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São os primeiros resultados do projecto internacional do Telescópio Event Horizon (EHT, na sigla em inglês) e a grande novidade é esta: pela primeira vez na história, conseguiu-se obter a ima- gem de um buraco negro. A fotografia mostra uma espé- cie de donut luminoso, envolto em negrume, com uma zona central igualmente negra. É esta zona central o buraco negro. O donut é a sua silhueta de luz. Assim, de repente, pode parecer pouco entusias- mante, mas para os cientistas trata-se de um marco, que, uma vez mais, confirma a teoria da relatividade geral de Einstein, abrindo portas a novas possibilidades de estudo destes misteriosos objectos cósmicos. É isso mesmo que subli- nha, aliás, o astrofísico por- tuguês Hugo Messias, que esteve envolvido na desco- berta, enquanto investigador do observatório ALMA, um dos oito telescópios que fize- ram as observações. “Recentemente, assisti- mos a mais um sucesso das previsões da relatividade geral de Einstein, através da detecção de ondas gravita- cionais emitidas pela colisão de buracos negros”, diz Hugo Messias, também colabora- dor do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), em Portugal. Mas este é um novo passo, sublinha o inves- tigador. “Agora, estes resul- tados do projecto EHT comprovam-no a uma escala 300 milhões de vezes maior, nas condições de gravidade extrema perto de buracos negros super-massivos.” Monstro deforma o espaço-tempo A colaboração internacional, que envolveu mais de 200 cientistas de 40 nacionali- dades, e contou com finan- ciamento do programa euro- peu Horizonte 2020, revela assim a primeira imagem de um dos objectos mais estranhos do universo: extre- mamente denso, ele con- centra uma quantidade de matéria quase inimaginável, num espaço proporcional- mente muito pequeno, afec- tando o espaço e o tempo na sua vizinhança. Na prática, o que isto sig- nifica é que um buraco negro gera um campo gravitacional capaz de reter a própria luz e daí este resultado extraor- dinário, da primeira imagem, que muitos pensavam ser impossível de obter. Os cientistas pensam actualmente que existem buracos negros super-mas- sivos no centro da maioria das galáxias, incluindo a Via Láctea. Entidades muito mis- teriosas ainda, que a ficção científica usou em muitos dos seus enredos, eles defor- mam profundamente o espaço-tempo à sua volta, submetendo a condições extremas de velocidade e de temperatura tudo o que está nas suas redondezas. A primeira imagem de sempre agora captada pela colaboração internacional é a de um buraco negro que está no centro da galáxia Messier 87, na constelação de Virgem, a 55 milhões de anos-luz da Terra. A sua massa é 6,5 mil milhões de vezes superior à do Sol. Com este novo passo, os buracos negros deixam de ser entidades exclusivamente teóricas e abstractas, mos- trando a sua face visível. Supercomputadores Para obter esta imagem, o Telescópio Event Horizon colocou em rede oito radio- telescópios de todo o mundo, localizados em zonas de gran- des altitudes - um deles na Península Ibérica, no alto da Serra Nevada, em Espanha. Foram necessárias múl- tiplas calibrações e vários métodos que foram conju- gados para se obter a imagem, mas acabou por ser possível revelar a estrutura, que é idêntica à de um disco, com uma região central escura (o centro do donut), que é a sombra do buraco negro. “Se estiverem imersos numa região brilhante, como um disco de gás brilhante, pensamos que o buraco negro crie uma região escura semelhante a uma sombra, algo que foi previsto pela relatividade geral de Einstein, mas que nunca tinha sido observado antes”, explica Heino Falcke, presidente do Conselho Científico do EHT e da Universidade Radboud, na Holanda. “Quando tivemos a certeza de ter efectivamente captu- rado a sombra, pudemos comparar o nosso resultado com uma extensa biblioteca de modelos de computador, que inclui a física do espaço deformado, matéria supe- raquecida e campos magné- ticos muito fortes”, explica, por seu turno, Paul Ho, mem- bro do Conselho do EHT e director do Observatório do Leste Asiático. “Muitas das estruturas da imagem observada ajustam- se surpreendentemente bem com os nossos modelos teó- ricos, o que nos dá confiança na interpretação das obser- vações, incluindo a estimativa da massa do buraco negro”, sublinha este investigador. 26 ESPECIAL Sábado 13 de Abril de 2019 Na prática, o que isto significa é que um buraco negro gera um campo gravitacional capaz de reter a própria luz e daí este resultado extraordinário, da primeira imagem, que muitos pensavam ser impossível de obter “Conseguimos algo que se julgava impossível há apenas uma geração atrás”, conclui Sheperd Doeleman, que dirige o projecto EHT. “Juntámos avanços pioneiros em tecnologia, ligações entre os melhores rádio-obser- vatórios do mundo e algo- ritmos inovadores para abrir uma nova janela para os buracos negros e o seu horizonte de even- tos.”, adianta.. Para o comissário da Ciência, Investigação e Inovação, Carlos Moedas, esta é uma grande des- coberta - “haverá um antes e um depois desta ima- gem”, disse na conferência de imprensa da comissão europeia, uma das sete -, e “uma lição da ciência para os políticos”, ao mos- trar como “se cumpre o sonho, congregando cien- tistas de 40 nacionalida- des diferentes”. Pierre Bourguignon, presidente do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês), congratulou-se, por seu turno, com a descoberta, que, diz, “dilata as fron- teiras do conhecimento”. Os oito telescópios envolvidos nas descober- tas são: o ALMA (Atacama Large Millimeter), o APEX (Atacama Pathfinder Expe- riment), o telescópio IRAM de 30 metros, o James Clerk Maxwell Telescope, o Large Millimeter Teles- cope Alfonso Serrano, o Submillimeter Array, Sub- millimeter Telescope e o South Pole Telescope. Os dados obtidos pelos telescópios foram tratados por supercom- putadores no Instituto Max Planck de Rádio Astronomia, na Alema- nha, e no MIT Haystack Observatory, nos Esta- dos Unidos. Apesar de os telescó- pios não estarem fisica- mente ligados entre si, explica o European Sou- thern Obsertory, cujos telescópios ALMA e APEX integraram o projecto, “foi possível sincronizar os dados colectados”, usando relógios atómicos, “que dão o tempo preciso das observações”, que foram obtidas durante uma campanha global realizada em 2017. Um jornal em Paris A capacidade de obser- vação da rede de radio- telescópios com a qual foi obtida a primeira 'foto- grafia' de um buraco negro equivale a ler um jornal exposto em Nova Iorque, a partir de um café em Paris. A analogia é feita em comunicado pelo Obser- vatório Europeu do Sul (OES) e pelo Event Hori- zon Telescope (EHT), uma rede à escala planetária de oito radiotelescópios em solo que foi formada sob colaboração inter- nacional, para capturar as primeiras imagens de um buraco negro, objecto no universo completa- mente escuro do qual nada pode escapar, nem mesmo a luz. “Uma lição da ciência para os políticos” TEORIA DA RELATIVIDADE DE EINSTEIN REFORÇADA Imagem dos oito telescópios que captaram, conjuntamente, a imagem do buraco negro na galáxia M87 TWITTER NATIONAL SCIENCE FOUNDATION Foram sete conferências de imprensa simultâneas em sete pontos diferentes do mundo, para anunciar a novidade científica. Uma equipa de astrofísicos fez a extraordinária descoberta. O artigo é do Diário de Notícias com a Lusa O buraco negro, pela primeira imagem ASTR O P H YSIC A L J O U R N A L L E T T E R S

TEORIA DA RELATIVIDADE DE EINSTEIN REFORÇADA O …imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1188988778_binder1ci.pdfrelatividade geral de Einstein, mas que nunca tinha sido observado antes”,

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São os primeiros resultadosdo projecto internacional doTelescópio Event Horizon(EHT, na sigla em inglês) ea grande novidade é esta:pela primeira vez na história,conseguiu-se obter a ima-gem de um buraco negro. Afotografia mostra uma espé-cie de donut luminoso,envolto em negrume, comuma zona central igualmentenegra. É esta zona central oburaco negro. O donut é asua silhueta de luz.

Assim, de repente, podeparecer pouco entusias-mante, mas para os cientistastrata-se de um marco, que,uma vez mais, confirma ateoria da relatividade geralde Einstein, abrindo portasa novas possibilidades deestudo destes misteriososobjectos cósmicos.

É isso mesmo que subli-nha, aliás, o astrofísico por-tuguês Hugo Messias, queesteve envolvido na desco-berta, enquanto investigadordo observatório ALMA, umdos oito telescópios que fize-ram as observações.

“Recentemente, assisti-mos a mais um sucesso dasprevisões da relatividadegeral de Einstein, através dadetecção de ondas gravita-cionais emitidas pela colisãode buracos negros”, diz HugoMessias, também colabora-dor do Instituto de Astrofísicae Ciências do Espaço (IA),em Portugal. Mas este é umnovo passo, sublinha o inves-tigador. “Agora, estes resul-tados do pro j ec to EHTcomprovam-no a uma escala300 milhões de vezes maior,nas condições de gravidadeextrema perto de buracosnegros super-massivos.”

Monstro deforma o espaço-tempoA colaboração internacional,que envolveu mais de 200cientistas de 40 nacionali-dades, e contou com finan-

ciamento do programa euro-peu Horizonte 2020, revelaassim a primeira imagemde um dos objectos maisestranhos do universo: extre-mamente denso, ele con-centra uma quantidade dematéria quase inimaginável,num espaço proporcional-mente muito pequeno, afec-tando o espaço e o tempo nasua vizinhança.

Na prática, o que isto sig-nifica é que um buraco negrogera um campo gravitacionalcapaz de reter a própria luze daí este resultado extraor-dinário, da primeira imagem,que muitos pensavam serimpossível de obter.

Os cientistas pensamactualmente que existemburacos negros super-mas-sivos no centro da maioriadas galáxias, incluindo a ViaLáctea. Entidades muito mis-teriosas ainda, que a ficçãocientífica usou em muitosdos seus enredos, eles defor-mam profundamente oespaço-tempo à sua volta,submetendo a condiçõesextremas de velocidade e detemperatura tudo o que estánas suas redondezas.

A primeira imagem desempre agora captada pelacolaboração internacional éa de um buraco negro queestá no centro da galáxiaMessier 87, na constelaçãode Virgem, a 55 milhões deanos-luz da Terra. A suamassa é 6,5 mil milhões devezes superior à do Sol.

Com este novo passo, osburacos negros deixam deser entidades exclusivamenteteóricas e abstractas, mos-trando a sua face visível.

SupercomputadoresPara obter esta imagem, oTelescópio Event Horizoncolocou em rede oito radio-telescópios de todo o mundo,localizados em zonas de gran-des altitudes - um deles naPenínsula Ibérica, no alto da

Serra Nevada, em Espanha.Foram necessárias múl-

tiplas calibrações e váriosmétodos que foram conju-gados para se obter a imagem,mas acabou por ser possívelrevelar a estrutura, que éidêntica à de um disco, comuma região central escura(o centro do donut), que é asombra do buraco negro.

“Se estiverem imersosnuma região brilhante, comoum disco de gás brilhante,pensamos que o buraco

negro crie uma região escurasemelhante a uma sombra,algo que foi previsto pelarelatividade geral de Einstein,mas que nunca tinha sidoobservado antes”, explicaHeino Falcke, presidente doConselho Científico do EHTe da Universidade Radboud,na Holanda.

“Quando tivemos a certezade ter efectivamente captu-rado a sombra, pudemoscomparar o nosso resultadocom uma extensa bibliotecade modelos de computador,que inclui a física do espaçodeformado, matéria supe-raquecida e campos magné-ticos muito fortes”, explica,por seu turno, Paul Ho, mem-bro do Conselho do EHT edirector do Observatório doLeste Asiático.

“Muitas das estruturas daimagem observada ajustam-se surpreendentemente bemcom os nossos modelos teó-ricos, o que nos dá confiançana interpretação das obser-vações, incluindo a estimativada massa do buraco negro”,sublinha este investigador.

26 ESPECIAL Sábado13 de Abril de 2019

Na prática, o que isto significa é que um buraco

negro gera umcampo gravitacional

capaz de reter a própria luz

e daí este resultadoextraordinário,

da primeiraimagem, que

muitos pensavamser impossível

de obter

“Conseguimos algo quese julgava impossível háapenas uma geraçãoatrás”, conclui SheperdDoeleman, que dirige oprojecto EHT. “Juntámosavanços pioneiros emtecnologia, ligações entreos melhores rádio-obser-vatórios do mundo e algo-ritmos inovadores paraabrir uma nova janelapara os buracos negrose o seu horizonte de even-tos.”, adianta..

Para o comissário daCiência, Investigação eInovação, Carlos Moedas,esta é uma grande des-coberta - “haverá um antese um depois desta ima-gem”, disse na conferênciade imprensa da comissãoeuropeia, uma das sete-, e “uma lição da ciênciapara os políticos”, ao mos-trar como “se cumpre osonho, congregando cien-tistas de 40 nacionalida-des diferentes”.

Pierre Bourguignon,presidente do ConselhoEuropeu de Investigação(ERC, na sigla em inglês),congratulou-se, por seuturno, com a descoberta,que, diz, “dilata as fron-teiras do conhecimento”.

Os oito telescópiosenvolvidos nas descober-tas são: o ALMA (AtacamaLarge Millimeter), o APEX(Atacama Pathfinder Expe-riment), o telescópio IRAMde 30 metros, o JamesClerk Maxwell Telescope,o Large Millimeter Teles-cope Alfonso Serrano, oSubmillimeter Array, Sub-millimeter Telescope e oSouth Pole Telescope.

Os dados obt idospelos telescópios foramtratados por supercom-putadores no InstitutoMax Planck de RádioAstronomia, na Alema-nha, e no MIT HaystackObservatory, nos Esta-dos Unidos.

Apesar de os telescó-pios não estarem fisica-mente ligados entre si,explica o European Sou-thern Obsertory, cujostelescópios ALMA e APEXintegraram o projecto,“foi possível sincronizaros dados colectados”,usando relógios atómicos,“que dão o tempo precisodas observações”, queforam obtidas duranteuma campanha globalrealizada em 2017.

Um jornal em ParisA capacidade de obser-vação da rede de radio-telescópios com a qualfoi obtida a primeira 'foto-graf ia' de um buraconegro equivale a ler umjornal exposto em NovaIorque, a partir de umcafé em Paris.

A analogia é feita emcomunicado pelo Obser-vatório Europeu do Sul(OES) e pelo Event Hori-zon Telescope (EHT), umarede à escala planetáriade oito radiotelescópiosem solo que foi formadasob colaboração inter-nacional, para capturaras primeiras imagens deum buraco negro, objectono universo completa-mente escuro do qualnada pode escapar, nemmesmo a luz.

“Uma lição da ciênciapara os políticos”

TEORIA DA RELATIVIDADE DE EINSTEIN REFORÇADA

Imagem dos oito telescópios que captaram, conjuntamente,a imagem do buraco negro na galáxia M87

TWITTER NATIONAL SCIENCE FOUNDATION

Foram sete conferências de imprensa simultâneasem sete pontos diferentes do mundo, paraanunciar a novidade científica. Uma equipa

de astrofísicos fez a extraordinária descoberta. O artigo é do Diário de Notícias com a Lusa

O buraco negro, pela primeira

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