSTRUÇÃO DA DOCÊNCIA
O estágio supervisionado não deve ser tomado isoladamente do processo
formativo que o precede: as atividades formativas para o exercício da docência tem
como objetivo promover a inserção dos licenciandos em atividades integração dos
conhecimentos da Geografia, da Pedagogia e da Didática, no processo formativo, a fim
de que produzam saberes sobre, na e para a docência.
A produção de saberes sobre a docência dinamiza-se desde e a partir dos estudos
epistemológicos, didáticos e pedagógicos da Geografia enquanto ciência de referência
para a disciplina escolar, fundamentando professores em formação para a compreensão
científica do seu temário. Aliando-se a isso os conhecimentos das Ciências da
Educação, basilares ao entendimento dos processos de desenvolvimento e aprendizagem
e da organização dos processos educativos. Entender que a formação docente deve
acontecer também na docência implica pensar atividades didático-pedagógicas que
levem à reflexão acerca dos comportamentos do professor, do aluno e da comunicação-
didática, propiciados por vivências didático-pedagógicas na Educação Básica. Por seu
turno, a formação para a docência implica a constituição pessoal de saberes construídos
na interseção entres os saberes sobre docência e aqueles produzidos na docência,
confrontando-os, na perspectiva da sua reelaboração.
A perspectiva defendida aproxima-se do proposto por Pimenta (1999), que
categoriza os saberes interdependentes e complementares: os saberes da experiência, os
saberes do conhecimento e os saberes pedagógicos. Neste sentido, para além da
perspectiva defendida por Buriolla (2001, p. 13), para quem o estágio supervisionado “é
tido como um campo de treinamento, um espaço de aprendizagem do fazer concreto”,
sustentamos que o estágio constitui-se num momento prático-reflexivo, subsidiado por
referenciais teóricos, metodológicos e conceituais basilares à ação didático-pedagógica.
Aos cursos de formação docente compete, na perspectiva defendida, criar
mecanismos e momentos de aproximação dos licenciandos à realidade escolar,
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possibilitando análises que contribuam para a construção da docência na articulação
universidade-escola, tendo em vista que o estágio é o lócus onde a identidade docente
começa a ser gerada ou reelaborada (BURIOLLA, 2001). Na mesma linha de
pensamento, Garcia (1992, p. 74), advoga que o estágio supervisionado é “a iniciação
profissional dos professores. É uma das fases do aprender a ensinar” e, portanto, faz-se
necessário que os saberes do conhecimento (das ciências da educação e, em nosso caso,
também da Geografia) construídos ao longo da formação para a docência passem pelo
processo de recontextualização para a prática profissional, servindo de parâmetro para a
reorganização e reestruturação dos seus saberes. Neste preâmbulo, o estágio não deve
ser “uma prática imitativa do existente” (PIMENTA, 1994, p.32), mas uma prática que
permita inovar nos diversos aspectos da atividade docente a partir da reflexão na, para e
sobre a docência.
Considerando que a maior parte do processo de (trans)formação do professor
ocorre na docência (re)formulando constantemente seus saberes, é necessário
compreender como, na formação inicial, vão sendo gestados os elementos constituintes
da profissionalidade do professor. Para as instituições formadoras, conhecer tais
elementos permite organizar os processos formativos (no âmbito do ensino, da pesquisa
e da extensão) em diálogo direto com a educação básica, superando a dicotomia entre a
pesquisa educacional e o mundo da escola, buscando elementos para a formação de
novos professores no contexto e na vida concreta da escola.
3. SER ESTAGIÁRIO, VIR-A-SER PROFESSOR: A CONSTITUIÇÃO DE
SABERES DOCENTES
Atentando para o caráter histórico-social da educação, importa considerar que
seus objetivos e condicionantes estão em movimento, processo no qual também estão
inseridas a formação do professor, as políticas para a docência e a produção de
conhecimentos sobre a docência e na docência. Nesta esteira de pensamento, Tardif e
Raymond (2000) trabalham na perspectiva de que há estreita vinculação entre saberes,
tempo e aprendizagem da docência e os saberes produzidos na prática cotidiana servem
para dar sentido às situações de trabalho. Segundo Pimenta (1997), é na leitura crítica da
profissão que devemos buscar os referenciais para modificá-la, tomando a prática
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pedagógica e escolar como ponto de partida e de chegada da formação docente e,
portantoos saberes do professor, são construídos por uma temporalidade que os
estrutura e que “a memorização de experiências educativas marcantes para a construção
do eu profissional constitui o meio privilegiado.” (TARDIFF; RAYMOND, 2000, p.
216. Grifo do autor).
Diante da contribuição da prática da docência na formação dos licenciandos e da
importância dada aos saberes que dela emanam para a formação dos sujeitos, colocamo-
nos a dialogar sobre os saberes mobilizados e (re)construídos pelos egressos da primeira
turma da Licenciatura em Geografia de uma universidade pública do sul do País,
quando da realização do estágio. As reflexões que seguem são oriundas desta análise,
categorizando os resultados em saberes sobre/para docência, saberes construídos na
docência e inquietudes produzidas desde as reflexões engendradas a partir das práticas
de ensino.
Analisar as representações emanadas das falas implica em considerar que o
estágio supervisionado representa, para muitos deles, um período de transição da
condição de estudante para professor, embora as atividades nele desenvolvidas façam
parte do rol de atribuições didático-pedagógicas planejadas para sua formação enquanto
estudante que se prepara para a profissão. Esteve (1999), também considerando este
momento como uma fase de transição, chama-nos a atenção para o “choque de
realidade”, o qual é considerado por Paim (2006), com base nos escritos de Garcia
(1992) e Bollough Jr. (2000), como espaço tempo de tensões e aprendizagens
intensivas, de equilíbrio entre o pessoal e o profissional, numa lógica de ensaio e erro.
Confirmando a tese da transição e da necessidade de manter um equilíbrio entre
o aspecto pessoal e a construção da profissionalidade docente, a Entrevistada 1 assevera
que a maior dificuldade foi no nível pessoal: “a minha dificuldade foi, em primeiro
lugar, porque eu terminei a graduação achando que eu não gostava de Geografia, que
eu não estava no lugar certo. Então, eu acho que com isso eu acabei me limitando
bastante.” No decorrer de sua fala, porém, traz elementos que permitem perceber que
os processos de ensaio-erro também se fizeram presentes na sua formação e durante o
estágio supervisionado: “Em relação ao conteúdo e preparação da aula eu tive um
pouco de dificuldade, embora o Pibid nesse sentido fez uma grande diferença pra gente
elaborar a aula e procurar fazer aulas diferentes, com outras metodologias de ensino.
Eu tive dificuldade nessa coisa de diminuir os conteúdos, de selecionar e ver se era
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aquilo mesmo que eu precisava dar para eles naquela aula, ver se eu não estava
aumentando demais, diminuindo demais. [...] Eu gostei do estágio. Depois que passou
aquela fase assim, aí tu olha para trás e pode dizer „bah, isso eu trabalhei assim, isso
eu acho que não foi legal!‟ Tu analisa [sic] o retorno que os alunos te dão. Eu acho que
aí tu podes sentar e começar a pensar e refletir sobre o que tu fez de ruim, o que pode
melhorar...” Na fala da entrevistada ficam implícitos dois elementos fundamentais
sobre e para a docência: a importância do planejamento e da reflexão sobre os
resultados de sua execução e do processo de didatização dos conteúdos curriculares,
elementos que consideramos faces de um mesmo processo.
Evidencia-se a premissa de que a abordagem dos conhecimentos, no modo como
ocorre na formação acadêmica dos professores precisa ser reorientada para as práticas
docentes no contexto escolar: diminuir conteúdos? Até onde posso ir? Selecionar e ver
se era aquilo mesmo que eu tinha que trabalhar naquela aula. Não estou aprofundando
demais? Não estou abordando de maneira superficial?
Tal como presente nesses excertos, Costella (2011), evidenciou que o problema
dos estágios supervisionados não está no domínio do conteúdo a ser trabalhado, mas no
domínio das formas de abordagem do planejamento do ensino. O „até onde
ir/aprofundar‟ o conteúdo deve considerar que a aula não se dá em função do conceito,
mas que os conceitos devem ser trabalhados em função daquilo que temos como
objetivo para a aprendizagem na aula. Assim, “a compreensão das aplicabilidades e a
condição das análises e relações deverão permear o cotidiano das aulas” (COSTELLA,
2011. p.181).
Os entrevistados são enfáticos ao elogiar a formação acadêmica que lhes foi
propiciada pelo curso no que tange aos conhecimentos disciplinares da Geografia,
salientando a importância dos trabalhos de campo para a compreensão dos conceitos
geográficos e o entendimento dos processos que dizem respeito aos conhecimentos
desta área. Porém, demonstram a necessidade de maior integração destes com
conhecimentos e práticas voltados para a formação em licenciatura: “A base teórica foi
muito boa no curso como um todo. A parte da Didática e das disciplinas de ensino nos
deram condições de pensar a formação mais voltada para dar aula. Nas outras
disciplinas, por exemplo, a gente não teve um direcionamento para dar aula. Tivemos
direcionamento para fazer pesquisa (ENTREVISTADA 1)”.
Na percepção do Entrevistado 3, é necessário contato com as disciplinas
pedagógicas nas fases iniciais do curso. Evidencia tal necessidade alegando que “essa
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parte mais conceitual a gente não consegue transpor ela por si só para a sala de aula.
Tem que aprender mais esta parte de transposição para a escola. Nós fomos ter o
primeiro contato com a ideia de que íamos ser professores com a professora de
Didática Geral, na quarta fase do curso. [...] Eu acho que teria que ser focado mais no
começo do curso. Isso é coisa para trabalhar durante todo o curso, se não chega no
final do curso e tu vai tirar que dúvida? No estágio já vai estar na hora de tu estar
fazendo, não de estar tirando as dúvidas”.
A Entrevistada 2, contribui neste sentido afirmando: “É que na verdade assim:
não adianta a gente ter quinhentas disciplinas pedagógicas e quinhentas disciplinas
específicas se não tem a junção delas.” Tal afirmação vai ao encontro da proposição
de Callai (2011), para quem na formação dos docentes para a educação básica é preciso
olhar para o professor de modo integrado: ver o que ensina e o que sabe sobre o que
deve ensinar.
Na mesma direção, Costella (2013, p. 68), assegura que não é suficiente o
professor mostrar ao aluno o que aprendeu na sua formação, o produto final do
aprendizado. Na perspectiva da autora, “para realmente ensinar é necessário
compreender como o aluno é capaz de articular seu pensamento para aprender, é
necessário ter a preocupação constante em aproximar a Geografia com o ato de
aprender”. Repensar “o que se ensina,” “o porquê se ensina” e o “como ensinar” são
movimentos que devem permear a formação inicial do professor como exercício de
reflexão acerca dos processos educativos que empreende. No entanto, na construção da
profissionalidade docente, este movimento deve ser contínuo, como infere a
Entrevistada 1: “[...] tu vai se fazendo professor todos os dias. Ninguém nasce pronto e
a gente não sai da graduação sendo professora. Tu sai com a titulação. Agora tu ser
professor, tu transformar tua aula, transformar o ensino e transformar tua prática, eu
acho que isso tu vai fazendo todos os dias da tua vida enquanto tu for professora”.
A docência é entendida, nesta afirmativa, em seu caráter dialético: na dinâmica
da escola, da sala de aula e das relações que são estabelecidas (nas diversas acepções
que a educação escolar pode suportar). O professor se constrói enquanto sujeito
epistêmico, cujas ações são prenhes de possibilidades de renovação ou resistências. No
entanto, ao considerar uma dialética da construção da profissionalidade docente, é
necessário também avançar na compreensão dialética dos processos geográficos.
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Nesta direção, quando se trata do Ensino de Geografia na Escola, há intrínseco a
ele o papel de mostrar como os conhecimentos geográficos estão presentes no cotidiano
do estudante. À Geografia cabe instigar os alunos para que “questionem aquilo que é
colocado como verdade absoluta, para que não corram o risco de ficarem alienados.
Mostrar para que a Geografia serve.”(ENTREVISTADA 2).
Evidenciamos, na fala apresentada, a necessidade de superar o ensino de
Geografia pautado na transmissão de conteúdos programáticos, fundamentados na
lógica que tem na rigorosidade, reprodução, linearidade, funcionalidade, mecanicismo e
neutralidade seus princípios fundamentais, para outra mais condizente com o atual
momento da vida em sociedade, na qual os conhecimentos necessários à Educação
Geográfica pautam-se na relatividade, flexibilidade, originalidade, abertura,
complexidade e dialética (RIVERA, 2012). Nestas condições, o ensino de Geografia
deve ser uma “atitude política que confronte as dificuldades sociais e assegure
raciocínios viáveis e confiáveis em direção à compreensão mais humana do mundo”
(RIVERA, 2012, p.42), pois quando o ensino mostra-se inútil ao estudante “produz-se
uma leitura que pode conter uma visão ingênua do mundo”(KAERCHER, 2003,p. 179).
Neste sentido, ao ser inquirido sobre as características fundamentais para
o professor que queira construir pensamento autônomo juntos aos seus alunos, levando-
os à reflexão crítica acerca da realidade – nas diferentes escalas e interações escalares -,
o Entrevistado 3 enfatiza que “sobretudo, o professor precisa ser um cara provocador
de novas ideias e que escute seus alunos. Que não vá tolher as suas iniciativas de
participação em aula. Que tente construir através de diálogos e leituras, um grupo
onde as pessoas possam expressar o que elas sentem sem ter aquele negócio pré-
concebido do que está certo ou está errado. A aula deve ser uma construção coletiva e
a partir disso tentar construir um conhecimento do que vem a ser os diferentes
conteúdos da Geografia.”
Da afirmativa do Entrevistado podemos inferir características da abordagem da
didática nominada por Martins (2008), como sistematização coletiva do conhecimento,
a qual tem como principais características a não-prescritividade do conhecimento
didático, a pesquisa como característica intrínseca ao ensino, horizontalização das
relações didáticas tornando-as coletivas e solidárias e a superação da perspectiva linear
de causa-efeito para um pensamento de causalidade complexa na compreensão dos
fenômenos. Esta leitura traz uma série de contribuições para o ensino da Geografia e a
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construção do pensamento autônomo dos estudantes e do professor. Ao superar o
prescritivismo, típico da concepção verticalizada de ensino e aprendizagem, criam-se as
condições necessárias para a participação do estudante e a (re)construção dos
posicionamentos metodológicos do professor, frente a um ensino mais próximo à
“forma geográfica de pensar, que seja mais ampla e complexa e que contribua para a
formação de sujeitos, para que estes apresentem aprendizagens significativas,
compreendendo os conceitos específicos com que a Geografia trabalha” (CALLAI,
2013, p.40).
No entanto tal abordagem também gera inquietudes relativas ao próprio processo
de formação do professor em relação aos saberes experienciais, pedagógicos e do
conhecimento (PIMENTA, 1999): em que medida sou capaz, a partir destes saberes, de
empreender práticas de ensino nos moldes propostos pela perspectiva da sistematização
coletiva do conhecimento? A estrutura organizacional e pedagógica da escola está
pronta para receber professores que encaminhem práticas pedagógicas neste sentido? A
horizontalização da comunicação didática (PÓRLAN; MARTIN, 1997) é exequível
quando consideradas as características do alunado hodierno?
Outra questão que inquieta os egressos tem ligação com à mediação pedagógica
na prática docente: Como proceder à mediação dos conhecimentos empíricos dos alunos
com os conhecimentos da Geografia? Como ensinar Geografia num contexto em que
boa parte dos estudantes não está disposta à escolarização tal qual ela se apresenta
atualmente? Santos (2004, p. 20), nos dá elementos para pensarmos a Geografia e seu
papel disciplinar neste contexto de inquietudes: “Uma disciplina é uma parcela
autônoma, mas não independente, do saber geral. É assim que se transcendem as
realidades truncadas, as verdades parciais, mesmo sem a ambição de filosofar ou
teorizar”.
Infere-se daí a necessidade de romper com a ideia de que os saberes da
Geografia Escolar são estáticos e distantes da realidade do aluno, do seu mundo de
vivência. Para tanto, ao processo de formação de professores para a educação básica
cabe redimensionar práticas tendo como horizonte a concepção de que “não basta
instruir para aprender, mas é preciso realizar a construção do conhecimento de maneira
que cause estranheza, que conduza o aprendente a desafiar e questionar os conceitos
ditos como acabados, que provoque a tensão no ato de educar” (HAMMES; FORSTER;
CHAIGAR, 2011, p. 133. Grifo das autoras).
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A preocupação do professor-estagiário em saber se seus alunos estão aprendendo
os conteúdos focados em seu planejamento deve ser antecedida por outro desassossego
referente à mobilização do estudante da educação básica para a aprendizagem a qual
está se propondo a trabalhar na aula. Substituir o „dar aula‟ pela construção coletiva da
aula. Esta inquietude remete-nos a uma passagem de Kaercher (2012, p.148), para quem
o conhecimento geográfico produzido na escola não pode “ser feito peruca, bate um
vento e leva,” mas ser elaborado desde uma abordagem que deixe para trás a pressa em
vencer conteúdos. Coloca-se, neste sentido, um desafio para os professores da educação
básica e, de modo ainda mais imperativo, para os professores e instituições formadores
de professores: repensar o currículo, aproximá-lo da vivência dos estudantes de modo
relacional e inter-escalar.
Para tanto, é preciso mobilizar os saberes produzidos na prática escolar e aqueles
saberes e problematizações advindos das práticas cotidianas dos sujeitos em
escolarização. É neste contexto que acreditamos que a ação docente não deve estar
encerrada no contexto do microterritório da sala de aula, mas na interação aula-escola-
lugar-mundo, pois conforme infere o Entrevistado 3, “São muitos elementos que você
precisa ter articulados para conseguir minimamente dar uma boa aula. É um processo
que envolve muitas coisas, desde a formação dos professores, do currículo, da política
pública... É difícil pensar a escola pela escola, a aula pela aula.”
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os movimentos efetuados na constituição do estudo em tela permitiram
contextualizações e reflexões acerca da formação inicial de docentes para a educação
básica no contexto do estágio supervisionado da licenciatura em Geografia.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se trazer à luz dos debates os
saberes docentes mobilizados na formação inicial e nos estágios supervisionados, bem
como as lacunas existentes no processo formativo dos sujeitos partícipes do estudo, no
que tange aos saberes constituídos sobre, na e para a docência em Geografia, bem
como as tensões e avanços que demarcam territórios no contexto pesquisado.
Uma vez explicitado o contexto investigativo acerca da temática, partiu-se para
as manifestações do fenômeno no campo empírico em estudo. Como primeira
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constatação advinda dos pesquisados e, em consonância com o referencial bibliográfico
consultado, tem-se o peso das interferências externas à universidade e à escola sobre os
processos formativos, tais como das políticas públicas e das relações sociais que atuam
sobre os sujeitos em formação inicial e em processos de escolarização.
A necessidade de superação das dicotomias existentes entre “a Geografia dos
geógrafos” e a “Geografia dos professores” é outro elemento que ganha força na
argumentação dos pesquisados, uma vez que dificulta estabelecer relações entre
conteúdo e forma no processo de didatização. Ou seja, nas disciplinas ditas “de
conteúdo”, embora haja a determinação das práticas pedagógicas como componentes
curriculares obrigatórios, o tratamento didático e a reflexão sobre o ensinar tais
conhecimentos não acontecem ou, ainda, não tomam a prática escolar como referência.
Não basta ter conhecimentos sobre Geografia para ensinar Geografia na escola.
Uma sólida formação em conhecimentos geográficos é condição essencial para a
educação geográfica, mas “[...] há que se pesquisar sobre o ensino, o que pode
aprender” (CALLAI, 2011, p. 30), considerando que os saberes dos professores da
educação básica não são estáticos, os processos de formação inicial para a docência, em
contexto amplo e também no seio dos estágios curriculares supervisionados necessita
considerar a estrutura organizacional e pedagógica da escola e da sala de aula, tratando
os saberes necessários ao trabalho do professor do ponto de vista do conteúdo a ser
ministrado, mas também aqueles que dizem respeita à educação básica em sua
totalidade e movimento, o que as pesquisas apontam sobre suas dinâmicas, bem como
subsidiar os estudantes para ação prática e reflexiva no contexto da educação básica.
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OS SABERES DOCENTES DOS PROFESSORES DA REDE E-TEC BRASIL
Roberta Pasqualli – IFSC/UFRGS
Resumo: Este texto pretende contribuir para as discussões sobre a formação e profissão docente
no âmbito da educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância, bem
como das práticas pedagógicas e conhecimentos que destas decorrem. Inicialmente, destacam-se
aspectos da configuração da educação profissional e tecnológica a distância no Brasil. Na
sequência, estabelecem-se contornos epistemológicos acerca dos saberes docentes para a
educação profissional e tecnológica a distância; e, mais adiante apresentam-se os resultados
apontados pela pesquisa realizada. O método de investigação, fenomenológico, estruturou-se
por meio das análises ideográfica e nomotética oriundas das falas de gestores, professores e
tutores da Rede E-Tec Brasil no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Farroupilha, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Observou-se que as pesquisas referentes
aos processos de constituição dos saberes docentes na educação profissional e
tecnológica na modalidade de educação a distância são alvos de tímidos estudos no
âmbito das Ciências da Educação. Os poucos estudos existentes, apresentam as
fragilidades da modalidade de educação a distância frente aos desafios da formação para
a educação profissional e tecnológica e indicam que as práticas docentes, em suas
diferentes singularidades, demandam novos olhares, fruto das particularidades dos
conhecimentos profissionais que demarcam este nível de formação. Apresenta-se, como
saberes fundamentais a atividade docente na educação profissional e tecnológica a
distância, os saberes da profissionalização docente e, entre eles, destacam-se os saberes
dos contextos dos estudantes, os saberes da linguagem, os saberes da utilização dos
aparatos tecnológicos, os saberes da generosidade, os saberes do mundo do trabalho e,
os saberes da formação humana não utilitarista.
Palavras-Chave: Educação Profissional; Educação a Distância; Saberes Docentes.
1. PARA COMEÇAR
Este texto apresenta uma discussão sobre a problemática dos saberes docentes
mobilizados pelos professores dos cursos de educação profissional e tecnológica, ofertados na
modalidade de educação a distância (EAD), pela Rede E-Tec Brasil, no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – IFFarroupilha.
Como premissa, compreende-se que a investigação acerca dos saberes docentes
necessários aos professores dos cursos de educação profissional e tecnológica a distância,
significa um avanço para as discussões, até então pouco evidenciadas nas pesquisas em
educação brasileira. Significa também, reafirmar a necessidade de que se discutam ações de
capacitação específica para cada nível e modalidade de ensino nos cursos de profissionalização
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docente. Significa, no espaço de contradições que são os IFs, observar que a prática docente
não é apenas um objeto de saber para 'os da educação'. Significa que “o que um
professor sabe depende também daquilo que ele não sabe, daquilo que se supõe que ele
não saiba, daquilo que os outros sabem em seu lugar e em seu nome, dos saberes que os
outros lhe opõem ou lhe atribuem”. (TARDIF, 2002, p. 13).
Como lócus para a realização da pesquisa, escolheram-se os Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia – IFs, que são “instituições de educação superior,
básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de
educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na
conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas
pedagógicas” (BRASIL, 2008).
Os IFs são conhecidos por atuar em todos os níveis e modalidades de educação
profissional, tendo como foco a oferta de uma estrutura verticalizada de formação
humana e profissional, não desejando ser apenas um amontoado de cursos sem ligações
entre si. Destaca-se, em suas ações, a promoção da justiça social, da equidade e do
desenvolvimento sustentável, com vistas a soluções técnicas e geração de novas
tecnologias, respondendo às demandas a eles apresentados de forma ágil e eficaz,
enfatizando a formação profissional, a difusão de conhecimentos científicos e o suporte
aos arranjos produtivos locais.
A Lei nº 11892/2008, em seu Art. 7º destaca que os IFs devem oferecer cursos
de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, preferencialmente integrados ao
Ensino Médio; cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores (FIC), cursos
de Licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, Bacharelados,
Engenharias e Graduações Tecnológicas, podendo ainda ofertar cursos de
Especialização Lato e Stricto Sensu, sempre com o olhar para educação profissional e
tecnológica.
Objetivando a discussão acerca dos saberes docentes mobilizados pelos
professores dos cursos de educação profissional e tecnológica, ofertados na modalidade
de EAD, pela Rede E-Tec Brasil, destaca-se o Art. 7º, incisos I, II e VI, da lei
supracitada, pois afirmam ser finalidades e características dos IFs: “ministrar educação
profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para
os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e
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adultos”; “ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores,
objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de
profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e
tecnológica” e “ministrar em nível de educação superior [...].”BRASIL (2008).
Nesta direção, também cabe um breve olhar sobre a orientação pedagógica dos
IFs, apontada por Pacheco (2010), como a possibilidade de
[…] recusar o conhecimento exclusivamente enciclopédico, assentando-se no
pensamento analítico, buscando uma formação profissional mais abrangente e
flexível, com menos ênfase na formação para ofícios e mais na compreensão
do mundo do trabalho e em uma participação qualitativamente superior neste.
Um profissionalizar-se mais amplo, que abra infinitas possibilidades de
reinventar-se no mundo e para o mundo, princípios estes válidos inclusive
para as engenharias e licenciaturas. (PACHECO, 2010, p. 14).
Para dar conta das demandas oriundas de seus objetivos, finalidades e de sua
orientação pedagógicas, os IFs vem oferecendo, por meio da Rede E-Tec Brasil, cursos
de formação profissional, inicial e continuada, na modalidade de EAD.
O decreto nº 7589/2011 afirma que a Rede E-Tec Brasil é uma das ações que
integram o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)
e tem como finalidade oferecer, na modalidade de educação a distância, por meio da
proposta de verticalização de ensino apresentada pela Rede de Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, cursos de
ensino técnico nas modalidades integrado ao ensino médio, concomitante e subsequente
ao ensino médio, cursos superiores de tecnologia e cursos de pós-graduação lato e
stricto sensu.
Acerca deste decreto dá-se destaque ao Art. 3º que, ao apresentar seus objetivos,
destaca, entre outros,
II – expandir e democratizar a oferta da educação profissional e tecnológica,
especialmente para o interior do País e para a periferia das áreas
metropolitanas; III – permitir a capacitação profissional inicial e continuada,
preferencialmente para os estudantes matriculados e para os egressos do
ensino médio, bem como para a educação de jovens e adultos; IV – contribuir
para o ingresso, permanência e conclusão do ensino médio por jovens e
adultos; V – permitir às instituições públicas de ensino o desenvolvimento de
projetos de pesquisa e de metodologias educacionais em educação a distância
na área de formação inicial e continuada de docentes para a educação
profissional e tecnológica. (BRASIL, 2011).
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Sendo assim, observa-se a importância de que se elaborem projetos pedagógicos
de curso (PPC) voltados para a formação do homem e do profissional, e que estes
projetos se materializem por meio de práticas pedagógicas que auxiliem no desafio da
construção do conhecimento científico, assegurando sua aplicabilidade no mundo do
trabalho.
Entende-se que esta transformação não seja possível sem que haja uma ruptura
com os moldes da educação tradicional e, é neste sentido que Cunha (2005), apresenta a
ideia de que é necessário romper com o paradigma existente e que, esse rompimento,
deve transformar inquietude em energia emancipatória.
Com o olhar voltado à geração da energia emancipatória apontada por Cunha
(2005), discutem-se os saberes docentes fundamentais para o exercício da docência na
educação profissional e tecnológica a distância brasileira. Que saberes são estes? Eles se
diferem dos saberes empregados na educação presencial? São diferentes dos saberes
mobilizados na educação propedêutica ou na educação superior?
No âmbito da EAD, cabe a preocupação com sua qualidade, visto que a
modalidade, apesar de se apresentar como uma possibilidade de democratização do da
educação brasileira, ainda enfrenta preconceitos e busca encontrar um caminho que a
diferencie da educação presencial (novos saberes, novos fazeres).
É nesse contexto que este texto se inscreve: concebido como uma reflexão, uma revisão
e um processo de investigação articulado à realidade atual da educação brasileira. Partiu-se do
pressuposto de que a produção científica deve se caracterizar como um espaço que busca
qualificar a ação docente na educação profissional e tecnológica, especialmente para a formação
de professores na modalidade de EAD, situando-a como possibilidade de superação da educação
tradicional, presente em boa parte das aulas (e na própria EAD), criando, de fato, rupturas com o
fazer existente.
2. O CAMINHO METODOLÓGICO
Tendo como foco a interrogação “Que saberes docentes são mobilizados pelos
professores dos cursos de educação profissional e tecnológica, ofertados na
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modalidade de EAD pela Rede E-Tec Brasil, nos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia?” este texto apresenta resultados de uma investigação que buscou
compreender o sentido dos saberes mobilizados pelos professores da educação
profissional e tecnológica e como tais saberes orientam as ações e tencionam o seu
trabalho.
O lócus da pesquisa foi o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Farroupilha, localizado no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Até maio de 2015, o
IFFarroupilha ofertava 17 cursos técnicos na modalidade de EAD em 37 polos de EAD.
Os sujeitos investigados foram 11 gestores de EAD (G), 09 professores formadores (PF)
e 20 tutores (T). É importante destacar que alguns dos sujeitos investigados exerciam
mais de uma função no momento da pesquisa e que professores pesquisadores não
fizeram parte da amostra investigada.
Ao procurar possibilidades que abarcassem o desenvolvimento da pesquisa
realizada, optou-se pelas abordagens qualitativa e fenomenológica. Uma vez que a
primeira está relacionada “à capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a
descrição densa dos fenômenos estudados em seu contexto e não a sua expressividade
numérica.” (GOLDENBERG, 1997, p. 50). Enquanto que a segunda “não traz consigo a
imposição de uma verdade teórica ou ideológica preestabelecida, mas trabalha com o
real vivido, buscando a compreensão disso que somos e que fazemos – cada um de nós
e todos em conjunto.” (BICUDO, 1999, p. 13).
A pesquisa foi realizada em dois momentos e constitui-se por meio da análise
ideográfica e nomotética dos dados. Buscou-se identificar, direta e indiretamente,
elementos que pudessem indicar os saberes docentes no contexto dos cursos de
educação profissional e tecnológica nos IFs. No que se refere à análise ideográfica, os
resultados foram produzidos a partir das falas de professores formadores, tutores e
gestores, dos cursos técnicos de nível médio em Informática, Vendas, Meio Ambiente,
Agroindústria, Manutenção e Suporte em Informática, Agricultura, Multimeios
Didáticos, Administração, Redes de Computadores e Secretariado, oferecidos por meio
da Rede E-Tec, no IFFarroupilha.
Os depoimentos foram individuais, sem a interferência de terceiros, baseados em
questionamentos previamente elaborados. Entretanto, elementos não existentes nos
questionamentos diretos foram apresentados sem que houvesse interferência do
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pesquisador. Foi o momento de se olhar as frestas, aquilo que se anuncia como saber
sem necessariamente perguntar. Na análise nomotética, as falas dos sujeitos foram
encaminhadas em direção às generalidades, ou seja, de características básicas
compreendidas nas formas de manifestação do fenômeno, passíveis de interpretação.
É esse movimento da pesquisa e seus desdobramentos analíticos que serão
explorados a seguir.
3. DO MÉTODO AOS RESULTADOS
Das falas dos sujeitos investigados tomadas, refletidas e esclarecidas, na
dimensão científica, foi possível seguir para uma síntese de compreensão do fenômeno
investigado, por meio das análises ideográfica e nomotética.
Na análise ideográfica, as falas dos sujeitos da pesquisa foram transcritas na
íntegra. Ao ouvir as falas durante a transcrição, pôde-se perceber as temáticas que
remetem à ideia central da pesquisa, e essas ideias centrais foram nomeadas como
episódios ideográficos. Ao todo, foram apontados cinco episódios ideográficos,
descritos a seguir: (a) saberes fundamentais para os professores que atuam nos cursos de
educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD; (b) saberes didático-
pedagógicos; (c) concepção de educação e trabalho interfere na prática docente; (d)
projeto pedagógico dos cursos de EAD; e (e) práticas inovadoras na EAD.
Esses cinco episódios ideográficos geraram 14 ideias nucleares: (a) formação
didático-pedagógica para o exercício da docência; (b) saberes atitudinais; (c) utilizar
linguagem adequada; (d) domínio das tecnologias da informação e da comunicação -
(TICs); (e) Conhecer a EAD; (f) fragilidades conceituais e técnicas; (g) dificuldade
com as TICs; (h) currículo desconhecido; protagonismo; (i) não há inovações; (j) a
ruptura, com a forma tradicional de ensinar e aprender; (l) generosidade; (m) formação
científica específica; (n) conhecer o estudante; e (o) EAD quebra paradigmas.
Na busca pela redução fenomenológica, na análise nomotética, as falas dos
sujeitos foram encaminhadas em direção às generalidades, ou seja, ao conteúdo de
características básicas compreendidas nas formas de manifestação do fenômeno,
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passíveis de interpretação. Desse trabalho analítico, as ideias nucleares, observadas a
partir das unidades significado que as constituíram, confluíram, cada uma a seu modo,
para a elaboração de duas categorias: saberes didático-pedagógicos e saberes técnico-
científicos. Em um segundo movimento de redução, essas duas categorias
transformaram-se em uma grande categoria aberta chamada saberes da
profissionalização docente. Os saberes da profissionalização docente são fruto de uma
formação inicial e continuada consciente, ética, crítica e pautada em uma trajetória que reflete
continuamente sobre o seu processo de formação, sobre o seu espaço de trabalho e sobre a
mundo que deseja para si e para os outros.
4. SABERES DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA A DISTÂNCIA
As pesquisas referentes aos processos de constituição dos saberes docentes na
educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD são alvos de tímidos
estudos no âmbito das Ciências da Educação. Os poucos estudos existente, apresentam
as fragilidades da modalidade de EAD frente aos desafios da formação para a educação
profissional e indicam que as práticas docentes, em suas diferentes singularidades,
demandam novos olhares, fruto das particularidades do conhecimento e das habilidades
profissionais que demarcam este nível de formação. (PASQUALLI, VIEIRA &
VIEIRA, 2015).
Peterossi (1994), reflete que, historicamente, a educação profissional esteve
desarticulada da formação regular e, com isso, as instituições de formação deste nível,
desenvolveram uma mentalidade claramente empresarial, incorporando em sua estrutura
e organização procedimentos eminentemente utilitários. Esta mentalidade utilitarista
existe desde os tempos mais remotos da colonização; os primeiros aprendizes de ofícios
foram os índios, seguidos pelos escravos, e “habituou-se o povo de nossa terra a ver
aquela forma de ensino como destinada somente a elementos das mais baixas categorias
sociais.” (FONSECA, 1961, p. 68).
Em 1909, Nilo Peçanha, então Presidente da República, criou a Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica, destacando a necessidade de oferecer aos
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desprovidos de recursos materiais algum preparo técnico e intelectual que lhes
permitisse garantir os meios de sobrevivência, assim como levá-los a “adquirir hábitos
de trabalho profícuo” que os afastassem “da ociosidade, escola do vício e do crime”
(BRASIL, 1909).
Com a redução da educação profissional ao 'saber-fazer', observa-se que até hoje
acredita-se que para ser professor de disciplinas ou áreas tecnológicas, mais vale o
conhecimento dos conteúdos que se vai lecionar que propriamente a formação
pedagógica (Macieira, 2009). Ainda, para Oliveira (2006), o professor de educação
profissional não é considerado um profissional da educação. Ele é um profissional de
uma área específica que também leciona. A autora aponta como obstáculo ao
reconhecimento da docência como profissão que:
[...] as áreas técnicas não contam com um corpo de estudos razoavelmente
denso que, tendo por objetivos a pesquisa da prática pedagógica dos seus
professores e da prática profissional, no mercado de trabalho, auxilie o
entendimento epistemológico do ensino nessas áreas e a pedagogização do
saber a elas correspondente. (OLIVEIRA, 2010, p. 470).
A mesma autora, segue refletindo sobre o fato de que, atualmente, no Brasil, não
existe um marco regulatório que dê conta da formação de professores para a educação
profissional e tecnológica, tampouco para a EAD e estas vem sendo tratadas como algo
especial, emergencial, sem integralidade própria e viabilizando propostas de formação
aligeirada e superficial (OLIVEIRA, 2005).
Tardif (2002, p. 36) define saber docente como “um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de
saberes disciplinares, curriculares e experienciais.” O autor atribui ao saber docente um
sentido amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou
aptidões) e as atitudes dos docentes, tudo aquilo que é chamado de saber, de saber-fazer
e de saber-ser.
Tardif (2002, p. 120), ainda destaca que “a tarefa do professor consiste, grosso modo,
em transformar a matéria que ensina para que os alunos possam compreendê-la e assimilá-la”.
Essa „transformação‟, na educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD é tarefa
complexa, já requer um olhar para a formação do ser humano integral, não utilitário, mas de
preparação para o mundo do trabalho sem, necessariamente, a presença do estudante em sala de
aula.
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Para Charlot (2000, p. 62) “não é o saber que é prático, mas, sim, o uso dele, em uma
relação prática com o mundo”. Essa perspectiva permite deduzir que a prática pode ser também
uma forma de saber e, na mesma lógica, pode-se inferir que os saberes práticos dos professores
são mobilizados em suas práticas de ensino, com base em sua atuação profissional, durante a
construção da professoralidade.
Kuenzer (2008) reforça a ideia de que existe uma nova concepção de educação
profissional que transita da hegemonia do paradigma taylorista/fordista para uma nova
concepção de trabalho fundado na flexibilização. Esse novo regime de trabalho demanda uma
nova concepção de formação de professores para a educação profissional e tecnológica. A
mesma autora, ao referir-se ao professor da educação profissional destaca a necessidade de
“estudar o trabalho na dimensão ontológica, como constituinte do ser social capitalista; há de
estudar como as bases materiais cimentadas pela ideologia conformam subjetividade que não se
reconhecem como excluídas.” (KUENZER, 2008, p. 33). Aponta ainda que um bom engenheiro
mecânico não necessariamente é um bom professor e as interfaces entre o conhecimento
científico e escolar devem ser observadas com cuidado durante a transposição didática.
Com essas novas exigências, não basta apenas saber na prática e é impossível separar do
trabalho docente o desenvolvimento de saberes cognitivos complexos, o raciocínio lógico-
formal, as capacidades comunicativas e a criatividade, entre outros.
Sendo assim, observa-se que os saberes estão presentes no cotidiano das ações
docentes e obrigam todos os professores a dialogar com o sentido de que não se pode
ser neutro quando se fala em educação.
O conhecimento do professor não é meramente acadêmico, racional, feito de
fatos, noções e teorias, como também não é um conhecimento feito só de
experiência. É um saber que consiste em gerir a informação disponível e
adequá-la estrategicamente ao contexto da situação formativa em que, em
cada instante, se situa sem perder de vista os objetivos traçados. É um saber
agir em situação. Mas não se fique com uma ideia pragmático-funcionalista
do papel do professor na sociedade, porque o professor tem de ser um homem
ou uma mulher de cultura, ser pensante e crítico, com responsabilidades
sociais no nível de construção e do desenvolvimento da sociedade
(ALARCÃO, 1998, p. 104).
No que diz respeito às discussões acerca da formação de professores para a modalidade
de EAD, Litwin (2001) com o olhar em Shulman (1995), há mais de 15 anos já destacava, como
princípios de ação e reflexão, o conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico de tipo
real, especialmente no que diz respeito às estratégias e à organização da classe; conhecimento
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curricular; conhecimento pedagógico acerca do conteúdo; conhecimento sobre os contextos
educacionais; e conhecimento das finalidades, dos propósitos e dos valores educativos e de suas
raízes históricas e filosóficas.
É neste contexto que as discussões acerca dos saberes docentes para a educação
profissional e tecnológica na modalidade de EAD se constituem, se fundem e se con(fundem)
com os saberes docentes da educação presencial.
Observou-se, durante a pesquisa, que os saberes docentes, defendidos por Tardif (2002)
são reconhecidos e extrapolados; para ser professor da educação profissional e tecnológica na
modalidade de EAD, faz-se necessário saberes outros da educação presencial. Saberes
diferenciados requerem reflexões e práticas diferenciadas, já que “uma aula interessante é uma
aula na qual se estabelece uma forma específica, uma relação com o mundo, uma relação
consigo mesmo e uma relação com o outro” (CHARLOT, 2000, p. 73).
Souza (2004, p. 3), aponta para a reflexão acerca de algumas diferenças entre as
modalidades de EAD e presencial,
as relações estabelecidas e o direcionamento do professor sobre o processo
pedagógico é mais evidente, ou seja, as relações de poder são mais diretas e
ele dispõe de mecanismos de organização e controle já conhecidos,
experienciados. Ao se deparar como educador na EaD, esses mecanismos não
funcionam da mesma forma: o olhar repreensivo ou mesmo complacente e
compreensivo, o gesto brusco ou delicado e o acompanhamento, in loco, do
desempenho do aluno, representam algumas atitudes que têm de ser
reorganizadas e transformadas. (SOUZA, 2004, p.3).
Sendo assim, defende-se que os saberes mobilizados pelos professores da
educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD não podem ser percebidos
de forma isolada, mas sim, como um conjunto das reflexões e das práticas diárias.
Destacam-se, na sequência, os saberes oriundos da profissionalização docente
considerados fundamentais para a docência na educação profissional e tecnológica na
modalidade de EAD: (a) saberes dos contextos dos estudantes; (b) saberes da
linguagem; (c) saberes dos aparatos tecnológicos; (d) saberes da generosidade; (e)
saberes do mundo do trabalho e, (f) saberes da formação humana não utilitarista (ser
humano integral).
Nesta direção, defende-se que sejam elaborados processos de profissionalização
docente – inicial e continuado – para educação profissional na modalidade de EAD que
podem ser constituídos a partir das experiências vivenciadas na prática diária,
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configurando-se como um processo permanente de formação já que a construção e a
re(construção) da docência muitas vezes se dá no próprio percurso da vida profissional.
5. CAMINHANDO PARA UMA SÍNTESE
O movimento efetuado durante as análises ideográfica e nomotética desvelou
articulações que construíram a categoria aberta 'saberes da profissionalização docente'. Esta
categoria revela as faces do fenômeno 'saberes docentes da educação profissional e
tecnológica na modalidade de EAD nos IFs', visualizadas e compreendidas no contexto dos
cursos da Rede E-Tec Brasil no IFFarroupilha.
Durante o processo de pesquisa de campo, o fenômeno 'saberes-dos-'saberes docentes
da educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD nos IFs' foi tratado de
forma a trazer à luz os saberes docentes mobilizados pelos professores, as possibilidades
sinalizadas por esses saberes e os tensionamentos apontados.
Demarcado o contexto teórico em que este estudo se apresentou, partiu-se da
compreensão do saber docente, como saber social, que se manifesta nas relações complexas
entre os professores e os estudantes.
Foram identificadas algumas contradições entre o que se escreve, o que se diz e o que se
faz. Na análise ideográfica, pôde-se perceber fragilidades teóricas no que diz respeito a
compreensão da EAD e sua relação com o mundo do trabalho. Também ficou claro que a
integração entre os pares educacionais da educação profissional e tecnológica poderia ser maior
e isto contribuiria para a qualificação do curso oferecido.
A preocupação relacionada às dimensões ontológica, histórica e intelectual não
apareceu como saber necessário a docência e isso causa um certo estranhamento, já que é
fundamental romper com a dualidade estrutural existente na educação como um todo e refletida
na educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD.
Os poucos estudos existente, apresentam as fragilidades da modalidade de
educação a distância frente aos desafios da formação para a educação profissional e
tecnológica e indicam que as práticas docentes, em suas diferentes singularidades,
demandam novos olhares, fruto das particularidades dos conhecimentos profissionais
que demarcam este nível de formação. Apresenta-se, como saberes fundamentais a
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atividade docente na educação profissional e tecnológica a distância, os saberes da
profissionalização docente e entre eles, destaca-se os saberes dos contextos dos
estudantes, os saberes da linguagem, os saberes da utilização dos aparatos tecnológicos,
os saberes da generosidade, os saberes do mundo do trabalho e, os saberes da formação
humana não utilitarista.
Como conclusões, e respondendo à pergunta principal da pesquisa, compreendemos que
os saberes docentes relacionam-se necessariamente à profissionalização docente. A profissão
docente não é neutra, como afirma Cunha (2005), e, se não neutra, precisa estar munida de
conceitos e práticas voltados para a formação de um sujeito capaz de interagir e transformar um
mundo minado de ideologias e valores.
Ao final, defende-se, a partir da análise dos dados oriundos da análise ideográfica e
nomotética a importância de que os saberes docentes são oriundos da profissionalização
docente, fruto de uma formação inicial e continuada consciente, ética, crítica e pautada em uma
trajetória que reflita continuamente sobre o seu processo de formação, sobre o seu espaço de
trabalho e sobre a mundo que deseja para si e para os outros.
6. REFERÊNCIAS
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CONHECIMENTO PEDAGÓGICO DO CONTEÚDO NA DOCÊNCIA DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Marilandi Maria Mascarello Vieira – IFRS - Campus Sertão
Josimar de Aparecido Vieira – IFRS - Campus Sertão
Resumo:
O trabalho trata sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, categoria considerada
por Shulman (2005) como um dos saberes base para o ensino, analisando como ele se
configura na docência da educação profissional. A abordagem metodológica adotada foi
a pesquisa qualitativa com a combinação da pesquisa bibliográfica e de campo. Os
dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas realizadas com dezenove
egressos do Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e
Profissional do IFRS - Campus Sertão. O roteiro das entrevistas foi composto por doze
questões, das quais apenas duas foram utilizadas nesse trabalho. A pesquisa
bibliográfica destaca as características, componentes e as fontes do conhecimento
pedagógico do conteúdo. Os relatos obtidos foram analisados com a interlocução dos
estudos de Shulman, Grossman (2005, Gudmundsdóttir e Shulman (2005), Seggal
(2004), dentre outros. Os resultados indicam que a partir da experiência os docentes
sentem a necessidade de superar o modelo tradicional de ensino e buscam formação
pedagógica que lhes ajudem a articular conteúdo e forma, o que Shulmam chamou de
conhecimento pedagógico do conteúdo.
Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Profissional; Conhecimento
Pedagógico do Conteúdo.
INTRODUÇÃO
A formação e a atuação docente tem sido objeto de vários estudos no âmbito
internacional e brasileiro especialmente a partir de 1990. Tem destaque nesse cenário
alguns autores como Gauthier (2006), Tardif (2002), Nóvoa (1995) e Shulman (2005)
que categorizaram os saberes bases para a docência. Neste trabalho foram tomados os
estudos de Shulman sobre a categoria conhecimento pedagógico do conteúdo, dado a
sua originalidade. Essa categoria, identificada pelo autor como Pedagogical Content
Knowledge tem sido traduzida de forma diferente pelos autores. Assim, na tradução em
espanhol do texto de Shulman e em alguns trabalhos de autores espanhóis – como
Balbuena Ussa (2007) e Cedeño e Sachez (2012), por exemplo – o termo utilizado é
Conhecimento Didático do Conteúdo (CDC), enquanto no Brasil é comum o uso da
expressão Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC).
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4308ISSN 2177-336X
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Neste sentido, ligado aos saberes docentes e, instigados em contribuir com a
qualificação do processo de formação de professores, especialmente daqueles que atuam
na educação profissional, a questão que direciona este trabalho é como este
conhecimento base da docência proposto por Shulman se faz presente nos discursos
sobre as práticas dos docentes na educação profissional.
Tomando esta problemática, definiu-se como sujeitos da pesquisa dezenove
egressos de seis turmas do Programa de Formação Pedagógica de Docentes para a
Educação Básica e Profissional do IFRS - Campus Sertão, concluintes entre os anos de
2010 e 2014 e que exercem a docência na área da educação profissional. A identidade
dos entrevistados foi mantida em sigilo e, para tanto, atribuiu-se um código para cada
participante (número de ordem da entrevista e turma frequentada – 1 a 6). As entrevistas
foram compostas por doze questões, cuja duração foi em média 45 minutos, que foram
gravadas, transcritas e analisadas segundo a categoria proposta por Shulman (2005).
O trabalho inicia situando a problemática da docência na educação profissional
segundo os entrevistados e na sequência são apresentadas as características, os
componentes e as fontes do conhecimento pedagógico do conteúdo. Por fim, constam as
considerações finais deste estudo.
OS DESAFIOS DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
No princípio era o verbo...
Os professores da educação profissional, em sua maioria, ingressam no
magistério tendo em vista seu domínio do conteúdo da área e/ou o reconhecimento
como profissional em outros espaços. Assim, a concepção inicial é a de que o domínio
do conhecimento da área é requisito suficiente para tornar-se professor. Essa concepção
foi expressa por alguns entrevistados, conforme as declarações que seguem:
Eu imaginava que o professor era só aquele que transmitia o conhecimento, hoje vejo que ele
tem uma função muito além desta de transmitir o conhecimento (E12T2).
Enquanto tu é aluno tem uma visão e quando se torna professor tu tem outra visão. Eu achava
que era mais fácil dar aula, era só ir lá e explicar o conteúdo. Na realidade não é assim porque o professor
tem uma vida bem dura e difícil (E11T2).
A primeira vez que você entra em uma sala de aula não sabe o que fazer, é muito complicado
porque por mais que você tenha o conteúdo e estudo para estar lá a aula é muito mais do que isso. Não
basta saber o conteúdo e falar dele (E18T6).
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4309ISSN 2177-336X
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A forma como conduzia as aulas, antigamente eu dava somente aulas expositivas, hoje eu tenho
trabalhado muito a questão do diálogo com os alunos, construir junto o conhecimento o que até então pra
mim não existia, eu era apenas o professor que ia passar o conhecimento e não tinha que aprender (E5T4).
Os professores da educação profissional aprenderam a ser docentes por meio de
processos informais, notadamente pela observação de seus professores, familiares ou
colegas de trabalho, o que contribuiu para a adoção de modelo tradicional de ensino,
baseado na ideia de transmissão-recepção. Há, nessa fase inicial de exercício da
docência, a primazia da palavra, ou seja, se o papel do professor é o de repassar o
conteúdo, isso se faz, sobretudo, por meio da oralização, da exposição verbal. O
processo ensino aprendizagem não é encarado como ato de construção de
conhecimentos, mas de reprodução-assimilação de informações.
Então, com o exercício da docência, passa-se a vislumbrar os problemas:
Você se dá conta que tem que repensar porque a tua aula hoje é de um jeito, mas amanhã não
pode fazer igual porque não vai funcionar. E o que se faz então? A gente utiliza muito o datashow e se
faltou luz o professor técnico vai parar a aula e ir embora, porque não sabe o que fazer. Aquele professor
que teve formação pedagógica vai ter um plano B e quem te dá isso é a licenciatura porque o técnico não
tem plano B, ele pode ter o domínio de uma área específica, mas não para a sala de aula (E6T1).
Então você começa a perceber que talvez aquela dificuldade que o aluno apresenta em sala de
aula, não seja necessariamente porque você não sabe o conteúdo, mas a maneira como está sendo
transmitido talvez não seja a ideal para certas séries ou são melhores para outras. Então essa reflexão é
contínua (E1T5).
Nós temos excelentes profissionais, mas não excelentes professores, é o que eu digo, não adianta
eu saber para mim se eu não consigo passar para aquela pessoa que está ali do meu lado (E5T4).
Mas minha dificuldade era como utilizar técnicas e trabalhar o perfil do futuro profissional
porque são meninos e meninas novas eu tento ensinar como trabalhar lá fora com algo adverso, formação
de cidadania que eu não fazia antes porque o curso que eu tinha não me preparava para isso (E6T1).
Enfim, o profissional percebe que o espaço/tempo da sala de aula envolve muitos
fatores complexos além do conteúdo da aula:
Então uma coisa é ensinar o conteúdo, outra é a preocupação com o contexto social da sala de
aula, contexto subjetivo, também em relação ao aluno, ao contexto da turma, da região, o que aqueles
alunos procuram no curso, até onde que posso ir no conteúdo, o quão avançado vou ser naquela
disciplina, enfim, atender o público. Não é simplesmente aquela visão mais tradicional de repassar o
conteúdo, mas uma preocupação mais abrangente, é como ele vai prender a atenção de 40, 30, 20 pessoas
na frente dele, como vai passar o conteúdo, de que maneira aquele conteúdo vai ser absorvido (E1T5).
Claro que é importante conhecer o assunto que você vai falar em aula, mas não basta porque a
informação está na rede. O que tem que saber é como mediar o conhecimento (E8T5).
Por mais que você domine um conteúdo, tem que pensar como agregar aquele aluno que está na
aula, depois de ter trabalhado um dia inteiro, que chegou na aula cansado e está desmotivado. Então como
você trazer ele para a tua disciplina, eu acho que isso é ser um bom professor ( E18T6).
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Eu não tinha dificuldade dos termos utilizados do trabalho em si, a grande dificuldade era a
aplicabilidade, transformar o conhecimento que eu tinha como técnico, mais conhecimento pedagógico e
aplicar na sala de aula (E6T1).
Há o reconhecimento de que o domínio de conteúdo não é requisito suficiente
para o exercício do magistério, mas também não se completa com o conhecimento de
técnicas de ensino porque estratégias que se adéquam a um conteúdo ou área nem
sempre promovem a aprendizagem de outros conteúdos. Ao refletir sobre o aprendizado
obtido no curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e
Profissional, vários entrevistados apontaram como contribuições do curso:
A grande contribuição da minha área para o magistério é a prática, eu consigo fazer isso muito
bem. Consigo pegar o conteúdo, transformá-lo e aplicá-lo em situações concretas. A Formação
Pedagógica me proporcionou entender melhor os diversos públicos dentro da sala de aula, do contexto.....
porque a gente precisa entender de onde vem o aluno, a sua origem, seu conhecimento e precisa transferir
o conteúdo para a realidade dele, o que com certeza o curso fez comigo muito bem isso (E2T3)
No estágio do curso de Formação Pedagógica eu tive um suporte muito bom porque a professora
titular da disciplina era formada em fisioterapia e trabalhava com isso, então ela me ajudava nos exemplos
práticos. Para mim ela foi tudo porque sem isso eu não ia conseguir trabalhar (E15T3).
Os entrevistados fazem referência ao que Shulman (1987, 1989, 2005) identifica
como conhecimento pedagógico do conteúdo. O autor demonstrou interesse particular
por essa categoria porque acredita que a capacidade de transformar o conhecimento
disponível sobre um tema em conteúdos escolares e favorecer o aprendizado pelo aluno
é o que caracteriza a docência. Considerada a categoria central dos seus estudos, tem
servido de base a muitas pesquisas no exterior e no Brasil e, como é o enfoque central
desse trabalho, a seguir são detalhadas suas características e componentes, as fontes e o
processo de construção do conhecimento pedagógico do conteúdo.
As características e componentes do conhecimento pedagógico do conteúdo
Shulman (2005, p. 10) caracteriza o conhecimento pedagógico do conteúdo
como “esa especial amalgama entre materia y pedagogía que constituye una esfera
exclusiva de lós maestros, su propia forma especial de comprensión profesional”.
A ideia de amálgama entre conteúdo e pedagogia é expressa em outros trechos
pelo autor na versão em inglês como “blending” (mistura) e na tradução para o
espanhol, como “mescla”. Na literatura brasileira a ideia é expressa com o uso de
termos como fusão, articulação, sincretismo, interseção, mistura, relação ou ligação.
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A categoria representa a articulação entre outras duas: o conhecimento da
disciplina e o conhecimento pedagógico geral e, segundo Segall (2004), no ensino tanto
um quanto outro tipo de conhecimento não existe de forma independente porque o
conteúdo é sempre pedagógico e a pedagogia é sempre conteúdo. Ambos confluem para
o CPC porque é ele quem permite transformar o conteúdo científico em escolar e esse
possa ser ensinado. Configura, portanto, um corpo de conhecimentos que distingue o
professor do especialista de uma área do saber. Grossman, Wilson e Shulman (2005, p.
5) expressam assim essa distinção:
Los profesores y los especialistas tienen diferentes metas primarias. Los
especialistas crean un nuevo conocimiento en la disciplina. Los profesores
ayudan a los estudiantes a adquirir el conocimiento en un área. Estas
diferentes metas requieren comprensiones relacionadas pero distintas de la
materia. Todos nosotros hemos tenido un profesor que obviamente sabía la
materia pero que no podía explicarla a los estudiantes. Los buenos profesores
no sólo conocen su contenido sino que saben cosas sobre su contenido que
hacen posible la instrucción efectiva.
Isso significa que o especialista geralmente tem um amplo domínio sobre a
matéria, mas para ensiná-la o professor vai construindo referenciais que o permitem
compreender “cómo determinados temas y problemas se organizan, se representan y se
adaptan a los diversos intereses y capacidades de los alumnos, y se exponen para su
enseñanza” (SHULMAN, 1986, p. 11).
O autor explicita essa categoria, que identifica como novo tipo de conhecimento:
Dentro da categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo incluo, para os
tópicos mais regularmente ensinados de uma área de estudo, as formas mais
úteis de representação dessas idéias, as mais poderosas analogias, ilustrações,
exemplos, explicações e demonstrações, numa palavra, a formas de
representar e formular o assunto que torná-la compreensível para os outros.
[...] Conhecimento pedagógico do conteúdo também inclui uma compreensão
do que torna o aprendizado de temas específicos fácil ou difícil: as
concepções e preconceitos que alunos de diferentes idades e origens trazem
com eles para a aprendizagem desses tópicos e lições mais frequentemente
ensinadas (SHULMAN, 1986, p. 9). (tradução nossa)i.
Então, pode-se perceber que o CPC está constituído de vários componentes. O
primeiro deles é a organização do conjunto de conhecimento produzido pela ciência,
transformando-o em matéria de ensino, o que envolve um processo de seleção,
estruturação, hierarquização e adequada sequenciação do conteúdo. Esse componente
foi mencionado por alguns entrevistados e transcrevemos a título de exemplificação:
Hoje eu dou aula para quatros cursos diferente e nenhum deles é na minha área de formação,
então alguma relação obviamente tem com a engenharia mecânica, mas não direta. Então eu tenho que me
desdobrar muito pra consegui selecionar e inserir o conteúdo da engenharia naquela disciplina em
específico, dentro do curso em que eu estou dando aula (E5T4).
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4312ISSN 2177-336X
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Então uma das exigências que a docência faz ao professor é a organização dos
conhecimentos disponíveis sobre o tema da aula, transformando-o em conteúdos
escolares. Grossman (2005), em pesquisa realizada em sua tese de doutorado com
professores iniciantes na docência em escola secundária americana considera o
conhecimento do conteúdo como um dos componentes do conhecimento pedagógico do
conteúdo, que inclui as crenças sobre a seleção e organização dos materiais curriculares.
Grossman, Wilson e Shulman (2005, p. 10) ressaltam a importância do
conhecimento do conteúdo, do conhecimento substantivo e do conhecimento sintático
de sua disciplina por parte do professor para essa tarefa, pois as pesquisas desenvolvidas
sobre o tema e por eles analisadas permitiram concluir que “Los profesores que
comprenden el mapa más amplio de su materia, que entienden la relación de tópicos o
habilidades individuales con tópicos más generales en su campo también pueden ser
más efectivos en la enseñanza de sus matérias”. Os autores ressaltam que o
conhecimento do conteúdo ou a falta dele interfere na forma como o professor estrutura
os conteúdos, seleciona o material para ensinar e como conduz a aula.
Ainda defendem que, pelo impacto que esse tipo de conhecimento pode gerar no
ensino é necessário que os cursos de formação de professores incorporem no currículo
as discussões sobre as estruturas substantivas e sintáticas dos conteúdos das suas áreas.
O segundo componente do CPC é a compreensão acerca da situação concreta
dos estudantes de diferentes idades em relação a um conteúdo particular, tema bastante
recorrente nos discursos dos entrevistados, conforme expresso nas epígrafes a seguir:
É um desafio bem interessante, porque quando teus alunos tem uma média de idade tu fica bem
tranquila, mas quando há muita disparidade a gente precisa dar um enfoque para cada um. Há alguns
conflitos porque a aula não anda por causa da fulana e da cicrana e agente acaba tendo que mudar a aula.
Então a própria prática pedagógica me proporciona isso (E9T2).
Dou aula no curso técnico, mas não sei como trabalhar no curso essa diversidade. Tenho alunos
que recém saíram do nível médio e outros que faz dez anos que não estudam e a visão deles é outra, eles
já tem experiência e estão fazendo o curso para trabalhar em determinado lugar (E15T3).
É preciso enxergar o aluno como uma pessoa, então essa pessoa vive em um lugar e esse lugar
vai influenciá-lo. Tem que levar isso em consideração para trabalhar esse aluno em sala de aula (E12T2).
Considero importante conhecer o contexto que se vive, claro que tem que conhecer o conteúdo,
mas o conteúdo é o de menos, isso a gente estuda. Qualquer um é capaz de estudar e transmitir o
conteúdo, mas aonde tu vive, quem são os seus alunos e o que eles querem... nós temos uma diversidade
muito grande e se não os conhecermos, não vamos conseguir adequar esse conteúdo ao dia a dia (E13T1).
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Eu acho que o professor precisa ter noção de mercado, noção de quem são os alunos dele, noção
de Proeja, se são pessoas que trabalham durante o dia ou a noite. Precisa ter todo esse contexto de turma
pra conseguir montar as aulas e fazer com que eles aprendam mais (E16T3)
Conhecer quem são os estudantes é um requisito importante do CPC. Grossmam
(2005) concluiu que muitas vezes os professores tomam como referência, ao selecionar
o conteúdo e as estratégias de ensino, as suas próprias trajetórias como estudantes, o que
lhes causa dificuldades na tarefa porque esperam que eles tenham o mesmo grau de
domínio de conhecimentos e motivação que supõem terem tido quando frequentavam a
escola secundária e percebeu que “Al usar sus propias experiencias de estudiantes como
una plantilla para sus expectativas sobre el conocimiento de los estudiantes, Jake, Kate
y Lance encontraron difícil anticipar con lo que los estudiantes podrían tener problemas
o encontrar interesante” (p. 11). O resultado disso, segundo a autora é que
El desajuste entre los ideales implícitos sobre los estudiantes por parte de
estos profesores y las realidades de la capacidad de los estudiantes y su
motivación es particularmente problemático, especialmente cuando los
nuevos profesores es posible que no enseñen en los cursos avanzados en los
que podrían encontrar a los estudiantes que ellos desearían enseñar. Sin
ayuda, los profesores pueden aprender a culpar a los estudiantes por su falta
de capacidad o motivación más que mostrar sus planteamientos sobre la
responsabilidad del profesor de acercarse a un amplio abanico de estudiantes.
(p.16)
O terceiro componente do CPC é a compreensão sobre como os estudantes
poderão interpretar os tópicos do conteúdo a partir de seus conhecimentos prévios,
identificando possíveis equívocos e dificuldades.
O professor, de certa forma, tenta antecipar as formas como o conteúdo pode ser
interpretado pelos estudantes e esse é um exercício difícil particularmente na fase inicial
da docência. Os entrevistados assim expressaram essa dificuldade:
Hoje tento trazer assuntos e atividades que consigam provocar os alunos para exercitar aquele
conhecimento que eles já tem no seu dia a dia, na sua vivência, pois assim vê que as aulas se tornam
melhores, a turma participa mais. Claro que não é fácil, é um desafio, porque quando tu provoca a turma
vai ter pessoas que não sabem nada sobre o assunto até as que dominam aquele assunto. Então é um
aprendizado a cada dia (E5T4).
Eu consigo passar para eles experiências que vivi nessa área. Facilita bastante porque dou
exemplos práticos do que ocorre no trabalho e isso quem tem experiência entende mais fácil (E17T4).
Shulman (1986) acredita que o estudo dos problemas, dos equívocos de
compreensão da matéria pelos estudantes e sua influência na aprendizagem tem sido um
dos temas mais férteis para a investigação cognitiva porque faz parte do conhecimento
que o professor precisa ter para ensinar, transformando as concepções iniciais e indica
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que isso exige a interpretação didática a que se refere McEwan (1987). Grossman,
Wilson e Shulman (2005, p. 7) citam as conclusões de estudos desenvolvidos por aquele
autor que indicam que
[...] una tarea central de la enseñanza son las "interpretaciones didácticas" de
la materia, interpretaciones que descansan sobre el conocimiento que los
profesores tienen de las creencias del estudiante acerca de la materia.
McEwan sugiere que, en orden a que los profesores construyan sanas
interpretaciones didácticas, deben de poseer el conocimiento adecuado de las
creencias del estudiante acerca de la materia. Estas creencias incluyen las
preconcepciones y las malas concepciones del estudiante, igual que el
conocimiento previo y la experiencia de los estudiantes en la materia.
Mas os referidos autores (2005, p. 19) ressaltam que não são apenas as crenças e
conhecimento prévios dos estudantes que interferem no processo de ensinar, mas do
próprio professor, que também possui representações acerca da docência, dos
estudantes, da escola e do conteúdo, fatores que influenciam não só na seleção do que
ensinar, mas sobre como ensinar e como os estudantes aprendem.
Grossman (2005, p. 6) considera como um dos importantes componentes do
CPC as crenças que o professor tem sobre as metas, os objetivos de ensinar aquela
disciplina ou conteúdo porque elas funcionam como “[...] un marco organizado, o mapa
conceptual, para la toma de decisiones instructivas, sirviendo como base para
valoraciones sobre libros de texto y materiales curriculares, objetivos de aula, tareas
apropiadas, y evaluaciones del aprendizaje del estudiante”.
O quarto componente do CPC é a seleção de estratégias mais pertinentes para
ensinar cada tópico do conteúdo em circunstâncias específicas em sala de aula. Assim
os entrevistados expressam esse componente:
Eu tento ser bastante objetivo no que falo, tento evitar textos muito longos, propor mais práticas.
Uma coisa que eu não fazia antes e que tenho feito é propor mais discussões em sala de aula, mas
discussões que cheguem a um denominador comum, cheguem a algumas respostas (E5T4).
O que ajuda bastante que são os exemplos do dia a dia, trazer do cotidiano para aula. Eu utilizo
bastante isso, a prática porque às vezes eles anotam mas custam muito a entender como acontece e com
exemplo prático melhora bastante a aprendizagem e consigo ver a coisa acontecer (E6T1).
A enfermagem me deu base nas questões relacionadas às práticas humanas, porque não tem nada
de místico nela, nada de milagres. A gente executa uma técnica que aprendeu e utiliza esse conhecimento
e ponto. Mas fazer com que a pessoa compreenda isso, só com o bacharelado não consegue, precisa ter
argumentos da linguagem que no Formação Pedagógica se adquire. O curso proporciona, como
enfermeira, a ministrar aula em uma turma que tem pessoas com quinta série e outras com pós-graduação.
Então só com a enfermagem não conseguiria fazer isso, tentaria me fazer entender, mas com o Formação
consigo falar pros dois públicos (E9T2).
Acho que o fundamental, pensando no ensino técnico, é traduzir a teoria na prática e os alunos
sentem essa dificuldade quando vão a estágio, pois muitos assuntos que vêem na teoria não conseguem
fazer o link com a prática. É difícil fazer essa relação, foi o que eu senti na graduação, muitos conteúdos,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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muito conhecimento, mas não conseguia fazer o link. Vejo que as aulas se tornam mais agradáveis
quando consigo aproximar da prática, não necessariamente que vá fazer aulas práticas, mas pra você fazer
a contextualização das atividades, de alguma tarefa que ele possa relacionar com o seu dia a dia (E5T4).
Shulman (1986) faz referência, sobretudo, à forma como o professor constrói as
representações, isso é, interpreta o conteúdo e o transforma para facilitar a compreensão
por parte do estudante, mobilizando-o para o conhecimento. Esse componente envolve,
portanto, a habilidade de transformar o conteúdo da matéria em atividades e
experiências para facilitar o aprendizado, o que inclui as analogias, o uso de exemplos,
explicações e demonstrações daquele tópico específico do conteúdo.
As fontes do conhecimento pedagógico dos conteúdos
Ao tratar da seleção das estratégias de construção da representação, Shulman
(1986, p. 9) identifica duas fontes importantes para a construção do CPC: a “sabedoria
da prática” e a “pesquisa”: “Como não existe forma mais poderosa de representação, o
professor deve ter em mãos um verdadeiro arsenal de alternativas de formas de
representação, algumas das quais derivam da pesquisa, enquanto outras têm origem na
sabedoria da prática”.ii (Tradução nossa). Em texto posterior (2005) o autor abordou de
forma mais explícita a prática como fonte de construção da base profissional para o
ensino, destacando a sua contribuição para a elaboração das máximas que orientam (ou
fornecem racionalização reflexiva para) a prática de professores capazes.
Num estudo de caso desenvolvido na Bahia de São Francisco, Gudmundsdóttir
e Shulman (2005) compararam a prática profissional desenvolvida por dois professores
de Ciências Sociais, sendo um experiente (37 anos de docência) e outro principiante
(primeiro ano). O objetivo do estudo foi analisar as diferenças existentes entre eles em
relação ao domínio do CPC e constataram a contribuição que a prática pode fornecer.
Na citação a seguir recortamos as principais diferenças apontadas no estudo.
Mientras que el profesor experto ha desarrollado una sofisticación em
segmentar y estructurar el currículum y conoce los pros y contras de cada
enfoque, el principiante sólo conoce una forma, la que utiliza. [...] Los
profesores experimentados pueden darle sentido más fácilmente a las
unidades largas como un curso. Los principiantes, por el contrario, piensan
sobre una unidad por partes, sin intentar ver la relación con el todo. [...] Un
principiante puede solo utilizar pequeños fragmentos de información y es
incapaz de emplearlos más ampliamente y en estructuras organizadas. [...] La
mayor parte de las profundas diferencias entre el principiante y el experto son
que el experto tiene conocimiento didáctico del contenido que le capacita
para ver una imagen más amplia de diferentes formas y tiene la flexibilidad
para seleccionar un método de enseñanza que haga justicia al tema. (p. 09-10)
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Dentre seus colaboradores Grossman (2005) estudou as fontes do CPC, pois em
sua tese, a partir do estudo de caso, comparou a prática desenvolvida em sala de aula
por seis professores de inglês principiantes, sendo três graduados em curso de formação
de professores e três sem essa formação. Constatou que as fontes são múltiplas e
destacou quatro: conhecimento da matéria a ser ensinada, experiência do professor
enquanto estudante, aprendizado adquirido nos cursos de formação dos professores e
experiência profissional.
Sobre o conhecimento da matéria a autora não reduz ao domínio do conjunto de
informações produzidas pela ciência, mas enfoca, sobretudo, o papel que aquela
disciplina/conteúdo tem para a formação dos estudantes e dos objetivos de ensiná-la.
Então, constatou que a concepção que o professor constrói acerca disso modifica a
forma como o conteúdo é selecionado, organizado e ensinado. Outro aspecto
mencionado é a experiência do professor como pesquisador porque esse exercício de
investigação o auxilia a tomar decisões mais acertadas no momento de selecionar e
definir a estruturação dos tópicos do conteúdo e as estratégias de ensino.
A experiência do professor como estudante também fornece elementos para
elaboração do CPC, à medida que frequentou a escola durante anos e construiu
referências de boas práticas educativas desenvolvidas pelos professores que lhes servem
de modelos implícitos para a docência. Assim, ele tende a reproduzir as experiências
que vivenciou com seus professores e toma como referência para avaliar o processo de
aprendizagem de seus estudantes sua própria experiência estudantil. Ela conclui que “el
Conocimiento Pedagógico del Contenido que deriva del aprendizaje por observación,
puede ser más tácito que explícito, más conservador que innovador, y puede plantear
resistencias durante la formación del profesorado” (GROSSMAN, 2005, p. 11-12).
Quanto à formação pedagógica dos professores, Grossman (2005, p. 15)
concluiu que ela tem importante contribuição para a construção do conhecimento
pedagógico do conteúdo, especialmente quando o curso frequentado contém
componentes de didáticas específicas: “Este estudio además desafía la literatura sobre
los efectos de los cursos de formación docente demostrando que el curso sobre una
materia específica puede ejercer una poderosa influencia en cómo los profesores
enseñen y piensen sobre sus matérias”.
Dois aspectos podem ser mencionados nesse sentido: o primeiro diz respeito ao
fato de os professores da educação profissional não terem essa formação antes do
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ingresso na docência, conforme já mencionado. O segundo aspecto é ressaltado por
Grossman (2005, p. 13) quando chama a atenção para o fato de que a formação, em si
mesma pode não produzir os resultados desejados, mas contribui muito quando
associada à experiência profissional:
Lo que sugiere este análisis es que la formación del profesorado puede
proporcionar un marco teórico que forme lo que los profesores principiantes
aprenden de la experiência [...]. Sin embargo, a lo que aprendieron de la
experiencia le dieron forma a través de las concepciones sobre la enseñanza
del área de inglés que construyeron en el proceso de formación del
profesorado. [...] Sin estos marcos teóricos el aprendizaje a partir de la
experiencia puede ser fortuito, idiosincrático, e incluso engañoso [...].
Gudmundsdóttir e Shulman (2005) corroboram com esta conclusão, mas
chamam a atenção para a importância dos cursos de formação de professores centrarem
maior atenção no CPC, ajudando o futuro docente a pensar sobre a matéria a ser
ensinada e o processo a desenvolver para facilitar o aprendizado por parte dos
estudantes. Eles tecem críticas à forma como os cursos estão estruturados, pois
inicialmente são oferecidas disciplinas de conteúdos específicos, depois métodos gerais
de ensino, estudos sobre psicologia e sociologia separando conteúdo e forma. Assim,
ambos se esvaziam porque conteúdo sem método não se torna ensinável e princípios
gerais sobre processos de ensinar e aprender somente se efetivam no confronto com a
matéria a ser ensinada.
Por fim os autores ressaltam a importância da formação continuada por meio de
trocas de experiências entre os docentes e acreditam que a assessoria e apoio dos
professores veteranos aos iniciantes poderia ser chave no desenvolvimento do
conhecimento pedagógico do conteúdo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizando este estudo, é possível concluir que a formação pedagógica adquira
em processos formais de educação contribuem para que os docentes da educação
profissional superem os desafios da docência que, inicialmente, pela ausência dessa
formação, se restringe ao repasse de informações e diante da constatação da
insuficiência da estratégia de verbalização como recurso para o ensino, buscam outras
formas de ensinar.
Mas a formação para a docência não se limita a aprender um conjunto de
técnicas de ensino a serem aplicadas na aula. Muito mais do que isso, os docentes vão
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percebendo a amplitude e as exigências do processo ensino-aprendizagem e passam a
construir estratégias de comunicação e interação com os alunos, de investigação e
reconhecimento de seus saberes, de projetar-se neles e tentar compreendê-los, além de
experimentar diferentes formas de ajudá-los a apropriar-se de conteúdos escolares
construindo conhecimentos. É esse conjunto de habilidades que Shulman sintetiza no
conceito de conhecimento pedagógico do conteúdo, que foi objeto do presente trabalho.
REFERÊNCIAS
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sustância: el conocimiento de la matéria para la enseñanza. Profesorado. Revista de
currículum y formación del profesorado. Granada-España, ano 9, n. 2, 2005, p. 1-25.
<http://www.ugr.es/local/recfpro/rev92art5.pdf>. Acesso em: 02. mar. 2015.
GROSSMAN, Pamela L. Un estudio comparado: las fuentes del conocimiento didáctico
del contenido en la enseñanza del inglés en secundaria. Profesorado. Revista de
currículum y formación del profesorado. Granada-España, ano 9, n. 2, 2005, p. 1-25.
<http://www.ugr.es/local/recfpro/rev92art5.pdf>. Acesso em: 03. mar.2015.
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Sociales. Profesorado. Revista de Currículum y Formación de Profesorado, vol. 9, nº.
2, 2005. Universidad de Granada España. Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56790206. Acesso em: 10. mar. 2015.
SEGGAL, Avner. Revisiting pedagogical content knowledge: the pedagogy of
content/the content of pedagogy. In: Teaching and Teacher Education. nº 20, 2004, p.
489–504.
SHULMAN, Lee S. Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching.
Educational Researcher. Vol. 15, no. 2. fev. 1986, p. 4-14.
SHULMAN, Lee S. Conocimiento y enseñanza: fundamentos de la nueva reforma.
Profesorado. Revista de Currículum y Formación de Profesorado. v. 9, n. 2,
Granada, España, 2005, p. 01 - 30.
i Within the category of pedagogical content knowledge I include, for the most regularly taught topics in
one's subject area, the most useful forms of representation of those ideas, the most powerful analogies,
illustrations, examples, explanations, and demonstrations-in a word, the ways of representing and
formulating the subject that make it comprehensible to others. [...] Pedagogical content knowledge also
includes an understanding of what makes the learning of specific topics easy or difficult: the conceptions
and preconceptions that students of different ages and backgrounds bring with them to the learning of
those most frequently taught topics and lessons. (SHULMAN, 1986, p. 9) ii Since there are no single most powerful forms of representation, the teacher must have at hand a
veritablea rmamentariumo f alternative forms of representation, some of which derive from research
whereas others originate in the wisdom of practice.
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4319ISSN 2177-336X