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Diego Escosteguy O empresário que entregou 1.800 políticos ao Ministério Público diz que o presidente não tinha “cerimônia” para pedir dinheiro e que Eduardo Cunha cobrava propina em nome de Temer “TEMER é O CHEFE DA QUADRILHA MAIS PERIGOSA DO BRASIL” TEMPO ENTREVISTA

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I I

Diego Escosteguy

O empresário que entregou 1.800 políticos aoMinistério Público diz que o presidente não tinha“cerimônia” para pedir dinheiro e que EduardoCunha cobrava propina em nome de Temer

“Temeréochefe

daquadrilhamais

perigosadoBrasil”

TEMPOEntrEv Ista

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30 I época I 19 de junho de 2017

ÉPOCA – A delação da JBS revelou que a corrupção noBrasil é ainda mais ampla do que se sabia, mesmo apóstrês anos de Lava Jato. O senhor mesmo pagou propinaa um assessor do presidente Michel Temer em meio àdivulgaçãodadelaçãodaOdebrecht.Nãoépossível tocaruma empresa sem comprar políticos?JoesleyBatista–Tudo a que estamos assistindo hoje se iniciouhá dez, 15 anos. Começaram a surgir grupos, no Brasil, comdivisão de tarefas: um chefe, um operador, um tesoureiro.São organizações criminosas. Existem para ganhar dinheirocometendo crimes.Em cada estado – não todos – se criou umnúcleo, nas estatais se criaram núcleos, nos fundos de pensãodas estatais se criaram núcleos, nos ministérios de Brasília secriaram núcleos. Esses grupos foram se proliferando. A gentemostrou, na nossa colaboração, que, infelizmente, tivemos denos relacionar, ao longo destes anos, com diversos desses nú-cleos – dessas organizações criminosas.E,para falar a verdade,até fazer a colaboração premiada, nós não tínhamos a cons-ciência de que fazíamos parte de uma organização criminosae tampouco de que lidávamos com organizações criminosas.

ÉPOCA – Eranatural?Joesley–Era a regra do jogo. E o mais importante: a corrup-ção está no andar de cima, nas autoridades, não está no andarde baixo. Ela está no poder, ao qual nós, brasileiros, estamossubordinados. Quando você se vê dentro de um ministério,tratando com um ministro,que é a sua autoridade, falando dedinheiro ilícito, você começa a achar normal. Com o tempo,você perde a referência do que é certo e do que é errado, doque é legal e do que é ilegal. O que aconteceu no Brasil foi aproliferação de organizações criminosas. No começo eramdezenas.Depois viraram centenas.Tem organizações crimino-sas pequenas,organizações criminosas médias e organizaçõescriminosas grandes. Nós participamos e tivemos de finan-

ciar muitas delas. É isso que o Brasil está descobrindo hoje.

ÉPOCA –Quandoesseprocessocomeçou?Joesley – Foi no governo do PT para a frente. O Lula e oPT institucionalizaram a corrupção. Houve essa criaçãode núcleos, com divisão de tarefas entre os integrantes, emestados, ministérios, fundos de pensão, bancos, BNDES. Oresultado é que hoje o Estado brasileiro está dominado pororganizações criminosas. O modelo do PT foi reproduzidopor outros partidos.

ÉPOCA – Pelos documentos que vocês apresentaram nacolaboração, a empresa sempre precisava pagar propinaaalguémcompoderpolíticoparaconseguir oquequeria.Joesley–Com certeza, com certeza. Isso se institucionalizou.As Orcrims usavam as eleições para ganhar dinheiro. Veja oexemplo dos benefícios fiscais. São comuns no mundo intei-ro. Quando você vai fazer negócio num estado, é normal terincentivos fiscais. Só que, quando o político te dava um bene-fício normal, que todo empresário luta para ter, você acabavaficando com uma dívida implícita de dar dinheiro para ele naeleição.Não deveria ter vínculo,contrapartida,mas foi isso queaconteceu. Ficou cada dia mais forte e institucionalizado. E aínasce a discussão: eu corrompi ou fui achacado?

ÉPOCA –Certamentenão foi sóumavítima.Joesley – Claro que não. Mas, se você observar os anexos danossa delação, está lá: nós dávamos dinheiro para conseguiralgo que estava dentro do nosso direito. No Ceará, por exem-plo, tem um programa de incentivo fiscal. Nós fomos paralá por causa desse incentivo. Montamos a fábrica e fomostrabalhar,para produzir riqueza e gerar milhares de empregos.Na hora de receber o dinheiro do benefício,o estado não paga.Foram quatro anos disso. Aí chega a eleição e o político diz:

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Na manhã da quinta-feira, o empresário Joesley Batista, um dos donos dogrupo J&F, recebeu ÉPOCA para conceder sua primeira entrevista exclusi-va desde que fechou a mais pesada delação dos três anos de Lava Jato. Emmais de quatro horas de conversa, precedidas de semanas de intensa nego-ciação, Joesley explicou minuciosamente, sempre fazendo referência aosdocumentos entregues à Procuradoria-Geral da República, como se tornouo maior comprador de políticos do Brasil. Discorreu sobre os motivos queo levaram a gravar o presidente Michel Temer e a se oferecer à PGR paraflagrar crimes em andamento contra a Lava Jato. Atacou o presidente, a

quem acusa, com casos e detalhes inéditos, de liderar “a maior e mais perigosa organizaçãocriminosa do Brasil” – e de usar a máquina do governo para retaliá-lo. Contou como o PT deLula “institucionalizou” a corrupção no Brasil e de que modo o PSDB de Aécio Neves entrouem leilões para comprar partidos nas eleições de 2014. O empresário garante estar arrependi-do dos crimes que cometeu e se defendeu das acusações de que lucrou com a própria delação.Abaixo, uma versão abreviada da entrevista, levemente editada por razões de clareza.

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19 de junho de 2017 I época I 31

“Se você contribuir, eu consigo liberar”. Acabamos pagando.

ÉPOCA – Se era uma chantagem, por que não resistir?Por que ceder?Joesley–Reconheço que não deveríamos ter cedido a isso. Enosso compromisso hoje é sermos intransigentes em relaçãoa esse tipo de comportamento. Mas, por outro lado, é muitoduro trabalhar no Brasil. Você precisa de diversas áreas dogoverno. Como em Mato Grosso do Sul. Temos fábricas emais de 10 mil funcionários. Não deveríamos ter de pagarpolíticos. Mas é discricionário ao estado. O governo pode tedar um termo para pagar menos impostos. Ou pode não dar.Você só consegue se pagar propina. Como é preciso compe-tir, você fica no dilema: fecho fábricas, demito gente e vouembora – ou cedo à pressão, ao achaque, e pago propina?Resistimos em vários casos. Na Receita, resisti três anos. Sóque vai empilhando crédito, empilhando crédito… Chegauma hora que eu falei: bom, tem de pagar. Ficam um ano,dois anos, três anos segurando. É claríssimo. Se eu não pagarpara liberar, só daqui a quatro anos, com outro governante.A gente resistia, resistia – mas pagava.

ÉPOCA –Mas não se chegou ao ponto da corrupção sis-têmica, em que os pagamentos eram tão naturais que jánão estavam, muitas vezes, vinculados a um ato especí-fico de governo?Joesley–Exatamente. Na maioria dos casos, virou uma obri-

gação. O governante falava: te dei aquele incentivo. Olhe ocaso do Guido, do PT:“O BNDES comprou ações e investiuna sua empresa. Como você não vai me dar dinheiro?”.

ÉPOCA –Comose fosseumcontrato informal?Joesley – Isso. Mas garanto e preciso reafirmar: eu e nossaempresa nunca pagamos um centavo de propina dentrodo BNDES. Do presidente Luciano Coutinho ao técnicomais júnior. Tampouco conheço outra empresa que tenhapagado. Todas as minhas relações no BNDES eram abso-lutamente republicanas.

ÉPOCA – Se tudo era tão republicano no BNDES, por queentãopagarGuidoeoPT?Joesley–Porque estávamos nas mãos deles. Era só o Guidodizer no BNDES que não era mais do interesse do governoinvestir no agronegócio. Pronto. Bastava uma mudança dediretriz de governo para acabar com o nosso negócio. Otrabalho técnico pode fazer todo sentido, mas vai por águaabaixo se não houver diretriz de governo.

ÉPOCA–Até queponto o senhor pagavapara conseguiruma facilidadeoupagavapara resolver umadificuldade?Dava para distinguir?Joesley –A corrupção virou regra do jogo. Muitas vezes nãochegava explicitamente a ter a dificuldade.Mas tive casos clás-sicos de chantagem. Por exemplo: na Caixa, com Eduardo s

“semprequeTemermechamava,

eu saBia queele ia pedir

algumacoisa”

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Cunha e Lúcio Funaro,que mandavam em gente lá. Se eu nãoaceitasse pagar,o crédito legítimo que eu havia pedido não eraapreciado. Nunca paguei propina ao corpo técnico da Caixa.No FI-FGTS,por exemplo,nós demos entrada num pedido definanciamento. Fábio Cleto, indicado por Funaro e EduardoCunha,descobriu.Foi aí que o Lúcio entrou na minha vida.Omodus operandi sempre foi assim: eu tentava fazer operaçõesna Caixa, o Lúcio descobria e vinha falar comigo. Ele dizia:“Vai ter os 3%, não é?”. Eu dizia que não. Mas tinha de pagar.O modus operandi do Lúcio e do Eduardo é um toma lá dá cámuito às claras. Paga os 3% e passa no comitê. Se não paga,alguém pede vista. Pronto.

ÉPOCA – A influência do PMDB na Caixa era tão grandeassim?Joesley – Não era só influência. Erampessoas colocadas em cargos estraté-gicos por uma organização criminosa.Elas tinham a capacidade de aprovarou barrar um negócio. É por isso quepolíticos lutam tanto por cargos, comoa gente vê na TV. O que está por trásdessas negociações políticas por cargoé a disputa para ver qual Orcrim vai fi-car com qual parte do governo. É parafazer dinheiro. Eu não achei que estavalidando com organizações criminosas.Hoje é que percebo isso.

ÉPOCA – EoPT?Joesley–Com Guido era um pouco di-ferente.Até porque era o BNDES. Eramoperações de longo prazo, demoravam,eram maiores.

ÉPOCA – Mas a propina tambémestava associada ao sucesso, aosbenefícios concedidos ao J&F. O re-sultado era omesmo.Joesley – Sim, 100%. Quando era efe-tivado o negócio, saía uma parcela, eucreditava o valor da propina na contado Guido na Suíça. Só que a abordagem era menos agressiva.

ÉPOCA – Pelos documentos da colaboração, vocês re-solviamosproblemasnonível político. Pagavampor cimapara resolver embaixo. É isso?Joesley – Sempre no andar de cima. O único lugar queteve propina direto com técnico foi com os presidentes dofundos de pensão das estatais. Eles eram indicados pelossindicalistas do PT, mas ainda assim havia um contato di-reto, com pagamentos. Os comprovantes estão na delação.Mas nos demais casos resolvíamos no ambiente político.

ÉPOCA –Quandovocêcomeçouapagarpropina?Joesley–No governo do PT.Quem inaugurou esse sistema foi

o governo do PT. A primeira vez que fui abordado com essaforma de operar foi em Mato Grosso do Sul, no governo doZeca do PT. Vi uma estrutura organizada no andar de cima,com o governador. As coisas no estado só funcionariam den-tro da normalidade se estivéssemos alinhados com eles. Esseesquema perdurou até hoje. Foi do PT ao PMDB e, agora,está no PSDB. Tudo com o mesmo modelo, o mesmo modusoperandi. Mudam os nomes, mas o sistema permanece igual.

ÉPOCA – E vocês ajudavam a financiar esse sistema.Tornaram-se osmaiores doadores oficiais do Brasil.Joesley –Há uma coisa curiosa: 90% desse dinheiro de pro-pina – que nós contamos na colaboração – voltava para apolítica, para financiar a permanência das mesmas pessoas

no poder. Para manter a roda girando.

ÉPOCA – Mas muitas vezes não sesabe quem embolsa o dinheiro. Apropina é paga durante a campa-nha. Se vai para o bolso do políticoou para a campanha, é difícil saber.Joesley– Isso. A campanha é um even-to que permite ao político sair por aípedindo dinheiro. O que ele faz com odinheiro a gente não sabe. Esse que é oponto. Em condições normais, quandouma pessoa liga para a outra pedindodinheiro, eu não vou te dar. Se você écandidato, posso dar. Candidatar-se aum cargo habilita a pessoa a sair poraí pedindo dinheiro. É por isso que ospartidos se multiplicaram: 30, 40, todomundo perdeu a conta. Ter partido dáoportunidade de fazer negócio escuso.Como o partido maior precisa do par-tido menor para fazer coligação, virabalcão.Vira Orcrim.

ÉPOCA – Você critica esse sistema,mas foi graçasaelequevocêsflores-ceram, não?Joesley - Entendo o que as pessoas fa-

lam. O que muita gente esquece é que em 2000 nós já éramosa maior empresa de carne bovina brasileira.Antes do governodo PT.É que de 2000 para cá viramos a maior do mundo.Nósnão chegamos ontem. O meu pai começou em 1953. Eu, quesou o mais novo dos irmãos, completei 28 anos de trabalhona empresa. Como estamos crescendo num ritmo acelerado,parece que tudo foi feito nos últimos cinco anos. Os últimos20 anos ficam pequenos. A história que estamos contandotem dez, 15 anos. Construímos uma empresa sólida. Com adelação, fica-se a impressão de que o único mérito que nóstivemos na vida foi pagar propina para político.

ÉPOCA–Vocêsnãocresceramprecisamentepela capa-cidade de pagarmais propina?

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“eduardocunha pediur$ 5 milhõespara Barraruma cpi.

eles operamassim”

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Joesley–Definitivamente não é isso. Propina era a regra dojogo. Estamos vendo nas colaborações que era assim quefuncionava em vários setores. Acredito que haverá outrascolaborações que mostrarão como outras empresas vira-ram reféns desse sistema. Não foi só o J&F. Não foram só asconstrutoras. Quem precisou do Estado em algum momentoteve de pagar propina a um político. Nós somos operários,somos da produção, somos da fábrica. Produzimos. Meupai, minha mãe, minha família é feita disso. A gente disputanos Estados Unidos. Sem propina. Disputamos com sucessona economia mais competitiva que existe. Competimos sempropina nos Estados Unidos, na Austrália, na Inglaterra, nomundo inteiro. No Brasil, infelizmente, a propina era o custode operar. Era precificado. Acredito, se Deus quiser, que nãoé só o J&F e os outros colaboradoresque vão virar essa página. Será o Brasil.

ÉPOCA – O senhor se deu conta daenormidade das propinas que esta-vampagando?ChegaramaR$600milhões.Joesley – Foi se avolumando com apropina no BNDES. Gerou esse crédi-to de R$ 300 milhões que o PT gastoupara comprar a eleição de 2014. Essemodelo, no meu olhar, veio se conso-lidando de 2010 para cá. Houve umcrescimento exponencial nessa quan-tidade de Orcrims e nesse modelo decorrupção. Nessa quase que total insti-tucionalização da corrupção. Quandoterminamos o ano de 2014, depois queo PT nos pediu aquela compra indis-criminada de partidos, ficamos convic-tos de que esse sistema estava chegandoà exaustão. Ficou insustentável.

ÉPOCA–Afaladosenhordáaimpres-sãodequeossenhoresseachamvíti-mas, enãopartícipesdesse sistema.Joesley – De forma alguma. Reconhe-cemos nossos erros. Olhamos para tráscom consciência de que fizemos e participamos de algo com-pletamente errado.Não nos eximimos de culpa.Nós participa-mos de forma efetiva, infelizmente, desse sistema. Nós fomosparte desse sistema. Até a hora da colaboração. Houve umdespertar com a colaboração. Colaborar exige um despertar,para mudar a maneira de ver o mundo. Até então, a gentepercebia que tinha algo muito estranho, chegando à exaus-tão. Não tinha mais limite na hora de falar de dinheiro: caixaum, caixa dois, caixa de tudo quanto é jeito. Nós cometemoscrimes.Mas nossa história mostra que não somos criminosos.É diferente. Não vivemos do crime. Levantamos de manhãpensando em gerar emprego, lançar produto, investir, vendermais, aumentar participação no mercado. Não acordamospensando em cometer crimes.

ÉPOCA –Quandoos senhoresdecidiramcolaborar?Joesley – Um processo de delação é algo muito forte, émuito doído. Corruptos ou não, convivi com essas pes-soas que denunciei. Jantaram na minha casa. Eu conhecias esposas, os maridos. Chamava todos de amigos – e erade verdade. Na colaboração, antes de mais nada você temde reconhecer seu erro. Reconhecer que o que você estavafazendo era completamente equivocado. E tem de repensaras amizades. Estavam feitas em quais bases? E aí mudar ochip. Mudamos nossa cabeça. A minha, a do Wesley (Batis-ta), a do time. Mudou completamente a forma de enxergartudo que aconteceu.

ÉPOCA –Oqueajudounesseconvencimento?Joesley–A contradição entre o mundoda política e o mundo das investigações.Jantava com os políticos e tinha umarelação maravilhosa com eles. Só ou-via que tudo daria certo. Pela manhãaparecia a polícia na minha casa. Tinhade ir depor no MP toda hora. Veio umprocesso, depois outro, depois outro…Algo não fazia sentido. Eu não entendiacomo funcionava o Ministério Públi-co. Não sabia o que fazia um procura-dor. Rapazes novos, inteligentes, bem--intencionados. Comecei a entender oque estava acontecendo: a combinaçãoda nova lei de organizações criminosas,a prisão já na segunda instância, menosprescrições na Justiça. Quando entendia estrutura do Ministério Público e aforça da Lava Jato, comecei a entendero que estava acontecendo no Brasil.Comecei a perceber que a mudança nopaís era muito profunda. E que jantarnenhum com político ia resolver nossosproblemas. Quando entendemos essaquestão,vimos que o Brasil estava cheiode Orcrims.Que nós estávamos fazendoparte e financiando Orcrims.

ÉPOCA–Mas issoquandoasituaçãodosenhor edogru-po já era crítica na Justiça.Joesley– Sim. Mas, a partir do momento em que você tomaa decisão, você troca de time. Se você começa a enxergarcom os olhos do outro time, a delação vem naturalmente,se torna verdadeira. Quer mostrar que não vive do crime?Colabore. De qual time você é? Fazer a colaboração é es-colher o time certo. Mostra que você cometeu crime, masnão é um criminoso. Que pode mudar.

ÉPOCA–Nessemesmomomento, nodecorrer de2016, osenhor, segundo admite e as provas corroboram, estavapagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funa-ro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor s

“eu TenTava fazeroperações na

caixa, o operadorlúcio funaro

descoBria e vinhafalar: ‘vai Teros 3%, né?’”

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tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo demanteresse silêncio ficou alto demais?Muito arriscado?Joesley–Virei refém de dois presidiários. Combinei quandojá estava claro que eles seriam presos, no ano passado. OEduardo me pediu R$ 5 milhões. Disse que eu devia a ele.Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias depois elefoi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso,quem é a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Eledisse: “O Altair procura vocês. Qualquer outra pessoa nãoatenda”. Passou um mês, veio o Altair. Meu Deus, como voudar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair disseque a família do Eduardo precisava e que ele estaria soltologo, logo. E que o dinheiro duraria até março deste ano. Fuipagando, em dinheiro vivo, ao longo de 2016. E eu sabia que,quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.

ÉPOCA – EoLúcioFunaro?Joesley – Foi parecido. Perguntei para ele quem seria omensageiro se ele fosse preso. Ele disse que seria um irmãodele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada.O Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamosjuntos. Não te delato nunca. Eu confio em você. Sei quenunca vai me deixar na mão, vai cuidar da minha família”.Lúcio era a mesma coisa: “Confio em você, eu posso irpreso porque eu sei que você não vai deixar minha famíliamal. Não te delato”.

ÉPOCA – Eelescumpriramoacerto, não?Joesley – Sim. Sempre me mandando recados: “Você estácumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar. Podem dela-tar todo mundo menos você”. Mas não era sustentável. Nãotinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me pro-curando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.

ÉPOCA –Quemeraomensageiro?Joesley–Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível.Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia ter de-lação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estavapreocupado. Quem estava incumbido de manter Eduardoe Lúcio calmos era eu.

ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presi-dente Temer?Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso,mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O pre-sidente sabia de tudo. Eu informava o presidente por meiodo Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e oEduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocuçãocom o Planalto por um tempo. Até por precaução.

ÉPOCA – Mas o senhor continuava buscando uma saídaparaosproblemaspelapolítica?Joesley – Até o fim do ano passado, eu continuava con-versando bastante com os políticos. Tentando entenderqual seria a solução para esse problema. E eu percebiaclaramente que não tinha solução.

ÉPOCA –Oqueelesdiziam?Joesley – Até dezembro, acreditou-se que a solução seriaaprovar a anistia ao caixa dois e a Lei de Abuso de Autori-dade. Com a Lei do Abuso, acreditava-se que se iria segurara Lava Jato. E com a anistia ao caixa dois, acreditava-se quese legalizavam as coisas erradas do passado.

ÉPOCA –Quemcomandavaessemovimento?Joesley –O presidente Temer. Geddel articulava a anistia aocaixa dois e Renan articulava o Projeto de Abuso de Autori-dade. Tive conversas com Renan sobre Abuso de Autoridade,quando ele era presidente do Senado. Era uma pauta dele.Mas os dois assuntos morreram. A recuperação econômicacomeçou a vir, e os políticos começaram a acreditar que, pormeio dela, conseguiriam comprar o silêncio dos brasileiros.O brasileiro não iria mais para a rua e eles poderiam abafar aLava Jato. Tudo voltaria ao normal, voltaria ao controle dospolíticos. Eles não estavam entendendo – a maioria ainda nãoentende – o que está acontecendo no Brasil. Não querem verque o sistema político faliu. Acabou. Não dá mais.

ÉPOCA – Eaí vemadecisãode tentar adelação?Joesley– Iríamos esperar o quê? Ser presos,a empresa quebrar,causar desemprego, dar prejuízo ao BNDES, à Caixa, ao mer-cado de capitais, aos credores? Quando percebi que as coisasnão iam mudar e não havia o que esperar,que os políticos não

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estavam entendendo o que estava acontecendo com o país, aícomecei a registrar minhas conversas.Fui ao Temer.A empresanão aguentaria mais tanta investigação.

ÉPOCA–MasoqueTemerpoderiadizerquemudariaessasituação?Joesley–Nada. Mas eu queria entender se ele estava enten-dendo, se ele tinha alguma solução. Pensei: vou lá contarum pouco da minha história e ver o que ele fala. Porqueeu sei que continuar pagando o silêncio do Eduardo e doLúcio estava errado e não ia resolver meu problema. Erainsustentável. Queria ter a certeza da história do Lúcio edo Eduardo. Porque o Geddel não parava de me cobrar.

ÉPOCA – Queria ter certeza de que Temer continuavaconcordando empagar o silêncio dos dois?Joesley– Eu queria ter certeza de que essa agenda ainda erado Temer. Será que ainda é? De repente eu chegava lá e oTemer dizia: “Não, Joesley, para, não precisa mais não”. Masele fala para mim que tem de continuar isso. Me arrepiei.Pensei: “Meu Deus do céu. Se ele acha que tem de continuar,já é um problema”. Aí eu continuo falando. E digo para eleque as minhas soluções não são duradouras. Não é susten-tável. Ele vira para mim e diz: você está no caminho certo.Fiquei ainda mais preocupado. Estava sem interlocução. Aíele falou do Rodrigo (Rocha Loures).

ÉPOCA–Osenhoroconhecia?Joesley–Conhecia de vista. E ele me indica o Rodrigo comouma pessoa da mais estrita confiança.

ÉPOCA–Masporquegravaropresidente?Joesley–Porque eu sabia que estava aumentando a chancede eu trocar de lado e partir para a colaboração com o MP.Era a única saída que eu estava enxergando. Eu precisava deuma colaboração efetiva. Qual a maneira mais efetiva queeu tenho de colaborar no combate à corrupção no Brasil?Pensava comigo: é só mostrar para os procuradores que,apesar de três anos de esforços, nada mudou. Tudo conti-nua igual. Os políticos, no topo, não mudaram nada. Issocomeça com o número 1, com o presidente da República.

ÉPOCA–Equeméonúmero2?Joesley – É o Aécio, porque era a alternativa. Teve 48% dosvotos dos brasileiros. E tinha entrado no governo do Temer.Eu preciso mostrar o que está acontecendo hoje, e não só oque aconteceu há três anos, na campanha de 2014. E como eumostro? Preciso fazer uma ação que seja indiscutível para o en-tendimento da população e do MP.Vou registrar como se dãoas conversas com o número 1 da República e com o número 2,que seria a alternativa ao 1. Se o Brasil não entendesse que o 2era igual ao 1, o Brasil ia achar que a solução era substituir o 1pelo 2.Mas o 2 é do mesmo sistema.A gente não teria a chancede entender que o problema é estrutural, é pluripartidário.

ÉPOCA–Atéporque,segundoasprovasapresentadasporvocês na colaboração, houve propina tanto no lado do PTquantono ladodoPSDB.Acompra foi paraosdois lados.Joesley– Isso.Mesmo sistema: caixa dois,nota fria, compra decoligação. Eu já precificava que ia precisar do apoio do Aéciose ele fosse eleito. Ele me pediu para fazer R$ 50 milhões noprimeiro e R$ 50 milhões no segundo turno, se houvesse.Falouque era eu e mais três empresas que estavam financiando –não sei se é verdade. O PTB do Roberto Jefferson a gente deua pedido dele. A gente não conhecia esse partido. Ele tentoutrazer o PR para o lado dele. Iria custar R$ 40 milhões, ele disse.Estava certo e eu já havia me preparado para pagar. Aí o PRapareceu através do PT, cobrando os R$ 40 milhões. Fiqueiesperando: “E aí, e o outro?”. Ele falou para eu esperar, quedaria certo. Depois falou que não deu. Ele falou que tentoufazer por 35 e o PT cobriu os 40.Não sei se é verdade.Sei que oPR veio em seguida por meio do PT.E nós pagamos.Pode isso?

ÉPOCA – Embora o presidente admita o encontro e dis-corde somente da interpretação do que foi dito nele, háquestionamentos sobre o áudio dessa conversa. Ele foieditado ou adulterado de alguma forma?Joesley – De modo algum. Zero. Zero. Gravamos e entre-gamos. Podem fazer todas as perícias do mundo. Tentamdesqualificar o áudio por desespero. Agora, tenho plenaconsciência de quão agressivo são os áudios para a culturado brasileiro – gravei também o Aécio e o Rocha Loures,não nos esqueçamos. Gravar uma pessoa não é algo trivial. s

“o ex-minisTrogeddel vieira limaqueria saBer se euesTavacuidandodosdois, cunha

e funaro. opresidenTe esTava

preocupado”

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É duro, doído, forte. Nunca havia gravado ninguém naminha vida. Esse processo deixa a gente impactado. Mas aúnica coisa que me conforta nessa história de ter gravadoé que eu registrei o que eles falaram. Não botei palavrana boca de ninguém. É diferente de dar um depoimento.Se mesmo com toda a robustez das provas nós já estamossendo perseguidos, imagine se fosse só o meu testemunho.Se isso fica só da minha boca?

ÉPOCA –Muitos se perguntam por que o senhor tambémnãogravouoLula.Nãoseria importanteparaopaís?Joesley – Porque eu nunca tive conversa não republicanacom o Lula. Zero. Eu tinha com o Guido. Conheci o Lulano fim de 2013.

ÉPOCA–OsenhornãoerapróximodoLulaquandoele erapresidente?Joesley – Estive uma vez com o presi-dente Lula quando assumi o comandoda empresa, em 2006. Pedi audiênciaoficial. Deve estar nos registros. Fuicom meu pai apresentar a empresa.Achei que seria importante me apre-sentar. Nunca mais vi o Lula até o fimde 2013. Não precisou ter conversa.Meu contato era o Guido.

ÉPOCA–Eele sempre resolvia?Joesley – Resolvia. Então pronto. Paraque ter outro? Não estou protegendoninguém, mas só posso falar do quefiz e do que posso provar. Não estouentregando pessoas. Entreguei provasaos procuradores. E o PT tinha o maiorsaldo de propina. O que posso fazer sea interlocução era com o Guido? Aí in-ventam que a Blessed, aquela empresaque temos nos Estados Unidos, seriado Lula, do Lulinha, de político. É umalenda urbana. Esse negócio de Lula oufilho de Lula é fruto de um imagináriode alguém que quis nos prejudicar. Etoda essa documentação da Blessed está à disposição das au-toridades. Encaminhamos. E vamos entregar mais material.Estamos levantando mais fatos. Tivemos pouco tempo.

ÉPOCA–Muita gente duvida que a relaçãodo senhor comoPT,naesfera federal, tenhasidosócomoGuidoMantega.Joesley – Na realidade, até 2014, eu juro que achava queesse dinheiro era do Guido, na pessoa física. Ele falava essahistória de que esse é do Lula, esse é da Dilma. Mas eu nãoacreditava nisso. Achava que era tentando me convencerde que não era para ele. Jamais imaginei que esse dinheiroserviria, em 2014, para essa quantidade de doação política.Tomei um susto. Guido não mexia no partido. Sempre foimais do governo. Achava que um dia eu teria de passar

essa conta para ele. Em 2014, ele me chama e me pede paracomeçar a pagar o PT e os partidos. Foi inusitado.

ÉPOCA – Ninguém na cúpula do partido falava com osenhor sobre esses pagamentos? Afinal, eram R$ 300milhões de saldo de propina, amaior fonte de receita doPT em 2014.Joesley–Confirmei com a Dilma.Porque ela me pediu R$ 30milhões para o Pimentel.Aí me senti na liberdade de explicar.

ÉPOCA–Onde foi essaconversacomapresidente?Joesley–No Palácio do Planalto. Na mesa-redonda do gabi-nete presidencial. Expliquei: acabou o dinheiro. Ela ouviu efalou:“Tá bom. Pode fazer”. Foi o último dinheiro. Estava no

final da campanha. Como o Lula nãome pediu dinheiro,eu não tive liberdadede falar dessas contas com ele.

ÉPOCA–Quandoo senhor conheceuTemer?Joesley – Conheci Temer através doministro Wagner Rossi, em 2009, 2010.Logo no segundo encontro ele já me deuo celular dele. Daí em diante passamosa falar. Eu mandava mensagem paraele, ele mandava para mim. De 2010em diante. Sempre tive relação direta.Fui várias vezes ao escritório da PraçaPan-Americana, fui várias vezes ao es-critório no Itaim, fui várias vezes na casadele em São Paulo, fui algumas vezes aoJaburu, ele já esteve aqui em casa, elefoi ao meu casamento. Foi inaugurar afábrica da Eldorado.

ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza darelação do senhor com o presidenteTemer?Joesley – Nunca foi uma relação deamizade. Sempre foi uma relação ins-titucional, de um empresário que pre-cisava resolver problemas e via nele a

condição de resolver problemas. Acho que ele me via comoum empresário que poderia financiar as campanhas dele – efazer esquemas que renderiam propina. Toda vida tive totalacesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me cha-mava, eu ia lá.

ÉPOCA–Conversar sobrepolítica?Joesley – Ele sempre tinha um assunto específico. Nuncame chamou lá para bater papo. Sempre que ele me chamavaeu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queriaalguma informação.

ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiroao senhor já em 2010. É isso?

EntrEv Ista

“dilmarousseffpediu

r$ 30milhõespara a campanhade pimenTel.eu dei”

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Joesley– Isso.Conheci Temer,e esse negócio de dinheiro paracampanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não temmuita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um caracerimonioso com dinheiro.

ÉPOCA–Ele semprepediu semalgoemtroca?Joesley–Sempre estava ligado a alguma coisa ou a algum fa-vor.Raras vezes não.Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300mil para fazer campanha na internet antes do impeachment,preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos.Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele semanter. Também pediu para um tal de Milton Ortolan, queestá lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele.Pediu para nós fazermos um mensalinho. Fizemos. Ele voltae meia fazia pedidos assim. Uma vez eleme chamou para apresentar o Yunes.Disse que oYunes era amigo dele e paraver se dava para ajudar o Yunes.

ÉPOCA–Eajudou?Joesley – Não chegamos a contratar.Teve uma vez também que ele me pe-diu para ver se eu pagava o aluguel doescritório dele na praça (Pan-Ameri-cana, em São Paulo). Eu desconversei,fiz de conta que não entendi, não ouvi.Ele nunca mais me cobrou.

ÉPOCA – Ele explicava a razão des-ses pedidos? Por que o senhor de-veria pagar?Joesley – O Temer tem esse jeito cal-mo, esse jeito dócil de tratar a coisa.Não falava.

ÉPOCA–Elenãodeunenhumarazão?Joesley –Não, ele não dava. Há polí-ticos que acreditam que, pelo simplesfato do cargo que ele está ocupando, jáo habilita a você ficar devendo favoresa ele. Já o habilita a pedir algo a você demaneira que seja quase uma obrigaçãovocê fazer. Temer é assim.

ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidentetambémocorreudessamaneira?Joesley–Não lembro direito.Mas é dentro desse contexto:“Eupreciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha queo cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para oChalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.

ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDBnacampanhade2014,segundoolobistaRicardoSaud,queestánacolaboraçãodaJBS.Joesley–Ricardinho falava direto com Temer, além de mim.O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB.

Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram edeu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer recla-mou conosco. Demos o dinheiro. O Eduardo participou disso.

ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e EduardoCunha?Joesley–A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu supe-rior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nomedo Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho,ele resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essaera a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio.O que ele não conseguia resolver ele pedia para o Eduardo. Seo Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.

ÉPOCA – Segundo as provas dadelação da JBS e de outras investi-gações, o senhor pagava constante-mente tanto EduardoCunha quantoLúcio Funaro, seja por acertos naCâmara, seja por acertos na Caixa.Quem ficava com o dinheiro?Joesley – Em grande parte do períodoque convivemos meu acerto era diretocom o Lúcio.Eu não sei como era o acer-to do Lúcio com o Eduardo, tampoucodo Eduardo com o Michel. Eu não seicomo era a distribuição entre eles. Euevitava falar de dinheiro de um com ooutro. Depois, comecei a tratar uns ne-gócios direto com o Eduardo. Em 2015,quando ele assumiu a presidência daCâmara. Não sei também quanto dessesacertos iam para o Michel. E com o Mi-chel mesmo eu também tratei várias doa-ções.Quando eu ia falar de esquema maisestrutural com Michel, ele sempre pediapara falar com o Eduardo. “Presidente,o negócio do Ministério da Agricultu-ra, o negócio dos acertos…”. Ele dizia:“Joesley, essa parte financeira toca como Eduardo e se acerta com o Eduardo”.Ele se envolvia somente nos pequenos

favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.

ÉPOCA–Osenhor realmenteprecisavatantoassimdessegrupodeEduardoCunha, LúcioFunaroeTemer?Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, naAgricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eumorria de medo de eles encamparem o Ministério da Agri-cultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram.Graças a Deus mudou o governo e eles saíram. O mais re-levante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPIpara cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempredeixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimentodo grupo da Câmara e do próprio Michel.Aquele grupo temo estilo de entrar na sua vida sem ser convidado. s

“a corrupçãoinsTiTucionalizada

começoucomopT”

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ÉPOCA – Pode dar um exemplo?Joesley – O Eduardo, quando já era presidente da Câmara,um dia me disse assim: “Joesley, estão querendo abrir umaCPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: vocême dá R$ 5 milhões que eu acabo com a CPI. Falei: Eduardo,pode abrir, não tem problema. Como não tem problema? In-vestigar o BNDES, vocês. Falei: Não, não tem problema.Vocêtá louco? Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: é sérioque não tem problema? Eu: é sério. Ele: Não vai te prejudicarem nada? Não, Eduardo. Ele imediatamente falou assim: Seuconcorrente me paga R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se nãovai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que elesme dão os R$ 5 milhões. Uai, Eduardo, vai sua consciência.Faz o que você achar melhor”. Esse é o Eduardo. Não pagueie não abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo maisbem acabado da lógica dessa Orcrim.

ÉPOCA –Algum outro?Joesley – Lúcio fazia a mesma coisa. Virava para mim edizia: “Tem um requerimento numa CPI para te convocar.Me dá R$ 1 milhão que eu barro”. Mas a gente ia ver e des-cobria que era algum deputado a mando dele que estavafazendo. É uma coisa de louco.

ÉPOCA –O senhor não pagou?Joesley – Nesse tipo de coisa, não. Tinha alguns limites.Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e mais perigosaorganização criminosa deste país. Liderada pelo presidente.

ÉPOCA –O chefe é o presidente Temer?Joesley –O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer,Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupodeles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa tur-ma é muito perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tivecoragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar aguarda, eles não têm limites. Então meu convívio com elesfoi sempre mantendo à meia distância: nem deixando elesaproximarem demais nem deixando eles longe demais. Paranão armar alguma coisa contra mim. A realidade é que essegrupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha vida.Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mastambém morria de medo de me abraçar com ele.

ÉPOCA–Osenhor temmais informações a oferecer aosprocuradores nesse caso?Joesley – Qual informação está faltando? Não falta nada.Olha o contorcionismo e o malabarismo que Temer fez. Opresidente vai duas vezes à TV para me desqualificar, emvez de responder às acusações. Tenta me transformar numinimigo de Estado. É o mesmo modus operandi do Lúcio,do Eduardo: desqualificar a prova, denegrir o adversário,manipular a opinião pública, usar a máquina política paraperseguir e retaliar. Eles fazem isso sem nenhum pudor, àluz do dia. Não disfarçam nem ficam envergonhados.

ÉPOCA –O senhor está commedo deles?

Joesley – Se indispor com essa Orcrim é a coisa mais peri-gosa e arriscada que já fiz na minha vida. Nada se compara aesse grupo. Não em poder e ousadia. São pessoas experien-tes, inteligentes, sem limites e em pele de cordeiro. Moreiraé um sujeito inteligente, de bom papo, boa conversa. OPadilha: um sujeito bacana, bem formado, afável. Temer:ele parece inofensivo. Constitucionalista, conhece tudo deDireito. Você olha para o Temer e não acredita que ele seriao presidente da República que botaria o Exército na rua. Ouque teria aquela conversa comigo. Ou que estaria levandoo país ao buraco para se manter no poder. Sem limites.

ÉPOCA – A PGR diz que vocês foram ameaçados.Procede?Joesley – Recebi mensagens anônimas enquanto estavafazendo a delação. No dia em que começamos a delação, Ri-

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cardo teve um assalto estranhíssimo na porta de casa, comrevólver. Pode ser só coincidência. Mas ficamos olhando umpara a cara do outro: será que tem a ver? Eu nunca andeicom segurança na minha vida. Passei a andar com quatro.

ÉPOCA –O que diziam asmensagens?Joesley – Eram ameaças veladas. Diziam: “Isso não vai darcerto. O fim não vai ser bom”. Passei para a polícia o queeu consegui registrar.

ÉPOCA –O senhor foi pressionado a direcionar o depoi-mentonaProcuradoria-Geral daRepública, comoalgunssugerem?Joesley–Nunca tive qualquer sugestão do que deveria con-tar. Fiz tudo espontaneamente. Inclusive isso é um dos ate-nuantes de pena. Me apresentei para tentar fazer o acordo e

contei aquilo que achei que deveria contar: que empresáriosobrigados a lidar com agentes públicos no Brasil têm depagar para conseguir trabalhar.

ÉPOCA – O senhor teme as investigações numa CPI doCongresso, da Polícia Federal e da Comissão de ValoresMobiliários?Joesley–Vão me chamar na CPI? Ótimo, vou levar o plani-lhão da propina que entregamos aos procuradores. Mostrarquanto cada um levou, as notas frias. Enquanto eu pagavapropina, nunca me chamaram. Parei. Agora vão me chamar.Engraçado, não é?

ÉPOCA – Mas há suspeitas fortes de que o grupo dossenhores fez operações atípicas antesdadelação.Com-praram posições altas em dólar e venderam ações. Sãoevidências de que, no mínimo, preparavam-se para asconsequências da delação, não?Joesley – A CVM pode investigar e temos tranquilidadeem responder. São operações feitas absolutamente dentrodas regras. Não houve nada de atípico. É público: os ban-cos estão restringindo o crédito. Eu preciso de dinheiro.Eu tenho ações e preciso vender para fazer dinheiro. Nãotem mistério.

ÉPOCA –Mas e antes da delação?Joesley – Nós fizemos antes e continuamos fazendo. Eupreciso de dinheiro para pagar as dívidas. O mercado decrédito está restrito para mim. São operações absoluta-mente normais.

ÉPOCA –Não lucraram com a delação?Joesley–Nem sei a posição que (as empresas do grupo) fize-ram no dólar. Nem se desfizeram essa posição. Eu não sei oque foi feito, se está dando lucro ou se está dando prejuízo.

ÉPOCA – O senhor não deu a ordem para fazer essasposições, mesmo semdizer a razão?Joesley – Jamais. O que aconteceu na JBS não tem abso-lutamente nada a ver comigo. Não existe insider trading.

ÉPOCA–Ogrupo temdívidasaltas eo senhormesmo re-conhecequeocrédito está escasso.Ogrupovai quebrar?Joesley – Não vamos quebrar. Estamos numa jornada. Acolaboração foi a primeira etapa. A leniência, a segunda. E,agora, estamos na terceira etapa. Vamos fazer com a mesmaceleridade que fizemos as anteriores. Vamos fazer desinves-timentos suficientes para virar essa página.

ÉPOCA –Vão vender todos os ativos necessários?Joesley – Quantos forem necessários para que não pairenenhuma dúvida sobre nossa solvência. Quais são? Não sei.Os que forem necessários. Vamos vender o que for precisopara recuperar as contas e a nossa credibilidade. Vamosprovar a solvência do nosso grupo de forma célere, séria eresponsável. u

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