Tempo Dos Gemeos - Margaret Weis

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutandopor dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo

    nvel."

  • E assim os deuses me indicam o caminho, murmurou Caramon para si mesmo.

    Aproximou-se um pouco mais da cama, imobilizou-se sem nunca largar a adaga, e ficououvindo a respirao pausada da sua vtima, tentando descobrir qualquer alterao noritmo profundo e bem marcado que lhe indicasse que tinha sido descoberto.

    A respirao continuava forte, profunda, tranqila. A respirao de um jovemsaudvel. Caramon sentiu-se surpreendido quando se recordou de como este feiticeirodevia ser velho, e das lendas sinistras que corriam acerca da maneira comoFistandantilus recuperara a juventude. Subitamente, o luar invadiu o compartimento,como um aviso...

    Caramon ergueu a adaga. Um golpe rpido e firme no peito, e tudo estariaacabado.

  • Margaret WeisTracy Hickman

    TEMPODOS

    GMEOS

    Poesia de Michael WilliamsIlustraes interiores de Valerie ValusekTtulo original: Time of the TwinsTraduo de Maria Joo Bento

  • Para Samuel G. e Alta Hickman

    O meu av, que me aconchegava na camacom o seu modo muito especial, e a minha av,

    que me criou e revelou sempre grande sensatez.Muito obrigada por todos os contos ao deitar,

    pela vida, pelo amor e pela histria.Vivero para sempre.

    TRACY RAYE HICKMAN

    Este livro, sobre as ligaes fsicas e espirituaisque unem irmos, s poderia ser dedicado

    a uma nica pessoa a minha irm.Para Terry Lynn Wilhelm, com amor.

    MARGARET WEIS

  • Agradecimentos

    Gostaramos de expressar a nossa gratido pelo seu trabalho: Michael Williams,

    pelos esplndidos poemas e pela calorosa amizade; Steve Sullivan, pelos magnficosmapas. (Agora j sabe por onde anda, Steve!); Patrick Price, pelos teis conselhos ecrticas atenciosas; Valerie Valusek, pelos requintados desenhos; Ruth Hoyer, pela capa earranjos interiores; Roger Moore, pelos artigos Dragon e pela histria de Tasslhoff edo mamute peludo; Equipe Dragonlance: Harold Johnson, Laura Hickman, DouglasNiles, Jeff Grubb, Michael Dobson, Michael Breault, Bruce Heard, e artistas docalendrio Dragonlance 1987: Clyde Caldwell, Larry Elmore, Keith Parkinson e JeffEasley.

  • OEncontro

    Uma figura solitria caminhava suavemente na direo da luz distante. Seguindo

    sem ser ouvido, os seus passos eram sugados pela vasta escurido que o circundava.Bertrem abandonou-se num vo raro de fantasia ao olhar para as filas de livros e rolosde papel, que pareciam interminveis, constituindo parte das Crnicas de Astinus econtando em pormenor a histria deste mundo, a histria de Krynn.

    como ser absorvido no tempo, pensou, suspirando ao fitar as filas imveis esilenciosas. Desejou, por breves instantes, ser transportado para qualquer outro lugar,de modo a que no tivesse de enfrentar a difcil tarefa que o aguardava.

    Todo o conhecimento do mundo est nestes livros, disse para si mesmo,ansiosamente. E nunca encontrei nada que torne mais fcil o contato com o seu autor.

    Bertrem estacou em frente de uma porta, a fim de reunir coragem. As suas vestesestticas repousavam sobre ele, caindo em dobras corretas e ordenadas. Contudo, o seuestmago recusava-se a seguir o exemplo das vestes e guinava desenfreadamente.Bertrem passou a mo pelo crnio, um gesto nervoso que lhe provinha ainda dajuventude, antes da profisso que escolhera lhe ter custado o cabelo.

    O que o estaria incomodando?, perguntou-se, desoladamente, para alm de irentrar para ver o mestre, claro, algo que j no fazia desde... desde... Encolheu osombros. Sim, desde que o jovem mago quase falecera entrada da porta deles durante altima guerra.

    Guerra... mudana, era isso. Tal como as vestes, o mundo parecia finalmenterepousar ao seu redor, mas sentia a mudana chegar de novo, tal como o sentira h doisanos atrs. Desejou poder impedi-la...

    Bertrem suspirou.Seguramente que no vou impedir nada limitando-me a ficar aqui na escurido,

    murmurou. De qualquer forma, sentia-se desconfortvel, como que rodeado porfantasmas. Uma luz brilhante reluzia por debaixo da porta, raiando para o corredor.Dando uma mirada rpida para trs, para a sombra dos livros, cadveres tranqilosrepousando nos seus tmulos, o esteta abriu calmamente a porta e entrou no estdio deAstinus de Palathas.

    Embora o homem se encontrasse no interior, no falou nem levantou sequer oolhar.

    Caminhando com um passo suave e comedido atravs do rico tapete de l decarneiro estendido sobre o cho de mrmore, Bertrem parou diante da enorme e polidasecretria de madeira. Durante longos momentos no proferiu palavra, absorto naobservao da mo do guia histrico, escrevendo com uma pena no pergaminho, comtoques firmes e regulares.

    Ento, Bertrem? Astinus no interrompeu a sua escrita.Bertrem, de frente para Astinus, leu as letras que, mesmo de baixo para cima, se

    revelavam decisivas, ntidas e facilmente decifrveis.Neste dia, tal como acima Darkwatch ascendendo a 29, Bertrem entrou no meu estdio. Crysania, da Casa de Tarinius, est aqui para v-lo, mestre. Diz que a

    aguarda... A voz de Bertrem foi-se apagando num murmrio, pois fora necessria

  • uma grande dose de coragem esttica para chegar quele ponto.Astinus continuou a escrever. Mestre comeou Bertrem em tom fraco, estremecendo perante a sua

    ousadia Eu... ns no sabemos o que fazer. Ela , afinal de contas, a Venervel Filhade Paladine e eu... ns achamos impossvel recusar a sua entrada. O que...

    Leva-a para os meus aposentos privados disse Astinus, sem cessar deescrever nem levantar o olhar.

    A lngua de Bertrem colou-se ao cu da boca, impossibilitando-o,momentaneamente, de falar. As letras fluam da pena para o pergaminho branco.

    Neste dia, tal como acima Afterwatch ascendendo a 28, Crysania de Tarinius chegou para o seuencontro com Raistlin Majere.

    Raistlin Majere! afirmou Bertrem com dificuldade, o choque e o horrorlibertando-lhe a lngua Devemos admitir que...

    Astinus olhava agora para cima, o aborrecimento e irritao vincando-lhe assobrancelhas. Quando a pena terminou o seu rabiscar eterno no pergaminho, umsilncio profundo e pouco natural mergulhou sobre a sala. Bertrem empalideceu. Orosto do historiador poderia ter sido considerado como gracioso, numa forma eterna eimutvel. Mas ningum que visse o seu rosto se voltaria a recordar dele. Recordariamapenas dos olhos: escuros, intensos, alerta, em constante movimento, observando tudo.Esses olhos podiam, de igual forma, comunicar vastos mundos de impacincia,lembrando a Bertrem que o tempo passava. No preciso momento em que os doisconversavam, minutos integrais de histria decorriam, sem registro.

    Peo perdo, mestre! Bertrem fez uma reverncia em profundo respeito,retrocedendo depois precipitadamente para fora do estdio, fechando sem rudo a portaao sair. No exterior, limpou a cabea rapada que reluzia de transpirao, percorrendo deseguida velozmente os corredores silenciosos de mrmore da grande biblioteca dePalanthas.

    Astinus estacou junto entrada da sua residncia privada, fitando a mulhersentada no interior.

    Localizada na ala ocidental da grande biblioteca, a residncia do historiador erapequena e, tal como todas as outras divises da biblioteca, encontrava-se repleta delivros de todos os tipos e encadernaes, as prateleiras alinhadas nas paredes conferindoum leve odor a mofo rea central de habitao, qual mausolu selado h sculos. Omobilirio era esparso e prstino. As cadeiras, em madeira vistosamente esculpida, eramduras e desconfortveis para servirem de assento. Uma longa mesa, prxima da janela,estava completamente liberta de qualquer ornamento ou objeto, refletindo a luz do solpoente sobre a superfcie negra. Tudo na sala se encontrava na mais perfeita ordem.Mesmo a madeira para a fogueira noturna, as noites do final da Primavera eram frias,mesmo naquela localizao tanto a norte, estava empilhada em filas to ordenadas que seassemelhavam a uma pira funerria.

    E, contudo, por muito frio, primitivo e puro que fosse este aposento privado dohistoriador, a diviso em si parecia apenas refletir a beleza fria, primitiva e pura damulher sentada, as mos repousando no regao, aguardando.

    Crysania de Tarinius aguardava pacientemente. No se mexeu ou suspirou oufitou vezes sem conta o dispositivo de tempo movido a gua, localizado a um canto. Nolia, embora Astinus quase tivesse a certeza de que Bertrem lhe teria oferecido um livro.

  • No vagueava pela sala, nem examinava os poucos e raros ornamentos que seencontravam nos nichos sombrios dentro das estantes. Permanecia sentada na cadeira demadeira, direita e desconfortvel, os seus olhos lmpidos e brilhantes fixos nas franjasmanchadas de vermelho das nuvens que pendiam sobre as montanhas, como seobservasse o sol a pr-se, possivelmente, pela primeira, ou ltima, vez sobre Krynn.

    Estava de tal forma embrenhada na viso para l da janela que Astinus entrou semdespertar a ateno dela. Observou-a com um intenso interesse. Tal no constitua umato pouco habitual para o historiador, que escrutinava todos os seres que viviam emKrynn com o mesmo olhar insondvel e penetrante. O que se revelou pouco habitual foique, por momentos, um olhar de piedade e uma profunda tristeza perpassou pelo rostodo historiador.

    Astinus registrava a histria. Registrava-a desde o incio dos tempos, vendo-apassar perante os seus olhos e inscrevendo-a nos seus livros. No podia prever ofuturo; tal constitua privilgio dos deuses. Mas conseguia pressentir todos os sinais demudana, esses mesmos sinais que tanto tinham perturbado Bertrem. Ali, imvel, podiaescutar as gotas de gua caindo no dispositivo do tempo. Colocando a mo por debaixodelas, poderia estacar o fluxo das gotas, mas o tempo prosseguiria o seu percurso.

    Suspirando, Astinus voltou a sua ateno para a mulher, de quem j ouvira falarmas que nunca conhecera pessoalmente.

    O cabelo dela era preto, preto-azulado, preto como a gua de um mar calmo noite. Usava-o todo penteado para trs a partir de uma linha central, preso na partedetrs da cabea por meio de um pente de madeira, simples e sem adornos. O estilosevero no ficava bem s suas feies plidas e delicadas, enfatizando a sua palidez. Nohavia qualquer cor no seu rosto. Os olhos eram cinzentos e visivelmente muito largos.At os lbios eram descorados.

    H alguns anos atrs, quando jovem, as serventes entrelaavam-lhe e enrolavam-lhe aquele cabelo espesso e negro, seguindo os ltimos estilos da moda, enfiandoalfinetes de prata e ouro, decorando os matizes sombrios com jias resplandecentes.Tingiam-lhe as faces com o suco de bagas esmagadas e vestiam-na com suntuosasroupas de vrios tons cor-de-rosa esbatidos e azuis pulverulentos. Outrora, fora bonita.Outrora, no lhe teriam faltado pretendentes.

    O vestido que usava agora era branco, como convinha a uma eclesistica dePaladine, e simples, embora constitudo por um material fino. No tinha qualqueradorno, com exceo do cinto de ouro que envolvia a cintura magra. O seu nicoornamento era paladiano, o medalho do drago de platina. O cabelo estava coberto porum capuz branco solto, que realava a suavidade e frieza de mrmore dos seus traos.

    Ela poderia ser feita de mrmore, pensou Astinus, com uma diferena: omrmore podia ser aquecido pelo sol.

    Saudaes, Venervel Filha de Paladine disse Astinus, entrando e fechandoa porta atrs de si.

    Saudaes, Astinus disse Crysania de Tarinius, erguendo-se.Ao atravessar a sala na direo dele, Astinus sentiu-se algo surpreendido ao notar

    a ligeireza e o comprimento quase masculino dos seus passos. Parecia estranhamenteincongruente em relao ao aspecto dela. Tambm o seu aperto de mo foi firme e forte,nada tpico numa mulher palanthiana, as quais raramente apertavam as mos e, quando ofaziam, se limitavam a estender as pontas dos dedos.

  • Devo agradecer-lhe por desperdiar o seu valioso tempo para atuar comoelemento neutro nesta reunio disse Crysania, calmamente Sei quanto lhedesagrada roubar tempo aos seus estudos.

    Desde que no seja uma perda de tempo, no me importo replicou Astinus,segurando-lhe a mo e fitando-a intensamente Devo dizer, contudo, que me ressintocom isto.

    Porqu? Crysania pesquisou o rosto do homem eterno com verdadeiraperplexidade. Depois, compreendendo subitamente, sorriu, um sorriso frio que noacrescentou mais vida ao seu rosto do que o luar sobre a neve.

    No acredita que ele venha, no ?Astinus resfolegou, deixando cair a mo da mulher como se tivesse perdido

    completamente o interesse pela existncia dela. Voltando-se, caminhou para a janela eolhou para fora, para a cidade de Palanthas, cujos edifcios brancos e reluzentesbrilhavam luz do sol com uma beleza esmagadora, com uma nica exceo. Um dosedifcios no era tocado pelo sol, mesmo quando este se encontrava bem alto no cu.

    E foi sobre este edifcio que o olhar de Astinus se fixou. Elevando-se no centroda brilhante e bonita cidade, as suas torres de pedra negra emaranhavam-se e retorciam-se, os seus minaretes, recentemente reparados e reconstrudos pelos poderes da magia,reluziam num tom de vermelho-sangue no pr-do-sol, com a aparncia de dedosputrefatos e esquelticos, elevando-se de um qualquer cemitrio no sagrado.

    H dois anos atrs, ele entrou na torre da alta feitiaria disse Astinus na suavoz calma e impassvel, ao mesmo tempo que Crysania se juntava a ele na janela Entrou durante a noite, na escurido, a nica lua no cu era a lua que no derramaqualquer luz. Atravessou o bosque de Shoikan, um grupo de rvores de carvalhoamaldioadas de que nenhum mortal, nem mesmo os da raa kender, se atreve aaproximar-se. Seguiu o seu caminho para os portes sobre os quais se encontra aindasuspenso o cadver do mago diablico que, ao morrer, lanou a maldio sobre a torre ese lanou das janelas mais altas, espetando-se nos portes, um temvel guarda. Mas,quando ele l foi, o guarda fez-lhe uma reverncia, os portes abriram-se com o seutoque, fechando-se depois atrs dele. E no se voltaram a abrir nestes dois ltimos anos.Ele no saiu de l e, se alguns entraram, nunca ningum os viu. E espera que ele venha...aqui?

    O senhor do passado e do presente Crysania encolheu os ombros Eleveio, tal como foi previsto.

    Astinus fitou-a com algum espanto. Est ao corrente da histria dele? Claro replicou calmamente a eclesistica, levantando os olhos para ele por

    instantes, virando depois o olhar de novo para a torre, que se encobria j com assombras da noite que se aproximava Um bom general estuda sempre o inimigo antesde se envolver numa batalha. Conheo Raistlin Majere muito bem, mesmo muito bem. Esei... que vir esta noite.

    Crysania continuou a fitar a torre terrvel, de queixo erguido, os lbiosdescorados desenhando uma linha direita e regular, as mos agarradas atrs das costas.

    O rosto de Astinus ficou subitamente grave e pensativo, os olhos perturbados,embora a voz se revelasse to fria quanto sempre.

    Parece muito segura de si, Venervel Filha. Como pode ter a certeza disso

  • Paladine falou comigo replicou Crysania, nunca desviando os olhos datorre Em sonho, o drago de platina apareceu na minha frente e disse-me que o mal,outrora banido do mundo, regressara na pessoa deste feiticeiro vestido de negro,Raistlin Majere. Vamos enfrentar um grave perigo, e eu fui a escolhida para evit-lo Enquanto Crysania falava, o seu rosto de mrmore suavizou-se, e os seus olhoscinzentos mostraram-se lmpidos e reluzentes Ser o teste minha f, por que tantotenho rezado! Olhou para Astinus Compreende: sei, desde a minha infncia, que omeu destino levar a cabo um grande feito, um grande servio ao mundo e sua gente.Esta a minha oportunidade.

    O rosto de Astinus ficou ainda mais grave ao escutar, intensificando a suaausteridade.

    Foi Paladine quem lhe contou isso? inquiriu, abruptamente.Crysania, sentindo, talvez, a descrena deste homem, enrugou os lbios. Uma fina

    linha, aparecendo entre as sobrancelhas constitua, contudo, o nico sinal da sua ira, paraalm da calma ainda maior que revelou ao responder.

    Lamento ter referido tal assunto, Astinus, peo desculpa. Era entre mim e omeu deus e tais coisas sagradas no deveriam ser discutidas. Levantei a questosimplesmente para lhe provar que este homem do mal vir. No est nas mos dele.Paladine h de traz-lo.

    As sobrancelhas de Astinus ergueram-se, de tal forma que quase desapareceramsob o seu cabelo grisalho.

    Este homem do mal como lhe chama, Venervel Filha, serve uma deusa topoderosa quanto Paladine, Takhisis, Rainha das Trevas! Ou talvez eu no devesse dizerserve observou Astinus com um sorriso pervertido Sobretudo quando me refiro aele...

    As feies de Crysania tornaram-se mais descontradas e o seu sorriso frioregressou.

    O bem redime os seus respondeu suavemente , o mal volta-se contra simesmo. O bem triunfar de novo, tal como aconteceu na guerra de Lance contraTakhisis e os seus malditos drages. Com o auxlio de Paladine, eu triunfarei sobre estemal, tal como o heri, Tanis Semiduende, triunfou sobre a prpria Rainha das Trevas.

    Tanis Semiduende triunfou com o auxlio de Raistlin Majere disse Astinusimperturbvel Ou ser que decidiu ignorar essa parte da lenda?

    Nem uma ruga de emoo desfigurou a expresso tranqila e plcida de Crysania.O sorriso permaneceu fixo. O seu olhar fixava-se na rua.

    Veja, Astinus disse, suavemente Ele vem.O sol afundava-se por detrs das longnquas montanhas, e o cu, iluminado pelos

    ltimos raios, parecia uma pedra preciosa cor-de-prpura. Servos entraram em silncio,acendendo a lareira no pequeno aposento de Astinus. As achas arderam pacificamente,como se as prprias chamas tivessem sido ensinadas pelo historiador a manter orepouso tranqilo da grande biblioteca. Crysania sentou-se mais uma vez na cadeiradesconfortvel, as mos repousando de novo no regao. A sua expresso exterior eracalma e fria, como sempre. Dentro dela, o corao batia apressadamente, fato esse apenasvisvel atravs de um reluzir nos olhos cinzentos.

    Nascida na nobre e abastada famlia de Tarinius de Palanthas, famlia essa quaseto antiga quanto a prpria cidade, Crysania recebera todo o conforto e benefcio que

  • podiam ser conferidos pelo dinheiro e posio. Inteligente e de vontade forte, poderiafacilmente ter-se tornado numa mulher teimosa e obstinada. Os seus sensatos e adoradospais, no entanto, nutriram e moldaram o esprito forte da filha, criando nela uma forte eimutvel confiana em si mesma. Crysania fizera apenas uma coisa em toda a sua vidaque ferira os seus devotos pais, mas precisamente isso magoara-os profundamente.Recusara um casamento ideal com um bom jovem nobre, para se devotar a servir deusesh muito esquecidos.

    A primeira vez que ouviu o clrigo, Elistan, foi quando este veio para Palanthas,no fim da guerra do Lance. A sua nova religio, ou talvez devesse ter sido chamada avelha religio, espalhava-se rapidamente por todo o Krynn, dado que a lenda recm-criada defendia a crena de que os velhos deuses tinham auxiliado a derrotar os dragesdemonacos e os seus senhores, os gro-lordes do drago.

    Quando foi pela primeira vez ouvir Elistan falar, Crysania sentira-se ctica. Ajovem, que teria uns 20 e poucos anos, fora criada ouvindo histrias sobre como osdeuses tinham provocado o Cataclismo sobre Krynn, desfazendo a montanha ardenteque rasgou as terras distantes e mergulhou a cidade santa de Istar no Mar Sangrento.Depois disto, segundo o que as pessoas afirmavam, os deuses voltaram as costas aoshomens, recusando qualquer ligao com eles. Crysania estava preparada para escutarElistan, mas dispunha, partida, de argumentos para refutar as suas afirmaes.

    Ficou favoravelmente impressionada ao conhec-lo. Elistan, nessa poca, estavana grandeza do seu poder. Elegante, forte, mesmo considerando a sua meia-idade,parecia um dos antigos clrigos que participaram na batalha, segundo narravam algumaslendas, com o destemido cavaleiro, Huma. Ao cair da noite, j encontrara uma causa paraadmir-lo. Terminou de joelhos aos ps dele, chorando de humildade e alegria, tendo asua alma finalmente encontrado a ncora que sempre lhe faltara.

    Os deuses no tinham voltado as costas aos homens, tal era a sua mensagem.Foram os homens que se afastaram dos deuses, exigindo com a sua arrogncia o queHuma desejara com humildade. No dia seguinte, Crysania deixou o lar, a riqueza, osservos, os pais e o noivo para se mudar para uma pequena casa fria, que constitua aorigem do novo templo que Elistan planejava construir em Palanthas.

    Agora, dois anos mais tarde, Crysania era uma Venervel Filha de Paladine, umadas poucas escolhidas e consideradas com o devido valor para conduzir a igreja com osseus anseios vigorosos e crescentes. Era bom para a igreja poder dispor deste sangueforte e jovem. Elistan j lhe dera muita da sua vida e energia. Agora, segundo parecia, odeus que ele servia to fielmente no tardaria a chamar o seu clrigo para junto de si. E,quando esse triste acontecimento ocorresse, Crysania acreditava que muitosprosseguiriam o seu trabalho.

    Seguramente que Crysania sabia que estava preparada para aceitar a liderana daigreja, mas seria isso suficiente? Tal como dissera a Astinus, a jovem eclesistica sentiah muito que o seu destino era prestar um grande servio ao mundo. Conduzir a igrejaatravs das suas rotinas dirias, agora que a guerra terminara, parecia tarefa enfadonha emundana. Orava todos os dias a Paladine para que lhe confiasse tarefas rduas.Sacrificaria tudo, prometera solenemente, mesmo a sua prpria vida, ao servio do seuadorado deus.

    Foi ento que a resposta que esperava chegou.Aguardava agora, numa nsia que mal conseguia conter. No estava assustada,

  • nem pelo fato de ir se encontrar com este homem, que constava ser a fora maispoderosa a servio do mal que existia atualmente superfcie de Krynn. Se a suaeducao o tivesse permitido, o seu lbio teria se contorcido num riso desdenhoso e deescrnio. Que mal poderia resistir poderosa espada da sua f? Que mal poderiapenetrar na sua brilhante armadura?

    Como um cavaleiro dirigindo-se para um duelo, enfeitado com as grinaldas doseu amor, sabendo que nunca poderia perder com tais insgnias esvoaando pelo ar,Crysania manteve o olhar fixo na porta, aguardando impacientemente os primeirosgolpes do torneio. Quando a porta se abriu, as suas mos, at agora calmamente juntas,bateram uma na outra de excitao.

    Bertrem entrou. Os seus olhos dirigiram-se a Astinus, sentado imvel como umpilar de pedra numa cadeira dura e desconfortvel, junto da lareira.

    O mago, Raistlin Majere disse Bertrem. A sua voz falhou as ltimasslabas. Talvez estivesse pensando na ltima vez que anunciara este visitante, a altura emque Raistlin quase morrera, vomitando sangue nos degraus da grande biblioteca.Astinus franziu as sobrancelhas perante a falta de autocontrole de Bertrem, e o estticodesapareceu pela porta, com a maior rapidez permitida pelas suas vestes esvoaantes.

    Inconscientemente, Crysania susteve a respirao. A princpio no conseguiuavistar nada, apenas uma sombra de escurido na zona da porta, como se a noitepropriamente dita tivesse adquirido forma e configurao para l da entrada. Aescurido parou a.

    Entre, velho amigo disse Astinus, na sua voz profunda e impassvel.A sombra foi acesa por uma luz fraca de calor, o brilho da fogueira incidiu sobre

    vestes negras de veludo suave, e depois por cintilaes pequenas, medida que a luzrefletia fios prateados, smbolos mgicos bordados em redor de um capuz de veludo. Asombra transformou-se em figura, vestes negras cobrindo por completo o corpo. Porbreves instantes, o nico membro humano da figura que podia ser avistado fora umamo fina, quase esqueltica, segurando um basto de madeira. O basto tinha no cimouma bola de cristal, segura pelo aperto de uma garra de drago esculpida em ouro.

    Quando a figura penetrou no aposento, Crysania sentiu o arrepio de frio dodesapontamento. Pedira a Paladine uma tarefa difcil! Que grande mal haveria naquilopara combater? Agora que o conseguia descortinar com clareza, avistou um homemfrgil e magro, ombros levemente inclinados para a frente, que se apoiava no basto aocaminhar, como se estivesse fraco demais para se mover sem o seu auxlio. Ela sabia aidade dele, deveria ter agora uns 28 anos. No entanto, movimentava-se como um serhumano de 90, os passos lentos e deliberados, mesmo cambaleantes.

    O que pode significar, como teste minha f, conquistar esta desgraadacriatura? inquiriu Crysania amargamente a Paladine No tenho necessidade decombat-lo. Est sendo devorado por dentro pelo seu prprio mal!

    Encarando Astinus e de costas para Crysania, Raistlin puxou o capuz para trs. Sado-o de novo, imortal disse para Astinus, numa voz suave. Saudaes, Raistlin Majere respondeu Astinus sem se erguer. A sua voz

    revelava um leve tom sarcstico, como se partilhasse uma piada privada com o mago.Astinus gesticulou Permita-me que lhe apresente Crysania, da casa de Tarinius.

    Raistlin voltou-se.Crysania sentiu faltar-lhe a respirao, uma terrvel dor no peito, fazendo com

  • que a sua garganta se fechasse, e, por momentos, no conseguiu respirar. Alfinetes finose latejantes picavam-lhe as pontas dos dedos, o frio subia-lhe pelo corpo.Inconscientemente, recostou-se na cadeira, as mos apertando-se, as unhas enterrando-sena sua carne entorpecida.

    Tudo o que conseguia ver na sua frente eram dois olhos dourados, brilhando dasprofundezas da escurido. Os olhos eram como um espelho em ouro, plano, refletor,nada revelando da alma no seu interior. As pupilas: Crysania fitou as pupilas negrasnum terror absoluto. As pupilas dentro dos olhos dourados tinham a forma deampulhetas! E o rosto, contrado pelo sofrimento, marcado pela dor da existnciatorturada que o homem jovem levara durante sete anos, desde que os testes cruis natorre da alta feitiaria lhe destroaram o corpo e tingiram a pele de dourado; o rosto domago era uma mscara metlica, impenetrvel, insensvel como a garra do drago deouro no topo do seu basto.

    Venervel Filha de Paladine disse, numa voz suave, cheia de respeito e atreverncia.

    Crysania ficou espantada, olhando para ele com surpresa. No fora certamenteisto que esperara.

    Contudo, no conseguia se mover. O olhar dele mantinha-a imvel e, interrogou-se em pnico, se ele lhe teria lanado algum feitio. Parecendo pressentir o medo dela, ohomem atravessou a sala para se colocar na sua frente, numa atitude simultaneamentecondescendente e tranqilizadora. Olhando para cima, Crysania podia ver o latejarflamejante nos olhos dourados dele.

    Venervel Filha de Paladine disse Raistlin de novo, a voz suaveenvolvendo Crysania como a negrido aveludada das suas vestes Espero virencontr-la bem.

    Mas, agora, ela escutava um sarcasmo amargo e cnico nessa voz. Isto esperava,para isto estava preparada. O anterior tom respeitoso dele apanhara-a de surpresa,admitiu a si mesma com irritao, mas a sua primeira fraqueza desvanecera-se.Erguendo-se e nivelando os seus olhos com os dele, segurou inconscientemente na moo medalho de Paladine. O toque do metal frio conferiu-lhe coragem.

    No acredito que necessitemos de trocar cortesias sociais sem significado afirmou Crysania rispidamente, o rosto recuperando a sua suavidade e frieza Estamos mantendo Astinus afastado dos seus estudos. Ficar satisfeito se terminarmosrapidamente os nossos assuntos.

    Estou inteiramente de acordo disse o mago de vestes negras, torcendolevemente o lbio fino no que podia ser interpretado como um sorriso Vim emresposta sua solicitao. O que pretende de mim?

    Crysania sentiu que ele se ria dela. Acostumada unicamente ao mais alto respeito, asua atitude intensificou a sua ira. Fitou-o com olhos cinzentos glidos.

    Vim para avis-lo, Raistlin Majere, de que os seus projetos demonacos so doconhecimento de Paladine. Acautele-se, ou ele o destruir...

    Como? inquiriu Raistlin subitamente, e os seus olhos peculiares reluziramcom uma luz estranha e intensa Como pode ele me destruir? repetiu Lanandorelmpagos? Com ondas de fogo? Talvez mais uma montanha ardente?

    Deu mais um passo na direo dela. Crysania afastou-se friamente dele, apenaspara regressar cadeira. Agarrando com firmeza nas costas de madeira rija, contornou-

  • a, virando-se depois para enfrent-lo. da sua prpria maldio que est zombando replicou, tranqilamente.O lbio de Raistlin contorceu-se ainda mais, mas continuou falando, como se no

    tivesse escutado as palavras dela. Elistan? A voz de Raistlin transformou-se num sussurro Ele enviar

    Elistan para me destruir? O mago encolheu os ombros Mas no, seguramente queno. De acordo com as informaes, o grande e santo clrigo est cansado, dbil,moribundo...

    No! gritou Crysania, e depois mordeu o lbio, irritada por este homem lheter obrigado a revelar os seus sentimentos. Fez uma pausa, respirando fundo Osprocessos de Paladine no so para ser interrogados ou gozados disse, com umacalma fria, mas no conseguiu evitar que a sua voz se suavizasse quaseimperceptivelmente E o estado de sade de Elistan no lhe diz respeito.

    Talvez eu me interesse mais pela sade dele do que lhe possa parecer replicou Raistlin com, o que era para Crysania, um sorriso caoador.

    Crysania sentiu o sangue ferver-lhe nas tmporas. Ao falar, o mago contornara acadeira, aproximando-se da jovem mulher. Estava to perto dela agora que Crysaniapodia sentir um estranho e invulgar calor irradiando deste corpo, atravs das vestesnegras. Podia cheirar nele um aroma levemente enjoativo mas agradvel. Os seusingredientes de feitio, compreendeu ela subitamente. Tal pensamento a fez ficar doentee enfastiada. Segurando o medalho de Paladine na mo, sentindo os seus contornossuavemente cinzelados morderam-lhe na carne, afastou-se mais uma vez dele.

    Paladine veio at mim num sonho... disse, com altivez.Raistlin riu-se.Poucos podiam afirmar ter ouvido o mago rir-se, e aqueles que o ouviram nunca

    o esqueceriam, ressonando nos seus sonhos mais negros. Era fino e cortante como umalmina. Renegava toda a bondade, zombava de tudo o que era certo e verdadeiro, erasgou a alma de Crysania.

    Muito bem disse Crysania, fitando-o com um desprezo que endureceu osseus olhos cinzentos para um azul ao , fiz o melhor que estava ao meu alcance paradesvi-lo deste curso. Avisei-o devidamente. A sua destruio est agora nas mos dosdeuses.

    Subitamente, apercebendo-se talvez da intrepidez com que ela o confrontava, oriso de Raistlin cessou. Observando-a intensamente, os seus olhos douradoscontraram-se. Depois sorriu, um sorriso secreto interior com tanto e to estranhoregozijo que Astinus, assistindo troca de palavras entre os dois, se levantou. O corpodo historiador tapou a luz da fogueira. A sua sombra caiu sobre os dois. Raistlinassustou-se, quase alarmado. Virando-se em parte, fitou Astinus com um olhar ardente,perigoso.

    Tenha cuidado, velho amigo avisou o mago , ou voc interferiria com ahistria?

    Eu no interfiro replicou Astinus , como bem sabe. Sou um observador;apenas fao registros. Em todas as coisas, sou neutro. Conheo os vossos esquemas, osvossos planos, tal como conheo os esquemas e os planos de todos aqueles que respiramhoje. Por isso, escute-me, Raistlin Majere, e considere este aviso. Esta adorada pelosdeuses, tal como se infere do seu nome.

  • Adorada pelos deuses? Isso somos todos ns, no verdade, Venervel Filha? inquiriu Raistlin, voltando-se mais uma vez para Crysania. A sua voz era suave comoo veludo das suas vestes No se encontra isso escrito nos discos de Mishakal? No isso o que o devoto Elistan ensina?

    Sim afirmou Crysania lentamente, olhando-o com suspeita e esperandomais escrnio. Mas o rosto metlico revelou-se srio, adquirindo repentinamente aaparncia de um sbio, inteligente e sbio Assim est escrito Sorriu friamente Fico satisfeita por ter lido os discos sagrados, embora no tenha, obviamente, aprendidonada com eles. No se lembra do que dito no...

    Foi interrompida por Astinus, resfolegando. J fui mantido afastado dos meus estudos por muito tempo O historiador

    atravessou o cho de mrmore at porta da antecmara Toquem para chamarBertrem quando estiverem preparados para partir. Adeus, Venervel Filha. Adeus...velho amigo.

    Astinus abriu a porta. O silncio pacfico da biblioteca invadiu o aposento,banhando Crysania com uma frescura refrescante. Sentiu-se controlada e descontraiu-se.A mo libertou o medalho. Com formalidade e graciosidade, fez uma reverncia dedespedida a Astinus, o mesmo fazendo Raistlin. Depois, a porta fechou-se atrs dohistoriador. Ficaram os dois sozinhos.

    Por largos instantes, nenhum deles falou. Depois Crysania, sentindo o poder dePaladine a atravess-la, virou-se para enfrentar Raistlin.

    Tinha-me esquecido de que fora voc, e aqueles que o acompanhavam, quemrecuperou os discos sagrados. Claro que tinham de l-los. Gostaria de discuti-los maisem pormenor consigo mas, doravante, em quaisquer futuros contatos que possamos vira ter, Raistlin Majere proferiu, na sua voz glida , pedirei que fale sobre Elistancom maior respeito. Ele...

    Parou espantada, observando com alarme quando o corpo delgado do magopareceu desintegrar-se perante os seus olhos.

    Contorcido por espasmos de tosse, agarrando o peito, Raistlin tentava respirar.Cambaleou. Se no fosse o basto a que se encontrava apoiado, teria cado para o cho.Esquecendo a sua averso e repulsa, reagindo sob instinto, Crysania estendeu as mos,posicionou-as sobre os ombros dele, murmurando uma orao de cura. Sob as suasmos, as vestes negras eram macias e quentes. Podia sentir os msculos de Raistlincontorcendo-se em espasmos, sentir a sua dor e sofrimento. A compaixo encheu-lhe ocorao.

    Raistlin repudiou o toque dela, empurrando-a para o lado. O ataque de tosse foialiviando gradualmente. Conseguindo respirar livremente de novo, olhou para ela comdesprezo.

    No desperdice as suas oraes comigo, Venervel Filha disse,amargamente. Retirando um pano macio das vestes, levou-o aos lbios e Crysania viuque ficou manchado de sangue No existe cura para a minha doena. Isto osacrifcio, o preo que paguei pela minha magia.

    No compreendo murmurou ela. As suas mos contraram-se ao recordar-se vivamente da suavidade aveludada das vestes negras, ao mesmo tempo que agarravaos dedos inconscientemente, por detrs das costas.

    No? perguntou Raistlin, fitando profundamente a alma dela com os seus

  • olhos estranhos e dourados Qual foi o sacrifcio que fez para adquirir o seu poder?Um leve corar, quase invisvel luz da fogueira que morria, manchou as faces de

    Crysania com sangue, tanto quanto os lbios do mago estavam manchados. Alarmadaperante esta invaso do seu ser, desviou o rosto, os olhos fitando de novo atravs dajanela. A noite cara sobre Palanthas. A lua prateada, Solinari, constitua um rasgo de luzno cu negro. A lua vermelha, sua gmea, ainda no se erguera. A lua negra,interrogou-se Crysania, onde estaria? Poderia ele realmente v-la?

    Tenho de partir disse Raistlin, a respirao provocando rudos na suagarganta Estes espasmos enfraqueceram-me. Necessito de repouso.

    Certamente.Crysania sentiu-se outra vez calma. Com todas as suas emoes extremas

    reposicionadas adequadamente no seu lugar, virou-se para enfrent-lo de novo. Agradeo-lhe por ter vindo... Mas o nosso assunto no est concludo disse Raistlin, suavemente

    Gostaria de dispor de uma oportunidade para lhe provar que todos esses receios do seudeus so infundados. Tenho uma sugesto a fazer-lhe. Venha visitar-me na torre da altafeitiaria. A me ver entre os meus livros e compreender os meus estudos. Quando ofizer, o seu esprito ficar tranqilo. Tal como revelado nos discos, s receamos aquiloque desconhecemos Deu um passo na direo dela.

    Surpreendida com a proposta dele, os olhos de Crysania alargaram-se. Tentouafastar-se dele, mas, inadvertidamente, deixara-se encurralar pela janela.

    No poderei ir... torre hesitou, enquanto a proximidade dele a abafava,lhe roubava a respirao. Tentou passar em redor dele, mas o homem moveuligeiramente o basto, bloqueando-lhe o caminho. Finalmente, prosseguiu: Osfeitios lanados sobre ela, mantm afastados todos...

    Com exceo daqueles a quem eu permito a entrada murmurou Raistlin.Dobrando o pano manchado de sangue, voltou a guard-lo numa algibeira secreta dassuas vestes. Depois, estendendo a mo, pegou na de Crysania.

    Como corajosa, venervel irm comentou No estremece perante omeu toque demonaco.

    Paladine est comigo replicou Crysania, com desdm.Raistlin sorriu, um sorriso caloroso, negro e secreto, um sorriso destinado

    apenas aos dois. Da fascinou Crysania. Puxou-a mais para junto dele. Depois, largou-lhe a mo. Encostando o basto cadeira, segurou-lhe a cabea com ambas as mos,colocando os dedos por cima do capuz branco que ela usava. Agora, Crysania estremeciaperante o toque dele, mas no conseguia se mover, no conseguia falar ou fazerqualquer outra coisa que no fosse fit-lo com um receio desenfreado, o qual no tinhapoder para suprimir ou compreender.

    Segurando-a firmemente, Raistlin baixou-a e roou os lbios raiados de sanguepela fronte dela. Ao faz-lo, murmurou estranhas palavras. Depois libertou-a.

    Crysania vacilou e quase caiu. Sentia-se fraca a atordoada. Levou a mo testa,onde o toque dos lbios dele lhe queimava a pele com uma dor penetrante.

    O que fez? gritou, desesperada No pode fazer-me um feitio! A minhaf protege...

    claro Raistlin suspirou de cansao e revelou uma expresso de mgoa norosto e voz, a mgoa de algum de quem se suspeita constantemente, de quem

  • incompreendido Limitei-me a transmitir-lhe foras mgicas que lhe permitiroatravessar o bosque de Shoikan. O caminho no ser fcil O seu sarcasmo regressara Mas, sem sombra de dvida, a sua f a sustentar!

    Descendo um pouco o capuz o mago fez uma reverncia em silncio paraCrysania, que apenas podia olhar para ele, caminhando de seguida para a porta compassos lentos e vacilantes. Estendendo uma mo esqueltica, puxou o cordo dacampainha. A porta abriu-se e Bertrem entrou de forma to rpida e repentina queCrysania compreendeu que deveria ter sido colocado a postos l fora. Os seus lbioscomprimiram-se. Lanou ao esteta um olhar to furioso e imperioso que o homemempalideceu visivelmente, embora sem conscincia de que pudesse ter cometidoqualquer crime, limpando a testa hmida com a manga das suas vestes.

    Raistlin preparou-se para partir, mas Crysania o fez parar. Eu... eu peo desculpa pelo fato de no ter confiado em ti, Raistlin Majere

    disse, suavemente E, mais uma vez, agradeo-lhe por ter vindo.Raistlin virou-se. E eu peo desculpa pela minha lngua afiada disse Adeus, Venervel

    Filha. Se efetivamente no receia o conhecimento, venha ento torre dentro de duasnoites a partir desta, quando Lunitari fez o seu primeiro aparecimento no cu.

    L estarei respondeu Crysania firmemente, notando, com prazer, o olhar dehorror chocado de Bertrem. Inclinando a cabea em forma de despedida, pousou a molevemente sobre as traseiras da cadeira de madeira esculpida.

    O mago saiu do aposento, Bertrem seguiu-o, fechando a porta atrs de si.Permanecendo s na sala quente e silenciosa, Crysania caiu de joelhos diante da

    cadeira. Oh, obrigada, Paladine! afirmou Aceito o teu desafio. Conseguirei

    alcanar os teus propsitos! No falharei!

  • LIVROUM

  • CAPTULO1

    Atrs dela, podia escutar o som de ps com garras, raspando atravs das folhas da

    floresta. Tika ficou tensa, mas atuou como se nada ouvisse, tentando assim enganar acriatura. Agarrou com firmeza a espada na mo. O corao batia-lhe fortemente. Ospassos aproximavam-se cada vez mais e podia escutar a forte respirao. O toque deuma mo com garras fez-se sentir sobre o seu ombro. Virando-se repentinamente, Tikavibrou a espada e... derrubou uma bandeja cheia de canecas, com um rudo estrondoso.

    Dezra gritou e deu um salto para trs, alarmada. Patronos sentados no barcomearam a rir. Tika sabia que o seu rosto devia estar to vermelho quanto o seu

  • cabelo. O corao batia desordenadamente, as mos tremiam. Dezra disse, friamente , tem a graciosidade e a esperteza de um ano

    bobo. Talvez fosse melhor voc e Raf trocarem de lugares. Voc leva o lixo e deixareique ele sirva s mesas!

    Dezra olhou para cima de onde se encontrava ajoelhada, apanhando os cacos docho, onde flutuavam num mar de cerveja.

    Talvez fosse melhor! gritou a empregada, atirando os fragmentos de novopara o soalho Sirva voc mesma s mesas... ou tal no combina contigo, Tika Majere,herona de Lance?

    Depois de Tika lhe ter lanado um olhar magoado e de repreenso, Dezra,ergueu-se, deu um pontap na loua de barro e saiu da estalagem.

    Quando a porta foi aberta repentinamente, bateu com fora, fazendo com queTika esboasse um careta desagradvel ao prever estragos na madeira. Palavras durassurgiram-lhe nos lbios, mas mordeu a lngua e evitou que fossem proferidas, sabendoque mais tarde as lamentaria.

    A porta permaneceu aberta, permitindo que a luz da tarde que morria inundasse aestalagem. O brilho rubro do sol poente reluziu na superfcie de madeira recentementepolida do bar e cintilou nos copos. Danava mesmo no barro espalhado pelo cho.Tocou nos caracis rubros de Tika de forma gozadora, como se fosse a mo de umamante, fazendo com que muitos dos patronos que riam em silncio se calassem eadmirassem demoradamente a atraente mulher.

    Tika no reparou em tal fato. Envergonhada agora com a sua irritao, espreitoupela janela, por onde conseguiu avistar Dezra, secando os olhos com um avental. Umcliente entrou pela porta aberta, fechando-a atrs de si. A luz desapareceu, deixando denovo a estalagem mergulhada numa semi-escurido fria.

    Tika passou uma mo pelos seus prprios olhos. E que tipo de monstro estoume tornando?, perguntou a si mesma, com remorsos. Afinal de contas, a culpa nofora de Dezra. esta horrvel sensao dentro de mim! Quase desejava que voltasse ahaver draconianos para combater. Ao menos assim saberia o que temia, pelo menospoderia lutar contra isso com as minhas prprias mos! Como posso combater contraalgo a que nem sei o que chamar?

    Vozes penetraram nos seus pensamentos, exigindo cerveja e comida. O risocresceu, ecoando atravs da estalagem Last Home.

    Foi isto que encontrei ao regressar. Tika fungou e limpou o nariz com um panodo bar. Este o meu lar. Esta gente to certa, bonita e calorosa quanto o sol que sepe. Encontro-me rodeada pelos sons do amor: riso, boa camaradagem, um co fiel...

    Co fiel! Tika suspirou e apressou-se saindo detrs do balco. Raf! exclamou, desesperada, fitando o ano. Cerveja derramada. Eu limpar disse, olhando para ela e passando

    alegremente a mo pela boca.Muitos dos clientes habituais riram, mas alguns, novos na estalagem, fitavam o

    ano com desprezo. Usa este pano para limpar! disse Tika, pelo canto da boca, ao mesmo tempo

    que sorria levemente para os clientes, em forma de desculpa. Atirou o pano ao ano eeste apanhou-o. Mas limitou-se a segur-lo na mo, fitando-o com uma expressoconfusa.

  • O que fazer eu com isto? Limpa o que foi entornado! zangou-se Tika, tentando, sem sucesso, mant-

    lo fora de vista dos clientes com a sua longa saia ondeante. Oh! Eu no precisar disso afirmou Raf solenemente Eu no sujar pano

    limpo! Entregando o pano de novo a Tika, o ano colocou-se mais uma vez dequatro e comeou a lamber a cerveja derramada, agora misturada com lama.

    Com o rosto fervendo, Tika puxou Raf pelo colarinho, abanando-o. Use o pano! murmurou, furiosa Os clientes esto perdendo o apetite! E,

    quando acabar essa tarefa, quero que v levantar aquela mesa grande junto da lareira.Estou espera de amigos... Tika parou.

    Raf fitava-a, de olhos muito abertos, tentando absorver as complicadasinstrues. Ele era invulgar, tal como era prprio de qualquer ano bobo. S seencontrava ali h apenas trs semanas e Tika j lhe ensinara a contar at trs (poucosanes bobos passavam do dois) e libertara-se finalmente do mau cheiro. Esta recm-descoberta proeza intelectual, combinada com a limpeza, o teria tornado um rei numreino de anes bobos, mas Raf no possua tais ambies. Sabia que nenhum rei viviacomo ele vivia, limpando cerveja derramada (se fosse rpido) e levando para fora olixo. Mas havia limites para os talentos de Raf, e Tika acabara de descobri-los.

    Estou espera de amigos e... comeou ela de novo, mas depois desistiu Oh, deixa l. Apenas limpe isto, com o pano acrescentou severamente , e depoisvenha falar comigo para saber o que deve fazer em seguida.

    Eu no beber? comeou Raf, mas reparou no olhar furioso de Tika Eufazer.

    Suspirando de desapontamento, o ano bobo pegou no pano e passou com ele nocho, murmurando sobre desperdiar boa cerveja. Depois apanhou alguns pedaosdas canecas partidas e, depois de mir-los por momentos, sorriu e enfiou-os nasalgibeiras da camisa.

    Tika interrogou-se por instantes acerca do que ele planejaria fazer com eles, massabia que o melhor seria no perguntar. Regressando ao balco, pegou em mais umascanecas e encheu-as, tentando no reparar que Raf se cortara em alguns dos pedaosmais afiados e que se sentara sobre as pernas observando, com profundo interesse, osangue pingando-lhe da mo.

    Tem... uh... visto Caramon? perguntou Tika ao ano, casualmente. No Raf esfregava a mo ensangentada no cabelo Mas eu saber onde ir

    ver. Ps-se de p com um salto. Eu ir procurar? No! disse Tika, franzindo a sobrancelha Caramon est em casa. Eu no pensar que sim afirmou Raf, abanando a cabea No depois do

    sol se pr... Est em casa! rosnou Tika to irritada que o ano bobo se afastou dela,

    estremecendo. Quer apostar? murmurou Raf, mas muito baixinho.Nos dias que corriam, o temperamento de Tika estava to ardente como o seu

    cabelo ruivo.Felizmente para Raf, Tika no o ouviu. Acabou de encher as canecas de cerveja e

    levou-as sobre uma bandeja para um grupo de duendes sentados junto da porta.

  • Estou espera de amigos, disse para si mesma, aborrecida. Queridos amigos.Outrora, sentira-se to ansiosa por se encontrar com Tanis e Riverwind. Agora...Suspirou, passando as canecas de cerveja sem perfeita conscincia do que estava fazendo.Em nome dos verdadeiros deuses, rezou, eles que venham e partam rapidamente! Seficassem... se descobrissem...

    O corao de Tika afundou-se perante tal pensamento. O seu lbio superiorestremeceu. Se ficassem, seria o fim. Puro e simples. A sua vida terminaria.Subitamente, no conseguiu suportar a dor. Pousando apressadamente a ltima canecade cerveja, Tika deixou os duendes, pestanejando rapidamente. No reparou nos olharesperturbados que os duendes trocaram entre si ao fitarem as canecas de cerveja, e elanunca se recordou que todos tinham pedido vinho.

    Meio cega devido s lgrimas, Tika s pensava em escapar para a cozinha ondepoderia chorar sem ser vista. Os duendes olharam em redor em busca de uma outraempregada, e Raf, suspirando de contentamento, voltou a colocar-se de quatro,lambendo com prazer o resto da cerveja.

    Tanis Semiduende encontrava-se no fundo de uma pequena elevao, fitando alonga, direita e lodosa estrada que se estendia na sua frente. A mulher que escoltava e assuas montadas aguardavam a alguma distncia dali. A mulher precisara de um pouco derepouso, tal como os cavalos. Embora o seu orgulho a tivesse impedido de proferiruma palavra, Tanis vira que o rosto dela estava cinzento e abatido de fadiga. Na verdade,durante a viagem desse dia, adormecera sobre a cela e teria cado se no fosse o fortebrao de Tanis. Assim, embora estivesse ansiosa por alcanar o seu destino, noprotestara quando Tanis afirmou que desejava ir sozinho frente para verificar aestrada. Ajudou-a a descer do cavalo e viu-a instalar-se numa moita escondida.

    No se sentia muito satisfeito por deix-la s, mas pressentia que as negrascriaturas que os seguiam tinham ficado muito para trs. A insistncia dele em relao velocidade tinha revelado o seu proveito, embora, quer ele quer a mulher, estivessemdoloridos e exaustos. Tanis desejou conseguir manter-se frente das coisas at poderentregar a sua companheira nica pessoa em Krynn em condies de auxili-la.

    Cavalgavam desde o amanhecer, fugindo a um horror que os seguira desde quedeixaram Palanthas. De que se tratava exatamente, Tanis, com toda a sua experinciadurante as guerras, no podia saber com certeza. E isso tornava tudo muito maisassustador. Nunca surgia quando confrontado, era apenas visvel pelo canto do olhoque mirava qualquer outra coisa. A sua companheira tambm o sentira, podia afirm-lo,embora, o que era caracterstico da sua personalidade, ela fosse muito orgulhosa paraadmitir o medo.

    Afastando-se da moita, Tanis sentiu-se culpado. No a deveria deixar sozinha,sabia-o. No deveria estar desperdiando tempo precioso. Todos os seus sentidos deguerreiro protestaram. Mas havia algo que tinha de fazer, e tinha de faz-lo a ss. Atuarde outra forma teria parecido sacrilgio.

    Assim, Tanis encontrava-se no fundo da colina, reunindo coragem para avanar.Qualquer pessoa que olhasse para ele poderia pensar que se preparava para lutar contraum ogre. Mas tal no era o caso. Tanis Semiduende regressava a casa. E ele ansiava etemia, simultaneamente, aquilo que iria ver.

    O sol da tarde iniciava a sua viagem descendente em direo noite. Seria jescuro quando alcanasse a estalagem, e receava percorrer as estradas de noite. Mas, uma

  • vez l, esta horrvel viagem terminaria. Deixaria a mulher em mos capazes e seguiriacaminho para Quali-nesti. Mas, primeiro, havia algo que tinha de enfrentar. Com umsuspiro profundo, Tanis Semiduende puxou o capuz verde para cima da cabea ecomeou a subir.

    Alcanando o topo, o seu olhar caiu sobre um enorme rochedo, coberto demusgo. Por momentos, foi invadido pelas suas recordaes. Cerrou os olhos, sentindoas lgrimas sobre as plpebras.

    Luta estpida, ouviu a voz do ano ecoar na sua memria. Foi a coisa maisidiota que jamais fiz!

    Flint! Meu velho amigo!No posso prosseguir, pensou Tanis. muito doloroso. Para que fui

    concordar em regressar? De nada me serve agora... nada a no ser a dor de velhasferidas. Pelo menos, a minha vida boa. Encontro-me finalmente em paz, feliz.Porqu... por que lhes disse que viria?

    Soltando um profundo suspiro, abriu os olhos e fitou o rochedo. H dois anosatrs, faria trs neste Outono, escalara esta elevao e encontrara-se com o seu amigo delonga data, o ano, Flint Fireforge, sentado naquele rochedo, esculpindo madeira elamentando-se, como era habitual. Esse encontro pusera em movimento acontecimentosque abalaram o mundo, culminando com a guerra de Lance, a batalha que enviara aRainha das Trevas de novo para o abismo e recuperara o poder dos gro-lordes dodrago.

    Agora sou um heri, pensou Tanis, olhando tristemente para a vistosaarmadura de cavaleiro que usava: peito de armas de um cavaleiro de Solamnia; faixaverde acetinada, marca dos Wildrunners de Silvanesti, as legies de maior nobreza dosduendes; o medalho de Kharas, a mais alta honra dos anes; para alm de uma srie deoutras condecoraes. Ningum, humano, duende ou semi-duende, recebera tantashonras. Era irnico. Ele que detestava armaduras, que detestava cerimoniais, via-seagora forado a us-la, tal como era imposto pela sua posio. Como o velho ano teriarido.

    Voc, um heri!, quase podia ouvir o ano zombar. Mas Flint tinha morrido.Morrera fizera esta Primavera dois anos, nos braos de Tanis.

    Para qu a barba?, podia jurar mais uma vez que escutava a voz de Flint, asprimeiras palavras que dissera quando vira o semiduende na estrada. J erasuficientemente feio.

    Tanis sorriu e coou a barba que nenhum duende em Krynn podia deixar crescer,barba essa que constitua o sinal extrnseco e visvel da sua herana meio humana.

    Flint conhecia muito bem os motivos da barba, pensou Tanis, fitandocarinhosamente o rochedo aquecido pelo sol. Conhecia-me melhor do que eu conhecia amim mesmo. Estava ao corrente do caos que agitava a minha alma. Sabia que eu tinhauma lio para aprender.

    E aprendi-a murmurou Tanis para o amigo que estava com ele apenasespiritualmente Aprendi-a, Flint. Mas... oh, como foi penosa!

    Chegou at Tanis o cheiro de fumaa de madeira. Isso e os raios inclinados dosol. O frio do ar primaveril o fez recordar que ainda tinha uma certa distncia apercorrer. Voltando-se, Tanis Semiduende olhou para baixo para o vale onde passara osanos amargo-doces da sua mocidade. Virando-se, Tanis Semiduende fitou Solace, em

  • baixo.Era Outono da ltima vez que vira a pequena cidade. As rvores no vale tinham

    adquirido as cores da estao, os brilhantes vermelhos e dourados desfalecendo para opurpreo dos cumes das montanhas Kharolis distncia, o profundo azul-celeste do cuespelhando-se nas guas tranqilas do Lago Crystalmir. Havia ento fumaa sobre ovale, a fumaa de fogueiras de casas ardendo na pacfica cidade que outrora seempoleirava nas rvores como pssaros felizes. Ele e Flint tinham observado as luzesacenderem-se, uma a uma, nas casas que se espalhavam por entre as folhas das grandesrvores. Solace, cidade de rvores, uma das belezas e maravilhas de Krynn.

    Por momentos, Tanis visionou a imagem de forma to clara como h dois anosatrs. Depois, a viso desvaneceu-se. Nessa altura era Outono. Agora era Primavera. Afumaa permanecia l, a fumaa das lareiras das casas. Mas, agora provinha sobretudode casas construdas no cho. Havia o verde da vida, das coisas que cresciam, masparecia apenas enfatizar, na mente de Tanis, as cicatrizes negras sobre a terra; cicatrizesque nunca poderiam ser integralmente eliminadas, embora, aqui e ali, avistasse as marcasda agricultura por cima delas.

    Tanis abanou a cabea. Toda a gente pensara que, com a destruio do templomaldito da rainha Neraka, a guerra tinha terminado. Toda a gente ansiava por lavrar porcima da terra negra e queimada, chamuscada pelo fogo dos drages, e por esquecer a suador.

    Os seus olhos focaram o enorme crculo negro que existia no centro da cidade.Aqui, nada cresceria. Nenhuma plantao podia revolver o solo atacado pelo fogo dosdrages e infiltrado com o sangue de inocentes, assassinados pelas tropas dos gro-lordes do drago.

    Tanis sorriu tristemente. Podia imaginar como a viso daquele local devia irritaros que trabalhavam para esquecer. Sentia-se satisfeito por aquela marca l se encontrar.Desejou que a permanecesse, para sempre.

    Suavemente, repetiu palavras que ouvira Elistan proferir, quando o clrigodedicou, numa cerimnia solene, a Torre de Alto Clerist memria dos cavaleiros queali pereceram.

    Temos de nos lembrar ou cairemos na complacncia, tal como j fizemos antes, eo mal regressar de novo.

    Se no estiver j sobre ns, pensou Tanis amargamente. E, com essepensamento, voltou-se e desceu rapidamente a colina.

    A estalagem Last Home estava repleta nessa noite.Embora a guerra trouxesse a devastao e a destruio aos residentes de Solace, o

    final da mesma proporcionara tal prosperidade que havia j quem afirmasse que nofora uma coisa assim to m. Solace era, desde h muito, o caminho de passagem paraviajantes atravs das terras de Abanasnia. Mas, nos dias que antecederam a guerra, onmero de viajantes era relativamente pequeno. Os anes, com exceo de algunsrenegados como Flint Fireforge, tinham-se encerrado no seu reino da montanha deThor-bardin ou barricado nas colinas, recusando-se a ter qualquer tipo de relaes como resto do mundo. Os duendes procederam de igual modo, habitando nas terras bonitasde Qualinesti, no sudoeste, e Silvanesti, na extremidade ocidental do continente deAnsalon.

    A guerra alterara tudo isto. Duendes, anes e humanos viajavam agora com

  • freqncia, as suas terras e reinos abertos a todos. Mas quase fora necessrio aaniquilao total para o surgimento deste frgil estado de fraternidade.

    A estalagem Last Home, sempre popular entre os viajantes devido boa bebida es famosas batatas condimentadas de Otik, tornou-se ainda mais popular. As bebidascontinuavam boas e as batatas ainda melhores, embora Otik se tivesse retirado, mas overdadeiro motivo para o aumento de popularidade da estalagem foi o fato de ter setornado num local de renome. Os heris de Lance, como agora eram chamados, tinhamfreqentado esta estalagem em tempos passados, segundo se afirmava.

    Na verdade, antes de se retirar, Otik pensara seriamente na hiptese de colocaruma placa por cima da mesa junto da lareira, talvez qualquer coisa como TanisSemiduende e os seus companheiros beberam aqui. Mas Tika opusera-se idia comtal veemncia (o mero pensamento do que Tanis diria se avistasse tal coisa fazia arder asfaces de Tika) que Otik no pensou mais no assunto. Mas o rotundo estalajadeiro nuncase cansava de contar aos seus clientes a histria da noite em que a mulher brbara cantaraa sua estranha cano e curara Hoderick, o Teocrata, com o seu basto azul de cristal,fornecendo a primeira prova da existncia dos antigos e verdadeiros deuses.

    Tika, que assumira a gesto da estalagem depois da retirada de Otik e queesperava poupar o dinheiro suficiente para comprar o negcio, desejava ardentementeque Otik se contivesse e no contasse essa histria de novo esta noite. Mas teria sidomelhor se tivesse depositado as suas esperanas noutras coisas.

    Estavam presentes diversos grupos de duendes que viajaram desde Silvanesti paraassistir ao funeral de Solos-taran, orador dos Sis e governador das terras dos duendesde Qualinesti. No s incentivaram Otik a contar a sua histria, como tambm contaramalgumas suas, acerca da visita dos heris terra deles e de como a libertaram do dragodemonaco, Cyan Bloodbane.

    Tika viu Otik olhar ansiosamente na direo dela quando ouviu estes pedidos.Tika fora, afinal de contas, um dos membros do grupo que estivera em Silvanesti. Masesta silenciou-o com um furioso abanar da cabeleira ruiva. Essa era uma das partes dajornada deles que ela sempre se recusava a relatar ou mesmo a discutir. Na verdade,rezava de noite para esquecer os hediondos pesadelos dessa terra torturada.

    Tika cerrou os olhos por momentos, desejando que os duendes mudassem deassunto. Tinha agora os seus prprios pesadelos. No necessitava de pesadelos passadospara a atormentarem. Deixa apenas que eles cheguem e partam rapidamente, dissesuavemente para si mesma e para qualquer deus que a pudesse estar ouvindo.

    O sol acabara de se pr. Os clientes no paravam de entrar, exigindo comida ebebida. Tika pedira desculpas a Dezra; as duas amigas partilharam juntas algumaslgrimas e mantinham-se agora ocupadas da cozinha para o bar e do bar para as mesas.Tika assustava-se cada vez que a porta se abria, e franziu a sobrancelha irritada quandoouviu a voz de Otik sobrepor-se ao rudo de canecas e lnguas.

    ... uma linda noite de Outono, tanto quanto me lembro, e eu estava,obviamente, mais ocupado que um sargento draconiano comandando as tropas.

    Isto surtia sempre gargalhadas. Tika rangeu os dentes. Otik dispunha de umaassistncia interessada e estava plenamente empenhado. No havia agora qualquerprocesso de par-lo.

    Nessa poca, a estalagem ficava nas rvores do vale, tal como o resto da nossaadorvel cidade antes de os drages a destrurem. Ah, como era bonita naqueles velhos

  • tempos.Suspirou. Suspirava sempre neste ponto, e limpou uma lgrima. Elevou-se um

    murmrio de simpatia vindo da assistncia. Onde eu estava? Assoou o nariz, outra parte da sua representao Ah,

    sim. Ali estava eu, por detrs do bar, quando a porta se abriu...A porta abriu-se. Podia ter sido conseqncia de uma deixa, to perfeita foi a

    sincronizao. Tika afastou para trs uma mecha de cabelo ruivo de cima da frontetranspirada e olhou com nervosismo. Um silncio sbito encheu a sala. Tika ficou tensa,as unhas cravando-se nas mos.

    Um homem alto, to alto que teve que se abaixar para entrar na sala, parara naentrada. O cabelo era escuro, o rosto rgido e austero. Embora envolto em peles, erabvio, pelo andar e porte, que o seu corpo era forte e musculoso. Lanou um olharrpido ao redor da estalagem, apreciando os que se encontravam presentes, consciente eprecavido contra o perigo.

    Mas tratava-se apenas de um ato instintivo pois, quando o seu olhar penetrante esombrio repousou em Tika, o rosto austero descontraiu-se num sorriso e abriu osbraos.

    Tika hesitou, mas a viso do seu amigo encheu-a subitamente de alegria e de umaestranha onda de nostalgia. Dirigindo-se a ele atravs da multido, foi apanhada no seubrao.

    Riverwind, meu amigo! murmurou, com a voz incerta.Apertando a jovem mulher nos braos, Riverwind ergueu-a sem esforo, como se

    se tratasse de uma criana. A multido lanou vivas, batendo com as canecas sobre amesa. A maioria no conseguia acreditar na sua sorte. Ali estava um heri de Lance empessoa, como que trazido nas asas da histria de Otik. E mantinha ainda esse aspecto!Estavam encantados.

    Depois de ter libertado Tika, o homem alto retirou o abrigo de peles de cima dosombros. Agora todos podiam avistar o manto de chefe de tribo que o homem dasplancies usava, as suas seces em forma de V de peles e couro trabalhado, cada umarepresentando uma das tribos das plancies que ele governava. O seu rosto esbelto,embora mais envelhecido e preocupado do que da ltima vez que Tika o vira, estavabronzeado devido ao sol e aos elementos atmosfricos, e havia uma alegria interior nosolhos do homem que demonstrava que encontrara, na sua vida, a paz que buscava hanos.

    Tika sentiu uma sensao de aperto na garganta e virou-se rapidamente, mas nocom a rapidez suficiente.

    Tika disse, a pronncia acentuada, motivada pela nova convivncia com oseu povo bom ver-te bem e ainda bonita. Onde est Camaron? Estou ansioso porv-lo... Mas, Tika, o que se passa?

    Nada, nada afirmou Tika bruscamente, abanando os caracis ruivos epestanejando Vem comigo, reservei um lugar para voc perto da lareira. Deve estarexausto e esfomeado.

    Conduziu-o por entre a multido, falando sem parar, nunca permitindo que eleproferisse uma palavra. Inadvertidamente, a multido auxiliou-a, mantendo Riverwindocupado ao reunirem-se em redor dele para tocarem e se maravilharem com o seu mantode peles, ou tentando apertar-lhe a mo (costume esse que os homens das plancies

  • consideravam brbaro) ou pondo-lhe bebidas sua frente.Riverwind aceitou tudo isto estoicamente, ao seguir Tika por entre a gente

    excitada, aproximando mais de si a bonita espada de duende. O seu rosto austeroescureceu levemente, e espreitava com freqncia pelas janelas, como se desejasse jescapar desta sala barulhenta e quente e regressar ao ar livre que adorava. Mas Tikaafastava habilmente os clientes e no tardou que ela e o seu velho amigo se encontrassemsentados junto da lareira, numa mesa isolada perto da porta da cozinha.

    Volto j disse ela, oferecendo-lhe um sorriso e desaparecendo na cozinhaantes que ele pudesse abrir a boca.

    O som da voz de Otik ergueu-se de novo, acompanhado por fortes pancadas.Como a sua histria tinha sido interrompida, Otik servia-se da bengala, uma das armasmais temveis em Solace, para repor a ordem. O estalajadeiro tinha agora uma pernaaleijada e tambm gostava de contar essa histria, como ele ficara ferido durante a quedade Solance, quando, por sua prpria iniciativa e completamente s, dispersou osexrcitos invasores de draconianos.

    Agarrando num tacho cheio de batatas condimentadas e apressando-se a regressarpara junto de Riverwind, Tika mirou Otik com irritao. Ela estava ao ciente daverdadeira histria, como ele ferira a perna ao ser arrastado para fora do esconderijoonde se enfiara, por baixo do cho. Mas nunca o contou. No ntimo, gostava do velhohomem como de um pai. Otik acolhera-a e criara-a, quando o seu prprio paidesaparecera, dando-lhe um trabalho honesto quando podia ter-se virado para o roubo.Alm do mais, o simples fato de lhe lembrar que ela sabia a verdade ajudava a evitar queos grandes contos de Otik atingissem termos inadmissveis.

    A clientela estava relativamente tranqila quando Tika voltou, dando-lheoportunidade para conversar com o velho amigo.

    Como est Goldmoon e o seu filho? perguntou com animao, reparandoque Riverwind a fitava e estudava atentamente.

    Ela est bem e manda saudaes respondeu Riverwind, na sua vozprofunda e baixa O meu filho (os seus olhos brilharam de orgulho) est quase um homem,pois j tem esta altura e monta um cavalo melhor do que muitos guerreiros.

    Estava espera que Goldmoon viesse contigo disse Tika com um suspiroque no queria que Riverwind tivesse ouvido.

    O alto homem das plancies comeu por momentos em silncio, antes deresponder.

    Os deuses abenoaram-nos com mais duas crianas disse, fitando Tika comuma estranha expresso nos olhos negros.

    Duas? Tika mostrou um ar espantado e depois disse: Oh, gmeos! gritou, com vivacidade Como Caramon e Rais... Parou abruptamente, mordendoo lbio.

    Riverwind franziu a sobrancelha e fez o sinal que afastava o mal. Tika corou edesviou o rosto. Sentiu um rudo intenso nos ouvidos. Ficou estonteada devido ao calore ao barulho. Engolindo o sabor amargo na boca, esforou-se por perguntar mais sobreGoldmoon e, passado algum tempo, conseguiu comear a ouvir a resposta deRiverwind.

    ... h ainda poucos clrigos na nossa terra. H muitos convertidos, mas ospoderes dos deuses chegam de forma lenta. Trabalha duramente, muito para o meu

  • gosto, mas cada dia est mais bonita. E os bebs, as nossas filhas, tm ambas cabeloprateado-dourado...

    Bebs... Tika sorriu tristemente. Vendo a expresso dela, Riverwind ficou emsilncio, terminou de comer e afastou o prato.

    Nada me daria mais prazer do que continuar esta visita afirmou, lentamente, mas no posso estar muito tempo afastado do meu povo. Conhece a urgncia daminha misso. Onde est Cara...

    Tenho que ir verificar o seu quarto disse Tika, erguendo-se de forma torepentina que abanou a mesa, derramando a bebida de Riverwind Aquele ano bobodeve estar fazendo a cama. O mais provvel encontr-lo dormindo profundamente...

    Afastou-se rapidamente. Mas no subiu as escadas para os quartos. Saindo pelaporta da cozinha, permaneceu ali, sentindo o vento noturno esfriando-lhe as facesescaldantes e fitando a escurido.

    Permita que ele v embora! murmurou Por favor...

  • CAPTULO2

    Talvez acima de tudo, Tanis temesse a sua primeira viso da estalagem Last

    Home. Fora aqui que tudo comeara, fazia agora trs anos, neste Outono. Ele, Flint e oirreprimvel kender, Tasslehoff Burrfoot, tinham vindo ali naquela noite para seencontrarem com velhos amigos. Aqui, o seu mundo virara-se de pernas para o ar, paranunca mais voltar ao normal.

    Mas, ao cavalgar em direo estalagem, os seus receios foram diminuindo. Estamudara tanto que era como chegar a um local desconhecido, a um local que no lhetrazia recordaes. Erguia-se no cho e no nos ramos de uma grande rvore. Havia

  • novos anexos e mais quartos para albergar todos os viajantes, alm de um novo telhado,num estilo muito mais moderno. Todas as cicatrizes da guerra foram apagadas, tal comoas recordaes.

    Ento, no preciso momento em que Tanis se preparava para descontrair, a portaprincipal da estalagem abriu-se. A luz projetou-se para o exterior, formando umcaminho dourado de boas-vindas, e o aroma de batatas condimentadas e o som de risoschegou atravs da brisa da noite. As recordaes regressaram de imediato, e Tanisbaixou a cabea, dominado.

    Mas, talvez por sorte, no disps de tempo para reviver o passado. Quando ele ea sua companheira se aproximaram da estalagem, um rapaz do estbulo acorreu paraagarrar nas rdeas dos cavalos.

    Comida e gua disse Tanis, escorregando cansado da sela e atirando umamoeda ao rapaz. Espreguiou-se para descontrair os msculos Mandei umamensagem com antecedncia para avisar que precisava de um cavalo fresco minhaespera. Chamo-me Tanis Semiduende.

    O rapaz abriu os olhos de espanto. J observara a brilhante armadura e o ricomanto que Tanis usava. Agora, a sua curiosidade fora substituda por reverncia eadmirao.

    S-sim, sir gaguejou, envergonhado por tal heri se dirigir a ele O-ocavalo est pronto, de-devo traz-lo ag-agora, sir?

    No Tanis sorriu Primeiro vou comer. Traga-o dentro de duas horas. D-duas horas. Sim, sir. Obrigado, sir Acenando a cabea, o rapaz tirou as

    rdeas da mo insensvel de Tanis e ficou ali, inerte, esquecendo-se por completo dassuas tarefas, at que o cavalo impaciente se encostou a ele e quase o derrubou.

    Quando o rapaz se afastou apressadamente, o semi-duende virou-se para auxiliara sua companheira a descer da sela.

    Voc deve ser feito de ferro disse ela, olhando para Tanis enquanto este aajudava a descer Pretende realmente prosseguir viagem esta noite?

    Para ser franco, doem-me todos os ossos do corpo comeou Tanis, masdepois estacou, sentindo-se desconfortvel. Era incapaz de se sentir vontade juntodesta mulher.

    Tanis podia avistar o rosto dela refletido luz quevinha da estalagem. Viu fadigae dor. Os olhos dela estavam plidos e as faces encovadas. Vacilava ao caminhar sobre osolo e Tanis apressou-se a dar-lhe o brao para se apoiar. Ela assim o fez, mas apenaspor alguns instantes. Depois, recompondo-se, afastou-o de forma gentil mas firme ecaminhou sozinha, olhando em redor sem interesse.

    Cada movimento magoava Tanis, e podia imaginar como esta mulher deveria sesentir, pouco acostumada a exerccios fsicos ou a provaes; Tanis viu-se forado aencar-la com grande admirao. No se lamentara nem uma nica vez durante a longa eassustadora viagem. Acompanhara-o sempre, nunca ficando para trs e obedecendosempre s instrues dele sem nunca as questionar.

    Ento por que razo, interrogou-se, no conseguia sentir nada por ela? O quehaveria nela que o irritava e aborrecia? Olhando para rosto da mulher, Tanis obteve aresposta. O nico sinal de calor que viu foi o que provinha da luz da estalagem. O rostodela propriamente dito, mesmo exausto, era frio, impassvel, destitudo de... de qu?Humanidade? Revelara-se sempre assim ao longo desta longa e perigosa viagem. Oh, ela

  • mostrara-se friamente corts, friamente agradecida, friamente distante e remota.Provavelmente, teria me sepultado friamente, pensou Tanis severamente. Depois,como que censurando-se pelos seus pensamentos irreverentes, o seu olhar foi atradopelo medalho que ela usava em volta do pescoo, o drago de platina de Paladine.Recordou-se das palavras de Elistan ao partir, proferidas em privado, momentos antesde iniciarem a viagem.

    Faz sentido que seja voc a acompanh-la, Tanis disse o clrigo De certaforma, ela inicia uma viagem muito semelhante tua, realizada anos atrs, em busca deconhecimento prprio. No, tem razo, ela ainda no sabe disso Isto em resposta aoolhar dbio de Tanis Ela caminha em frente com os olhos fixos nos cus Elistansorriu tristemente Ainda no aprendeu que, ao faz-lo, uma pessoa acaba portropear. A menos que aprenda, a queda dela pode ser dura Abanando a cabea,murmurou uma prece suave Mas temos de depositar a nossa confiana em Paladine.

    Tanis franzira a sobrancelha nessa altura e o mesmo acontecia agora, ao pensarnisso. Embora tivesse adquirido uma forte crena nos verdadeiros deuses, mais atravsdo amor por Laurana e da sua f do que por qualquer outro motivo, no se sentia vontade para lhes confiar a sua vida e ficava impaciente com pessoas como Elistan que,segundo parecia, atiravam um fardo muito pesado para os deuses. Que o homem sejaresponsvel por si mesmo, para variar, pensou Tanis irritado.

    O que se passa, Tanis? inquiriu Crysania friamente.Apercebendo-se de que a estivera fitando durante todo este tempo, Tanis tossiu de

    embarao, resfolegou, e desviou o olhar. Felizmente, o rapaz regressou para vir buscaro cavalo de Crysania, poupando a Tanis a necessidade de responder. Gesticulou emdireo estalagem, para onde se encaminharam.

    Na verdade afirmou Tanis, quando o silncio se tornou desconfortvel ,gostaria muito de ficar aqui e visitar os meus amigos. Mas tenho de estar em Qualinestidepois de amanh e s viajando sem parar conseguirei chegar a tempo. As minhasrelaes com o meu cunhado no so to boas que me possa dar ao luxo de ofend-lo,faltando ao funeral de Solostaran E acrescentou, com um sorriso austero: Querpoltica, quer pessoalmente, se compreende onde quero chegar.

    Crysania retribuiu-lhe o sorriso, mas, Tanis reparou, no se tratava de um sorrisode compreenso. Era um sorriso de tolerncia, como se estes assuntos de poltica efamlia estivessem abaixo dela.

    Tinham alcanado a porta da estalagem. Alm do mais acrescentou Tanis suavemente , sinto saudades de

    Laurana. Engraado, no ? Quando ela est ao p de mim e nos encontramosenvolvidos nas nossas tarefas, passamos s vezes dias com apenas um sorriso ou umtoque rpido e depois desaparecemos nos nossos mundos. Mas, quando estou longedela, como se subitamente despertasse e encontrasse o meu brao direito amputado.Posso ir para a cama pensando no meu brao direito, mas, quando desaparece...

    Tanis parou abruptamente, sentindo-se um perfeito idiota, com receio de parecerum adolescente perdido de amores. Mas compreendeu que, aparentemente, Crysania nolhe prestava a mnima das atenes. Quanto muito, o seu rosto macio de mrmoretornara-se ainda mais frio, de tal forma que, em comparao, a luz prateada da luaparecia transmitir mais afetividade. Abanando a cabea, Tanis abriu a porta.

    No invejo Caramon e Riverwind, pensou severamente.

  • Os sons e odores calorosos e familiares da estalagem invadiram Tanis e, porlongos momentos, tudo no passou de uma neblina. Aqui estava Otik, mais velho egordo, se que era possvel, apoiando-se a uma bengala e batendo-lhe nas costas. Aquiestavam pessoas que no via h anos, que nunca tiveram nada a ver com ele, apertando-lhe a mo e aclamando a sua amizade. Aqui estava o velho bar, ainda brilhantementepolido e, de alguma forma, conseguiu pisar um ano bobo...

    E depois, ali estava um homem alto com um manto de peles, e Tanis foienvolvido pelo caloroso abrao do seu amigo.

    Riverwind sussurrou roucamente, apertando com fora o homem dasplancies.

    Meu irmo disse Riverwind em Que-shu, a lngua do seu povo. A clientelada estalagem regozijava-se estrondosamente, mas Tanis no os escutava, porque umamulher de cabelo ruivo flamejante e sardas pousara uma mo no seu brao. Estendendoa mo, ainda abraando Riverwind, Tanis puxou Tika para junto deles e, por largosinstantes, os trs amigos ficaram muito juntos, unidos pela mgoa, a dor e a glria.

    Riverwind os fez voltar realidade. Pouco acostumado a tais demonstraes deemoo em pblico, o alto homem das plancies adquiriu de novo a sua compostura,tossiu e endireitou-se, pestanejando rapidamente e franzindo a sobrancelha para o tetoat se sentir, de novo, senhor de si mesmo. Tanis, com a barba ruiva hmida das suasprprias lgrimas, deu mais um abrao a Tika e olhou depois em redor.

    Onde est o grande brutamontes do teu marido? inquiriu, alegremente Onde est Caramon?

    Tratava-se de uma pergunta simples e Tanis estava totalmente desprevenido para aresposta. A multido ficou de imediato em silncio; parecia que algum os tinhaencerrado num barril. O rosto de Tika revelou um corar feio, murmurou algoincompreensvel e, baixando-se, apanhou um ano bobo do cho e abanou-o de talforma que os dentes estalaram na cabea dele.

    Espantado, Tanis olhou para Riverwind, mas o homem das plancies limitou-se aencolher os ombros e a erguer as negras sobrancelhas. O semi-duende virou-se paraperguntar a Tika o que se passava mas, nesse momento, sentiu um toque gelado nobrao. Crysania! Esquecera-se dela por completo!

    Corando, tambm ele, procedeu s apresentaes. Permitam-me que vos apresente Crysania de Tarinius, Venervel Filha de

    Paladine disse Tanis formalmente Lady Crysania, Riverwind, chefe das tribos doshomens das plancies, e Tika Waylan Majere.

    Crysania desapertou o agasalho de viagem e puxou o capuz para trs. Ao faz-lo,o medalho de platina que usava em redor do pescoo reluziu com a forte luz das velasda estalagem. As vestes de pura l branca da mulher surgiram atravs das pregas domanto. Um murmrio, simultaneamente de reverncia e de respeito, percorreu amultido.

    Uma eclesistica sagrada! Perceberam o nome dela? Crysania! A seguir em linha... A sucessora de Elistan...Crysania inclinou a cabea. Riverwind inclinou-se, o rosto solene, e Tika, de rosto

    ainda to corado que parecia febril, empurrou Raf apressadamente para trs do bar,fazendo de seguida uma profunda reverncia.

  • Ao ouvir o nome de casada de Tika, Majere, Crysania olhou para Tanis de formainterrogadora e recebeu a sua anuncia em resposta.

    Sinto-me honrada afirmou Crysania com a sua voz rica e calma , porconhecer duas pessoas cujos feitos corajosos brilham como um exemplo para todos ns.

    Tika corou de embarao, embora satisfeita. O rosto austero de Riverwind nomudou de expresso, mas Tanis apercebeu-se quanto o elogio da eclesistica representoupara o profundamente religioso homem das pradarias. Os clientes soltaram vivasruidosos perante esta honra aos seus e no pararam de expressar o seu contentamento.Otik, com a devida cerimnia, conduziu os seus convidados para uma mesa que osaguardava, radiante com os heris, como se tivesse arranjado toda a guerraespecialmente para benefcio deles.

    Sentando-se, Tanis sentiu-se, ao princpio, perturbado com a confuso e rudo,mas depressa decidiu que isso at era benfico. Pelo menos poderia conversar comRiverwind sem o receio de ser ouvido por outros. Mas, primeiro, tinha de descobrironde estava Caramon?

    Mais uma vez, preparou-se para fazer a pergunta, mas Tika, depois de v-lossentados e ocupados com Crysania como se fossem mes galinhas, viu-o abrir a boca e,virando-se abruptamente, desapareceu na cozinha.

    Tanis abanou a cabea, intrigado, mas, antes que pudesse pensar mais no assunto,Riverwind comeou a fazer-lhe perguntas. Os dois no tardaram a embrenhar-se naconversa.

    Toda a gente pensa que a guerra terminou disse Tanis, suspirando E talfato coloca-nos em maior perigo do que antes. As fortes alianas existentes entre osduendes e os humanos quando os tempos eram negros comearam a derreter-se com osol. Laurana est agora em Qualinesti, assistindo ao funeral do pai e tentando de igualmodo conseguir um acordo com aquele cabea dura do irmo, Porthios, e com oscavaleiros de Solamnia. O nico raio de esperana a mulher de Porthios, AlhanaStarbree-ze Tanis sorriu Nunca pensei que acabaria por ver aquela mulher duendedemonstrar tolerncia pelos humanos ou outras raas, mais do que isso, dando-lhes oseu apoio contra o intolerante marido.

    Estranho casamento comentou Riverwind. Tanis concordou. Ospensamentos de ambos os homens estavam com o seu amigo, o cavaleiro SturmBrightblade, agora morto, heri da Torre do Alto Clerist. Ambos sabiam que o coraode Alhana fora a sepultado na escurido, com Sturm.

    Seguramente no se tratou de um casamento de amor Tanis encolheu osombros Mas pode ser um casamento que ajude a restaurar a paz no mundo. Agora, oque me conta de voc, meu amigo? O seu rosto est abatido com novas preocupaes, aomesmo tempo que reluz de alegria. Goldmoon mandou dizer a Laurana sobre asgmeas.

    Riverwind sorriu brevemente. Tem razo. Lamento cada momento em que estou distante disse o homem

    das plancies com voz profunda , embora o fato de te ver outra vez, meu irmo, alivieo peso do meu fardo. Mas deixei duas tribos beira da guerra. At aqui, tenhoconseguido que mantivessem as conversaes e ainda no houve derramamento desangue. Mas sei que h pessoas descontentes agindo contra mim, por detrs das minhascostas. Cada minuto que estou distante d-lhes mais uma oportunidade de fazer renascer

  • velhas hostilidades sangrentas.Tanis agarrou-lhe o brao. Lamento, meu amigo, e estou satisfeito por ter vindo Suspirou novamente

    e olhou para Crysania, apercebendo-se de que tinha novos problemas Estavaesperanado que poderia oferecer a sua orientao e proteo a esta senhora A suavoz no passava de um murmrio Ela viaja para a Torre da Alta Feitiaria, nafloresta de Wayreth.

    Os olhos de Riverwind esbugalharam-se de alarme e desaprovao. O homem dasplancies no confiava em magos nem em nada relacionado com eles.

    Tanis assentiu. Pelo que vejo, ainda se recorda das histrias de Caramon, da altura em que ele

    e Raistlin viajaram at l. E eles tinham sido convidados. Esta senhora vai sem serconvidada, para procurar o conselho do mago acerca...

    Crysania lanou-lhe um olhar agudo e imperioso. Franzindo a sobrancelha,abanou a cabea. Tanis, mordendo o lbio, acrescentou:

    Esperava que lhe pudesse servir de escolta... J o receava disse Riverwind , quando recebi a tua mensagem, e foi por

    esse motivo que senti necessidade de vir: para te oferecer uma explicao quanto minharecusa. Se fosse noutra altura qualquer, sabe que teria o maior prazer em te ajudar e, emparticular, me sentiria honrado por oferecer os meus servios a algum to vulnervel Fez uma leve reverncia a Crysania, que aceitou a sua homenagem com um sorrisoque desapareceu instantaneamente quando o seu olhar regressou a Tanis. Uma linhapequena e profunda surgiu por entre as suas sobrancelhas.

    Riverwind prosseguiu. Mas h muitas coisas em jogo. A paz que estabeleci entre as tribos, muitas das

    quais estiveram em guerra durante anos, bastante frgil. A nossa sobrevivncia comonao e povo depende da nossa unio e estamos trabalhando em conjunto parareconstruir a nossa terra e as nossas vidas.

    Compreendo disse Tanis, tocado pela infelicidade bvia de Riverwind porter de recusar o seu pedido de ajuda. Contudo, o semi-duende reparou no olhar dedesagrado de Lady Crysania e voltou-se para ela com solene cortesia Tudo correrbem Venervel Filha disse, falando com uma pacincia estudada Caramon irgui-la, e ele vale por trs de ns, mortais. Estou certo, Riverwind?

    O homem das plancies sorriu, ao ser assolado por velhas recordaes. No h dvida de que consegue comer por trs vulgares mortais. E forte

    como trs ou mais. Lembra-se, Tanis, quando ele levantava William, Cara-de-Porco, no ar,quando representavam aquele espetculo... onde era... em Flotsam?

    E daquela vez em que matou dois draconianos esmagando-lhes a cabea umacontra a outra Tanis riu-se, sentindo que a escurido do mundo desaparecia aopartilhar aqueles velhos tempos com o amigo E lembra-se de quando estvamos numreino de anes e Caramon se esgueirou por detrs de Flint e... Inclinando-se para afrente, Tanis murmurou qualquer coisa no ouvido de Riverwind. O rosto do homemdas plancies abriu-se numa risada. Contou outra histria e os dois homensprosseguiram com episdios sobre a fora de Caramon, sobre a sua habilidade com aespada, a sua coragem e honra.

    E a sua gentileza acrescentou Tanis, aps um momento de reflexo At

  • parece que estou vendo-o, tratando de Raistlin to pacientemente, segurando o irmonos braos quando aqueles ataques de tosse quase despedaavam o mago...

    Foi interrompido por um grito reprimido, um baque e uma pancada surda.Voltando-se espantado, Tanis viu Tika olhando para ele, o rosto branco, os olhosverdes luzindo com lgrimas.

    Parte j! apelou com lbios plidos Por favor, Tanis! No faaperguntas! Limite-se a partir! Agarrou no brao dele, as unhas penetrandodolorosamente na carne.

    Mas, Tika, o que se passa? Em nome do abismo! inquiriu Tanisdesesperado, erguendo-se e fitando-a.

    Em resposta, chegou-lhe aos ouvidos um som de alguma coisa partindo-se empedaos. A porta da estalagem abriu-se, impulsionada de fora por uma fora tremenda.Tika deu um salto para trs, o rosto convulsionado de tal receio e horror ao mirar aporta que Tanis se virou rapidamente, de mo na espada, e Riverwind se ps de p.

    Uma sombra larga encheu a entrada, parecendo espalhar uma mortalha sobre asala. O barulho alegre e o riso da multido estacou abruptamente, transformando-senum sussurrar baixo e irado.

    Lembrando-se das coisas negras e ms que os tinham perseguido, Tanis sacou aespada, colocando-se entre a escurido e Lady Crysania. Embora no pudesse ver,pressentia a presena pujante de Riverwind por detrs dele, protegendo-o.

    Ento, sempre nos conseguiu apanhar, pensou Tanis, quase agradecendo aoportunidade de combater este terror vago e desconhecido. Fitou a porta sombriamente,observando a figura inchada e grotesca que penetrou na luz.

    Era um homem, pelo que Tanis viu, um homem enorme, mas, ao observar commaior ateno, viu que era um homem cuja cintura gigantesca se tornara flcida. Umventre inchado que pendia sobre perneiras de couro fortemente apertadas. Uma camisanojenta abria-se junto do umbigo, onde sobrava pouca camisa para cobrir tanta carne. Orosto do homem, parcialmente obscurecido por uma barba de trs dias, estava corado emanchado de forma pouco natural, o cabelo gorduroso e mal tratado. Os seus trajes,embora de boa qualidade e bem feitos, estavam sujos e cheiravam fortemente a vmito eao licor puro conhecido como bebida alcolica dos anes.

    Tanis baixou a espada, sentindo-se um perfeito idiota. No passava de um pobreembriagado, provavelmente o palhao da cidade, servindo-se da sua enorme altura paraintimidar os cidados. Olhou para o homem com piedade e repugnncia, pensando,mesmo assim, que havia nele algo de estranhamente familiar. Tratava-se provavelmentede algum que conhecera quando viveu em Solace h muito tempo atrs, alguma pobrealma que cara na m vida.

    O semi-duende comeou a voltar-se, reparando ento, para sua surpresa, que todaa gente na estalagem olhava para ele com expectativa.

    Que querem eles que eu faa, pensou Tanis, com uma ira sbita. Que oataque? Que bonito heri haveria de parecer, atacando o bbado da cidade!

    Escutou ento um soluo junto do seu cotovelo. Bem te disse para ir embora gemeu Tika, afundando-se numa cadeira.

    Escondendo o rosto nas mos e comeou a chorar como se tivesse o coraodespedaado.

    Cada vez mais confuso, Tanis olhou para Riverwind mas era bvio que o homem

  • das plancies pouco mais compreendia do que ele. Entretanto, o homem embriagadopenetrara na sala e olhava em redor, irritado.

    Que isstto? Uma festa? rosnou E ningum con... con... convidou ovelho amigo... con... convidou-me?

    Ningum respondeu. Ignoravam voluntariamente o desleixado homem, os olhosdeles ainda fixos em Tanis. Naquele momento, tambm a ateno do bbado se voltoupara o semi-duende. Tentando foc-lo, o bbado fitou Tanis com uma irritaointrigada, como que acusando-o de ser o motivo de todos os seus problemas. Depois,subitamente, os olhos do homem embriagado alargaram-se, o rosto abriu-se numsorriso idiota e lanou-se para frente, de braos abertos.

    Tanis... meu ami... Em nome dos deuses bramiu Tanis, reconhecendo-o por fim.O homem lanou-se para frente e tropeou numa cadeira. Por alguns instantes,

    balanou vacilante, como uma rvore cortada e prestes a cair. Os seus olhos rolarampara trs na cabea, as pessoas afastaram-se do seu caminho. Ento, com um baque quefez estremecer a estalagem, Caramon Majere, heri de Lance, desmaiou aos ps de Tanis.

  • CAPTULO3

    Em nome dos deuses repetiu Tanis com pesar, ao ajoelhar-se junto do

    guerreiro inerte Caramon... Tanis... A voz de Riverwind fez com que o semi-duende olhasse

    rapidamente para cima. O homem das plancies tinha Tika nos seus braos; tanto elequanto Dezra tentavam confortar a destroada jovem. Mas as pessoas iam seaproximando tentando fazer perguntas a Riverwind ou pedindo a beno a Crysania.Outros exigiam mais cerveja ou limitavam-se a circular, conversando.

  • Tanis ergueu-se rapidamente. A estalagem vai fechar esta noite gritou.A multido demonstrou o seu desagrado, com exceo de alguns clientes sentados

    ao fundo da sala, que pensaram que ele estava pagando uma rodada. No, estou falando srio afirmou Tanis com firmeza, a sua voz elevando-

    se por cima do barulho. A multido aquietou-se Agradecemos muito a todos ospresentes pelas calorosas boas-vindas. No lhes consigo exprimir o que significa paramim regressar minha terra natal. Mas, os meus amigos e eu gostaramos de ficar agoraa ss. Por favor, j tarde...