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8 São Paulo, de 5 a 11 de dezembro de 2013 CIDADE Mãe e filha são referência em roupas para transexuais e travestis há 23 anos Mãe e filha passam apuros devido ao preconceito Estilista Cris Cabana: “Foi nossa oportunidade para trabalhar e a oportunidade delas de serem atendidas”. Tereza enfrentou problemas por costurar para garotas de programa Dupla investe no mercado externo Cris comanda o Facebook da marca, conversa dire- tamente com as consu- midoras, serve de modelo para as peças e diz ser sua própria ‘Gisele Bündchen’. Desde 1995, começaram a explorar o mercado transexual no exterior e já estiveram nos EUA, Aus- trália, Inglaterra, Espanha, Alemanha, França e Itália. “Todas as vezes que viajamos para vender nossas peças, nunca gastamos com hospeda- gem. Somos acolhidas nas casas delas, nas pensões e até mesmo em prostíbulos. Falavam de nossas roupas para as amigas e elas queriam também”, conta Cris. Tubinhos e triquínis, os mais vendidos A primeira máquina de costura ainda está no ateliê, restaurada, para lembrar o que Cris e Tereza passaram para se tornarem referência na moda transexual. “Traba- lhei mais de 20 anos nes- sa máquina e a restaurei para ficar comigo, pois ela me deu o apartamen- to, o ateliê, o estudo das minhas filhas, me deu tudo”, ressalta Tereza. As peças mais vendidas são os vestidos tubinhos, os triquínis – peça clássica do guarda-roupa tran- sexual – e as calcinhas com estrutura diferente e reforçada, ideal para deixar a clientela confortável. As vendas são potencializadas pelo boca a boca e pelas redes sociais. # Marca é brincadeira com grife italiana A marca, anteriormente chamada de Tereza Fashion, mudou de nome devido a uma brincadeira na Itália entre clientes com o nome Gabanna, da marca italiana Dolce & Gabanna, e a palavra em portu- guês. A expressão ‘cabanar’ já virou comum entre as clientes que usam o ‘verbo’ para dizer que vão arrasar com o look da estilista. Para Cris, a moda também é uma maneira de se posi- cionar politicamente. “Principalmente para elas que estão mudando o tempo inteiro, pois a roupa é um modo que as transexuais têm para se firmar o tempo todo.” ANUNCIE 2459-8888 A moda é para todos JÉSSICA BATISTA A moda não é apenas o que se vê nos catálogos e desfi- les. É a forma de se projetar e firmar a identidade. Antes de escolher uma roupa, a pessoa deve levar em consideração seu estilo e as diferentes influências externas e referências de vida. Muitos se sentem excluídos, sem empresas e pro- fissionais que produzam para satisfazer grupos distintos. O CEO da rede Abercrombie & Fitch declarou recente- mente que não deseja que gordos consumam seus produ- tos. “Toda escola tem crianças cool e populares e as não tão cool. Vamos atrás das cool, das crianças totalmente ameri- canas, com ótima personalidade e vários amigos. Muitas pessoas não pertencem, e elas não podem pertencer. Se so- mos excludentes? Absolutamente”, disse Mike Jeffries. Obesos têm dificuldades para encontrar roupas que caiam bem. Negros se sentem fora da moda. Não estão em evidência nos desfiles, propagandas, catálogos e novelas. Grupos já protestaram para pedir cotas em desfiles. Um grupo excluído pela sociedade ganhou um nome na moda: Tereza Cabana. O ateliê especializado em moda transexual leva o nome da costureira que, junto com a fi- lha, Cristina, trabalha num aconchegante estúdio nos Jar- dins especializado há mais de 20 anos em criar peças ao público fiel. “Foi sorte encontrar este nicho. Nossa opor- tunidade para trabalhar e a oportunidade delas de serem atendidas. Elas me consideram madrinha, mas me ajudam mais que eu a elas”, conta a estilista Cris Cabana, 45 anos. Tereza, 70 anos, é cearen- se e veio para São Paulo com Cristina ainda no colo, com nove meses. Começou a costu- rar depois de ser despedida de seu antigo emprego em uma fábrica e trabalhava em um pequeno apartamento na rua Paim, Centro, para sustentar ela e mais três filhas. Depois de conhecerem a travesti Monica, 17 anos, que dava várias ideias de roupas que queria usar, ou- tras procuraram o apartamen- to em busca de modelos. Em vários momentos, mãe e filha passaram por apuros pelo fato de costurarem para muitas garotas de programa. “Enfrentei muitos problemas quando começamos a costurar. Sempre associam o travesti ao tráfico de drogas, mas nós que- ríamos somente vender nossas peças. Tivemos de lutar mui- to”, conta a costureira. FOTOS: LUCIANO AMARANTE

Tereza Cabana

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Ateliê de moda referência em moda transexual no Brasil e exterior.

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Page 1: Tereza Cabana

8 São Paulo, de 5 a 11 de dezembro de 2013cidade

Mãe e filha são referência em roupas para transexuais e travestis há 23 anos

Mãe e filha passam apuros devido ao preconceito

Estilista Cris Cabana: “Foi nossa oportunidade para trabalhar e a oportunidade delas de serem atendidas”.

Tereza enfrentou problemas por costurar para garotas de programa

Dupla investe no mercado externoCris comanda o Facebook da marca, conversa dire-tamente com as consu-midoras, serve de modelo para as peças e diz ser sua própria ‘Gisele Bündchen’. Desde 1995, começaram a explorar o mercado transexual no exterior e já estiveram nos EUA, Aus-trália, Inglaterra, Espanha, Alemanha, França e Itália. “Todas as vezes que viajamos para vender nossas peças, nunca gastamos com hospeda-gem. Somos acolhidas nas casas delas, nas pensões e até mesmo em prostíbulos. Falavam de nossas roupas para as amigas e elas queriam também”, conta Cris.

Tubinhos e triquínis, os mais vendidos A primeira máquina de costura ainda está no ateliê, restaurada, para lembrar o que Cris e Tereza passaram para se tornarem referência na moda transexual. “Traba-lhei mais de 20 anos nes-sa máquina e a restaurei para ficar comigo, pois ela me deu o apartamen-to, o ateliê, o estudo das minhas filhas, me deu tudo”, ressalta Tereza. As peças mais vendidas são os vestidos tubinhos, os triquínis – peça clássica do guarda-roupa tran-sexual – e as calcinhas com estrutura diferente e reforçada, ideal para deixar a clientela confortável. As vendas são potencializadas pelo boca a boca e pelas redes sociais.

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Marca é brincadeira com grife italianaA marca, anteriormente chamada de

Tereza Fashion, mudou de nome devido a uma brincadeira na Itália entre clientes com o nome Gabanna, da marca italiana Dolce & Gabanna, e a palavra em portu-guês.

A expressão ‘cabanar’ já virou comum entre as clientes que usam o

‘verbo’ para dizer que vão arrasar com o look da estilista. Para Cris, a moda também é uma maneira de se posi-cionar politicamente. “Principalmente para elas que estão mudando o tempo inteiro, pois a roupa é um modo que as transexuais têm para se firmar o tempo todo.”

ANUNCIE2459-8888

A moda é para todos

JÉSSICA BATISTA

A moda não é apenas o que se vê nos catálogos e desfi-les. É a forma de se projetar e firmar a identidade. Antes de escolher uma roupa, a pessoa deve levar em consideração seu estilo e as diferentes influências externas e referências de vida. Muitos se sentem excluídos, sem empresas e pro-fissionais que produzam para satisfazer grupos distintos.

O CEO da rede Abercrombie & Fitch declarou recente-mente que não deseja que gordos consumam seus produ-tos. “Toda escola tem crianças cool e populares e as não tão cool. Vamos atrás das cool, das crianças totalmente ameri-canas, com ótima personalidade e vários amigos. Muitas pessoas não pertencem, e elas não podem pertencer. Se so-mos excludentes? Absolutamente”, disse Mike Jeffries.

Obesos têm dificuldades para encontrar roupas que caiam bem. Negros se sentem fora da moda. Não estão em evidência nos desfiles, propagandas, catálogos e novelas. Grupos já protestaram para pedir cotas em desfiles.

Um grupo excluído pela sociedade ganhou um nome na moda: Tereza Cabana. O ateliê especializado em moda transexual leva o nome da costureira que, junto com a fi-lha, Cristina, trabalha num aconchegante estúdio nos Jar-dins especializado há mais de 20 anos em criar peças ao público fiel. “Foi sorte encontrar este nicho. Nossa opor-tunidade para trabalhar e a oportunidade delas de serem atendidas. Elas me consideram madrinha, mas me ajudam mais que eu a elas”, conta a estilista Cris Cabana, 45 anos.

Tereza, 70 anos, é cearen-se e veio para São Paulo com Cristina ainda no colo, com nove meses. Começou a costu-rar depois de ser despedida de seu antigo emprego em uma fábrica e trabalhava em um pequeno apartamento na rua Paim, Centro, para sustentar ela e mais três filhas. Depois de conhecerem a travesti Monica, 17 anos, que dava várias ideias de roupas que queria usar, ou-

tras procuraram o apartamen-to em busca de modelos.

Em vários momentos, mãe e filha passaram por apuros pelo fato de costurarem para muitas garotas de programa. “Enfrentei muitos problemas quando começamos a costurar. Sempre associam o travesti ao tráfico de drogas, mas nós que-ríamos somente vender nossas peças. Tivemos de lutar mui-to”, conta a costureira.

fotos: lUCIANo AMARANtE