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POR QUE ESTUDAR A PERSONALIDADE? DEFINIÇÃO DE PERSONALIDADE A TEORIA DA PERSONALIDADE COMO RESPOSTA ÀS QUESTÕES O QUÊ, COMO E POR QUÊ Estrutura Processo Crescimento e desenvolvimento Determinantes genéticos e Determinantes ambientais Cultura Classe social Família Pares Relações entre determinantes genéticos e ambientais Psicopatologia e mudança de comportamento Resumo QUESTÕES IMPORTANTES NA TEORIA DA PERSONALIDADE A visão filosófica da pessoa Determinantes internos e externos do comportamento Consistência em diferentes situações e ao longo do tempo A unidade do comportamento e o conceito de self Diferentes estados de consciência e o conceito de inconsciente Relações entre cognição, afeto e comportamento observável A influência do passado, do presente e do futuro sobre o comportamento Resumo AVALIAÇÃO DE TEORIAS Abrangência Parcimônia Relevância para a pesquisa Resumo A TEORIA E O ESTUDO DA PERSONALIDADE PRINCIPAIS CONCEITOS REVISÃO 1 1 TEORIA DA PERSONALIDADE: DE OBSERVAÇÕES COTIDIANAS A TEORIAS SISTEMÁTICAS TEORIA DA PERSONALIDADE: DE OBSERVAÇÕES COTIDIANAS A TEORIAS SISTEMÁTICAS

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POR QUE ESTUDAR A PERSONALIDADE?DEFINIÇÃO DE PERSONALIDADEA TEORIA DA PERSONALIDADE COMORESPOSTA ÀS QUESTÕES O QUÊ,COMO E POR QUÊ

EstruturaProcessoCrescimento e desenvolvimento

Determinantes genéticos e

Determinantes ambientais

Cultura

Classe social

Família

Pares

Relações entre determinantes genéticose ambientais

Psicopatologia e mudança de comportamentoResumoQUESTÕES IMPORTANTES NATEORIA DA PERSONALIDADE

A visão filosófica da pessoa

Determinantes internos e externos docomportamentoConsistência em diferentes situações eao longo do tempoA unidade do comportamento e o conceito

de selfDiferentes estados de consciência e oconceito de inconscienteRelações entre cognição, afeto e

comportamento observávelA influência do passado, do presente e do

futuro sobre o comportamentoResumo

AVALIAÇÃO DE TEORIASAbrangênciaParcimôniaRelevância para a pesquisaResumo

A TEORIA E O ESTUDO DAPERSONALIDADEPRINCIPAIS CONCEITOSREVISÃO

11TEORIA DA PERSONALIDADE:

DE OBSERVAÇÕES COTIDIANAS ATEORIAS SISTEMÁTICAS

TEORIA DA PERSONALIDADE:DE OBSERVAÇÕES COTIDIANAS A

TEORIAS SISTEMÁTICAS

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FOCO DO CAPÍTULO

Você tem alguma amiga que conheça tão bema ponto de sentir que pode prever como ela reagiriaem qualquer situação? Através de suas experiênciascom sua amiga, você familiarizou-se com os padrõese as consistências peculiares na forma como ela pen-sa, sente-se e se comporta. Você não apenas entendeo que “mexe com ela”, você sabe o que a torna dife-rente de suas outras amigas. Resumindo, você é umespecialista naquilo que chamaríamos de a perso-nalidade de sua amiga.

O trabalho conduzido por todos nós em nos-sas vidas cotidianas não é fundamentalmente dife-rente daquele conduzido pelo cientista que estudaa personalidade. A tarefa de todos é desenvolverum modelo do funcionamento humano, um méto-do para diferenciar as pessoas, e um conjunto deregras para prever o comportamento. Esse modelo

e as regras de previsão que dele derivam formam aessência da teoria do psicólogo da personalidadetanto quanto formam a essência de nossas teoriasem nossas vidas cotidianas. A diferença é que ospsicólogos da personalidade tornam seus modelosmais explícitos, definem seus termos de forma maisclara e realizam pesquisas sistemáticas para avali-ar a precisão de suas previsões. Este capítulo con-centra-se no que é uma teoria, o que uma teoria dapersonalidade deve abranger e como avaliar a qua-lidade de uma teoria. Apesar de podermos aceitarteorias nebulosas e sermos capazes de distorcereventos em nossas vidas cotidianas para adaptá-los às nossas crenças, como psicólogos da persona-lidade, devemos ser claros com relação aos nossosconceitos e objetivos quanto às nossas descobertas.

QUESTÕES ABORDADAS NESTE CAPÍTULO

1. Às vezes, diz-se que todos somos psicólogos dapersonalidade e que cada um de nós tem umateoria da personalidade. Se isso for verdade, deque maneira as teorias científicas dos psicólo-gos da personalidade diferem daquelas de pes-soas comuns em seu funcionamento cotidiano?

2. Existem áreas básicas do funcionamento huma-no que deveríamos esperar que uma teoria dapersonalidade abrangesse? Colocado de forma

diferente, quais são as questões que enfrenta-mos com relação ao funcionamento humano epara quais questões desejamos que uma teoriada personalidade forneça respostas?

3. Existem questões amplas nas quais as teoriasda personalidade diferem (por exemplo, a na-tureza fundamental dos seres humanos, a im-portância dos genes e da experiência, a impor-tância do inconsciente)?

POR QUE ESTUDAR A PERSONALIDADE?

Por que alguns parecem ser capazes de sair-se bemem áreas em que outros, aparentemente de mesmacapacidade, fracassam? Uma disciplina sobre a per-sonalidade oferece uma promessa de respostas paraessas questões. Este texto pode não responder a todasas questões de interesse para os estudantes da perso-nalidade, mas proporciona inúmeras respostas, assimcomo um modo de refletir sobre as pessoas e de estu-dar as questões de interesse.

A personalidade é a parte do campo da psicolo-gia que mais considera as pessoas em sua totalidade,

Por que os estudantes resolvem cursar uma dis-ciplina a respeito da personalidade? Por que certosindivíduos decidem tornar-se psicólogos da persona-lidade? Nossa sensação é de que eles buscam respos-tas para as questões “Por que as pessoas são comosão? Por que eu sou da forma que sou?”. Somos todosfascinados pelas pessoas; freqüentemente pergunta-mos como e por que motivo as pessoas são tão dife-rentes umas das outras e por que elas se comportamda forma que se comportam. Por que alguns lutamcontra seus sentimentos quando outros não o fazem?

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23Personalidade: teoria e prática

como indivíduos e como seres complexos. O leitordeste texto irá encontrar respostas alternativas quepsicólogos da personalidade atuais e do passado apre-sentaram para a questão de por que somos como so-mos. Além disso, o leitor irá encontrar uma discussãosobre como os psicólogos da personalidade estudamsua disciplina – ou seja, os métodos de pesquisa queutilizamos para estudar de que maneira as pessoasdiferem entre si e as causas dessas diferenças. As per-guntas que os psicólogos da personalidade fazem pro-vavelmente não são muito diferentes daquelas feitaspelo estudante interessado no comportamento huma-no. Entretanto, freqüentemente, essas questões sãoformuladas de maneira diferente, de formas que astornam apropriadas para o estudo sistemático. E osmétodos de pesquisa utilizados por psicólogos da

personalidade são, provavelmente, muito mais siste-máticos e livres de erros ou tendências do que aque-les que a maioria de nós utiliza em nossas observa-ções diárias do comportamento humano.

Para resumir, o estudo científico da personali-dade continua a abordar as questões de por que nóssomos como somos. Na tentativa de responder essaquestão, não podemos evitar a consciência da com-plexidade do comportamento humano. As pessoas sãoparecidas em muitas coisas, mas diferentes em mui-tas outras. Fora desse labirinto de complexidade e, àsvezes, de caos aparente, buscamos encontrar ordem erelações significativas. Para nós, é isso que significa ocampo da personalidade, por que um indivíduo cur-sa uma disciplina em personalidade e por que algunsde nós tornam-se psicólogos da personalidade.

presentar um julgamento de valor: se você gosta de al-guém, é porque ele ou ela tem uma personalidade “boa”ou “muita personalidade”. Para o cientista e o estudanteda personalidade, contudo, o termo personalidade éutilizado para definir um campo de estudo. Uma defi-nição científica de personalidade nos diz quais áreasdevem ser estudadas e sugere como podemos estudá-las melhor.

Por enquanto, vamos utilizar a seguinte defini-ção de trabalho da personalidade: a personalidade repre-senta aquelas características da pessoa que explicam padrõesconsistentes de sentimentos, pensamentos e comportamen-tos. Esta é uma definição bastante ampla, que permiteque nos concentremos em muitos aspectos diferentesda pessoa. Ao mesmo tempo, ela sugere que preste-mos atenção a padrões consistentes de comportamen-to e a qualidades internas à pessoa, que explicam essasregularidades – em oposição, por exemplo, a enfocarqualidades no ambiente que expliquem tais regulari-dades. As regularidades de interesse, para nós, envol-vem os pensamentos, sentimentos e comportamentosexplícitos (observáveis) das pessoas. De particular in-teresse para nós é a maneira como esses pensamentos,sentimentos e comportamentos se relacionam entre sipara formar o indivíduo único e peculiar.

Embora tenhamos sugerido uma definição depersonalidade, outras definições são possíveis. Elasnão estão certas ou erradas; pelo contrário, elas po-dem ser mais ou menos úteis para nos direcionar para

O campo da personalidade diz respeito àquilo queé geralmente verdadeiro das pessoas, a natureza huma-na, assim como às diferenças individuais. Os psicólogosque estudam a personalidade interessam-se por aquiloque as pessoas têm de semelhante, assim como pelasmaneiras nas quais elas diferem umas das outras. Porque alguns se realizam, e outros não? Por que algunspercebem as coisas de uma forma, e outros, de um mododiferente? Por que alguns sofrem com um estresse con-siderável, e outros não?

Os teóricos da personalidade também se interes-sam pela pessoa como um todo, tentando compreen-der como os diferentes aspectos do funcionamento deum indivíduo estão todos intrincados entre si. Porexemplo, a pesquisa sobre a personalidade não é oestudo da percepção, mas de como os indivíduos di-ferem em suas percepções e de como essas diferençasestão relacionadas com o funcionamento total dessesindivíduos. O estudo da personalidade concentra-senão apenas nos processos psicológicos, mas tambémnas relações entre esses processos. Compreender comoesses processos interagem para formar um todo inte-grado freqüentemente envolve mais do que entendercada um separadamente. As pessoas funcionam comoum todo organizado, e é à luz dessa organização quedevemos compreendê-las (Magnusson, 1999).

Devido a essa ênfase nas diferenças individuais ena pessoa total, como devemos definir a personalida-de? Para o público em geral, a personalidade pode re-

DEFINIÇÃO DE PERSONALIDADE

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24 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

áreas importantes de entendimento. Assim, uma de-finição de personalidade é útil até onde ela ajuda adesenvolver o campo como ciência.

Para sintetizar, a exploração científica da perso-nalidade envolve esforços sistemáticos para descobrire explicar regularidades nos pensamentos, sentimen-

tos e comportamentos das pessoas à medida que elasvivem suas vidas cotidianas. Como cientistas, desen-volvemos teorias para nos auxiliar a observar e expli-car essas regularidades. Consideremos agora a natu-reza da teoria.

A TEORIA DA PERSONALIDADE COMO RESPOSTAÀS QUESTÕES O QUÊ, COMO E POR QUÊ

Um teoria sugere maneiras de coletar e sistemati-zar uma ampla variedade de descobertas. Ela tambémpode sugerir quais direções de pesquisa são potencial-mente mais proveitosas. Colocado de forma simples,as teorias ajudam a juntar o que sabemos e sugeremcomo podemos descobrir o que ainda é desconhecido.

O que buscamos explicar com uma teoria dapersonalidade? Se estudamos indivíduos intensiva-mente, queremos descobrir o quê eles são, como eles setornaram daquela forma, e por que eles se comportamde uma certa maneira. Assim, queremos uma teoriapara responder questões sobre o quê, como e por quê. O“o quê” refere-se às características da pessoa e à for-ma como umas estão organizadas em relação às ou-tras. A pessoa é honesta, persistente e tem alta neces-sidade de realização? O “como” refere-se aos determi-nantes da personalidade de uma pessoa. Em que ní-vel e de que maneiras as forças genéticas e ambientaisinteragem para produzir esse resultado? O “por quê”refere-se às razões para o comportamento do indiví-duo. As respostas dizem respeito aos aspectosmotivacionais do indivíduo – por que ele ou ela semove, e por que em uma determinada direção. Se umindivíduo deseja fazer muito dinheiro, por que essecaminho particular foi escolhido? Se uma criança vaibem na escola, é para agradar aos pais, para utilizarseus talentos, para aumentar sua auto-estima ou paracompetir com seus colegas? Uma mãe seria superpro-tetora por ser afetuosa, por que tenta dar aos seus fi-lhos aquilo que não teve quando criança ou por quetenta evitar expressar qualquer ressentimento e hosti-lidade que possa sentir para com a criança? Uma pes-soa está deprimida como resultado de alguma humi-lhação, pela perda de um ente querido ou por estar sesentindo culpada? Uma teoria deveria nos ajudar acompreender até que ponto a depressão é caracterís-tica da pessoa, como essa característica da personali-

dade se desenvolveu, por que a depressão é experi-mentada em determinadas circunstâncias, e por quea pessoa se comporta de certa maneira quando estádeprimida. Se duas pessoas têm tendência a ficaremdeprimidas, por que uma delas sai e compra coisas,ao passo que a outra se retrai e se fecha?

Vamos considerar questões como essas em deta-lhes mais sistemáticos. Aqui, iremos considerar cincoáreas que uma teoria da personalidade completa de-veria cobrir: (1) Estrutura – as unidades básicas ou osblocos constitutivos da personalidade. (2) Processo –os aspectos dinâmicos da personalidade, incluindo osmotivos. (3) Crescimento e desenvolvimento – como nosdesenvolvemos, formando a pessoa única que cadaum de nós é. (4) Psicopatologia – a natureza e as causasdo funcionamento desordenado da personalidade. (5)Mudança – como as pessoas mudam e por que elas, àsvezes, resistem à mudança ou são incapazes de mudar.

ESTRUTURA

As teorias podem ser comparadas com relaçãoaos conceitos que utilizam para determinar o o quê, ocomo e o por que da personalidade. O conceito de es-trutura refere-se aos aspectos mais estáveis e dura-douros da personalidade. Eles representam os blocosconstitutivos da teoria da personalidade. Nesse senti-do, eles são comparáveis às partes do corpo ou a con-ceitos como os átomos e as moléculas em física. Con-ceitos estruturais como resposta, hábito, traço e tipo sãopopulares em tentativas de conceitualizar a maneiracomo as pessoas são.

O conceito de traço refere-se à consistência da res-posta individual a uma variedade de situações, aproxi-ma-se do tipo de conceito que o leigo usa para descre-ver as pessoas. Uma forma de pensar sobre os traços éconsiderar como você descreveria a si, ou a um bom

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amigo. Por exemplo, talvez você utilizasse adjetivoscomo “inteligente”, “extrovertido”, “honesto”, “diver-tido” ou “sério”. Você estaria utilizando esses termosde maneira muito semelhante àquela utilizada pormuitos teóricos da personalidade.

O conceito de tipo refere-se ao agrupamento demuitos traços diferentes. Em comparação com o con-ceito de traço, o de tipo implica um grau maior de re-gularidade e generalidade no comportamento. Embo-ra as pessoas possam ter muitos traços em graus dife-rentes, elas são geralmente descritas como pertencen-tes a um tipo específico. Por exemplo, os indivíduossão descritos como introvertidos ou extrovertidos, e comrelação ao fato de se eles se aproximam, afastam-se ouse movem uns contra os outros (Horney, 1945).

É possível utilizar conceitos além de traço ou tipopara descrever a estrutura da personalidade. As teo-rias da personalidade diferem quanto aos tipos deunidades ou conceitos estruturais que utilizam; elastambém diferem na forma como conceitualizam a or-ganização dessas unidades. Algumas teorias envol-vem um sistema estrutural complexo, segundo o qual

muitos componentes estão ligados entre si de diver-sas maneiras. Outras teorias envolvem um sistemaestrutural simples, segundo o qual alguns componen-tes apresentam poucas conexões entre si. O cérebrohumano é uma estrutura muito mais complexa do queo cérebro de um peixe, pois o cérebro humano possuimais partes, que podem ser distinguidas umas dasoutras, e mais ligações e conexões entre essas partes.

As teorias da personalidade também diferemquanto ao nível em que elas consideram as unida-des estruturais organizadas em uma hierarquia – ouseja, onde algumas unidades estruturais são vistascomo superiores em ordem, e portanto, controlandoa função de outras unidades. O sistema nervoso hu-mano é mais complexo do que o de outras espéciesnão apenas porque ele possui mais partes diferentese mais ligações entre elas, mas também porque al-gumas partes, como o cérebro, regulam o funciona-mento de outras partes do sistema. Pode-se encon-trar uma analogia em estruturas empresariais. Cer-tas organizações empresariais são mais complexasdo que outras. Organizações empresariais comple-

Desenho de Gary Larson;© 1990 FarWorks, Inc./Dist. By Universal Press Syndicate.

Os quatro tipos básicos de personalidade

THE FAR SIDE BY GARY LARSON

O copo estámeio cheio!

O copo estámeio vazio!

Ei! Eu pedi umcheeseburger!

Meio cheio... Não!Espere! Meio Vazio!...Não, meio... Qual era

mesmoa pergunta?

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26 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

xas possuem muitas unidades, com muitas ligaçõesentre si, e uma hierarquia de pessoas que têm res-ponsabilidade por tomar decisões. Organizações em-presariais simples possuem poucas unidades, pou-cas ligações entre as unidades, e poucos elos na ca-deia de comando – uma loja familiar, digamos, aocontrário da General Motors. De maneira semelhan-te, as teorias da personalidade diferem em relaçãoaos números e tipos de unidades estruturais queenfatizam, e em que medida enfatizam a complexi-dade ou a organização dentro do sistema.

PROCESSO

Assim como as teorias podem ser comparadaspor suas estruturas, elas podem ser comparadas emrelação aos conceitos motivacionais dinâmicos que uti-lizam para explicar o comportamento. Esses concei-tos referem-se aos aspectos de processo do comporta-mento humano.

Os psicólogos da personalidade empregam trêscategorias principais de conceitos motivacionais: mo-tivos de prazer ou hedônicos, motivos de crescimen-to ou auto-realização, e motivos cognitivos (Pervin,1996). Os conceitos motivacionais de prazer ouhedônicos enfatizam a busca do prazer e a evitaçãoda dor. Existem duas variantes importantes dessas teo-rias da motivação: modelos de redução da tensão e mode-los de incentivo. Um importante teórico da personali-dade refere-se a elas como teorias “que empurram”ou “do chicote” e teorias “que puxam” ou “da cenou-ra” (Kelly, 1958a). Segundo os modelos “do chicote”de motivação de redução da tensão, as necessidadespsicológicas criam tensões que o indivíduo tenta re-duzir, satisfazendo essas necessidades. Por exemplo,a fome ou a sede criam uma tensão que pode ser ali-viada quando o indivíduo come ou bebe. O termoimpulso tem sido tipicamente usado em referência aestados internos de tensão que ativam e direcionamas pessoas para a redução da tensão. Ao contráriodesses modelos de redução da tensão, nos modelos“que puxam” ou “da cenoura”, a ênfase está nas fina-lidades, nos objetivos e nos incentivos que a pessoabusca alcançar. Por exemplo, a pessoa pode desejaralcançar dinheiro, fama, aceitação social ou poder. Em-bora aqui se enfatize o objetivo, e não um estado in-terno de tensão, deve ficar claro que, apesar da ênfasena busca pelo prazer, neste caso, o prazer está associ-ado à realização do objetivo. É por essa razão que as

teorias de incentivo da motivação, assim como as teo-rias de redução da tensão, são consideradas teoriasda motivação hedônicas ou orientadas para o prazer.

Em comparação com as teorias orientadas parao prazer, outras teorias motivacionais enfatizam os es-forços do organismo para atingir o crescimento e rea-lizar o seu potencial, mesmo às custas de maior ten-são. Finalmente, nas teorias cognitivas da motivação,a ênfase está nos esforços da pessoa para compreen-der e prever eventos no mundo. Ao invés de buscar oprazer ou a auto-realização, segundo essas teorias, apessoa tem uma necessidade de consistência ou umanecessidade de saber. Por exemplo, a pessoa pode ten-tar manter uma imagem consistente do self e fazer comque os outros se comportem de maneira previsível.Nesse caso, enfatiza-se a previsibilidade e a consis-tência, mesmo que o preço seja a dor e o desconforto.Assim, sugere-se que as pessoas, às vezes, preferemum evento desconfortável ao invés de um prazerosose o primeiro torna o mundo mais estável e previsível(Swann, 1992; 1997).

O modelo mais amplamente aceito nas primeirasteorias da motivação foi o de redução da tensão. Entre-tanto, pesquisas realizadas em animais e humanos de-monstram que os organismos freqüentemente buscama tensão. Os macacos, por exemplo, trabalham para re-solver problemas independentemente de qualquer re-compensa; de fato, as recompensas podem interferirem seu desempenho. Os comportamentos exploratóriose brincalhões de membros de muitas espécies são bas-tante conhecidos. Observações como essas levaram R.W. White (1959) a conceitualizar um processo do funci-onamento humano que chamou de motivação de compe-tência. Segundo sua visão, as pessoas são motivadaspara lidarem de maneira competente ou eficaz com oambiente. De fato, à medida que os indivíduos amadu-recem, uma proporção maior de seu comportamentoparece estar envolvido com o desenvolvimento de ha-bilidades em nome do domínio ou com a busca de umamaneira eficaz de lidar com o ambiente, e uma partemenor de seu comportamento parece estar exclusiva-mente a serviço da redução da tensão.

Teorias motivacionais diferentes foram popula-res em diferentes momentos da história do campo(Little, 1999; McAdams, 1999). Até a década de 1950,as teorias da motivação do impulso eram bastante po-pulares. Com o declínio do interesse no impulso e nasteorias de redução da tensão da motivação dos anos50, começou a haver um interesse nos modelos de cres-

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27Personalidade: teoria e prática

cimento e de auto-realização. Com a revoluçãocognitiva da década de 1960, desenvolveu-se um in-teresse considerável nos motivos cognitivos da con-sistência e da previsibilidade. E, atualmente, existe uminteresse crescente em teorias de objetivos queenfatizam uma visão da pessoa como que perseguin-do ativamente certas finalidades previstas.

Deve-se optar entre as várias teorias da motiva-ção – redução da tensão, auto-realização, cognitiva,objetivos? Uma está necessariamente correta, e as ou-tras erradas? Como veremos nos próximos capítulosdeste livro, certos teóricos da personalidade tendema enfatizar um ou outro modelo da motivação. Entre-tanto, talvez as pessoas sejam capazes de vários tiposde motivação, às vezes buscando prazer na forma deredução da tensão ou na realização de um objetivo, àsvezes buscando a auto-realização e às vezes, ainda,buscando a consistência e previsibilidade cognitiva.Podem existir diferenças entre indivíduos, no nível emque eles são motivados por um ou outro desses moti-vos. Em outras palavras, as próprias diferenças indi-viduais podem ser uma parte importante da persona-lidade. Embora essa visão seja possível, e talvez atédesejável, os teóricos da personalidade tendem a uti-lizar um modelo ou outro para explicar os aspectosde processo do comportamento humano.

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

Um dos desafios mais profundos que os psicólo-gos da personalidade enfrentam é explicar o desenvol-vimento de diferenças individuais e o desenvolvimentodo indivíduo único que cada um de nós é. Tradicio-nalmente, os determinantes da personalidade foram di-vididos em determinantes genéticos e determinantesambientais. Infelizmente, essa divisão de determinantestambém levou, com freqüência, a batalhas intensas comrelação a quais são mais importantes para a personali-dade – a controvérsia natureza-criação (nature-nurture) na-tureza referindo-se à contribuição dos genes e criaçãoreferindo-se à importância do ambiente. Em vários mo-mentos, uma ou outra ênfase foi predominante, com opêndulo alternando da ênfase na natureza (genes) paraa criação (ambiente), e de volta para a natureza. Nos úl-timos anos, tem-se verificado uma ênfase crescente naimportância dos genes, mas mesmo alguns proponentesdessa visão sugerem que o pêndulo pode estar balan-çando demais na direção da natureza (Plomin, 1994;Plomin e Caspi, 1999; Plomin, Chipuer e Loehlin, 1990).

Mais uma vez, é necessário escolher? Claramen-te, tanto os determinantes genéticos quanto osambientais são importantes na formação da personali-dade. Antes de considerar as relações entre essesdeterminantes, vamos considerar a importância de cadaum separadamente.

Determinantes genéticos

Os fatores genéticos desempenham um papelimportante na determinação da personalidade, parti-cularmente em relação àquilo que é único no indiví-duo (Caspi, 2000; Plomin e Caspi, 1999; Rowe, 1999).Embora muitos psicólogos, historicamente, tenhamenfatizado a importância dos fatores ambientais e ge-néticos em moldar a personalidade como um todo, teó-ricos recentes reconhecem que a importância desses fa-tores pode variar de uma característica da personali-dade para outra. Os fatores genéticos são geralmentemais importantes em características como a inteligên-cia e o temperamento, e menos importantes com rela-ção a valores, idéias e crenças.

Um bom exemplo de diferença individual devi-da ao temperamento é o nível de atividade e de medo(Kagan, 1994; 1999). Certos bebês são mais ativos emenos receosos do que outros. Essas diferenças po-dem durar até a idade adulta, com alguns indivíduossempre desejando se mover e outros geralmente pre-

Motivação: as teorias da personalidade enfatizam tiposdiferentes de motivação (p. ex., redução da tensão, auto-realização, poder, etc.).

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28 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

ferindo ler um livro ou tirar uma soneca, alguns indi-víduos relativamente destemidos e outros geralmen-te medrosos ou cautelosos. O fato de que essas dife-renças surgem cedo, de que são duradouras e pare-cem ser relativamente dependentes da história deaprendizagem do indivíduo sugere que essas diferen-ças se devem a características genéticas ou hereditári-as. Freqüentemente, diz-se que os pais são “ambien-talistas” com o nascimento de seu primeiro filho, masque, após verem as notáveis diferenças em seus filhosa partir do seu nascimento, tornam-se “heredita-rianistas” com o nascimento de outros filhos.

Os determinantes genéticos também passarama ser enfatizados por psicólogos da personalidade queenfatizam nossa herança evolutiva (Buss, 1991; 1995;1999; 2000; Buss e Kenrick, 1998). Segundo esses psi-cólogos, muitos padrões de comportamento datam denossa herança evolutiva e relacionam-se com genescompartilhados com membros de outras espécies. Em-bora, na maioria dos casos, tenhamos uma tendênciaa pensar sobre como os genes nos tornam diferentesdos outros, também é importante ter em mente o quan-to de nossa constituição genética é compartilhada comos outros e com membros de outras espécies. Assim,no nível mais básico, a maioria de nós tem dois olhos,dois ouvidos, um nariz, e assim por diante. Mas além

disso, os psicólogos evolucionistas da personalidadetambém sugerem que compartilhamos de padrões so-ciais de relacionamento. Por exemplo, segundo essespsicólogos, as características consideradas como de-sejáveis para um companheiro do sexo masculino oufeminino, as diferenças masculinas ou femininas noenvolvimento parental, o altruísmo e as emoções bá-sicas experimentadas refletem nossa herança evo-lutiva, na forma de informações contidas nos genes.Os psicólogos que enfatizam as emoções básicas (porexemplo, raiva, tristeza, alegria, nojo, medo) sugeremque essas emoções são inatas, com as informações re-levantes codificadas em nossos genes (Ekman, 1992;1993; 1994; Izard, 1991; 1994). Assim, as crianças, bemcomo os adultos, e os chimpanzés, bem como os hu-manos, experimentam essas emoções devido à heran-ça evolutiva compartilhada e à estrutura genética com-partilhada. Isso não significa dizer que a experiêncianão desempenhe um papel em relação a quais emo-ções um indivíduo está mais ou menos propício a en-contrar, ou em quais emoções particulares são experi-mentadas e na forma como elas são expressadas, masque esses desenvolvimentos ocorrem em relação auma estrutura genética subjacente. Em síntese, osgenes desempenham o papel de nos tornar parecidoscomo humanos e diferentes como indivíduos.

Influências genéticas no desenvolvimento da personalidade: o desenvolvimento da personalidade reflete a interaçãode forças ambientais e genéticas. Os trigêmeos apresentados aqui haviam sido separados na infância e se reencontra-ram quando já eram jovens. Eles verificaram que não apenas eram parecidos, como também sorriam e falavam damesma forma.

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29Personalidade: teoria e prática

Determinantes ambientais

Os determinantes ambientais abrangem influênci-as que tornam muitos de nós semelhantes uns aos ou-tros, assim como as experiências que nos tornam únicos.

Cultura Significativas entre os determinantes ambien-tais da personalidade são as experiências que os indi-víduos têm como resultado de pertencerem a uma de-terminada cultura. Cada cultura tem os seus própriospadrões institucionalizados e sancionados de compor-tamentos aprendidos, rituais e crenças. Isso significaque a maioria dos membros de uma cultura terão cer-tas características de personalidade em comum. Assim,freqüentemente, não temos consciência de influênciasculturais até termos contato com membros de uma cul-tura diferente, que enxergam o mundo de maneira di-ferente, e talvez desafiem nossa própria visão aceita domundo. Apesar de podermos considerar essas influên-cias óbvias, o impacto que exercem é enorme, influen-ciando virtualmente cada aspecto de nossa existência –como definimos nossas necessidades e nossa maneirade satisfazê-las; nossas experiências de diferentes emo-ções e como expressamos o que estamos sentindo; nos-sos relacionamentos com as outras pessoas e conosco;o que consideramos engraçado ou triste; como lidamoscom a vida e a morte; e aquilo que consideramos sau-dável ou doente (Cross e Markus, 1999; Fiske, Kitayama,Markus e Nisbett, 1998; Markus e Kitayama, 1991).

Classe social Embora certos padrões de comporta-mento desenvolvam-se como resultado de o indiví-

duo pertencer a uma certa cultura, outros são desen-volvidos como resultado de pertencer a uma classesocial. Poucos aspectos da personalidade de um indi-víduo podem ser compreendidos sem referência a umgrupo ao qual a pessoa pertença. O grupo social doindivíduo – seja classe baixa ou alta, classe operáriaou profissional – tem importância particular. Os fato-res relacionados com a classe social determinam ostatus dos indivíduos, os papéis que eles desempe-nham, os deveres que lhes são atribuídos e os privilé-gios de que desfrutam. Esses fatores influenciam a ma-neira como os indivíduos vêem a si mesmos e comoeles percebem os membros de outras classes sociais,assim como o modo como ganham e gastam dinhei-ro. Como os fatores culturais, os fatores relacionadoscom a classe social influenciam a maneira como aspessoas definem situações e como respondem a elas.

Família Além das semelhanças determinadas por fa-tores ambientais, como pertencer à mesma cultura ouclasse social, os fatores ambientais levam a uma vari-ação considerável no funcionamento da personalida-de de membros de uma cultura ou classe única. Umdos fatores ambientais mais importantes é a influên-cia da família (Collins et al., 2000; Halverson eWampler, 1997; Maccoby, 2000). Os pais podem serafetuosos e amorosos ou hostis e indiferentes,superprotetores ou possessivos, ou conscientes dasnecessidades de liberdade e autonomia de seus filhos.Cada padrão de comportamento parental afeta o de-senvolvimento da personalidade da criança. Os pais

Determinantes da personalidade: as diferenças genéticas e as diferentes experiências de vida, tanto dentro quantofora da família, contribuem para o surgimento de diferenças de personalidade entre irmãos.

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influenciam o comportamento de seus filhos de, pelomenos, três maneiras importantes:

1. Através de seu comportamento, eles apresentamsituações que produzem certos comportamentosnas crianças (por exemplo, a frustração leva àagressão).

2. Eles servem como modelos de identificação.3. Eles recompensam comportamentos de forma

seletiva.

Recentemente, os pesquisadores começaram a seconcentrar na seguinte questão: Por que crianças damesma família são tão diferentes? A resposta não estáapenas em diferenças constitutivas, mas também nasdiferentes experiências que irmãos têm como mem-bros da mesma família e em experiências fora da fa-mília (Dunn e Plomin, 1990; Plomin e Caspi, 1999;Plomin e Daniels, 1987). Para surpresa de muitas pes-soas, as diferentes experiências de irmãos (o ambien-te não-compartilhado) podem ser até mesmo maisimportantes para o desenvolvimento da personalida-de do que as experiências compartilhadas como mem-bros da mesma família.

Pares Se o ambiente familiar compartilhado não fortão importante como muitos pensam, quais experiên-

cias ambientais são importantes? Talvez sejam as ex-periências familiares que são únicas de cada criança.Recentemente, foi sugerida uma outra alternativa.Segundo essa visão, o ambiente dos pares é o que res-ponde pelos efeitos ambientais sobre o desenvolvi-mento da personalidade: “As experiências em gru-pos de pares na infância e na adolescência, e não asexperiências no lar, respondem por influências am-bientais sobre o desenvolvimento da personalidade.A resposta para a questão ‘Por que crianças de mes-ma família são tão diferentes?’ (Plomin e Daniels,1987) é: porque elas têm diferentes experiências forade casa e porque suas experiências dentro de casa nãoas tornam iguais” (Harris, 1995, p. 481).

O que é sugerido aqui é que as crianças apren-dem muitas coisas em casa, mas que essas influênciassão específicas do ambiente de casa e, freqüentemente,desaparecem frente às influências do grupo de pares.Assim, o grupo de pares serve para socializar o indiví-duo a aceitar novas regras de comportamento e pro-porciona experiências que terão influências duradou-ras sobre o desenvolvimento da personalidade. De acor-do com essa visão, os laços parentais são importantespara o desenvolvimento inicial, mas o importante parao desenvolvimento posterior e mais duradouro da per-sonalidade é o envolvimento com os pares.

QUESTÕES ATUAIS

HÁ LIMITES NA INFLUÊNCIA FAMILIAR?

Por um longo tempo, os psicólogos da perso-nalidade e do desenvolvimento supuseram que a fa-mília tivesse importância fundamental na formaçãoda personalidade. De maneira mais específica, pres-supôs-se que as crianças de uma mesma família com-partilhassem de características da personalidade emvirtude de influências ambientais compartilhadas –ou seja, como resultado de serem membros da mes-ma família. Conforme foi comentado no texto, osgeneticistas comportamentais – indivíduos que es-tudam a relação entre a semelhança genética e ascaracterísticas de personalidade, e que a partir daíbuscam determinar a influência genética sobre a per-sonalidade – sugerem que irmãos que crescem na

mesma família não compartilham do mesmo ambi-ente. Ao invés disso, o ambiente familiar é diferentepara cada irmão.

Além disso, alguns geneticistas comporta-mentais sugerem que o ambiente familiar tem influ-ência sistemática limitada sobre a personalidade comoum todo! A sugestão é que os genes desempenhemum papel maior no desenvolvimento da personali-dade do que as experiências familiares, em termos deinfluências genéticas diretas e da forma como as dife-renças genéticas levam os indivíduos a responder demaneira diferente para o mesmo ambiente. Por exem-plo, crianças de temperamento agressivo podem se-lecionar ambientes diferentes, provocar diferentes res-

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postas nos outros e responder de maneira diferenteaos mesmos eventos ambientais do que crianças detemperamento passivo. Assim, embora as experiên-cias ambientais possam ser algo importantes, sugere-se que, em um sentido amplo, essas experiências ocor-ram fora do ambiente familiar e, mais uma vez, se-jam influenciadas por fatores genéticos.

Essas visões não foram aceitas livremente porpsicólogos que enfatizam a importância das experiên-cias familiares em moldar as semelhanças, assim comoas diferenças verificadas entre irmãos. Em um estudorecente, que é particularmente notável, verificou-se queas atitudes relativas aos relacionamentos românticoseram amplamente influenciadas por um ambiente fa-miliar comum e dificilmente influenciadas por fatores

genéticos. Segundo os autores do estudo, “um ambientefamiliar comum desempenha um papel considerávelem determinar os estilos de amar, uma descoberta com-patível com as teorias que enfatizam a importância dasinterações familiares no desenvolvimento da persona-lidade” (Waller e Shaver, 1994, p. 268). Talvez a melhorafirmação que se possa fazer no momento é que aindatemos muito a aprender sobre a maneira como os genese os ambietes interagem para moldar diversas caracte-rísticas da personalidade.

Fontes: Harris, 1998; Hoffman, 1991; Maccoby, 2000;Rowe, 1999; Scarr, 1992; Stoolmiller, 1999; Waller eShaver, 1994).

RELAÇÕES ENTRE DETERMINANTESGENÉTICOS E AMBIENTAIS

Conforme mencionado, os psicólogos têm deba-tido historicamente sobre a relativa importância dosgenes e do ambiente. Ao mesmo tempo, provavelmen-te todos os psicólogos concordariam que esse é um de-bate sem sentido, pois os genes e o ambiente estão sem-pre interagindo entre si – ou seja, nunca há genes semum ambiente e um ambiente sem genes. Assim, a ques-tão para os psicólogos torna-se entender o processo dedesenvolvimento da personalidade como resultado dasinterações contínuas entre os genes e o ambiente. Porexemplo, considere o conceito de amplitude de variação(Gottesman, 1963). Esse conceito sugere que a heredi-tariedade fixa um número de resultados possíveis, maso ambiente é que finalmente determina o resultado es-pecífico. Ou seja, a hereditariedade pode estabeleceruma amplitude, dentro da qual o desenvolvimentoavançado de uma característica é determinado peloambiente. Por exemplo, a hereditariedade pode definiros limites do talento em música ou em esportes, mas oambiente irá determinar o nível específico e a forma dedesenvolvimento de cada talento.

Apesar de útil, o conceito de amplitude de va-riação não retrata o processo ativo de interação con-tínua entre a hereditariedade e o ambiente. Uma vezvindos ao mundo, os bebês não apenas são expostosa diferentes ambientes, mas também, com base em

diferenças constitucionais herdadas, evocam diferen-tes respostas do ambiente. Por exemplo, a criançahiperativa evoca respostas diferentes por parte dospais do que a criança tranqüila, a criança fisicamen-te atraente evoca respostas diferentes do que a cri-ança que não é fisicamente atraente, a garota evocarespostas diferentes do que o garoto. Com mais de-senvolvimento, a pessoa busca diferentes ambientes,com base, em parte, em diferenças constitucionais e,em parte, com base em experiências passadas de pra-zer ou dor em ambientes específicos. Assim, em vezde uma simples relação de causa e efeito, temos umainteração contínua, ou um processo recíproco, entrea hereditariedade e o ambiente.

Para sintetizar, a personalidade é determinadapor muitos fatores que interagem, incluindo forçasgenéticas, culturais, de classe social e de família. Ahereditariedade estabelece os limites na amplitude dedesenvolvimento de características; dentro dessa am-plitude, as características são determinadas por for-ças ambientais. A hereditariedade nos proporcionatalentos que uma cultura pode ou não recompensar ecultivar. É possível enxergar a interação dessas diver-sas forças genéticas e ambientais em qualquer aspec-to significativo da personalidade. Uma teoria da per-sonalidade deve explicar o desenvolvimento de es-truturas e padrões de comportamento. Uma teoria dapersonalidade deveria explicar o que se desenvolve,como e por quê.

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Psicopatologia e Mudançade Comportamento

Para tentar explicar esses aspectos variados docomportamento humano, uma teoria da personalida-de completa deve incluir análises de por que certaspessoas são capazes de enfrentar os estresses da vidacotidiana e, de um modo geral, experimentar satisfa-ção, ao passo que outros desenvolvem respostaspsicopatológicas (comportamento anormal devido acausas psicológicas). Além disso, essa teoria deveriasugerir psicoterapias ou meios através dos quais asformas patológicas de comportamento pudessem sermodificadas. Embora nem todos os teóricos da perso-nalidade sejam terapeutas, uma teoria da personali-

dade completa deveria sugerir como e por que as pes-soas mudam ou resistem à mudança.

RESUMO

Esta seção explorou cinco áreas que uma teoria dapersonalidade completa deve levar em conta e atravésdas quais podem-se comparar teorias da personalidade:estrutura, processo, desenvolvimento, psicopatologia emudança. Essas áreas representam abstrações ou manei-ras de construir o campo. Essas abstrações conceituaissão encontradas em outras ciências além da psicologia.Elas definem áreas que uma teoria da personalidadedeveria abranger – aquilo que chamamos de o o quê, ocomo, e o por que da personalidade.

QUESTÕES IMPORTANTES NA TEORIA DA PERSONALIDADE

Através da história relativamente breve da teoriada personalidade, inúmeras questões têm desafiado osteóricos repetidamente (Pervin, 1999). A maneira comoeles tratam essas questões define as principais caracte-rísticas de cada posição teórica. Assim, ao revisar di-versas teorias da personalidade, devemos considerarquanta atenção cada teórico dedica a essas questões ecomo cada teórico resolve cada questão.

A VISÃO FILOSÓFICA DA PESSOA

Qual é a natureza básica das pessoas? Uma vi-são filosófica da natureza humana tende a estar portrás das atuais teorias da personalidade. Por exem-plo, uma teoria considera a pessoa como um organis-mo que raciocina, escolhe e decide (visão racional),ao passo que outra vê a pessoa como um organismoque é conduzido, impelido, irracional (visão animal);uma teoria considera que a pessoa responde automa-ticamente a estímulos externos (visão da máquina),ao passo que outra considera que a pessoa processainformações como um computador (visão do compu-tador).

Os proponentes de diferentes pontos de vista ti-veram diferentes experiências de vida e foram influ-enciados por diferentes tradições históricas. Assim,além de fatos e evidências científicas, as teorias da per-sonalidade são influenciadas por fatores pessoais, pelo

espírito da época e por pressupostos filosóficos ca-racterísticos dos membros de uma dada cultura(Pervin, 1987b). Ainda que baseadas em dados obser-vados, as teorias enfatizam seletivamente certos tiposde dados e extrapolam além do que é conhecido e,portanto, podem ser influenciadas por fatores pesso-ais e culturais. Até certo ponto, falamos sobre nósmesmos ao desenvolver teorias psicológicas. Isso nãoé um problema em si. Os determinantes pessoais deuma teoria somente representam um problema quan-do as experiências pessoais tornam-se mais importan-tes do que outros tipos de experiência e ignoram asevidências das pesquisas.

DETERMINANTES INTERNOS EEXTERNOS DO COMPORTAMENTO

O comportamento humano é determinado porprocessos que ocorrem dentro da pessoa ou por even-tos externos? A questão aqui diz respeito à relação en-tre os determinantes internos e os externos. Todas asteorias da personalidade reconhecem que fatores inter-nos ao organismo e eventos no ambiente circundantesão importantes para determinar o comportamento. En-tretanto, as teorias diferem no nível de importância atri-buído aos determinantes internos e externos. Conside-re-se, por exemplo, a diferença entre a visão de Freud,de que somos controlados por forças internas desco-

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nhecidas, e a sugestão de Skinner, de que “uma pessoanão age sobre o mundo, o mundo age sobre ela” (1971,p. 211). Enquanto que a visão freudiana considera apessoa como ativa e responsável por seu comportamen-to, a skinneriana considera a pessoa como uma vítimapassiva dos eventos no ambiente. A visão freudiana su-gere que concentremos nossa atenção naquilo que estáacontecendo dentro da pessoa; a visão skinnerianasugere que esses esforços são insensatos e que seria ló-gico concentrarmo-nos em variáveis ambientais.

Embora as visões freudiana e skinneriana repre-sentem extremos que muitos psicólogos evitam, amaioria dos psicólogos ainda enfatiza suas teorias nadireção de fatores internos ou externos. Periodicamen-te, há uma mudança de ênfase, dos fatores internospara os externos, ou vice-versa, com um ocasional cha-mado para uma investigação da relação entre os dois.Por exemplo, na década de 1940, um psicólogo bra-dou contra a tendência prevalecente de superestimara importância dos fatores internos (pessoais) sobre osexternos (ambientais) para a personalidade (Ichheiser,1943). Na década de 1970, outro psicólogo perguntou“Onde está a pessoa na pesquisa da personalidade?”(Carlson, 1971). Mais recentemente, o debate com re-lação ao papel das forças internas e externas em go-vernar o comportamento foi ressaltado na controvér-sia pessoa-situação. Em seu livro de 1968, Personality andAssessment, o teórico da aprendizagem social WalterMischel criticou as teorias da personalidade tradicio-nais por sua ênfase em estruturas internas estáveis eduradouras, que leva à percepção do comportamen-to das pessoas como razoavelmente imutável com otempo e através de diferentes situações. Ao invés deenfatizar características amplas da personalidade quefuncionam independentemente de fatores externos,Mischel sugeria que as mudanças nas condições in-ternas ou ambientais modificam o modo como a pes-soa se comporta. Tais mudanças resultam em com-portamentos que são relativamente específicos da si-tuação: cada situação ambiental age independente-mente para afetar o comportamento individual.

Desde a publicação do livro de Mischel, consi-derável atenção tem sido dedicada à controvérsia in-terno-externo (pessoa-situação). Em primeiro lugar,houve o debate a respeito de se as pessoas ou as situa-ções controlam o comportamento, e se as pessoas ouas situações são mais importantes e, finalmente, a acei-tação da visão de que ambas são importantes e intera-gem entre si (Endler e Magnusson, 1976; Magnusson

e Endler, 1977; Snyder e cantor, 1998). Quase todos ospesquisadores, atualmente, sugerem uma ênfase nainteração pessoa-situação, mesmo que discordânciasfundamentais permaneçam. Mesmo quando as pes-soas, situações e interações são todas aceitas comosendo importantes, existem diferenças teóricas comrelação a o quê na pessoa interage como e com o quê nasituação. Assim, o debate interno-externo permanecevivo e é uma questão que deve ser mantida em menteao se considerar vários pontos de vista teóricos.

CONSISTÊNCIA EM DIFERENTESSITUAÇÕES E AO LONGO DO TEMPO

O quão consistente é a personalidade de situaçãopara situação? Por exemplo, até que ponto você é “amesma pessoa” quando está com seus amigos e comseus pais? Em uma festa ou em uma discussão em salade aula? Em termos de consistência com o passar dotempo, o quão semelhante é a sua personalidade agoraao que ela era quando você era criança? E o quão seme-lhante ela será daqui a vinte anos? Mais uma vez, veri-ficamos que os teóricos da personalidade adotam dife-rentes posições quanto a essa questão. A questão daconsistência através de situações está relacionada coma controvérsia pessoa-situação discutida a pouco. Al-guns teóricos sugerem que as pessoas são muito variá-veis, sendo pessoas totalmente diferentes de um con-texto para outro. Embora as pessoas difiram claramen-te nesse sentido, alguns sendo mais consistentes e ou-tros mais variáveis, podemos perguntar se as pessoasgeralmente parecem ser consistentes ou variáveis emseu comportamento em situações diferentes. De ummodo mais geral, podemos perguntar como uma teo-ria explica a consistência e a variabilidade que existeno comportamento de cada pessoa através de uma va-riedade de situações.

Com relação à consistência ao longo do tempo,alguns teóricos da personalidade enfatizam a conti-nuidade da personalidade com o tempo (Caspi eRoberts, 1999). Segundo essa perspectiva, a criança é“o pai do homem”, e, quando uma pessoa atinge aidade de vinte e cinco anos, sua personalidade está“firme como cimento” (Costa e McCrae, 1994a). Ou-tros teóricos da personalidade enfatizam a falta decontinuidade entre a infância e a idade adulta (Lewis,1999). Segundo essa perspectiva, não é de surpreen-der que seja tão difícil prever o que será da criança ou

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quando um adulto toma um rumo que representa umafastamento claro de padrões da infância. De fato, al-guns psicólogos sugerem que a previsibilidade da in-fância para a idade adulta é muito limitada, particu-larmente devido a todas as ocorrências ao acaso quedesempenham algum papel no desenvolvimento hu-mano (Lewis, 1995).

A questão da consistência da personalidade écomplexa, e as respostas dependem, em parte, do as-pecto da personalidade a ser considerado. Seria deesperar que as pessoas mudassem mais em algumascaracterísticas do que em outras, que mudassem maisrapidamente em características da personalidade me-nos centrais e menos rapidamente em característicasmais centrais. Além disso, a questão gira, em parte,em torno da definição de consistência do indivíduo,ou seja, a consistência exige que a pessoa se comportede maneira idêntica ou que seu comportamento refli-ta o mesmo padrão de personalidade? Uma criançaagressiva, por exemplo, pode permanecer agressivacomo adulto, mas canalizar a agressão de maneirabastante diferente. Existe consistência nesse caso? Umapessoa pode parecer diferente em duas ocasiões dife-rentes ou em duas situações diferentes, mas a perso-nalidade subjacente pode ser a mesma, assim como aestrutura subjacente da água, do gelo e do vapor é amesma, apesar das aparências tão diferentes. Emsuma, os teóricos da personalidade diferem em suasvisões com relação ao nível em que as pessoas sãoconsistentes através de diferentes situações e ao lon-go do tempo.

A UNIDADE DO COMPORTAMENTOE O CONCEITO DE SELF

Como podemos explicar a natureza integrada degrande parte de nosso funcionamento, ou seja, o fatode que nosso comportamento geralmente apresentaum padrão e organização ao invés de aleatoriedadeou caos? A maioria dos psicólogos concordam que ocomportamento humano resulta não apenas da ope-ração de partes específicas, mas também das relaçõesentre essas partes. Até certo ponto, isso é verdadeiropara um sistema mecânico como um automóvel; é ain-da mais verdadeiro para um sistema vivo como o cor-po humano. Em vez de ser formado por respostas iso-ladas, o comportamento humano geralmente expres-sa padrão, organização e integração. Como um carro que

funciona perfeitamente, as partes operam em harmo-nia entre si. Todas elas parecem funcionar juntas paraatingir seus objetivos comuns, ao invés de cada partefuncionando de maneira independente para alcançarobjetivos diferentes, que podem entrar em conflito.De fato, quando o comportamento parece desorgani-zado e desintegrado, suspeitamos que há algo drasti-camente errado com a pessoa. Então, como devemosformular esse padrão e organização? O que proporci-ona uma qualidade integrativa ao comportamento?O conceito de self freqüentemente é utilizado nessesentido (Baumeister, 1999; Robins, Norem e Cheek,1999). Embora muitos teóricos da personalidade dêemgrande atenção a esse conceito, outros preferem rejeitá-lo completamente.

Tradicionalmente, o conceito de self tem sidoenfatizado por três razões. Em primeiro lugar, nossa cons-ciência de nós mesmos representa um importante aspectode nossa experiência fenomenológica ou subjetiva. Emsegundo, um número considerável de pesquisas sugereque a maneira como nos sentimos a nosso próprio res-peito influencia o nosso comportamento em muitas si-tuações. Em terceiro, como mencionado, o conceito deself é utilizado para expressar os aspectos organizados eintegrados do funcionamento da personalidade huma-na. Ao questionar se o conceito de self é necessário, orenomado teórico Gordon Allport (1958) sugeriu quemuitos psicólogos tentaram em vão explicar a integração,organização e unidade da pessoa humana, sem fazer usodo conceito de self.

O conceito de self: os psicólogos da personalidade estãointeressados na maneira como o conceito de self se de-senvolve e ajuda a organizar a experiência.

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35Personalidade: teoria e prática

Sem um conceito de self, o teórico é abandonadoà tarefa de desenvolver um conceito alternativo paraexpressar os aspectos integrados do funcionamentohumano. Por outro lado, a confiança no conceito de selfdeixa o teórico com a tarefa de definir o self de maneiraque possibilite que ele seja estudado de maneira siste-mática, ao invés de deixá-lo definido, de maneira vaga,como algum estranho ser interior. Assim, como pode-mos explicar os aspectos organizados da personalida-de e a utilidade do conceito do self nesse sentido, per-manece uma importante questão de interesse para ospsicólogos da personalidade.

DIFERENTES ESTADOS DE CONSCIÊNCIAE O CONCEITO DE INCONSCIENTE

Até que ponto temos consciência de grande partede nossa vida mental interna e das causas do comporta-mento? Uma quinta questão de contínua preocupaçãopara a maioria dos teóricos da personalidade é comoconceitualizar o papel de diferentes estados de consci-ência no funcionamento individual (Kihlstrom, 1990;1999; Pervin, 1996; 1999). A maioria dos psicólogos con-cordam que existe um potencial para diferentes estadosde consciência. Os efeitos de drogas, juntamente com ointeresse em religiões orientais e técnicas de meditação,serviram para aumentar o interesse dos teóricos da per-sonalidade em uma grande variedade de estados altera-dos de consciência. A maioria dos teóricos também acei-ta a visão de que não estamos sempre atentos ou consci-entes de fatores que influenciam o nosso comportamen-to. Entretanto, muitos sentem-se desconfortáveis com ateoria de Freud do inconsciente; eles sentem que ela éutilizada para explicar coisas demais e que ela próprianão se aplica a uma investigação empírica.

Mas como iremos explicar fenômenos tão diver-sos como atos falhos, sonhos e nossa capacidade emcertas circunstâncias para lembrar de eventos do pas-sado que pareciam ter sido esquecidos? Seriam essesfenômenos relacionados ou separados? Eles devemser compreendidos segundo o funcionamento de uminconsciente, ou existem explicações alternativas pos-síveis? Como veremos, a questão aqui é importanteem relação à mensuração da personalidade assimcomo à teoria da personalidade. Até que ponto pode-mos contar que as pessoas irão nos fornecer relatosprecisos de si mesmas? Elas têm consciência de certascoisas, mas não de outras? Com relação ao conceito

de self, as pessoas têm consciência de seus sentimen-tos sobre si mesmas, ou alguns desses sentimentos sãoinconscientes? Se não podemos reconhecer alguns sen-timentos importantes com relação a nós mesmos, quaissão as implicações desse fato para as tentativas demedir as percepções do self?

RELAÇÕES ENTRE COGNIÇÃO, AFETOE COMPORTAMENTO OBSERVÁVEL

Até que ponto nossos pensamentos, sentimen-tos e comportamentos observáveis estão relacionadosentre si? Seria um deles mais casual do que os outros,ou seja, será que os sentimentos mudam nossos pen-samentos, ou os pensamentos mudam nossos senti-mentos? Ou, seriam os dois possíveis?

A personalidade abrange as cognições (proces-sos de pensamento), afetos (emoções, sentimentos)e comportamentos observáveis. Nem todos os psicó-logos concordam que todas essas áreas mereçam serinvestigadas, e mesmo onde existe um acordo, exis-tem grandes diferenças no que diz respeito às rela-ções entre eles. Como veremos mais adiante no tex-to, o behaviorismo radical levou a um foco no com-portamento observável e à rejeição da investigaçãode processos internos como os pensamentos e os sen-timentos. Assim, a partir da década de 1950, umarevolução cognitiva aconteceu na psicologia, levan-do à dominação do campo por teorias cognitivas. Poralgum tempo, a área do afeto foi ignorada, emboranos últimos anos tenha havido fortes sinais de umcrescente interesse no afeto em si e em suas implica-ções para o pensamento e para a ação.

Os psicólogos da personalidade diferem quan-to ao peso relativo ou à atenção que colocam em cadauma dessas áreas do funcionamento. Isso tem uminteresse particular, já que diz respeito ao que é in-vestigado, como a pesquisa é conduzida e como ava-liamos a personalidade. Ou seja, diferentes métodosde investigação e avaliação da personalidade estãoenvolvidos no estudo dos pensamentos, sentimen-tos e comportamentos humanos. Os psicólogos dapersonalidade também diferem em suas visões dasrelações causais entre os pensamentos, sentimentose comportamentos. Por exemplo, ao passo que al-guns teóricos da personalidade atribuem primaziaaos afetos, outros teóricos dão primazia ao papel dacognição no afeto e no comportamento.

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É interessante considerar a relevância desses fe-nômenos à luz da própria personalidade. Por exem-plo, quanto de sua personalidade é expressa em com-portamentos observáveis? Podemos descobrir tudo oque há para saber sobre você, observando o seu com-portamento? Conhecendo os seus pensamentos? Co-nhecendo os seus sentimentos? Ou a personalidade en-volve todos os três e ainda – de maneira mais significa-tiva – as relações entre o que você está pensando, o quevocê está sentindo e a maneira como se comporta? Amudança para um é mais central do que para os ou-tros? Quais são os mais fáceis de serem mudados – ospensamentos, os sentimentos ou os comportamentos?

A INFLUÊNCIA DO PASSADO, DO PRESENTE EDO FUTURO SOBRE O COMPORTAMENTO

Até que ponto somos “prisioneiros do nossopassado”, em oposição, por exemplo, a sermos sem-pre moldados por nossa visão do futuro? A questãofinal a ser considerada aqui diz respeito à importân-cia do passado, do presente e do futuro em governaro comportamento. Os teóricos concordam que o com-portamento apenas pode ser influenciado por fato-res que operam no presente. Nesse sentido, somenteo presente é importante para compreender o com-portamento, mas o presente pode ser influenciado

por experiências ocorridas no passado distante ouno passado recente. De maneira semelhante, aquiloque o indivíduo pensa sobre o presente pode ser in-fluenciado por pensamentos sobre o futuro imedia-to ou o futuro distante. As pessoas variam quanto àextensão em que se preocupam com o passado e como futuro. E os teóricos da personalidade diferem emseu interesse no passado e no futuro como determi-nantes do comportamento no presente. Em um ex-tremo, está a teoria psicanalítica, que atribui impor-tância a experiências de aprendizado passadas. Nooutro extremo, está a teoria cognitiva, que enfatizaos planos do indivíduo para o futuro. Entretanto, aquestão não é se os eventos que aconteceram no pas-sado podem ter efeitos duradouros ou se previsõessobre o futuro podem ter efeitos no presente (os teó-ricos concordam, sem dúvida, que ambos são possí-veis e ocorrem), mas como conceitualizar o papel dasexperiências passadas e de previsões futuras, e comoconectar sua influência com aquilo que está ocorren-do no presente.

RESUMO

Ao tentar explicar o o quê, o como e o por quê dofuncionamento humano, os teóricos da personalida-de enfrentam muitas questões. Sete questões de im-

Os efeitos da experiência passada: os psicólogos geralmente concordam que experiências passadas podem ser impor-tantes para o desenvolvimento da personalidade, mas discordam sobre se essas experiências levam ao desenvolvimen-to de características relativamente fixas da personalidade.

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37Personalidade: teoria e prática

portância particular foram mencionadas aqui: (1) avisão filosófica da pessoa; (2) a relação entre as influ-ências internas (pessoais) e externas (situacionais) nadeterminação do comportamento; (3) a consistênciada personalidade em diferentes situações e ao longodo tempo; (4) o conceito de self e como explicar osprocessos organizados do funcionamento da perso-nalidade; (5) o papel dos diversos estados de consci-ência e o conceito de inconsciente; (6) as relações en-

tre a cognição, o afeto e o comportamento; e (7) o pa-pel do passado, presente e futuro em governar o com-portamento. É claro que muitas outras questões inte-ressam aos teóricos da personalidade e explicam asdiferenças entre eles, mas o propósito aqui foi mos-trar apenas as principais. A importância dessas e deoutras questões irá ficar cada vez mais clara à medidaque considerarmos as posições dos vários teóricos noscapítulos a seguir.

AVALIAÇÃO DE TEORIAS

Em um sentido, todos somos teóricos da perso-nalidade e psicólogos da personalidade, ou seja, to-dos nós desenvolvemos maneiras de organizar infor-mações sobre as pessoas, de fazer previsões sobre amaneira como os indivíduos irão se comportar, de fa-zer observações e de revisar nossas posições de acor-do com elas (G. A. Kelly, 1955). O que diferencia otrabalho dos teóricos da personalidade profissionaisdas pessoas em seu comportamento cotidiano é queos teóricos profissionais tornam suas teorias mais ex-plícitas e são mais sistemáticos ao testá-las. Ao passoque, em nossas vidas cotidianas, normalmente deixa-mos nossas teorias implícitas, raramente formulando-as ou conferindo-lhes alguma organização formal.Como psicólogos da personalidade, tornamos nossasteorias explícitas, declarando claramente as unidadese os processos básicos que consideramos que regu-lam o comportamento humano.

Indo mais além nessa analogia, como podemoscomparar a avaliação de nossas teorias em nossas vi-das cotidianas com a avaliação de teorias no trabalhocientífico dos psicólogos da personalidade? Em nos-sa vida cotidiana, presumivelmente buscamos encon-trar padrões, regularidade e previsibilidade em even-tos. Se não fôssemos capazes de encontrar ordem eprevisibilidade, o mundo nos pareceria caótico. Comofuncionaríamos? Quanto mais conseguimos explicare prever os eventos, melhor ficamos. Além disso, comofreqüentemente devemos tomar decisões rapidamen-te, buscamos um sistema para interpretar os eventose fazer previsões que seja o mais simples e fácil deutilizar possível. Finalmente, como somos todos falí-veis e, na melhor das hipóteses, cientistas imperfei-tos, devemos estar abertos para reconhecer erros emnossas visões e sermos capazes de corrigi-los. Embo-ra freqüentemente hesitemos em fazê-lo, periodica-

mente devemos testar nossas idéias e descobrir o quan-to podemos confiar nelas. E, embora freqüentementesejamos capazes de grande auto-engano ao lermos asevidências e podermos relutar muito a acreditar nosdados, geralmente estamos pelo menos um poucoabertos à necessidade de revisão de nossas visões outeorias implícitas.

Esses princípios básicos, que a maioria de nósseguimos em nossas vidas cotidianas, possuem para-lelos nos princípios seguidos pelos psicólogos da per-sonalidade como cientistas, embora, mais uma vez,existam diferenças. Conforme já mencionado, as re-gras da ciência exigem que as teorias sejam explici-tadas ao invés de ficarem implícitas. Além disso, aopasso que podemos ser não-sistemáticos na coleta deinformações em nossas vidas cotidianas, as regras daciência requerem que sejamos sistemáticos em nossacoleta de dados e que outros cientistas consigam ob-ter resultados idênticos àqueles que relatamos ter ob-servado. Com relação à avaliação de teorias, os crité-rios utilizados pelos psicólogos da personalidade as-semelham-se àqueles que seguimos em nossas vidascotidianas e baseiam-se nas funções da teoria – a or-ganização de informações existentes e a previsão denovas descobertas. Os critérios para avaliação de teo-rias da personalidade são a abrangência, a parcimôniaou simplicidade e a relevância para a pesquisa (Hall eLindzey, 1957). Assim como ocorre com as teoriasimplícitas que utilizamos em nossas vidas cotidianas,as teorias explícitas dos psicólogos da personalidadepodem ser avaliadas de acordo com a quantidade dedados que podem explicar de maneira simples e parci-moniosa, e com a sua utilidade para nos ajudar a pre-ver e explicar eventos. Foi sugerido anteriormente quea função de uma teoria é organizar o que é conhecidoe apontar para a descoberta do que ainda é desconhe-

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cido. Os dois primeiros critérios, a abrangência e aparcimônia, relacionam-se com a função de organi-zação da teoria; o terceiro critério, a relevância para apesquisa, com a função de direcionamento.

ABRANGÊNCIA

Uma boa teoria é abrangente no sentido que elaabrange e explica uma ampla variedade de dados. Essateoria dirige-se a cada um dos domínios do compor-tamento discutidos anteriormente. É importante ques-tionar quantos tipos diferentes de fenômenos a teoriaconsegue explicar. Entretanto, não devemos ser me-ramente quantitativos. Nenhuma teoria consegueexplicar tudo, portanto, também devemos questionarse os fenômenos que uma teoria explica são tão im-portantes ou centrais para o comportamento humanoquanto os fenômenos que outra teoria abrange. É im-portante reconhecer que a abrangência envolve o nú-mero e a significância dos fatos que a teoria explica.

Enquanto consideramos o grau de abrangênciade uma teoria, também devemos considerar se ela lidaespecificamente com os eventos com os quais está rela-cionada. Em outras palavras, a teoria não apenas devecobrir muitos fenômenos diferentes de maneira geral,como deve ser bastante exata em sua cobertura. Umaboa teoria não apenas deve permitir que façamos pre-visões sobre vários eventos, como também deve per-mitir que sejamos bastante específicos em nossas pre-visões. Os conceitos de amplitude e fidelidade abran-gem os critérios em consideração. O conceito de am-plitude relaciona-se com a extensão dos fenômenos quea teoria abrange, o que pode ser denominado de suaamplitude de conveniência, o de fidelidade relaciona-se com os fenômenos aos quais ela é particularmenteaplicável, o que pode ser denominado de seu foco deconveniência. Pode-se fazer uma analogia aqui com osrádios. Um rádio verdadeiramente excelente capta umaampla variedade de estações (amplitude) e recebe o si-nal de cada uma delas com grande clareza (fidelida-de). De maneira semelhante, uma excelente teoria dapersonalidade explica uma larga extensão de fenôme-nos com grande clareza e especificidade. Entretanto,somos freqüentemente forçados a negociar entre a am-plitude e a fidelidade. Um rádio capta mais sinais, mascom menor clareza; outro rádio tem grande clareza, mascapta apenas um número limitado de estações. De ma-neira semelhante, as teorias da personalidade, freqüen-temente, são mais fortes em uma característica do que

em outra, cobrindo uma extensão mais ampla de fenô-menos com um grau menor de especificidade, ou umaextensão mais limitada de fenômenos com um graumaior de especificidade. Assim, embora reconheçamosque a abrangência e a especifidade – a extensão e a fi-delidade – sejam ambas desejáveis, às vezes devemosestar preparados para optar por trocas entre as duas.

PARCIMÔNIA

Além de ser abrangente, uma teoria deve ser sim-ples e parcimoniosa. Ela deve explicar diversos fenô-menos de maneira econômica e internamente consis-tente. Uma teoria que utilize um conceito diferentepara cada aspecto do comportamento ou conceitos quese contradigam será fraca. Esses objetivos de simpli-cidade e abrangência, por sua vez, levantam a ques-tão do nível apropriado de organização e abstraçãode uma teoria da personalidade. À medida que as te-orias tornam-se mais abrangentes e parcimoniosas,elas tendem a se tornar mais abstratas. Portanto, éimportante que, tornando-se abstratas, as teorias re-tenham conceitos claramente relacionados com o com-portamento estudado. Em outras palavras, conceitosnebulosos ou obscuros não devem ser o preço pagopara que uma teoria torne-se mais parcimoniosa.

RELEVÂNCIA PARA A PESQUISA

Finalmente, uma teoria não é verdadeira ou falsa,mas útil ou inútil. Uma boa teoria tem relevância para apesquisa no sentido de que conduz a muitas hipótesesnovas que podem ser confirmadas através de pesquisassistemáticas. Isso é o que Hall e Lindzey chamam de tra-dução empírica: ela especifica variáveis e conceitos de talmodo que haja concordância quanto ao seu significadoe com relação ao seu potencial de medição. A traduçãoempírica significa que os conceitos de uma teoria sãoclaros, explícitos e levam à expansão do conhecimento;eles devem ter poder preditivo. Em outras palavras, umateoria deve conter hipóteses testáveis sobre as relaçõesentre os fenômenos. Uma teoria que não está aberta aoteste da negação – que potencialmente não pode ser de-monstrada como errada – é uma teoria fraca; ela condu-ziria à discussão e ao debate, mas não ao progresso cien-tífico. Seja qual for o destino da teoria, se ela conduz anovos insights e novas técnicas de pesquisa, ela faz umacontribuição valiosa para a ciência.

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39Personalidade: teoria e prática

RESUMO

Os critérios da abrangência, parcimônia e rele-vância para a pesquisa proporcionam a base para aavaliação comparativa de teorias da personalidade.Ao compararmos teorias, contudo, podemos fazerduas perguntas: Elas abordam os mesmos fenômenos?Elas estão no mesmo estágio de desenvolvimento?Duas teorias que lidam com diferentes tipos de com-portamento podem ser avaliadas com relação a essestrês critérios. Entretanto, não devemos ter de optarentre as duas teorias; cada uma pode conduzir a no-vos insights com a esperança de que, em algum mo-

mento, ambas possam ser integradas em uma teoriaúnica mais abrangente. Finalmente, uma teoria novae imatura pode ser incapaz de explicar muitos fenô-menos, mas pode conduzir a algumas observaçõesimportantes e apresentar a promessa de tornar-se maisabrangente com o tempo. Essa teoria pode ser inca-paz de explicar fenômenos que se considere que ou-tra teoria estabelecida explique, mas pode represen-tar um marco em áreas significantes que anteriormenteeram intocadas. É como ter uma idéia nova, que ne-cessita ser testada, mas que parece explicar fenôme-nos que anteriormente eram confusos ou que não eramexplicados.

O campo da personalidade é cheio de questõesque dividem os cientistas ao longo de linhas bem-defi-nidas e que levam a escolas alternativas e rivais de pen-samento. É importante reconhecer que essas diferen-ças teóricas existem e que elas podem não ser resol-vidas rapidamente pelo debate e pela prova experimen-tal. As ciências sociais ainda estão em um estágio inici-al de seu desenvolvimento. Portanto, não devemos nossurpreender por encontrarmos visões opostas que rei-vindiquem o mesmo entendimento mas que enfatizemdiferentes observações e modos de pesquisa.

Qual é, então, o papel da teoria no estudo dapersonalidade? Todo o plano deste livro sugere que ateoria é importante para nossos objetivos de entendere explicar o comportamento humano. Podemos sercríticos da teoria da personalidade, como muitos cor-retamente são, e podemos até afastarmo-nos da teo-

ria e dedicarmo-nos a problemas de pesquisa deta-lhados, como muitos psicólogos estão fazendo. Mas,em última análise, a teoria é necessária, e uma boateoria da personalidade será desenvolvida.

A posição adotada neste livro é de que sempresomos guiados pela teoria em nossas tentativas deestudar e de entender as pessoas. A questão é em quenível formulamos e testamos nossas teorias. A tarefados psicólogos da personalidade é tornar suas teoriasexplícitas e abertas à investigação científica. De ma-neira ideal, uma teoria da personalidade deve envol-ver leis que nos ajudem a entender como cada pessoaé diferente, assim como a maneira em que as pessoassão as mesmas. Na busca dessas leis, devemos desen-volver teorias que permitam a organização coerentedaquilo que é conhecido e deixar espaço para queavancemos rumo a insights do desconhecido.

PRINCIPAIS CONCEITOS

Personalidade. Aquelas características da pessoa queexplicam padrões consistentes de comportamento.

Estrutura. Segundo a teoria da personalidade, o con-ceito que se refere aos aspectos mais estáveis e dura-douros da personalidade.

Processo. Segundo a teoria da personalidade, o con-ceito que se refere aos aspectos motivacionais da per-sonalidade.

Amplitude. Um conceito que diz respeito à amplitudede fenômenos cobertos por uma teoria.

Fidelidade. Um conceito que diz respeito à especifici-dade ou à clareza com as quais uma teoria relaciona-se com os fenômenos.

A TEORIA E O ESTUDO DA PERSONALIDADE

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REVISÃO

1. Todos nós agimos como psicólogos da perso-nalidade em nossas tentativas de observar, ex-plicar e prever o comportamento humano.

2. As teorias da personalidade abordam as ques-tões acerca do quê (estrutura), do por que (pro-cesso) e do como (crescimento e desenvolvimen-to), que dizem respeito ao funcionamento huma-no. Elas também abordam questões concernentesà natureza da psicopatologia e da mudança dapersonalidade.

3. Inúmeras questões têm desafiado os teóricos dapersonalidade através da história relativamen-te breve do campo. As respostas a essas ques-tões desempenham um importante papel em de-finir as características essenciais da teoria de-senvolvida por cada teórico.

4. Em comparação com a pessoa comum, os psi-cólogos científicos da personalidade científicosrealizam observações mais sistemáticas, tornamsuas teorias mais explícitas e proporcionam tes-tes mais rigorosos de previsões específicas.

5. Ao avaliar teorias, estamos interessados nos crité-rios de abrangência, parcimônia e relevância paraa pesquisa.

6. As teorias organizam aquilo que é conhecido esugerem respostas para questões sobre o queainda é desconhecido. Embora o papel da teo-ria no estudo da personalidade seja questiona-do, sugere-se que a teoria seja importante paranossos objetivos de entender e explicar o com-portamento humano.

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