Teologia Relacional

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    A TEOLOGIARELACIONAL: SUAS CONEXESCOMO TESMO ABERTOE IMPLICAESPARAAIGREJA

    CONTEMPORNEAValdeci da Silva Santos*

    RESUMO

    A Teologia Relacional uma nova perspectiva hermenutica sobre Deusque se prope a corrigir as pretensas distores do tesmo clssico. Ela apre-sentada como sendo uma proposta essencialmente prtica e bblica, elaboradano sentido de resolver as supostas contradies resultantes da crena em umDeus soberano em meio a uma realidade marcada pelo sofrimento. Em sntese,

    as propostas da Teologia Relacional so muito parecidas com aquelas do TesmoAberto no contexto evanglico norte-americano, mas praticamente nenhumaconexo oficial foi estabelecida entre ambos os ensinos. Este artigo objetivaempreender esta tarefa. Sua primeira parte analisa o desenvolvimento dessenovo ensino e suas ligaes com outras crenas defendidas por segmentoscristos ao redor do mundo. Depois, o artigo caminha no sentido de tentarcompreender os principais pressupostos da Teologia Relacional e sua relaocom o tesmo aberto. Finalmente, feita uma avaliao, luz das Escrituras eda prtica crist, de alguns dos resultados dessa perspectiva relacional sobreDeus.

    PALAVRAS-CHAVETeologia relacional; Tesmo aberto; Tesmo clssico; Teologia do proces-

    so; Oniscincia divina; Liberdade humana; Soberania de Deus; Arminianismo;Calvinismo.

    * O autor ministro presbiteriano, pastor da Igreja Evanglica Sua de So Paulo, professor deteologia pastoral e sistemtica no Centro Presbiteriano de Ps-Graduao Andrew Jumper, bem comocoordenador do programa de Doutorado em Ministrio do RTS/CPAJ.

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    INTRODUO

    No Brasil alguns consideram a Teologia Relacional comopass, umaproposta que surgiu, atraiu poucos, teve alguns de seus pontos controversosatacados e, aparentemente, se retraiu. Enganam-se, porm, aqueles que pen-sam que esse ensino foi definitivamente sepultado ou que seus efeitos tenhamperdido qualquer eficincia.1 Os partidrios da perspectiva em questo con-tinuam divulgando suas premissas por meio de palestras e diversos eventosreligiosos. Alm do mais, com o avano da tecnologia, os canais tradicional-mente utilizados para difuses tericas (livros, parlamentos, artigos acadmi-cos, etc.) passaram a contar tambm com os fruns de discusso on-line, taiscomo homepages, blogs, mailing lists, comunidades de Orkut e outros. Logo,o grau de aceitao de um novo ensino no pode mais ser simplesmente me-dido pela reviso da literatura relacionada ao assunto, pois aquilo que parece

    ultrapassado para alguns neste setor pode estar em plena ebulio para outrosno universo on-line. Finalmente, sempre prudente considerar o fato de queos novos ensinamentos geralmente possuem uma natureza evolutiva, o querequer contnuas avaliaes e respostas aos mesmos.2

    A Teologia Relacional uma nova perspectiva hermenutica sobre Deusque se prope a corrigir as pretensas distores do tesmo clssico,3 supostamen-te causadas pela influncia da filosofia platnica no cristianismo importada porAgostinho de Hipona (354-430). Segundo entende um dos simpatizantes desseensino, muitos dos dogmas do tesmo clssico... no tm sua origem na Bbliaou na tradio dos apstolos, mas so frutos de uma assimilao sacrlega de

    conceitos importados da filosofia grega.4 Neste sentido, a teologia relacional

    1 Uma evidncia clara desse fato pode ser encontrada na publicao do livro de Darci Dusileksobre o conhecimento de Deus e no reavivamento do debate atravs de um artigo de Ricardo GondimRodrigues no qual ele se prope a definir esse ensino e refutar algumas acusaes feitas ao mesmo. Cf.DUSILEK, Darci. O que Deus sabe sobre o meu futuro? Rio de Janeiro: GW Editora, 2006; GONDIMRODRIGUES, Ricardo. Teologia relacional que bicho esse? Disponvel em: http://www.ricardogon-dim.com.br/artigos/Artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1417. Acesso em: 23 abr. 2007.

    2 TAYLOR, Justin. Introduo. Em: PIPER, John; TAYLOR, Justin; HELSETH, Paul K. (orgs.).Tesmo Aberto: uma teologia alm dos limites bblicos. So Paulo: Vida, 2001, p. 19.

    3 possvel fazer uma distino minuciosa entre tesmo clssico e tradicionalismo, quanto doutrina de Deus. Contudo, uma vez que nem os proponentes do Tesmo Aberto americano nem dorevisionismo relacional brasileiro fazem esta distino, os termos sero utilizados aqui sinonimamente.Cf. BRAND, Chad Owen. Defeitos genticos ou similaridades acidentais? A ortodoxia, o tesmo abertoe suas ligaes com as tradies filosficas. Em: PIPER, TAYLOR e HELSETH, Tesmo aberto, p. 51(nota 1).

    4 BRABO, Paulo. O destino eterno de Deus. Disponvel em: http://www.baciadasalmas.com/2006/o-destino-eterno-de-deus/#more-1037. Acesso em: 12 nov. 2006. Alis, esta a principal tese de WilliamHasker na obra-referncia do Tesmo Aberto. Cf. HASKER, William. A philosophical perspective. Em:PINNOCK, Clark H. e outros (orgs.). The openness of God: a biblical challenge to the traditionalunderstanding of God. Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1994, p. 126-154.

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    apresentada com tendo uma proposio essencialmente prtica e bblica,elaborada no sentido de resolver a contradio entre a nossa vida devocionaldiria e a teologia clssica.5 O principal articulador dessa teologia no Brasil,

    o pastor da Igreja Assemblia de Deus Betesda, Ricardo Gondim Rodrigues,ilustra a relevncia desse ensino da seguinte forma:

    Na teologia clssica o futuro j aconteceu, no apenas por determinao de Deus,que exaustivamente decretou que todas as coisas (boas e ruins) acontecessem,mas tambm porque ele em sua oniscincia j sabe de tudo o que vier a acontecercomo j acontecido... Assim, no sabemos como nos comportar direito quandooramos e nem sabemos como agir quando coisas ruins acontecem. Quando algummal acontece, dizem-nos que a vontade de Deus nunca frustrada, e que ele temuma agenda secreta que ainda no entendemos. Tentam nos confortar afirmandoque precisamos apenas acreditar que ele tem o melhor para ns... Assim, vive-

    mos uma esquizofrenia espiritual tremenda, cremos em verdades dogmticas eagimos contrariamente a elas. A Teologia Relacional traz consistncia nossaespiritualidade, pois refora a nossa compreenso paternal de Deus, lana luzsobre nossa imensa responsabilidade e nosso infinito privilgio de cooperarmoscom o Criador. Somos artesos do futuro. Numa Teologia Relacional o futuroinexiste e Deus nos chama para sermos parceiros da sua construo.6

    Resumindo, na perspectiva relacional o futuro est em aberto para serconstrudo, em conjunto, por Deus e pelo ser humano. Logo, ningum, nemmesmo Deus, pode conhecer exaustivamente o futuro, pois ele ainda noexiste e, por amor s suas criaturas, o Altssimo decidiu limitar-se quanto ao

    conhecimento a este respeito e sujeitar-se a riscos e surpresas advindas dessaconstruo em parceria com o ser humano livre.

    Vrios pressupostos da Teologia Relacional tm sido denunciados por suasfraquezas filosficas, imprecises histricas e superficialidades bblicas.7 Con-tudo, poucos a tm analisado em sua conexo com o tesmo aberto, bem comoem sua proposta mais bsica: a de ser uma contribuio prtica e relevante para

    5 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. Espiritualidade crist e uma teologia relacional. Disponvelem: www.ricardogondim.com.br/Artigos. Acesso em: 01 out. 2003.

    6 Ibid.7 Cf. CAMPOS, Heber C. Tesmo Aberto: um ensaio introdutrio.Fides Reformata. Vol. IX, 2 (2004),

    p. 29-56; NICODEMUS LOPES, Augustus. Teologia relacional: um novo deus no mercado. Ultimato(Abril 2005): p. 60-61; AQUINO, Joo Paulo Thomaz de. Jeremias 18 e o tesmo aberto: uma introduo.Disponvel em: http://www.monergismo.com/textos/presciencia/jeremias-18-teismo_thomaz.pdf. Acessoem: 22 mar. 2007. RAMOS, Ariovaldo. Teologia e lgica. Disponvel em: http://www.teologiabrasileira.com.br/materia.sap?materiaID=87. Acesso em: 22 mar. 2007; SHEDD, Russel P. Entrevista. Disponvel em:http://www.refletir.com/artman/publish/article_243.shtml. Acesso em: 21 mar. 2007; PIPER, TAYLOR eHELSETH, Tesmo aberto. H ainda dois livros sobre este assunto que sero lanados pela Editora CulturaCrist:No ters outros deuses, de John Frame, eNo sei mais em quem tenho crido , de Douglas Wilson(org.).

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    o cristianismo contemporneo, livrando os cristos da suposta esquizofreniaespiritual que os prende diariamente. Este artigo objetiva empreender estatarefa. A primeira parte analisar o desenvolvimento desse novo ensino e suas

    conexes com outras crenas defendidas por segmentos cristos ao redor domundo. Depois, o artigo caminha no sentido de tentar compreender os principaispressupostos da teologia relacional e sua relao com o tesmo aberto, poisestes certamente governaro a hermenutica dessa nova proposta doutrinria.Finalmente, ser feita uma avaliao, luz das Escrituras e da prtica crist,de alguns dos resultados dessa perspectiva relacional sobre Deus.

    1. O DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA RELACIONAL

    Uma das primeiras tarefas na anlise de um movimento, social ou religio-so, a tentativa de se compreender sua origem e evoluo. Um dos problemas

    encontrados neste sentido que o investigador pode acabar em um labirinto,dependendo do nmero de fontes usadas na reconstruo do movimento. Nocaso da Teologia Relacional, ela aparenta ser simplesmente um desenvolvi-mento lgico do arminianismo, uma vez que representa o livre-arbtrio humanolevado s ltimas conseqncias.8 Contudo, ela vai muito alm do arminianis-mo ao defender uma reinterpretao testa, limitando a oniscincia de Deuse geralmente entendendo um aspecto do ato da encarnao ocorrido com asegunda pessoa da Trindade como uma caracterstica do Deus trino. Assim, muito comum a nfase sobre o Deus que se esvaziou para relacionar-se como ser humano, sem uma clara distino de quem se submeteu a tal processo e

    sem uma explicao clara de que antes da encarnao tambm havia relacio-namento de Deus com o homem.9

    Como j foi observado, o termo Teologia Relacional comeou a serempregado no Brasil pelo pastor e escritor Ricardo Gondim Rodrigues, queprops ousadamente um credo no qual Deus

    soberanamente decidiu abrir mo de parte de sua onipotncia, quando criouseres sua imagem e semelhana. Ele se tornou fraco porque quis abrir espaopara se relacionar conosco em amor.10

    Alm do mais, Gondim ainda defendeu a possibilidade de se ler a Bblia comoutros culos alm daqueles utilizados pelo tesmo clssico, pelos fundamenta-

    8 CAMPOS, O tesmo aberto: um ensaio introdutrio, p. 33.9 Um exemplo claro neste sentido pode ser encontrado no artigo do pastor batista Ed Ren Kivitz.

    Cf. KIVITZ, Ed Ren. O Deus esvaziado: baseado na parbola dos filhos perdidos. Disponvel em:http://outraespiritualidade.blogspot.com/2007/04/o-deus-esvasiado.html.Acesso em: 22 abr. 2007.

    10 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. Proposta de um credo. Ultimato (Nov.-Dez. 2004), p. 40-41.

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    listas ou pelos defensores de um sistema fechado de interpretao. A propostavisava a leitura da Bblia da mesma forma que faziam outros segmentos cristosao redor do mundo, os quais, segundo ele, eram constitudos por pensadores

    e telogos (que) procuram afastar-se do Deus-potncia concebido nos para-digmas medievais, para o Deus-relacional e afetuoso que Jesus de Nazarrevelou aos homens.11 Alm do mais, Gondim insistiu que

    s possvel pensar em verdadeira relacionalidade se, em sua Graa, Deus con-ceder aos seres humanos liberdade real para cooperarem ou contrariarem a suavontade para suas vidas. Numa Teologia Relacional, Deus ama numa interaoverdadeira com os seus filhos (give and take relationship).12

    Com estes e outros artigos, algumas vezes publicados em revistas evanglicasou somente postados no seu site pessoal, Gondim divulga algumas idias sobre

    Deus que divergem daquelas defendidas pelo tesmo clssico. A esses novosconceitos ele, juntamente com um membro de sua igreja, chamou de TeologiaRelacional.13

    A princpio, as idias de Gondim pareciam limitadas aos seus escritos ediscursos. Curiosamente, porm, noes semelhantes comearam a aparecerem outros setores, defendidas por lderes de diferentes segmentos evangli-cos. Brulia Ribeiro, missionria da JOCUM e tambm articulista da revista Ultimato, esboou sua preferncia pela limitao de Deus para relacionar-se com seres humanos livres, mostrando-se disposta a aceitar, inclusive, umaredefinio da oniscincia. Segundo ela, se verdadeiro livre-arbtrio implica

    em uma definio diferente para a oniscincia no me importa.14 Outro autorque tem expressado idias semelhantes o batista Darci Dusilek, o qual afirma:Aquele que pensa que o destino de cada homem j est fixo e determinado deantemo se mostra estranhamente insensvel ao clamor do corao e ao ritmodo pulso no Novo Testamento.15

    Mais recentemente, Ed Ren Kivitz tem expressado sua proposta de umareflexo teolgica feita de baixo para cima, na qual deve ser deixado de

    11 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. A histria ainda no est pronta. Disponvel em: www.

    ricardogondim.com.br/Artigos. Acesso em: 04 maio 2004. No se pode afirmar, por certo, que as palavrasde Gondim sejam uma referncia aos telogos do Open Theism [Tesmo Aberto], mas interessantenotar que esta era a mesma proposta defendida por tais acadmicos naquela ocasio. Cf. PINNOCK,Clark H. There is room for us: a reply to Bruce Ware.Journal of the Evangelical Theological Society.Vol. 45 (Junho 2002), p. 215.

    12 GONDIM RODRIGUES, Espiritualidade crist e uma teologia relacional.13 GONDIM RODRIGUES, Teologia relacional que bicho esse?14 RIBEIRO, Brulia. Cada teologia tem a sociedade que merece: uma anlise de Matrix Reloaded

    e Minority Report. Ultimato (Set.-Out. 2003), p. 56.15 DUSILEK, O que Deus sabe sobre o meu futuro? , p. 38.

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    lado aquilo que Deus em termos de sua perfeita natureza eterna, e focar suaateno [a do telogo] na maneira como Deus escolheu revelar e se relacionarcom as pessoas na histria. Neste caso, os olhos do telogo devem deixar

    de lado a viso ideal e abstrata da filosofia, e se voltar para Jesus Cristo, suasaes e palavras, que revelam o Pai.16 Alis, em seupostsobre teodicia,Kivitz prope que a soluo do problema do mal se encontra no fato de semudar o paradigma do pensamento que o criou. Segundo ele:

    Na verdade, Deus no tinha escolha. Ao criar o ser humano sua imageme semelhana, deveria cri-lo livre. Desejando um relacionamento com o serhumano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamenteao seu amor, sob pena de ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzelacontrariada. Somente o amor resolveria esta equao, pois somente o amor dliberdade para que o outro seja livre, inclusive para rejeitar o amor que se lhe

    quer dar.17

    No final dopostKivitz argumenta que por esta razo Deus se dimi-nuiu, esvazia-se de sua onipotncia, abre mo de se relacionar em termos deonipotncia-obedincia, e se relaciona com a humanidade com base no amor.Nota-se, assim, um linguajar e conceitos defendidos por Kivitz muito parecidoscom aquilo que Gondim denomina teologia relacional.

    H que se reconhecer, todavia, que nem Brulia Ribeiro, nem DarciDusilek e nem Ed Ren Kivitz jamais se declararam oficialmente adeptos daTeologia Relacional. O que se pode dizer sobre eles at o presente momento que buscam expressar as implicaes lgicas do arminianismo que abraa-ram, ou seja, a doutrina da liberdade libertria.18 Alis, em seu livro sobreespiritualidade, Kivitz at defende a onipotncia de Deus diante do sofrimentohumano e a necessidade que os cristos tm de aprender com o sofrimento. 19

    Alguns anos antes da Teologia Relacional comear a ter a sua divulgaono Brasil, um movimento evanglico norte-americano conhecido como OpenTheism (Tesmo Aberto) agitava o protestantismo naquele pas, causando adiviso de uma denominao, produzindo intensas lutas internas em um semi-

    16 KIVITZ, O Deus esvaziado. Cf. As vontades de Deus. Disponvel em: http://outraespiritualidade.

    blogspot.com/2007/03/as-vontades-de-deus.html. Acesso em: 09 abr. 2007. Em seu livro Vivendo compropsito, Kivitz defende que um Deus que no se esvazia um diabo e acusa parte do tesmoclssico de ter sido influenciado pela perspectiva grega sobre Deus. Cf. Vivendo com propsito. SoPaulo: Mundo Cristo, 2003, p. 172-175.

    17 KIVITZ, Ed Ren. Teodicia. Disponvel em: http://outraespiritualidade.blogspot.com/2006_11_01_archive.html. Acesso em: 23 mar. 2007.

    18 Uma maior explicao sobre esta posio pode ser encontrada nas seguintes fontes: CAMPOS,Tesmo aberto: um ensaio introdutrio, p. 22-55, e FRAME, John M.No other God. New Jersey: P&RPublishing, 2001, p. 119-142.

    19 KIVITZ, Ed Ren. Outra espiritualidade. So Paulo: Mundo Cristo, 2006, p. 175-179.

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    nrio batista e se tornando alvo de constantes debates nas reunies daEvan-gelical Theological Society, at que os membros desta ameaaram expulsardo seu rol aqueles que defendessem tal ensinamento.20 Para alguns sempre foi

    difcil estabelecer uma conexo entre o Tesmo Aberto americano e a TeologiaRelacional brasileira. Ricardo Gondim, inclusive, rejeita veementemente estaconexo, pois segundo ele Tesmo Aberto e Teologia Relacional no so amesma coisa.21 Embora tenha prometido explicar a diferena entre as duasperspectivas, ele no o faz e apenas diz: ... eles [os que tentam estabelecer talconexo] nem sabem que este termo totalmente desconhecido l [referindo-seao contexto teolgico dos Estados Unidos].22

    Contudo, as afirmaes seguras de Gondim comeam a ruir quando seobserva que um dos principais defensores do Tesmo Aberto norte-americano,Clark H. Pinnock, declara:

    Enquanto focalizando o assunto da oniscincia divina, no percamos de vistao fato de que nossa perspectiva nesse assunto apenas uma faceta (e no amais importante) de um modelo relacional mais amplo [grifo nosso], ou seja,o relacionamento divino-humano.23

    Em outra ocasio, Clark Pinnock afirmou: A verso do tesmo relacionalchamada tesmo aberto uma teologia em busca de um Deus pessoa, quese encontra dinamicamente conectado ao mundo.24 Assim, Tesmo Abertoe Teologia Relacional esto, na concepo de Pinnock, intimamente conec-tados, pois o primeiro apenas uma verso do segundo. Pode-se at afirmar

    que os neotestas norte-americanos no fazem uso comum do termo TeologiaRelacional em seus escritos, mas no se pode assegurar que o conceito sejatotalmente desconhecido para eles.25

    Alm do mais, Gondim parece ter se esquecido de que, mais recentemente,em uma correspondncia eletrnica ao ilustrador Paulo Roberto Purim (que

    20 Um resumo dos efeitos do Tesmo Aberto no evangelicalismo norte-americano pode ser encon-trado no prefcio de John Piper edio original de seu livro sobre o assunto. Cf. PIPER, TAYLOR eHELSETH, Tesmo aberto, p. 11-14.

    21

    GONDIM RODRIGUES, Teologia relacional que bicho esse?22 Ibid.23 PINNOCK, There is room for us, p. 214.24 PINNOCK, Clark H. Relational theology among evangelicals. Palestra proferida AAR em

    22.11.2004. Disponvel em: www.ctr4process.org/affiliations/ort/ORTPinnock.pdf. Acesso em: 02 maio2007; Cf. PINNOCK, Clark H. God and the open view. Catalyst online: Contemporary evangelical forUnited Methodist seminarians. Disponvel em: http://catalistresources.org/issues/292pinnock.html.Acesso em: 19 fev. 2003.

    25 Cf. SPONHEIM, Paul R. Speaking of God: relational theology. St. Louis: Chalice Press, 2006;Faith and the other: a relational theology. Minneapolis: Fortress Press, 1993.

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    usa o nome de Paulo Brabo), postada em seu site pessoal, ele mesmo admitiu aproximidade das duas perspectivas teolgicas, embora rejeitando a intensidadedo debate teolgico praticado pelos americanos.26 O prprio Paulo Brabo com-

    preendeu a conexo entre os dois ensinos e em um de seus artigos admite quese trata de duas verses de uma mesma teologia.27 Por um determinado tempotambm se veiculou na internet um site sobre Calvinismo vs. Arminianismo,em que artigos de Gondim e Gregory Boyd, um dos principais representantesdo Tesmo Aberto norte-americano, dominavam o espao reservado aos ar-minianos. O problema que os artigos de Boyd, traduzidos por Paulo CsarAntunes, eram divulgaes de seus postulados do Tesmo Aberto.28 Ainda intrigante observar que um dos principais ensastas do livro Trinity in Process:A Relational Theology of God,29 publicado em 1993, o mesmo Boyd. Final-mente, os conceitos defendidos pela Teologia Relacional e o Tesmo Aberto

    parecem estar to prximos que a Editora Cultura Crist est prestes a lanarum livro onde os termos so intercambiveis.30 Assim, o difcil hoje em dia jno mais estabelecer a conexo, mas neg-la.

    A verdade que movimentos sociais e teolgicos nunca so estanques,mas sempre dinmicos e apresentam variaes em contextos diferentes. To-davia, ao se examinar o contedo e as propostas bsicas desses movimentosnota-se que a diferena no to grande como muitos gostariam de acreditar. Oprprio Gondim havia diagnosticado, h alguns anos, esse perigo com relaoao protestantismo brasileiro. Segundo ele

    26 Cf. Eu e um punhado de amigos mais ntimos vimos trabalhando com alguns desses conceitos.Inicialmente nos encantamos com a coragem dos poucos telogos e filsofos dispostos a levar seus

    pressupostos sobre graa, determinismo histrico, acaso e liberdade humana at as ltimas conseqn-cias. Mas, lendo sua carta, tenho que dar a mo palmatria, esse pessoal do Tesmo Aberto tambmarticula com premissas bem fundamentalistas; eles acabam transformando o debate sobre o tempo, ahistria e, principalmente, o relacionamento de Deus com seus filhos, num bang-bang teolgico da

    pior espcie - tipo, eu tenho mais versculos do que voc, e assim posso ganhar a briga. GONDIMRODRIGUES, Ricardo. Disponvel em: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=92&sg=0&form_search=&pg=1&id=12700. Acesso em: 22 mar. 2007.

    27 Se um leigo consegue observar esta conexo, porque seria to difcil para um telogo admiti-la? Cf. BRABO, Paulo. O destino eterno de Deus: com quem Deus vai ficar no final? Disponvel em:www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=69&sg=0&id=1284. Acesso em: 25 abr. 2007.

    Anteriormente disponvel na pgina de internet do autor, esse artigo aparece agora no site pessoal deGondim.

    28 Desde que o site foi retirado do ar o autor possui apenas as cpias do material feitas na ocasio.Todavia, as idias de Gregory Boyd podem ser encontradas em seus livros. BOYD, Gregory A. Godof the possible: an introduction of the Open View of God. Grand Rapids: Baker, 2004; Satan and the

    problem of evil: constructing a warfare theodicy. Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 2001; e God atwar: the Bible and spiritual conflict. Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1997.

    29 BRACKEN, Joseph e SUCHOCKI, Marjorie Hewitt (orgs.). Trinity in process: a relationaltheology. New York: Continuum, 1997.

    30 Cf. WILSON, Douglas (org.).Bound only once. Moscow, Idaho: Canon Press, 2001.

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    a igreja evanglica brasileira mostra-se muito vulnervel a falsas doutrinas...Faltam s igrejas referenciais histricos que as ajudem a permanecer no cursoprincipal do cristianismo... A teologia brasileira sofre influncias dos norte-americanos.31

    Dessa forma, pode-se concluir que o surgimento da Teologia Relacionalaponta para a articulao de uma verso brasileira do Tesmo Aberto norte-americano.

    Finalmente, h que se notar que por determinado tempo os proponentes doTesmo Aberto, nos Estados Unidos, ou os adeptos da Teologia Relacional, noBrasil, procuraram reduzir as discusses relacionadas ao tema apresentando-ascomo meras diferenas existentes entre o calvinismo e o arminianismo.32 Nestesentido, os calvinistas foram retratados como aqueles que possuem uma visoda soberania de Deus que o coloca fora do tempo e do espao, tornando-o

    autoritrio, impassvel (sem sentimentos) e distante.33 Um Deus assim maisse parece com um demnio do que com o Deus de amor retratado na Bblia. 34Todavia, os conceitos sobre Deus defendidos tanto pelo Tesmo Aberto quan-to pela Teologia Relacional so refutados at mesmo por representantes doarminianismo clssico.

    O arminianismo clssico nunca negou a oniscincia divina. O prprioJac Armnio, o fundador do movimento, ensinava:

    O quarto decreto, salvar certas pessoas em particular e condenar outras, baseia-se na prescincia de Deus. Por ela Deus sabe desde a eternidade quais pessoas

    deveriam acreditar de acordo com administrao dos meios que serviro aoarrependimento e f por meio da graa precedente e quais deveriam perse-verar por meio da graa subseqente e tambm quais no deveriam nem crernem perseverar.35

    Semelhantemente, Robert E. Picirilli, um acadmico arminiano, responde auma obra de John Sanders (um defensor do Tesmo Aberto) com a seguinteconcluso:

    31 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. O evangelho da nova era. So Paulo: Abba Press, 1993,p. 9.

    32 Gregory A. Boyd um dos que mais insistem nesta tese. Cf. BOYD, Gregory A. The God whorisks. Grand Rapids: Baker, 2000, p. 15-17, 114-118.

    33 Esses conceitos so continuamente atacados no artigo de Paulo Brabo. Cf. BRABO, O destinoeterno de Deus.

    34 KIVITZ, Vivendo com propsito, p. 172.35 Apud BANGS, Carl.Arminius: A case study in the Dutch reformation. Nashville: Abingdon,

    1971, p. 352.

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    A raiz desse erro encontrada, especificamente, na negao da oniscinciadivina, baseada em uma objeo lgica que coloca a oniscincia na contramo.Como conseqncia, temos o conceito de um Deus que, por no conhecer o futuropode estar equivocado em suas expectativas e nem sempre sabe os resultadosde suas decises e aes.36

    Assim, reduzir os debates relacionados aos pressupostos do Tesmo Aberto (ouda Teologia Relacional) ao conflito entre calvinistas/arminianos, ou limitar otesmo clssico ao calvinismo seria uma impreciso histrica e uma injustiapara com os cristos arminianos.37 Os assuntos levantados por essa teologiacontrariam no apenas os pontos fundamentais da f reformada, mas algumasdoutrinas essenciais defendidas por todos os ramos da igreja crist.

    2. OS PRESSUPOSTOS TEOLGICOS DA TEOLOGIA RELACIONAL

    Como visto no tpico anterior, as origens da Teologia Relacional encon-tram-se no evangelicalismo americano, especialmente na proposta revisionistado Tesmo Aberto. Dessa forma, de se esperar que os pressupostos das duaspropostas hermenuticas coincidam, devendo ser ressaltados apenas os pontosmais comuns nos diferentes contextos.

    Assim como ocorre com o tesmo aberto nos Estados Unidos, tambmaqui no Brasil a Teologia Relacional no defendida por um grande nmerode telogos, mas aqueles que a defendem, ou que por ela demonstram simpa-tia, so pessoas articuladas e influentes. Logo, os impactos de seus escritose pronunciamentos no meio evanglico so considerveis. Alm do mais, o

    assunto discutido por ela no perifrico, mas diz respeito ao prprio cerne daf crist. Como corretamente argumenta Heber C. Campos: Se nossas idiassobre Deus no forem corretas, ento todos os outros aspectos de nossa teolo-gia certamente estaro errados.38 H que se entender ainda que, assim comoacontece com o tesmo aberto, tambm na Teologia Relacional a teodicia a forma motora do movimento. 39 Dessa forma, ainda que a discusso tenhasido iniciada no contexto evanglico, natural esperar que ela se estenda almdos limites protestantes, pois afinal ela prope uma redefinio do prprio en-tendimento cristo clssico sobre Deus. Essa parece ter sido a compreenso

    36 PICIRILLI, Robert E. An Arminian response to John Sanders The God who risks: a theologyof providence.Jornal of the Evangelical Theological Society (Setembro 2001), p. 491.

    37 Bruce Ware corretamente afirma que precisamente aqui que a perspectiva aberta tem seseparado do arminianismo clssico, de forma mais especfica, e de todas as verses do tesmo clssicoem geral. Cf. WARE, Bruce A. Defining evangelicalisms boundaries theologically: is open theismevangelical?Journal of the Evangelical Theological Society (Junho 2002), p. 194.

    38 CAMPOS, Tesmo aberto: um ensaio introdutrio, p. 30.39 GEORGE, Timothy. What God knows. First Things. Disponvel em: www.firstthings.com/

    ftissues/ft0306/opinion/george.html. Acesso em: 06 out. 2003.

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    de D. A. Carson ao endossar o livro de Bruce Ware, pois, segundo Carson,esse novo ensino redefine o Deus da Bblia e da teologia de tal forma queao final teremos um Deus totalmente diferente.40 Tudo isto j representaria

    uma srie suficiente de razes para preocupar tambm os representantes doprotestantismo brasileiro.

    Um aspecto importante a ser observado nos escritos dos proponentes daTeologia Relacional o fato de que, na maioria das vezes, suas argumentaesrevelam um interesse mais acentuado napersuaso do leitor do que na clarezados conceitos defendidos. Algumas palavras at parecem ser propositadamenteempregadas de modo a dificultar ao leitor a neutralidade necessria para umaanlise abalizada. Por exemplo, Gondim defende que quando se discute sobrea relacionalidade de Deus precisamos vencer nossosparadigmas antigos [grifonosso].41 Em outro artigo ele afirma:

    simplesmente responder a essas questes [o problema do sofrimento] afirmandoque tudo estava previsto na providncia eterna, ou que por causa do pecadode Ado, soa como umafuga simplista e desonesta [grifo nosso].42

    Finalmente, ao escrever sobre a espiritualidade crist e a teologia relacionalele assevera:

    Na Teologia Clssica aprendemos queDeus esconde uma agenda secreta [grifonosso], induzindo-nos a crer que agimos com liberdade, quando apenas cumpri-mos um outro plano ainda no revelado e que acontece na eternidade.43

    Por conseqncia, qualquer pessoa que no concordar com o articulista par-tilha de uma perspectiva arcaica, desonesta ou fechada sobre Deus. Seme-lhantemente, Gregory Boyd chama aqueles que discordam de sua doutrina decompartimentalistas, fundamentalistas, calvinistas, etc.44 Essa prtica derotular pessoas a fim de desviar o enfoque dos debates era uma caractersticacomum dos sofistas gregos, mas que nunca contribui para a elucidao de umassunto teolgico.

    Resumir os pressupostos de uma teologia uma tarefa mais difcil do quese imagina. Augustus Nicodemus Lopes tentou sintetizar os pontos principais

    40 CARSON, D. A. Endosso. In WARE, Bruce A. Gods lesser glory. Wheaton: Crossway Books,2000.

    41 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. A teologia relacional e a oniscincia divina. Disponvel em:www.ricardogondim.com.br/Artigos. Acesso em: 01 out. 2003.

    42 GONDIM RODRIGUES, A histria no est pronta.43 GONDIM RODRIGUES, Espiritualidade crist e uma teologia relacional. Este artigo tambm

    foi publicado na revista Ultimato.44 BOYD, God of the possible, p. 113-156.

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    da Teologia Relacional45 e foi, mais tarde, duramente criticado e acusado desuperficialidade.46 Todavia, o que Lopes fez em sua anlise foi apenas ampliara definio oferecida por Richard Rice, um representante do tesmo aberto,

    quando este apresentou o suposto respaldo bblico do seu ensino.47

    SegundoRice, o fato de Deus ser amor implica que sua relao com o mundo din-mica ao invs de esttica... Deus interage com suas criaturas. Ele no apenasas influencia, mas elas tambm exercem uma influncia sobre ele.48 Dessaforma, o conhecimento que Deus possui de suas criaturas tambm dinmico,ou seja, ele passa a conhecer os eventos na medida em que eles acontecem.Ele aprende algo medida que o fato realizado.49 Nessa perspectiva, ento,o que se encontra aberto o futuro e no Deus, pois Deus apenas limitou-sea fim de se relacionar com suas criaturas verdadeiramente livres. Mutatismutandis, essa a mesma nfase da Teologia Relacional apresentada no Brasil.O problema maior que este argumento torna Deus preso ao tempo, pois eleaprende medida que o futuro concretizado no presente.

    Devido complexidade e variedade de assuntos envolvidos em umaanlise da Teologia Relacional, talvez a melhor maneira de reunir alguns deseus elementos abstratos e fundi-los em uma sntese seria abordar o que pa-rece ser o cerne da mesma, a partir de cinco pressupostos principais (semprecorrendo o risco de ser acusado de superficialidade). Neste sentido, h que seconsiderar que no existe qualquer presuno de ser exaustivo, principalmenteem se tratando de um ensino em estado de contnuo desenvolvimento.

    A primeira premissa da Teologia Relacional parece ser sua nfase naliberdade humana em detrimento da onipotncia divina. Para seus defensores,

    Deus concedeu plena liberdade aos seres humanos a fim de que eles realmentepossam ser considerados seres morais e responsveis. Ao escrever sobre o Deusesvaziado (uma das poucas vezes em que a segunda pessoa distinguida dasdemais pessoas da Trindade), Kivitz afirma:

    O Deus esvaziado no mantm relacionamentos fora, mediante manifesta-es do seu poder e imposio de sua autoridade soberana. O Deus esvaziadod um passo atrs, para que voc possa exercer sua liberdade de existir comEle ou contra Ele.50

    45

    NICODEMUS LOPES, Teologia relacional: um novo deus no mercado, p. 60-61. SegundoLopes, a Teologia Relacional pode ser sintetizada nos seguintes elementos: (1) o atributo mais importantede Deus o amor, (2) Deus no soberano, (3) Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo e no foradele, (4) Deus se arrisca, (5) Deus vulnervel e (6) Deus muda.

    46 GONDIM RODRIGUES, Teologia relacional que bicho esse?47 Cf. RICE, Richard. Biblical support for a new perspective. Em: PINNOCK e outros, The openness

    of God, p. 11-58.48 Ibid., p. 15.49 Ibid., p. 16.50 KIVITZ, O Deus esvaziado.

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    Em outra ocasio o mesmo autor alega: Deus no age como tirano e no forao seu poder em cima de suas criaturas sob pena de esmag-las, tirando-lhestodo o espao da liberdade de que precisam para existir.51 Tambm, em sua

    tentativa de chegar a uma teodicia satisfatria Kivitz ainda diz:

    entre a onipotncia e a bondade de Deus existe a liberdade do homem e o com-promisso de Deus em respeitar esta liberdade... por esta razo Deus se diminui,esvazia-se de sua onipotncia, abre mo de se relacionar em termos de onipo-tncia-obedincia, e se relaciona com a humanidade com base no amor.52

    A princpio, essas afirmaes poderiam ser encontradas em qualquer obraarminiana que interpreta a regenerao como uma mudana da vontade e noda natureza humana. Contudo, esses conceitos tornam-se mais claros aps seobservar que, segundo Gondim, eles formam a base da Teologia Relacional,

    pois s possvel pensar em verdadeira relacionalidade se, em sua graa, Deusconceder aos seres humanos liberdade real para cooperarem ou contrariarema sua vontade para suas vidas.53

    Semelhante nfase sobre a liberdade humana pode ser encontrada na versonorte-americana da Teologia Relacional, ou seja, no Tesmo Aberto. Ali, RichardRice ensina que Deus controla muitas coisas que acontecem na natureza, masnaquilo que pressupe a deciso humana... ele no pode atingir os seus objetivosunilateralmente. Ele precisa de nossa cooperao.54 Segundo esta perspectiva, asescolhas humanas no so predeterminadas por Deus. Para os defensores desseensino, os homens s podem ser responsabilizados pelos seus atos se eles forem

    realmente livres. Clark H. Pinnock, foi um dos primeiros a defender queSe Deus no tivesse nos concedido liberdade significativa, inclusive a liberdadede desapont-lo, no seramos criaturas capazes de entrar em um relacionamentoamoroso com ele. Amor, antes que liberdade, o assunto central. A liberdade foiconcedida para tornar o relacionamento amoroso possvel... A histria bblicapressupe o que chamamos liberdade libertria. Isto bvio pelas formas comoDeus nos convida a am-lo e pela maneira como ele nos mantm responsveispelo que decidimos.55

    Dessa forma, sem a liberdade o homem no pode ser considerado res-ponsvel pelos seus atos e nenhum relacionamento de amor possvel entre

    Deus e esses seres morais.

    51 KIVITZ, Vivendo com propsito, p. 172.52 KIVITZ, Teodicia.53 GONDIM RODRIGUES, Espiritualidade crist e uma teologia relacional.54 RICE,Biblical support for a new perspective, p. 121.55 PINNOCK, Clark H. Most moved Mover: A theology of Gods openness. Grand Rapids: Baker,

    2001, p. 45.

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    Contudo, o que os proponentes da Teologia Relacional (ou Tesmo Aberto)deixam de perceber que o Deus do tesmo clssico no apresentado como umser arbitrrio, mas amoroso e que dinamicamente muda a natureza do corao

    do homem (regenerao) pela ao do Esprito Santo. Uma vez transformadaesta natureza, a vontade humana livremente se inclina a amar a Deus, pois avontade serva da natureza e no vice-versa.56 Contudo, certo que Deus noopera tal mudana em todos, pois o prprio Jesus afirmou que muitos sochamados, mas poucos, escolhidos (Mt 20.26; 22.14).

    A segunda pressuposio doutrinria defendida pela Teologia Relacio-nal que a concepo do tesmo clssico sobre Deus foi corrompida pelainfluncia do neoplatonismo agostiniano e o verdadeiro conceito bblico

    de Deus precisa ser resgatado. Esta insistncia geralmente elaborada daseguinte forma:

    A teologia crist iniciou seu labor sistemtico e filosfico sobre a liberdade comSanto Agostinho. Egresso da escola neo-platnica e dos pensamentos do filsofogrego Plotino, sabe-se que Santo Agostinho importou inmeros conceitos dessasduas escolas filosficas.57

    O articulista ainda continua dizendo que os reformadores retomaram o discur-so de Agostinho e por isto o protestantismo tornou-se caracterizado por umdeterminismo teolgico que no reflete o pensamento bblico e essa a razode tanta incoerncia na prtica religiosa e na espiritualidade pessoal contem-pornea. Mais adiante Gondim assevera:

    A teologia agostiniana, influenciada enormemente pelo neo-platonismo, sconcebe Deus segundo os paradigmas gregos. Os conceitos de onipotncia eoniscincia so definidos, no pelo relato das Escrituras, mas pela mitologiahelnica.58

    Em sua defesa da teologia relacional, Paulo Brabo parece assimilar a idiade que o conceito testa foi fruto de uma assimilao sacrlega de conceitosimportados da filosofia grega.59 A mesma tese defendida por John Sanders,

    56 Cf. Joo 3.8. MURRAY, John.Redemption accomplished and applied. Grand Rapids: Eerdmans,1955, p. 95-105.

    57 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. A liberdade. Disponvel em: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&form_search=A%20liberdade&pg=2&id=1051. Acessoem: 23 abr. 2007. O autor parece no estar ciente de que foi Plotino quem criou a escola neoplatnica,no se tratando, portanto, de duas escolas filosficas distintas.

    58 Ibid.59 BRABO, O destino eterno de Deus.

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    defensor do Tesmo Aberto.60 Conseqentemente, o culpado pelo tesmo cls-sico teria sido Agostinho de Hipona, que corrompeu o conceito de Deus nocristianismo mediante a aceitao da influncia grega.

    No h razo para se negar a influncia neoplatnica sobre a vida e a con-verso de Agostinho e, mais tarde, at sobre sua teologia, pois esta influnciaparece ter sido at benfica em sua luta contra os maniquestas, especialmentena obteno de um conceito da divindade em termos menos materialistas doque eles propunham.61 Contudo, no se pode omitir o fato de que ao longo desua vida, como telogo, Agostinho buscou distanciar-se cada vez mais do neo-platonismo em prol de uma compreenso mais bblica da realidade.62 MesmoWilliam Hasker, proponente do Tesmo Aberto, afirma:

    No desejo criar a impresso de que penso que o fato de os pais antigos utilizaremfontes da filosofia grega em sua formulao da concepo crist de Deus foi umerro completo. Pelo contrrio, eu considero o uso da filosofia naquele sentidocomo uma manifestao da providncia divina, permitindo igreja atingir umprogresso no pensamento claro e rigoroso sobre Deus.63

    Os defensores do tesmo aberto e da Teologia Relacional parecem to segurosde seus argumentos histricos que se esquecem de alguns aspectos cruciaisacerca desse assunto.

    Primeiro, a alegao de que o cristianismo tradicional foi contaminadopela filosofia grega no nova, mas ela foi especialmente enfatizada pelosrevisionistas do liberalismo teolgico como, por exemplo, Adolf von Harnack

    e alguns representantes da neo-ortodoxia.64 Em segundo lugar, para justificaruma acusao como esta no basta demonstrar alguns paralelos, mas deve-semostrar fatos que comprovem que a suposta relao de fato ocorre.65 Em terceirolugar, os revisionistas hermenuticos histricos do tesmo aberto e da Teologia

    60 Cf. SANDERS, John. Historical considerations. Em: PINNOCK e outros. The openness of God,p. 80-91. Segundo Sanders, as noes neoplatonistas de Deus com uma fora criativa, ao invs daqueleque formou o mundo, da realidade ltima e imutvel, da busca da verdade atravs de um retorno snossas almas e da perspectiva do mal como a ausncia do bem (relacionados mutabilidade e finitude),tudo isto competiu com a sensibilidade bblica de Agostinho e dominou o seu pensamento, p. 80.

    61

    GONZLEZ, Justo L. The history of Christianity. New York: HarperSanFrancisco, 1995, vol. 1,p. 211.62 Ibid., p. 212.63 HASKER, William. A philosophical perspective. Em: PINNOCK e outros, The openness of

    God, p. 194, nota 1.64 Cf. HARNACK, Adolf von. Outlines of the history of the dogma. New York: Star King, 1957, p.

    152-153; HORTON, Michael S. Hellenistic of Hebrew? Open theism and Reformed theological method.Journal of the Evangelical Theological Society 45 (2002), p. 318.

    65 NASH, Ronald H. The concept of God: An exploration of contemporary difficulties with theattributes of God. Grand Rapids: Zondervan, 1983, p. 30.

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    Relacional se esquecem de que os tradicionalistas criticam o tesmo clssicoh sculos, tentando evitar qualquer trao de helenizao em sua interpreta-o teolgica.66 Em quarto lugar, aqueles que acusam o tesmo clssico de ser

    influenciado pela filosofia neoplatnica quase sempre se esquecem de suasprprias influncias filosficas na elaborao de tais argumentos.

    H que se observar ainda que, quando os defensores da Teologia Relacionalargumentam que o conceito do tesmo clssico uma assimilao da mitologiagrega eles parecem desconhecer a diferena entre o entendimento filosfico dadivindade e aquele que era popularmente celebrado na mitologia. Nesta, a divin-dade no descrita como um ser perfeito, mas os deuses gregos no passavamde seres humanos divinizados, com as mesmas fraquezas, tentaes e luxrias.Para os filsofos gregos, porm, a divindade suprema era o uno, a perfeio, arealidade ltima e que em nada se comparava s paixes animalescas dos deuses

    folclricos da mitologia. Ainda intrigante observar que aqueles que acusamo tesmo clssico de ter sido corrompido pela filosofia quase no recorrem sEscrituras para apresentar uma perspectiva bblica sobre Deus, mas voltam-separa os filsofos, especialmente aqueles cujo comprometimento com as Es-crituras questionvel. Por exemplo, William Hasker afirma que um nmeroexpressivo de filsofos hoje defende uma perspectiva mais aberta sobre Deus,mas o grupo citado por ele inclui pessoas sem compromisso com o cristianismobblico.67 Semelhantemente, Kivitz defende seu argumento sobre um Deus quese limita citando Andr Comte-Sponville (um ateu confesso).68 Gondim parecegostar tanto desta citao que a repete em outro artigo, alm de apelar tambm

    para a ajuda de Simone Weil e do telogo liberal John Hick.69

    As bases bblicaspara esses argumentos so raras e praticamente inexistentes.O terceiro aspecto bsico da Teologia Relacional o entendimento de

    que a nfase na imutabilidade de Deus o torna um Ser insensvel e impassveldiante dos sofrimentos humanos. O ensino de que Deus um ser imutveltambm o torna aptico ao sofrimento humano. O problema agrava-se com ofato de a Bblia apresentar Deus como sendo amor, pois a afirmao de quefoi por esta razo que ele mandou seu Filho para redimir os que nele crem radicalmente oposta a qualquer conceito da impassibilidade divina, segundoessa teologia. Clark H. Pinnock argumenta:

    66 BAND,Defeitos genticos, p. 57; Cf. KELLY, J. N. D.Doutrinas centrais da f crist: origeme desenvolvimento. So Paulo: Vida Nova, 1994.

    67 Cf. HASKER,A philosophical perspective, p. 194, nota 3.68 KIVITZ, Vivendo com propsito, p. 172. Na descrio de sua teodicia Kivitz ainda usa Leonardo

    Boff.69 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. Deus soberano. Disponvel em: http://www.ricardogondim.

    com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&form_search=Deus%20%20soberano&pg=1&id=1048.Acesso em: 4 maio 2007.

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    Impassibilidade o mais dbio dos atributos divinos discutidos no tesmoclssico, porque ele sugere a idia de que Deus no experimenta tristeza, sofri-mento ou dor. Ele parece negar que Deus atingido pelo sentimento de nossasenfermidades, a despeito do que a Bblia eloquentemente afirma sobre o seuamor e sua tristeza. Como pode Deus amar e no ser atingido pelo mal? Comopode Deus ser impassvel quando o Filho encarnado experimentou sofrimentoe morte?70

    Parece ser ainda neste sentido que Gondim corretamente insiste que aperspectiva bblica sobre Deus no a de um ser impassvel, mas de um serque expressa os seus sentimentos, ou seja, ele lamenta (Ez 6.9), ele se alegra(Sf 3.7), ele sente cimes (Sl 78.58) e ele tem prazer em mostrar o seu amor(Mq 7.18).71 Contudo, a explicao de Gondim para estas manifestaes dosentimento divino que ele preferiu limitar sua soberania e abrir mo de sua

    imutabilidade para relacionar-se com suas criaturas.Neste ponto h que se concordar que ao longo da histria crist muitos de-

    finiram a Deus como um ser impassvel.72 Os prprios telogos da Confisso deF de Westminsterprocuraram defini-lo como um esprito purssimo, invisvel,sem corpo, membros ou paixes; imutvel, imenso, eterno, incompreensvel,onipotente, onisciente, santssimo, completamente livre e absoluto...73 Estaafirmao tem sido um entrave para muitos que tentam harmonizar esse ensinocom as informaes bblicas. Como resposta, alguns preferem defender que asexpresses bblicas sobre as reaes emocionais divinas so antropopatismos,ou seja, expresses que atribuem sentimentos humanos a Deus. Embora esta

    argumentao no esteja errada e parea fazer justia inteno dos telogosde Westminster (pois no contexto Deus apresentado como esprito, sem cor-po e sem paixes), ela ainda no satisfatria para muitos. A polmica a serlevantada : se Deus de fato for impassvel, ou seja, no sentir paixes, comopode se relacionar com os seus filhos e que conforto esses redimidos poderiamter em sua vida diria se este relacionamento se baseasse apenas numa figurade linguagem antropoptica?

    Ainda que o assunto exija mais ateno do que o espao permitido nesteartigo, algumas coisas precisam ser esclarecidas a este respeito. Em primeirolugar, h que se entender que o termo impassibilidade uma expresso ne-

    70 PINNOCK, Clark H. Sistematic theology. Em: PINNOCK e outros, The openness of God,p. 118.

    71 GONDIM RODRIGUES, Deus soberano.72 Cf. KOONS, Robert C. Dual agency: a Thomistic account of providence and human freedom.

    Disponvel em: http://www.utexas.edu/cola/depts/philosophy/faculty/koons/dualagency.pdf. Acesso em:4 maio 2007.

    73 Confisso de F de Westminster. So Paulo: Cultura Crist, 1991, II.i.

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    gativa e diz respeito ao fato de Deus no poder experimentar dor, sofrimentoou prazer causado a ele por outro ser. Impassibilidade significa que Deus no sujeito s aes de suas criaturas a menos que ele assim o queira. Contudo,

    impassibilidade no significa que Deus no ama, pois o amor algo que emanadele e por ele praticado, pois Deus amor. Como corretamente afirma J. I.Packer, impassibilidade no significa insensibilidade (um freqente mal en-tendido)... quando Deus entra em um relacionamento de dor e sofrimento, issoocorre por sua prpria deciso, pois ele nunca uma vtima de sua criatura.74Alm do mais, impassibilidade nunca foi sinnimo de insensibilidade, assimcomo imutabilidade no equivale a inrcia. Os telogos relacionais parecemno querer ter o trabalho de entender algumas verdades confessadas peloscristos do passado e se alegram em obscurecer o entendimento dos santosdo presente.

    Outro ponto importante a ser observado neste sentido de natureza lin-gstica, pois, pelo menos na Bblia, paixo no equivale a amor. O livro deProvrbios, por exemplo, descreve a paixo como um sentimento de inquietudee impacincia, que geralmente leva destruio (cf. Pv 7.11 e 9.13), ao passoque o amor edifica (Pv 20.28 e 1Co 13). Na verdade, esta parece ter sido acompreenso de Jonathan Edwards, que fez a seguinte distino:

    Afeies e paixes so geralmente descritas como sinnimas; contudo, nasconversaes mais comuns, h certa diferena entre ambas. Afeio umapalavra que, em seu significado ordinrio, parece ser algo mais abrangente doque paixo, sendo aplicada a todos os atos vvidos e vigorosos da vontade ou

    da inclinao. Mas paixo usada para aquelas emoes mais fugazes e cujosafetos no esprito animal so mais violentos e sobre os quais a mente possuimenos comando.75

    Na verdade, um momento de reflexo suficiente para convencer as pessoasde que se Deus for sujeito aos mesmos sentimentos que os seres humanos,sua imutabilidade fica seriamente comprometida e o conforto dos cristos,ameaado.

    Em nenhum momento o tesmo clssico, nem mesmo aquele defendidopelos telogos de Westminster, pretendeu descrever Deus como um ser in-

    sensvel e distanciado de sua criao. Assim como as Escrituras afirmam, ocristianismo entende que Deus possui emoes reais, sejam estas expressesdo seu amor ou da sua ira. Quando se fala da impassibilidade de Deus, o que

    74 PACKER, J. I. God. Em: FERGUSON, Sinclair; WRIGHT, David (orgs.).New dictionary oftheology. Downers Grove: InterVarsity, 1998, p. 277.

    75 EDWARDS, Jonathan. Treatise concerning the religious affections. Edinburgh: Banner of Truth,1961, p. 26-27.

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    se pretende distinguir entre as emoes divinas e as humanas. As emoeshumanas so, muitas vezes, causadas pela ignorncia, distncia, medo e fra-queza. Logo, essas emoes esto em constantes mutaes. Deus possui uma

    vida emocional (ele ama, julga, exerce misericrdia, etc.), mas suas emoesno so espasmdicas como as de suas criaturas.

    Em quarto lugar, h a assertiva de que o relacionamento de Deus comos homens determinado por seu amor e no por sua soberania. Segundoesse conceito, a soberania de Deus impossibilita a verdadeira liberdade, o quenunca ocorreria em um relacionamento real. Logo, Paulo Brabo prope quea soberania seja redefinida como uma superviso geral de Deus sobre umahistria que ainda no est pronta.76 Neste mesmo sentido Clark H. Pinnockilustra como essa nova cosmoviso determinante para uma vida crist sau-dvel, segundo o seu ponto de vista. Em suas palavras:

    Podemos pensar em Deus primariamente como um monarca indiferente, distantedas contingncias do mundo, imutvel em cada aspecto do seu ser, como umpoder irresistvel e que determina todas as coisas, ciente de todas as coisas queiro acontecer e que jamais se arrisca. Ou podemos compreender Deus comoum pai cuidadoso com qualidades de amor e responsividade, generosidade esensibilidade, abertura e vulnerabilidade, uma pessoa (ao invs de um princpiometafsico) que experimenta o mundo, responde ao que acontece, se relacionae interage dinamicamente com os seres humanos.77

    Semelhantemente Gondim comenta:

    Numa espiritualidade relacional, tanto ns respondemos s iniciativas de Deuscomo Deus responde s nossas iniciativas. Numa teologia relacional, Deus correriscos nesse relacionamento com os seres humanos, embora seja infinitamentecompetente e sbio para alcanar seus objetivos eternos, redesenhando a histriae ele mesmo se adequando s nossas decises quando o frustramos.78

    Em outro artigo Gondim insiste:

    Dessa forma deve-se compreender que a soberania de Deus, conforme defendidapor alguns cristos, especialmente os calvinistas, anula a liberdade humana eimpede o relacionamento do homem com Deus com base em seu amor.79

    76 BRABO, O destino eterno de Deus.77 PINNOCK, Clark H. Systematic theology. Em: PINNOCK e outros. The openness of God: a

    biblical challenge to the traditional understanding of God. Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1994,p. 103.

    78 GONDIM RODRIGUES, Espiritualidade crist e uma teologia relacional.79 GONDIM RODRIGUES, A liberdade.

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    Com isto, entende-se que no mago desse ensino existe a convico de queos seres humanos (e at os anjos) s podem ser moralmente responsveis sepossurem autodeterminao definitiva, o que exclui a soberania divina e s

    possvel pelo exerccio do amor de Deus.O que tais telogos parecem esquecer que a descrio que a Bblia faz

    do amor de Deus , em si mesma, soberana, pois ele amou segundo o conselhode sua vontade (cf. Ef 1.11, Jr 31.3). Tambm, sua escolha amorosa soberana(Jo 15.16). Alm do mais, Paulo diz que ele tem misericrdia de quem quer etambm endurece a quem lhe apraz (Rm 9.18). Ainda que haja dificuldadesnestes textos, os mesmos no devem ser meramente ignorados ou desprezadosem prol daquilo que gostaramos de crer acerca de Deus.

    Finalmente, a Teologia Relacional insiste na pressuposio de que ofuturo est aberto para ser construdo por Deus e os seres humanos em um

    relacionamento dentro do tempo. Este, talvez, seja o ponto de maior polmicaem relao aos telogos relacionais, pois eles defendem que Deus s pode co-nhecer aquilo que existe e uma vez que ele concedeu liberdade ao ser humanopara construir o futuro, o mesmo inexistente e Deus no pode conhec-lo.Certamente neste contexto que a afirmao de Gondim faz mais sentidoquando ele diz:

    Na Teologia Relacional, no h contradio com a teologia clssica na afir-mao de que Deus conhece perfeitamente o passado e o presente. A polmicanasce quando se pensa sobre o futuro. Quanto ao futuro podemos afirmar: (1)Deus conhece algumas dimenses do futuro, no por j existirem, mas por Ele

    haver soberanamente decretado que um dia elas acontecero o que explica asprofecias, principalmente as messinicas; (2) o futuro no est exaustivamentedeterminado, pois Deus criou pessoas para relacionamentos e os relacionamentosexigem liberdade de arbtrio. Homens e mulheres tomam decises e geram novasrealidades; (3) Deus soberanamente escolheu relacionar-se com os seres humanosde forma interativa, amorosamente, chamando-nos para sermos cooperadorescom ele na criao do futuro; (4) A Bblia afirma repetidas vezes que futurasaes de Deus dependem do comportamento dos seres humanos.80

    Sem qualquer surpresa encontramos esta mesma nfase entre os testasabertos, como John Sanders, que afirma:

    Ainda que o conhecimento de Deus seja co-existente com a realidade no sen-tido de que Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, as aes futuras decriaturas livres no se tornaram ainda realidade e, portanto, no h nada parase conhecer neste sentido.81

    80 GODIM RODRIGUES, A teologia relacional e a oniscincia divina.81 SANDERS, The God who risks, p. 198.

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    De acordo com esta perspectiva, no apenas o futuro que se encontra abertopara ser construdo, mas a prpria oniscincia de Deus se encontra fechadacom relao a ele. A nica possibilidade de acatar tal pressuposio seria

    redefinir o termo oniscincia e precisamente isto que o tesmo aberto temprocurado fazer.82

    Segundo Gondim, somente sob esta perspectiva que os cristos poderoentender o valor da orao. Segundo ele,

    em um dilogo amoroso Deus nos convida para participarmos com ele na cons-truo do futuro... quando oramos, acreditamos que entramos em um genunodilogo com Deus e que o futuro no est determinado. Pedimos porque cremosque o futuro pode ser mudado... Somos artesos do futuro.83

    Em um outro artigo ele insiste:

    O significado mais profundo da narrativa bblica que Deus, na verdade,apostou na construo da histria com a participao humana... Numa histriainacabada, Deus continua convidando homens e mulheres para fazerem fluir ajustia como um rio caudaloso num reino de paz.84

    A grande questo a ser respondida como essa teologia difere da Teologiado Processo.85 Gondim afirma que

    na teologia clssica, Deus est fora do tempo e contempla tanto o passadocomo o presente e o futuro como se acontecessem simultaneamente conceitoneoplatnico estranho cosmoviso judaica.86

    Se isto ocorre na teologia clssica, como a relao entre Deus e o tempo sucedeno revisionismo da Teologia Relacional? O prprio Gondim responde a isto:

    O futuro no pode ser conhecido no porque Deus seja limitado, mas porque ofuturo ainda no existe. Insisto: nisto no limitamos a Deus. Apenas afirmamosque ele amorosamente nos convocou para sermos arquitetos do amanh.87

    82 Ibid.; cf. BOYD, Gregory A.Is God to blame? Beyond past answers to the problem of suffering.Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2003.

    83 GONDIM RODRIGUES, A teologia relacional e a oniscincia divina.

    84 GONDIM RODRIGUES, Ricardo. Teologia relacional e histria. Disponvel em: www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.inf.asp?tp=61&sg=0&id=1419. Acesso em: 23 abr. 2007.

    85 A Teologia do Processo foi desenvolvida com base na filosofia de Alfred North Whitehead eCharles Harthshorne, os quais defendiam que a realidade um processo de contnua mudana e queDeus o exemplo metafsico primrio de que tudo evolui e progride dentro dessa realidade. Um dosdefensores do Tesmo Aberto, David Bassinger, estudou com Harthshorne. Cf. BECK, W. D. Processtheology. Em: FERGUSON, Sinclair; WRIGHT, David (orgs.).New dictionary of theology. DownersGrove, Illinois: InterVarsity Press, 1998, p. 534-536.

    86 GONDIM RODRIGUES, A teologia relacional e a oniscincia divina.87 Ibid.

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    Logo, tanto Deus como o homem se encontram presos ao tempo e ambosevoluem e aprendem das experincias ocorridas dentro do mesmo.

    Esta proximidade da Teologia Relacional com a Teologia do Processo

    foi um dos aspectos que mais assustaram Russel Shedd quanto nova posiode Gondim, pois ele entende que isto o tem empurrado para uma teologiade Deus de processo.88 Certamente foi partilhando da mesma compreensoque Thomas Oden (um ex-liberal) acusou o tesmo aberto com as seguintespalavras: A fantasia de que Deus ignorante em relao ao futuro umaheresia que deve ser rejeitada com base nas Escrituras.89 A linha divisriaentre a Teologia Relacional e algumas heresias rejeitadas no passado pareceser realmente muito tnue.

    Uma vez que o salmista j dizia que a perspectiva de uma pessoa sobreDeus influencia o modo como ela vive (cf. Sl 50.21), os pressupostos teolgicos

    da Teologia Relacional certamente traro implicaes prticas para a igreja.Importa, ento, avaliar se estas implicaes so boas ou ruins.

    3. APRXIS RESULTANTE DA TEOLOGIA RELACIONAL

    A julgar pelos ltimos efeitos do tesmo aberto no evangelicalismo nor-te-americano e sua conexo com a Teologia Relacional, no se pode esperargrandes benefcios desta ltima para o protestantismo brasileiro. Nos EstadosUnidos, o tesmo aberto tem se mostrado altamente divisivo, como j foi ob-servado.90 No Brasil, a no ser por algumas pequenas controvrsias, o ensinoainda no teve uma repercusso proporcional.

    Uma anlise da Teologia Relacional no pode deixar de listar alguns deseus pontos positivos, pois eles existem. Um dos primeiros aspectos a seremvalorizados nesta perspectiva sua tentativa de focalizar o debate evanglico nadoutrina de Deus. H muita discusso na igreja contempornea acerca de estrat-gias missionrias, metodologias e opinies pessoais. Todavia, se o protestantismobrasileiro no possuir uma perspectiva claramente bblica acerca de Deus, nohaver mensagem a ser anunciada. Outro ponto da Teologia Relacional a serreconhecido sua tentativa de desenvolver uma perspectiva clara da teodicia,ou seja, a defesa da justia de Deus em um mundo marcado pelo pecado e pelapresena perturbadora do mal. Finalmente, os defensores da Teologia Relacional

    88 SHEDD, Russel P. Entrevista.89 ODEN, Thomas. The real reformers are traditionalists. Christianity Today 42, n. 2 (Feb. 9,

    1998), p. 45.90 CAMPBELL, Iain D. Open theism. Disponvel em: http://www.backfreechurch.co.uk/Studies/

    open_theism.htm. Acesso em: 29 set. 2003. Um relato sucinto do movimento realizado durante a Confe-rncia Anual da Igreja Presbiteriana Livre da Esccia; Cf. KOOP, Doug. Evangelical Theological Societymoves against open theists. Christianity Today (Nov. 8, 2002). Disponvel em: www.christianitytoday.com/ct/2002/145/54.0.html. Acesso em: 25 maio 2003.

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    devem ser apreciados por seu clamor em prol de uma teologia mais bblica emenos filosfica. O problema que aqueles que fazem tais reivindicaes pa-recem mais ocupados em impressionar seus leitores com suas filosofias do que

    estabelecer um exemplo necessrio para o retorno s Escrituras.Assim como o tesmo aberto, a Teologia Relacional sempre reivindicou

    ser um ensino prtico. Seus proponentes defendem que na medida em que aspessoas perceberem que Deus vulnervel ao sofrimento e incapaz de conhecerminuciosamente o futuro, elas sero mais motivadas a crer nele e a busc-lomais intimamente, especialmente em situaes de tragdias. Alm do mais, essanova perspectiva relacional de Deus deveria fortalecer a vida de orao doscristos, ajud-los a explicar a existncia do mal e a responder aos problemassociais, alm de motiv-los a atuarem mais na obra da evangelizao. 91 Emcerto sentido, essa teologia atende perfeitamente ao esprito ps-moderno e

    antropocntrico.92

    Contudo, resta saber quo bblica e benfica ela realmente para a igreja contempornea.O ensino bblico sobre o conhecimento de Deus que ele conhece per-

    feitamente a si mesmo, bem como as coisas ao seu redor. Por ser perfeito, esseconhecimento chamado oniscincia, o que significa que o conhecimentode Deus no sucessivo, mas absoluto, pois ele conhece todas as coisas emsua totalidade. H vrias passagens bblicas mostrando que Deus perfeitoem conhecimento (J 37.16; Sl 44.21), que ele conhece o interior das pes-soas (1Sm 16.7; Jr 17.10; Lc 16.15 e Jo 2.25), dirige o caminho dos homense estabelece os tempos e limites da habitao deles (Sl 33.13; Atos 17.26) e

    assim por diante. Alm do mais, Deus conhece at as situaes provveis,pois quando Jesus clamou contra Corazim e Betsaida, ele disse: se em Tiro eem Sidom se tivessem operado os milagres que em vs se fizeram, h muitoque elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza (Mt 11.21). Dessaforma, alguns telogos mais conservadores se sentem plenamente respaldadospelas Escrituras ao responder ao revisionismo proposto pelo tesmo aberto epela Teologia Relacional.93

    H que se notar ainda o ensino bblico de que o aspecto da encarnaoreferente ao esvaziar-se de sua glria foi assumido pela segunda pessoa da

    91 BASINGER, David. Practical implications. Em: PINNOCK e outros, The openness of God, p.155-176; GONDIM RODRIGUES, Espiritualidade crist e uma teologia relacional.

    92 Clark Pinnock tem afirmado que uma de suas maiores motivaes na elaborao do TesmoAberto a cultura moderna com sua nova nfase na liberdade humana. Cf. PINNOCK, Clark H. Betweenclassical and Process Theology. Em: NASH, Ronald H. (org.).Process theology. Grand Rapids: Baker,1975, p. 317.

    93 PIPER, John. Answering Greg Boyds openness of God texts. Disponvel em: www.desiringgod.org/ResourceLibrary/Articles/ByTopic/107/1548. Acesso em: 14 maio 2007. FRAME,No other God,

    p. 191-204; WARE, Gods lesser glory, p. 65.

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    Trindade e no pelo Deus trino (Fp 2.7-8). A atitude de Jesus fez parte doperodo comumente descrito como estado de humilhao, pois aps a suaressurreio ele foi exaltado destra de Deus e no se encontra mais esva-

    ziado (Fp 2.9-11). Dessa forma, falar sobre o Deus esvaziado sem fazertais distines , no mnimo, obscurecer a verdade e confundir a mente dosleitores e da igreja contempornea. Neste aspecto, MacArthur e Ware estocorretos ao afirmarem que essa suposta limitao de Deus ataca a doutrina daexpiao e da obra redentora realizada por Cristo.94

    Outro aspecto a ser lembrado sobre o ensino bblico que os resultadosdo pecado original afetaram a humanidade mais intensamente do que se ima-gina. No apenas a alma, mas todas as dimenses do ser humano, tais como oseu intelecto, vontade, emoes, aes e outras mais foram danificadas pelaqueda. Essa a razo pela qual as Escrituras se dirigem ao homem sem Deus

    como morto em seus delitos e pecados (Ef 2.1) e afirma que no h temorde Deus diante de seus olhos (Rm 3.9-18). Mesmo os cristos neste mundono atingiram o estado de perfeio, mas aguardam com pacincia os resul-tados finais da redeno (Rm 8.22-25). Assim, defender a participao dessehomem cado como co-construtor do futuro , no mnimo, arriscado, para nolembrar que ir alm do que a Bblia ensina. Ao invs de produzir conforto,essa perspectiva pode resultar em desespero, especialmente para aquele quepossui uma noo do mal que nele habita (cf. Rm 7.7-25).95

    O fato que a prtica dos pressupostos da Teologia Relacional (assimcomo tem ocorrido com o tesmo aberto) resulta mais em males do que os bens

    pretendidos. No futuro, talvez algum se interesse por realizar um estudo de casoacerca do tema, mas no momento o enfoque deste artigo repousar sobre cincoproblemas lgicos resultantes das pressuposies teolgicas desse ensino.

    Certamente um dos efeitos mais nocivos Teologia Relacional o fato deela construir uma caricatura de Deus que o torna refm das aes humanase que no representa o Deus que se revela nas Escrituras. Por mais que os seusdefensores enfatizem a importncia dos relacionamentos, no final pratica-mente impossvel Teologia Relacional se livrar de sua negao da oniscinciadivina. Ao propor uma reinterpretao da pessoa de Deus e uma dependnciade suas aes das decises humanas ela o torna refm de sua prpria criaoe tal caricatura est distante de fazer justia ao Deus verdadeiro.

    A insistncia da Teologia Relacional no fato de que Deus se arrisca emprol de construir um futuro com os seres humanos, rouba Deus de sua glria

    94 MACARTHUR, JR., John. Open Theisms attack on the atonement. Em: WILSON,Bound onlyonce, p. 95-108; WARE, Bruce A. Defining evangelicalisms boundaries theologically: Is open theismevangelical?Jounal of the Evangelical Theological Society 45 (Junho 2002), p. 204-205.

    95 WARE, Gods lesser glory, p. 191-215.

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    e os cristos do conforto de pertencerem quele para quem acasos no have-r. Dessa forma, a apresentao que a Bblia faz de Deus como o Rei dasnaes (Ap 15.3), o Juiz de toda a terra (Gn 18.25), aquele que faz todas as

    coisas segundo o conselho de sua vontade (Ef 1.11) e assim por diante, ficasem sentido para o cristo. Ao descrever Deus como aquele que no conheceo futuro e que se limita a ponto de no poder fazer nada sem a ao de suascriaturas, o ensino relacional (assim como o tesmo aberto) destri o confortodo corao do cristo, implantando em seu lugar o desespero.

    Ao buscar redefinir oniscincia, os defensores da Teologia Relacionalacabaram criando aquilo que J. B. Philips denunciou em sua obra clssica: umDeus que pequeno demais.96 Certamente foi por esta razo que Roger Nicoleinsistiu que o tesmo aberto (e, por analogia, a Teologia Relacional) transformaDeus em um mero jogador, que arrisca o seu plano e suas criaturas.97 Bruce

    Ware ousa opinar que

    medida que o modelo divino do tesmo aberto penetrar em nossas igrejas,poderemos antecipar uma diminuio considervel da confiana em Deus e umagrande tentao de depender de nossa inteligncia e habilidades.98

    A julgar pela conexo entre aquele ensino norte-americano e sua versobrasileira, pode-se chegar mesma concluso.

    O segundo problema prtico da Teologia Relacional encontra-se no fatode que ela diminui a confiana dos cristos na Bblia. Os defensores do tesmoaberto e da Teologia Relacional acreditam, e at insistem, que sua posio

    mais bblica do que aquela mantida pelo tesmo clssico. Gregory A. Boyd,por exemplo, afirma: Se apenas aceitarmos o significado claro das Escriturasentenderemos que algumas vezes Deus se arrepende do resultado de suas deci-ses.99 Gondim insiste em selecionar alguns textos bblicos (pelo menos 40)que mencionam o aparente arrependimento ou frustraes de Deus, bem comoalguns que supostamente mostram que Deus est incerto sobre acontecimentosfuturos.100 Contudo, se uma pessoa adotar esta proposta do significado clarodas Escrituras, poder ter srios problemas ao lidar com um texto como, porexemplo, Gnesis 22.12, usado pelos testas abertos para dizer que Deus estavatestando Abrao para aprender algo que ele realmente no sabia de antemo.101

    96 PHILLIPS, J. B. Seu Deus pequeno demais. So Paulo: Mundo Cristo, 1985.97 NICOLE, Roger. God of possible? Uma resenha do livro de Gregory A. Boyd, God of the possible.

    Disponvel em: http://www.the-highway.com/possible_Nicole.html. Acesso em: 19 set. 2003.98 WARE, Gods lesser glory, p. 25.99 BOYD, God of the possible, p. 8.100 GONDIM RODRIGUES, A teologia relacional e a oniscincia divina.101 Cf. BOYD, God of the possible, p. 120-154.

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    O fato que se Deus precisava testar Abrao para saber o que estava em seucorao, logo sua ignorncia no apenas acerca do futuro, mas tambm dopresente. Em segundo lugar, se Deus estiver tentando descobrir se Abrao ser

    fiel no futuro, segue-se que ele estar interferindo com a suposta liberdadelibertria de Abrao. Dessa forma, a proposta hermenutica dos revisionistasno passa nem no seu prprio teste. Alm do mais, se Deus no conhece ofuturo, qual a garantia que o cristo possui de que as promessas contidas nasEscrituras so verdadeiras? Assim, esse ensino diminui a confiana na Bbliae em sua autoridade.102

    Em terceiro lugar o ensino da Teologia Relacional nocivo esperanaescatolgica crist. Se o futuro ser construdo pelas decises de Deus e dosseres humanos, qual a garantia que o cristo possui de que o plano eterno deDeus ser realmente realizado. Dessa forma, a certeza escatolgica torna-se

    apenas uma possibilidade. O fato que ao tentar resolver o problema do mal,a nfase relacional esvaziou Deus de sua soberania e apontou uma soluomais cruel do que aquela contra a qual se opunha. Ao enfatizar a soberaniade amor ao invs da soberania de controle, a Teologia Relacional produziuum universo desgovernado e um rei cujo reino, no final, administrado ape-nas de maneira vacilante, pois nem todas as criaturas so recipientes de suasintervenes de misericrdia.103 A grandeza e a soberania de Deus formam ofundamento da esperana crist (Rm 8.39).

    Finalmente, a Teologia Relacional traz prejuzos incalculveis vidadevocional dos cristos. Apriori, seus defensores argumentavam que esta

    teologia traria grande contribuio para a vida de orao dos cristos, poiseles entenderiam o propsito de orar: participarem da construo do futurocom Deus. Alm do mais, se a orao supostamente pode mudar os planosde Deus, essa nfase deveria levar os cristos a orar com mais intensidade. 104Contudo, h que se questionar sobre qual o verdadeiro propsito de se orarpara um Deus que no sabe o que ir acontecer? Alm do mais, qual a ga-rantia que os cristos possuem de que, de fato, esse Deus poder responder ssuas intercesses?

    Talvez os proponentes desse ensino estejam esquecidos da implicaolgica de suas argumentaes nesta questo da orao. Se Deus criou um uni-verso sobre o qual ele no possui o controle total e em cujo governo as pessoaspodem interferir atravs de suas decises e oraes, qualquer interveno di-

    102 WELLUM, Stephen J. A inerrncia das Escrituras. Em: PIPER, TAYLOR e HELSETH (orgs.),Tesmo Aberto, p. 289-339.

    103 HELSETH, Paul K. A fidedignidade de Deus e o fundamento da esperana. Em: PIPER, TAYLORe HELSETH, Tesmo Aberto, p. 382.

    104 BASSINGER, David. Practical implications. Em: PINNOCK e outros, The openness of God,p. 162.

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    vina representaria uma violao dos direitos dessas pessoas. Logo, a supostaliberdade libertria dos indivduos impede Deus de agir em resposta s oraesdos seus santos. O fato que a Bblia ensina que o cristo deve ser motivado

    a orar pela prpria oniscincia e soberania de Deus (Mt 6.8-9, porque Deus,o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peais. Portanto,vs orareis...). Em outras palavras, a orao o meio estabelecido pelo Paipara que o filho/filha exercite a comunho com ele.105

    Com certeza outras conseqncias nocivas advindas da Teologia Relacio-nal igreja contempornea poderiam ser relacionadas aqui. H, porm, outrasobras que as desenvolvem de forma mais abrangente.106 luz do propsitodeste artigo, as conseqncias acima apresentadas parecem ser suficientes.

    CONCLUSO

    O objetivo desse artigo foi esclarecer a conexo existente entre a Teo-logia Relacional e o Tesmo Aberto, bem como avaliar esses ensinos a partirde alguns resultados prticos de acordo com suas reivindicaes para a igrejacontempornea. Infelizmente a perspectiva desses ensinos no se apresentanem bblica nem pastoralmente eficiente.

    Dessa forma a primeira coisa a ser estabelecida deve ser o espao queos seus defensores possuem no contexto evanglico. Nesse sentido, h osque defendem que eles no possuem espao algum, pois suas propostas soincompatveis com a inerrncia bblica. Outros reivindicam mais tolernciacom aqueles que pensam de modo diferente.107 Clark H. Pinnock, em um de

    seus primeiros livros sobre o tesmo aberto, levantou essa questo, da seguinteforma:

    Por que estabelecer a linha divisria na oniscincia divina? Por que no podeum evanglico propor uma perspectiva diferente acerca desse assunto? Queconclio de igreja declarou isto uma impossibilidade? Desde quando esse as-sunto se tornou um critrio quanto ortodoxia ou no-ortodoxia, evanglicoou no-evanglico?108

    105 Cf. KELLY, Douglas F. Se Deus j sabe, por que orar? So Paulo: Cultura Crist, 1996.106 Cf. PIPER, TAYLOR e HELSETH. Tesmo aberto; WARE, Gods lesser glory; FRAME,No

    other God.107 Um entendimento melhor do debate pode ser encontrado nos relatos das reunies daEvangelical

    Thelogical Society e os efeitos do mesmo na Conveno Batista do Sul. Cf. Cf. KOOP, Doug. Evan-gelical Theological Society moves against open theists. Christianity Today (Nov. 8, 2002). Disponvelem: www.christianitytoday.com/ct/2002/145/54.0.html. Acesso em: 25 maio 2003; FOUST, Michael.Southern prof in middle of growing open theism debate. Disponvel em: www.sbts.edu/news/archives/summer2002/NR117.php. Acesso em: 3 out. 2003.

    108 PINNOCK, Most moved Mover, p. 106.

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    O que Pinnock parece ter esquecido que a doutrina de Deus central f crist e qualquer reformulao em um aspecto da mesma implica nonecessariamente em uma reformulao, mas em confuso.

    O pregador canadense A. W. Tozer entendeu corretamente a importnciada doutrina sobre Deus ao dizer:

    O assunto mais srio para a igreja sempre foi o prprio Deus e o fato mais solenesobre qualquer homem no o que ele diz ou faz em alguns momentos, mascomo ele, no mais ntimo de seu corao, concebe Deus.109

    Dessa forma, ao propor uma redefinio da oniscincia de Deus, os telogosdo tesmo aberto e da Teologia Relacional colocam-se fora dos limites docristianismo clssico e caminham por rotas tenebrosas.110

    O problema que os caminhos da heresia nem sempre so percebidos

    facilmente por aqueles que trilham por eles. Como corretamente afirma LuisWesley de Souza, as grandes heresias surgidas ao longo da histria do cris-tianismo no foram aquelas facilmente identificveis primeira vista.111 Poresta razo, debates e controvrsias doutrinrias sempre sero necessrios nocristianismo e em defesa da f entregue aos santos (Jd 3).

    No caso de debates e contendas pela f crist, h, todavia, duas coisas queprecisam ser consideradas. Em primeiro lugar, h uma diferena imensa entreconsiderao pelas pessoas e tolerncia para com os seus erros. Enquanto oamor cristo pode ser praticado em relao queles que divergem da verdadena esperana de que eles retornem sensatez, os ensinos destes no podem ser

    tolerados por amor ao rebanho por quem Cristo morreu. Em segundo lugar,como corretamente entendeu John Newton, h sempre obrigaes espirituaisno contexto dos debates teolgicos. Segundo Newton, antes de colocar a penasobre o papel (hoje em dia, os dedos sobre o teclado), o debatedor deve entre-gar o seu oponente, por meio de sincera orao, ao ensinamento e bnodo Senhor. Os efeitos disso, de acordo com Newton, so: (1) amor e piedadeao oponente, (2) comunho com ele, se ele for crente e, (3) compaixo porum perdido, caso ele no seja cristo.112 No que diz respeito aos defensores daTeologia Relacional e suas variadas verses, h realmente muita necessidadede intercesso!

    109 TOZER, A. W. The knowledge of the Holy. San Francisco: Harper and Row, 1961, p. 1.110 H que se lembrar que o nico movimento que defendeu pressupostos semelhantes aos da Teo-

    logia Relacional e do tesmo aberto na histria da igreja foi o socinianismo do sculo 16, consideradohertico tanto por protestantes como por catlicos romanos. Cf. FRAME,No other God, p. 32-36.

    111 SOUZA, Luis Wesley. Prefcio edio brasileira. Em: PIPER, TAYLOR e HELSETH, Tesmoaberto, p. 9.

    112 NEWTON, John. On controversy. The works of the Rev. John Newton. Edinburgh: Banner ofTruth, 1985, vol. 1, p. 269.

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    ABSTRACT

    Relational theology is a new hermeneutical perspective about God thatpurports to correct alleged distortions in classical theism. It is presented as beingan essentially practical and biblical proposal, which was elaborated with a viewto solving supposed contradictions resulting from the belief in a sovereign Godin the context of a reality marked by suffering. In short, the proposals of Rela-tional Theology are very similar to those of Open Theism in North-Americanevangelicalism, but no official connection has been established between bothteachings. Such connection is the purpose of the article. Its first part analyzesthe development of this new teaching and its links with other beliefs embracedby Christian segments around the world. Then, the article tries to understandthe main presuppositions of Relational Theology and its relationship to OpenTheism. Finally, some consequences of this new relational perspective on God

    are evaluated in light of Scripture and Christian practice.

    KEYWORDS

    Relational theology; Open theism; Classical theism; Process theology;Divine omniscience; Human freedom; Gods sovereignty; Arminianism;Calvinism.