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Carlos Jaca 1 TERRAMOTO DE 1755 1º PARTE: Reconstrução de Lisboa Carlos Jaca «Diário do Minho» 5 / 5 / 2004 A opção e desenvolvimento deste tema surgiu ao elaborar uma breve memória, "O Terramoto de 1755 e a Lisboa Pombalina" para a revista “De Facto”, publicação anual da Escola Secundária Alberto Sampaio (Braga). Tratando-se de uma revista temática, foi proposta" A Cidade" como tema a explorar para o ano lectivo 2003-2004. Daí a opção, apanhando a "boleia" da referida memória, a fim de lhe dar aqui maior amplitude – já que, tal como na reconstrução de Lisboa, não era possível "meter o Rossio na Betesga". Quanto ao capítulo "Impacto do terramoto na Cidade de Braga" (a publicar na próxima edição deste suplemento de Cultura) que em princípio não estava previsto, só foi possível a sua elaboração devido à recente publicação na revista "Bracara Augusta" de um trabalho de investigação, notável a todos os títulos (Estado do Tempo e Outros Fenómenos, na Região de Braga, no século XVIII), do Professor Doutor José Marques. Repercussão da Catástrofe. No primeiro dia de Novembro de 1755, um sábado, dia de Todos- os-Santos, pouco depois das nove horas da manhã, Lisboa foi sacudida por um violento sismo que reduziu muitos dos seus bairros a escombros, ficando o terramoto como legenda trágica na História da capital.

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Carlos Jaca 1

TERRAMOTO DE 1755

1º PARTE: Reconstrução de Lisboa

Carlos Jaca

«Diário do Minho» 5 / 5 / 2004

A opção e desenvolvimento deste tema surgiu ao elaborar uma breve

memória, "O Terramoto de 1755 e a Lisboa Pombalina" para a revista “De

Facto”, publicação anual da Escola Secundária Alberto Sampaio (Braga).

Tratando-se de uma revista temática, foi proposta" A Cidade" como tema a

explorar para o ano lectivo 2003-2004.

Daí a opção, apanhando a "boleia" da referida memória, a fim de lhe

dar aqui maior amplitude – já que, tal como na

reconstrução de Lisboa, não era possível

"meter o Rossio na Betesga".

Quanto ao capítulo "Impacto do

terramoto na Cidade de Braga" (a publicar na

próxima edição deste suplemento de Cultura)

que em princípio não estava previsto, só foi

possível a sua elaboração devido à recente

publicação na revista "Bracara Augusta" de um

trabalho de investigação, notável a todos os

títulos (Estado do Tempo e Outros Fenómenos,

na Região de Braga, no século XVIII), do Professor Doutor José Marques.

Repercussão da Catástrofe.

No primeiro dia de Novembro de 1755, um sábado, dia de Todos-

os-Santos, pouco depois das nove horas da manhã, Lisboa foi sacudida por

um violento sismo que reduziu muitos dos seus bairros a escombros,

ficando o terramoto como legenda trágica na História da capital.

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Ao escrever para Londres, duas semanas depois do terramoto,

Edward Hay, cônsul britânico, testemunha da catástrofe, dizia que, parte

da cidade, era "uma coisa que não se acredita sem se ver".

A Europa ficou profundamente impressionada. A grande tragédia

que acontecia a Portugal foi motivo de especulações científicas e

metafísicas, acabando por provocar um extraordinário debate filosófico

sobre o optimismo,

sobre Deus e sobre os

fenómenos naturais.

Uma vasta

literatura internacional,

em que figuram os

nomes de Voltaire e

Kant, ocupou-se do

trágico acontecimento.

Copiosa bibliografia

surgiu sobretudo na Alemanha, mas também na Holanda, Inglaterra, Itália

e Espanha. Em França, representava-se em Paris, ainda em 1804, no

Teatro da Porte-Saint-Martin, um drama heróico em três actos intitulado

"La Destruction de Lisbonne". No frontispício destes livros e brochuras

vêem-se os nomes de Leipzig, Nuremberga, Dantzig, Augsburgo,

Francoforte, Haia, Amsterdão, Utreque, Basileia, Zurique, Londres, Madrid,

Roma, Paris, Estocolmo, Copenhaga...

Em Portugal, obviamente, abundam as descrições, destacando-se,

entre as fontes mais credíveis, a "História Universal dos Terramotos",

publicada por Moreira de Mendonça em 1758, e um longo manuscrito do

Padre Manuel Portal, datado de 1756, conservado nos Arquivos da

Congregação e recolhido in Francisco Pereira de Sousa, "O Terramoto do 1º

de Novembro de 1755 em Portugal" (Lisboa, 1919-1926) - obra básica para

o estudo desta matéria. Existem ainda relatórios, cartas particulares, me-

mórias manuscritas que esclarecem inúmeros pormenores. Estes

documentos são muitas vezes contraditórios, e na própria, época se

travaram polémicas.

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Carlos Jaca 3

Não se confinaram ao Reino os efeitos do megassismo. Embora

Lisboa fosse a zona mais atingida (não esquecendo a província do Algarve,

Coimbra, Setúbal e Santarém), também a Andaluzia sofreu as suas

consequências em Cádis, Sevilha, Huelva e Córdova, havendo ainda notícia

de os abalos se terem feito sentir em Olivença e Cória e, com menos força,

em Madrid e no Escorial, conforme refere a "Gazeta de Lisboa" de 13 de

Novembro de 1755.

O violento sismo de 1755, segundo hipótese formulada por F. L.

Pereira de Sousa, em "Efeitos do Terramoto de 1755 nas construções de

Lisboa", teve o seu epicentro não ao largo da capital, como se supunha,

mas mais para sul, "no oval descrito pela costa meridional da Península

Ibérica e pela costa norte do Continente africano, a oeste do estreito de

Gibraltar. Isto explicaria que o terramoto se tenha propagado a Marrocos

(em Agadir e em Rabat encontram-se indícios bastante nítidos) com a

mesma violência que em Portugal".

Em Lisboa, à magnitude do terramoto foi atribuído o grau 9, o

máximo na escala de Gutenberg e Richter, hoje geralmente aplicada; a sua

intensidade (medida subjectiva dos estragos verificados) variou entre os

graus VIII e X da escala de Mercalli de 1909 (máximo XII), ou da nova

escala MSK, 1964.

No séc. XVIII já se tinham sentido tremores de terra em Lisboa, em

1724 e 1750, este no próprio dia da morte de D. João V. Um manuscrito da

época (citado por Pereira de Sousa) refere que "pelas três para as quatro

horas tremeu a terra, não

causando mais dano que o

susto...", e que "daí por

diante a terra nunca mais

deixou de tremer, como

ensaiando-se para o que

sucedeu em sábado, 1.º

de Novembro".

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Descrição sumária do Terramoto. Acção e Providências

do Marquês de Pombal.

Seguindo, fundamentalmente, testemunhos contemporâneos,

atente-se numa sumária descrição da tragédia.

De súbito, pelas nove e meia da manhã, pouco mais ou menos (os

testemunhos não condizem), depois de um grande ruído subterrâneo que

aterrorizou toda a gente, a terra começou a tremer, numa violenta

oscilação, semelhante à duma embarcação sobre o mar, de norte a sul,

depois de leste a oeste, para voltar à direcção anterior, e assim de seguida,

por espaço de sete minutos, entrecortados apenas por dois breves

momentos de intervalo. O movimento parece ter sido vertical.

Ao segundo minuto, já as casas se fendiam e desmoronavam, tão

violento foi o abalo. Ao mesmo tempo abriam-se fendas compridas e

estreitas nas ruas, por onde se escapavam os vapores sulfúricos, e, ao

destruírem os edifícios, uma poeira densa se elevava em nuvem que

tomava a atmosfera irrespirável. O terror da população foi indescritível.

Logo nos primeiros momentos milhares de pessoas ficaram sepultadas nos

escombros das casas e dos templos que abateram.

Junto ao rio, as águas recuaram um dilatado momento, deixando o

lodo do fundo a descoberto numa considerável extensão, para em seguida

se erguerem em vagas alterosas que varreram o Terreiro do Paço e as ruas

e os terrenos próximos das margens. Os gritos das vítimas e dos fugitivos

juntavam-se ao rugido da terra em convulsão.

Durante vinte e quatro horas a terra não deixou de tremer, num

"movimento vibratório quase contínuo". Nos dias seguintes, outros abalos

de terra foram sentidos: quatro até 18 de Novembro e outro ainda em

Dezembro num total de 500 até 1756, segundo o Padre Portal, uma fonte

que, já referi, não pode ser ignorada.

À queda dos edifícios, ao pavor do terramoto, sucedeu o horror dos

incêndios, que começaram no centro da cidade - a parte mais duramente

atingida - pelo Palácio do Marquês do Louriçal e pela Igreja de S.

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Domingos, no Rossio. Depois foi o recolhimento do Castelo, depois outros

edifícios em pontos diversos. Quando a noite desceu, Lisboa estava

envolvida numa cortina de labaredas. O incêndio, que durou seis dias, veio

completar a "obra" do terramoto.

Considera-se mesmo ter sido o fogo o causador da maior parte dos

prejuízos: "Se a cidade o não tivesse sofrido, a sua ruína teria sido

rapidamente reparada", escreve uma testemunha da catástrofe. O fogo que

alastrava de rua em rua não pôde ser combatido, porque a população,

dominada pelo pânico, fugiu para longe, instalando-se em abrigos

provisórios nos campos limítrofes.

O nível de destruição foi colossal. Todos os cálculos vindos a lume

avançam números incontroláveis, mas cuja importância significa bem o

prejuízo que a fazenda nacional e privada sofreu. Para o País, já

empobrecido pelo estado da sua agricultura, do seu comércio e duma

indústria inexistente, a ruína da capital em que se encontravam as suas

forças, com dez por cento da população, foi calamitosa.

As acções combinadas do terramoto e do incêndio fizeram milhares e

milhares de vítimas. Quantas? Os testemunhos divergem

consideravelmente, pois todo o cálculo feito no momento foi falseado, quer

pelo estado de espírito das pessoas, quer pela falta de método dos

investigadores. Os informes da época oscilam entre seis mil e noventa mil

mortos. Os cálculos mais autorizados fixaram este número em doze mil,

número também considerado

pelo Padre Portal. O futuro

Marquês de Pombal, na

participação aos governadores

ultramarinos, computava em

seis a oito mil o número de

mortos.

As destruições não foram

apenas em vidas e edifícios. Foi

elevadíssimo o número de tesouros artísticos e documentais que se

perderam para sempre, devorados pelo incêndio que se ateou nas ruínas.

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Preciosidades artísticas e literárias, foram inúmeras as que ficaram

soterradas ou reduzidas a cinzas.

De sessenta e cinco conventos só onze ficaram habitáveis, ainda que

parcialmente destruídos; trinta e três palácios das maiores famílias do

Reino foram destruídos, quer pelo terramoto quer pelas chamas, e entre

eles encontravam-se os da Casa de Bragança, onde se acumulavam os

valores da família reinante, dos Duques de Cadaval, de Lafões, de Aveiro e

do Marquês do Louriçal - Conde da Ericeira, onde existia uma colecção de

manuscritos e livros antigos; as livrarias dos dominicanos e do convento de

S. Francisco ficaram igualmente destruídas. Colecções de quadros e

tapeçarias de grande valor, tudo foi perdido. Porém, a maior perda foi a da

Casa Real: todo o conjunto monumental edificado por D. João V e D. José,

que compreendia o Paço da Ribeira, a Patriarcal e a Ópera, tendo resistido

aos abalos do terramoto, não foi poupado pelo incêndio que se lhe seguiu.

As suas riquezas, as suas colecções de quadros e objectos de culto, a

Biblioteca Real, com os seus 70.000 volumes, o tesouro guardado nos

armazéns da Casa da índia, tudo desapareceu. A fúria dos elementos, da

terra, das águas e do fogo tudo consumiu...

Nesta trágica conjuntura, D. José, aterrorizado de assombro,

colocou a autoridade total nas mãos do único ministro que parecia mostrar

capacidade para

enfrentar as

consequências da

catástrofe.

Efectivamente, foi

o terramoto que lançou

Sebastião José de

Carvalho e Melo, então

Secretário dos Negócios

Estrangeiros e da

Guerra, nomeado em 5 de Maio de 1756 Secretário de Estado dos Negócios

do Reino, futuro Conde de Oeiras (1759) e Marquês de Pombal (1769),

para o poder praticamente absoluto que iria conservar durante mais vinte e

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dois anos, até à morte do Rei, em 1777.

O violento terramoto que destruíra apreciável parte da cidade de

Lisboa, iria pôr à prova a capacidade e energia do futuro Marquês de

Pombal. Era o baptismo de fogo e, também, a rampa de lançamento do ex-

embaixador em Londres e Viena de Áustria, o qual terá compreendido que

a terrível calamidade era uma oportunidade política.

Aceite-se ou não, no dizer de alguns historiadores, qualquer outro

teria ficado desorientado perante a catástrofe destruidora que

impressionara toda a Europa. De facto, parece ter sido o homem certo no

lugar certo, o homem talhado para o momento, o cérebro de um real

governo de salvação... lisboeta.

De imediato toma medidas rápidas, eficazes e até impiedosas, para

estabilizar a situação. No próprio dia do desastre já assinava decretos. A

seu lado, na execução das primeiras decisões estiveram, por cargo ou

nomeação imediata, o Duque de Lafões, Regedor das Justiças, o Marquês

de Alegrete, Presidente do Senado da Câmara, o Marquês de Marialva,

Governador das Armas.

Ainda no dia 1 de Novembro, o Rei viu-se aconselhado a "enterrar

os mortos e cuidar dos vivos", frase que a tradição atribui indevidamente,

parece, a Carvalho e MeIo, pois teria sido D. Pedro de Almeida, Marquês de

Alorna, que a exprimira como lema da actuação governativa. Foi, porém, o

Secretário de Estado quem melhor soube impor-se aos acontecimentos.

Mesmo os historiadores críticos de Pombal jamais puseram em dúvida este

aspecto positivo da sua acção governativa. A História fez-lhe justiça quanto

ao acerto das medidas que tomou para diminuir as dificuldades da

martirizada população.

Assim, imediatamente, organiza socorros, manda distribuir

alimentos, estabelece um cordão militar à volta de Lisboa, impedindo,

desse modo, a fuga da população e obrigando as pessoas a regressar à

capital. Toma medidas drásticas no sentido de impedir a perturbação da

ordem pública, manda enforcar ou fuzilar todos aqueles que fossem

apanhados a pilhar; e destes, cerca de 200, julgados sumariamente,

pagaram com a vida a rapinagem em igrejas e casas de Lisboa.

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Providencia no sentido de fazer face às necessidades vitais da

população - organiza serviços de abastecimento, procede à diminuição de

impostos sobre produtos de maior carência e manda construir pavilhões

para aqueles que ficaram destelhados. Os víveres, ao entrar na cidade,

deixavam de pagar direitos e os preços foram fixados pelos que estavam

em vigor antes da tragédia; igualmente os salários e as rendas de casa, a

fim de evitar toda a especulação.

O comércio da cidade faz à Corte um donativo muito importante,

passando a pagar uma taxa de quatro por cento sobre o valor de todas as

manufacturas e mercadorias importadas.

A população entusiasma-se com a energia e combatividade de Carvalho e

MeIo, e o próprio Cardeal Patriarca de Lisboa não deixa, publicamente, de

exaltar o dinamismo e humanitarismo do administrador e estadista de D.

José. Diplomatas estrangeiros, credenciados em Lisboa, testemunham aos

seus governos a surpreendente faculdade de improvisação e comando do

futuro Marquês de Pombal e, assim, algumas cortes europeias manifestam

a sua solidariedade, complementada através de preciosos auxílios ma-

teriais. Refira-se que, neste aspecto, o Governo português aceitou a ajuda

material que lhe foi

enviada

espontaneamente,

demarcando-se, no

entanto, da posição

de solicitante.

A oferta foi

excelente, mas,

segundo certas memórias da época, "o dinheiro deu-se a quem menos o

precisava, distribuindo-se pelos titulares, grandes e apaniguados do

Secretário de Estado, os mantimentos desencaminharam-se em grande

parte"...

A Conspiração

A ascensão política de Sebastião José provocou os maiores ódios por

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parte da velha nobreza, que não aceitava o seu predomínio junto de D.

José, tanto mais que em Março de 1756 recebeu a pasta do Reino.

O momento era extremamente difícil Carvalho e Meio sabia-o. Um

outro "terramoto" estava a ser preparado com a finalidade de o fazer

"abalar". Mas... este outro "terramoto" fora por ele previsto, talvez Pombal

tivesse em si qualquer coisa de "sismógrafo"... político.

O golpe palaciano estava na forja, mas Sebastião José sabia do que

se tramava. Bem informado, a sua polícia secreta estava em campo, ia

procedendo muito discretamente a algumas sindicâncias. Parece mesmo

ponto assente ter havido um plano urdido com o objectivo de alterar o

xadrez político, deitando por terra o odiado estadista.

Em Fevereiro de 1756 começou a circu1ar uma "Carta que de

Portugal se escreveu a um Grande de Espanha", em que o nome de

Carvalho e MeIo e dos seus familiares era alvo de injúrias, pondo-se em

destaque as intrigas de bastidor que o Secretário de Estado utilizara para a

sua ascensão política. Veio a provar-se que o autor do panfleto era

Francisco Xavier Teixeira de Mendonça, que em 1744 fora advogado de

Sebastião de Carvalho e agora vinha divulgar casos íntimos de família.

Pretendia-se com o escrito chamar a atenção de D. José para a baixa

extracção de Carvalho e MeIo e para os abusos de poder que, com a

ignorância do soberano, ele ia praticando.

Foi veícu1o da intentona o mercador alemão Oldemberg, que após o

terramoto cedera a sua morada para instalar a Família Real, o qual

entregou ao monarca - a exposição cumprindo assim o plano urdido pelo

Desembargador António da Costa: Freire e que tivera o tácito apoio dos

Duques de Lafões e Aveiro, dos Marqueses de Angeja e Marialva e de

outras pessoas ligadas ao Paço ou fora dele. Mas D. José defendeu o seu

ministro, pelo que os implicados foram presos e alguns degredados para

África. Nenhum membro da nobreza foi por então molestado, o que

constituía um claro aviso quanto ao futuro.

O certo é que a corrente desafecta ao Primeiro-Ministro não lograria

os seus intentos, reconhecendo que tinha pela frente um homem enérgico,

decidido e que não hesitava aplicar método truculentos, e até brutais, para

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elininar resistências.

Pombal não recuava, não dava tréguas e, assim, Lisboa começava a emer-

gir das cinzas.

Os Arquitectos.

A Legislação da Construção.

A decisão de erguer uma nova Lisboa surgiu de imediato à

tragédia de 1755, na concretização de um projecto que vinha de longe. De

Viena trouxera o antigo embaixador ideias próprias sobre o urbanismo que

mais convinha aplicar na capital portuguesa. Por manifesta pressão do

Secretário de Estado, o terramoto obrigou a Câmara a encarar de frente o

problema da reconstrução da cidade.

Carvalho e MeIo convoca para "cimeiras" de alto nível arquitectos,

engenheiros, artistas e, com eles, discute o plano da reconstrução.

O esforço reconstrutivo da cidade obedecia a uma bem conseguida

planificação, tratava-se de um trabalho de grupo, coisa inédita e avançada

para aquele tempo (tanto mais que hoje, por vezes, não há planeamento a

qualquer prazo). A tarefa era gigantesca, hercúlea, mas... politicamente

aliciante.

Concebe-se um arrojado plano para a nova cidade, que viria a

contrastar com os velhos bairros, os quais constituem, hoje por hoje,

autêntico "ex – libris” com os seus becos e ruelas tortuosas.

Engenheiros e avaliadores militares chefiados pelo General Manuel

da Maia, engenheiro-mor, já à beira dos oitenta anos, pelo Coronel Carlos

Mardel, húngaro imigrado em 1733 e pelo Capitão Eugénio dos Santos,

"batido" nas obras de Mafra, foram encarregados de fazer inventários e de

reclamações de propriedade, além de terem de se envolver numa

multiplicidade de decisões práticas para que as operações de sanidade e de

remoção de escombros fossem levadas a cabo com segurança. Além de ser

engenheiros de profissão eram, também, na arquitectura civil os primeiros

arquitectos.

Com efeito, os três, sempre controlados de perto por Pombal, mais

do que uma equipa, formaram um triângulo de forças convergentes para

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uma obra comum - a nova Lisboa. A ideia de reconstrução da capital,

segundo um plano imposto pelo Gabinete de Carvalho e MeIo, com

expressa proibição de obras de iniciativa particular, foi da autoria do

Ministro. Conhecem-se cartas que trocou com o Duque Teles da Silva,

radicado na Corte de Viena, dando vários conselhos sobre a reconstrução.

No entanto, era Pombal quem pensava que "deixada a fábrica dos edifícios

à liberdade do povo, comummente bárbaro em seus gostos e desprezador

do que lhe não é útil", o resultado seria a cidade ficar sem a

monumentalidade e regularidade que, a seu ver, a deviam caracterizar.

Efectivamente, a leitura dos vários decretos sobre a reconstrução mostra

que a intervenção de Carvalho e Meio foi decisiva.

O ministério pombalino determina medidas tendentes a evitar o

encarecimento dos materiais, fixa o preço dos terrenos, preconiza a

adopção de processos no sentido de tomar os prédios mais resistentes aos

abalos sísmicos, procede à demolição das velhas construções que tinham

ficado de pé e deveriam demolir-se para dar integral cumprimento ao

projecto.

Para apressar a construção, e ao mesmo tempo estimular as

empresas nacionais, foi privilegiado o esforço inovador de pré-fabricação:

trabalhos de ferro, juntas de madeira, telhas e cerâmicas fabricavam-se

segundo os mesmos padrões, igualmente acontecendo com o desenho

geométrico das fachadas dos novos prédios.

Pode considerar-se a legislação de Pombal relativa às obras a

realizar (alvará de 12 de Maio de 1758), a peça básica de um processo que

determinava obrigações, garantias, direitos, previa situações especiais de

propriedade e tendia a evitar especulações.

Cada proprietário receberia uma área de terreno igual à perdida,

com indemnização pelos espaços ocupados pelos novos armamentos, e, de

acordo com o projecto geral, era obrigado a construir no prazo de cinco

anos. Quem não construísse durante o prazo estipulado, perdia o direito à

construção, sendo forçado a vender a quem o quisesse fazer. Por essa

forma, muitas parcelas foram transaccionadas e ficaram nas mãos de

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burgueses endinheirados, porque os d antigos proprietários não podiam

suportar os encargos que o projecto implicava.

Capitais emprestados para as obras seriam salvaguardos por

hipotecas preferenciais, e as novas edificações & ficavam isentas de

aposentadoria; assim, se lhes garantia a rentabilidade como se

tranquilizavam os capitais, atraindo construtores e prestamistas.

Em 19 de Junho de 1759, um ano depois do envio dos planos à

Inspecção de Obras, Carvalho e MeIo deu instruções sobre a maneira como

os proprietários deviam tomar posse dos seus terrenos, a fim de iniciar a

reedificação da Baixa, começando simultaneamente do Terreiro do Paço

para o norte e do Rossio para o sul, para maior urgência. Em Outubro as

ruas estavam traçadas, os terrenos mais ou menos loteados e delimitados,

as infraestruturas asseguradas, ao longo de quatro anos de preparação que

tornaram os planos exequíveis. Alguns dias mais tarde, a 5 de Novembro,

Pombal decretava a instalação dos comerciantes e das oficinas nos locais

da Baixa, de tal maneira que cada rua tivesse a sua especialidade

corporativa.

Pombal, por decreto, atribuía, rua a rua, aos diferentes mesteres

corporativos, por vezes fixados na nova toponímia (ruas dos Sapateiros,

Correeiros, Douradores, mais tarde dos Retroseiros, Capelistas,

Fanqueiros).

A bem dizer, a localização dos negociantes e dos artífices nas ruas

do centro, datava já dos fins do século XIV e, nascida dum compromisso

medieval, o hábito ficou vivo numa cidade que jamais se afastara das suas

estruturas antigas. Para Pombal tratava-se antes de um caso de lógica ou

de disciplina, e tratava-se também de dar, ou impor, locatários aos novos

edifícios logo que estivessem prontos a ser habitados.

No entanto, a este propósito, Jácome Ratton, grande burguês da

época, não deixou de assinalar nas suas "Recordaçoens" (livro raro,

existente na secção de ‘‘Reservados" da Biblioteca Pública de Braga), que

na segunda metade do século XVIII, e dada a inevitável extensão da nova

cidade, uma tal legislação era anacrónica.

De qualquer modo, com aquele diploma se concluía, em termos

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Carlos Jaca 13

simbólicos, o processo da Nova Baixa.

Reconstrução da Capital. Princípios e Processos Técnicos

Aprovada, entre seis planos de reforma, a nova planta da cidade

enquadrava-se no espírito iluminista da época, mais por empirismo, por

resposta às necessidades, que por princípios teóricos.

Tudo se processou segundo um "novo plano regular e decoroso" ,

desenvolvendo-se entre dois focos principais o Rossio e a Praça do

Comércio (Terreiro do Paço) através de uma malha de ruas, geometri-

camente normalizadas. Ao Terreiro do Paço iam confluir três grandes

artérias, Rua Áurea, Rua Augusta e Rua Nova da Rainha (Rua da Prata) e

eram cruzadas por outras entre as colinas de S. Francisco e do Castelo.

A organização do espaço urbano, a partir de dois polos centrais,

reflecte bem o espírito centralizador. A

Praça do Comércio (onde ficariam a

Sede do Governo e a Administração, a

Bolsa representando o Alto Comércio e a

estátua de equestre de D. José e um

arco triunfal) e o Rossio (onde ficariam o

Palácio da Inquisição e outros edifícios

públicos) mostram quer o espírito

simbólico de monumentalidade e

centralização, quer o papel privilegiado

que as actividades mercantis ocupam no projecto. Efectivamente, o centro

vivo de Lisboa passava a ser o Terreiro do Paço, cujo nome foi corrigido

para Praça do Comércio. No entanto, a mudança não teve poder contra a

força do hábito, e a denominação que ficou foi a anterior ao terramoto. A

direcção do processo urbanístico centralizado na Casa do Risco das Obras

Públicas impunha os princípios da simplicidade, proporção e economia de

meios, já neoclássicos, que marcam a empresa.

A parte reconstruída de Lisboa é um dos mais expressivos

documentos da época pombalina. Todo o emaranhado de ruelas e becos da

Baixa foi substituído por um traçado geométrico, com ruas de grande

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Carlos Jaca 14

dimensão para a época. As casas deveriam ser semelhantes em largura e

altura, devendo respeitar-se a simetria em portas e janelas. O prédio surge

em função de uma ordenação urbanística que atribui a prioridade ao

conjunto ("quarteirão"), a vantagem da estrutura sobre a decoração

privilegiando o utilitário.

De referir, ainda, que surge também com o plano de reconstrução o

espírito novo do interesse público. A largueza das ruas destina-se a

assegurar o ar e a luz, além de outras vantagens. São propostas, embora

não totalmente realizadas, soluções para o problema dos esgotos, fontes e

canalizações.

O sentido pragmático, que orientou o processo urbanístico, impôs

soluções técnicas novas e a estandardização dos métodos de construção.

Se urgia construir sem demora, também era indispensável construir bem,

em segurança, tanto mais que a população, traumatizada pela catástrofe,

receava sempre a sua repetição. Lisboa continuava a ser sacudida por

tremores de terra, que, mesmo abrandando o seu ritmo, não contribuíam

para acalmar as pessoas.

Manuel da Maia havia persistido na redução da altura dos novos edifícios a

dois andares, até que outras leis de rentabilidade afastaram tal princípio de

prudência.

No entanto, era imperioso tornar os prédios de três a quatro andares

resistentes aos abalos sísmicos. De maneira empírica, mas plenamente

funcional e satisfatória, a solução foi encontrada.

Tratava-se de um sistema de "gaiola", em que uma estrutura de

madeira facilmente adaptável aos movimentos do sismo sustenta ~

edifício, sendo depois preenchidos os espaços por pedra e tijolo.

Para fazer face à propagação de eventuais incêndios, perigo

complementar, senão maior que o terramoto, procedeu-se ao levantamento

de paredes acima do nível dos telhados, separando cada prédio do vizinho

por um "guarda fogo", técnica que já figurava no desenho - modelo

apresentado por Eugénio dos Santos.

A reconstrução tomou-se possível graças a uma legislação que

soube ligar o facto urbanístico ao facto político, dentro duma visão global

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Carlos Jaca 15

onde se verificam perspectivas sociais e económicas, tanto culturais como

ecológicas.

O nome de Carvalho e Meio fica para sempre ligado à reconstrução

de Lisboa, fazendo erguer a "Baixa Pombalina", conjunto arquitectónico que

ainda hoje mostra toda a grandeza da concepção. Foi ele, sem dúvida, em

Portugal, o primeiro governante a preocupar-se com necessário e prévio

estudo urbanístico e arquitectónico antes das respectivas realizações.

Sem que constitua qualquer motivo para surpresa, alguns dos seus

detractores não lhe reconheceram qualquer mérito na reconstrução da

cidade, afirmando que o plano era infeliz, e que Pombal fez aquilo que

qualquer outro faria em emergência semelhante.

Em contrapartida, observadores estrangeiros que passaram por

Lisboa, testemunham em obras impressas em Paris, Amsterdão e Londres a

sua profunda impressão, não deixando de assinalar a beleza do ambicioso

plano, de vastas proporções para o tempo.

Notável, por vir de quem vem, é o comentário do jesuíta alemão Anselmo

Eckart, que passou dezoito longos anos numa cela subterrânea de S. Julião

da Barra. Em 1771, falecido D. José e o consequente afastamento do

Marquês, Eckart é libertado. Quando, pela primeira vez, observou a nova

cidade, exclamou: "As três maiores praças recentemente edificadas, todas

com prédios de quatro andares, são belíssimas".

Embora aceitando que a reconstrução ficou incompleta e que muita

coisa deixou de ser realizada na prática, cumpre assinalar, em amor à

verdade, que a traça pombalina não foi levada por diante no reinado

seguinte, deixando por concluir obras que mereciam conclusão e

privilegiando outras que bem podiam ter sido adiadas. Neste aspecto, o

Governo de D. Maria I terá revelado uma acção verdadeiramente

inconsequente. Sofreu de... "paralisia".

Concluindo, direi que a reconstrução da cidade poderia ter sido o

capital político do ''homem forte" de D. José só que... parece, não soube

tirar partido do investimento.

Personalidade eminentemente controversa, Sebastião José de Carvalho e

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Melo, diplomata em Londres e em Viena de Áustria, Conde de Oeiras e

Marquês de Pombal, julgo que a História não o poderá elevar à craveira de

um semi-deus, nem deixá-lo ao nível da vulgaridade. Teve as suas sombras

e os seus méritos. As suas qualidades e os seus defeitos terão sido as

qualidades e os defeitos da sua época.

TERRAMOTO DE 1755

2ª PARTE: Impacto na Cidade de Braga

«Diário do Minho» 12 / 5 / 2004

Recordando uma excelente peça jornalística assinada por Cláudia

Pereira e publicada, há relativamente pouco tempo, no Diário do Minho,

pode, desde já, afirmar-se que esta província é uma zona de sismicidade

baixa a moderada. Nesta região os sismos são frequentes, mas de baixa

intensidade, razão pela qual as pessoas praticamente não os sentem,

conforme opinião dos professores do Departamento de Ciências da Terra da

Universidade do Minho, Lopes Nunes, Jorge Pamplona e Alberto Lima.

Afirmam, ainda, que "na região noroeste de Portugal continental e sul da

Galiza, a sismicidade é difusa, sendo explicada pelo reticulado de direcções

das falhas, com sismos de magnitude baixa a moderada". Saliente-se que,

nesta região, a maior incidência

sísmica se regista nas zonas a

sul do Cávado e no litoral do Alto

Minho.

Os professores Lopes

Nunes, Jorge Pamplona e Alberto

Lima consideram haver no Minho

"sismos com intensidade inferior

à trepidação provocada pela

passagem de um camião". E

mais: como alguns ocorrem durante o dia, numa altura em que os ruídos

são maiores, as populações acabam por não os sentir.

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Carlos Jaca 17

Feita esta introdução deve já adiantar-se que, em Braga, o terramoto

de 1755, não obstante se ter feito sentir, não deixou marcas visíveis, em

relação ao que aconteceu em tantas outras localidades, para já não

considerar o caso de Lisboa.

O já referido estudo do Prof. José Marques, "Estados do Tempo e

Outros Fenómenos, na Região de Braga, no Século XVIII", fundamenta-se

numa valiosa e diversificada documentação original, na sua maior parte

conservada no Arquivo Distrital de Braga, cujo núcleo primitivo, sem dúvida

o mais notável, é constituído pelos Arquivos do Cabido e da Mitra

apropriados pelo Estado em 1911.

A partir, essencialmente, de algumas dessas fontes documentais e

recorrendo a outros textos relativos à época, o objectivo é apresentar e

divulgar um conjunto de situações que, julgo, muito poucos têm

conhecimento: versões transmitidas pelas fontes bracarenses, chegadas

até nós, acerca do terramoto de 1755 e como foi sentido e vivido na cidade

de Braga e região circundante.

O "Livro Curioso"

De valor inegável é o relato incluído no "Livro Curioso que contem as

principais novidades sucedidas no discurso de 35 anos prencipiando pelo de

1755 athe 1790, escrito por um curioso natural da nobre e sempre lial

cidade de Braga".

O extenso manuscrito, de autor anónimo, com mais de seiscentas páginas,

é uma compilação de tudo quanto o memorialista bracarense considerou

digno de registo para memória futura, podendo cotar-se como uma fonte

fidedigna, pois muitas das suas referências coincidem, ou são confirmadas

por outras fontes.

O "Livro Curioso" abre, precisamente, com a descrição do Terramoto

de 1755, de que foi testemunha ocular. Após ter relatado o que lhe foi dado

observar, informando que nos dias seguintes os abalos continuaram a

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Carlos Jaca 18

repetir-se, sensivelmente, de 15 em 15 minutos, o autor anónimo refere os

efeitos do maremoto, os incêndios e as pilhagens, acrescentando:

"De todo este lastimoso sucesso fui eu testemunha de vista por me

achar nessa cidade e hum dos que por mizericordia de Deos escapei com

vida fugindo das casas em que vivia na Rua dos Odreiros para o largo do

Rucio e sahindo della com outra munto perto para o citio da Senhora da

Penha de França ahi passei alguns dias e noutes sufrendo o frio, fome que

Deos save e vendo o continuo das mizerias que a cada instante se

manifestavão e o pouco remedio que havia para eles e o não ter mais de

meu n' aljibeira que duzentos e trinta reis e sem chapéu na cabessa assim

mesmo me resolvi a vir pedindo esmolla pelo caminho athe a cidade do

Porto padecendo mil encomodos athe chegar a essa cidade na qual tendo

algum conhecido ahi me restabeleci da penosa jornada que tinha trazido e

combalessido alguns dias voltei para esta cidade com favor de deos onde

me tenho conservado athe o prezente" .

O “Diário Bracarense”

De mais largo alcance, e com textos de grande interesse para o

estudo de vários aspectos da História de Braga, é o "Diário Bracarense das

Épocas, Fastos, e Annaes mais remarcáveis, e sucessos dignos de mençam

que succederam em Braga, Lisboa, e mais partes de Portugal e Cortes da

Europa. Escripto em fidelissima verdade pelos dias dos mezes por Manoel

Joze da Silva Thadim. Presbytero secular, advogado nos Auditorios da

Cidade de Braga, e natural da mesma".

Importa sublinhar que o autor do "Diario", Manuel José da Silva

Thadim (Tedim, por actualização do Prof. José Marques) recolheu

memórias, registou acontecimentos do seu tempo, quer através de

manuscritos, quer de obras impressas: "Papeis publicos, que se

estamparam pela Secretaria de Estado, leys extravagantes, breves

pontificios, sentenças, promemorias", etc.

Atendendo a que Silva Tedim era presbítero secular e advogado no

Auditório de Braga, não é de estranhar que as suas descrições sejam mais

completas e de maior valor literário.

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Vejamos, então, o relato que nos deixou no seu "Diário Bracarense",

fundamentado, certamente, em testemunhos orais e com muitas

probabilidades de ter consultado, ou mesmo ouvido, o autor anónimo do

"Livro Curioso", dada a sua condição de testemunha ocular do Terramoto:

"- No primeiro dia de Novembro do anno de mil setecentos e

cincoenta e cinco, em hum sabbado pelas nove horas da manham se sintio

em todo o Reino por espaço de dez minutos, tremer a terra, e foi hum dos

mayores terramotos, que viram as idades no nosso Continente. Abalaram-

se os templos mais fortes e os edifícios mais seguros. Acompanhava-se

este horrível therramoto de hum rugido medonho como o de hum

espantoso trovam. O mar com indizivel braveza sahio dos seus limites. Em

Lisboa foi onde o terramoto fez maior estrago. Cahiram os templos do Deus

vivo, os edifícios, os palacios. Os homens que ficaram vivos mais palidos,

que os mesmos cadaveres, vagavam loucamente sem acertar caminho a

seo descanso. Huns cobrindo com um lençol a desnudez saltavam do leito,

buscando o lugar de refugio. Outros com corpos meyos enterrados nas

minas pediam com desconcertados gritos socorro aos que passavam junto

de si. Outros com os braços e pernas quebradas lamentavam a sua

desgraçada miseria. Tudo era pasmo, horror e confusam e em toda a Corte

se nam viam mais que minas e imagens da morte 'Luctus ubique pavor et

plurima noctis imago'. Calcula-se que de quinze mil habitantes foram

sepultados debaixo da terra.

A cidade, a grande cidade de Lisboa, que pouco era o theatro mais

florente, a republica mais luzida e a Corte mais pomposa, em breve espaço

se vio reduzida a huum montam de pedras: os bens do Principe, da Igreja

e do Estado soffreram todos a mesma sorte, e a terra recebeo de novo no

seyo os metaes que a avareza dos homens tinha arrancado das suas

entranhas. No meyo desta confuzam os Ministros do Evangelho se pozeram

em campo a semiar a palavra divina, pregando penitencia; e depois do

terramoto se atiou improvisamente das proprias minas hum horrível fogo

que queimou muita gente e incendiou os templos mosteiros e palacios,

secretarias, cartorios, ouro, prata, tapeçarias e quanto havia de mayor

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concideraçam. Durou este fogo seis dias sem haver quem o athalhasse. Os

ladroens se aproveitaram desta conjuntura, fazendo muitos furtos,

roubando casas e templos".

Ao extenso relato acrescenta, ainda, que o terramoto se estendeu a

todo o Mundo, com maior incidência no nosso território, destacando, para

além de Lisboa, o Algarve, Alentejo, Cascais, Peniche e Setúbal, e que em

todos estes lugares o mar embravecido engoliu muita gente que se tinha

refugiado nas praias. E concluía, "em hua palabra: espectaculo tam

lastimozo, objecto tam infausto, horror tam formidavel, nam se explica,

nem se descreve, nem se pinta, so se sente".

Também, e seguindo uma lógica que passa sucessivamente do geral

para o particular, o memorialista bracarense registou e descreveu como o

Terramoto foi sentido e vivido na sua cidade e agora, julgo, na qualidade

de testemunha presencial:

"- Em Braga onde se sentio violentamente este terramoto, e à mesma

hora que em todo o Reino, parece devemos crer piamente que amam

poderosissima de Deos Nosso Senhor a livrou de experimentar os infelices

destroços e lastimozos estragos por que passaram Lisboa e tantas villas

notaveis pois no tempo em que durou o fIagello estando o sol claro e o ar

sereno so fez abalar os edifícios mais seguros e so racharam muitas

paredes e contrapadieiras, afastaram-se as fronteiras dos sobrados. As

torres da cidade e a da Sé tremeo com tanto impeto que o relogio por si

principiou a tocar:

abriram e racharam

muitos edifícios e

cahiram alguas couzas

de pedra.

No choro da Sé

onde os Conegos

estavam resando laudes

tremeo com tanta

violencia e deram nelIe

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tam grandes estallos que cauzando tal medo aos capitulares que fogiam

deixando a reza e a vieram concluir na capella de Nossa Senhora da

Piedade do claustro. As gentes dezampararam as igrejas e alguns

sacerdotes os mesmos altares".

Referi, logo no início, que os efeitos materiais do Terramoto na cidade de

Braga foram, praticamente, nulos, bem como nas freguesias do termo do

concelho, o que pode comprovar-se não só pelas informações transmitidas

pelos memorialistas, mas também pelas respostas aos inquéritos

paroquiais de 1758. Reportando-me a estes últimos, apenas quatro fre-

guesias apresentam referências mais desenvolvidas:

Arcos (São Paio) - "26. Teve grande tremor de terra e repetio mais

moderado algumas vezes, mas não houve deterimento em cazas nem

edeficios".

Semelhe (São João) - "26. Ao vigessimo seisto, respondo que não

padecceo alguma ruina grave com o terramoto de mil setecentos e

sincoenta e sinco, mas somente se abalaram algumas cazas, mas sem

prejuizo consideravel. E morreu uma menina que já estava doente nessa

ocasião".

Tenões - "A pergunta vigessima sexta que

trata do Terramoto, idem, porque inda que o arco

cruzeiro da capelIa mor do Bom Jesus do Monte

abrio alguma couza e tambem o coro delIa, não foi

couza que lhe cauzasse danno".

Real (S. Jerónimo) - "Não padeceo esta freguesia no

Terremoto ruina, somente a Igreja abriu as paredes

em algumas partes porém, sem prigo de cahir, na

oppiniam dos officiais predreiros".

Nas restantes freguesias, os párocos limitaram-se a informar que não

havia notícias de ruínas (Vilaça, Arentim, Cabreiros, Espinho, Esporões,

Fraião, Frossos, Lomar), ou, então, nada ter a declarar (Celeirós,

Escudeiros, Este-S. Mamede, Figueiredo, Gualtar).

No entanto, "ainda que nesta cidade nam houve nella mais que

sustos", o clima era de angústia e expectativa. O medo tinha-se

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generalizado e ao mais pequeno abalo, o povo enchia as igrejas suplicando

que o castigo fosse afastado, na ideia de que os pequenos abalos fossem

avisos de um castigo mais severo.

As notícias aterradoras chegadas de Lisboa sobre as deploráveis

desgraças provocadas pelo Terramoto causaram a mais profunda

impressão em toda a cidade, tanto na população anónima como nas

numerosas comunidades religiosas aí existentes, levando-as, pelo

contraste, a reconhecer que Braga tinha sido protegida e poupada por

graça divina.

Em consequência, e de acordo com o "Diário Bracarense", foram

feitas, durante os meses de Novembro e Dezembro, actos penitenciais

colectivos, de acção de graças e de sufrágio pelos mortos. Durante o

mesmo período fizeram-se procissões de preces organizadas, entre outros,

pelos Religiosos do Carmo, Religiosos Capuchos, Irmãos da Misericórdia,

Congregados de S. Filipe de Néri, Padres Jesuítas, Irmãos de Santa Cruz,

Irmãos do Senhor dos Passos, Religiosos do Pópulo, devotos de Nossa

Senhora das Necessidades, da Igreja Paroquial de S. Vítor.

A este propósito, considere-se que o Governo de Carvalho e Melo,

apesar do primeiro ministro ser um declarado inimigo dos Jesuítas, Ordens

Religiosas, e até de algum clero secular, determinou "... que em todo o

reino se fizessem preces para applacar a Deos justamente irado contra os

pecados dos homens. Que no Domingo 2º de Novembro dedicado à Santa

Virgem com o titolo do Patrocínio em todos os annos se fizessem preces

publicas; precedendo na vespera jejum ecclesiastico para todos" .

De todas as procissões de penitência e acção de graças, levadas a

efeito, a mais solene e imponente, realizou-se, a partir da Sé, em 21 de

Novembro, participando para além de muitos penitentes vestidos de

branco, descalços, ''huns com ferros aos pes, outros com espadas nas

mãos, huns açoutando-se, andando a rastos, huns com cruzes ao hombro e

outros com grandes pezos", as várias comunidades religiosas, o Cabido e o

Arcebispo D. José de Bragança, tendo sido referida por todos os

memorialistas.

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As "Memórias Particulares"

Um desses memorialistas é Inácio José Peixoto, nascido em Braga a

27 de Julho de 1732. Antes de completar os vinte anos forma-se em Direito

pela Universidade de Coimbra, vindo a exercer com ''honra'' a advocacia e

tomando-se membro do Tribunal da Relação e Procurador Geral da Mitra

Primaz.

O autor de "Memórias Particulares de Ignacio José Peixoto" – Braga e

Portugal na Europa do Século XVIII, e também de cerca de dezassete

publicações de natureza jurídica e histórica, é, inegavelmente, "um

memorialista bem informado e em relação aos fenómenos naturais que não

eram passíveis de interpretações subjectivas, mais garantidas são as suas

informações".

Eleito para sócio correspondente da Academia Real das Ciências,

confidencia à família a recusa de tal honraria, "por me evitar despesas e

trabalhos com que não podia, crescendo-me a idade".

Obviamente, o desembargador Inácio José Peixoto não podia deixar

de registar nas suas "Memórias Particulares", o modo como a cidade de

Braga ia reagindo ao Terramoto e às notícias que foram chegando do que

tinha acontecido em Lisboa:

"Tudo era dissabor em Braga quando o memorável terramoto do 1º de

Novembro de 1755 destruio Lisboa e abalou todo o Reino. Na tarde deste

celebre dia sahio a pregar penitencia o padre João de Mendonça, jesuita,

grande missionario por hua parte e por outra, o padre João Marcos,

também jesuita. O povo, contudo, não fazia juíso ainda do estrago. Mas no

dia três de Novembro à noite, se entrou a divulgar a destruição de Lisboa e

se confirmou inteiramente no dia cinco. Então cresceu o susto e a

proporção se fizerão preces e penitencias publicas. O povo da cidade tomou

por sua protectora a Virgem Senhora Nossa na sua devota imagem da

Torre, collocada na da cidade que então era dos jesuitas. Juntavão-se

muitos na igreja de São Tiago a orarem: dahi sahião a vesitar a Santa

Imagem. O padre João Marcos, jesuita, no fim lhe fazia praticas.

Commoverão-se a sahir com procissoens de terços e finalmente a

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fundarem a irmandade de Nossa Senhora da Torre pera perpetuamente

continuar esta santa devoção todos os sabados do anno, no dia de Todos

os Santos, em volta dos muros da cidade e nos das principais festas da

Virgem Maria ou hua ves em cada mes. Os devotos de São Tiago não

querião sahir daquella igreja, mas vence-os o maior numero dos que se

separarão pera a Torre e la persistem.

Os ánimos, ainda os mais duros, estavão em comoção. O Prelado

publicou hua procissão geral de penitencia, a que elle assistio com hua

corda ao pescosso e descalsso; à sua imitação, o clero secular e regular.

Assim se executou sahindo da Sé e voltando no giro costumado. Pareceo

necessário dar hum exemplo de arrependimento: foi o senhor D. Jose, a

primeira e unica ves, vesitar o seu cabbido e na vesita não houve senão

lagrimas de parte aparte".

Conflito Mitra-Cabido

Neste registo de Inácio José Peixoto torna-se evidente a devoção a

Nossa Senhora da Torre e, entende-se ou subentende-se, que as relações

entre a Mitra (Arcebispo) e o Cabido (Cónegos) não eram, ou não tinham

sido as melhores, porquanto havia anos que estavam pleiteando.

Pode dizer-se que o conflito, entre os dois poderes, teve o seu início,

praticamente, desde que D. José de Bragança (irmão natural de D. João V)

tomou conta do Arcebispado (1741-56) após um período de treze anos de

"sede vacante" (diocese, neste caso arquidiocese, temporariamente sem

bispo) propício a reforçar, e até ultrapassar, os poderes do Cabido.

Com efeito, acontecia que o Cabido, para além de superintender a

tudo quanto dizia respeito à Sé, "assegurava o Governo da Arquidiocese

nos períodos de Sede vacante. Ao longo dos séculos foi recebendo um sem

número de doações e propriedades espalhadas por todo o país mas com

uma concentração maior em Braga; e, também, criando vários hábitos

bastante maus, principalmente nos períodos de Sede vacante que, por

vezes, eram muito longos".

Ao chegar a Braga, não é de estranhar que D. José de Bragança

procurasse zelar os privilégios da sua Igreja e proceder à reforma de um

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clero dissoluto por via de longa "sede vacante".

Efectivamente, sucedem-se os litígios e agravos logo que o Arcebispo

"inconformado com a comissão de contas da vacatura e empenhado nas

reformas eclesiásticas e morais da Arquidiocese, não aceita a desobediência

dos Cónegos em não quererem levar as maças na procissão da Quinta-feira

da Semana Santa desse ano de 42, e manda a este pretexto os 47

refractários para o aljube".

Ao caso das maças (ceptros), que os Cónegos recusaram pegar

alegando ser essa uma obrigação dos clérigos ecónomos ou terçanários,

seguiram-se outras pendências, nomeadamente a das contas da "sede

vacante" pelas quais D. José teve em sequestro as rendas de muitos

cónegos por vários anos.

A discórdia entre a Mitra e o Cabido manteve-se acesa, e por vezes

ao rubro, arrastando-se durante treze anos, até que a tragédia do 1º de

Novembro veio alterar uma situação que de modo algum prestigiava a

Igreja Bracarense.

O primeiro passo para o desanuviamento no sentido de estabilizar as

relações entre as partes em litígio, parece ter sido dado pelo Cabido que,

em carta datada de Novembro, sem referir o dia, dirigida a D. José de

Bragança, entre outras considerações sobre o Terramoto, terminava

apelando ao Prelado se dignasse "receber esta communidade no seu real

agrado, de que ha tantos annos nos tem privado a nossa infelicidade – para

que, no descanço d'uma verdadeira paz, possamos efficassissimamente

pedir a Deus a vida e saude de Vossa Alteza Serenissima, para o bem

d'este Arcebispado".

Com toda a humildade respondia o Arcebispo ao Cabido, a 21 de

Novembro, ordenando que na cidade e arcebispado se fizessem preces

públicas, e "que se concluam em procissão penitente, a que havemos de

assistir com affecto paternal, desejando a conservação de nossos subditos,

e vêr estabelecida entre todos urna verdadeira paz e concordia.

Sempre, quanto é da nossa parte, estivemos e estaremos promptos, para a

reconciliação de todos e quaesquer, em que se possam considerar motivos

para algum resentimento"...

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Congratulando-se com a resposta de D. José de Bragança, e ansiando dar

por findo tão celebrado litígio, os cónegos desejavam "... que dos annos da

nossa infelicidade não fiquem nem memorias, que nos possam perturbar o

consentimento; temos determinado não continuar os pleitos, em que nos

vimos precisados de ser auctores.

Mas porque no das contas da Sé vacante, por sermos reos, não ha egual

poder, estimaremos summamente, que el1as se concluam sem os ruídos

dos auditorios, para que a fazenda de Vossa Alteza Serenissima – se está

prejudicada – fique resarcida; e a paz, que é todo o nosso interesse, não

pareça violada aos que não conhecem os corações".

De facto, parece que só um Terramoto poderia pôr termo a tão prolongada

como lamentável questão, e, assim, impedir a tempo, que D. José de

Bragança levasse para a sepultura o desgosto do conflito, porquanto viria a

falecer sete meses depois, a 3 de Junho de 1756.

Conclusão.

O terramoto de 1755, com todas as suas dramáticas consequências,

veio polemizar a discussão acerca das causas dos tremores de terra,

embora não tão acentuada como no resto da Europa.

Não cabe aqui abordar, nem sequer pela rama, tal questão, que, na

época, levou mesmo a um extremar de posições. Por um lado, eram as

interpretações de carácter religioso, por outro, as de carácter filosófico e

naturalista. Perante um acontecimento que tamanhas consequências

acarretou, tornava-se necessário encontrar uma explicação de modo a

aquietar as consciências, dando-lhe um sentido que pudesse abranger ao

mesmo tempo as duas interpretações, isto é, o natural e o sobrenatural.

Finalmente, e ainda no que diz respeito a Braga e seu termo,

considere-se o juízo formulado pelo Prof. José Marques acerca dos

tremores de terra setecentistas: "... Apesar de serem geralmente bem

sentidos por toda a população, foram maiores as consequências dos abalos

psicológicos por eles desencadeados do que os prejuízos materiais. Para

esta situação – sem rejeitarmos a possibilidade de protecção sobrenatural –

deveremos procurar explicações científicas plausíveis, uma das quais

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reside, naturalmente, no facto de a cidade de Braga e as zonas envolventes

estarem assentes numa extensa massa rochosa, aspecto, possivelmente,

então desconhecido da grande maioria da população.

Por sua vez, a consciência da insegurança e da impotência do homem

face a estes fenómenos naturais não podia deixar de estimular as

populações a implorarem a misericórdia divina, através da intercessão da

Mãe de Deus, aqui venerada também como Nossa Senhora da Torre – a

torre, símbolo de refúgio e protecção – , dos Santos da especial devoção

das diversas comunidades, de actos de penitência, etc.".

Já depois de concluído este trabalho foi noticiada a realização do VI

Congresso Nacional de Sismologia e Engenharia Sísmica, sob a égide da

Universidade do Minho, no Auditório da Escola de Engenharia de

Guimarães.

Sendo do conhecimento geral o nosso país

encontrar-se implantado numa zona de risco

sísmico, o VI Congresso Nacional, segundo Paulo

Lourenço, presidente da Comissão Organizadora,

visa contribuir para a melhoria da construção, para

a definição de áreas estratégicas de investigação e

desenvolvimento, para a protecção do património

arquitectónico e para a redução da vulnerabilidade

sísmica do edificado nacional. Acrescenta, ainda,

que o Departamento de Engenharia Civil da

Universidade do Minho desenvolve, há alguns anos, trabalhos ao nível da

caracterização dos edifícios e dos materiais que os constituem, o que faz

com que a Universidade do Minho possua um currículo relevante nesta

área.

Bibliografia consultada

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XVII e XVIII. Apêndice Documental. Ministério do Planeamento e da Administração do

Território.

Braga, Maria Luísa - "A Polémica dos Terramotos em Portugal". Cultura-História e Filosofia.

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