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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL BOLETIM Nº 32 MAIO DE 2011 A Propósito do1º de Maio Ecologismo Burguês: a nova moda MANIFESTO EM PROL DA SEMENTE E DA SOBERANIA ALIMENTAR Memória: Ecologia e Trabalho

Terra Livre 32

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Boletim para a criação do CAES

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 32 MAIO DE 2011

A Propósito do1º de Maio

Ecologismo Burguês: a nova moda

MANIFESTO EM PROL DA SEMENTE E DA SOBERANIA ALIMENTAR

Memória: Ecologia e Trabalho

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Com o objectivo de reivindicar a redução da

jornada de trabalho para 8 horas de trabalho

diário realizou-se, a 1 de Maio de 1886, em

Chicago, nos Estados Unidos da América uma

greve que contou com a participação de 350 mil

trabalhadores. Na sequência de um confronto

entre a polícia e os grevistas foi convocada uma

manifestação para o dia 4, tendo no decorrer

desta morrido um polícia, resultado de uma

explosão, e sido assassinados 80 operários.

Foram presos alguns dos líderes, dos quais

depois de encerrado o processo, em Outubro de

1887: 4 foram enforcados, 5 condenados à

morte, 3 condenados a prisão perpétua e 1 foi

morto, em circunstâncias estranhas, na prisão.

Três anos mais tarde, em 1889, em homenagem

aos mortos de Chicago, a Segunda Internacional

Socialista, reunida em Paris, decidiu convocar

anualmente uma manifestação com o objectivo

de lutar pelas 8 horas de trabalho diário.

Hoje, a crise económica, social e ambiental que

aflige todo o planeta, está associada ao aumento

de dificuldades por que estão a passar os mais

débeis, os idosos, as mulheres, os imigrantes, os

trabalhadores e ao contrário do que seria de

esperar poucos são os que vêm para a rua lutar

ou os que o fazem nos seus lugares de trabalho

ou de residência.

Com efeito, intoxicados pela comunicação

social, nomeadamente pela televisão, pelas

distracções criadas por governantes e

capitalistas ou com as dificuldades amenizadas

pelas instituições de caridade dirigidas pela

igreja, por familiares ou por “homens/mulheres

de mão” dos responsáveis pela situação em que

vivemos, as pessoas preferem ficar em casa, de

braços cruzados, à espera que sejam os seus

sindicatos, os partidos políticos ou algum D.

Sebastião a encontrar uma solução para os

problemas.

O recurso a políticas laborais que nos fazem

lembrar as do século XIX (precariedade no

trabalho, batalhões de desempregados, trabalho

mal remunerado, etc.) e a politicas ambientais

que desrespeitam o património natural e que

fomentam o uso indevido dos recursos naturais

exige por parte dos cidadãos uma resposta que

passa pela auto-organização nos seus locais de

trabalho ou de residência.

No primeiro de Maio, não há razões para festas

e patuscadas nem motivos para a participação

apática em procissões, seguidas de sermões por

parte dos dirigentes que se perpetuam nos

sindicatos e muitas das vezes estão ao serviço

de agendas que não são as dos trabalhadores que

dizem representar.

Pelo contrário, para além de rendermos a nossa

homenagem aos Mártires de Chicago e a todos

os que têm lutado por um mundo mais justo,

limpo e pacífico, devemos estar unidos em

defesa de um novo modelo económico e de

outras políticas e dar o nosso contributo, por

mais modesto que seja, para que tal se torne

uma realidade.

T. B.

3 de Abril de 2011

A Propósito do 1º de Maio

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As dolorosas e graves consequências da

intervenção humana na Terra estão

atingindo patamares impressionantes. Um

cenário catastrófico paira no ambiente. O

que já está ruim irá piorar. Essa é a única

unanimidade sobre o caso. Inevitavelmente

surge um debate na sociedade a respeito das

mudanças climáticas e muitos passam a

especular quais atitudes deveriam ser

adotadas para "frear" o esgotamento dos

recursos naturais e os impactos ambientais

causados pela "humanidade". Como sempre

as classes dominantes e seu bando de

“abutres” (oportunistas, exploradores,

pelegos, políticos, investidores, grandes

proprietários, empresariado, associados das

grandes indústrias multinacionais,

banqueiros, ricos, latifundiários, ONG´s,

especuladores...) tomaram a dianteira e a

rédea do debate e dos fatos. A burguesia e

as classes dominantes de maneira maliciosa

e sorrateira controlam plenamente o debate,

por temor que as classes exploradas e mais

afetadas com as mudanças climáticas

adotem atitudes por conta própria no

sentido de romper com o doloroso processo

de devastação e poluição. Por receio de seus

privilégios e fortunas serem afetadas, os

ricos e seus representantes, passam a

organizar inúmeros congressos, matérias

em revistas, discursos nos palanques,

reuniões de gabinete para acharem as

medidas mais amenas possíveis, aquelas

bem paliativas, que não colidam com seus

interesses, e que sejam o norte das decisões

políticas e do debate a respeito das

mudanças climáticas.

Hoje há inúmeros estudos e pesquisas

científicas que são contundentes e

alarmantes a respeito das mudanças

climáticas e dos regimes de chuva. A

poluição ambiental, o desflorestamento, o

uso irresponsável dos recursos naturais, a

agressão continua à fauna e flora está

acarretando diversas conseqüências ruins

para o planeta. Dessa forma ficou

impossível para a burguesia e os demais

responsáveis pela devastação ambiental

esconderem da sociedade o fruto podre que

o sistema gerou. Não nos resta duvidas a

respeito de que o capitalismo é o maior

causador, patrocinador e incentivador da

poluição, da devastação, do uso do solo de

maneira irresponsável, da extração da

madeira, da invasão das terras indígenas, da

extração mineral, das emissões de CO2 na

atmosfera, da produção industrial em larga

escala com uso indiscriminado de produtos

Ecologismo Burguês: a nova moda

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químicos, da manutenção dos latifúndios...

Sendo assim a raiz dos problemas.

O uso de venenos, agrotóxicos, sementes

geneticamente modificadas nas extensas

lavouras estão afetando drasticamente os

rios aos arredores acarretando, assim, um

forte declínio na produtividade do solo e

comprometendo os biomas locais. Inúmeras

árvores da floresta amazônica são cortadas

cotidianamente e enviadas ao exterior, para

atender a “demanda” por madeira de lei dos

ricos e burgueses da Europa e dos EUA. As

indústrias não param de emitir grandes

quantidades de poluentes na atmosfera,

mesmo havendo inovadoras tecnologias

limpas. O latifúndio preserva a situação

deplorável no campo, onde milhares de

camponeses não tem terra para plantar e

padecem à beira das estradas lutando para

sobreviver. Os poucos trabalhadores são

confinados a longas jornadas e baixos

salários. A monocultura extensa traz

consigo a pobreza, pois os gêneros são

produzidos em larga escala e exportados, o

salário pago aos trabalhadores do campo

(vide os bóias-fria) é insuficiente para

sobreviver dignamente. A concentração de

terra nas mãos de poucos abastados impede

que haja a plantação de pequenas lavouras

de alimentos variados destinados a atender

as necessidades básicas das pessoas locais.

Assim sendo essas pessoas se tornam reféns

das redes de supermercado e dependentes

de produtos de origem duvidosa.

O que queremos ressaltar aqui é que as

classes dominantes edificaram uma enorme

fortuna com a devastação ambiental, com a

estrutura fundiária atual, com o

desflorestamento, com a invasão das terras

indígenas, com as grandes indústrias e com

todas as outras formas agressivas ao eco-

sistema de se gerar lucro. Relegando para

os trabalhadores a miséria, a pobreza

extrema, a fome, o trabalho semi-escravo e

os reflexos da destruição de nosso planeta.

A burguesia está ciente agora que a fonte

de lucro da devastação está esgotando-se.

Os recursos (alguns) estão ficando cada vez

mais escassos. Então ela e seus

representantes começam a articular novas

formas de saquear o povo e a Terra sob um

belo discurso ambientalista. Virou moda

nos círculos burgueses a palavra ecologia,

ambientalismo, respeito ao meio ambiente...

Um cinismo maldoso que denunciamos

abertamente. Governantes, multinacionais,

o grande capital e as infinitas aves de rapina

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capitalistas se apoderaram do pouco que

ainda resta de precioso na natureza. Sempre

visando à lógica do lucro e esconder os

verdadeiros causadores da devastação.

Reservas ambientais, lugares intocados, rios

sem poluição, só podem ser visitados sob a

custódia de alguma empresa de turismo. Os

valores dos pacotes de eco-turismo são

elevados. Os pobres novamente são

impedidos de ter acesso a tais paraísos,

somente podendo ver o que resta da vida

selvagem e das florestas na televisão. Surge

então diversas ONG`s ambientalistas. E o

“ambientalismo” é então estritamente

modelado segundo os interesses das classes

dominantes. “Aparecem áreas de

conservação ambiental protegida”, Parques

Nacionais, e inúmeras outras medidas

paliativas que são usadas como camuflagem

para os maiores devastadores adentrar em

determinados locais, prestando serviço ao

capital. Também usadas para lavagem de

dinheiro, para lavagem cerebral do nosso

povo, inúmeras dessas ONG´s estão

atoladas na corrupção, seus padrinhos e

financiadores são os próprios madeireiros e

donos de empresas de mineração. Os

discursos destas carregam um forte teor de

reformismo e conformismo.

Unidos pela ânsia de lucro, setores

políticos, midiáticos e econômicos

promovem a lavagem cerebral na população

impedindo a verdadeira tomada de

consciência tão necessária para a ruptura

com a lógica destrutiva capitalista.

Impedindo qualquer possibilidade de

construirmos outros caminhos para se viver

bem na Terra. Diversos ativistas

(verdadeiramente ativos e que lutam contra

as verdadeiras causas do desflorestamento e

poluição) sofrem duras represálias. Muitos

deles sendo brutalmente mortos a mando

dos ricos fazendeiros, ligados à extração da

madeira e a mineração. Prevalecendo na

sociedade o “ecologismo-burguês”,

assistencialista, light, de lavagem de

dinheiro, de discurso de campanha eleitoral,

o ecologismo conservador atrelado aos

interesses da burguesia. Muitos desavisados

caem no conto do vigário e passam a apoiar

e promover o “paleativismo” ambiental, as

mais radicais se tornam ativistas nas ONG`s

dos ricos, como o Greenpeace, prestando

serviços aos inimigos sem saberem ao

certo.

Nós anarquistas fazemos uma crítica

radical da desastrosa interferência

capitalista no meio ambiente. Acreditamos

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que as conseqüências sociais decorrentes

desse processo são tão devastadoras quanto

às físicas e naturais. Trabalhadores vivendo

miseravelmente no campo e nas cidades,

sob condições deploráveis no que se refere

à falta de água tratada, rede de esgoto,

saneamento básico, coleta de lixo. Diversas

comunidades ribeirinhas estão sendo

afetadas pelas barragens, outras sofrem

cruelmente a mudança dos regimes de

chuvas e climáticas. Rios inteiros poluídos

e matas derrubadas. Um cenário triste,

porém real.

No nosso entendimento acreditamos que

só será possível reverter esse triste quadro

com a ruptura plena com o capitalismo e o

modelo econômico em que vivemos. Essas

são as causas de todas as mazelas. Assim

sendo é indispensável vencermos essa causa

para uma triunfante vitoria. Lutar apenas

contra os galhos dos problemas ambientais,

como quer desesperadamente os burgueses

e governantes, é servir às políticas

reformistas dos mais diretos responsáveis

pela devastação na Terra. Pensamos que

devemos concentrar nossa ação na causa e

não nos sintomas.

Concordamos que as pessoas dispostas a

mudar radicalmente para melhor a inter-

relação com o meio ambiente e os recursos

naturais podem adotar pequenas atitudes no

sentido de reverter o processo. Tais como:

Incentivar a expropriação e coletivização de

todos os latifúndios, terras improdutivas,

fabricas... pelos trabalhadores.

Praticar e incentivar a agricultura orgânica,

que é uma técnica avançada de plantio sem

o uso de fertilizantes químicos ou

agrotóxicos (tão nocivos ao meio

ambiente). Os alimentos orgânicos são de

alta qualidade e muito melhor para a saúde

da população. O Uso do plantio orgânico é

muito melhor para o solo e o meio

ambiente.

Boicote econômico de produtos de

empresas agressoras, que produzem

alimentos geneticamente modificados.

Pratica de sabotagem contra as mineradoras

e madeireiras.

Criar mecanismos de luta e resistência

contra o capitalismo. Como: coletivos,

informativos, praticas de ação direta,

protestos, sabotagem...

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Adubar o terreno para a implantação de um

novo modo de se viver pautado na livre

organização, na autogestão política e

econômica, no federalismo, na

solidariedade, na igualdade e na liberdade

de todos.

Acreditamos também que é preciso e

muito importante mudar a postura e hábitos

em relação à questão ambiental no nosso

dia-a-dia. Podemos adotar atitudes

fundamentais para se viver numa sociedade

futura que se paute em outros princípios na

forma de se interagir com a Terra como:

reciclar o lixo, não desmatar, fazer mutirões

de coleta de dejetos e detritos que estão

espalhados por todos os lados, educar o

próximo a respeito do meio ambiente...

Assim estaremos aptos e preparados para o

que virá.

Nossa conclusão é que devemos estar

atentos para não servirmos de cobaias de

governantes e ricos e cairmos na conversa

mole do “ecologismo- burguês”.

Precisamos ter sempre em mente que é

fundamental romper com o capitalismo para

mudar o curso das conseqüências das

mudanças climáticas e ambientais. Pois sem

ter isso em mente nunca iremos atingir a

raiz dos problemas e a cura desse mal,

padeceremos na eterna luta para amenizar

os sintomas. Porém é nossa tarefa adubar o

solo para a Revolução Social e o

Socialismo Libertário, que acreditamos ser

a única maneira de reverter esse processo.

Acreditamos que devemos adotar pequenas

atitudes desde já, que no nosso

entendimento são fundamentais no sentido

de vivermos bem entre nós e a Terra.

Abaixo ao ecologismo-burguês!

* publicado na edição Janeiro/Fevereiro

de 2010 do jornal O Libertário,

informativo do PAEM.

Fonte:http://coletivopaem.blogspot.com/sea

rch/label/ecologismo-

burgu%C3%AAs%20nova%20moda%20cr

%C3%ADtica%20anarquista%20ambientali

smo%20PAEM

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Não se sabe bem ao certo, mas terá sido há

dez ou onze mil anos que a humanidade

lançou à terra as primeiras sementes com o

intuito de colher algo para seu sustento.

Dessa colheita terão resultado, por certo,

não apenas alimentos imediatos, mas

também novas sementes, que tornariam a

ser semeadas no ano seguinte. Ficou assim

traçada a orientação que viria a assegurar,

até há algumas dezenas de anos atrás, a

capacidade de todos nós, homens e

mulheres, conseguirmos ultrapassar as

contingências da natureza, deixando de

estar sujeitos à sua aleatória generosidade

no tocante à oferta de alimentos colectáveis,

passando a cultivá-los para assegurar a

soberania alimentar.

Passados alguns milhares de anos de

evolução desta orientação de vida, foram

sendo domesticadas pelo homem milhares

de variedades de plantas e animais,

ampliando muito as espécies disponíveis.

Esta diversidade de espécimes de cultivares

e de animais, fomentada pelo homem,

muitas vezes como resultado do seu

engenho, permitiu-lhe transpor as mais

diversas barreiras, físicas e temporais, para

conquistar os mais recônditos lugares do

planeta. Hoje sabemos, pelos muitos factos

históricos conhecidos, que em cada novo

contacto do homem com diferentes plantas

e animais ocorre não apenas um

enriquecimento do indivíduo enquanto ser

cultural, mas também uma melhoria no seu

ser físico, graças ao acesso a acrescidas

fontes de alimentos.

Estas longas conquistas da humanidade

estão agora prestes a ser eliminadas ou, pelo

menos, restringidas, pois outros interesses

se levantam. A pretexto de questões como a

necessidade de rastrear o percurso dos

alimentos e a segurança alimentar, a

Comunidade Europeia prepara-se para

estabelecer uma directiva legal no sentido

de impedir que as pessoas que sempre

semearam e recolheram, assegurando a sua

soberania alimentar, possam continuar a

agir dessa maneira. Esta lei põe em causa

um direito ancestral conquistado para todos

nós, o de utilizarmos e guardarmos as

sementes resultantes do trabalho e engenho

dos nossos antepassados, direito esse que

devemos continuar a legar às gerações

futuras. Esta lei pretende atribuir estatuto

museológico às variedades tradicionais que

nos foram legadas por incontáveis gerações,

enraizando-as no seu suposto lugar de

MANIFESTO EM PROL DA SEMENTE E DA

SOBERANIA ALIMENTAR

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origem e impondo que a sua

comercialização e cultura, bem como o

aproveitamento das suas sementes, se faça

apenas nesse local e somente por alguns.

Esta lei europeia, a ser aprovada, limita as

áreas de cultivo e o número de pessoas que

podem aceder às variedades tradicionais, as

quais só terão direito a existir depois de

submetidas a certificação. Não se entende

como uma Europa que defende os valores

da democracia, do livre acesso a bens e da

sua livre circulação, pretende assim limitar

o acesso de todos nós a este legado das

sementes ancestrais.

No caso em apreço, podemos estar mais

uma vez perante uma mentira. Quais são os

verdadeiros interesses que estão por trás

destas leis restritivas da Comunidade

Europeia? Na verdade, por trás de palavras

como «certificação», cujo sinónimo deveria

ser autenticidade ou segurança, esconde-se

muitas vezes a restrição no acesso a um

direito, que fica, a partir daí, apenas ao

alcance de quem pode pagar ou tem mais

meios. A certificação significa, para uma

Europa ávida de dinheiro e com uma

economia em ruínas, a entrada de mais

dividendos nos seus cofres.

Com efeito, se a semente não fosse «a

origem», não seria tão aliciante querer

controlar os seus destinos. A pressão que

nos últimos anos vem sendo exercida por

algumas multinacionais do sector da agro-

indústria, as quais, não satisfeitas com o

domínio que já exercem através das

patentes das suas «criações», procuram

também apropriar-se das plantas que são

património comum da humanidade

estabelecendo patentes sobre as variedades

ancestrais, revela a urgência imperativa de

controlarem a distribuição dos alimentos

desde a origem até à nossa mesa.

Na verdade, não se percebe como é possível

permitir que alguém, pessoa ou empresa,

registe em seu nome algo que não criou e se

torne seu «legítimo» proprietário. Não se

percebem estas leis europeias com dois

pesos e duas medidas, a não ser, repetimos,

porque o registo de patentes constitui mais

uma fonte de receitas para os cofres das

instituições que as pretendem impor. Mas é

evidente que corremos sérios riscos quando

as sementes das variedades tradicionais, que

são património da humanidade e como tal

devem estar livremente acessíveis a todos,

passam a ser objecto de controlo estatal

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para ficarem nas mãos de entidades

exclusivas.

Poderemos estar prestes a assistir à

consumação do maior atentado cometido na

história das civilizações humanas, em que

alguns homens, com as suas leis, põem em

causa a sobrevivência da maioria. Porque é

disso que se trata quando se pretende

reduzir drasticamente o número de

variedades e obrigá-las a permanecer

imóveis nos seus supostos locais de origem,

parando assim a sua e a nossa evolução.

Perante a possibilidade de ser aprovada a

nova Lei das Sementes na Europa,

declaramos ser nossa intenção continuar a

fazer o que sempre fizemos: lançar as

sementes à terra, recolhê-las no fim da

estação, guardar algumas para o ano

seguinte e partilhar outras com amigos,

vizinhos e interessados. Achamos que esta

será a melhor forma de resistir, pois foi a

postura que os nossos antepassados

mantiveram ao longo de milénios e que,

apesar das muitas hecatombes a que a

humanidade se viu sujeita ao longo da sua

existência, não impediu que chegasse até

nós um sem número de espécies e

variedades. É certo que muitas se perderam

ao longo desse percurso, mas isso

aconteceu mais por desinteresse ou por

abandono da actividade agrícola do que por

qualquer lei impeditiva. Esta será sempre a

nossa principal linha de acção. Se não

assumirmos esta postura, será difícil

reclamarmos o direito a usar e guardar as

sementes, pois só isso permite que elas

continuem a existir.

Instigamos todas as pessoas favoráveis à

permanência das variedades tradicionais

que nos sigam no exemplo e resistam,

mesmo que a referida lei venha a ser

aprovada. Por ser também da máxima

importância usá-las no nosso dia-a-dia,

instigamos todos os interessados a conhecer

melhor este espólio, solicitando-o nos

pontos de venda, estimulando a sua oferta e

consumo.

A Colher para Semear vai levar a cabo uma

iniciativa de âmbito nacional, no dia 17 de

Abril, em Lisboa, no Jardim da Estrela,

pedindo a todos os interessados que se

desloquem à capital para trocar as suas

sementes e manifestar o seu apreço pelo

direito à existência das variedades

tradicionais como um legado da

humanidade.

Abril de 2011

Colher para Semear (recebido por mail)

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O termo Ecologia foi usado pela

primeira vez, em 1866, por Ernst

Haeckel, na sua obra Generelle

Morphologie der Organismen. Segundo

ele, a ecologia é “a investigação das

relações totais do animal tanto com o

seu ambiente orgânico como

inorgânico”.

A Ecologia, que só a partir de 1919

deixou de ser um ramo da Biologia,

pode ser definida como “o estudo da

dependência e da interacção entre os

sistemas biótico e abiótico da Terra”.

Ao considerar que o homem vive,

simultaneamente, num ambiente

natural, social e psicológico Julian

Huxley advoga a necessidade de se

ampliar o conceito de Ecologia. Assim,

segundo ele, a Ecologia Social “lida

com as relações sociais do homem,

tanto dentro como entre as sociedades

humanas” e Ecologia Psicológica

“preocupa-se com as relações

individuais e colectivas do homem, com

as forças e recursos da sua natureza

íntima e o mundo das ideias, crenças e

valores que ele criou e com os quais se

cercou”.

Estudando a relação entre os seres vivos

e o seu ambiente, a Ecologia interessa

directamente a todas as pessoas. Talvez

por isso, é uma ciência que está “na

moda”, falando-se mesmo dela nos

jornais e outros meios de comunicação

ligados à Direita.

A Direita, sobretudo através da defesa

do ambiente e da luta anti-poluição,

adaptou a ecologia – ciência

revolucionária, pois as suas leis exigem

que transformações radicais na vida

social sejam operadas caso se deseje

manter a vida no planeta- com o

objectivo de “escamotear e recobrir a

luta de classes com as tintas idealistas

da boa convivência pacífica”.

Ao contrário do que alguma esquerda

acusa , a luta ecológica não desvia as

massas trabalhadoras da luta de classes.

Afonso Cautela, o “maluquinho” da

Frente Ecológica, um dos históricos do

movimento ecológico no nosso país,

identifica-as mesmo. Eis o que nos diz

sobre o assunto:

“A guerra de classes é planetária como

planetária é a guerra ecológica. E não

é por acaso que a guerra do extermínio

ecológico coincida com o auge da

guerra de classes que foi o Vietname.

Memória: Ecologia e Trabalho

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Apesar de planetária, porém, esta

guerra começa em casa, no prato da

comida, na rua, no bairro, na aldeia, na

vila: antes e depois de passar pelo

lugar de trabalho (onde muitos ainda a

querem restringir) a luta de classes ou

guerra ecológica passa pela nossa

intimidade, pelos nossos hábitos (de

consumo, principalmente), pela nossa

vida quotidiana, prosseguindo até onde

a assassina sociedade do desperdício

estende os seus tentáculos. Até onde o

crime industrial lança as suas garras de

poluição. Até onde a Burocracia aliena

e avilta com as suas cadeias. Até onde

os supersónicos (Concorde e Tupolev)

destroem a fina camada de ozono que

nos protege das radiações mortais. Até

onde os arrastões de todas as frotas

imperiais destroem toda a fauna

marinha e todo o miniplancton que

serve de base á cadeia alimentar e

portanto à sobrevivência humana. Até

onde o empório nuclear consegue fazer

chegar os seus cancros radioactivos.

Até onde o homem é apenas a cobaia de

uma indústria médico-cirúrgica apenas

ocupada em fabricar doentes para que

os stocks de vacinas, antibióticos,

anticoncepcionais, tranquilizantes se

continuem escoando. Até onde a cidade

polvo é um ninho de lacraus

enraivecidos devorando-se entre si. Até

onde o Ruído é institucionalizado e

absolutamente constitucional…Até onde

se gasta em armamento num dia oque

não se gastou durante um século para

atar a fome aos esfomeados do Terceiro

Mundo”.

Enquanto que para os ambientalistas (

defensores do ambiente) o objectivo da

sua luta é apenas alterar as relações

entre os homens e o ambiente mantendo

esta sociedade onde o lucro é o rei e o

trabalho vassalo para o movimento

ecologista a luta ecológica não é um fim

em si, mas apenas uma etapa para se

atingir um objectivo maior, a completa

transformação da sociedade o que

implica uma nova relação entre o

homem e a colectividade, o meio

ambiente e a natureza.

Se a crise em que vivemos é

“democrática” já que atinge

indiscriminadamente todos os membros

da sociedade, a verdade é que são as

classes mais desfavorecidas, os

trabalhadores e os operários as

principais vítimas.

Para além do desemprego, o actual

sistema económico provocou novos

males ao trabalhador. As más condições

de trabalho causam um número bastante

grande de acidentes. As doenças

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provocadas pela poluição ameaçam

directamente a sua saúde. A

automatização crescente criou empregos

que facilmente levam ao desequilíbrio

psicológico. O progresso tecnológico

não levou à diminuição do trabalho

semanal.

Embora poucos acreditassem foi o

movimento ecologista e anti-nuclear

que conseguiu desmascarar a lógica

económica, o sistema industrial

suportado pelo uso das energias duras e

o controlo social dos meios

tecnológicos.

Os ecologistas ao proporem uma série

de medidas, algumas das quais serão

mencionadas mais adiante, defendem

que o sindicalismo deverá evoluir do

actual economicismo até um maior

interesse pelo quadro da vida e o

controle da tecnologia..

Na verdade, a quem serve o progresso

técnico se não aligeira o trabalho do

homem?

Pondo em causa a actual orientação

económica e resolvendo o problema do

desemprego, os ecologistas defendem a

redução da duração do tempo de

trabalho, produzindo-se menos objectos

mais úteis e duráveis, deixando assim

mais tempo livre para outras actividades

criativas.

Não concordando com as actuais

reformas que fazem dos trabalhadores

idosos exluídos da sociedade, os

ecologistas propõem formas de reforma

à escolha ou de anuidade sabática,

permitindo desdobrar o trabalho ao

longo da duração da vida de um mesmo

indivíduo, tornando possível reparti-lo

melhor entre as gerações.

A partilha dos trabalhos penosos e uma

rotação entre trabalhos manuais e

intelectuais são outras das medidas por

eles defendidas.

(Publicado no jornal “1º de Maio, 1 de

Maio de 1982)

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Que Ecologismo?

Embora plural no que diz respeito à

forma de pensar e viver o ecologismo,

consideramos que não se pode separar

os ecossistemas naturais da vida do

homem na sociedade, não esquecendo

que a crise ecológica global não atinge

de igual modo as pessoas no mundo.

É o modelo actual de produção e

consumo o responsável pela violação

dos direitos humanos e ambientais da

maior parte da humanidade, sendo

também responsável pelo sofrimento

infligido aos animais

Defendemos uma nova relação do

homem com o ambiente, assegurando

que todos os recursos estejam

equitativamente repartidos entre todas

as pessoas, tanto as do Norte como as

do Sul, não esquecendo as gerações

vindouras.

Pensamos que um mundo mais justo,

pacífico e ecológico só será possível

através do contributo de todas as

pessoas e não apenas das opiniões dos

técnicos ou especialistas.

Assim, consideramos importante que

sejam respeitados os seguintes pontos:

1. O capitalismo, seja ele liberal ou de

estado é o responsável pela crise global

que afecta todos os habitantes do

Planeta. A política e a economia

deverão sofrer alterações profundas,

contemplando o desenvolvimento

humano e a satisfação equitativa das

necessidades, ultrapassando a sua

obsessão pelo crescimento ilimitado.

2. Consideramos que é fundamental o

respeito do homem para com os

restantes animais domésticos e

selvagens, assim é imprescindível

promover uma educação, cultura e

legislação que garantam os direitos dos

animais. A sociedade que defendemos

não pode aceitar espectáculos onde se

torturem animais, como as touradas, etc.

3. Hoje, a nível mundial, assiste-se à

crescente extinção de espécies da fauna

e flora, o que se traduz numa perda

incalculável de património genético e à

delapidação de recursos geológicos do

planeta. Consideramos imprescindível a

tomada de medidas com vista à

conservação da biodiversidade e da

geodiversidade.

4. Defendemos uma agricultura

sustentável, orientada para a protecção

da biodiversidade e do direito dos povos

à soberania sobre o seu património

genético comum. Assim, consideramos

que a aposta deverá ser na soberania

alimentar e na agricultura biológica.

Opomo-nos ao cultivo e uso na

Que ecologismo? Que organização ecologista?

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alimentação de Organismos

Geneticamente Modificados.

5. A única energia limpa é a que não é

consumida. Assim, defendemos um

modelo energético alternativo ao actual,

com produção descentralizada e

baseado na poupança e eficiência

energética e nas energias renováveis.

Opomo-nos à utilização da energia

nuclear, tanto para a produção de

electricidade como para a construção de

armas, não só pelos riscos envolvidos,

mas também por fomentar um modelo

de sociedade militarizada e

monopolista.

6. A terra é de todos os seus habitantes,

daí que sejamos solidários com todos os

povos do mundo, defendendo o seu

direito à autodeterminação, o respeito às

suas culturas autóctones e seus modos

de vida. Rejeitamos os impedimentos à

livre circulação das pessoas e

defendemos que nenhum ser humano

possa ser considerado ilegal.

7. Defendemos um modelo de

democracia real, onde a participação

cidadã e o acesso o mais amplo possível

e livre à informação seja a coluna

vertebral de todas as deliberações. Não

aceitamos os totalitarismos políticos e a

acumulação de poder, defendemos a

máxima descentralização e pugnamos

por um associativismo livre e

independente.

8. Somos pacifistas, consequentemente

defendemos a solução não-violência dos

conflitos e opomo-nos à militarização

das sociedades e ao uso da ciência e da

tecnologia para fins militares.

Advogamos o fim dos exércitos e

denunciamos o impacto social e

ambiental da indústria militar e do

comércio de armas.

9. Defendemos para todas as pessoas

trabalhos, dignos e livres de exploração,

que contribuam para a satisfação das

aspirações individuais e colectivas.

10. Reclamamos uma educação integral

e multidisciplinar que torne responsável

e consciente o indivíduo da sua posição

na natureza e que não reproduza a actual

sociedade, discriminatória e

competitiva.

Que organização ecologista?

Não poderemos estar de acordo - o que

não significa que não devamos agir,

pontualmente, em conjunto - com as

propostas apresentadas pelas principais

correntes do movimento ambientalista,

como a conservacionista e a

ambientalista, que é onde se inserem as

principais organizações existentes nos

Açores (1). Com efeito, qualquer uma

das correntes defende que com

pequenas alterações ao modelo de

sociedade actual é possível ultrapassar

os problemas ambientais actuais, uns

acreditando que o “capitalismo de

mercado” está em condições de regular

tudo e outros defendendo que com uma

limitada intervenção estatal tudo

entraria nos eixos.

Quanto a nós, não temos qualquer

dúvida que é o capitalismo, seja ele

liberal ou de estado, o responsável pela

crise global que afecta todos os

habitantes do Planeta. Por isso,

defendemos que com a manutenção da

sociedade actual não conseguiremos

acabar com a “mercantilização da

natureza” pelo que devemos apostar na

educação do ser humano de modo a que

numa sociedade futura haja uma

diferente relação entre as diferentes

espécies (incluindo a humana) e a

natureza.

As principais organizações de ambiente,

no nosso país, (sobre) vivem totalmente

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dependentes de apoios estatais ou das

empresas, cada vez mais funcionam

com base em pessoal contratado,

acabando o voluntariado por constituir

um recurso marginal, e as decisões são

tomadas de cima para baixo, ao invés de

contarem com o contributo dos

activistas.

Nos Açores, a situação não é muito

diversa, parecendo-nos que, quando se

trata de capacidade de decisão, por

vezes, não existem colectivos mas sim

pessoas singulares. No que diz respeito

ao financiamento, não temos dúvida

que, enquanto o das empresas não existe

ou é residual, o estatal é o que ainda

mantém algumas associações.

Se queremos criar uma organização e

novo tipo, devemos basear a sua

organização interna, entre outros, nos

seguintes princípios:

1- A organização ecologista deve ser

autónoma, em relação às outras

instituições, nomeadamente ao Estado,

aos partidos políticos, aos sindicatos

burocratizados, às igrejas, às empresas,

etc.;

2- O processo de tomada de decisões

tem de ser ágil. Embora consideremos

que o consenso deva ser procurado,

dado que o mesmo poderá ser pouco

eficiente, defendemos que, após o

devido debate, as deliberações devam

ser tomadas por maioria;

3- A democracia directa deve ser o

método de tomada de decisões, isto é,

todos os membros devem participar, de

forma igualitária, no processo de

tomada de decisões;

4- Cada membro deverá agir com

responsabilidade, isto é, deve ter

iniciativa e assumir as tarefas e cumpri-

las, evitando que poucos fiquem

sobrecarregados;

5- Os activistas devem agir com ética de

modo a que sejam fomentadas a

cooperação, a solidariedade e o apoio

mútuo;

6- No caso de representação da

organização, o mandato dos

representantes deve ser imperativo, ou

seja, as posições daqueles são as

discutidas previamente no colectivo e

não as suas. Para além disso, e da

obrigação de prestarem contas à

organização, os mandatos devem ser

revogáveis a qualquer momento (2);

7- Os membros dos órgãos sociais das

organizações também devem ter

mandatos temporários, rotativos e

revogáveis a qualquer momento.

Ninguém se pode petrificar em

nenhuma função.

(1) Achamos insuficiente, também, o

ambientalismo “mudança de estilo de vida” ou a

educação ambiental que é feita, sobretudo pelas

Ecotecas, que pouco mais é do que ensino da

biologia, sensibilização para a valorização do

património natural ou doutrinação para a

alteração de comportamentos, já que não

reflecte nem põe em causa os responsáveis pelos

problemas nem aponta verdadeiros caminhos

para a sua superação.

(2) Não é isto o que se passa na “democracia

representativa”. Ser dirigente/ representante de

uma organização é para muitos um rentável

modo de exposição pública, um trampolim para

um emprego, um governo ou parlamento, etc.

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