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Governo Federal Dilma Vana Rousseff Presidente Ministério da Educação Aluísio Mercadante Ministro CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governo do Estado Ricardo Vieira Coutinho Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Assessora de EAD Coord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB Cecília Queiroz lingua portuguesa IV 08.12.2011.indd 1 11/04/2012 13:03:44

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Governo FederalDilma Vana Rousseff

Presidente

Ministério da EducaçãoAluísio Mercadante

Ministro

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do EstadoRicardo Vieira Coutinho

Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAMarlene Alves Sousa Luna

Reitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Assessora de EADCoord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB

Cecília Queiroz

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410 C331l Carvalho, Eneida Oliveira Dornellas de.

Licenciatura em Letras/Português: teorias lingüísticas 2. /Eneida Oliveira Dornelas de Carvalho; Elisabete Borges Agra, UEPB / Coordenadoria Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação a Distância._Campina Grande: EDUEPB, 2012. 151 p.: il.

1. Linguística. 2. Intertextualidade. 3. Coesão e Coerência Textual. I. Título. II. EDUEPB / Coordenadoria Institucional de Programas Especiais.

21. ed.CDD

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Editoração EletrônicaJefferson Ricardo Lima Araujo Nunes Leonardo Ramos Araujo

Comercialização e DivulgaçãoJúlio Cézar Gonçalves PortoZoraide Barbosa de Oliveira Pereira

Revisão LinguísticaElizete Amaral de Medeiros

Normalização TécnicaElisabeth da Silva Araújo

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Teorias Linguísticas II

Eneida Oliveira Dornellas de CarvalhoElisabete Borges Agra

Campina Grande-PB2012

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Sumário

I UnidadeConhecendo a linguística textual .........................................................................7

II UnidadeA coesão textual ......................................................................................................23

III UnidadeMecanismos de coesão textual: a Referenciação ..........................................41

IV UnidadeA relação entre a coerência e a coesão textuais ...........................................57

V UnidadeIntencionalidade, situacionalidade e aceitabilidade: fatores pragmáticos responsáveis pela textualidade ....................................79

VI UnidadeIntertextualidade: uma forma de reflexão crítica sobre o estudo do texto ........................................................................................95

VII UnidadeA textualidade proporcionada pelos critérios de informatividade e não- contradição textuais .........................................117

VIII UnidadeRevisão dos fatores responsáveis pela coesão e coerência textuais.........131

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Conhecendo a linguística textual

I UNIDADE

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8 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas II

Apresentação

Neste segundo curso de teorias linguísticas é nosso pro-pósito dar prosseguimento ao seu aprendizado sobre o ob-jeto da linguística. Se no primeiro momento, apresentamos várias perspectivas de estudo que terminaram por consagrar a linguística como ciência autônoma de investigação da lín-gua, neste segundo momento, o direcionamento do curso se dá no sentido de aprofundar uma teoria. Esta teoria é a linguística textual. Vamos descobrir o modo como se de-senvolvem os estudos que adotam seus pressupostos para o estudo do texto, os procedimentos metodológicos adotados para a investigação dos processos linguísticos que se dão no interior do texto, a que resultados se pode chegar centrando--se a análise a partir dos pressupostos da linguística textual, bem como tomar conhecimento de resultados práticos que se observam no campo do ensino de leitura e compreensão do texto, um aspecto que ganhou relevada importância a partir do desenvolvimento da linguística textual.

Levando-se em consideração os aspectos referentes à compreensão dos processos envolvidos no ato de produção do texto, dos elementos que o constituem de forma a torná-lo uma unidade de sentido, garantimos a você que sua própria percepção do texto, sua capacidade de ler e observar como se dá a construção do texto a partir de sua materialidade lin-guística, sua capacidade de elaborar o sentido para o texto, irão se ampliar de forma surpreendente. Portanto, este curso lhe será muito útil em sua vida acadêmica. Mas, você já sabe, resultados tão positivos só surgirão se você fizer sua parte, como fez para nosso primeiro curso. Assim, reforçamos nos-

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sas recomendações para que você tenha o melhor aproveita-mento possível, seguindo os passos já conhecidos:

• Dedicar cotidianamente um tempo para suas leituras.

• Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os no-vos conceitos e informações apresentados;

• Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o que julgar importante;

• Responder as atividades propostas, com atenção.

• Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com o professor ou o tutor;

• Realizar com segurança a autoavaliação que se en-contra ao final da aula. Se você achar que sua avalia-ção não foi satisfatória, retome as leituras, pesquise, reflita, discuta com o professor ou tutor, até que cons-tate que aprendeu.

A orientação para que você siga esses passos é para que alcance também os objetivos estabelecidos para esta aula. Assim, esperamos que ao final desta unidade, você:

Objetivos

• Demonstre uma compreensão do que significa um es-tudo da língua na perspectiva da linguística textual;

• Conheça os fundamentos teórico-metodológicos da linguística de texto;

• Assimile a concepção de texto como a propõe a lin-guística textual.

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Um pouco de contextualização

Finalizamos nossa última unidade do curso de Teorias Linguísticas I chamando a atenção para o fato de que, se os estudos da linguagem permaneceram por muito tempo marcados pelos pressupostos teóricos de Saussure, seguindo uma abordagem imanente do fenômeno linguís-tico, nos anos sessenta, contudo, assiste-se a um novo direcionamen-to na linguística, que resultou em novas tendências para o estudo da língua, caracterizadas sobretudo pela contribuição de aportes teóricos advindos de outros ramos do saber. Assim, a linguística definitivamente se abria para a interdisciplinaridade, da qual resultou, por exemplo, a sociolinguística e a antropolinguística, disciplinas das quais fizemos uma breve apresentação para que você tivesse uma idéia de como se deu a conjunção de outras áreas com aquela que tem por objeto espe-cífico o estudo da língua.

Vimos que essas disciplinas estavam estudando a língua em relação aos seus usuários, levando em conta o contexto que estava servindo de base para seu uso. A incorporação desses fatores à análise da língua terminaram por dar as condições para o surgimento das chamadas Teorias do discurso: a linguística de texto, a análise da conversação e a linha francesa da análise do discurso.

Em comum, essas teorias partilham o fato de conceber o texto como o lugar prioritário onde se reflete a realidade concreta da língua. Como nosso foco neste curso recai sobre a linguística textual, vamos tratar de caracterizá-la em especial. Faremos isto principalmente a partir dos trabalhos de Ingedore Villaça Koch, a autora que difundiu a linguísti-ca textual no Brasil e até hoje é referência para qualquer estudo que trate do tema. É dela que transcrevemos os trechos a seguir, através dos quais se caracterizam os momentos históricos mais marcantes da teoria:

“Surgida na década de 60, na Europa, onde ga-nhou projeção a partir dos anos 70, a Linguística Textual teve inicialmente por preocupação, descre-ver os fenômenos sintático-semânticos ocorrentes entre enunciados ou sequências de enunciados, alguns deles, inclusive, semelhantes aos que já ha-viam sido estudados no nível da frase”.

“Na década de 70, muitos estudiosos encontram-se ainda bastante presos à gramática estrutural, ou – principalmente – à gramática gera-tiva, o que explica o seu interesse na construção de ‘gramáticas de tex-to’. A partir da descrição de fenômenos linguísticos inexplicáveis pelas

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gramáticas de frase – já que um texto não é simplesmente uma sequên-cia de frases isoladas, mas uma unidade linguística com propriedades estruturais específicas -, tais gramáticas têm por objetivo apresentar os princípios de constituição do texto em dada língua”.

“É somente a partir de 1980, contudo, que ga-nham corpo as Teorias do Texto – no plural, já que, embora fundamentadas em pressupostos básicos comuns, chegam a diferir bastante umas das ou-tras, conforme o enfoque predominante” (KOCH, 1989, p. 11-12).

Foram várias, portanto, as ramificações da linguística textual. Você pode conhecê-las lendo os textos citados nas referências ao final desta aula. O que importa nesse momento é ressaltar que, mesmo em se tratando de ramificações, noções básicas da teoria são constantes em todas elas. Marcuschi (2008, p. 75) apresenta o que há de comum nas diversas vertentes da linguística textual (LT). Leia abaixo o que diz o autor.

• ALTéumaperspectivadetrabalhoqueobservaofuncionamen-to da língua em uso e não in vitro. Trata-se de uma perspectiva orientada por dados autênticos e não pela introspecção, mas apesar disso, sua preocupação não é descritivista.

• ALTsefundanumaconcepçãodelínguaemqueapreocupa-ção maior recai nos processos (sociocognitivos) e não no pro-duto.

• ALTnãosededicaaoestudodaspropriedadesgeraisdalín-gua, como o faz a linguística clássica, que se dedica aos subdo-mínios estáveis do sistema, tais como a fonologia, a morfologia e a sintaxe, reduzindo assim o campo de análise e descrição.

• ALTdedica-seadomíniosmaisflutuantesoudinâmicos,comoobserva Beaugrand (1997), tais como a concatenação de enun-ciados, a produção de sentido, a pragmática, os processos de compreensão, as operações cognitivas, a diferença entre os gê-neros textuais, a inserção da linguagem em contextos, o aspecto social e o funcionamento discursivo da língua. Trata-se de uma linguística da enunciação em oposição a uma linguística do enunciado ou do significante.

• ALT temcomopontocentraldesuaspreocupaçõesatuaisasrelações dinâmicas entre a teoria e a prática, entre o processa-mento e o uso do texto.

À medida que desenvolvemos este curso, você poderá constatar como de fato essas noções estão arraigadas na proposta teórica da linguística textual. E constatar por que a linguística textual mantém rela-ções tão fortes com o ensino de língua.

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Refazendo percursos

Para chegarmos à linguística textual, foi necessário que houvesse uma mudança na perspectiva de estudo da língua, já sabemos. Mas é certo que toda mudança não acontece de forma repentina. Assim, vale a pena retomar estudos anteriores que já apontavam para a necessi-dade de se repensar antigos conceitos com a finalidade de explicar melhor o objeto da nova linguística que se delineava.

Seguindo essa trilha, você deve estar lembrado de alguns nomes que citamos anteriormente e que foram importantes para a linguística renovar seus conceitos, ampliar seus pressupostos, tomar novos rumos.

Um nome que não pode ser esquecido, porque teve importância fundamental na adoção de novos paradigmas para o estudo da língua, é o de Jakobson. A elaboração de um circuito de comunicação, de seus elementos, e sobretudo a consideração das funções fática, meta-linguística e poética, representaram uma ampliação do foco de estudo da linguística que se restringia apenas ao estudo da forma1.

Veja como os representantes do Círculo Linguístico de Praga explicitaram sua tese sobre as funções da língua, a par da sua estrutura:

“O estudo de uma língua exige que se considere rigorosamente a variedade das funções linguísticas e de seus modos de realização no caso conside-rado. [...] É de acordo com essas funções e com esses modos que se transformam a estrutura fônica e a gramatical, e a composição lexical da língua”. (PARVEAU E SARFATI, 2006, p. 121)

Percebe-se na citação que o estudo da estrutura linguística está subordinado ao estudo das funções que acompanham o ato comunica-tivo. Assim, importam as necessidades, as condições da comunicação, o contexto, os participantes, ou seja, os fatores e os elementos que estão envolvidos numa situação de comunicação.

Após esse breve comentário, você pode retomar o que leu so-bre Jakobson na sétima unidade do curso de Teorias Linguísticas I, e então explicitar como sua teoria pode representar um avanço em dire-ção a uma linguística discursiva. Registre suas conclusões na atividade 3 a seguir.

1 O estudo da forma significa o estudo da estrutura interna da língua. É o estudo apoiado na tradição saussuriana, que ficou conhecido como formalismo. Já quando se trata de relacionar o estudo da língua com o social, tem-se um estudo de caráter fun-cionalista.

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Teoria Linguísticas II I SEAD/UEPB 13

Atividade I

Um outro autor que é necessário ser retomado é Benveniste. O autor não concebia o homem separado da língua. Veja como ele pensava essa relação:

“O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enun-ciação. Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua” (BENVENISTE, 1989, p. 83).

Assim, Benveniste concebeu uma linguística em que o sujeito e as condições específicas de produção dos enunciados não podiam estar de fora. Esses elementos de fato representaram contribuições significati-vas para renovar a perspectiva da linguística, que começa a vislumbrar possibilidades de estudo da língua para além das formas linguísticas. A língua passava então a ser considerada como um forma de atividade entre os participantes de um ato comunicativo.

Em relação a Benveniste, pedimos que você rememore pontos importantes de sua teoria e registre na atividade a seguir. Veremos que esses pontos terão importância fundamental para a linguística textual.

Atividade IIEm nossa proposta de retomada de autores determinantes para uma mudança de perspectiva na linguística, não poderíamos deixar de fora Bakhtin. Dedicamos toda uma aula no curso de Teorias Linguísticas I ao autor, a aula 9, você deve estar lembrado. Por isso, vamos chamar sua atenção no momento, para o que é fundamental em sua teoria, que caracteriza uma compreensão dos processos linguísticos como tarefa prioritária da linguística.

Bakhtin vê na interação o lugar privilegiado para o estudo da lín-gua. Portanto, a língua não pode ser vista como sistema de formas fi-xas, exterior à vida social. Nesse caso, o estudo da língua extrapola em muito o estudo das formas isoladas, porque é na enunciação, no uso

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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que fazem dela os falantes reais quando estão interagindo, que ela se realiza. E esse é um processo ininterrupto, o da “correnteza verbal”, que põe toda enunciação em contato com as demais que já foram produ-zidas e mesmo com as que ainda estão por vir. Yaguello (2002, p. 15), na introdução que faz para a tradução do livro Marxismo e filosofia da linguagem, resume essa idéia: “Toda enunciação, fazendo parte de um processo de comunicação ininterrupto, é um elemento do diálogo, no sentido amplo do termo, englobando as produções escritas”.

Esse é o processo dialógico da língua, que não permite serem os enunciados tomados isoladamente. Essa é uma concepção social da lín-gua que vai além do social de Saussure, porque aqui o social é constitu-tivo. Para Bakhtin, a língua só existe dentro dessa dimensão. Diz o autor:

“A verdadeira substância da língua não é constitu-ída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realiza-da através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade funda-mental da língua” (BAKHTIN, 2002, p. 123).

Agora é sua vez: reflita sobre o que dissemos acima e retome a aula em que falamos de Bakhtin. Agora responda a pergunta da atividade 3 a seguir:

Atividade III

Em que aspecto a teoria de Bakhtin o faz ser citado como um precursor da linguística discursiva?

O que os autores comentados acima, e outros que não citamos aqui, fizeram em comum, foi o fato de apontarem para outras possibi-lidades de análise do objeto da linguística para além do fechamento em sua estrutura, como propunha Saussure. E assim, abria-se caminho para outras considerações no estudo da língua, observando-a em fun-cionamento, como processo.

Seguindo esse percurso, chegou-se então ao texto como lugar de observação da língua, de inscrição de sentidos, das intenções dos seus produtores. E chegou-se também à linguística textual. Havendo situado historicamente seu aparecimento, daremos então continuidade a nossa aula, passando agora à definição desse campo de estudo, o que fare-mos a partir da resposta dada à pergunta a seguir.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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O que é linguística textual?A linguística textual é um ramo dos estudos linguísticos que, como

o próprio nome indica, está teoricamente centrado no texto, tomado como seu objeto de investigação. E textos, como sabemos, são objetos reais, produzidos com uma finalidade específica. Já aqui podemos an-tecipar importantes concepções teóricas que vão marcar uma linguísti-ca de caráter discursiva. Vamos pensar um pouco sobre isso.

Primeiramente, estamos percebendo que a unidade de análise para essa linguística não se restringe aos elementos fonéticos, fonológicos, morfológicos da língua. Se você não está lembrado do que significam esses conceitos, pare um momento e volte até nossa quarta aula do curso de Teorias Linguísticas I. Mas não continue sem saber do que estamos falando porque vamos nomear assim esses elementos, quando eles aparecerem em nossas aulas. Está vendo como os pilares da lin-guística estrutural continuam firmes? Nenhuma teoria bem fundamen-tada se perde com o tempo. Mas voltemos ao texto. Ele é considerado o lugar específico para a manifestação da linguagem. E como sabe-mos, o uso da língua pode ser realizado de forma falada ou escrita. Portanto, a linguística textual tratará tanto de textos falados quanto de textos escritos.

Em segundo lugar, pensando no que foi dito sobre o texto ser pro-duzido por alguém, com uma finalidade, não há como não considerar que o texto para se concretizar depende de alguém, de um sujeito (Será que podemos pensar em Benveniste neste momento?), situado numa determinada situação de comunicação, dirigindo-se para um outro al-guém. Por que esses elementos são importantes? Porque eles nos fazem pensar na interação, nesse momento em que interlocutores estão esta-belecendo uma relação e para isso estão fazendo uso da língua. Nesse caso, a língua é tomada aqui como uma forma de ação, como uma atividade. Essa é a concepção que permeia os estudos linguísticos de orientação discursiva, como a linguística textual.

Veja o que diz Koch (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 124) sobre a língua, ao ser perguntada acerca da relação entre língua, linguagem e sociedade:

“A língua se configura através das práticas sociais de uma sociedade, de uma comunidade. Então, a língua se configura dentro do meio social, como expressão do meio social, lugar de interação entre os membros de uma sociedade e nesse lugar de interação é que se constituem as formas linguísti-cas e todas as maneiras de falar que existem numa determinada época, numa determinada sincronia”.

Ao ler esta definição você percebe nela uma orientação teórica convergente com o que se observa na sociolinguística? Isso aconte-ce porque a linguística textual absorveu contribuições dessa disciplina. Você pode verificar em que sentido ocorreram essas contribuições, reto-

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mando a parte da décima aula do curso de teorias linguísticas I que tra-ta da sociolinguística. Esta é nossa proposta para a atividade a seguir.

Atividade IV

Releia a definição de língua acima, e recupere na última aula sobre outras perspectivas para o estudo da língua, do curso anterior, aspectos em que se pode perceber a aproximação entre a linguística e a sociolinguística.

Já que a pergunta feita à autora inclui também a noção de lingua-gem, é importante que se conheça a diferença de conceitos que existe entre estes dois termos, embora eles possam ser usados indiferente-mente. Você poderá encontrar esse uso em algum texto que venha a ler. Mas geralmente, quando se fala em linguagem, está se pensando na “capacidade do ser humano de se expressar através de um conjunto de signos, de qualquer conjunto de signos” (KOCH, apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 124).

O conceito de linguagem, portanto, tem uma ampliação maior do que a de língua. Saussure mesmo já esboçara uma diferença entre língua e linguagem. Se for do seu interesse, você pode mais uma vez voltar um pouco atrás e na aula três, sobre os pressupostos teóricos de Saussure, relembrar como o fundador da linguística propôs essa diferença.

Esclarecida a noção de língua com que trabalha a linguística tex-tual, é necessário, como não poderia deixar de ser, em se tratando de uma linguística de texto, que se esclareça também a noção do que se está discutindo, quando se fala em texto. Recorremos mais uma vez a Ingedore Koch que, no comentário a seguir, nos traz uma definição simples e bastante esclarecedora do que é considerado texto na pers-pectiva da linguística textual:

“A Linguística Textual toma, pois, como objeto par-ticular de investigação não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto, considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que exis-tem diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto. O texto é muito mais que a simples soma das frases (e palavras) que o compõem: a diferença entre frase e texto não é meramente de ordem quantitativa; é sim, de or-dem qualitativa” (KOCH, 1989, p. 14).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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O que podemos apreender a partir dessa citação? Primeiramente, você percebe que há um novo direcionamento no recorte do objeto a ser estudado. A autora diz: não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto. Portanto, percebe-se claramente o rompimento com a linguística da frase, e isso por uma razão muito clara nesse estágio dos estudos da língua: o homem se comunica por meio de textos. Parece óbvio, não é? Mas só agora é que a ideia é posta de forma tão transparente na linguística.

Uma outra consideração muito importante que segue essa última afirmação de Koch, é a de que existem diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto. O que isso significa? Que o estudo da língua, o estudo dos aspectos gramaticais envolvidos no seu uso, só encontram respaldo se são realizados a partir de seu aparecimento, do seu uso efetivo no texto. Nesse ponto, retomamos Bakhtin, que pode ser citado como uma referência para a abordagem do texto pela linguística, visto que muitos dos seus pressupostos se har-monizam perfeitamente bem com os pressupostos da linguística textual. Veja por exemplo o que ele já havia enunciado na década de 20:

“Cada texto pressupõe um sistema compreensível para todos (convencional, dentro de uma dada co-letividade) – uma língua (ainda que seja a língua da arte). Se por trás do texto não há uma língua, já não se trata de um texto, mas de um fenômeno natural (não pertencente à esfera do signo)... As-sim, por trás de todo texto, encontra-se o sistema da língua” (BAKHTIN, 2000, p. 331).

Certamente você leu a apresentação desta aula e deve estar fazen-do a relação do que foi dito lá com o que acabamos de enunciar aqui sobre o estudo da língua a partir do texto. É assim que vemos as teorias funcionando para dar embasamento a uma prática. Esperamos que você consiga realizar esta ponte quando estiver atuando como profes-sor de língua portuguesa.

Finalizando, vamos tomar o último enunciado: a diferença entre frase e texto não é meramente de ordem quantitativa; é sim, de ordem qualitativa. Essa é uma questão interessante porque remete para a no-ção de texto. O que é preciso para que se diga que uma sequência de palavras faladas ou escritas seja um texto? Para responder essa per-gunta dentro da perspectiva da linguística textual, foram estabelecidos alguns critérios de textualidade. Sobre esses critérios vamos falar nas próximas unidades. No momento, analisamos os termos quantitativo e qualitativo. Texto não é sinônimo de vinte, trinta ou mais linhas. Na perspectiva que estamos estudando, uma simples palavra, se contex-tualizada, se correspondendo a uma situação de comunicação, cum-prindo uma função comunicativa, é considerada texto. Isso vale dessa forma, tanto para uma simples pergunta como Que horas são? quanto para um tratado filosófico de cem páginas sobre o sentido da existência humana.

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Atividade V

Agora é a sua vez. Daremos a seguir uma definição de texto e esperamos que você justifique por que essa definição está vinculada à perspectiva discursiva da linguística textual.

“O texto será entendido como uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preen-chendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, inde-pendentemente da sua extensão” (KOCH e TRAVAGLIA, 1989, p. 8-9).

Encerrando por aqui esta unidade, gostaríamos de reportar uma definição de linguística textual de Marcuschi (1983, p. 12-13), porque com ela o autor resume bem os propósitos da linguística de texto. Leia a seguir o que ele diz:

“Proponho que se veja a Linguística do Texto, mes-mo que provisória e genericamente, como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funciona-mento e recepção de textos escritos ou orais. Seu tema abrange a coesão superficial ao nível dos cons-tituintes linguísticos, a coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações a nível pragmático2 da produção do sentido no plano das ações e intenções. Em suma, a Linguística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado deve preservar a or-ganização linear que é o tratamento estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto se-mântico e funções pragmáticas”.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

2 O nível pragmático se refere ao nível do uso da língua. São fatores pragmáticos “os fatores que regem nossas escolhas linguís-ticas na interação social e os efeitos de nossas escolhas sobre as outras pessoas” (WEDWOOD, 2002, p. 144).

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Serão justamente os temas de que fala o autor na citação, os assun-tos que serão tratados nas próximas aulas deste curso. Você terá assim oportunidade de conhecer os procedimentos teóricos e metodológicos empregados numa análise da língua centrada nos pressupostos da lin-guística textual. Com certeza muita leitura e análise esperam por você. Portanto, encha-se de disposição para aprender. De início, já indica-mos as obras a seguir, para que você amplie sua compreensão sobre o assunto estudado.

Leituras recomendadasKOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 7. ed. São Paulo: Contex-to, 1997.

De leitura fácil e bastante didática, fazendo uso de muita exem-plificação, os textos de Koch são de leitura obrigatória para quem quer conhecer a linguística textual. Citamos aqui esta in-trodução, mas qualquer um de seus livros que estão citados nas referências a seguir, podem ser lidos com esse fim.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, Parábola Editorial, 2008.

Vamos apresentar este livro transcrevendo um trecho de seu prefácio, na página 11: “A natureza didática do livro é evi-dente, especialmente, pela presença de atividades, exemplos ilustrativos, glossários, indicações de obras de consulta para o aprofundamento dos temas tratados e uma série de quadros e tabelas que buscam sistematizar as teorias abordadas. Percebe--se ainda uma progressão de dificuldade das atividades propos-tas, partindo-se de indagações mais pontuais até pesquisas de campo realizadas pelos alunos e socializadas em pôsteres”. Por tudo isso vale a pena estudar com esse livro, a partir mesmo do prefácio.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

Neste livro os autores fazem uma apresentação da progressão histórica da linguística no século XIX, mostrando as filiações teóricas de cada corrente linguística. Assim, ficamos sabendo das concepções em que se assentaram as bases da linguística no século XX. Recomendamos para esta aula, especialmente, a leitura do capítulo sobre as linguísticas discursivas, porque você ficará conhecendo as fontes em que beberam os pesquisadores da linguística textual no Brasil.

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Resumo

O surgimento da linguística textual está atrelado ao movimento de ampliação das fronteiras da linguística, rumo a uma interdisciplinari-dade cada vez mais crescente, especialmente na década de 60. Sua proposta teórica se baseia especialmente na tomada do texto como objeto de investigação, já que é ele a unidade básica de comunicação. A linguística textual estuda assim, o funcionamento da língua, como ela está sendo atualizada pelos falantes. Portanto, a língua enquanto processo, a partir do qual sentidos são construídos.

Autovaliação

Tendo como base a noção de texto apresentada nesta aula, e consi-derando que sobre ela deve estar centrada a aula de língua portuguesa, indique se a proposta abaixo, de uma produção textual requisitada em um vestibular, apresenta elementos ou não, que justifiquem tal noção.

PROPOSTA DE VESTIBULAR:

“Imagine que você é a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Redija a carta de demissão da ex-ministra ao presidente Lula, apresen-tando a situação e justificando o pedido. Utilize um mínimo de 20 e um máximo de 25 linhas para elaboração de seu texto.”

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Para ajudá-lo na elaboração de seu comentário, releia o que dizem Koch e Travaglia, (1989, p. 8-9):

“O texto será entendido como uma unidade lin-guística concreta (perceptível pela visão ou audi-ção), que é tomada pelos usuários da língua (fa-lante, escritor/ ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma fun-ção comunicativa reconhecível e reconhecida, in-dependentemente da sua extensão.”

e Marcuschi (1989, p. 12-13):

“Proponho que se veja a Linguística do Texto, mes-mo que provisória e genericamente, como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcio-namento e recepção de textos escritos ou orais”.

Lembre-se de que Marcuschi fala nessa mesma passagem, que no texto estão implicadas “pressuposições [...] a nível pragmático da pro-dução do sentido no plano das ações e intenções”. Dessa forma, o autor considera o texto “como um ato de comunicação unificado no complexo universo de ações humanas”.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ReferênciasBAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo: Hucitec. 2002, 1929.

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. (Trad. de Mª. E. Pereira). São Paulo: Martins Fontes, 2000, 1979.

BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989 (1902-1976).

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 7. ed. São Paulo: Contexto, 1989.

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 8. ed. São Paulo: Contexto, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. A Linguística de Texto: o que é e como se faz. Recife. Universidade Federal de Pernambuco, 1983.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, Parábola Editorial, 2008.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. 2. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.

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II UNIDADE

A coesão textual

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Apresentação

Com a unidade anterior você tomou conhecimento dos

pressupostos fundamentais da corrente linguística que toma o texto como sua unidade básica de estudo. Assim, você já sabe do que se trata um estudo da língua que seja realizado segundo a perspectiva da linguística textual. Inclusive, tive-mos a preocupação de tornar suficientemente clara a noção do que se entende por texto, quando se trata de tomá-lo como objeto de investigação segundo essa perspectiva te-órica.

Pois bem, a partir desta segunda unidade estaremos es-pecificamente tratando de apresentar os mecanismos que estão disponíveis na língua para se produzir textos que se-jam compreensíveis aos usuários dessa língua. E o mais importante: estaremos mostrando qual a função que esses elementos exercem nas sequencias textuais em que estão inseridos, de modo a contribuírem para construírem textos reconhecidos como bem formados pelos usuários da língua. Trata-se do estudo dos elementos de coesão textual. Trata-se do que Marcuschi (1983, p. 12-13), citado na aula anterior, designou como fazendo parte da organização linear que é o tratamento estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão”.

A partir desta aula você terá certamente uma maior pre-ocupação com sua própria produção textual, seja ela fala-da ou escrita. Porque é justamente o aspecto da produção textual que estaremos enfocando nesta unidade. Tendo em vista tais considerações, só temos a lhe desejar um excelente proveito de seus estudos, a partir dos objetivos que estabe-lecemos a seguir:

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Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de:

• Explicitar uma concepção de texto partindo da identi-ficação dos elementos de coesão;

• Reconhecer os elementos que estão estabelecendo a coesão do texto;

• Avaliar um texto bem formado, do ponto de vista da coesão.

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Da definição de coesão

A investigação sobre a coesão no campo da linguística textual é feita com vistas a se investigar os aspectos que dizem respeito aos pro-cessos que são empregados no ato de produção textual, com a finali-dade de se obter um produto, o texto, dotado de sentido. É evidente, portanto, que nesta aula será dispensada atenção prioritária ao estudo desses processos. Mas antes que comecemos nosso trabalho de análi-se de textos para explicitar como operam os mecanismos responsáveis pelo estabelecimento da coesão textual, é necessário conhecermos as definições do termo, estabelecidas por teóricos da linguística textual. É nesse sentido que transcrevemos abaixo as definições presentes em Koch (2001, p. 17, 18).

Uma primeira definição, de Halliday & Hasan, diz que:

“a coesão ocorre quando a interpretação de al-gum elemento no discurso é dependente da de ou-tro. Um pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não ser por recurso ao outro”.

“Para Beaugrande & Dressler (1981),

a coesão concerne ao modo como os componen-tes da superfície textual – isto é, as palavras e frases que compõem um texto – encontram-se conecta-das entre si numa sequência linear, por meio de dependências de ordem gramatical”.

Para Marcuschi, são fatores de coesão, aqueles que:

“dão conta da estruturação da sequência superfi-cial do texto, ‘afirmando que não se trata de prin-cípios meramente sintáticos, mas de’ uma espécie de semântica da sintaxe textual, ‘isto é, dos meca-nismos formais de uma língua que permitem es-tabelecer, entre os elementos linguísticos do texto, relações de sentido”.

Você leu as definições acima e certamente percebeu que há um aspecto caracterizador da coesão que é realçado nas três definições. Isso quer dizer que é esse o aspecto fundamental para se definir a coe-são. Vamos deixar para você a tarefa de explicitar qual é esse aspecto, respondendo a atividade a seguir:

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Atividade IReleia as três definições apresentadas acima, e identifique o traço comum apresentado pelos três autores, que definem resumidamente o que é conceituado como coesão.

Responda ainda: das três definições, qual a que abarca uma definição mais completa de coesão? Por quê?

Responda a atividade com bastante atenção, porque sua resposta será constantemente retomada na sequência desta unidade. Isso porque nessa resposta está o cerne do que se entende por coesão, o tema que estaremos desenvolvendo aqui.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Passemos agora a uma segunda etapa de nosso percurso em dire-ção ao conhecimento da coesão textual: sua efetivação no texto.

Analisando a coesão de um texto escrito Nesse momento, vamos analisar como a coesão se processa

em um texto real, a exemplo dos que circulam nos diversos suportes textuais em nossa sociedade. Para isso, vamos tomar como ponto de partida a noção de coesão como sendo a forma como os elementos linguísticos da superfície textual se relacionam entre si, numa sequência. Através dessa relação, são sinalizados os percursos que o leitor/ouvinte deve percorrer para construir o sentido do texto. Por isso, é certo que a coesão interfere também no nível semântico do texto.

Mas vamos parar de falar sobre a coesão, para vermos como de fato ela funciona nos textos. Vamos tomar um texto simples, e assim facilmente poderemos perceber como acontece o encadeamento dos sintagmas, das frases, dos parágrafos, das partes do texto, constituindo o processo coesivo.

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TEXTO 1

PODER INVISÍVEL

Noêmia Lopes

A gente não vê, mas a água de rios, lagos e mares tem mo-radores incríveis: o plâncton, seres minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

Nessa turma estão algas, bactérias, fungos, crustáceos, mo-luscos e outras criaturas microscópicas. Alguns não tem mem-bros para locomoção e outros são pequenos demais para nadar. Por isso, eles ficam flutuando na água.

Existem dois tipos de plâncton, o vegetal e o animal. Os dois servem de comida para vários animais, por isso são importantes no equilíbrio da cadeia alimentar. Além disso, o plâncton vegetal faz a fotossíntese e fornece grande parte do oxigênio que existe no planeta.

(RECREIO, Ano10, nº 504, 5/11/2009)

Vamos começar a destrinchar esse texto por uma pergunta clássica das aulas de leitura: do que fala do texto? Claro que você consegue responder essa pergunta facilmente. E um dos motivos para isso é que o texto está muito bem tramado do ponto de vista de sua coesão textual. Veja que o modo como os sintagmas, as frases, as três partes do texto, estão encadeados de forma a não oferecem qualquer dúvida quanto aos elementos a que estão sendo feitas as referências no texto. Vamos ver como isso acontece:

Primeiramente, ficamos sabendo quem são os moradores incríveis por-que eles estão anunciados justamente após o termo moradores incríveis.

A gente não vê, mas a água de rios, lagos e mares tem moradores incríveis: o plâncton, seres minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

Veja bem, só essa ordem em que os termos estão dispostos, um ime-diatamente após o outro, separados pelo sinal de pontuação, os dois pon-tos, já é indicativo de que o segundo termo, o plâncton, deve ser tomado como referente ao primeiro, moradores incríveis. Esse já é um fator de co-esão. Para ficar bem claro por que esses seres são incríveis, a adjetivação não deixa dúvida: eles são minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

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O segundo parágrafo se inicia através do sintagma nessa turma. Imediatamente, o leitor faz uma remissão para o parágrafo anterior, que é onde se encontra o termo referido por nessa turma. Já foi feita aqui a ligação entre os dois primeiros parágrafos do texto. Continuan-do a leitura, deparamo-nos como o termo alguns. Dá para recuperar a quem ele se refere? Se sim, a coesão continua sendo garantida. Logo à frente, encontramos o termo outros. Mais uma vez, sabemos perfeita-mente quem são esses outros no texto. E eles?

Você está vendo, não há como o leitor perder o fio do texto, se ele segue as pistas linguístico-gramaticais que o autor maneja para construir seu texto. Veja só como isso fica evidente se destacamos esses elementos no texto.

A gente não vê, mas a água de rios, lagos e mares tem moradores incríveis:

o plâncton seres minúsculos e

essenciais para a vida na

Terra

Nessa turma estão algas, bactérias, fungos, crustáceos, moluscos e outras criaturas microscópicas. Alguns não tem membros para loco-moção e outros são pequenos demais para nadar. Por isso, eles ficam flutuando na água.

E continua: Existem dois tipos de plâncton. Não há como “esque-cer” qual era o tema tratado no texto, porque ele foi retomado agora no terceiro parágrafo, através da mesma palavra: plâncton.

Os dois servem de comida para vários animais. A quem se refere os dois? Quem são importantes? Se existem dois tipos de plâncton, o plâncton vegetal é um deles.

Chegamos ao final do texto, mas isso não quer dizer que esgo-tamos todas as possibilidades de verificação dos seus elementos co-esivos. Você até pode ter se dado conta de algum aspecto que não citamos em nossa análise. É interessante até que faça o registro do que observou, assim estará exercitando sua capacidade interpretativa. Mas por ora vamos fazer uma pausa para discutir um aspecto importante da coesão, no item a seguir.

Por que é importante estudar a coesão quando se ensina língua?

E então, é simples verificar como se processa a coesão num texto? Temos que admitir que para nós, leitores proficientes da língua, o texto Poder Invisível, de fato, é de fácil compreensão. Mas o que importa é que a construção do texto por meio do manuseio dos elementos linguís-ticos segue a mesma lógica, no sentido de se alcançar, como produto, o texto de qualidade coesiva. O que vai acontecer é que dependendo

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do gênero do texto, diferentes recursos coesivos vão ser ativados por seu produtor. E claro, quanto mais avançamos no nosso conhecimento de língua e de textos, fazemos um uso mais ampo dos recursos coesivos que a língua nos oferece. Isso é válido também para os textos orais que produzimos diariamente em nossa vida cotidiana. É importante salien-tar ainda que esses recursos são inesgotáveis e que em cada texto são empregados diferentes recursos coesivos. Portanto, não adianta cons-truir uma forma para analisar todos os textos com que nos deparamos, porque não há um texto que repita outro, mesmo em se tratando de sua estrutura formal.

Esse é um aspecto interessante do ponto de vista do ensino da lín-gua, porque, além disso, você deve ter percebido que estudamos ele-mentos linguísticos que normalmente são visualizados somente a partir da perspectiva da gramática tradicional. No entanto, pudemos verifi-car a importância desses elementos quando estão funcionando de fato num texto, como elementos que promovem sua coesão. Portanto, o importante não é centrar-se sobre uma nomenclatura ou sobre uma categorização do certo e do errado do ponto de vista gramatical, mas sobre o que funciona bem para que meu texto adquira sentido e seja compreendido por quem o lê ou por quem o escuta.

Após essas considerações do ponto de vista do ensino da língua, temos uma proposta de atividade a seguir.

Atividade II

Retome alguns dos elementos linguísticos que destacamos durante a análise do texto PODER INVISÍVEL e pesquise numa gramática tradicional o modo como esses elementos são analisados ali. Reflita sobre qual das duas perspectivas, a da gramática tradicional ou a da linguístca textual, é mais eficaz para o ensino de produção textual. Você deverá levar suas reflexões para o fórum de debates e assim compartilhá-las com seus colegas.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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A coesão no texto falado Para desenvolvermos esse item vamos retomar o conceito de

texto que reportamos na unidade anterior:

“O texto será entendido como uma unidade lin-guística concreta (perceptível pela visão ou audi-ção), que é tomada pelos usuários da língua (fa-lante, escritor/ ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma fun-ção comunicativa reconhecível e reconhecida, in-dependentemente da sua extensão” (KOCH e TRA-VAGLIA, 1989, p. 8-9).

Depreende-se dessa definição, que a linguistica textual trabalha tanto com textos escritos quanto com textos orais. E os textos orais, den-tro de suas especificidades, são também construídos com vistas a serem compreendidos. Portanto, também nesses estão presentes elementos de coesão textual.

Somente para exemplificar, porque para tratar da oralidade seria necessário um curso todo dedicado a isso, mostramos no trecho de fala a seguir1, como os elementos de coesão são acionados pelo falante, de modo a que o resultado da fala seja um texto dotado de sentido.

TEXTO 2

... sabemos por exemplo... que o sindicato... dos co-merciários para falar de um assunto que nos toca... pati parti-cularmente... possui uma granja na cidade de Carpina... e que proporciona... àquela imensa... leva de associados... um lazer realmente magnífico... um momento de:... descanso... um mo-mento de: felicidade podemos dizer assim... a todos aqueles... que vão... até lá em busca de paz de sossego e de tranquilida-de... sabemos também... que...

(DID.131 – NURC/REC.:39-47)

Ressaltamos no trecho que o falante reformula o enunciado um lazer realmente magnífico, através de um outro enunciado em forma de paráfrases: um momento de:... descanso... um momento de:... felicida-de. Assim ele precisa o sentido do que quis dizer, e chama a atenção do

1 Os três pontos que aparecem nesse texto transcrito a partir de um texto falado, são utilizados para indicar pausas feitas pelo falante. Os dois pontos indica que ele se alongou na pronúncia da vogal.

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seu ouvinte. Destaca-se também no trecho a presença do conector e, do termo assim, que resume todo o enunciado anterior. E para finalizar, a retomada do início do texto, feita através da repetição da sequência: sabemos também que.

Este exemplo é elucidativo para demonstrarmos que a coesão faz parte de toda e qualquer produção textual. Isso inclui os textos falados que são tão presentes em nossa vida cotidiana e que merecem também ser investigados em seu processo de produção. Mas como não vamos nos centrar no estudo dessa modalidade de língua, prosseguimos nos-sa aula discutindo a respeito das propriedades da coesão, no item a seguir.

A coesão é um processo sintático, ou semântico?

A afirmação de que a coesão proporciona unidade temática ao texto reflete a ideia de que ela, operando no nível superficial, favorece, a partir daí, as construções de sentido para o texto, que se diz fazerem parte de sua superfície profunda. De forma que no final tem-se um todo coeso e dotado de sentido, ou seja, tem-se o que podemos reconhecer, na qualidade de falantes da língua, como sendo um texto.

É hora de fazermos o feedback. Lembra-se de termos pedido que você respondesse a atividade 1 com bastante atenção? Pois bem, che-gou o momento de voltarmos à resposta que você deu naquele mo-mento. E isso através, é claro, de mais uma atividade.

Atividade IIIRetome agora a resposta dada para a atividade 1. Avalie se a definição escolhida por você é condizente com o que dissemos acima sobre a coesão ser um processo sintático ou semântico.

Você mesmo pode responder agora: A coesão é um processo sintático ou semântico? Não vale responder sem explicar o porquê. Então, mãos à “caneta”.

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Continuando...O reconhecimento da unidade temática do texto, de que falamos

anteriormente, se processa porque, ao ir fazendo as ligações na super-fície do texto, como vimos para o texto acima, vão se fazendo também as ligações no nível conceitual.

Assim, por exemplo, no texto PODER INVISÍVEL, é possível, a partir do título mesmo, fazer sua ligação com o que está nele expresso. Va-mos retomar o texto: Por que o uso da palavra poder? Porque de fato as ações desses seres microscópicos, citadas no texto, são dignas de super heróis. E será que a palavra “microscópicos” tem a ver com invisibili-dade? A primeira frase do texto já nos dá pista disso: A gente não vê.

Se continuamos, podemos perceber claramente que é a partir das relações que se fazem no nível micro, nas relações gramaticais mesmo, como por exemplo entre os sujeitos e as formas verbais, que vão sendo estabelecidas as relações nos níveis superiores.

Assim, como bons conhecedores da língua, estabelecemos como sujeito do verbo estão, no segundo parágrafo do texto, os termos que vem depois dele: algas, bactérias, fungos, crustáceos, moluscos e outras criaturas microscópicas. E por que não fazemos com o termo que vem antes, o que é a ordem mais comum em nossa sintaxe? Uma pista: a terminação do verbo indica um sujeito plural.

O simples conectivo e garante a ligação entre algas, bactérias, fun-gos, crustáceos, moluscos e outras criaturas microscópicas; entre Alguns e outros.

Se passamos para o nível das orações, temos outros conectores, que enfatizam determinado tipo de relação que se estabelece entre as orações.

• A gente não vê, mas a água de rios, lagos e mares tem mora-dores incríveis;

• Alguns não tem membros para locomoção e outros são peque-nos demais para nadar. Por isso, eles ficam flutuando na água;

• Os dois servem de comida para vários animais, por isso são im-portantes no equilíbrio da cadeia alimentar. Além disso, o plânc-ton vegetal faz a fotossíntese e fornece grande parte do oxigênio que existe no planeta.

Para que a compreensão do texto fosse assegurada, o autor do tex-to garantiu a manutenção do tema ao longo dos parágrafos. Para isso, estabeleceu os elos de ligação entre eles, através do sintagma Nessa turma (segundo parágrafo) e da oração Existem dois tipos de plâncton (terceiro parágrafo),que retomam termos citados anteriormente, mas também reintroduzindo o tema que vinha sendo exposto, desenvolve-o, amplia-o.

Tudo isso é feito de modo que, ao chegar ao final do texto, o leitor pode ter formulado uma interpretação para ele. Percebe-se então que

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o texto é, finalmente, o resultado de um processo de múltiplos encade-amentos, na medida em que cumpre assim, a função da coesão, qual seja: “a de criar, estabelecer e sinalizar os laços que deixam os vários segmentos do texto ligados, articulados, encadeados. Reconhecer, en-tão, que um texto está coeso é reconhecer que suas partes – como dis-se, das palavras aos parágrafos – não estão soltas, fragmentadas, mas estão ligadas, unidas entre si” (ANTUNES, 2005, p. 47).

O que expusemos até aqui reforça a ideia de que não falamos por palavras isoladas, mas através de textos, em sua completude. Isso quer dizer: através de sequências que, interligadas, fazem sentido para quem as produz e para quem se dirigem. Ou seja, através de textos coesos.

Seria interessante verificar mais uma vez como isso acontece? En-tão, vamos a mais um texto.

TEXTO 3

2. O determinismo geográfico

O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. São explica-ções existentes desde a Antiguidade, do tipo das formuladas por Pollio, Ibn Khaldun, Bodin e outros, como vimos anteriormente.

Estas teorias, que foram desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e no início do século XX, ga-nharam uma grande popularidade. Exemplo significativo desse tipo de pensamento pode ser encontrado em Huntington, em seu livro Civilization and Climate (1915), no qual formula uma relação entre a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como um fator importante na dinâmica do progresso.

A partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros, refutaram este tipo de determinismo e demonstra-ram que existe uma limitação na influência geográfica sobre os fatores culturais. E mais: que é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico.

Tomemos, como primeiro exemplo, os lapões e os esquimós. Ambos habitam a calota polar norte, os primeiro no norte da Europa e os segundos no norte da América. Vivem, pois, em am-bientes geográficos muito semelhantes, caracterizados por um longo e rigoroso inverno. Ambos têm ao seu dispor flora e fauna semelhantes. Era de se esperar, portanto, que encontrassem as mesmas respostas culturais para a sobrevivência em um ambien-te hostil. Mas isto não ocorre:

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Os esquimós constroem suas casas (iglus) cortando blocos de neve e amontoando-os num formato de col-méia. Por dentro a casa é forrada com pelos de animais e com o auxílio do fogo conseguem manter o seu interior suficientemente quente. É possível, então, desvencilhar--se das pesadas roupas, enquanto no exterior da casa a temperatura situa-se a muitos graus abaixo de zero grau centígrado. Quando deseja, o esquimó abandona a casa tendo que carregar apenas os seus pertences e vai cons-truir um novo retiro

Os lapões, por sua vez, vivem em tendas de peles de rena. Quando desejam mudar os seus acampamentos, necessitam realizar um árduo trabalho que se inicia pelo desmonte, pela retirada do gelo que se acumulou sobre as peles, pela secagem das mesmas e o seu transporte para o novo sítio.

Em compensação, os lapões são excelentes criadores de renas, enquanto tradicionalmente os esquimós limitam--se à caça desses mamíferos.

A aparente pobreza glacial não impede que os esquimós tenham uma desenvolvida arte de esculturas em pedra-sabão e nem que resolvam os seus conflitos com uma sofisticada compe-tição de canções entre os competidores.

Um segundo exemplo, transcrito de Felix Keesing, é a variação cultural observada entre os índios do sudoeste norte--americano: (...)

(LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito Antropológico. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editor. 1997, p. 21-22).

Começando pelo começo...Voltamos nossa atenção para o título do texto e percebemos que o

mesmo já se inicia privilegiando o aspecto coesivo. O primeiro pará-grafo parte de uma retomada do título, através da repetição: O deter-minismo geográfico. O final do parágrafo, por sua vez, já remete para uma outra parte do texto, anterior, que obviamente não transcrevemos aqui. Com o enunciado: como vimos anteriormente, o autor deixa cla-ro que já havia tratado do assunto antes. Merecem também atenção o uso do pronome outros. Através dele o autor pode omitir uma lista talvez enorme de teóricos. Você deve ter prestado atenção também que

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o sintagma as diferenças do ambiente físico, é retomado primeiro pelo termo explicações, e depois por do tipo das formuladas. Nesse caso, houve também a retomada do tema através de termos diferentes, pro-porcionando o encadeamento das sequências, e consequente progres-são do texto. Essa é uma função da coesão.

Passando para o segundo parágrafo, verifica-se que a ligação com o primeiro está assegurada através do sintagma estas teorias. Mais um termo que se junta a as diferenças do ambiente físico, explicações, e do tipo das formuladas. E ainda a esse tipo de pensamento, que lemos mais à frente. Você pode indicar que termo é substituído pelo pronome no qual, na quarta linha desse parágrafo? Uma dica: ele está no gêne-ro masculino e no singular.

A partir de 1920, ou melhor, a partir daqui, deixamos para você a tarefa de dar continuidade à observação de como está sendo costurado o texto. Este é um ótimo exercício para se aprender a produzir os pró-prios textos. Portanto, não perca a oportunidade.

Atividade IVEstá lançada então a proposta. Dê continuidade à análise que vínhamos fazendo, e assim você descobrirá variadas possibilidades de se fazer elos coesivos num texto. Claro que não será possível remarcar todas numa primeira vez. Nesse caso, compartilhar o que você fez no fórum, com seus colegas, será uma oportunidade excelente para tomar conhecimento do que você não percebeu, mostrar o que você fez, e assim ter uma análise bem completa do texto. Bom trabalho!

Com esta atividade encerramos nossa unidade. Esperamos que você tenha gostado de descobrir o texto como esse tapete em que se entrecruzam fios de variados tamanhos e cores. E veja que isso é só o começo. Há muito mais a se observar quando olhamos esse objeto

de perto. Nas próximas aulas estudaremos em maior número possível, como cada fio em particular funciona no texto, de modo que a trama não apresente falhas. E ainda, de modo que a trama adquira determinada padronagem. Essa tarefa de tecer com palavras, definitivamente, não é uma tarefa fácil. É tarefa que exige cuidado e bastante atenção. Mas vale a pena se tornar um bom tecelão. Afinal, quem não gosta de ler um bom texto, um bom livro? E se dizemos que o texto é bom, que o livro é bom, é porque ele está bem escrito do ponto de vista da coesão. Isso vale para nossos textos também. Portanto, vale a pena se esmerar.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 7. ed. São Paulo: Con-texto, 1997.

Continuamos recomendando Koch, pelas mesmas razões: de leitu-ra fácil e bastante didática, a autora faz uso de muita exemplificação. Além disso, por ser uma pioneira da linguística textual no Brasil, seus textos são de leitura obrigatória para quem quer conhecer a teoria. Esta é uma das suas primeiras produções na área. Portanto, vale a pena conhecer outras produções da autora como as citadas nas referências a seguir.

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Pau-lo: Parábola Editorial, 2005.

Irandé Antunes é hoje uma das pesquisadoras que têm se ocupado da linguística textual, e tem sabido transmitir de forma muito simples e prazerosa a teoria que geralmente é apresentada de forma muito técni-ca. Com bastantes exemplos extraídos da literatura, de revistas e jornais da atualidade, facilmente podemos descobrir os efeitos de sentido que decorrem do uso da linguagem. Portanto, sua leitura é imprescindível.

ResumoA coesão é estudada no interior da teoria da linguística textual como uma propriedade do texto falado ou escrito, responsável pelos sucessi-vos encadeamentos de termos, de frases, de parágrafos, de modo que este texto como produto, se apresente como uma unidade de sentido. Observa-se a coesão a partir da materialidade linguística do texto, dos elementos coesivos da superfície textual, que ao estabelecerem rela-ções entre as diversas partes do texto, vão estabelecendo também as relações de sentido que tornam os textos compreensíveis para seus lei-tores e ouvintes.

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AutovaliaçãoEste é o momento em que você deverá avaliar se seu aprendizado

se deu a contento. Portanto, a proposta de autoavaliação que sugeri-mos deve ser realizada com bastante segurança. Se você considera que suas leituras ainda não foram suficientes para realizá-la, é importante que você retome as leituras, as discussões com o professor e os cole-gas, de modo a ter segurança para realizar a atividade que sugerimos a seguir:

Releia os textos PODER INVISÍVEL e O DETERMINISMO GEOGRÁ-FICO. Compare os dois, levando em consideração seu trabalho como leitor/leitora para seguir as pistas coesivas nos dois textos, na tentativa de compreendê-los.

Agora responda: o fato desses dois textos serem de gêneros diferentes, estarem endereçados a públicos diferentes, faz com que haja maior dificuldade em reconhecer as pistas linguísticas neles presentes? Por quê?

Lembre-se de que, para responder a essa questão, você deve se ater aos elementos coesivos da língua. Não entra em jogo em jogo aqui seu conhecimento maior ou menor acerca dos temas tratados nos textos.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ReferênciasANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 7. ed. São Paulo: Contexto, 1989.

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 8. ed. São Paulo: Contexto, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. A Linguística de Texto: o que é e como se faz. Recife. Universidade Federal de Pernambuco, 1983.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, Parábola Editorial, 2008.

MARTELLOTA, M. et. alii. (orgs.) Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.

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III UNIDADE

Mecanismos de coesão textual: a Referenciação

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Apresentação

Estudando as duas primeiras aulas deste curso de Teorias Linguísticas II, você travou conhecimento com a Linguística Textual. Desse modo, já conhece os pressupostos em que se baseia essa corrente da linguística, já conhece a definição de texto com que opera a Linguística de Texto, bem como já exercitou os conhecimentos que foram adquiridos sobre os recursos utilizados pelos produtores textuais na busca de uma construção de textos coesivos, observando analitica-mente o resultado de seu emprego nos textos.

Esse caminho que você percorreu certamente já lhe pro-porcionou uma visão muito mais aguçada do produto textual. Os primeiros passos na linguística textual sempre possibilitam a aquisição de uma noção de texto como artefato, como um objeto sobre o qual é preciso trabalhar, elaborando e reelabo-rando enunciados, escolhendo a palavra mais justa, atentando para detalhes que podem fazer muita diferença no que o produ-tor do texto quer dizer, no que o leitor pode interpretar. Todo tra-balho de elaboração textual requer a atenção do seu produtor no intuito de chegar a sua forma final mais acabada. Para isso, o conhecimento dos elementos linguísticos do texto ajuda muito.

Por isso, para esta aula, nossa proposta é fazer um estu-do mais específico da coesão, centrando-nos no estudo dos mecanismos disponíveis na língua através dos quais são es-tabelecidas referências entre os constituintes do texto. Nossa proposta é fazer você perceber como funcionam esses meca-nismos e, sobretudo, reconhecer sua importância para a ela-boração do texto. A partir disso você mesmo poderá também fazer um uso muito mais consciente desses elementos. Com esse propósito, estabelecemos os objetivos de nossa unidade:

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ObjetivosAo final desta unidade, esperamos que você seja capaz

de:

• Identificar os mecanismos linguísticos responsáveis pela coesão referencial do texto;

• Avaliar um texto bem formado, do ponto de vista do emprego dos elementos coesivos referenciais;

• Empregar os conhecimentos da linguística textual em sua atividade de leitor e produtor textual.

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Considerações iniciais necessárias

Estamos tratando neste curso, da maneira como os termos, os enun-ciados, os parágrafos do texto vão sendo encadeados num processo de idas e vindas, de retomadas, de articulações que vão resultar num texto coeso e com sentido. Porque, para que o texto tenha sentido, é preciso que suas palavras, enunciados, parágrafos, estejam interligados. Essa é a função da coesão. A partir de agora, vamos observar como os elementos linguísticos responsáveis pela coesão funcionam nos textos.

Seguiremos a proposta de Koch (1989, p. 26), que é bastante di-dática, em que a autora propõe a “existência de duas grandes mo-dalidades de coesão: a coesão referencial (referenciação, remissão) e a coesão sequencial (sequenciação)”. Esta unidade será dedicada à coesão referencial, que Koch (1989, p.30) define como sendo “aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual”. A coesão sequencial será estudada na próxima unidade.

Ao chegar ao final do curso, você perceberá como será útil para sua própria atividade de produção textual, o conhecimento de como funcionam os elementos de coesão. Certamente você desenvolverá maior controle sobre sua escrita, tornando-se um produtor textual mais competente. Bem como, um leitor mais atento ao texto que vier a ler a partir de então.

E já que o objeto de análise da linguística textual é o texto, vamos apresentar os mecanismos de coesão referencial, naturalmente, através de textos. E a partir daí, vamos explicando seu funcionamento, sempre requisitando sua participação, evidentemente. Contudo, selecionare-mos trechos em que podemos observar o procedimento linguístico es-pecífico que queremos analisar. Isso porque não temos espaço suficien-te para incluir o texto integral, em função do limite que nos impõe uma aula como esta. Assim, teremos o cuidado de recuperar as informações que sejam relevantes para sua compreensão.

Mas, para satisfazer sua curiosidade de leitor, indicamos sempre a referência para que você possa recuperar todo o contexto textual, lendo o texto na íntegra, sempre que possível. Asseguramos que essa será uma atitude inteligente e prazerosa.

Contamos com sua efetiva participação na aula. Será muito impor-tante seu envolvimento realizando os exercícios, tirando as dúvidas com o tutor, discutindo com os colegas no ambiente virtual. Portanto, vamos aos textos ou trechos!

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Analisando procedimentos de coesão referencial

Para começar, vamos ler um trecho de um diálogo imaginado por Luis Fernando Veríssimo, entre o cineasta Federico Fellini e seu produ-tor. Reportamos o trecho final porque ele exemplifica bem um procedi-mento recursivo: a repetição de um mesmo item lexical. Esse é um re-curso através do qual se consegue a reiteração de um referente textual, conseguindo-se assim estabelecer uma forma de coesão textual.

Antunes (2005, p. 71) explica que

“A repetição, como o próprio nome indica, corres-ponde à ação de voltar ao que foi dito antes pelo recurso de fazer reaparecer uma unidade que já ocorreu previamente. Essa unidade pode ser uma palavra, uma sequência de palavras ou até uma frase inteira”.

Vamos ao trecho em que Fellini fala sobre a presença de gatos em um próximo filme, e você poderá confirmar o que Antunes disse acima sobre a repetição:

“_ Isso. Oitocentos gatos caolhos. Mil. Os gatos estão por todo o apartamento. O casal não con-segue sentar ou dormir por causa dos gatos. Os gatos comem a empregada. Os gatos ocupam todo o prédio. Toda a cidade! É isso! A cidade está tomada por gatos caolhos. Milhões de gatos cao-lhos. Anote aí: um milhão de gatos caolhos. Só o casal ainda não foi comido pelos gatos, porque...” (VERISSIMO, 2003, p. 43)

Você contou quantas vezes o termo gato aparece no trecho? Pare-ce um exagero, mas a retomada do mesmo item lexical é empregada para criar um efeito expressivo. A repetição da palavra gato revela o exagero do cineasta, conhecido pela montagem de cenas inusitadas. A repetição não desqualifica o trecho, porque neste caso ela cumpre uma função. A ênfase nos gatos, inevitavelmente, cria em nossa mente um cenário tomado por gatos que surgem de todas as partes, e a reitera-ção do termo garante a continuidade do texto, sua coesão. Recomen-damos a leitura de Antunes (2005) para um maior aprofundamento dessa forma de remissão.

No próximo trecho também observamos um caso de repetição, mas agora através de um outro mecanismo, o uso de expressões nominais definidas, assim conceituadas por Koch (2009, p. 68): “Denominam-se expressões ou formas nominais definidas as formas linguísticas constituí-das, minimamente, de um determinante definido seguido de um nome”.

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Vamos ao exemplo para deixar claro do que estamos tratando:

“Woody Allen não é um filósofo. É um judeu da baixa classe média urbana do Leste dos Estados Unidos, como dez entre dez estrelas da comédia americana. Ele mesmo se situa na tradição dos stand-up comedians,...” (VERISSIMO, 2003, p. 50)

Você consegue identificar as expressões nominais que são em-pregadas no trecho para fazer referência a Woody Allen? Você identi-ficou um judeu da baixa classe média urbana, uma estrela da comédia americana e um dos stand-up comedians?

O interessante no emprego dessas expressões é que, como ressalta Koch (2009, p. 68),

“o uso de uma descrição definida implica sempre uma escolha dentre as propriedades ou qualidades capazes de caracterizar o referente, escolha esta que será feita, em cada contexto, em função do projeto de dizer do produtor do texto”.

Não parece ser isso mesmo o que pretende Veríssimo? A partir da identificação de Woody Allen pelo que ele não é, um filósofo, Ve-ríssimo informa ao leitor quem ele é. Para isso, faz uso das expressões nominais. Dessa forma, o referente é retomado, e ao mesmo tempo em que é retomado, é resignificado pelas novas informações que lhe são acrescentadas. Assim o texto progride.

O que acontece também nesse trecho é que seu produtor, Fernando Veríssimo, construiu o texto com o objetivo de fazer o leitor conhecer Woody Allen a partir da apresentação das características que o iden-tificam, segundo a ótica de Veríssimo, claro. Podemos dizer, portanto, que o uso das expressões definidas é resultado do projeto discursivo do autor, naquele contexto.

Um outro recurso coesivo bastante comum nos textos é a substitui-ção de um termo por outros equivalentes. Através desse recurso fica assegurada a manutenção do elemento que está sendo o foco do texto, ao mesmo tempo em que se evita uma repetição que poderia ser en-fadonha no texto. Mas principalmente, pela substituição, se oferece ao leitor outras possibilidades de interpretação para um mesmo referente. É o que acontece nos trechos do jornal a seguir em que, a partir do tí-tulo que anuncia o nome de Messi, vários outros epítetos são atribuídos ao jogador.

Messi dá novo show

O craque do Barcelona Lionel Messi deu novo show no Camp Nou ...

O argentino Messi voltou a dar espetáculo e foi ovacionado pela

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torcida do Barça, que fez gestos levantando e abaixando os braços em reverência ao camisa 10...

Durante o jogo, a imprensa europeia e argentina também já exaltavam o craque: ‘Deus Messi’, dizia o espanhol ‘Marca’, enquanto o ‘Olé’ chamava o meia-atacante de ‘Rei do Camp Nou’. Eleito o me-lhor jogador do mundo, em 2009, esta é a primeira vez na carreira que o craque fez quatro gols em um só jogo...” (O Norte, 07/04/2010)

Podemos dizer que as sucessivas substituições deixam o texto mais informativo a respeito de quem é Messi, o que é muito apropriado para um texto jornalístico. Ao mesmo tempo, o leitor tem sempre em mente que é dele que se está falando. Não há, portanto, possibilidade de confusão.

Outras formas de substituição podem ser feitas através de Sinôni-mos1, como em: “A porta se abriu e apareceu uma menina. A garotinha tinha olhos azuis e longos cabelos dourados”;

Antunes (2005, p. 98) lembra que “podemos substituir uma palavra por um seu sinônimo, isto é, por uma outra palavra que tenha o mesmo sentido ou, pelo menos, um sentido aproximado (...), sempre na dependência das condi-ções de cada texto”.

Hiperônimos2: “Vimos o carro do ministro aproximar-se. Alguns mi-nutos depois, o veículo estacionava adiante do Palácio do Governo”;

Uma visualização de hiperônimos é facilmente encontrada nas classificações, como esta abaixo, usada na biologia. Animal funciona como hiperônimo de qualquer uma das classes que estão abaixo na classificação.

ANIMAL

RÉPTEIS AVES MAMÍFEROS

ROEDORES FELINOS PRIMATAS

1 SINONÍMIA – Propriedade de dois ou mais termos (v. termo) poderem ser emprega-dos um pelo outro sem prejuízo do que se pretende comunicar (MATTOSO CÂMARA, 1986, p.222)

2 “Hiperônimo – isto é, uma palavra de sen-tido geral, que designa uma classe de seres, por isso mesmo, chamada de ‘palavra supe-rordenada’ ou ‘nome genérico” (ANTUNES, 2005, p. 98).

Fonte da imagem: http://www.grupoescolar.com/materia/semantica_%28sinonimos_e_antonimos;_homonimos_e_paronimos%29.html)

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Nomes genéricos: “A multidão ouviu o ruído de um motor. Todos olharam para o alto e viram a coisa3 se aproximando”;

Nominalizações4: “Os grevistas paralisaram todas as atividades da fábrica. A paralisação durou uma semana.

Todos esses exemplos foram retirados de Koch (1989, 46). É fácil perceber neles que os termos em itálico promovem, anaforicamente, um retorno ao que foi anunciado antes no texto. Há, portanto, uma interrelação entre elementos, que caracteriza a coesão textual.

Há muitas outras possibilidades de se fazer remissão em textos, utilizando-se recursos lexicais. Você encontra nos trabalhos já citados de Antunes (2005) e Koch (2009), diversos exemplos e comentários de como esses recursos podem direcionar um sentido para o texto. Em A Coesão Textual, Koch (1989) faz uma relação exaustiva dessas formas. Vale a pena conferir esse seu trabalho para iniciar os estudos sobre as formas de se estabelecer coesão textual.

Vamos parar um pouco para que você agora tenha a oportuni-dade de refletir sobre como se procede para garantir a coesão textual através dos recursos coesivos referenciais que estudamos até aqui. Essa será sua primeira atividade.

Atividade I

Leia atentamente o texto abaixo. Identifique elementos de coesão referencial. Você pode até identificar elementos que já estudamos na aula anterior. Depois, explique como, através da repetição de termos, do uso de expressões nominais, da repetição parcial ou total de termos, o autor do texto consegue garantir a coesão necessária à unidade textual.

As geleiras de Marte

Imagens raras dos paredões de Mojave, uma gi-gantesca cratera de gelo do planeta Marte, foram divulgadas pela Nasa, agência espacial america-na. As fotografias registram uma região com cerca de 60 quilômetros de diâmetro. Sua profundidade de 2,6 quilômetros mostra ainda que a cratera foi pouco afetada pela erosão ou por outros processos geológicos. Mojave é uma das mais recentes gran-des crateras de Marte – tem cerca de 10 milhões de anos. Segundo os cientistas, o clima do planeta vermelho pode ter sido influenciado pelo intenso bombardeio de meteoritos há 3,9 bilhões de anos.(ISTOÉ, 31/03/2010, p. 25)

3 Coisa é o mais comum dos hiperônimos em nossa língua. Uma espécie de “coringa”. Quem não já se valeu da palavra quando não se lembrava

4 “Entende-se por nominalização o processo gramatical de formar nomes a partir de ou-tras partes do discurso, usualmente verbos e adjetivos.” (KHEDI, 1992, P. 26).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Retomando o último trecho reportado de Verissimo, verificamos a presença do pronome ele seguido da expressão mesmo que não deixa dúvida quanto ao nome que está sendo retomado, Woody Allen. Esse é um caso de retomada que na linguística é conhecida como anafórica5, porque o termo a que se faz referência (Woody Allen) vem antes da for-ma referencial (ele mesmo). Ou seja, há um movimento de referência ao que veio antes, voltando-se no texto. Veja como isso acontece:

“Woody Allen não é um filósofo. (...) Ele mesmo se situa na tradição dos stand-up comedians,...”

Quando esse movimento é para frente, diz-se que se tem uma refe-rência catafórica, como no exemplo a seguir:

“Ginástica para viver, ridícula e patética ginástica que tanta gente faz todo dia simplesmente para isso: para continuar”.

(BRAGA, 2004, p. 26)

Veja que só sabemos a que se refere o pronome isso continuando a leitura, no segundo momento do enunciado. Primeiro, há a apresenta-ção do referente, isso, e depois o termo referido, continuar. Ressaltamos que contribui sintaticamente para o estabelecimento dessa relação, a presença dos dois pontos. Podemos constatar assim, que é a relação entre diversos procedimentos linguísticos, que proporciona a arquitetu-ra textual.

Os pronomes se incluem entre as principais formas gramaticais através das quais se faz remissão em português. Eles garantem a conti-nuidade referencial e é muito importante observar no seu uso, as flexões de gênero e número que permitem a identificação com o termo a que se referem. Assim fica assegurada a devida ligação entre os elementos do texto e, consequentemente, assegura-se também sua compreensão.

Observe essa concordância nos exemplos a seguir. Marcamos com itálico os pronomes que estão estabelecendo uma relação remissiva nos trechos. Para você, fica a tarefa de identificar o termo que está sendo retomado pela referenciação pronominal e de explicar como a referência está acontecendo no trecho. Interprete isso como um mais exercício a ser realizado. Esta será sua ATIVIDADE 2.

“...Recentemente uma celebridade reagiu à idéia de que seus seios não eram seus dizendo que tinha pagado por eles, e, portanto, eles eram mais seus do que os originais...”(VERISSIMO, 2003, p. 214)

5 “Chamamos de anafóricas as expressões que se interpretam por referência a outras passagens do mesmo texto. As expressões anafóricas servem, tipicamente, para ‘re-tomar’ outras passagens de um texto. Um exemplo típico é o demonstrativo isso em frases como ‘a gasolina subiu de novo’, e isso vai gerar outros aumentos de preços’; nesse contexto, ficamos sabendo que a palavra isso faz referência ao aumento de gasolina, olhando par o texto que precede (ILARI, 2001, p. 55)”.

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“...O Ulisses de Homero e o Ulisses de Dante se encontram no Ulisses de James Joyce. Encontram--se, mas não se fundem, transformam-se em dois personagens: Leopold Bloom, o Ulisses de Home-ro segundo Joyce, cuja aventura é uma volta para casa, e Stephen Dedalus, o Ulisses de Dante segun-do Joyce, cujo exílio é uma aventura sem volta”.(VERISSIMO, 2003, p. 133)

“...Há tempos apareceu uma teoria segundo a qual existiria uma ‘memória da água’. A água reteria nas suas moléculas uma ‘lembrança’ recuperável de movimentos e efeitos. A teoria não foi provada, o que é uma pena. Suas possibilidades poéticas eram imensas...”(VERISSIMO, 2003, p. 126)

Os artigos, numerais, advérbios pronominais e expressões adver-biais são outros elementos gramaticais que também funcionam como formas remissivas da língua, como podemos verificar nos exemplos:

a) Era uma vez um rei que morava num castelo. O rei vivia muito sozinho.

Um comentário importante a respeito dos artigos como elementos referenciais é que o indefinido funciona como catafórico. Veja que no exemplo um rei será retomado posteriormente. Já com o artigo defi-nido, a remissão é feita ao que já foi enunciado antes. O rei sozinho é o rei de quem já se disse morar num castelo. Da mesma forma, se quiséssemos falar do castelo, teríamos que usar agora o artigo definido. Por exemplo: Era uma vez um rei que morava num castelo. O castelo era muito sombrio.

Verificar o valor anafórico ou catafórico dos artigos é uma questão essencial a se considerar quando a referência é feita através do artigo definido ou indefinido. A informação acerca dessa particularidade no uso dos artigos nunca é ressaltada pelas gramáticas tradicionais. Verifi-camos assim a importância do conhecimento que está sendo adquirido nessa unidade, acerca da função coesiva dos elementos linguísticos.

b) “Na madrugada do domingo, às 01h45, um adolescente de 17 anos faleceu em um acidente de motocicleta. Outra pessoa que estava com ele, identificado como Luciano, foi socorrido, leva-do para Campina Grande e está em estado grave... A moto que os dois ocupavam, uma yamaha 125, saiu da pisa e tombou em seguida...” (O Norte, 05/04/ 2010)

Facilmente pode-se reconhecer o valor coesivo do numeral porque ele está sendo usado para fazer referência às pessoas acidentadas, citadas anteriormente no texto.

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Você percebe nesse trecho que há o uso de mais formas referenciais além do numeral? Que tal se você identificar os elementos lingUísticos que estão servindo para estabelecer esse tipo de coesão? Vamos lá, essa é mais uma oportunidade de você por em prática os conhecimen-tos que já adquiriu sobre os modos de se conferir aspectos coesivos ao texto. Portanto, realize a atividade 3 a seguir:

Atividade IIIIdentifique os elementos coesivos referenciais no trecho acima, bem como os termos a que se referem.

Nesse enunciado está presente uma expressão adverbial que funciona como elemento coesivo. Você pode identificá-lo? Aliás, nossas aulas estão repletas de elementos circunstanciais que utilizamos para fazer ligações entre suas partes. É o que acontece nos enunciados:

c) “ Leia atentamente o texto abaixo”; “ Quando esse movimento é para frente, diz-se que se tem uma referência catafórica, como no exemplo a seguir:” “A partir de agora...”

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

São muitas as possibilidades de se estabelecer referências no texto para que nenhuma parte fique solta, sem ligação com as demais. Em tão pouco espaço é impossível fazer um estudo exaustivo dos elementos de coesão referencial. Por isso é importante que você leia sobre o tema nos livros que recomendamos. Há muitos trabalhos na internet. Ana-lisando com cuidado, você poderá encontrar na rede uma excelente fonte de pesquisa. Não deixe de compartilhar suas descobertas com os colegas e tirar as dúvidas com o professor. Essa é uma atitude inteligen-te por parte do aluno que quer realmente aprender.

Vamos apresentar mais uma forma de se fazer coesão referencial, a elipse6, um recurso de referenciação sintática, frequentemente empre-gado em textos. Certamente você já estudou elipse em suas aulas de

6 Definição: “ELIPSE – Omissão, numa enunciação, linguística, do termo presente em nosso espírito, porque se depreende do contexto geral ou da situação” (MATTOSO CÂMARA, 1986, p.49).

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gramática, onde deve ter aparecido sob a designação de uma figura de linguagem. Agora você poderá observar como esse pode ser um recurso que propicia a coesão referencial. Mais uma vez Veríssimo nos dá um excelente exemplo de coesão em seu texto e também nos deixa mais conhecedores de Woody Allen. Por isso, vamos retomá-lo:

“...Allen pertence ao pequeno mundo liberal-inte-lectual de Nova York. Escreve para o New Yorker, apóia todas as causas corretas, frequenta os cine-mas de arte, almoça no Russian Tea Room e abo-mina a Califórnia. Mas, com a lúcida irreverência de um emigrado do Brooklyn, sabe que há mais pose do que conteúdo no estilo da ilha. Sabe que Nova York, como ele, consome cultura de segun-da mão: o cinema – que não é feito lá – e o alto pensamento europeu...” (VERISSIMO, 2003, p. 51)

Vamos então verificar como o processo da elipse se faz presente no trecho. No primeiro enunciado, tudo muito claro. A partir dele, uma série de orações:

Escreve para o New Yorker/ apóia todas as causas cor-retas/ frequenta os cinemas de arte/ almoça no Russian Tea Room/ abomina a Califórnia.

O sujeito dessas orações não está antecedendo imediatamente as formas verbais, está elíptico. Mas está presente no primeiro enunciado do trecho e podemos identificá-lo pelas terminações verbais, bem como pelo fato de não haver outro termo que pudesse ocupar a posição de sujeito. Allen é ainda o sujeito para as duas ocorrências verbais do verbo saber. A próxima forma verbal que aparece no trecho é consome. Mas o sujeito aqui é outro e por isso está explícito.

A elipse pode ser um recurso de efeito muito expressivo, como se pode verificar no texto da propaganda a seguir:

A gente está muito orgulhoso por ter conquistado tanta coisa.

E mais ainda porque sabe que você também está.

Ministério de Minas e Energia

(ISTOÉ, 26/05/2010, p.76)

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Este texto servirá para você exercitar seu conhecimento acerca da coesão referencial. Para isso, sugerimos a atividade a seguir.

Atividade IV

Certamente você identifica o termo que foi intencionalmente suprimido no texto. A partir dele, pedimos que você explique o modo de funcionamento da elipse como recurso de coesão referencial.

Considerações finais inevitáveisO texto que você acabou de analisar é uma propaganda do Go-

verno Federal. Você deve ter percebido que os exemplos utilizados na aula para exemplificar o processo de coesão textual são extraídos de gêneros textuais diversos. Utilizamos texto literário, texto de jornal, texto de revista. Isso quer dizer que a coesão não é exclusiva de um gênero específico. Em qualquer texto, pode-se encontrar elementos que estão funcionando ali para garantir sua coesão.

Ressaltamos nesse aspecto, que é importante observar que gênero textual estamos lendo ou produzindo, para ter maior clareza de como o elemento de coesão está empregado no texto, que efeito de sentido seu uso provoca no texto. Isso porque o modo de funcionamento dos elementos coesivos vai depender do gênero do texto. Dependendo do objetivo para o qual o texto foi produzido, a presença de um mesmo elemento linguístico empregado para estabelecer a coesão, resulta em um diferente efeito no texto. Portanto, é importante atentar para o uso desses elementos quando estamos lendo e produzindo textos.

Mais uma vez insistimos que não conseguimos em tão pouco es-paço esgotar um assunto tão importante e tão amplo. É por isso que oferecemos sempre, ao final de cada aula, indicações de leituras com-plementares ao seu estudo. Mas para esse nosso tema poderíamos chamá-las de leituras obrigatórias, tal a necessidade de aprofundamen-to das noções que apresentamos aqui. Você mesmo deverá sentir essa necessidade. Portanto, não perca tempo. Mergulhe fundo na leitura.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Você já conhece A coesão textual. Já comentamos as qualidades de Ingedore como teórica que sabe tornar seu texto didático aos iniciantes. É isso que acontece mais uma vez nesse seu livro. Além disso, é muito produtivo acompanhar a evolução de uma teoria por quem tem se de-dicado a ela. Você vai encontrar aqui um aprofundamento necessário e instigante das noções que a autora vem pesquisando. Não deixe de ler esse texto que vai muito além de uma introdução.

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

Mais uma vez, uma leitura já recomendada. Sinal de que é impres-cindível. Você vai ver que Irandé agrupa as noções que tratamos aqui, de um modo diferente. Isso porque ela analisa as mesmas questões de uma perspectiva diferenciada. Portanto, seu horizonte de conhecimento acerca da coesão será ampliado. Os comentários da autora sobre a possibilidade de estudo da língua para além da simples gramaticali-dade mostram o quanto é necessária uma formação linguística para o professor de línguas. Portanto, não há como se furtar a lutar com suas palavras.

ResumoA construção de um texto requer que seus termos, enunciados,

parágrafos sejam dispostos de forma a estarem encadeados no texto, obedecendo a um processo de idas e vindas, de retomadas, de articu-lações que vão resultar num todo coeso. Uma das formas de garantir essa unidade é através do mecanismo de referenciação, em que os componentes do texto são retomados, fazendo com que o texto progri-da seguindo um fio condutor. Assim, elementos linguístico-gramaticais são mobilizados de modo a estabelecerem no texto, o que se reconhe-ce na linguística textual, como sendo o processo de coesão referencial.

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AutovaliaçãoNeste momento de autoavaliação é importante que você retome o

conteúdo que foi estudado e reflita sobre seu aprendizado. Para favore-cer esse processo, nada melhor do que por em prática os conhecimen-tos adquiridos. Portanto, vamos ao texto. Iniciamos com um texto de Veríssimo, vamos finalizar com um texto sobre ele. É um comentário que está na quarta capa de seu livro, Banquete com os deuses. Pedimos a você que a partir deste título, comente o funcionamento dos elementos que fazem a coesão referencial do texto;

“Louco por cinema, música e literatura, Veríssimo nos convida a partilhar deste banquete – uma seleta caprichada de textos, escritos ao longo dos últimos 20 anos, em que ele analisa algumas das suas gran-des paixões culturais. Com a proverbial argúcia e o humor generoso com que invariavelmente tempera suas crônicas, o escritor elege um time de craques – mestres do jazz, da música popular, da pintura, da filosofia, de arte várias. No universo dos seus escolhidos, vamos iden-tificar livros e autores que jamais esqueceremos, filmes que marcaram nossa vida, astros e estrelas por quem já fomos loucamente apaixona-dos, trilhas sonoras que, há muito, nos emocionam e nos fazem sentir deliciosamente jovens”.

Esperamos que tenha gostado do texto. Lembre-se de que disse-mos ser impossível apresentar todos os recursos de coesão referencial de que dispõe a língua. Isso é positivo no sentido de que você vai se dar conta de que já pode identificar sozinho elementos e processos de referenciação. Mas como é bem possível que escape algum elemento e você tenha alguma dúvida, compartilhe com os colegas suas desco-bertas no ambiente virtual. Será muito proveitoso.

Boa leitura! Bom trabalho!

Fontes dos exemplos apresentados

BRAGA, Rubem. Um pé de milho. Rio de Janeiro: Record, 2004.ISTOÉ, 2107, 31/3/2010; 26/05/2010.O Norte. João Pessoa, Caderno Esportes. 05/ 04/ 2010; 07, 04/ 2010.VERISSIMO, Luis Fernando. Banquete com os deuses. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.

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ReferênciasANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica – brincando com a gramática. São Paulo, Contexto, 2001.

KHEDI, Valter. Formação de palavras em português. São Paulo: Ática, 1992.

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 7. ed. São Paulo: Contexto, 1989.

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

MATTOSO CÂMARA, Joaquim. Dicionário de Linguística e Gramática. Petrópolis: Vozes, 1986.

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IV UNIDADE

A relação entre a coerência e a coesão textuais

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Apresentação

Esta unidade procura resumir alguns dos conceitos mais importantes com relação à coerência e coesão textuais e relacioná-los com atividades de análise de redações elabo-radas por diversos usuários da língua, na tentativa de esta-belecer um diálogo entre texto e leitor e levantar reflexões acerca do ato de produção do texto escrito. A unidade se apóia em reflexões acerca do tema, de estudiosos como: Ingedore Villaça Koch e Luiz Carlos Travaglia, na obra “Texto e Coerência” (2009).

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ObjetivosAo término desta unidade, queremos que você:

• compreenda a relação entre coerência e coesão;

• entenda o que se pode considerar como texto;

• observe de que depende e como se estabelece a co-erência textual.

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Reflexões iniciais...

Para entendermos o que é coerência textual, devemos compreen-der, inicialmente, a noção de texto, pois sabemos que:

a linguística textual, desenvolvida sobretudo na Eu-ropa a partir do final da década de 60, tem se dedi-cado a estudar a natureza do texto e os fatores en-volvidos em sua produção e recepção. Essa teoria, na medida em que busca esclarecer o que é e como se produz um texto, merece ser conhecida e consi-derada por quem se interessa pelo trabalho com a expressão escrita na escola (VAL. 1991.p. 02).

Inicialmente, podemos começar pela noção de coerência e sua re-lação com a coesão.

A coerência de um texto tem a ver “com a boa formação” do próprio texto. Mas esse critério não diz respeito apenas à noção da competência gramatical que este apresenta, ele se refere, sobretudo, “a uma boa forma-ção em termos de interlocução comunicativa”. Dessa forma, entendemos que a coerência se estabelece através do processo de interação, de inter-locução e numa dada situação de comunicação entre usuários da língua. Ela se constitui como a possibilidade de estabelecimento entre aquilo que se diz e como esse dizer é compreendido e aceito pelos interlocutores. Esse processo de comunicação é resultado de uma unidade global capaz de “dá continuidade de sentidos perceptível no texto”. Essa unidade global depende não apenas dos elementos constitutivos do texto, mas

de fatores socioculturais diversos, devendo ser vista não só como o resultado de processos cognitivos, operantes entre os usuários, mas também de fato-res interpessoais como as formas de influência do falante na situação de fala, as intenções comunica-tivas dos interlocutores, enfim, tudo o que se possa ligar a uma dimensão pragmática da coerência. Os processos cognitivos caracterizam a coerência à medida que possibilitam criar um mundo textual em face do conhecimento de mundo registrado na memória, o que levaria à compreensão do texto (KOCH E TRAVAGLIA, 2009. p. 12).

Como podemos observar a coerência é responsável pelo sentido do texto. Esse sentido envolve os fatores semânticos e cognitivos. Daí, afirmarmos que ela é, “ao mesmo tempo, semântica e pragmática”. Do ponto de vista semântico, podemos destacar o princípio da interpre-tabilidade, uma vez que o texto necessita do conhecimento partilhado entre os interlocutores. De acordo com Koch e Travaglia (2009) esse

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princípio “tem a ver com a produção do texto à medida que quem o faz quer que seja entendido por seu interlocutor, conforme se supõe pelo princípio da cooperação” (p.13).

Assim, um texto é coerente no momento em que for compatível com o conhecimento de mundo do receptor. Partindo dessa afirmação, entendemos que a produção de texto não existe em si mesma, mas sim, através da união entre locutor, interlocutor e o mundo partilhado por ambos. Podemos sintetizar a relação de coerência do texto evidenciado dois fatores: os fatores linguísticos (coesão, coerência e intertextualida-de) e os fatores extralinguísticos (intencionalidade, aceitabilidade, infor-matividade e situalidade).

A coerência textual convive com a coesão textual. Elas formam uma espécie de par “opositivo/distintivo”, segundo Koch e Travaglia. A coe-são se difere da coerência porque ela é explicitamente nítida na super-fície do texto através de seus elementos linguísticos. Por isso possui um “caráter linear” e a observamos através da sintaxe e gramática do texto. Mas de acordo com Halliday e Hasan (1976) ela também possui um caráter semântico, uma vez que liga os elementos superficiais do texto, interferindo na maneira como estes se relacionam, na combinação das frases e nos períodos, tudo isso, “para assegurar um desenvolvimento proporcional” (p. 36).

Revisão de conceitos de coesão segundo alguns estudiosos

Vamos relembrar, um pouco, as unidades anteriores?

De acordo com Pécora qualquer tipo de texto, seja oral ou escrito, não apresenta um conjunto de elementos isolados, todavia um conjun-to em sua totalidade semântica em que os elementos estabelecem entre si, modos de significações. O autor define esse conjunto significativo como um valor intersubjetivo e pragmático:

A capacidade de um texto possuir um valor inter-subjetivo e pragmático está no nível argumentativo das produções linguísticas, mas a sua totalidade Semântica decorre de valores internos à estrutura de um texto e se chama coesão textual. (Pécora, 1987, p. 47).

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Logo, entender os mecanismos de coesão presentes em dado texto é avaliar que cada componente do texto depende um do outro em seu contexto situacional. Mesmo apresentando uma relação semântica, a coesão envolve todos os elementos do sistema lexical e gramatical. Por isso, existe coesão através dos elementos gramaticais e através dos elementos do léxico de determinada língua. De acordo com Halliday e Hasan (1976) “a coesão é a relação semântica entre dois elementos do texto, de modo que um deles tem de ser interpretado por referência ao outro, pressupondo-o. Para esses autores há cinco distintos meca-nismos de coesão: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical. Cria-se entre os elementos um vínculo” (p.45).Todavia, essa co-esão gramatical e essa coesão lexical não garante ao texto um sentido. A textualidade ultrapassa a coesão gramatical e a lexical, pois o sentido do texto depende de “certo grau de coerência” que abrange os diversos elementos tanto do interior do texto quanto do seu exterior. Os recursos extralinguísticos possuem o mesmo valor dos recursos intralinguísticos para a compreensão global da textualidade. Diante disso, a coesão não é condição única para que o texto apresente textualidade. Observe o exemplo abaixo do escritor Ricardo Ramos:

Circuito Fechado

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Esco-va, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, cami-sa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadei-ras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo. xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, grava-ta, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guar-danapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e ca-

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neta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, pol-trona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Co-berta, cama, travesseiro.

Como se percebe, o texto acima deixa notório que o critério da textualidade não depende somente dos elos coesivos. No caso desse exemplo, depende dos recursos extralinguísticos oriundos do conheci-mento de mundo do interlocutor.

Beaugrande e Dressler (1981) afirmam que coesão é o modo como os elementos da superfície do texto se encontram relacionados entre si, numa sequência combinativa. Marcuschi também (2001) conceitua coesão textual como sendo a “estrutura da sequência superficial do texto e à sua organização linear sob o aspecto estritamente linguístico”. Charolles (1978) sugere os conceitos de coesão e conexão. Para o autor,

a coesão se refere às relações de identidade, de in-clusão ou de associação entre constituintes de enun-ciados, que são as relações entre os elementos do texto que podem ser resolvidas em termos de igual-dade ou diferença: pronomes, SNs, descrições defi-nidas e demonstrativas, possessivos etc. A conexão marca as relações entre os conteúdos proposicio-nais e/ou atos de fala; é a marcação da relação en-tre enunciados (KOCH E TRAVAGLIA. 2009, p. 23).

Que tal agora refletirmos acerca dos conceitos de coerência textual?

Conceitos de coerência textual de acordo com alguns estudiosos da língua citados por Koch e Travaglia, no livro “Texto e coerência”.

Segundo Franck (1980), a coerência é a ligação formal entre os ter-mos sequenciais, tais como: enunciados, frases, atos ilocutórios. Essa ligação relaciona esses termos uns com os outros “e os insere numa for-ma de organização superior como, por exemplo, nomes em uma lista, frases em texto, atos de fala numa sequência dialógica etc.” (KOCH E TRAVAGLIA. 2009, p. 16).

Já Beaugrande e Dressler (1981) acreditam que a coerência é a res-ponsável pela continuidade dos sentidos do texto. Ela é “o resultado da

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atualização de significados potenciais que vai configurar um sentido”. Ou seja, é o resultado dos conhecimentos partilhado pelos usuários. As-sim, a coerência é responsável por acionar os processos cognitivos. Tais processos divulgam a conexão conceitual. Um desses processos é o co-nhecimento declarativo – aquele que sugere crenças que dizem respeito aos fatos do mundo real - e o conhecimento “procedural” – valores guar-dados na memória e acionados como parte argumentativa sempre que o usuário necessitar. Para Widdowson (1978) a coerência está diretamente ligada ao desenvolvimento dos atos da fala. Nesse sentido, os enuncia-dos são dotados de ações (pedido, conselho, aviso, ordem, promessa etc.) que se concretizam a partir das condições impostas a esses enuncia-dos. O exemplo a seguir determina com precisão esse conceito, vejamos:

Temos o seguinte enunciado:

1. O carro está com defeito.

1.1. O carro – conteúdo proporcional que faz parte do mun-do real.

1.2. está com defeito – informação a respeito do seu estado (ato de predicação)

1.3. Através dessa enunciação podem-se apresentar diversos atos de fala, tais como:

1.4.Uma ordem: o dono da oficina manda o funcionário con-sertar o carro com defeito.

1.5. Um pedido: o dono do carro pede a alguém que esteja passando por perto para ajudá-lo a empurrar o carro até a oficina mais próxima.

1.6. Uma asserção: o dono constata que o carro está com defeito.

Segundo Bernárdez (1982) apud Salomon Marcus (1980) a coerên-cia é semântica, sintática e pragmática. De ponto de vista semântico ela se manifesta na unidade textual, ou seja, o texto atua como unidade para remeter ao seu sentido global. É sintática porque é recuperada, quando necessária, através da “sequência linguística” que forma a uni-dade do texto e é pragmática, uma vez que o sentido depende um con-texto intencional. Assim, “a coerência [...] é não só uma propriedade do texto, mas também um processo em que não é possível estabelecer uma diferença marcante entre os níveis pragmático, semântico e sintá-tico” (op. cit. p. 19).

Os linguistas Van Dijk e Kintsch (1983) afirmavam que coerência era “uma propriedade lógica do texto”, atualmente esses autores acreditam

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que ela encontra-se estabelecida nas diversas situações de comunicação dos usuários que possuem “modelos cognitivos comuns ou semelhan-tes”, propiciados por determinado contexto cultural. Eles falam de dois tipos de coerência: local – aquela que ocorre na superfície do texto – e global – aquela que faz parte do texto como um todo. Ainda classificam--na em: coerência semântica, sintática, estilística e pragmática.

Para o autor Marcuschi a coerência “é a organização reticulada ou tentacular do texto, não linear, portanto, dos níveis de sentido e inten-ções que realizam a coerência no aspecto semântico e função pragmá-tica” (op. cit. p. 21). Dessa forma, para esse linguista, como também para os linguistas Beaugrande e Dressler, a coerência é estabelecida através dos elementos que dão continuidade ao sentido do texto.

Caro aluno!

Pretendemos com essa exposição dos conceitos de coesão e coe-rência difundidos por Koch e Travaglia, em obra já citada, que vocês adquiram uma visão global do que se entende por esses dois critérios.

Que tal, agora, vocês praticarem um pouco?

Atividade I

Partindo do pressuposto de que a coesão é responsável pela unidade formal do texto, construída através de mecanismos gramaticais e lexicais (KOCK E TRAVAGLIA, 2009) e “a coerência tem a ver com a ‘boa formação’ do texto não no sentido de gramaticalidade, mas no sentido de boa formação em termos da interlocução, numa situação comunicativa entre dois usuários”, identifique as relações de coesão e coerência nos textos transcritos a seguir.

TEXTO AA vaguidão específica

As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica.

- Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.- Junto com os outros?- Não ponha junto com os outros, não. Senão pode vir

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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alguém e querer fazer qualquer coisa com eles. Ponha no lugar do outro dia.

- Sim senhora. Olha, o homem está ai.- Aquele de quando choveu?- Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.- Que é que você disse a ele?- Eu disse pra ele continuar.- Ele já começou?- Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde

quisesse.- É bom?- Mais ou menos. O outro parece mais capaz.- Você trouxe tudo pra cima?- Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe

porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.- Mas traga, traga. Na ocasião, né! Descemos tudo de

novo. É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.

(FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo, Círculo do Livro, 2001.)

TEXTO B

A PescaAffonso Romano de Sant’Anna

o anil

o anzol o azul

o silêncio o tempo o peixe

a agulha vertical

mergulha

a água a linha

a espuma

o tempo a âncora o peixe

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a boca o arranco o rasgão

aberta a água aberta a chaga aberto o anzol

aquelíneo ágilclaro

estabanado

o peixe a areia o sol

Continuando a nossa conversa...

Coesão e coerência: critérios que se complementam

Como podemos observar, os teóricos que estudam as relações de coesão e coerência concordam que esses critérios estão, indiscu-tivelmente, relacionados no processo de produção e interpretação textual.

A coerência é entendida como “a configuração conceitual subjacente e responsável pelo sentido do texto, e a coesão como sua expressão no plano linguístico” (VAL, 2000. p. 20). Sendo assim, a coesão contribui para o estabelecimento da coerência, mas não assegura a sua obtenção. Segundo alguns autores a coesão é em parte responsável pela coerência, porque apenas os elementos linguísticos não são suficientes para garantir a coerência de um texto. Por isso, conclui-se que essa contribuição é apenas parcial, uma vez que o uso adequado esses elementos sozinhos, sem que o leitor acione os recursos extralinguísticos, são insuficientes para que se compreenda o sentido global do enunciado. De acordo com Marcuschi (2002)

há textos sem coesão, mas cuja textualidade ocorre a nível da coerência”. De outra forma, pode haver sequências linguísticas coesas, mas para os quais o leitor não consegue estabelecer ou dificilmente es-tabelece um sentido que lhe de coerência. Eviden-temente, a nível de leitor individual, um texto coeso pode parecer incoerente, por dificuldades particula-res do leitor, como o desconhecimento do assunto ou não-inserção na situação. Tudo isso evidencia que a coesão ajuda a estabelecer a coerência, mas não a garante, pois ela depende muito dos usuários do tex-to (seu conhecimento de mundo etc) e da situação.

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Na verdade, alguns linguistas defendem que os elementos coesivos favorecem na percepção da compreensão da coerência, uma vez que funcionam como resultado da coerência no processo da atividade tex-tual. Para eles “o texto não é coerente porque as frases que o compõem guardam entre si determinadas relações, mas estas relações existem precisamente devido à coerência do texto” (op. cit. p. 24).

O que podemos perceber é que o processo de compreensão de um texto está diretamente ligado aos critérios de coesão e coerência. Isso significa afirmar que o texto é considerado texto quando o leitor reco-nhece implícita e explicitamente os elementos que o compõe tanto na superfície textual quanto em suas entrelinhas. Tudo isso torna claro que a coesão ajuda a estabelecer a coerência, entretanto não a garante, uma vez que ela irá depender dos conhecimentos de mundo acionados pelos usuários do texto e do contexto em que esse texto está inserido. Enfim, em se tratando de considerarmos se texto constitui-se um texto ou não, faz-se necessário atentarmos para o produtor, para o destina-tário, para o contexto em que o texto está inserido e, finalmente, para a intenção comunicativa do locutor.

Para refletir...

Atividade IILeia o texto abaixo e responda:

A mensagem Num mundo em que a comunicação é tudo e o dis-

curso sempre pouco, conta-se aqui uma história altamente moral sobre a inutilidade da primeira enquanto se econo-miza o segundo.

E chamou o pintor e lhe encomendou a placa para anunciar a especialidade do seu negócio: “Nesta casa se vende ovos frescos”. Além dos dizeres, recomendou ao pintor que bolasse uma figura, qualquer alegoria referente ao ramo. E perguntou quanto era. O pintor disse que fica-ria em 50.000 cruzeiros.

- Cinquenta mil o quê? Indagou o comerciante, pen-sando, inutilmente, numa moeda mais desvalorizada do que o cruzeiro.

- Cinquenta mil cruzeiros, disse o pintor. Ah, não vale, disse então o comerciante.

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- Como não vale? Retrucou o pintou, ofendido em sua arte mais do que atingido em sua economia.

- O senhor não poderia reduzir um pouco? Arriscou o comerciante.

- Claro que posso, disse o pintor, posso reduzir a figura e os dizeres.

- Como assim? Disse o comerciante.

- Olha, explicou o pintor, pra começo de conversa, não precisamos usar figura nenhuma. Se se diz que o senhor vende ovos, não há necessidade de colocar nenhuma ga-linha pintada, não é mesmo? Se o normal são ovos de galinha, o fato de não ter nenhuma outra ave faz com que os ovos sejam, presumivelmente, de galinha.

- É certo, concordou o negociante.

- Então, fez o pintou, vinte mil cruzeiros de menos. Ago-ra também não é necessário dizer “nesta casa”. Se o fre-guês passa por aqui e vê: “se vende ovos frescos”, já sabe que é nesta casa. Ele não vai pensar que é na casa ao lado, não é mesmo?

- Certíssimo, exclamou o comerciante.

- então, continuou o pintor, por que colocar “Se ven-de”? Se o freguês potencial lê “Ovos frescos” já sabe que se vende. Ninguém pensaria que o senhor vai abrir uma casa comercial para alugar ovos ou apenas para expô-los, certo?

- É mesmo, espantou-se ainda mais o comerciante.

- Quanto ao “frescos”, continuou impávido o pintor, re-fletindo melhor, não é de boa psicologia usar essa palavra. “Fresco” lembra sempre a hipótese contrária, a de ovos “velhos”. Não deve nem ter passado pela cabeça do com-prador a ideia de que seus ovos podem ser outra senão frescos. Portanto, tiremos também o “frescos”.

- Certíssimo! Berrou o negociante, agora profunda-mente entusiasmado com a dialética do pintor. Façamos, portanto, apenas “OVOS”, tout court. Por favor, desenhe ai só essa palavra, bem bonita, bem clara: OVOS! Só ovos, ovos em si mesmos, que se vendam pela sua pura e sim-ples aparência de ovos, pelo inimitável oval!

- Então vamos lá, concordou o pintor. Mas antes de começar a usar o pincel, voltou-se para o negociante, pre-ocupado:

- Mas, me diga aqui, amigo pensando bem, por que vender ovos?

(Millôr Fernandes. Tempo e contratempo. Rio de Janeiro: Edições O cruzeiro, s.d.)

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1. Com base na leitura da crônica de Millôr Fernandes, justifique a seguinte afirmação: “coerência [...] é uma atividade de articulação entre o que é apanhado no enunciado e o que é selecionado no conjunto de dados contextuais que conhecemos.[...] Envolve, pois, uma série de operações mentais, que, acionados, nos permitem “pescar” ou recuperar a coerência do que dizemos e ouvimos, considerando não apenas o que é posto na superfície do discurso, mas tudo quanto está de pressuposto ou implicado naquilo que é dito, ou é inferível, a partir de nossas experiências de vida” (ANTUNES. 2009,p. 122).

Finalizando a nossa conversa...

Como ocorre e de que depende a coerência textual

A coerência é estabelecida através de uma multiplicidade de fa-tores, uma vez que ela é vista como um “processo de interpretabili-dade do texto”. Dessa forma, a coerência depende do conhecimento linguístico, do conhecimento de mundo, do conhecimento partilhado, das inferências, dos fatores pragmáticos, da situacionalidade, da inten-cionalidade, da aceitabilidade, da informatividade, da focalização, da intertextualidade e da relevância.

A seguir explicitaremos cada um desses fatores com exemplos para que você possa se situar no estudo da coerência. Evidentemente, que cada um desses fatores será objeto de estudo das nossas próximas aulas.

1. Conhecimento linguístico

É do consenso de todos os estudiosos da língua que o conhecimen-to linguístico é bastante relevante para o estabelecimento da coerência de qualquer texto. A decodificação é necessária para que se possa en-tender qualquer língua, sem esse conhecimento o usuário não é capaz de efetivar o processo de comunicação. Como podemos notar, o co-nhecimento linguístico é a primeira condição para que a comunicação seja efetivada. Segundo Koch “a compreensão depende de nosso co-nhecimento de mundo e fatores pragmáticos”(op. cit. p. 53). Observe o exemplo a seguir:

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Suponhamos o seguinte aviso no quadro de avisos de uma universidade;

COLÓQUIO CIDADANIA CULTURAL

O pensionato e seus análogos na literatura e na arte, na mídia e na história cultural

Prof. Dr. Sébastien Joachim

4ª feira, 06/10/10

15 horas

Auditório Ceduc

Notamos que as expressões linguísticas do aviso acima não cons-tituem uma frase. Para que este aviso seja compreendido é necessá-rio, pelo menos que o interlocutor acione conhecimentos linguísticos prévios. São eles: 1º - entender o que é um colóquio, 2º - quem é o palestrante, 3º - em que local fica o auditório Ceduc.

De acordo com Koch (p.54) “é a coerência que determina, em ultima instância, que elementos vão constituir a estrutura superficial linguística do texto e como eles vão estar encadeados na sequência linguística superficial, e isto é suficiente para deixar claro que a recupe-ração desta coerência passa pelas marcas linguísticas”.

Como vimos, o conhecimento linguístico serve para nortear o leitor em seu percurso de leitura, pois de acordo com Koch e Travaglia (p. 59) “não é possível apreender o sentido de um texto com base apenas nas palavras que o compõem e na sua estruturação sintática, é indiscutível a importância dos elementos linguísticos do texto para o estabeleci-mento da coerência [...] esses elementos servem como pistas para a ativação dos conhecimentos armazenados na memória, constituem o ponto de partida para a elaboração de inferências, ajudam a captar a orientação argumentativa dos enunciados que compõem o texto [...], enfim, todo o contexto linguístico – ou co-texto – vai contribuir de ma-neira ativa na construção da coerência”.

2. Conhecimento de mundo

Observe o texto abaixo:

O conhecimento de mundo do leitor exerce um papel fundamental para o estabelecimento da coerência de um texto. É através dele que situ-amos aquilo que estamos lendo. Segundo Koch e Travaglia “os modelos cognitivos são culturalmente determinados e apreendidos através de nossa vivência em dada sociedade [...]. É a partir dos conhecimentos que temos que vamos construit um modelo do mundo representado em cada texto – é o mundo textual [...] , para que possamos estabelecer a coerência de um

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texto, é preciso que haja correspondência ao menos parcial entre os co-nhecimentos nele ativados e o nosso conhecimento de mundo, pois, caso contrário, não teremos condições de construir o mundo textual, dentro do qual as palavras e expressões do texto ganham sentido”(p. 63).

3. Conhecimento partilhado

O conhecimento partilhado diz respeito aos conhecimentos comuns que o locutor e o interlocutor possuem acerca de determinado texto. Afinal, nenhum texto é coerente ou incoerente, depende de quem o está lendo. A coerência, é, pois, o jogo de interpretação que se instaura no momento da recepção de dado texto. Ela depende do receptor, de sua atitude de cooperação, de habilidade em desvendar o sentido do texto.

A função do leitor é fundamental para a construção da coerência, porque mesmo um texto sendo inteligível para alguns, se determinado leitor conseguir atribuir-lhe sentido, ele será considerado coerente.

O conhecimento partilhado é essencial para o processo de com-preensão, pois ele abrange basicamente o conhecimento de mundo e o conhecimento textual, “é armazenado na memória do leitor, a partir das vivências e experiências acumuladas ao longo de sua vida. Diante dos estímulos fornecidos pelo texto, esse conhecimento é ativado, pos-sibilitando a compreensão e a construção da coerência” (op. cit. p. 86).

Fatores pragmáticos responsáveis pela textualidade

Para a obtenção da coerência e o alcance da compreensão con-correm também fatores de ordem pragmática, tais como o contexto de situação, os atos de fala, as intenções do produtor e do receptor. Fato-res como esses influenciam a interação do leitor com o texto e são vistos como o aspecto pragmático dessa interação. Na verdade, eles criam condições para que a comunicação se estabeleça, por estarem forte-mente relacionados ao conhecimento de mundo dos interlocutores.

Elencaremos aqui cinco fatores responsáveis pela textualidade. São eles: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, grau de infor-matividade e intertextualidade.

Intencionalidade

De acordo com Costa Val (2001) a intencionalidade de um texto diz respeito “ao empenho do produtor em construir um discurso coerente, coeso e capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente numa de-

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terminada situação comunicativa. A meta pode ser informar, ou impres-sionar, ou alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender etc. E é ela que vai orientar a confecção do texto” (51).

Aceitabilidade

Entende-se por aceitabilidade “a expectativa do recebedor de que o conjunto de ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos ou a cooperar com os objetivos do produtor” (op. cit. p. 51).

Assim, toda produção textual deverá ser compatível com a expec-tativa do leitor em posicionar-se diante do texto. A cooperação é um critério estabelecido pelo produtor e pelo receptor e permite que, em-bora a comunicação apresente falhas de quantidade e de qualidade, não haja vazios comunicativos. Isso ocorre porque o leitor ao acionar o critério de cooperação, tenta compreender os textos produzidos.

Situacionalidade

A situacionalidade de texto diz respeito “aos elementos responsá-veis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a adequação do texto à situação comunicativa”(op. cit. 52).

Dessa forma, o contexto é definido como responsável pela textualida-de, pois orienta tanto a produção quanto e recepção de determinado texto.

Grau de informatividade

O grau de informatividade se refere às informações veiculadas atra-vés dos diversos textos. Ele é medido de acordo com o conhecimento de mundo dos usuários a que o texto é endereçado. Isso significa afir-mar que o grau de informatividade dependerá do repertório cultural do leitor. Segundo Costa Val (2001) a informatividade “diz respeito à medida na qual as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não, no plano conceitual ou no formal. Ocorre que um discurso menos previsível é mais informativo, porque a sua recepção, embora mais trabalhosa, resulta mais interessante, mais envolvente”. Existem três níveis de informatividade: zero, médio e alto.

Intertextualidade

De acordo com Koch e Elias (2009), “em sentido restrito, todo texto faz remissão a outro(s) efetivamente já produzido(s) e que faz(em) parte da memória social dos leitores.” (p.101). E de acordo com Kristeva (1974), “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” ( p. 64).

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Como podemos notar o seu humano sempre se apropria do dito em seu processo de produção simbólica. E de acordo com essas afirma-ções, a citação é inerente ao texto. todo texto se constrói em torno de citações diretas ou indiretas. Segundo COMPAGNON (1996) “escre-ver, pois, é sempre reescrever, não difere de citar. A citação, graças à confusão metonímica a que preside, é leitura e escrita, une o ato de lei-tura ao de escrita. Ler ou escrever é realizar um ato de citação” (p. 34).

Esses fatores de textualidade serão aprofundados nas aulas posteriores.

Vamos praticar?

Atividade III

Nos textos a seguir há trechos que, se tomados, literalmente, levam a uma interpretação absurda.

TEXTO 1

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TEXTO 2

“João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma colina árida, cuja frente dava para o leste. Desde o pé da colina se espalhava em todas as direções, até o horizonte, uma planície coberta de areia. Na noite em que completava 30 anos, João, sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua casa, olhava o sol poente e observava como a sua sombra ia di-minuindo no caminho coberto de grama. De repente, viu um ca-valo que descia para sua casa. As árvores e as folhagens não lhe permitiam ver distintamente; entretanto, observou que o cavalo era manco. Ao olhar de mais perto, verificou que o visitante era seu filho Guilherme, que há 20 anos tinha partido para alistar-se no Exército; e, em todo esse tempo, não havia dado sinal de vida. Guilherme, ao ver o pai, desmontou imediatamente, correu até ele, lançando-se nos seus braços e começando a chorar”.

(Texto texto ilustrado pela Prof Mary A. Kato)

a. Transcreva os trechos problemáticos dos textos em questão.

b. Diga qual a interpretação absurda que se pode extrair desses trechos.

c. Quais as interpretações pretendidas pelos autores?

d. Reescreva os textos de forma a deixar explícitas tais interpretações.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

“A obra expõe a constituição dos sentidos dos textos e seus fatores, tais como os elementos linguísticos, o conhecimento do mundo, as in-ferências e a situação. Um de seus capítulos é dedicado ao registro de como a análise da coerência TEX-TUAL pode auxiliar no trabalho do professor no ensino da língua. Os autores apresentam uma ampla bi-bliografia comentada para os inte-ressados nesse campo”.

“Este trabalho da professora uni-versitária e pesquisadora de língua portuguesa, Irandé Antunes, é mais do que um trabalho sobre a coesão e a coerência textuais. É, sobretudo, um exercício de tradução, em pa-lavras simples e compreensíveis ao leigo, daqueles conceitos teóricos e técnicos que aparecem nos sisudos manuais de linguística textual. E que muitas vezes passam, sem qualquer mediação explicativa, para os livros didáticos, e a professora ou o pro-

fessor sequer conseguem saber do que se trata. A capacidade de dizer de maneira simples o complexo é uma das tantas virtudes da obra que você está começando a ler” (Luis A. Marcuschi).

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ResumoEstudamos, nesta unidade, que a coerência textual convive harmo-

niosamente com a coesão textual. Elas formam uma espécie de par “opositivo/distintivo”. Mas a textualidade ultrapassa a coesão gramatical e a lexical, pois o sentido do texto depende de “certo grau de coerência” que abrange os diversos elementos tanto do interior da produção quanto do seu exterior. Os recursos extralinguísticos possuem o mesmo valor dos recursos intralinguísticos para a compreensão global da textualidade. Por isso, a coesão não é condição única para que o texto seja um todo significativo. Para a obtenção da coerência e o alcance da compreensão concorrem também fatores de ordem pragmática, tais como o contexto de situação, os atos de fala, as intenções do produtor e do receptor. Fato-res como esses influenciam a interação do leitor com o texto e são vistos como aspectos fundamentais nesse jogo interativo, pois criam condições para que a comunicação se estabeleça.

Autovaliação

Para Refletir:

Depois das discussões promovidas por esta aula acerca dos fa-tores responsáveis pela textualidade, é possível afirmar que o texto abaixo é coerente? Socialize sua resposta no fórum de debates.

Texto

Subi a porta e fechei a escada.Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.Desliguei a cama e deitei-me na luzTudo porqueEle me deu um beijo de boa noite...

(Autor anônimo)

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ReferênciasCOMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Trad. Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Trad. Lúcia Helena França Ferraz. São Paulo: Perspectiva, 1974.

FERNANDES, Millôr. Trinta anos de mim mesmo. São Paulo, Círculo do Livro, 2001.

FIORIN, J. & SAVIOLI, P. Lições de texto: Leitura e redação. 2ª ed.. São Paulo. Ática, [s/d.].

GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: ––– (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2007.

KLEIMAN, A. A interface de estratégias e habilidades. In: Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes / UNICAMP, 2000.

KOCH, I. & TRAVAGLIA, L.C. A coerência textual. São Paulo. Contexto, 2009.

––––––. A coesão textual. São Paulo. Contexto.2000.

KOCH, CAVALCANTE E BENTES, Ingedore G. Villaça; Anna Christina; Mônica Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever – estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

TRAVAGLIA, L.C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 2002.

VILLARI, R. e GERALDI, J. W. Semântica. São Paulo: Ática, 2006.

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V UNIDADE

Intencionalidade, situacionalidade e

aceitabilidade: fatores pragmáticos responsáveis

pela textualidade

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Apresentação

Na aula anterior procuramos resumir alguns dos concei-tos mais importantes com relação à coerência e coesão tex-tuais e relacioná-los com atividades de análise de redações elaboradas por diversos usuários da língua. Nesta aula, pretendemos que vocês verifiquem que o texto se constitui a partir do entrecruzamento dos fatores de intencionalida-de, aceitabilidade e situacionalidade, pois para que o texto apresente textualidade, faz-se necessário perceber as inten-ções do produtor e a receptividade do leitor, que participa de modo fundamental do processo de compreensão, em que é chamado a colaborar, preenchendo as lacunas deixadas pelo texto. O papel do leitor e sua bagagem cognitiva são essenciais na construção da coerência e do sentido do texto. E finalmente que o contexto situacional exerce uma função determinante na construção de seu sentido.

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ObjetivosAo término desta unidade, queremos que você:

• reconheça as marcas de valores e intenções dos pro-dutores de textos em função de seus interesses políti-cos, ideológicos e sociais, expressos linguisticamente;

• verifique que a comunicação se efetiva quando se es-tabelece um contrato de cooperação entre os interlo-cutores;

• perceba que o contexto situacional é um fator rele-vante na construção do sentido do texto.

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Reflexões iniciais...

A palavra está sempre carregada de um conteúdo ideológico ou vivencial.É assim que compreende-mos as palavras e somente reagimos àquelas que

despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.

(Mikhail Bakhtin)

Para relembrar:

Algumas considerações acerca do texto:

REFLEXÃO 1...o texto possui apenas uma pequena superfície expos-

ta e uma imensa área imersa subjacente. Para se chegar às profundezas do implícito e dele extrair um sentido, faz-se necessário o recurso aos vários sistemas de conhecimento e a ativação de processos e estratégias cognitivas e inte-racionais. (KOCH, 2003, O texto e a construção dos Sentidos. p.30).

REFLEXAO 2Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma

relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos, que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe ( Koch. 2003, p. 46).

REFLEXAO 3O texto é um evento sociocomunicativo, que ganha exis-

tência dentro de um processo interacional. Todo texto é o resultado de uma coprodução entre interlocutores (KOCH. 2009. Ler e escrever: estratégias de produção textual, p. 13).

A noção de texto é de suma importância no campo da linguística textual e na teoria do texto, pois possibilita que se verifiquem os vários fatores que dizem respeito tanto aos aspectos formais como as relações sintático-semânticas, quanto às relações entre texto e os elementos que o constituem: produtor, destinatário e situação sociocomunicativa.

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Vimos na unidade anterior que um texto para possuir textualidade e ser naturalmente bem interpretado necessita que se verifique alguns fatores. A textualidade se constitui a partir desses fatores que fazem do texto não apenas uma sequência de frases, mas um todo constituído de sentido. De acordo com Beaugrande e Dressier os fatoess que confe-rem sentido ao texto são: intencionalidade, aceitabilidade, situacionali-dade, intertextualidade e informatividade.

Nesta unidade, iremos priorizar os fatores intencionalidade, aceita-bilidade e situacionalidade.

A intencionalidade, a aceitabilidade e a situacionalidade como fatores imanentes ao texto

Como se nota, Ingedore Koch define o texto como um produto em constante transformação, algo inacabado, no entanto a partir da cons-trução de sentido através do conteúdo fornecido, dos saberes acumu-lados, do conhecimento linguístico e do conhecimento de mundo, se instaura o processamento estratégico, que acontece por meio da inte-ração verbal entre interlocutores no ato da comunicação.

Para que aconteça êxito no processamento estratégico, os princí-pios de textualidade são de suma importância. De acordo com essa autora, a intencionalidade é a finalidade de o produtor elaborar um texto com textualidade, pois garante a interação entre autor e destina-tário, contribuindo assim, para a realização das intenções e efeitos que o texto proporcionará ao leitor.

A aceitabilidade é a disposição do destinatário de aceitar um texto que possua importância para ele, tanto pelo conhecimento transmitido como pelo jogo de interação entre autor e destinatário.

Desse modo, os efeitos de sentido que o texto pode proporcionar ao leitor, do ponto de vista da compreensão, da consideração e da reação, dependerá da construção de sentidos, que é proporcionada pela intencionalidade e pela aceitabilidade no jogo dialógico no ato da comunicação

Quanto mais o destinatário tiver conhecimento acerca do tema em questão, mais eficaz será a interação entre os interlocutores.

Assim, os critérios de intencionalidade e aceitabilidade são de suma importância na interação verbal, uma vez que são aspectos essenciais na construção de sentido do texto, por estabelecerem maior nível de inferências e relações com outros textos. Tais inferências contribuem para que se percebam também as relações que um texto possui com outros textos, ou seja, proporcionam a percepção da intertextualidade.

A situacionalidade de acordo com Marcuschi (2008) “é o critério

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que se refere ao fato de relacionamento do evento textual à situação (social, cultural, ambiente etc) em que ele acontece. Ela além de inter-pretar e relacionar o texto ao contexto interpretativo, orienta a própria atividade textual. É um critério de adequação textual que se refere aos fatores que tornam o texto importante em dada situação. Segundo Koch e Travaglia (2009) esse critério pode ser entendido sob duas óticas. Observamos:

“a) da situação para o texto – neste caso, trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa interfere na produção/recepção do texto. Sendo que a situação pode ser entendida tanto em sentido estrito (situação comunicativa propriamente dita), como em sentido amplo (o contexto sócio-político-cultural em que a interação está inserida). O lugar e o momento da comunicação vão influir tanto na produção do texto, como na sua compreensão;”

“b) do texto para a situação: também o texto tem reflexos impor-tantes sobre a situação comunicativa. Ao construir um texto o produtor recria o mundo de acordo com seus objetivos, logo, o mundo criado pelo texto não é uma cópia fiel do mundo real, o mundo representado textualmente é aquele visto pelo produtor, a partir de suas perspectivas”.

Que tal você refletir um pouco?

Atividade I

Observe os textos abaixo:

TEXTO 1Jornal do Brasil

Haiti: cônsul do Haiti culpa macumba pelo terremoto

BRASÍLIA - Naquele que certamente é o pior momento vivido pelo Haiti nas últimas décadas, o cônsul geral do país caribenho em São Paulo, Jorge Samuel Antoine, deu uma demonstração de insensibilidade grosseira em relação às milhares de pessoas atingidas pelo terremoto responsável pela devastação do país que Antoine supostamente deveria estar representando diplo-maticamente. Reportagem exibida no SBT Brasil mostra o cônsul

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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afirmando que a tragédia no Haiti trouxe bons resultados para o consulado e atribuindo a culpa do terremoto às origens africanas da população e da religião haitiana. Antoine deu as declarações à repórter Elaine Cortez sem saber que estava sendo gravado.

– A desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui ficar conhecido. Acho que de, tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo... O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano tá f... – comentou o cônsul. Uma das principais correntes religiosas no país é o vodu, que tem relação com ou-tras manifestações de origem africana como o candomblé e a santeria.

Sexta-feira, Antoine decidiu se explicar e culpou a falta de habilidade com a língua portuguesa pelas declarações. Em nota, o consulado também pediu desculpas pelo ocorrido. “Lamen-tamos profundamente o fato ocorrido. A intenção foi enfatizar que o trágico acontecimento no Haiti fez com que o mundo todo voltasse os olhos para os problemas do seu povo. Em nenhuma oportunidade tomou atitude racista, tendo se expressado, tão so-mente, que os povos de origem africana são sofredores em várias regiões do mundo. O cônsul-geral do Haiti em São Paulo pede desculpas a quem de alguma maneira tenha se sentido ofendi-do”, declarou o consulado na nota.

22:02 - 15/01/2010(Fonte: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/01/15/e150114905.asp)

TEXTO 2

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é de-terminada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. (...) A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 1929, p. 113).1

Responda às questões propostas:

Tendo com apoio a reflexão do texto 2 sobre o uso interacio-nal da palavra, como você avalia a declaração do cônsul geral do Haiti, presente no texto 1?

Diante da declaração de Jorge Samuel Antoine sobre a tra-gédia no Haiti, você concorda que o cônsul realmente não domi-nava a língua, como afirmou em nota explicativa, ou houve uma intencionalidade por trás de sua afirmação? Se houve intencio-nalidade a descreva.

Ao afirmar que “a desgraça de lá está sendo uma boa pra gen-te aqui ficar conhecido”, Antoine usou propriedades que regulam o

1 O fragmento foi retirado da obra: “Marxis-mo e Filosofia da Linguagem”, de Mikhail Bakhtin. É interessante que leiam este livro na íntegra.

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exercício da textualidade e especificam os modos de sua relevância linguística e social. Evidentemente, que o cônsul utilizou a língua de forma clara e objetiva para expor seu ponto de vista. Soube relacionar os elementos linguísticos e os elementos extralinguísticos em sua atu-ação verbal. Mas será que a sua intenção era realmente “enfatizar que o trágico acontecimento no Haiti fez com que o mundo todo voltasse os olhos para os problemas do seu povo”? E a imprensa? Como você avalia a ênfase que ela está dando a esse fato?

Dando prosseguimento ao nosso diálogo...

Espero que você tenha percebido, com a conclusão da atividade anterior, que nenhuma atividade verbal acontece de qualquer jeito, sem nenhuma intencionalidade.

Cada atividade verbal acontece sob uma condição de contexto ver-bal e é essa condição que justifica o sentido do texto. Como observa-mos na fala do cônsul do Haiti, ninguém fala ou escreve, a ser não ser por meio de textos intencionais. E essa atividade textual não “se esgota pelo conjunto dos elementos verbais que a constituem. Consta entre outros fatores, com a intervenção dos sujeitos participantes” que são responsáveis pela produção da interpretação dos eventos de comuni-cação em que se encontram inseridos.

Dessa forma, o texto não pode ser considerado o resultado de uma atividade autônoma. Vimos que os estudos sobre a coesão e coerên-cia do texto mostram que esses dois critérios são responsáveis pela interrelação entre o linguístico e o extralinguístico em cada forma de manifestação de uso da língua. A coesão é definida como “um con-junto de recursos léxico-gramaticais destinados a prover e a assinalar a interligação semântica entre os diferentes segmentos que compõem a superfície do texto”. Cada segmento do texto está vinculado entre si de modo que cada unidade está “presa a um outro antecedente ou subsequente”.

Do resultado dessa vinculação “resultam a continuidade e a uni-dade semânticas necessárias para que a superfície do texto se mostre coerente”. Todavia, essa coesão não pode ser considerada meramente superficial. A superfície do texto deve está ligada a sua pertinência. De modo que a afirmação do cônsul do Haiti “a desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui ficar conhecido”, foi inoportuna para o momento, pois a rede de relações entre o que foi afirmado pelo representante do Haiti no Brasil foi quebrada. Essa quebra influenciou diretamente no espaço semântico do seu pronunciamento. Se sua intenção era afirmar que de agora em diante o mundo olharia para o país com outros olhos, a distribuição das palavras em seu texto produziu um efeito contrário e tal contradição refletiu exatamente na relação com os interlocutores.

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Logo, “ a exigência de que um texto deve constituir uma unidade se-mântica fundamenta o uso dos vários recursos coesivos”. Como afirma ADAM (2008, p 87) “um texto falho em elementos coesivos concorre para julgamentos de incoerência e dá a entender que o locutor parece ter perdido o controle de sua comunicação”.

Podemos concluir que coesão e coerência:

• são relevantes ao texto no momento em que estão em plena harmonia;

• têm função de promover a interligação semântica solicitada pela unidade textual.

Veja o exemplo abaixo:

“No Brasil apenas 1% tem. Os restantes 99% tem que” (Millôr Fernandes).

Se tomarmos como base de análise apenas os elementos estruturais da língua, afirmaremos que o texto citado (muitos nem consideram um texto) está incoerente porque lhe falta um complemento. Mas, para entendermos o conteúdo do texto em questão, teremos de atentar que todo texto, além de sua estrutura formal, é composto também por seus elementos extralinguísticos. Tais elementos devem ser levados em con-sideração no momento de análise de toda produção. No caso dessa produção, o que contribui para sua a coerência são os sentidos que o autor atribui ao verbo ter. Evidentemente, que a omissão do com-plemento do verbo “ter” tem uma função muito importante no que se refere à coerência. Note que o autor opta por deixar uma lacuna no texto para provocar, além da imprevisibilidade, um tom satírico e con-testador. Notamos o que autor legitima essa lacuna por supor que os leitores saberão preenchê-la.

O texto quebra regras estruturais com a intenção de provocar no leitor um posicionamento diante do que foi exposto. É notório que, nesse contexto, a ruptura das regras estruturais da língua promoveu um jogo interativo entre interlocutores.

Como vimos anteriormente, não basta apenas a disposição de ex-pressões de forma coesa e coerente para produzir a textualidade. É claro que o texto é construído pela distribuição das palavras, mas ape-nas essa distribuição não é suficiente para “a determinação de sua relevância comunicativa”. Sendo assim, “as palavras não preenchem a totalidade dos requisitos necessários à sua realização” (como vimos no texto do Millôr).

Como afirma Irandé Antunes (2009, p. 79), um texto é resultado de uma atividade exercida por dois ou mais sujeitos, que, numa determi-nada situação social, interagem; produzem juntos uma peça de comu-nicação. Logo, as implicações resultantes das intenções e expectativas desses sujeitos constituem, também, elementos do sentido figurado.

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Finalizando a nossa conversa...Em síntese:

• “a elaboração de um texto consiste em um trabalho artesanal [...]. Entretecer os fios com amor e habilidade, refletir sobre cada escolha e combinação a serem feitas ter sempre em mente aqueles a quem o texto se destina, procurando, por meio de pistas linguísticas e extralinguísticas, orientá-los para a constru-ção de um sentido – um e não o – compatível com a proposta de sentido que lhes estamos apresentando; enfim, oferecer-lhe os meios necessários para, ao final, atribuir coerência ao texto lido” (op. cit. 2009, p. 211).

• intencionalidade, de modo abrangente, é o percurso o qual o autor utiliza para satisfazer suas intenções comunicativas. Esse critério é um fator relevante para a textualização, pois se refere aquilo que os produtores do texto pretendem, têm em mente ou querem que o leitor faça com o texto. É com base na in-tencionalidade que podemos afirmar que o texto é produzido com uma finalidade que deve ser compreendida pelo leitor. De acordo com Marcuschi citando Beaugrande & Dressler, a in-tencionalidade, no sentido estrito, é a intenção do locutor de produzir uma manifestação linguística coesiva e coerente, ainda que essa intenção nem sempre se realize na sua totalidade, es-pecialmente na conversação usual (MARCHUSCI, 2008).

• A aceitabilidade é o outro lado da intencionalidade. Ela se refere à postura do destinatário diante do texto como uma configura-ção aceitável. Permite certo grau de tolerância, diante daquilo que é lido.

• A situacionalidade, como vimos, exerce um papel de relevância. Um texto que é coerente em dada situação pode não sê-lo em outra: daí a importância da adequação do texto à situação co-municativa. Ela tem duas direções: da situação para o texto e do texto para a situação. “Da situação para o texto” se refere ao contexto imediato do ato comunicativo; o processo de in-teração, o contexto sociopolítico-cultural em que a interação encontra-se inserida. “Do texto para a situação” se refere à re-criação do autor do mundo real de acordo com seus propósitos e interesses. O destinatário, nesse sentido, interpreta o texto de acordo com seu ponto de vista. Como podemos observar, há uma mediação entre o mundo textual e o mundo real.

Que tal analisarmos um pouco essas propriedades?

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Atividade IIObserve os textos abaixo e responda às questões propostas:

TEXTO 1

TEXTO 2

a. No texto 1, o que, de fato, o gato quis dizer ao rato?

b. Ao associar os elementos visuais aos elementos verbais do texto 2 , você consegue perceber a intencionalidade do produtor?

c. Ambos os textos atingiram as suas intencionalidades?

d. Explique os critérios de situacionalidade e aceitabilidade a partir da leitura do texto em questão.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas”Este livro procura condensar

noções relevantes dessa teoria e aplicá-las a analise de redações de vestibular, na tentativa de esta-belecer um diagnóstico e levantar sugestões para o trabalho com a expressão escrita na escola”.

“Nesta obra, Luiz Antônio Mar-cuschi reúne alguns textos que es-creveu ao longo dos últimos anos, muitos dos quais provenientes de sua participação em congressos e seminários de Linguística. Vários deles foram publicados, primeira-mente, em revistas universitárias brasileiras, cuja regularidade e dis-tribuição, como sempre acontece com publicações desse tipo, são, em geral, muito precárias. Por isso,

pesquisadores da área, professores e alunos, há muito se ressentem da falta desses textos que, agora, se apresentam nesta coletânea. Fenô-menos da linguagem: reflexões semânticas e discursivas constitui uma excelente oportunidade para conhecer ou revisitar alguns temas po-lêmicos da Linguística, vistos pela análise penetrante de Luiz Antônio Marcuschi, um linguista à frente de seu tempo.” Dino Preti

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ResumoEm diálogo com as unidades anteriores, esta unidade mostrou que

o ensino do texto deve está pautado nas propriedades: intencionali-dade e aceitabilidade presentes na construção de seu sentido. Nessa perspectiva, a atividade verbal acontece mediante a intervenção dos sujeitos participantes que se predispõem para produzir e interpretar, de forma coesa e coerente, as manifestações linguísticas que efetivam. Diante disso, confeccionar um texto é promover um diálogo entre lín-gua e sociedade. É a manifestação da participação efetiva dos interlo-cutores. Não existe passividade no processo de interação verbal. A ati-vidade linguística só é possível quando produto e destino empenham-se por encontrar o sentido de um enunciado.

AutovaliaçãoExplicite na canção abaixo os critérios de intencionalidade, aceitabilidade e situacionalidade presentes em sua constituição.

O Bêbado e A EquilibristaElis Regina

Composição: João Bosco e Aldir blanc

Caía a tarde feito um viaduto E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos...

A lua Tal qual a dona do bordel Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel

E nuvens! Lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

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Que sufoco! Louco!

O bêbado com chapéu-coco Fazia irreverências mil

Prá noite do Brasil. Meu Brasil!...

Que sonha com a volta Do irmão do Henfil.

Com tanta gente que partiu Num rabo de foguete

Chora! A nossa Pátria

Mãe gentil Choram Marias

E Clarisses No solo do Brasil...

Mas sei, que uma dor Assim pungente

Não há de ser inutilmente A esperança...

Dança na corda bamba De sombrinha

E em cada passo Dessa linha

Pode se machucar...

Azar! A esperança equilibrista

Sabe que o show De todo artista

Tem que continuar...

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Referências

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ANTUNES, Irandé. Língua texto e ensino outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:Hucitec, 1995.

BRAIT, B. (org.) Bakthin, dialogismo e construção de sentido. Campinas, SP. :Editora da Unicamp, 1997.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos Sentidos. São Paulo: Contexto, 2003.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender – os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2009.

_________. Ler e escrever – estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Coerência e Ensino. In: A Coerência Textual. 17ed. São Paulo: Contexto, 2009.

MARCHUSCI, Luiz Antônio. Processos de produção textual. In: Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial. 2008.

OLIVEIRA, M.L.Simões de. Charge Imagem e palavra numa leitura burlesca do mundo. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/01/15/e150114905.asp

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VI UNIDADE

Intertextualidade: uma forma de reflexão crítica

sobre o estudo do texto

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Apresentação

Na unidade anterior, percebemos que atividade verbal acontece a partir da intervenção dos sujeitos participantes que se predispõem para produzir e interpretar as manifes-tações linguísticas que efetivam. Por isso, fez-se necessário o estudo das propriedades: intencionalidade, aceitabilidade e situacionalidade. Para tanto, destacamos que essas pro-priedades se constituem como elementos responsáveis pelo caráter interativo do texto. Assim, a atividade linguística só é possível quando produto e destino empenham-se por en-contrar o sentido de um enunciado.

Nesta unidade, estudaremos como o critério da intertex-tualidade se comporta no texto como um modo de recupe-ração da história do homem e como condição inerente à produção humana.

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ObjetivosAo final desta unidade, esperamos que você entenda que:

• Todo texto faz remissão a outro texto efetivamente já produzido e que faz parte da memória social dos lei-tores;

• A intertextualidade se dá tanto na produção como na recepção da grande rede cultural, de que todos par-ticipam;

• Referências, alusões, epígrafes, paráfrases, paródias ou pastiches são algumas das formas de intertextua-lidade.

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Para começo de conversa...

De acordo com a Linguística Textual a intertextualidade é um dos fatores de textualidade, pois todo texto faz remissão a outro texto ain-da que inconscientemente. Desse modo, tanto quem produz um texto quanto quem o recebe recorre ao conhecimento prévio de outros textos.

O conhecimento prévio sobre algo que foi exposto anteriormente é de grande importância para elaboração de um sentido ao novo texto, assim como contribuem com os conceitos que se instauram do mundo, da cultura e dos estereótipos. É natural que, ao elaborar um texto, o autor se valha daquilo que já vivenciou.

Os conceitos referentes à intertextualidade são objetos de reflexão constantes na linguística contemporânea, porque sempre um texto dia-loga com outro que o antecedeu no tempo e no espaço de sua produ-ção.

Ao dialogar conscientemente com um texto anterior, nem sempre o autor faz referência à fonte, pois imagina que o leitor ative seu conheci-mento de mundo e compartilhe com ele das informações a respeito dos textos que compõem um determinado universo cultural.

De acordo com a teoria de Bakhtiniana acerca do dialogismo, os enunciados produzidos só adquirem sentido quando ocorre a interação verbal. A enunciação ocorre na relação com o outro e só desta forma é que ganha sentido, pois

[...] todo falante é por si mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele é o primei-ro falante, o primeiro a ter violado o terno silên-cio do universo do universo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que usa, mas também de alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios – com os quais o seu enunciado en-tra nessas ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte). Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados (BAKTHIN. 2003, p, 272).

Assim ocorre a experiência discursiva individual, que “se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros” (op. cit. 2003, p. 294).

Dessa interação constante entre os textos emerge o caráter intertex-tual. A própria constituição da palavra intertextualidade já deixa notória a relação que existem entre os textos. Evidentemente, que o sentido de texto aqui é visto como um recorte significativo feito no processo inin-terrupto na imensa rede se significações dos bens e valores culturais.

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Dessa forma, a intertextualidade “encontra-se na base de constituição de todo e qualquer dizer” (KOCH, 2006, p. 75).

As diversas transformações verificadas na arte em geral têm levado muitos artistas a dialogarem não com a realidade aparente das coisas, mas com a realidade da própria linguagem. Compartilhando o seu espaço com as artes de modo geral, a linguagem literária, por exem-plo, alargou-se internamente, ao se apropriar de uma vasta gama de materiais estilísticos e formais pertencentes a outros espaços artísticos.

Não raro os escritores se utilizam de recursos que são tipicamente do cinema, elaborando narrativas, em que se verifica nitidamente um narrador que mais parece um diretor cinematográfico, conduzindo as cenas do enredo da história, como se pode constatar na novela de Caio Fernando Abreu, “Bem Longe de Marienbad” e o filme “O ano passado lá em Marienbad”, dirigido por Robbe-Grillet, por exemplo. Esse procedimento intertextual a partir do entrecruzamento de lingua-gens é amplamente usado tanto por Caio em sua novela como por Robbe-Grillet na direção de seu filme. Vejamos como isso se configura:

1.O ano passado lá em Marienbad sob a direção de Robbe-Grillet

L’année dernière à Marinebad, autêntico representante do nouveau cinéma francês, escapa a qualquer tentativa de análise que se paute pela linearidade clássica. Mar-cado por uma multiplicidade de imagens, diálogos e cenas que se repetem e por uma linguagem cinematográfica que congrega várias outras, música, teatro, fotografia, pintura, vídeo, é uma produção atravessada por diversos discursos que remetem para uma evidente metalinguagem, o que é um traço fundamental da arte na virada do milênio, se-gundo Calvino (1990, 237). Sobre essa nova tendência da arte na contemporaneidade, essa multiplicidade como tra-ço fundamental, Machado (1997, p. 238) afirma que, aos olhos de quem a produz, “o mundo é visto e representado como uma trama de relações de uma complexidade inex-tricável em que cada instante está marcado pela presença simultânea de elementos os mais heterogêneos”. Dessa forma, no cinema, por exemplo, a tela se converte num “espaço topográfico” em que os distintos recursos imagé-ticos, verbais e sonoros vêm efetuar-se de forma a diluir as fronteiras formais e materiais entre esses recursos e as linguagens. As referências a outras situações e lugares são muitas, o que exige permanente atitude de alerta da parte do espectador. A começar pela escolha da cidade, na Re-pública Tcheca, famosa pelos hotéis luxuosos frequentados por espiões durante a Guerra Fria, onde se praticava o mesmo jogo em que se arriscam as personagens do fil-me. Também a guerra configura uma temática recorrente

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neste cinema que se aproxima da literatura dos nouveaux romanciers, sendo o próprio Robbe-Grillet um dos seus re-presentantes, na década de 60.

As partes que compõem o quadro da trama se deslo-cam para os mais diversos contextos espaciais e temporais, sobrepondo-se em aspectos que se cruzam. Nesse sentido, a tela transforma-se em espaço mosaicado e,

Representa hoje o local de convergência de todos os novos saberes e das sensibilida-des emergentes que perfazem o panorama da visualidade(e também da musicalidade, da verbalidade) deste final de século [...] a imagem eletrônica se mostra ao espectador não mais como um atestado da existência prévia das coisas visíveis, mas explicitamen-te como uma produção do visível, como efeito de mediação. A imagem se oferece agora como um “texto” para ser decifrado ou “lido” pelo espectador e não mais como paisagem a ser contemplada (MACHADO, 1997, p.244).

Na película de Robbe-Grillet, o narrador descreve a decoração pesada do ambiente e essa descrição vem acompanhada de um som que reforça o efeito de peso. Ambos combinam.

Na observação inicial dessa trama, percebem-se, ime-diatamente, as instâncias em que se cruza a metadiscursivi-dade. São várias formas artísticas que a formam.

Na abertura do filme ocorrem ações simultâneas com montagens paralelas. A cena inicia-se a partir da atitude observadora do narrador (suposto amante) de uma peça teatral e reproduz exatamente a sua situação: um casal de amantes discute a relação e a fala da mulher reproduz o fim do relacionamento. Ao se ver representado no es-petáculo, o amante tem um momento de conscientização do seu papel e resolve procurar sua amada. A utilização desse recurso cinematográfico, que traz a peça teatral para dentro do filme, vai proporcionando uma interiorização e subjetivação, de maneira a exteriorizar o ponto de vista do narrador da trama. Nesse sentido, é o narrador que rege o olhar em torno das cenas que ele fragmenta, estabelecen-do uma ponte com o público a partir do que essas cenas representam.

Podemos antecipar uma conclusão, dizendo que O ano passado lá em Marienbad é um melodrama passional de cunho intimista que, baseado na montagem alternada de ações paralelas, controla os afetos do espectador e a ma-

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neira como este reagirá aos acontecimentos encenados. A forma como o narrador interage com o público faz deste uma testemunha e também cúmplice involuntário do de-senrolar da trama.

Nesse ponto, o cinema se aproxima da construção lite-rária, pois traz para o lugar cinematográfico uma instância narrativa que forja o tempo e o espaço, proporcionando assim, como faz a literatura com o leitor, um efeito que aflora com os sentimentos do espectador, como observa Machado (1997, p. 140): “o cinema aproxima-se cada vez mais do ideal literário de uma narrativa controlada nos seus mínimos detalhes, capaz, ao mesmo tempo, de traba-lhar os afetos do espectador na sala escura”.

2. Bem longe de Marienbad, de Caio Fernando Abreu

Causando menos estranhamento, mas ainda assim inusitada, percebemos a proposta de Caio Fernando Abreu em Bem longe Marienbad. Em sua novela o autor usa e abusa do expediente intertextual transitando em um espaço provisório, cria um narrador que exerce abundantemente sua condição de diretor cinematográfico. Ele existe no es-paço fílmico. Assim como narrador da película, o narrador protagonista na novela de Caio é uma recriação do pri-meiro, uma vez que como o narrador do filme ele entrecru-za as linguagens e transforma o ambiente ao seu redor em um espaço cinematográfico.

A excessiva fragmentação narrativa desse texto pode ser encarada como qualidade ou apontada como uma de-bilidade na construção da história. A impressão, não rara, de desconexão verbal é suplementada pela estratégia da repetição de cenas, expressões, situações, como no filme. Ambos, novela e filme, parecem apostar no hibridismo das linguagens como novo modelo estético que se diferenciará da tradição.

Essa mistura de linguagens presente na narrativa de Abreu, assim como no filme de Robbe-Grillet, convive har-monicamente com o apelo da busca do eu total que, por mais que se apresente em fragmentos, almeja a unificação. Os anos 70 no Brasil, época em que se situa a novela, essa hibridização figura como interlocutora assídua no universo carnavalizado das referências,seja para transformar auto-res em personagens, ou apenas para a desmitificação da postura vitalista da contracultura cujo lema era o discurso ideal de vida “faça amor e não faça guerra”.

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A novela Bem longe de Marienbad, predominantemen-te escrita em primeira pessoa, oferece ao narrador uma posição privilegiada. A postura desse narrador evolui do entusiasmo inicial à escritura fortemente contestadora que se estrutura numa forma de dizer e articular experiências existenciais singulares que funcionam como marca enga-jada em torno das representações da sensibilidade e dos vazios deixados por essa contracultura radical.

Dessa forma, o autor atribui vida a um narrador que será protótipo de boa parte de sua poética: de maneira in-trospectiva, o narrador captura os momentos reais em que, através de digressões, coaduna um cenário de ocorrências que estrutura um enredo entrecortado por vozes e situações distintas buscando retratar identidades imersas em conflitos construídos a partir das suas inaptidões no lidar com seus vários eus. A função desse narrador, atordoado ante a sen-sação de impotência do narrar, é constituir as formas de recuperar sua totalidade, instituindo esteticamente o caos em busca da ordem.1

Posto isso, podemos afirmar que existe uma relação in-tertextual entre a película e a novela, uma vez que ambos apresentam uma experiência de tempo, e é essa experiên-cia de tempo que faz tanto o espectador quanto o leitor reagirem em suas observações. A novela e a película são lentas. A lentidão encoraja quem está assistindo ou lendo a pensar. Tanto no filme quanto na novela a participação do espectador e do leitor afeta o texto. Muda-o, pois as obras nos favorecem pensar como a história se relaciona com a nossa própria experiência. Literatura e cinema interagem com a nossa perspectiva. Veja que através da manipulação do espaço e do tempo a montagem das cenas paralelas na película assume-se como a principal força organizadora em termos da construção de significados. A mesma coisa acontece na novela de Caio, que nos coloca em diversos tempos e espaços dentro da narrativa, mas sempre dentro do momento das personagens envolvidas, situando assim desta forma uma ou várias personagens (ou as suas me-mórias) em diversos tempos e espaços ao mesmo tempo.

Pela comparação feita entre cinema e literatura, pode-mos perceber que a relação intertextual existente entre as obras analisadas pode ser considerada como uma tradu-ção, pois apresenta no texto um efeito centrípeto, conser-vando os sentidos da primeira no ato da releitura.

Vamos colocar essa teoria em prática?

1 Texto adaptado do artigo: Cruzamentos e fronteiras nos espaços do cênico e do literá-rio, apresentado por Elisabete Borges Agra e Eneida Dornellas de Carvalho, no congres-so Abralic: Diálogo entre Literatura e outras artes, 2008.

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Atividade I

Leia o texto a seguir e responda à questão proposta:

Ave Maria cheia de graças...”

A tarde era tão bela, a vida era tão pura,

as mãos de minha mãe eram tão doces,

havia, lá no azul, um crepúsculo de ouro... lá longe...

“- Cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita!”

Bendita!

Os outros meninos, minha irmã, meus irmãos

menores, meus brinquedos, a casaria branca de

minha terra, a burrinha do vigário

pastando

junto à capela... lá longe...

Ave cheia de graça

- ...”bendita sois entre as mulheres, bendito é o

fruto do vosso ventre...”

E as mãos do sono sobre os meus olhos,

e as mãos de minha mãe sobre o meu sonho,

e as estampas de meu catecismo

para o meu sonho de ave!

E isto tudo tão longe... tão longe...

(Jorge de Lima)

1. Acione o seu conhecimento de mundo e comente o recurso da intertextualidade utilizado por Jorge de Lima no poema citado. dica. utilize o bloco

de anotações para responder as atividades!

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Continuando a nossa conversa...

Tipos de relações intertextuais:Observe as tirinhas abaixo:

Alusão

A alusão é uma forma subtendida de citação: há uma sutileza do autor ao se referir ao texto de outrem. Veja que Mauricio de Souza re-corre sutilmente ao conhecimento de mundo do leitor, quando recorre à teoria da relatividade associando imagem a texto. Para Afonso R. de Sant`Anna “a percepção desse recurso depende exclusivamente do leitor, [..] o que equivale a dizer que são recursos percebidos por um leitor mais informado.

Paráfrase

Esse recurso se constitui a partir da interpretação de um texto com as próprias palavras daquele que interpretou, mantendo, essencialmen-te, o ponto de vista da produção interpretada. É uma espécie de adap-tação do texto original. É um processo no qual o texto “reformulador mantém com o texto anterior uma relação de equivalência semânti-ca”, com a intenção de promover um diálogo entre os interlocutores. A paráfrase não anula o que foi dito anteriormente, entretanto retoma o enunciado anterior com outras palavras. Portanto, mantém uma re-

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lação de retrospectiva com o texto parafraseado. Um exemplo corri-queiro de paráfrase é a síntese, uma vez que consiste em reproduzir a essencialidade do texto resumido; condensa aquilo que o autor discutiu amplamente, sem, contudo, fugir do seu ponto de vista. Observe o exemplo abaixo:

Exemplo 1

O QUINZE 2

Debaixo de um juazeiro grande, todo um bando de retirantes se arranchara: uma velha, dois homens, uma mulher nova, algumas crianças. O sol, no céu, marcava onze horas. Quando Chico Bento, com seu grupo, apontou na estrada, os homens esfolavam uma rês e as mulheres faziam ferver uma lata de querosene cheia de água, abanando o fogo com um chapéu de palha muito sujo e remendado. Em toda a extensão da vista, nenhuma outra árvore surgia. Só aquele juazeiro, devastado e espinhento, ver-dejava a copa hospitaleira na desolação cor de cinza da paisagem. Cordulina ofegava de cansaço. A Limpa-Trilho gania e parava, lambendo os pés queimados. Os meninos choramingavam, pedindo de comer. E Chico Bento pensava: – Por que, em menino, a inquietação, o calor, o can-saço, sempre aparecem com o nome de fome? – Mãe, eu queria comer... me dá um taquinho de rapadura! – Ai, pedra do diabo! Topada desgraçada! Papai, va-mos comer mais aquele povo, debaixo desse pé de pau? O juazeiro era um só. O vaqueiro também se achou no direito de tomar seu quinhão de abrigo e de frescura. E depois de arriar as trouxas e aliviar a burra, reparou nos vizinhos. A rês estava quase esfolada. A cabeça in-chada não tinha chifres. Só dois ocos podres, mal cheiro-sos, donde escorria uma água purulenta. Encostando-se ao tronco, Chico Bento se dirigiu aos esfoladores: – De que morreu essa novilha, se não é da minha conta? Um dos homens levantou-se, com a faca escorrendo sangue, as mãos tintas de vermelho, um fartum sangrento envolvendo-o todo: – De mal-dos-chifres. Nós já achamos ela doente. E vamos aproveitar, mode não dar para os urubus. Chico Bento cuspiu longe, enojado: – E vosmecês têm coragem de comer isso? Me ripuna só de olhar...

2 Exemplo retirado de uma proposta de vesti-bular da UFPB, de 1989.

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O outro explicou calmamente: – Faz dois dias que a gente não bota um de-comer de panela na boca... Chico Bento alargou os braços, num grande gesto de fraternidade: – Por isso não! Aí nas cargas eu tenho um resto de criação salgada que dá para nós. Rebolem essa porquei-ra pros urubus, que já é deles! Eu vou lá deixar um cristão comer bicho podre de mal, tenho um bocado no meu surrão! Realmente a vaca já fedia, por causa da doença. Toda descarnada, formando um grande bloco san-grento, era uma festa para os urubus vê-la, lá de cima, lá da frieza mesquinha das nuvens. E para comemorar o achado executavam no ar grandes rondas festivas, negre-jando as asas pretas em espirais descendentes.

(Rachel de Queiroz )

Síntese

Arranchados sob um juazeiro, em meio àquela desola-ção, um bando de retirantes tentava aproveitar uma vaca já em estado de putrefação, para combater-lhe a fome de dois dias. Quando Chico Bento, com o seu bando, apro-xima-se também em busca de abrigo e, compadecendo-se daquela situação, divide com os miseráveis o resto de ali-mento que trazia, deixando o animal para os urubus.

EXEMPLO 2

MONTE CASTELO/ LEGIÃO URBANA

Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos, Sem amor eu nada seria.

É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade. O amor é bom, não quer o mal, Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é o fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente;

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É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria.

É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É um não contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É um ter com quem nos mata a lealdade. Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem. Todos dormem. Todos dormem.

Agora vejo em parte, Mas então veremos face a face.

É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade.

Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos, Sem amor eu nada seria.

Amor é fogo que arde sem se ver/ Luís Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?

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ParódiaObserve o texto abaixo do autor Affonso Romano de Sant’anna

acerca do recurso intertextual paródia:

Começo por redefinir paródia traçando uma breve his-tória do termo e vendo como modernamente se aprofunda o seu entendimento. O termo paródia tornou-se institucio-nalizado a partir do séc. 17. A isto se referem vários dicio-nários de literatura. No entanto já em Aristóteles aparece um comentário a respeito desta palavra. Em sua Poética atribuiu a origem da paródia, como arte, a Hegemon de Thaso (séc. 5 a.C.), porque ele usou o estilo épico para representar os homens não como superiores ao que são na vida diária, mas como inferiores. Teria ocorrido, então, uma inversão. A epopéia, gênero que na Antiguidade ser-via para apresentar os heróis nacionais no mesmo nível dos deuses, sofria agora uma degradação.

Essa observação de Aristóteles revela um enfoque mar-cadamente ético e mostra que os gêneros literários eram tão estratificados quanto as classes sociais. A tragédia e a epo-péia eram gêneros reservados a descrições mais nobres, en-quanto a comédia era o espaço da representação popular.

Alguns autores, no entanto, apontam Hipponax de Éfe-so (séc. 6 a.C.) como “o pai da paródia”.

Significados

É mais importante ir rastreando, por enquanto, as defini-ções do termo. Aliás, tais definições nunca constituíram um grave problema. O dicionário de literatura de Brewer, por exemplo, nos dá uma definição curta e funcional: “paródia significa uma ode que perverte o sentido de outra ode (grego: para- ode)”. Essa definição implica o conhecimento de que originalmente a ode era um poema para ser cantado. Por isto, Shipley , mais acuradamente, registraria que o termo grego paródia implicava a idéia de uma canção que era cantada ao lado de outra, como uma espécie de contracanto. A origem, portanto, é musical. Em literatura acabaria por ter uma cono-tação mais específica. O próprio Shipley, no seu dicionário de literatura discrimina três tipos básicos de paródia:

a) verbal — com a alteração de uma ou outra palavra do texto;

b) formal — em que o estilo e os efeitos técnicos de um escritor são usados como forma de zombaria;

e) temática — em que se faz a caricatura da forma e do espírito de um autor.

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Modernamente a paródia se define através de um jogo intertextual. A esse respeito, como veremos mais adiante em Manuel Bandeira, pode-se falar de intertextualidade (quando um autor utiliza textos de outros) e intratextualida-de (quando o escritor retoma sua obra e a reescreve). Essa anotação, no entanto, não é típica da paródia. Também ocorre na paráfrase, como observaremos oportunamente. Por isto é que é necessário trabalhar mais essa questão da intertextualidade.

De uma maneira geral, porém, os autores que ante-cederam os dois formalistas (Tynianov, 1919, e Bakhtin, 1928) definiam a paródia dentro de uma certa sinonímia. Aproximavam-na do burlesco, considerando-a como um subgênero. Nesta linha, mesmo autores mais contempo-râneos definem a paródia também por contiguidade, con-siderando-a um mero sinônimo de pastiche, ou seja, um trabalho de ajuntar pedaços de diferentes partes de obra de um ou de vários artistas.3

Como podemos notar, de acordo com Romano de Sant’anna, a pa-ródia é um texto que subverte a mensagem do texto que o inspirou. Leia a história em quadrinhos do Maurício de Souza, cujo diálogo já indica a intenção paródica do filme “O vento levou”: -“Oh, minha fazenda Kara foi arrasada pelos ianques! – “E o que sobrou o vento levou”:

Se a paráfrase funciona como um efeito centrípeto, a paródia funcio-na como um efeito centrífugo, ou seja, ela descentraliza o texto parodia-do. Note que ao decorrer ao título do filme a personagem de Maurício de Souza estabelece um diálogo com ele pautado na ridicularizarão. A ridicularização, nesse caso, está voltada para a diferença entre a propos-ta do filme e a proposta do quadrinho. Sabe-se que o quadrinho tem a intenção de provocar o humor a partir da relação que o leitor fará do texto anterior com o texto parodiado, nisso reside a diferença. De acor-do com Romano de Sant`Anna(2003) “[...] falar de paródia é falar de intertextualidade das diferenças [...]a paródia é como a lente: exagera os detalhes de tal modo que pode converter uma parte do elemento focado

3 SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, 2003

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num elemento dominante, invertendo, portanto, a parte pelo todo, como se faz na charge e na caricatura. E eu diria, usando ainda um raciocínio psicanalítico, que a paródia é um ato de insubordinação contra o simbó-lico, uma maneira de decifrar a Esfinge da Mãe Linguagem. Ela difere da paráfrase na medida em que a paráfrase se assemelha àquele que dor-me edipianamente cego no leito da Mãe Ideologia. Sendo uma rebelião, a paródia é parricida. Ela mata o texto-pai em busca da diferença. E o gesto inaugural da autoria e da individualidade (p. 33).

Pastiche

O pastiche é uma forma de intertextualidade parecida com a paródia, pois ambos envolvem imitação. Entretanto traduzir as formas como sinôni-mo é um equivoco, pois o pastiche associa-se à imitação de um estilo. Ele pode ser entendido como uma colagem ou montagem do texto “original”. Ele é a forma mais polemica de intertextualidade, pois a obra literária é imitada diretamente de outra. É uma espécie de colagem, se o leitor co-nhece a obra imitada, percebe claramente trechos inteiros sendo copiados. Glauco Mattoso de posse desse recurso intertextual e remonta a obra de Alencar “A pata da gazela”numa espécie de versão transviada. Observem:

Texto de referência

A Pata da GazelaJosé de Alencar

Simples no trajo e pouco favorecido a respeito de be-leza; os dotes naturais que excitavam nesse moço alguma atenção eram uma vasta fronte meditativa e os grandes olhos pardos, cheios do brilho profundo e fosforescente que naquele momento derramavam pelo semblante de Amélia.

Havia minutos que, percorrendo a Rua da Quitanda em sentido oposto à direção do carro, avistara a moça recostada nas almofadas, e sentira a seu aspecto viva im-pressão. Sem disfarce ou acanhamento, recostando-se à ombreira de uma porta de escritório, esqueceu-se naquela ardente contemplação.

O coração é um solo. Vale onde brotam as paixões, como os outros vales da natureza inanimada, ele tem suas estações, suas quadras de aridez ou de seiva, de esterilida-de ou de abundância.

Depois das grandes borrascas e chuvas, os calores do sol produzem na terra uma fermentação, que forma o humo; a semente, caindo aí, brota com rapidez. Depois das grandes dores e das lágrimas torrenciais, forma-se também no coração do homem um humo poderoso, uma

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exuberância de sentimento que precisa de expandir-se. En-tão um olhar, um sorriso, que aí penetre, é semente de paixão e pulula com vigor extremo.

O moço parecia estar nessas condições: ele trajava luto pesado, não somente nas roupas negras, como na cor macilenta das faces nuas, e na mágoa que lhe escurecia a fronte.

Notando Amélia a insistência do mancebo, ficou vi-vamente contrariada. Aquele olhar profundo, que parecia despedir os fogos surdos de uma labareda oculta, incu-tia nela um desassossego íntimo. Agitava-se impaciente, como uma criatura no meio de um sono inquieto ou mes-mo de um ligeiro pesadelo.

Até que abriu o chapeuzinho-de-sol para interceptar a contemplação apaixonada de que era objeto. Nesta oca-sião, Laura, que frequentemente se debruçava para ver quando vinha o lacaio, retraiu o corpo com vivacidade:

— Enfim; aí vem!

— Felizmente! disse Amélia.

Versão transviada

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Existe um antagonismo presente nessas obras que são fundamentais para se entender o processo intertextual proporcionado pela leitura de “A planta da donzela”, de Glauco Mattoso. Enquanto em “A pata da gazela” prevalece a pura contemplação/ idealização do sexo, em “A planta da donzela” esse desejo sublimar se transforma em incessante masturbação. É naturalmente uma versão transviada da obra de Alen-car. De acordo com Ítalo Moriconi (2005) “A planta da Donzela” é um pastiche que “se combina com a paródia [...] não é pura repetição. Glauco utiliza-se do espírito sardônico da paródia para colocar a nu temas e percepções que os textos românticos e os clássicos modernistas deixaram na sombra. E nessa área da paródia literária, o autor também é mestre. Em relação ao decoro de Alencar, A planta da Donzela é uma abertura desenfreada de sentidos. É a liberação em ato. É a revelação do inconsciente obsceno dos românticos e até mesmo dos historiadores de alta estirpe, como Gilberto Freire. É o grito de “ia, ia” da mulher devassa que chicoteia seu parceiro submisso. A planta da donzela refaz o jogo d’ A pata da gazela”, reaproveitando cenas inteiras do livro de Alencar , mas modificando completamente o perfil sexual dos persona-gens e o tipo de intriga em que se envolvem” (p. 220).

Atividade IILeia a composição abaixo, de Caetano Veloso e responda o que se pede:

SampaComposição: Caetano Veloso

Alguma coisa acontece no meu coração Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi Da dura poesia concreta de tuas esquinas Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee A tua mais completa tradução

Alguma coisa acontece no meu coração Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

É que Narciso acha feio o que não é espelho E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho

Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Afasto o que não conheço E quem vende outro sonho feliz de cidade

Aprende depressa a chamar-te de realidade Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas Da força da grana que ergue e destrói coisas belas

Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba Mais possível novo quilombo de Zumbi

E os novos baianos passeiam na tua garoa E novos baianos te podem curtir numa boa

Entendemos que a intertextualidade é “o diálogo entre os muitos textos da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define”. (Barros, 1994, p 4). Como exemplo de texto em que se realiza a in-tersecção de muitos diálogos, temos a fala poética de Caetano Veloso na composição “Sampa”. Verifica-se que o compositor utiliza-se desse recurso para estabelecer o diálogo com outros textos. Ative o seu co-nhecimento de mundo e identifique com quem Caetano dialoga para descrever São Paulo em sua variedade.

Encerrando a nossa conversa...

Originalidade e intertextualidade 4

A teoria da intertextualidade, além de nos ensinar que entre os humanos a linguagem é circulante e que os conceitos se desdobram em ondas de comunicação temporal e intemporal entre humanos, leva-nos ainda à humilde conclusão de que o verbo que consideramos nosso é de certa forma o verbo de todos, graças à socialização da palavra. E aqui vem, a termo, a distinção feita por Saussure entre língua e fala. Todos os falantes humanos têm naturalmente uma base de partida para elaborar sua comunicação escrita ou falada dentro de um código próprio da comunidade a que pertencem mas é em seu ato singulativo que a palavra toma o sentido da pessoa e da individualidade. Todavia, nunca ninguém deve esquecer, nem sequer os intelectuais, de que no lar, na escola, nos livros, na roda dos amigos, na leitura, na escuta das informações da imprensa ou na Internet, nós estamos apenas no circuito de linguagem que é nossa e dos outros e que o caráter intertextual da expressão e da linguagem nos mostra o patrimônio comum de que participamos nesta grande teia universal do pensamento e da comunicação escrita e falada no seio dos códigos da linguagem.

4 OTexto de autoria de João Ferreira (2000) no ensaio intitulado: Os meandros e as fronteiras da intertextualidade. Ele pode ser encontrado no seguinte endereço:www. Usinadeletr as.com.br/exibelotexto.php?cod=237&cat=Ensaios&vinda=S

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ResumoNesta unidade, você observou que a intertextualidade, seja a pa-

ródia seja a apropriação, por exemplo, mais que simples expedientes lúdicos, podem ser entendidas como forma de reflexão crítica sobre a arte. Os autores, em diferentes épocas e estilos, recorreram a tal expediente para demonstrar maior consciência sobre o fazer artístico. A intertextualidade está diretamente associada à metalinguagem, pois tais procedimentos são relacionais. Na intertextualidade, um texto ab-sorve outros textos. Esses procedimentos tornam o leitor mais crítico e reflexivo.

AutovaliaçãoAgora é com você:

Acione a sua história de leitura e produza um texto comentando acerca do recurso da intertextualidade presente nas leituras feitas por você ao longo de sua vida. Socialize seu texto no chat a combinar.

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Leituras recomendadas

“Reunião dos principais ensaios do autor dedicados à literatura brasileira e diversos outros trabalhos de reflexão sobre teoria literária, semió-tica e poética da tradução; balanços das obras de Bense, Barthes, Sergio Buarque de Holanda, bem como excur-sos sobre a prática textual do autor, sobre a razão antropo-

fágica e sobre as relações poesia-música, sob o signo antinormativo da invenção e da leitura revisional”( Sinopse livraria Saraiva).

“Toda a cultura, incluindo a produção literária, dialoga com outras produções por meio de um processo inter-textual. Todo o texto retoma outro texto, relativizando a questão da autoria. Na pro-dução literária, são vistas as epígrafes, a citação, a refe-rência, a alusão. São espe-cialmente destacados a pará-frase, a paródia, o pastiche e

a tradução. A intertextualidade ainda é abordada na perspectiva da recepção e da história literária. Além da parte teórica, ricamente exem-plificada, as autoras propõem para esta obra uma prática de vinte e uma atividades”(Sinopse livraria Saraiva).

“Os conceitos de paródia, paráfrase, estilização e apropria-ção redefinidos, para esclarecer a natureza da literatura, levando o leitor a entender as relações ideologia/linguagem”(Sinopse li-vraria Cultura).

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ReferênciasALENCAR, José de. A Pata da Gazela; Série Bom Livro. São Paulo: Ática, 1998.

BARROS, Diana Luz Pessoa & FIORIN, José Luiz. (org.) Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo. Universidade de São Paulo-USP. 2001.

COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Trad. Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Trad. Lúcia Helena França Ferraz. São Paulo: Perspectiva, 1974.

KOCH, CAVALCANTE E BENTES, Ingedore G. Villaça; Anna Christina; Mônica Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever – estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.

_____. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

_____. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2005.

_____. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

LUYTEN, Sonia M. Bibe (Org). Histórias em quadrinhos – leitura crítica. São Paulo: Paulinas, 1985.

MATTOSO, GLAUCO. A planta da donzela. Rio de Janeiro: Lamparina, 2005.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, 2003.

SCHNEIDER, Michel. Ladrões de palavras. Ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento. Trad. Luiz Fernando P. N. Franco. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.

SOUSA, Maurício de. Magali nº. 90. São Paulo: Globo, 1992.

_________________ .Mônica nº. 131. São Paulo: Globo, 2003.

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VII UNIDADE

A textualidade proporcionada

pelos critérios de informatividade e não-

contradição textuais

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ApresentaçãoNa unidade anterior, você observou que a intertextualida-

de é um recurso capaz de acionar a reflexão crítica sobre o texto. Verificou também que ela está diretamente associada à metalinguagem, pois tal procedimento é relacional. É atra-vés dele que um texto absorve outros textos, portanto, esse recurso é também responsável pela coerência textual.

Nesta unidade, verificaremos como o grau de informati-vidade presente no texto é medido a partir do conhecimento de mundo a que ele se destina. Refletiremos também que um texto precisa respeitar princípios lógicos elementares. “Suas ocorrências não podem se contradizer, devem ser com-patíveis entre si e com o mundo a que se referem”( Costa VAL.2006).

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ObjetivosAo término desta unidade, queremos que você:

• Compreenda que o grau de informatividade é respon-sável pela coerência textual;

• Entenda que um texto coerente é um texto não-con-traditório.

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Reflexões iniciais...

Grau de informatividade do texto

Segundo Koch e Travaglia (2009) ao se deparar com um texto, o leitor pode ter dificuldade de interpretá-lo ou porque as informações são para ele superficiais, ou porque falta-lhe domínio do assunto abordado. O que vai determinar, portanto, se um texto é ou não coerente é o grau de conhe-cimento existente entre leitor e texto. Se o leitor não possuir conhecimento prévio suficiente para entender o texto, não ocorrerá interação entre texto e receptor. Não havendo interação o texto torna-se incoerente para ele.

Levando em consideração que o ato de comunicação é recíproco, é pertinente afirmar que o grau de conhecimento prévio partilhado entre leitor e texto é que vai desvendar se o grau de informação do texto é baixo ou alto a ponto de ter dificultado o estabelecimento da coerência.

Posto isso, parece notório que o conhecimento prévio e o conheci-mento partilhado são essenciais no estabelecimento do grau de infor-matividade do texto, pois estes fatores podem nos apontar se o receptor é portador ou não dos conhecimentos que ajudarão na compreensão do texto como um todo significativo.

Costa Val (2006) usa o termo informatividade para explicar “a ex-tensão em que as ocorrências linguísticas apresentadas no texto, no plano conceitual e no formal, são novas ou inesperadas para os re-ceptores”. Para essa autora a informatividade é medida pelo grau de previsibilidade apresentado pelo texto. Dessa forma, se um texto for, em grande parte, previsível menor será o seu caráter informativo, se o texto surpreender o leitor com informações desconhecidas por ele, maior será o seu caráter informativo.

Diante disso, Costa Val esclarece que as informações são previsíveis quando não são novidades para o ouvinte ou leitor; são rapidamente reconhecidas e de fácil processamento, já as informações imprevisíveis, aquelas incomuns ao leitor ou ouvinte, fornecem ao texto um aspecto inovador e proporciona ao leitor/ouvinte um desafio por exigir dele mais esforço na compreensão. Assim, o texto com um padrão razoável de informatividade deve conter todas as informações necessárias para que seja entendido de acordo com intencionalidade do autor.

Já a previsibilidade do texto vai ser determinada pelos conhecimen-tos adquiridos culturalmente pelos interlocutores no ato da comunica-ção, pois estes são guardados na memória e ativados durante o pro-cesso comunicativo.

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Posto isso, podemos concluir que o grau informatividade de um texto é medido a partir do conhecimento de mundo das pessoas a que ele se destina. Isso significa afirmar que o texto dependerá do repertório cultural do leitor para ser designado como portador de graus de infor-matividade baixo, médio ou alto.

Veja o exemplo abaixo:

A Literatura do Brasil faz parte das literaturas do Oci-dente da Europa. No tempo da nossa independência, pro-clamada em 1822, formou-se uma teoria nacionalista que parecia incomodada por este dado evidente e procurou minimizá-lo, acentuando o que haveria de original, de di-ferente, a ponto de rejeitar o parentesco, como se quisesse descobrir um estado ideal de começo absoluto. Trata-se de atitude compreensível como afirmação política, exprimindo a ânsia por vezes patética de identidade por parte de uma nação recente, que desconfiava do próprio ser e aspirava ao reconhecimento dos outros. Com o passar do tempo foi ficando cada vez mais visível que a nossa é uma literatura modificada pelas condições do Novo Mundo, mas fazendo parte orgânica do conjunto das literaturas ocidentais.

Por isso, o conceito de “começo” é nela bastante re-lativo, e diferente do mesmo fato nas literaturas matrizes. A literatura portuguesa, a francesa ou a italiana foram se constituindo lentamente, ao mesmo tempo que se forma-vam os respectivos idiomas. Língua, sociedade e literatura parecem nesses casos configurar um processo contínuo, afinando-se mutuamente e alcançando aos poucos a ma-turidade. Não é o caso das literaturas ocidentais do Novo Mundo.

Com efeito, no momento da descoberta e durante o processo de conquista e colonização, houve o transplante de línguas e literaturas já maduras para um meio físico di-ferente, povoado por povos de outras raças, caracterizados por modelos culturais completamente diferentes, incompa-tíveis com as formas de expressão do colonizador. No caso do Brasil, os povos autóctones eram primitivos vivendo em culturas rudimentares. Havia, portanto, afastamento má-ximo entre a cultura do conquistador e a do conquistado, que por isso sofreu um processo brutal de imposição.

Este, além de genocida, foi destruidor de formas cultu-rais superiores no caso do México, da América Central e das grandes civilizações andinas.

CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasilei-ra. Humanitas publicações – FFLCH/USP. 1999.

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O texto acima contém discussões acerca da teoria literária. Se esse texto for direcionado a todos os públicos poderá apresentar alto grau de informatividade, todavia se for endereçado a um público restrito: aqueles que dominam os conceitos desta área do conhecimento, o grau de informatividade poderá ser considerado médio, uma vez que esse público domina o conteúdo em questão. Se o grau de informa-tividade do texto for muito baixo, o destinatário pode desinteressar-se por ele, pelo fato de não apresentar informação relevante. Um exemplo de informação óbvia é o que comumente chamamos “senso comum”. Observe o exemplo a seguir:

Notamos que o diálogo do texto acima é composto por informa-ções óbvias. O texto não apresenta nenhum grau de informatividade. A coerência é afetada, pois não existe nenhuma informação relevante que atraia o publico ao qual se destina. São afirmações irrelevantes e pautadas no senso comum.

Agora é a sua vez...

Atividade ILeia o texto seguinte (transcrito tal qual foi produzido) e observe o grau de informatividade apresentado e responda às questões propostas abaixo.

“Atualmente, um dos grandes problemas que afetam a vida de uma sociedade, é a violência nela inserida. Violên-cia essa que devido a vários fatores, segundo sociólogos,

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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psicólogos e outros estudantes das ciências humanas, será praticamente impossível de ser eliminada.

A dificuldade na solução deste problema está na com-plexidade do mesmo. Várias são as suas causas e para cada uma se faz necessária uma medida especial, medias essas que muitas vezes são impossíveis de serem colocadas em prática.

A violência pode ser gerada pela própria sociedade, por crises econômicas, por um problema mental do indiví-duo, pelo grande número de adeptos ao uso de drogas, e por uma enorme série de outros fatores.

Devido as perspectivas quase que inexistentes em uma solução a curto ou médio prazo para a questão da violência, o melhor a fazer, é se precaver para não se tornar mais uma vítima de um dos problemas mais sérios da nossa sociedade.

(Redação de aluno. Apud Maria da Gra-ça Costa Val, op.cit.,p.86)

1. Que grau de informatividade o texto acima apresenta? Para fundamentar a sua resposta analise os seguintes aspectos:

a. A tese apresentada pelo texto;

b. Os argumentos:

c. O desenvolvimento dos argumentos;

d. Informações relevantes;

e. A inovação acerca do tema;

f. estrutura formal do texto no que se refere à coerência.

2. Leia a tirinha abaixo e responda o que se pede:

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a. Segundo Costa Val (2006) “um texto com um bom índice de in-formatividade precisa atender a outro requisito: a suficiência de dados. Isso significa que um texto tem que apresentar todas as informações necessárias para que seja compreendido com o sentido que o produtor pretende. Não é possível nem desejável que o discurso explicite todas as informações necessárias ao seu processamento, mas é preciso que ele deixe inequívocos todos os dados necessários a sua compreensão aos quais o recebedor não conseguirá chegar sozinho”(p. 85). De acordo com o pensamento dessa autora e com as discussões promovidas por esta unidade, analise o grau de informatividade da tirinha acima.

Continuando a nossa conversa...

A não-contradição do texto

Um texto bem articulado coerentemente possui relações de sentido entre suas informações, que se relacionam entre si. “A relação existente em um texto é a maneira como seus conceitos se organizam e os como exercem seus papeis uns com os outros na sociedade. As relações entre os fatos têm que estar presentes e ser pertinentes. Isso se constitui como fator lógico irrefutável. Um texto bem relacionado é um texto não- con-traditório. Se ocorrer contradições internas ou externas a textualidade ficará comprometida. Às vezes, o produtor de determinado texto levan-ta um ponto de vista (uma tese) e não consegue argumentá-la, os argu-mentos não passam de informações pautadas no senso comum. Como resultado disso, o texto começa apresentar informações desencontra-das, sem sentido, contraditórias. De acordo com Costa Val (2006)

A coerência resulta também da não-contradição entre as diferentes partes de um texto que devem estar encadeadas logicamente. Cada parte é pressuposto da parte seguinte, e assim por diante, formando assim um entrecruzamento de ideias concatenadas harmonicamente. Quando ocorre ruptura nessa concatenação, ou quando uma parte atual do texto é contraditória com a anterior, rompe-se a coerência tex-tual, uma vez que ela é também resultante da adequação do que se diz ao contexto além texto, ou seja, tudo aquilo a que o texto diz respeito, que precisa ser conhecido pelo destinatário.

O texto a seguir é uma reportagem da Folha de São Paulo afir-mando que a presidenta Dilma Rousseff “em seu contato direto com os eleitores depois de tomar posse” não entusiasmou a população, há não ser quando falou do recado que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva mandou para os Baianos. Acontece que pela fotografia ocorre uma nítida contradição, pois imagem e texto escrito não com-binam entre si.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Percebemos que o conjunto de textos é incoerente em decorrên-cia da incompatibilidade entre a imagem e o conteúdo escrito para explicá-la. Percebe-se que a textualidade está comprometida porque os segmentos estão desconexos, ou seja; a imagem proporciona uma leitura e o texto escrito outra. De acordo com a intencionalidade de quem produziu essa reportagem, a imagem e a escrita deveriam combi-nar no sentido de um texto reafirmar as informações do outro. Todavia percebemos que essa harmonia foi quebrada, causando, portanto uma contradição entre as partes que compõem este gênero textual.

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Vamos praticar um pouco?O texto a seguir é uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, re-

tirada da obra “De notícias e não-notícias faz-se a crônica”. Nela o autor relata um dia comum de aula. Leia a crônica e responda o que se pede:

DA UTILIDADE DOS ANIMAIS

Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca… Todos ajudam.

- Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?- Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele

serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa.

- Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?

- Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para ou-tra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pin-tar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo.

- Ele faz pincel, professora?- Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel

de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétri-

co. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru:

- Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando da carne. Canguru é utilíssimo.

- Vivo, fessora?- A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz… produz

é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores, etc.

- Depois a gente come a vicunha, né fessora?- Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta

retirar a lã da vicunha, que torna a crescer…- A gente torna a corta? Ela não tem sossego, tadinha.- Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no

circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de al-mofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?

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- A carne também é listrada?- pergunta que desenca-deia riso geral.

- Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pin-guim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem res-peitar o bichinho. O excremento – não sabem o que é? O cocô do pinguim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pinguim…

- A senhora disse que a gente deve respeitar.- Claro. Mas o óleo é bom.- Do javali, professora, duvido que a gente lucre algu-

ma coisa.- Pois lucra. O pêlo dá escovas é de ótima qualidade.- E o castor?- Pois quando voltar a moda do chapéu para os ho-

mens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode cha-mar de um bom exemplo.

- Eu, hem?- Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode enco-

mendar um vaso raro para o living da sua casa.Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de

verdade, deixando os pêlos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não cauculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado.

- Engraçado, como?- Apanha peixe pra gente.- Apanha e entrega, professora?- Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço

dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.

- Bobo que ele é.- Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que

nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito ne-nhum. Entendeu, Ricardo?

- Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos.

(Texto extraído de Drummond, Carlos de. De notícias e não notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975)

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a. No decorrer da narrativa existem trechos contraditórios. Identifique-os e comente-os levando em conta as discussões promovidas por esta unidade.

Encerrando a nossa conversa...

Caros alunos,

Sabemos que na organização de um texto é essencial que todos os seus segmentos estejam interligados. São eles que proporcionam nosso processo reflexivo, funcionam como componentes de um todo e devem articular-se de maneira harmônica para que as informações não se dispersem. É fundamental saber que a tessitura de um texto não é resultado de frases soltas e desvinculadas entre si.

Por isso que estudar a coerência textual é de suma importância para que entendamos o processo de textualidade. Entender os níveis que promovem a informatividade do texto é perceber que o enunciado tem por obrigação apresentar informações relevantes para aquele a que ele se destina.

Compreender também que um texto contraditório compromete a textualidade, é um requisito fundamental no estudo da coerência tex-tual, pois cada frase enunciada deve ter vínculo com a anterior para não perder o fio do pensamento, não ocorrendo isso, haverá uma se-quência de frases sem nexo, sucedendo-se umas após outras, sem co-erência.

Portanto um texto contraditório e com grau nulo de informatividade é um texto incoerente, e de acordo com Costa Val (2006) “um dis-curso é aceito como coerente quando apresenta uma configuração conceitual compatível com o conhecimento de mundo do recebedor. Essa questão é fundamental. O texto não significa exclusivamente por si mesmo. Seu sentido é construído não só pelo produtor como também pelo recebedor, que precisa deter os conhecimentos necessários à sua interpretação. O produtor do discurso não ignora essa participação do interlocutor e conta com ela. É fácil verificar que grande parte dos co-nhecimentos necessários à compreensão dos textos não vem explicita, mas fica dependendo da capacidade de pressuposição e inferência do recebedor” (p. 85).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Resumo

Nesta unidade, estudamos os dois critérios responsáveis pela coe-rência textual: informatividade e não-contradicao. Vimos que a não--contradicão de um texto é percebida a partir das relações existentes entre as suas partes. Tais relações referem-se à forma como seus con-ceitos se encadeiam, como se organizam, que papeis exercem uns em relação aos outros. E a informatividade é medida pelo grau de previ-sibilidade apresentado pelo texto. Assim, se um texto for, em grande parte, previsível menor será o seu caráter informativo, se o texto sur-preender o leitor com informações desconhecidas por ele, maior será o seu caráter informativo. Sendo assim, esses dois critérios são grandes contribuintes no estabelecimento de sentido do texto.

AutovaliaçãoAgora é sua vez...

Os temas abaixo são sugestões para você desenvolver argumentos pertinentes a eles, dando-lhes um caráter mais informativo, que fuja do senso-comum. Cuidado! Não entre em contradição no momento de desenvolvê-los.

a) A leitura é fundamental para a formação do indivíduo.

b) A sociedade deve lutar pelo direito da cidadania.

c) Uma boa educação é fundamental para o desenvolvimento de

toda nação.

d) É necessário preservar o meio ambiente, pois nossas crianças de hoje dependerão dele amanhã.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leitura recomendada

“A intenção deste livro é fixar algumas noções básicas acerca da propriedade textual da coesão e de sua relação com a coerência, com o objetivo de desenvolver nossa competência para falar, ouvir, ler e escrever textos, com mais rele-vância, consistência e adequação. Isso contribuirá para que todo leitor

compreenda o que fazer para deixar o seu texto articulado, encadeado, coeso e coerente”(Sinopse da livraria Saraiva).

Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. De notícias e não notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975.

AZEREDO, José Carlos (org.). Repensando a textualidade. In: Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira. Humanitas publicações – FFLCH/USP. 1999.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Coerência e Ensino. In: A Coerência Textual. 17ed. São Paulo: Contexto, 2009.

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VIII UNIDADE

Revisão dos fatores responsáveis pela coesão

e coerência textuais

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Apresentação

Nas unidades anteriores, vimos que para que um texto seja dotado de sentido/ textualidade, ele precisa ser coeso e coerente. Para isso faz--se necessário que ele se constitua de fatores, tais como: articulação de ideias; progressão e continuidade; informatividade, não-contradição; intertextualidade; intencionalidade, situacionalidade e aceitabilidade. Nesta unidade, resumiremos esses fatores e os relacionaremos com atividades de análise de redações elaboradas por diversos usuários da língua.

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objetivosAo término desta unidade, queremos que você

• Relembre que a relação entre coesão e coerência é essencial ao estabelecimento da textualidade;

• Revise os fatores responsáveis pela coesão e coerência textuais.

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Reflexões iniciais...

Vamos relembrar?Um texto não é uma unidade construída por uma adi-

ção de sentenças, mas, sim, pelo encadeamento semântico delas, resultando, dessa maneira, em uma trama semântica a que denominamos de textualidade. O encadeamento se-mântico que produz a textualidade chama-se coesão. Pode-mos definir a coesão através do estabelecimento de fatores que, de acordo com Marcuschi “dão conta da estruturação da sequência superficial do texto, ‘afirmando que não se trata de princípios meramente sintáticos, mas de’ uma espé-cie de semântica da sintaxe textual, ‘isto é, dos mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos linguísticos do texto, relações de sentido”.

Vamos tomar um texto simples, e assim facilmente poderemos per-ceber como acontece o encadeamento dos sintagmas, das frases, dos parágrafos, das partes do texto, constituindo o processo coesivo.

PODER INVISÍVEL

Noêmia Lopes

A gente não vê, mas a água de rios, lagos e mares tem mo-radores incríveis: o plâncton, seres minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

Nessa turma estão algas, bactérias, fungos, crustáceos, mo-luscos e outras criaturas microscópicas. Alguns não tem mem-bros para locomoção e outros são pequenos demais para nadar. Por isso, eles ficam flutuando na água.

Existem dois tipos de plâncton, o vegetal e o animal. Os dois servem de comida para vários animais, por isso são importantes no equilíbrio da cadeia alimentar. Além disso, o plâncton vegetal faz a fotossíntese e fornece grande parte do oxigênio que existe no planeta.

(RECREIO, Ano10, nº 504, 5/11/2009)

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Vamos começar a destrinchar esse texto por uma pergunta clássica das aulas de leitura: do que fala do texto? Claro que você consegue responder essa pergunta facilmente. E um dos motivos para isso é que o texto está muito bem tramado do ponto de vista de sua coesão textual. Veja que o modo como os sintagmas, as frases, as três partes do texto estão encadeados de forma a não oferecem qualquer dúvida quanto aos elementos a que estão sendo feitas as referências no texto. Vamos ver como isso acontece:

Primeiramente, ficamos sabendo quem são os moradores incríveis porque eles estão anunciados justamente após o termo moradores in-críveis.

A gente não vê, mas a água de rios, lagos e mares tem moradores incríveis: o plâncton, seres minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

Veja bem, só essa ordem em que os termos estão dispostos, um imediatamente após o outro, separados pelo sinal de pontuação, os dois pontos, já é indicativo de que o segundo termo, o plâncton, deve ser tomado como referente ao primeiro, moradores incríveis. Esse já é um fator de coesão. Para ficar bem claro por que esses seres são incrí-veis, a adjetivação não deixa dúvida: eles são minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

O segundo parágrafo se inicia através do sintagma nessa turma. Imediatamente, o leitor faz uma remissão para o parágrafo anterior, que é onde se encontra o termo referido por nessa turma. Já foi feita aqui a ligação entre os dois primeiros parágrafos do texto. Continuan-do a leitura, deparamo-nos como o termo alguns. Dá para recuperar a quem ele se refere? Se sim, a coesão continua sendo garantida. Logo à frente, encontramos o termo outros. Mais uma vez, sabemos perfeita-mente quem são esses outros no texto. E eles?

Você está vendo, não há como o leitor perder o fio do texto, se ele segue as pistas linguístico-gramaticais que o autor maneja para cons-truir seu texto.

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E a coerência textual, como é estabelecida, e qual é a sua relação com a coesão?

Para entendermos o que é coerência textual, devemos compreen-der, inicialmente, a noção de texto, pois sabemos que:

a linguística textual, desenvolvida sobretudo na Eu-ropa a partir do final da década de 60, tem se dedi-cado a estudar a natureza do texto e os fatores en-volvidos em sua produção e recepção. Essa teoria, na medida em que busca esclarecer o que é e como se produz um texto, merece ser conhecida e consi-derada por quem se interessa pelo trabalho com a expressão escrita na escola (VAL. 1991.p. 02).

Inicialmente, podemos começar pela noção de coerência e sua re-lação com a coesão.

A coerência de um texto tem a ver “com a boa formação” do pró-prio texto. Mas esse critério não diz respeito apenas à noção da compe-tência gramatical que este apresenta, ele se refere, sobretudo, “a uma boa formação em termos de interlocução comunicativa”. Dessa forma, entendemos que a coerência se estabelece através do processo de in-teração, de interlocução e numa dada situação de comunicação entre usuários da língua. Ela se constitui como a possibilidade de estabele-cimento entre aquilo que se diz e como esse dizer é compreendido e aceito pelos interlocutores. Esse processo de comunicação é resultado de uma unidade global capaz de “dá continuidade de sentidos percep-tível no texto”. Essa unidade global depende não apenas dos elementos constitutivos do texto, mas

de fatores socioculturais diversos, devendo ser vista não só como o resultado de processos cognitivos, operantes entre os usuários, mas também de fato-res interpessoais como as formas de influência do falante na situação de fala, as intenções comunica-tivas dos interlocutores, enfim, tudo o que se possa ligar a uma dimensão pragmática da coerência. Os processos cognitivos caracterizam a coerência à medida que possibilitam criar um mundo textual em face do conhecimento de mundo registrado na memória, o que levaria à compreensão do texto (KOCH E TRAVAGLIA, 2009. p. 12).

Como podemos observar a coerência é responsável pelo sentido do texto. Esse sentido envolve os fatores semânticos e cógnitivos. Daí, afirmarmos que ela é, “ao mesmo tempo, semântica e pragmática”. Do ponto de vista semântico, podemos destacar o princípio da interpre-tabilidade, uma vez que o texto necessita do conhecimento partilhado entre os interlocutores. De acordo com Koch e Travaglia (2009) esse princípio “tem a ver com a produção do texto à medida que quem o faz

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quer que seja entendido por seu interlocutor, conforme se supõe pelo princípio da cooperação” (p.13).

Assim, um texto é coerente no momento em que for compatível com o conhecimento de mundo do receptor. Partindo dessa afirmação, entendemos que a produção de texto não existe em si mesma, mas sim, através da união entre locutor, interlocutor e o mundo partilhado por ambos. Podemos sintetizar a relação de coerência do texto evidenciado dois fatores: os fatores linguísticos (coesão, coerência e intertextualida-de) e os fatores extralinguísticos (intencionalidade, aceitabilidade, infor-matividade e situalidade).

A coerência textual convive com a coesão textual. Elas formam uma espécie de par “opositivo/distintivo”, segundo Koch e Travaglia. A coe-são se difere da coerência porque ela é explicitamente nítida na super-fície do texto através de seus elementos linguísticos. Por isso possui um “caráter linear” e a observamos através da sintaxe e gramática do texto. Mas de acordo com Halliday e Hasan (1976) ela também possui um caráter semântico, uma vez que liga os elementos superficiais do texto, interferindo na maneira como estes se relacionam, na combinação das frases e nos períodos, tudo isso, “para assegurar um desenvolvimento proporcional” (p. 36).

Que tal agora refletirmos acerca dos conceitos de coerência textual?

Conceitos de coerência textual de acordo com alguns estudiosos da língua citados por Koch e Travaglia, no livro “Texto e coerência”

Segundo Franck (1980), a coerência é a ligação formal entre os ter-mos sequenciais, tais como: enunciados, frases, atos ilocutórios. Essa ligação relaciona esses termos uns com os outros “e os insere numa forma de organização superior como, por exemplo, nomes em uma lis-ta, frases em texto, atos de fala numa sequência dialógica etc.”(KOCH E TRAVAGLIA. 2009, p. 16).

Já Beaugrande e Dressler (1981) acreditam que a coerência é a responsável pela continuidade dos sentidos do texto. Ela é “o resul-tado da atualização de significados potenciais que vai configurar um sentido”. Ou seja, é o resultado dos conhecimentos partilhados pelos usuários. Assim, a coerência é responsável por acionar os processos cognitivos. Tais processos divulgam a conexão conceitual. Um desses processos é o conhecimento declarativo – aquele que sugere crenças que dizem respeito aos fatos do mundo real - e o conhecimento “proce-dural” – valores guardados na memória e acionados como parte argu-mentativa sempre que o usuário necessitar. Para Widdowson (1978) a coerência está diretamente ligada ao desenvolvimento dos atos da fala.

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Nesse sentido, os enunciados são dotados de ações (pedido, conselho, aviso, ordem, promessa etc.) que se concretizam a partir das condições impostas a esses enunciados. O exemplo a seguir determina com pre-cisão esse conceito, vejamos:

Temos o seguinte enunciado:

1. O carro está com defeito.

1.1. O carro – conteúdo proporcional que faz parte do mundo real.

1.2. está com defeito – informação a respeito do seu estado (ato de predicação)

1.3. Através dessa enunciação podem-se apresentar diversos atos de fala, tais como:

1.4.Uma ordem: o dono da oficina manda o funcio-nário consertar o carro com defeito.

1.5. Um pedido: o dono do carro pede a alguém que esteja passando por perto para ajudá-lo a empurrar o carro até a oficina mais próxima.

1.6. Uma asserção: o dono constata que o carro está com defeito.

Segundo Bernárdez (1982) apud Salomon Marcus (1980) a coerên-cia é semântica, sintática e pragmática. De ponto de vista semântico ela se manifesta na unidade textual, ou seja, o texto atua como unidade para remeter ao seu sentido global. É sintática porque é recuperada, quando necessária, através da “sequência linguística” que forma a uni-dade do texto e é pragmática, uma vez que o sentido depende um con-texto intencional. Assim, “a coerência [...] é não só uma propriedade do texto, mas também um processo em que não é possível estabelecer uma diferença marcante entre os níveis pragmático, semântico e sintá-tico” (op. cit. p. 19).

Os linguistas Van Dijk e Kintsch (1983) afirmavam que coerên-cia era “uma propriedade lógica do texto”, atualmente esses autores acreditam que ela encontra-se estabelecida nas diversas situações de comunicação dos usuários que possuem “modelos cognitivos comuns ou semelhantes”, propiciados por determinado contexto cultural. Eles falam de dois tipos de coerência: local – aquela que ocorre na superfí-cie do texto – e global – aquela que faz parte do texto como um todo.

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Ainda classificam-na em: coerência semântica, sintática, estilística e pragmática.

Para o autor Marcuschi a coerência “é a organização reticulada ou tentacular do texto, não linear, portanto, dos níveis de sentido e inten-ções que realizam a coerência no aspecto semântico e função pragmá-tica” (op. cit. p. 21). Dessa forma, para esse linguista, como também para os linguistas Beaugrande e Dressler, a coerência é estabelecida através dos elementos que dão continuidade ao sentido do texto.

Caro aluno! Pretendemos com essa exposição dos conceitos de co-esão e coerência difundidos por Koch e Travaglia, em obra já citada, que vocês adquiram uma visão global do que se entende por esses dois critérios.

Que tal, agora, vocês praticarem um pouco?

Atividade I

1. Leia o texto a seguir, e faça uma análise dos fatores responsáveis pela sua coesão.

“A atividade de leitura em sala de aula, em toda sua complexidade, como sabemos, não é uma tarefa fácil para o professor de Língua Portuguesa, mas também não deve ser uma tarefa enfadonha e improdutiva. Os PCN prescre-vem que as práticas de leitura e produção de textos não devem limitar-se a um gênero específico, já que a plura-lidade textual possibilita o leque de ferramentas que inte-ragem nas relações sociais, permitindo a ampliação dos horizontes do aluno. Assim como, o trabalho com o texto não pode limitar-se a uma prática arraigada a certa tradi-ção, nem mesmo se deve considerar o texto como pretexto ou exemplificação da Gramática da frase e sim promover um ensino produtivo que permita dotar os alunos de uma sólida capacidade de manejo com o texto, propiciando enriquecer o repertório, socializar os gêneros discursivos, solidificar os tipos textuais, desvendar os implícitos, ativar e estimular, cognitivamente as inferências, bem como outras estratégias de leitura”.

(Irandé Antunes)

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Continuando a nossa conversa...

Coesão e coerência: critérios que se complementam

Como podemos observar, os teóricos que estudam as relações de coesão e coerência concordam que esses critérios estão, indiscutivel-mente, relacionados no processo de produção e interpretação textual.

A coerência é entendida como “a configuração conceitual subja-cente e responsável pelo sentido do texto, e a coesão como sua expres-são no plano linguístico” (VAL, 2000. p. 20). Sendo assim, a coesão contribui para o estabelecimento da coerência, mas não assegura a sua obtenção. Segundo alguns autores a coesão é em parte respon-sável pela coerência, porque apenas os elementos linguísticos não são suficientes para garantir a coerência de um texto. Por isso, conclui-se que essa contribuição é apenas parcial, uma vez que o uso adequado esses elementos sozinhos, sem que o leitor acione os recursos extralin-guísticos, são insuficientes para que se compreenda o sentido global do enunciado.

Atividade II

1. De acordo com os conceitos de coesão e coerência discutidos anteriormente nesta aula, observe o texto abaixo e conclua se ele é coeso e coerente aplicando o que vimos até agora acerca deste assunto:

A VELHA CONTRABANDISTA

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Al-fândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.

Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:

- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?

A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe resta-

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vam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo e respondeu:

- É areia!

Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à ve-lhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.

Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhi-nha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.

Diz que foi aí que o fiscal se chateou:

- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra bur-ro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contra-bandista.

- Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:

- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?

- O senhor promete que não “espaia” ? – quis saber a velhinha.

- Juro – respondeu o fiscal.

- É lambreta.

(Stanislaw Ponte Preta)

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Encerrando a nossa conversa...

Fatores de coerência: uma breve revisão

Como vimos, a textualidade se constitui a partir de fatores que fazem do texto não apenas uma sequência de frases, mas um todo constituído de sentido. Beaugrande e Dressier denominam tais fatores, como: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade e informatividade e não-contradicão.

Ingedore Koch define o texto como um produto em constante transformação, algo inacabado, no entanto a partir da construção de sentido através do conteúdo fornecido, dos saberes acumulados, do conhecimento linguístico e do conhecimento de mundo, se instaura o processamento estratégico, que acontece por meio da interação verbal entre interlocutores no ato da comunicação.

Para que aconteça êxito no processamento estratégico, os princí-pios de textualidade são de suma importância. De acordo com essa autora, a intencionalidade é a finalidade de o produtor confeccionar um texto com textualidade, pois garante a interação entre autor e destina-tário, contribuindo assim, para a realização das intenções e efeitos que o texto proporcionará ao leitor.

A aceitabilidade é a disposição do destinatário de aceitar um texto que possua importância para ele, tanto pelo conhecimento transmitido como pelo jogo de interação entre autor e destinatário.

Desse modo, os efeitos de sentido que o texto pode proporcionar ao leitor, do ponto de vista da compreensão, da consideração e da reação, dependerá da construção de sentidos, que é proporcionada pela intencionalidade e pela aceitabilidade no jogo dialógico no ato da comunicação

Quanto mais o destinatário tiver conhecimento acerca do tema em questão, mais eficaz será a interação entre os interlocutores.

Assim, os critérios de intencionalidade e aceitabilidade são de suma importância na interação verbal, uma vez que são aspectos essenciais na construção de sentido do texto, por estabelecerem maior nível de in-ferências e relações com outros textos. Tais inferências contribuem para que se perceba também as relações que um texto possui com outros textos, ou seja, proporcionam a percepção da intertextualidade.

A situacionalidade de acordo com Marcuschi (2008) “é o critério que se refere ao fato de relacionamento do evento textual à situação (social, cultural, ambiente etc) em que ele acontece. Ela além de interpretar e relacionar o texto ao contexto interpretativo, orienta a própria atividade textual. É um critério de adequação textual que se refere aos fatores que tornam o texto importante em dada situação. Segundo Koch e Travaglia (2009) esse critério pode ser entendido sob duas óticas. Observemos:

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“a) da situação para o texto – neste caso, trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa interfere na produção/recep-ção do texto. Sendo que a situação pode ser entendida tanto em sentido estrito (situação comunicativa propriamente dita), como em sentido amplo (o contexto sócio-político-cultural em que a in-teração está inserida). O lugar e o momento da comunicação vão influir tanto na produção do texto, como na sua compreensão;”

“b) do texto para a situação: também o texto tem reflexos importantes sobre a situação comunicativa. Ao construir um texto o produtor recria o mundo de acordo com seus objetivos, logo, o mundo criado pelo texto não é uma cópia fiel do mundo real, o mundo representado textualmente é aquele visto pelo produtor, a partir de suas perspectivas”.

Segundo Koch e Travaglia (2009) ao se deparar com um texto, o leitor pode ter dificuldade de interpretá-lo ou porque as informações são para ele superficiais, ou porque falta-lhe domínio do assunto abor-dado. O que vai determinar, portanto, se um texto é ou não coerente é o grau de conhecimento existente entre leitor e texto. Se o leitor não possuir conhecimento prévio suficiente para entender o texto, não ocor-rerá interação entre texto e receptor. Não havendo interação o texto torna-se incoerente para ele.

Levando em consideração que o ato de comunicação é recíproco, é pertinente afirmar que o grau de conhecimento prévio partilhado entre leitor e texto é que vai desvendar se o grau de informação do texto é baixo ou alto a ponto de ter dificultado o estabelecimento da coerência.

Posto isso, parece notório que o conhecimento prévio e o conheci-mento partilhado são essenciais no estabelecimento do grau de infor-matividade do texto, pois estes fatores podem nos apontar se o receptor é portador ou não dos conhecimentos que ajudarão na compreensão do texto como um todo significativo.

Costa Val (2006) usa o termo informatividade para explicar “a exten-são em que as ocorrências linguísticas apresentadas no texto, no plano conceitual e no formal, são novas ou inesperadas para os receptores”. Para essa autora a informatividade é medida pelo grau de previsibili-dade apresentado pelo texto. Dessa forma, se um texto for, em grande parte, previsível menor será o seu caráter informativo, se o texto surpre-ender o leitor com informações desconhecidas por ele, maior será o seu caráter informativo.

Diante disso, Costa Val esclarece que as informações são previ-síveis quando não são novidades para o ouvinte ou leitor; são rapi-damente reconhecidas e de fácil processamento, já as informações imprevisíveis, aquelas incomuns ao leitor ou ouvinte, fornecem ao tex-to um aspecto inovador e proporciona ao leitor/ouvinte um desafio por exigir dele mais esforço na compreensão. Assim, o texto com um padrão razoável de informatividade deve conter todas as informações necessárias para que seja entendido de acordo com intencionalidade do autor.

Já a previsibilidade do texto vai ser determinada pelos conhecimen-

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tos adquiridos culturalmente pelos interlocutores no ato da comunica-ção, pois estes são guardados na memória e ativados durante o pro-cesso comunicativo.

Posto isso, podemos concluir que o grau informatividade de um texto é medido a partir do conhecimento de mundo das pessoas a que ele se destina. Isso significa afirmar que o texto dependerá do repertório cultural do leitor para ser designado como portador de graus de infor-matividade baixo, médio ou alto.

Um texto bem articulado coerentemente possui relações de sentido entre suas informações, que se relacionam entre si. “A relação existente em um texto é a maneira como seus conceitos se organizam e os como exercem seus papeis uns com os outros na sociedade. As relações entre os fatos têm que estar presentes e ser pertinentes. Isso se constitui como fator lógico irrefutável. Um texto bem relacionado é um texto não- con-traditório. Se ocorrer contradições internas ou externas a textualidade ficará comprometida. Às vezes, o produtor de determinado texto levan-ta um ponto de vista (uma tese) e não consegue argumentá-la, os argu-mentos não passam de informações pautadas no senso comum. Como resultado disso, o texto começa a apresentar informações desencontra-das, sem sentido, contraditórias. De acordo com Costa Val (2006)

A coerência resulta também da não-contradição entre as diferentes partes de um texto que devem estar encadeadas logicamente. Cada parte é pressuposto da parte seguinte, e assim por diante, formando assim um entrecruzamento de ideias concatenadas harmonicamente. Quando ocorre ruptura nessa concatenação, ou quando uma parte atual do texto é contraditória com a anterior, rompe-se a coerência tex-tual, uma vez que ela é também resultante da adequação do que se diz ao contexto além texto, ou seja, tudo àquilo a que o texto diz respeito, que precisa ser conhecido pelo destinatário.

De acordo com a Linguística Textual a intertextualidade é um dos fatores de textualidade, pois todo texto faz remissão a outro texto ain-da que inconscientemente. Desse modo, tanto quem produz um texto quanto quem o recebe recorre ao conhecimento prévio de outros textos.

O conhecimento prévio sobre algo que foi exposto anteriormente é de grande importância para elaboração de um sentido ao novo texto, assim como contribuem com os conceitos que se instauram do mundo, da cultura e dos estereótipos. É natural que, ao confeccionar um texto, o autor se valha daquilo que já vivenciou.

Os conceitos referentes à intertextualidade são objetos de reflexão constantes na linguística contemporânea, porque sempre um texto dialo-ga com outro que o antecedeu no tempo e no espaço de sua produção.

Ao dialogar conscientemente com um texto anterior, nem sempre o autor faz referência à fonte, pois imagina que o leitor ative seu conheci-mento de mundo e compartilhe com ele das informações a respeito dos textos que compõem um determinado universo cultural.

De acordo com a teoria de Bakhtiniana acerca do dialogismo, os enunciados produzidos só adquirem sentido quando ocorre a interação

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verbal. A enunciação ocorre na relação com o outro e só desta forma é que ganha sentido, pois

[...] todo falante é por si mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele é o primei-ro falante, o primeiro a ter violado o terno silên-cio do universo do universo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que usa, mas também de alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios – com os quais o seu enunciado en-tra nessas ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte). Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados (BAKTHIN. 2003, p. 272).

Assim ocorre a experiência discursiva individual, que “se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros” (op. cit. 2003, p. 294).

Dessa interação constante entre os textos emerge o caráter intertex-tual. A própria constituição da palavra intertextualidade já deixa notória a relação que existem entre os textos. Evidentemente, que o sentido de texto aqui é visto como um recorte significativo feito no processo inin-terrupto na imensa rede sd significações dos bens e valores culturais. Dessa forma, a intertextualidade “encontra-se na base de constituição de todo e qualquer dizer” (KOCH, 2006, p. 75).

As diversas transformações verificadas na arte em geral têm levado muitos artistas a dialogarem não com a realidade aparente das coisas, mas com a realidade da própria linguagem. Compartilhando o seu espaço com as artes de modo geral, a linguagem literária, por exem-plo, alargou-se internamente, ao se apropriar de uma vasta gama de materiais estilísticos e formais pertencentes a outros espaços artísticos.

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Leituras recomendadas

”Este livro procura condensar noções re-levantes dessa teoria e aplicá-las à analise de redações de vestibular, na tentativa de estabe-lecer um diagnóstico e levantar sugestões para o trabalho com a expressão escrita na escola”.

“Toda a cultura, incluindo a produção lite-rária, dialoga com outras produções por meio de um processo intertextual. Todo o texto re-toma outro texto, relativizando a questão da autoria. Na produção literária, são vistas as epígrafes, a citação, a referência, a alusão. São especialmente destacados a paráfrase, a paródia, o pastiche e a tradução. A intertextu-alidade ainda é abordada na perspectiva da recepção e da história literária. Além da parte teórica, ricamente exemplificada, as autoras propõem para esta obra uma prática de vinte e uma atividades”(Sinopse Livraria Saraiva).

“A intenção deste livro é fixar algumas noções básicas acerca da propriedade textual da coesão e de sua relação com a coerência, com o objetivo de desenvolver nossa compe-tência para falar, ouvir, ler e escrever textos, com mais relevância, consistência e adequa-ção. Isso contribuirá para que todo leitor com-preenda o que fazer para deixar o seu texto articulado, encadeado, coeso e coerente” (Si-nopse da Livraria Saraiva).

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ResumoA coesão é estudada no interior da teoria da linguística textual como

uma propriedade do texto falado ou escrito, responsável pelos sucessivos encadeamentos de termos, de frases, de parágrafos, de modo que este tex-to como produto, se apresente como uma unidade de sentido. E a coerên-cia textual convive harmoniosamente com a coesão textual. Elas formam uma espécie de par “opositivo/distintivo”. Mas a textualidade ultrapassa a coesão gramatical e a lexical, pois o sentido do texto depende de “certo grau de coerência” que abrange os diversos elementos tanto do interior da produção quanto do seu exterior. Por isso, a coesão não é condição única para que o texto seja um todo significativo. Para a obtenção da coerência e o alcance da compreensão concorrem também fatores de ordem prag-mática, tais como: o contexto de situação, os atos de fala, as intenções do produtor e do receptor, grau de informatividade, não-contradicão e intertextualidade. Fatores como esses influenciam a interação do leitor com o texto e são vistos como aspectos fundamentais nesse jogo interativo, pois criam condições para que a comunicação se estabeleça.

Autovaliação

Este é o momento em que você deverá avaliar se seu aprendizado se deu a contento. Portanto, a proposta de autoavaliação que sugerimos deve ser realizada com bastante segurança. Se você considera que suas leituras ainda não foram suficientes para realizá-la, é importante que você retome as leituras, as discussões com o professor e os colegas, de modo a ter segurança para realizar a atividade que sugerimos a seguir:

Leia os textos abaixo: PODER INVISÍVEL e O DETERMINISMO GEOGRÁ-FICO. Compare os dois, levando em consideração seu trabalho como leitor/leitora para seguir as pistas coesivas e coerentes nos dois textos, na tentativa de compreendê-los.

Agora responda: o fato desses dois textos serem de gêneros di-ferentes, estarem endereçados (intencionalidade) a públicos diferentes (aceitabilidade) , faz com que haja maior dificuldade em reconhecer as pistas linguísticas neles presentes? Por quê?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Lembre-se de que, para responder a essa questão, você deve se ater aos critérios de coesão e coerência textuais responsáveis pela textu-alidade. Entra em jogo aqui o grau de informatividade acerca dos temas tratados nos textos.

TEXTO I

PODER INVISÍVEL

Noêmia Lopes

A gente não vê, mas a água de rios, lagos e ma-res tem moradores incríveis: o plâncton, seres minúsculos e essenciais para a vida na Terra.

Nessa turma estão algas, bactérias, fungos, crus-táceos, moluscos e outras criaturas microscópicas. Alguns não tem membros para locomoção e outros são pequenos demais para nadar. Por isso, eles ficam flutuando na água.

Existem dois tipos de plâncton, o vegetal e o ani-mal. Os dois servem de comida para vários animais, por isso são importantes no equilíbrio da cadeia alimentar. Além disso, o plâncton vegetal faz a fotossíntese e fornece grande parte do oxigênio que existe no planeta.

(RECREIO, Ano10, nº 504, 5/11/2009)

TEXTO II

O DETERMINISMO GEOGRÁFICO

O determinismo geográfico considera que as diferen-ças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. São explicações existentes desde a Antiguidade, do tipo das formuladas por Pollio, Ibn Khaldun, Bodin e outros, como vimos anteriormente.

Estas teorias, que foram desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e no início do século XX, ganharam uma grande popularidade. Exemplo signifi-cativo desse tipo de pensamento pode ser encontrado em Huntington, em seu livro Civilization and Climate (1915), no qual formula uma relação entre a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como um fator impor-tante na dinâmica do progresso.

A partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros, refutaram este tipo de determinismo

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e demonstraram que existe uma limitação na influência ge-ográfica sobre os fatores culturais. E mais: que é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico.

Tomemos, como primeiro exemplo, os lapões e os es-quimós. Ambos habitam a calota polar norte, os primeiro no norte da Europa e os segundos no norte da América. Vivem, pois, em ambientes geográficos muito semelhantes, caracterizados por um longo e rigoroso inverno. Ambos têm ao seu dispor flora e fauna semelhantes. Era de se esperar, portanto, que encontrassem as mesmas respostas culturais para a sobrevivência em um ambiente hostil. Mas isto não ocorre:

Os esquimós constroem suas casas (iglus) cortando blocos de neve e amontoando-os num formato de colméia. Por dentro a casa é forrada com pelos de animais e com o auxílio do fogo conseguem manter o seu interior suficien-temente quente. É possível, então, desvencilhar-se das pe-sadas roupas, enquanto no exterior da casa a temperatura situa-se a muitos graus abaixo de zero grau centígrado. Quando deseja, o esquimó abandona a casa tendo que carregar apenas os seus pertences e vai construir um novo retiro

Os lapões, por sua vez, vivem em tendas de peles de rena. Quando desejam mudar os seus acampamentos, necessitam realizar um árduo trabalho que se inicia pelo desmonte, pela retirada do gelo que se acumulou sobre as peles, pela secagem das mesmas e o seu transporte para o novo sítio.

Em compensação, os lapões são excelentes criadores de renas, enquanto tradicionalmente os esquimós limitam--se à caça desses mamíferos.

A aparente pobreza glacial não impede que os esqui-mós tenham uma desenvolvida arte de esculturas em pe-dra-sabão e nem que resolvam os seus conflitos com uma sofisticada competição de canções entre os competidores.

Um segundo exemplo, transcrito de Felix Keesing, é a variação cultural observada entre os índios do sudoeste norte-americano: (...)

(LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um con-ceito Antropológico. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editor. 1997, p. 21-22).

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MARTELLOTA, M. et. alii. (orgs.) Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.

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