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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio UNESP/INCRA/Pronera TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E TERRITÓRIOS COMO RECURSO DO CAPITAL ENIO JOSÉ BOHNENBERGER Monografia apresentado ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia Orientadora: Dra. Mirian Claudia Lourenção Simonetti Monitor: Leandro Nieves Ribeiro Presidente Prudente 2011

TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO … · 2011-08-05 · EMATER- Empresa de Assistencia técnica e extensão rural ... Quadro 1 - Principais povos indígenas em Minas Gerais,

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Câmpus de Presidente Prudente

Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

Convênio UNESP/INCRA/Pronera

TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO

JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E

TERRITÓRIOS COMO RECURSO DO CAPITAL

ENIO JOSÉ BOHNENBERGER

Monografia apresentado ao Curso Especial de

Graduação em Geografia (Licenciatura e

Bacharelado), do Convênio

UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título

de Licenciado e Bacharel em Geografia

Orientadora: Dra. Mirian Claudia Lourenção

Simonetti

Monitor: Leandro Nieves Ribeiro

Presidente Prudente

2011

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TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO

JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E

TERRITÓRIOS COMO RECURSO

ENIO JOSÉ BOHNENBERGER

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho

do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e

Tecnologia, campus de Presidente Prudente da

Universidade Estadual Paulista, para obtenção do

título de Licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Dra. Mirian Claudia Lourenção

Simonetti

Monitor: Leandro Nieves Ribeiro

Presidente Prudente

2011

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Enio José Bohnenberger

TERRITORIALIDADES EM TENSÃO NO VALE DO

JEQUITINHONHA: TERRITÓRIOS DE VIDA E

TERRITÓRIOS COMO RECURSO PARA O CAPITAL

Monografia apresentada como pré-requisito para

obtenção do título de Bacharel em Geografia da

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora

composta pelos seguintes membros:

Presidente Prudente, novembro de 2011

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Ao MST, que faz parte de minha caminhada

desde 1989, que nos proporcionou e

proporciona tantas oportunidades de lutar

por uma vida digna em todos seus aspectos.

Que nos permite construir nossa formação

em sua totalidade.

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AGRADECIMENTOS

A minha companheira Helenice, que com sua serenidade e ternura me ajuda a

enfrentar os desafios da luta por um mundo mais humano e justo;

A Ana Clara, que há 8 anos caminha conosco, exalando seu perfume, seu

carinho e nos contagiando com sua alegria;

Ao Pedro Ernesto, que desde cedo aprendeu a ser poeta para cantar a vida com

mais alegria e para ajudar a superar a minha ausência;

À Marina, que mesmo distante de minha presença, mas não se ausenta na

lembrança e no carinho;

Aos meus pais Egidio e Xênia, camponeses que às custas de uma enxada,

criaram e educaram sete filhos e filhas. Foi com eles que aprendemos a ser resistentes

nesta vida dura que os camponeses brasileiros enfrentam;

À Mirian, minha orientadora e toda sua equipe (Alex,...) que me ajudaram a

descobrir e a escrever os territórios de vida digna dos camponeses do Vale do

Jequitinhonha e do Brasil;

Ao Leandro Nieves Ribeiro, pelas contribuições técnicas (gráficos, mapas,

tabelas...) e pela paciência e compreensão na correção dos trabalhos.

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As monoculturas ocupam primeiro a mente e depois

são transferidas para o solo. As monoculturas mentais

geram modelos de produção que destroem a

diversidade e legitimam a destruição como progresso,

crescimento e melhoria (...) A expansão das

monoculturas tem mais a ver com política e poder do

que com sistemas de enriquecimento e melhoria da

produção biológica.

Vandana Shiva

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RESUMO

O presente trabalho buscou analisar a territorialidade em tensão no Vale do

Jequitinhonha.-MG; tendo como referencia os territórios de vida e os territórios como

recurso do capital. Portanto as contribuições realizadas neste trabalho estiveram

vinculadas de analise a questão agraria no Vale Jequitinhonha, durante os anos de.2009

2011, desde a perspectiva da geografia critica. As informações colhidas durante o tempo

de pesquisa permitiram analisar a realidade da estrutura fundiária no município de

Jequitinhonha e suas contradições históricas e geográficas no contexto do Brasil. Para o

qual se utilizou a metodologia de ação e investigação de trabalhos acadêmicos sobre a

regiao, bem como junto as comunidades de resistência camponesa, o que possibilitou

compreender as mudanças ocorridas no território. A pesquisa se fundamentou em

diferentes modelos de desenvolvimento da produção nos territórios camponês e do

agronegócio e também buscou-se compreender a luta pela terra e as formas de

resistência dos trabalhadores Sem Terra no território.

Palavras chaves: Agronegócio, território camponês.

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RESUMEN

El presente trabajo buscó analizar la territorialidad en tensión en el Vale do

Jequitinhonha, en el Estado de Minas Gerais – Brasil; teniendo como referencia los

territorios de vida y los territorios como recurso del capital. Por lo tanto las

contribuciones realizadas en este trabajo estuvieron vinculadas al análisis de la cuestión

agraria en el Vale do Jequitinhonha, durante los años.... desde la perspectiva de la

geografía critica. Las informaciones recogidas durante el tiempo de investigación

permitieron analizar la realidad de la estructura fundiária en el Municipio de

Jequitinhonha y sus contradicciones históricas y geográficas en el contexto de Brasil.

Para la cual se utilizó la metodología de acción-investigación participativa junto a las

comunidades de resistencia campesina, lo que pemitió comprender las transformaciones

ocurridas en el territorio. La investigación se fundamentó en los diferentes modelos de

desarrollo de la produción en territorio del campesinado y del agronegocio, también se

buscó comprender la lucha por la tierra y las formas de resistencia de los trabajadores

Sin Tierra en el territorio.

Palavras chaves: Agronegocio, territorio campesino.

.

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Lista de Siglas

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

EMATER- Empresa de Assistencia técnica e extensão rural

ATER- Assistência técnica e extensão rural

IBGE- Instituto Brsileiro de Geografia e Estatística

MST- Movimento dos Trabalhadores |Rurais Sem Terra

STR- Sindicato dos Trabalhadores Rurais

CODEVALE- Companhia de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha

CEMIG- Companhia Energetic de Minas Gerais

DER- Departamento de Estradas e Rodagem

BEMGE- Banco do Estado de Minas Gerais

BNB- Banco do Nordeste do Brasil

IBDF-Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IEF- Instituto Estadual de Florestas

CGIAR- Consultative Group on International Agricultural

PSN- Plano Siderúrgico Nacional

MRH- Micro-região homogênea

MIBA- Mineração Minas Bahia

EUA- Estados Unidos da América

INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

UFJF- Universidade federal de Juíz de Fora

EJA- Educação de Jovens e Adultos

ITERRA – Instituto Técnico de Capacitação Pesquisa da Reforma Agrária

UNESP- Universidade Estadual Paulista

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Lista de figura

Figura 1 - O Vale do Jequitinhonha e as três microrregiões: o Alto, o Médio e o Baixo.

........................................................................................................................................ 26

Figura 2 – Povos Indígenas em Minas Gerais na segunda metade do século XVI. ....... 31

Gráfico 1 – Produção agropecuária no Baixo Jequitinhonha ......................................... 20 Gráfico 2 – Área plantada em lavouras no Baixo Jequitinhonha, segundo o Censo

Agropecuário de 2006. ................................................................................................... 23

Lista de quadro

Quadro 1 - Principais povos indígenas em Minas Gerais, no século XXI. .................... 32

Quadro 2 - Comunidades rurais no municipio de Jequitinhonha ................................... 64

Lista de tabela

Tabela 1 – População urbana e rural .............................................................................. 21

Lista de fotos

Foto 1 – O leito do rio Jequitinhonha, a cidade de Jequitinhonha, os grotões e as

chapadas. Fonte: Decanor Antunes, 2009. ..................................................................... 15 Foto 2 – Médio Jequitinhonha, cujos Vales são mais estreitos, pois as terras são mais

acidentadas em relação ao Baixo Jequitinhonha. Na foto, temos à frente a plantação de

Eucalipto. Fonte: Decanor Antunes, 2009. ..................................................................... 16

Lista de Mapas Mapa 1 - Localização do Vale do Jequitinhonha e suas microrregiões .................................. 15

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SUMÁRIO

Introdução ....................................................................................................................... 11

I - Territórios e contradições .......................................................................................... 14

1.1 - A caracterização histórica e geográfica do Baixo Jequitinhonha ................. 14

1.2 - A estrutura fundiária e a produção agrícola do Baixo Jequitinhonha ........... 19

II - O Vale do Jequitinhonha: índios, negros e camponeses ........................................... 26

2.2.1 - O território indígena................................................................................... 27

2.2.2- O território dos negros ................................................................................ 33

2.2.3 - O Território do campesinato: destruição e resistência ............................... 35

III- O território como recurso para as empresas de eucalipto e mineradoras no município

Jequitinhonha .................................................................................................................. 44

3.1- As políticas de implantação do eucalipto no Vale do Jequitinhonha ............ 44

3.2 - Uma tragédia anunciada ............................................................................... 45

3.3 - O monocultivo do eucalipto no município de Jequitinhonha ....................... 50

IV - Territórios em disputa: um novo período na luta pela terra .................................... 58

4.1 - A luta por territórios de vida – a luta pela terra na região ............................ 58

4.2 – Os assentamentos como territórios de vida. ................................................. 62

Considerações finais ....................................................................................................... 67

Referências Bibliográficas .............................................................................................. 70

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Apresentação

Este trabalho foi possível graças ao MST, ao qual ingressei em 1989 ainda no

estado do Rio Grande do Sul. Foi lá que aprendemos a ser militantes da vida e enfrentar

as elites agrárias deste país, para realizar a tão sonhada Reforma Agrária. Foi no MST

que construímos nossa formação política e nos ajudou a assumir a identidade de classe

camponesa e trabalhadora.

Em 1996 fomos convocados a realizar um trabalho militante no estado de

Minas Gerais, criamos raízes por lá e por lá estamos, no ao de 2000 participamos do

primeiro curso da Realidade Brasileira em parceria com a Universidade Federal de Juiz

de Fora. Foi a primeira vez que entramos formalmente em uma Universidade. De 2003 à

2005, o MST nos proporcionou um curso de Ensino de Jovens e Adultos de Nível

médio através do ITERRA-RS o qual participamos nos formando em 2005. Nesse

período surgiu o trabalho de construção do curso de Geografia em parceria com a

UNESP Presidente Prudente, o qual ingressamos em 2007.

Este trabalho de pesquisa que resultou na monografia é um aprendizado que

construímos coletivamente, portanto fruto de um grande mutirão de pessoas no sentido

de buscar conhecimentos para continuar rompendo as cercas do latifúndio, do capital e

do saber

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Introdução

Este trabalho de conclusão do Curso de Geografia é um esforço de entender a

disputa territorial entre o capital e os camponeses no Vale e no Município de

Jequitinhonha, fundamentalmente a terra e a água, em uma região semiárida como é o

Vale do Jequitinhonha.

Por ter um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano(IDH) do

Brasil, o Vale do Jequitinhonha, desde a década de 1970 é conhecido como “vale da

miséria”, pelos órgãos governamentais. Verifica-se porem, que esta região já foi uma

das mais cobiçadas do país, em primeiro momento para a extração do diamante e das

pedras preciosas no século XVII, e logo depois para a expansão da atividade

agropecuária. Já a partir de 1970, passa a ser alvo das empresas monocultoras de

eucalipto, principalmente o Alto e o Médio Jequitinhonha. Mais recentemente, a a partir

de 2005, também o Baixo Jequitinhonha também passa a interessar ao capital

monocultor de eucalipto.

O que nos chama a atenção para a realização de nosso trabalho, que mesmo o

Vale sendo uma região considerada pobre pelos índices de desenvolvimento,tem atraído

investimentos por parte do capital. E sempre que aparecem os investimentos, vem junto

o discurso de levar o desenvolvimento econômico local, geração de empregos e renda

para tirar o vale da miséria e da pobreza. Passados alguns anos se percebe que a

população local não melhorou de vida e as tais melhorias não atingiram os seus

propósitos. Ou pior ainda, os modelos de desenvolvimento acabam destruindo a cultura

local, seus modos de vida e seu território.

Dessa maneira, o que se percebe, é uma disputa pelos recursos naturais do

território , principalmente terra e água. Os camponeses que esperam e lutam há anos por

Reforma Agraria e por melhores condições de vida no campo, acabam sempre ficando

de fora destes projetos. A conflitualidade se desenvolve entorno de dois projetos, o do

capital, que busca aumentar seus lucros a traves da exploração intensiva dos recursos

naturais, e os camponeses que querem melhorar suas condições de vida.

Entorno destes dois projetos distintos, acontece a conflitualidade, se por um

lado o capital busca se territorializar através de projetos incentivados pelos governantes

e pelo Estado, principalmente o monocultivo de eucaliptos. Por outro lado, os

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camponeses vão criando formas de luta e resistência para manter e até ampliar seus

territórios e seu modo de vida.

Para a realização deste trabalho, nos preocupamos primeiramente em compilar

informações sobre a região, em trabalhos acadêmicos, não se preocupando tanto com a

área do conhecimento. também buscamos informações locais com lideranças e pela

própria vivencia nossa na região.

Para discutir a questão do território, nos referenciamos em vários autores, mas

fundamentalmente entendemos o território em seu sentido amplo. Concordamos com

Fernandes 2008 de que o ponto de partida para discutir o território é o espaço. “o

espaço é a materialização da vida humana”. Ele é por tanto, uma totalidade. As relações

sociais produzem espaços, e os espaços produzem relações sociais. o conceito de

território no sentido mais amplo, o da multidimensionalidade, defendido por Fernandes,

que também considera o território na multiescalaridade, que significa levar em conta as

diferentes classes sociais. Por tanto, no nosso entender, o território possui toda essa

dimensão da vida.

Concordamos com Porto-Gonçalves que afirma que

é o espaço apropriado, espaço feito coisa própria, enfim, o

território é instituído por sujeitos e grupos sociais que se

afirmam por meio dele. Assim, há, sempre, território e

territorialidade, ou seja, processos sociais de territorialização.

num mesmo território há, sempre, múltiplas territorialidades

(apud FERNANDES, 2008,p. 5).

Dentro deste processo dialético, é que analisamos a territorialização, tanto dos

camponeses, como do capital. Se por um lado o capital vê o território apenas como uma

fonte de lucros, o território camponês tem um sentido mais amplo, acontecendo portanto

uma disputa territorial.

Os projetos que ora estão em disputa, conformam duas paisagens diferenciadas.

Por um lado a homogeneidade do agronegócio e por outro a diversidade dos territórios

de vida, como afirma Fernandes 2008

A composição uniforme e geométrica da monocultura se

caracteriza pela pouca presença se pessoas no território, porque

sua área está ocupada por mercadoria, que predomina a

paisagem. A mercadoria, é a expressão do território do

agronegócio. A diversidade dos elementos que compõem a

paisagem do território camponês é caracterizada pela grande

presença de pessoas no território, porque é neste e deste espaço

que constroem suas existências, produzindo alimentos. Homens,

mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias, produção de

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mercadorias, culturas e infra-estrutura social, entre outros, são

os componentes da paisagem dos territórios camponeses.(p. 11)

Quanto a estruturação do trabalho, dividimos em quatro capítulos. No primeiro

buscamos desenvolver os aspectos geográficos e históricos da região, desde sua

colonização. As características físicas e sua localização no estado e no país, bem como

sua estrutura fundiária. No segundo capitulo a formação do campesinato no Vale do

Jequitinhonha, sua destruição e resistência, o território indígena e o território negro.

Veremos que mesmo depois de seculos de colonização e povoamento da região, a

resistência dos índios, negros e camponeses continua forte. Tanto é que temos ainda

32% da população morando no campo no Baixo Jequitinhonha, enquanto no Brasil,

temos apenas 15%.

No terceiro capitulo, buscamos desenvolver o território como recursos do

capital, principalmente a monocultura do eucalipto. Os projetos que se desenvolveram

ao longo de sua colonização e povoamento, bem como os novos projetos que estão

sendo planejados para a região.

E por fim, no quarto capitulo, trabalhamos com a luta pela terra, sua

territorialização na região. A isso chamamos de territórios de vida, onde são construídos

as alternativas no enfrentamento ao capital.

Desta maneira, o trabalho pretende mostrar a grande disputa que há entre dois

modelos de desenvolvimento na região do Baixo Jequitinhonha, os territórios de vida e

o território como recurso para o capital. Os resultados de tal disputa são imprevisíveis,

mas de qual quer forma, eles se confrontam com certeza, seremos chamados a nos

posicionar sobre eles.

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I - Territórios e contradições

1.1 - A caracterização histórica e geográfica do Baixo Jequitinhonha A mesorregião do Vale do Jequitinhonha está localizada no Nordeste mineiro e

faz parte do semi-árido brasileiro que está distribuído em três micros regiões, o Alto, o

Médio e o Baixo Jequitinhonha. É chamado de vale, pois o Rio Jequitinhonha atravessa

toda sua extensão, em torno de 1080 km, desde sua nascente na localidade de Serro,

próximo a Diamantina, até a sua foz no litoral baiano. Sua bacia abrange 63 municípios,

sendo 41 totalmente incluídos e 22 parcialmente (IBGE, 1997). A palavra

Jequitinhonha, vem dos índios Borun, do tronco Aimoré. “O topônimo Jequitinhonha é

de origem indígena e tem o significado de rio largo e cheio de peixes”1 (IBGE, 2010).

O Rio Jequitinhonha foi, na época da colonização, o principal meio de

locomoção, tanto para o deslocamento humano, como para o escoamento das riquezas,

diamantes, ouro e pedras preciosas. Desde então, as atividades para fins de

agropecuária, garimpagem, mineração, represas, desmatamentos etc., têm causado

muitos danos ambientais no rio e seu entorno. Mesmo assim, ainda é o principal recurso

hídrico da região, responsável pelo suprimento de água de grande parte dos municípios

que compõe o vale.

Segundo Ribeiro (2004), as características fisiogeográficas do Baixo

Jequitinhonha, são de terras planas e férteis, vales abertos e serras com poucas

diferenças acentuadas entre ambas, bem diferentes do alto.

Nas matas as terras possuem fertilidade bastante uniforme e, embora

também formada por vales e serras, apresentam diferenças pouco

acentuadas de uso dos solos entre terras altas e baixas. Vales largos,

cobertos por florestas, chapadas extensas e férteis, grandes áreas

planas formando horizontes abertos marcam o Baixo Jequitinhonha.

(RIBEIRO, 2004, p.05)

1 Página do IBGE: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1

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Mapa 1

Foto 1 – O leito do rio Jequitinhonha, a cidade de Jequitinhonha, os grotões e as

chapadas. Fonte: Decanor Antunes, 2009.

A ocupação do Vale do Jequitinhonha inicialmente se deu pelos índios Borun,

que no século dezoito se viram ameaçados e perseguidos pelas expedições portuguesas

em busca de ouro, posteriormente vieram os colonizadores em busca da terra fértil e

“sem dono”2.

2 Terras livres, não ocupadas economicamente pelos colonizadores.

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Foto 2 – Médio Jequitinhonha, cujos Vales são mais estreitos, pois as terras são mais acidentadas

em relação ao Baixo Jequitinhonha. Na foto, temos à frente a plantação de Eucalipto. Fonte:

Decanor Antunes, 2009.

Segundo Silva 2008, “a história do município do Jequitinhonha é a história da

guerra contra os índios Borun”. O povoado que deu origem ao município se formou a

partir da instalação do quartel da Sétima Divisão Militar, denominado Quartel de São

Miguel, conforme descreve o Diário do Executivo:

A origem de sua fundação, como a de várias cidades baianas e

mineiras, assenta-se nas guerras feitas ao gentio pelos vice-reis e

governadores gerais do Brasil desde o primeiro século da descoberta.

Sendo a vasta região do Médio e Baixo Jequitinhonha ocupada

inteiramente pela numerosa tribo dos Botocudos, determinou que o 4º

vice-rei, Vasco Fernandes César de Menezes, que governou o Brasil

de 1720 a 1735, que o capitão-mor Antônio Veloso da Silva

continuasse nas guerras então feitas ao gentio bárbaro [...]. a criação

dos governadores provinciais, continuaram estes nas guerras

indiscriminadas para posse do vale do Jequitinhonha. [...] Quando se

constituíram, em março de 1808, as divisões militares, não se pensou

logo em colocar uma às margens do Jequitinhonha. Foi somente em

1811 que se criou a que ocupa atualmente o povoado de São Miguel, e

que lhe deram por comandante o alferes Julião Fernandes Leão (...).

Por ter sido o Rio Jequitinhonha considerado diamantífero e

pertencente à Coroa todas as riquezas do sub-solo, determinou o

governo da Metrópole que o grande rio fosse guarnecido por tropas de

dragões (...), distribuiu companhias de dragões numa extensão

superior a cinquenta léguas, até os limites da província, que foi

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escolhida para sede da Sétima Divisão. (DIÁRIO EXECUTIVO, nº. 9

– 15/11/1960, apud, SILVA, 2007).

Em sua trajetória administrativa o povoado foi elevado à condição de Vila-

Distrito, de vários municípios chegando a pertencer ao Estado da Bahia e por último ao

município de Araçuaí. Somente em 1911 é que o distrito vai se constituir como

município de Jequitinhonha, elevando os povoados, que são atualmente os municípios

de Almenara, Bandeira, Salto da Divisa, Jacinto, Joaíma, Felisburgo, Rubim, Rio do

Prado, Santa Maria do Salto, Jordânia e Palmópolis, a condição de distritos e que, mais

tarde também terão sua emancipação política. O município do Jequitinhonha ficou

confrontando à Leste e Nordeste com o Estado da Bahia, à Oeste com o município de

Araçuaí e à Sudeste com o município de Teófilo Otoni (SILVA, 2008). A seguir, a

Mapa 1 mostra a localização do Vale do Jequitinhonha no Estado de Minas Gerais e suas

respectivas microrregiões.

.

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Mapa 1 – Localização do Vale do Jequitinhonha e suas microrregiões

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1.2 - A estrutura fundiária e a produção agrícola do Baixo

Jequitinhonha

O território do Baixo Jequitinhonha é formado por 16 municípios, tem uma

população total de 175.991 habitantes, sendo que 67,6 % residem na área urbana

(118.970 pessoas) e 32,4 % na área rural (57.021 pessoas) (BELO HORIZONTE,

2009). Neste sentido, pode-se verificar que a população rural ainda é expressiva nessa

região, visto que está acima da média nacional3. Vale ressaltar, que parte significativa

da população residente na cidade desenvolve atividades no meio rural, trabalho este que

pode ser temporário, como nas lavouras de café ou como diaristas, ou, na condição de

assalariados nas plantações de banana, eucalipto, entre outros.

Desta maneira, verifica-se que a economia da região está ligada ao meio rural,

sobretudo pelo fato da região não ter atraído empresas relevantes que proporcionasse a

sua industrialização. A exceção é a extração de rochas de mármore e granito, mas como

sua extração é mecanizada, os empregos são insignificantes. Há também uma pequena

extração de grafite no Município de Salto da Divisa.

Segundo os estudos do Ministério de Desenvolvimento Agrário (BELO

HORIZONTE, 2009), em 2009, a renda per capta média do território do Baixo

Jequitinhonha é de R$ 114,65 ao mês, que é inferior se comparado com outras regiões

do Estado e do país. Grande parte das terras dos municípios está ocupada com pastagens

(59,7%), seguido das matas (31,1%)4. Em seguida vêm as lavouras que ocupam 7,3%

das terras (gráfico 1). Ressalta-se que no Baixo Jequitinhonha os plantios de eucalipto

são mais recentes a partir de 2005. Já em termos de valor da produção, 62% vêm de

origem animal e 30% das lavouras, portanto esses dados dão conta que 92% da

economia da região vêm da agropecuária. (BELO HORIZONTE, 2009)

3 Segundo o Censo do IBGE de 2010, o Brasil conta com 15,65% da população no campo, ou seja,

29.852.986 pessoas. 4 Quanto às matas, somente no município de Jequitinhonha há um parque florestal de mais de 50 mil

hectares

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Gráfico 1 – Produção agropecuária no Baixo Jequitinhonha

Em termos da estrutura fundiária, a região segue o país, apresentando uma

grande concentração de terras. As áreas acima de mil hectares, que representam 2,6%

dos estabelecimentos concentram 30% da área total, porém se ressalta que um

proprietário pode ter vários estabelecimentos o que demonstra uma concentração maior

das terras. Já as propriedades com menos de dez hectares representam 16,4% dos

estabelecimentos e detém somente 0,4% da área.

Por outro lado, as propriedades acima de mil hectares que ocupam 30% das

terras são responsáveis por apenas 6,8% das pessoas ocupadas no meio rural e apenas

12% do valor anual de produção. Enquanto os estabelecimentos com menos de cem

hectares, que ocupam apenas 13,3% das terras são responsáveis por 59,5% das pessoas

ocupadas e por 38% do valor anual de produção. Estes dados demonstram que o

potencial para o desenvolvimento socioeconômico está nos pequenos e médios

estabelecimentos (BELO HORIZONTE, 2009).

Outra questão a ser ressaltada refere-se ao potencial de desenvolvimento local

dos pequenos e médios produtores, pois a dinâmica de produção e comercialização se dá

no próprio município, através das feiras livres e do mercado tradicional. Enquanto que

os grandes proprietários mantêm uma relação externa ao local e uma maior relação com

os municípios de porte médio, tal como o Município de Teófilo Otoni, que se

caracteriza como centro regional de serviços.

É importante também ressaltar que no Vale do Jequitinhonha existem vários

programas governamentais e políticas públicas voltadas para o atendimento da

31,1%

1,9%

7,3%

59,7%

Matas

Outros

Culturas

Pastagens

Fonte: IBGE, 2006.

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população mais pobre da região, entre os quais se destacam o programa Bolsa Família

que ajuda na complementação da renda familiar. Outra fonte de recursos é a

aposentadoria, que muitas vezes é a principal fonte de renda das famílias. O PRONAF

(Programa Nacional de Agricultura Familiar) também atua como fonte de recursos para

algumas famílias.

Em que pese à importância da agricultura na região verifica-se a precariedade

com relação à assistência técnica realizada pela EMATER (Empresa de Assistência

Técnica e Extensão Rural), através do programa ATER (Assistência Técnica e Extensão

Rural). Nos 16 municípios do Baixo Jequitinhonha, há apenas 50 técnicos para atender

os mais de 57 mil camponeses e fazendeiros da região (BELO HORIZONTE, 2009).

Esse dado equivale a um técnico para cada 1140 pessoas do meio rural, isso

contabilizando com os técnicos de escritório que não vão a campo, enquanto que seria

necessário um técnico para cada 100 pessoas. Ou seja, dentre as políticas publicas dos

governos estadual e federal, o desenvolvimento e melhoramento da produção não é

prioridade.. Verificamos que o governo federal prioriza os programas assistenciais, tais

como o “Bolsa Família”, que não resolvem os problemas das famílias e nem visam a

maior autonomia e soberania da população.

O município de Jequitinhonha, localizado no Baixo Jequitinhonha, segue a

mesma realidade da região. É o maior município em extensão do Baixo Jequitinhonha,

com 3517 km², possui uma população de 24.131 habitantes, sendo que destes, 7.070

habitantes residem no meio rural, ou seja, mais de 30% da população total do

município. Vale ressaltar que dentre esses habitantes da área rural, estão sete Projetos

de Assentamentos de Reforma Agrária, com 372 famílias e aproximadamente 1480

pessoas. Esses assentamentos foram realizados a partir 1990 e possuem as mais diversas

orientações políticas: MST, STR, Banco da Terra, além dos assentamentos criados pelo

governo estadual.

Tabela 1 – População urbana e rural

Pop. urbana Pop. Rural Total

Jequitinhonha 17.061,00 70,7% 7.070,00 29,3% 24.131,00

Baixo Jequitinhonha 118.970,00 67,6% 57.021,00 32,4% 175.991,00

Minas Gerais 16.715.216,00 85,3% 2.882.114,00 14,7% 19.597.330,00

Brasil 160.879.708,00 84,3% 29.852.986,00 15,7% 190.732.694,00

Fonte: IBGE, 2010 e MDA, 2009. Org: Enio J.B e Leandro N.R.

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Nos municípios do Baixo Jequitinhonha, como vimos anteriormente no gráfico

1, a produção agropecuária responde por 59,7% de pastagens. Apesar das pastagens

serem dominantes, estas contribuem pouco para o desenvolvimento social da região, ao

contrário causam impactos negativos no modo de uso e posse da terra, na produção de

alimentos e nas relações sociais de produção e provocarem grandes alterações nos ciclos

hídricos. Segundo Carneiro e Fontes, estas atividades tem contribuído para ampliação

fundiária nesta região, alem de pressionar a agricultura em função da monopolização da

terra e contribuição para a redução da mão-de-obra empregada.

Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 1995/1996 constatou-se, neste

período, uma área total utilizada de 1,157.917 hectares, enquanto, em 2006, a área

passou para 1.114.707 ha, isto é, houve uma pequena redução da área utilizada.

Contudo, verifica-se que houve uma redução de quase 33% da área utilizada para

pastagens, enquanto as matas e florestas mais do que dobraram em sua área utilizada

total e as culturas aumentaram de 21.707 para 81.645, isto é, aumentou quase em quatro

vezes no período de pouco mais de 10 anos. Isso significa que, está havendo uma

tendência de expansão da agricultura e reflorestamento em detrimento das atividades

pecuárias, pois se em 1995 as pastagens representavam 85% de toda a área utilizada, em

2006 este valor caiu para 60%.

Se, por um lado, a área total utilizada em hectares reduziu-se entre 1995 e

2006, por outro, o número de estabelecimentos rurais aumentou significativamente

neste mesmo período. Segundo Belo Horizonte (2009), verifica-se um aumento de 15%

no número de estabelecimentos no Baixo Jequtinhonha. Dentre os municípios que

aumentaram o número de estabelecimentos, Almenara teve 40% de aumento,

Divisópolis quase dobrou e Jequitinhonha, em 2006, superou em 3 vezes o número de

estabelecimentos de 1995. Isso ocorreu devido aos assentamentos de reforma agrária

instalados neste município no período que iremos tratar com mais detalhes no capítulo

4.

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Gráfico 2 – Área plantada em lavouras no Baixo Jequitinhonha, segundo o Censo Agropecuário de

2006.

No gráfico 2, se verifica que a produção agrícola responde por 7,3% da área

ocupada e apresenta uma produção diversificada.

Dentre os 7,3% da área ocupada por produção agrícola no Baixo

Jequitinhonha, em seus municípios as culturas e lavouras permanentes são bastante

significativas, sendo a banana o principal produto de Jequitinhonha e Joaíma, o café em

Divisópolis, o Coco-da-Baía e o café, os principais produtos de lavouras permanentes

de Almenara. O cultivo do café, com 26,7% do total, possui a maior área plantada na

região, seguida por feijão (21,5%) e mandioca (21%). Já a produção de Banana está

presente em somente 3,2% do total da área plantada. Embora pequena, a produção de

banana é destinada ao mercado externo da região, pois é produzido por uma associação

de grandes e médios produtores de banana. Com relação ao café, a mandioca, o feijão e

outras plantas a área plantada é proporcionalmente superior a da banana (26,7%, 21% e

15,4% respectivamente), e são importantes produções das unidades camponesas, quer

para o consumo quer para o mercado local (BELO HORIZONTE, 2009).

III - A formação do campesinato no Vale do Jequitinhonha

3.1 – A ocupação do Vale do Jequitinhonha no contexto da formação do Brasil

1,1%2,1%3,2%

8,9%

15,4%

21,0%21,5%

26,7%

Coco-da-baía

Milho

Banana

Cana-de-açúcar

Outros

Mandioca

Feijão

Café

Fonte: BELO HORIZONTE, 2009.

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Mesmo que de maneira breve gostaríamos de inserir a história do Vale do

Jequitinhonha no contexto da história do Brasil, pois acreditamos que os fundamentos

do lugar foram gestados ao longo da história brasileira.

Segundo Porto-Gonçalves, em 1492 com o Tratado de Tordesilhas, se constitui

um padrão de governar o mundo, a partir desta data se estabelece uma nova historia e

uma geografia mundial. Este modelo trouxe consigo a idéia da exploração da natureza e

ao mesmo tempo a dominação de alguns homens sobre outros homens, ou seja, da

cultura européia sobre outras culturas e povos. E que inclusive num primeiro momento,

o ideário dessa dominação se justificava por razões naturais, segundo os quais, certas

raças eram inferiores naturalmente. Esse padrão de governar e de dominar pode vir de

fora, como pode ser assumido por governantes locais, o que é chamado pelo autor de

“colonização do pensamento” (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Em termos gerais podemos destacar que o Brasil teve três modelos de

desenvolvimento. O primeiro e mais longo foi o modelo agroexportador do Brasil

colônia, que vai do século XVI ao inicio do século XIX. Desde o inicio da colonização,

este modelo econômico esteve voltado para exportação. A maior parte da produção de

nossa sociedade era organizada em torno de produtos agrícolas destinados a exportação

para a metrópole européia. Assim, o colonizador impôs um modelo ao nosso povo e ao

nosso território, onde a prioridade era produzir bens para suprir a necessidade externa

em detrimento da necessidade interna. A economia então passou a funcionar em torno

do cultivo da cana-de-açúcar, do algodão, da pecuária extensiva, do cacau e mais tarde

do café. As principais características deste período foram: o latifúndio por extensão, a

monocultura, a venda para o mercado externo e o trabalho escravo (OLIVEIRA &

STEDILE, 2005).

Esse modelo criou enorme dependência e devido à ela, se implantou um modelo

de exportação de matéria prima e produtos agrícolas que vai garantir o mínimo de

receita para pagar as importações de produtos industrializados. Para Oliveira (2001)

O Brasil desse modo continua sendo uma sociedade apoiada

inteiramente, em ultima instancia e organizada para isso na produção

em larga escala e estritamente comercial de gêneros primários e

semimanufaturados demandados por mercados exteriores. É com essa

produção e exportação que fundamentalmente se mantém o Brasil (...)

é com essa receita que são pagos os serviços financeiros e outras

remunerações aos trustes que aqui operam (p. 297-298).

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O segundo modelo foi o da industrialização dependente. Com a crise do modelo

agroexportador no final da década de 20 do século passado, as elites passam a

desenvolver a industrialização, se intensificam a presença de fábricas e aumenta o

processo de urbanização. A agricultura passa a produzir matérias primas para a

indústria. Esse processo de industrialização se deu com a junção do capital nacional

privado e estatal e, capital estrangeiro. Assim começam a vir para o Brasil às grandes

transnacionais para implantar suas fabricas. Como essas transnacionais eram detentoras

da tecnologia, esse novo modelo continuou a ser dependente do capital estrangeiro.

Embora a prioridade fosse implantar indústrias em território brasileiro, as grandes

fazendas dedicadas à exportação continuaram intocáveis (OLIVEIRA & STEDILLE,

2005).

O terceiro grande modelo surge na década de 1980 com a crise do modelo de

industrialização. É o chamado modelo neoliberal. Novamente a economia é subordinada

ao capital internacional, só que desta vez ao capital financeiro e já sem o controle

estatal. Esse modelo econômico que atua na economia como um todo, passa a ser

dominante também na agricultura, o qual recebeu o nome de agronegócio. As principais

características deste modelo são: o controle do comercio agrícola por grandes grupos

transnacionais; estimulo a implantação de grandes fazendas para produção de

monocultivos para exportação; controle das agroindústrias pelos grandes grupos

transnacionais; a destruição das instituições públicas voltadas para agricultura. E se

intensifica a implantação de um novo modelo tecnológico baseado nas mudanças

biotecnológicas. Percebe-se nestes mais de cinco séculos, uma constante dependência

externa, com a produção voltada para fora do país; a concentração de renda e riqueza

causadora de uma extrema desigualdade no país (OLIVEIRA & STEDILLE, 2005).

Desde o inicio da colonização, o modelo de desenvolvimento se dá de forma

concentrada. No primeiro modelo a ocupação se deu a partir do litoral nordestino. O

segundo modelo se desenvolve nos grandes pólos industriais com a industrialização

centralizada, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

A região do baixo Jequitinhonha, embora tenha sido ocupado economicamente

desde o final do século XVIII com a extração dos minerais, somente verá uma ocupação

mais significativa em meados do século XX como veremos nos capítulos a seguir.

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II - O Vale do Jequitinhonha: índios, negros e camponeses

A Mesorregião do Vale do Jequitinhonha é dividida em três Microrregiões, o

Alto, o Médio e o Baixo (Figura 1). O Baixo Jequitinhonha, que é o objeto de nosso

estudo, tem uma aproximação geográfica com o litoral da Bahia e teve um processo de

colonização realizado durante o processo de ocupação da região de Diamantina em

meados do século XVIII até o final do século XIX.

Figura 1 - O Vale do Jequitinhonha e as três microrregiões: o Alto, o Médio e o

Baixo.

Fonte: IBGE

Havia uma política da Coroa Portuguesa em dificultar ao máximo à ocupação do

Baixo Jequitinhonha, para coibir o contrabando, e evitar que a sua riqueza natural se

esgotasse rapidamente, pois com o ouro e o diamante brotando a céu aberto, fazendo

com que houvesse um rápido deslocamento populacional para esta região. Segundo

Moreno

[...] vendo isso, a Coroa mandou fechar o caminho da Bahia para

Minas e todos os outros caminhos para as regiões mineradoras.

Ninguém saía, nem entrava sem a permissão da Coroa ou de seu

representante legal, o Governador. (MORENO, 2001, p. 23).

Desta maneira, o Baixo Jequitinhonha só foi ocupado após a decadência do ouro

e do diamante nas regiões de Vila Rica (hoje Ouro Preto), e Diamantina, quando não era

mais necessário vigiar o contrabando destas riquezas. Assim, a região que antes era

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vigiada e com um rígido controle para não ser povoada, passa a ser incentivada para a

exploração e produção agropecuária, como explica Moreno:

Com a mineração em franco declínio, a metrópole propõe a

colonização dos sertões do leste mineiro que tinha limites com a mata

virgem povoada pelos Borun. As terras desta região, incluindo aqui o

baixo Jequitinhonha, deveriam ser ocupadas por colonos para

intensificar o comercio e implementar a agricultura, buscando desta

forma o povoamento do interior e o abastecimento da corte

(MORENO, 2001 pág. 31).

2.2.1 - O território indígena

Essa região não foi diferente com seus primeiros ocupantes – os indígenas – o

mesmo massacre vivido por outros grupos indígenas em outras regiões do país também

assolou os grupos indígenas dessa região. A região do Leste de Minas Gerais foi

habitada pelos índios Borun. Os invasores os chamavam de Botocudos, eram os índios

mais temidos do povo branco. Segundo Moreno (2001),

[...] na definição dos próprios índios, Borun, significava -“os homens

verdadeiros”-serve a representar essa nação temida, valente, guerreira

e resistente. Enquanto o termo Botocudo é genérico e tem conotação

pejorativa e discriminatória, um apelido ofensivo dado aos Aimoré,

MORENO,2001 p. 79/80).

Esta imensa região passou a ser um território em disputa, entre os índios e os

colonizadores. Ainda segundo Moreno, “Através de formas mais variadas de incentivos

materiais e morais, expande-se a fronteira colonial e desestruturam-se as comunidades

indígenas” (MORENO, 2001, p. 31).

Neste período, o leste mineiro era todo coberto pela mata atlântica, incluindo

aqui o Baixo Jequitinhonha, o norte do Espírito Santo e o extremo sul da Bahia. Esta

região do Baixo Jequitinhonha era todo habitado pelos índios Borun, que no início do

século XIX começaram a ser massacrados e em poucas décadas foram dizimados pelos

invasores. Oficialmente, o Baixo Jequitinhonha foi colonizado em 1811 com a

implantação da Sétima Divisão Militar em São Miguel, hoje município de

Jequitinhonha. Houve porem, uma forte resistência indígena em defesa do seu território,

e os conflitos eram muito violentos, conforme destaca o trecho seguinte:

Na resistência, as tocaias e armadilhas na mata representavam o

singular e o forte na tática guerreira dos índios, que ficavam

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escondidos pela mata, camuflados e colocados em posições

estratégicas e invisíveis aos invasores, atirando flechas de modo

que deixavam os invasores indefesos (MARCATO, 1979, apud

MORENO, 2001, p. 124).

Ou como relata Soares (1992),

(...) jamais se entregaram, nem renunciaram a sua liberdade, sua

independência, nem se submeteram aos que, de forma feroz e

impiedosa, os caçaram feito animais, para civilizá-los, e para que eles

se transformassem em brasileiros bons, pacíficos e (...) sem identidade

(SOARES, 1992 apud, MORENO, 2001, p. 123).

Porém, a superioridade dos colonizadores, em uma luta desigual, usaram de

todos os meios para eliminar ou escravizar os indígenas. Estes relatavam à Coroa de

Portugal que os índios não eram catequizados, eram antropófagos (canibais) exigiram

que a Coroa tomasse medidas contra eles. Estes povos indígenas foram declarados

inimigos da Coroa de Portugal em 13 de maio de 1808, (o mesmo ano da fuga da corte

de Portugal para o Brasil). A coroa ordenou uma "guerra ofensiva e justa" contra os

índios para demonstrar a superioridade dos "brancos civilizados". Segundo Moreno

(2001), segue alguns trechos da carta de declaração de guerra aos Borun:

Sendo-me presentes as graves queixas que da capitania de Minas

Gerais tem subido a minha real presença, sobre as invasões que

diariamente estão praticando os índios botocudos antropophagos (...)

horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropophagia (...) deveis

como principiado contra estes índios antropophagos uma guerra

ofensiva, sempre em todos os anos, não terá fim, se não quando

tiverdes a felicidade de vos senhorear de suas habitações e de os

capacitar da superioridade nas minhas reaes armas de maneira tal que

movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz e sujeitam-se ao

doce jogo das leis e prometendo viver em sociedade possam vir a ser

vassalo úteis(...) que sejam considerados como prisioneiros de guerra

todos os índios botocudos que se tomarem com as armas na mão em

qualquer ataque; e que sejam entregues para o serviço do respectivo

comandante por dez anos, e todo mais tempo que durar sua ferocidade

(...) empregá-los em seu serviço particular (...) concedo a todos os

devedores da minha real fazenda uma moratória de durar seis anos(...)

(MORENO, 2001.p. 63 e 64).

O resultado de tal política foi um verdadeiro genocídio dos povos nativos. De

uma maneira rápida e massiva

[...] através de cinco meios principais o branco varreu de grande parte

do território mineiro os primeiros senhores do mesmo: O trucidamento

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do indígena; a tuberculose; a água ardente; a sífilis e a varíola.

(MORENO, 2001, p.108).

Com o massacre indígena abre-se o caminho para o povoamento dos homens

brancos e a colonização do território, e ainda no inicio do século XIX,

Formam-se os primeiros núcleos de povoamento as margens do

rio e seus afluentes, com a agricultura, a pesca e a caça em

abundancia, como recursos para a sobrevivência. (MORENO,

2001)

Após a ocupação, começaram as concessões de terras em forma de sesmarias e

que depois eram vendidas para outros agricultores interessados na exploração. Como

explica Ribeiro:

Após a ocupação militar sucedeu a concessão de terras na margem do

rio, a colonos vindos das povoações próximas do Termo Minas Novas,

que recebiam áreas de meia légua quadrada, isentas de impostos por

dez anos (...) Assim, a área produtora de algodão se estendia desde as

proximidades de Minas Novas até em torno do quartel de São Miguel,

tendo como centro comercial São Domingos (RIBEIRO, 1996, apud

MORENO, 2001,p. 141).

Novamente o Estado assume o papel para a constituição e formação dos

latifúndios. Os fazendeiros se instalam e ocupam esta grande região contando com

benefícios e incentivos. A atual estrutura fundiária concentrada do Vale do

Jequitinhonha teve inicio neste período.

Inicialmente, foi dada a concessão de meia légua5 para desenvolver a agropecuária, mas

com a possibilidade autorizada pela coroa de “ampliar à vontade a sua propriedade para o

interior e cultivá-la. E no decorrer de meio século, a região já estava habitada”. (MORENO,

2001, p. 138)

Assim, o que antes era considerado um grande espaço “vazio” se tornou alvo

de interesse dos exploradores. A ocupação deste território vai ocorrendo na medida em

que os colonizadores vão criando a sua organização social. Essa organização estará

associada às condições climáticas e físicas, como explica Silva (2008).

É bom lembrar que entre 1822 e 1850 a concessão de sesmarias no

Brasil estava suspensa e não havia uma política de terra, quando em

1850 se institui a política de terra, com a chamada Lei de Terras, essa

passou a ser vendida. O povoamento da região se deu ao longo do

século XIX, para cá vinham fazendeiros que buscavam ampliar as

fazendas para criação do gado (...) Também vinham lavradores tentar

a sorte abrindo pequenas posses em volta das fazendas, muitos libertos

5 Uma légua equivale a 6 km. Portanto, meia légua é igual a 3km.

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também vieram tentar a sorte nas matas jequitinhonhense.

Primeiramente vieram migrantes das regiões do litoral em direção ao

interior e do interior, região de Minas Novas, sentido litoral. A partir

da segunda metade do século vieram milhares de baianos que subiam

o rio Jequitinhonha, com a seca no final do século aumenta o fluxo

migratório para a região, eram pessoas que vinham do norte de Minas,

da Bahia e de outros estados do nordeste fugindo da seca. (SILVA,

2008, P.29).

Mesmo não tendo uma política de terras definida, em um primeiro momento, as

concessões ocorreram até a Lei de Terras de 1850, que abre o caminho para a

propriedade privada da terra no Brasil. Porém, esse povoamento não foi tão

significativo como se parece. Para Ribeiro (2004), no inicio do século XX esta região

ainda era considerada abandonada e com pouco povoamento. Para este autor, até o

inicio do século XX, esta região poderia ser considerada como uma grande fronteira

agrícola, ou seja, ainda pouco povoada. Segundo Ribeiro (2004)

Um bom exemplo da imagem da “parte de cima do mapa” de Minas

Gerais está na literatura de viagem de Álvaro Silveira, nas memórias

de Frei Olavo Timmers, no estudo de John Wirth, nas lembranças de

Ceciliano de Almeida. Para eles esse era um local de doentios e

violentos, que contrastavam duramente com o cenário do rural

bucólico (RIBEIRO, 2004, p.02).

Passados dois séculos de colonização, persiste esse modelo concentrador de

terra, de riquezas, que não permitiu que a maioria da população tivesse acesso a ela

como proprietários. As matas foram violentamente devastadas, os córregos e rios

diminuíram, as cidades cresceram, muitos camponeses migraram para as grandes

cidades. Mesmo assim, os camponeses, os negros e os indígenas continuam resistindo

física e culturalmente. Estes últimos chegaram a ser considerados em extinção no Brasil.

Segundo Soares (2010), “nos anos 70 a população indígena chegou a ser considerada

em vias de extinção, com a população estimada em cerca de 100 mil pessoas”. Porem,

ainda na década de 1970 é retomado o levantamento da situação indígena, bem como

um trabalho junto a estes povos. “A luta da sociedade brasileira em prol da

democratização contribuiu para que estes povos pudessem ressurgir no cenário

nacional”. (SOARES, 2010, p.171).

A luta pela democratização do Brasil, a nova constituição de 1988, permitiu

que estes povos indígenas obtivessem importantes conquistas. A demarcação de suas

terras, mesmo que de forma lenta e burocrática, foi sem duvida, a mais importante delas,

mas também ocorreram avanços nas áreas sociais, como saúde, educação,

sustentabilidade entre outras. Estas poucas conquistas obtidas permitiram que os Povos

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Indígenas pudessem voltar a ter uma expressão política e social importante em nível

nacional e internacional.

Mesmo vivendo em situações diversas, os povos indígenas representam hoje

256 povos em todo Brasil, com 187 línguas falantes. No Estado de Minas Gerais, a

população indígena aproxima-se de 12 mil pessoas, com três línguas falantes: Borun,

Maxakali e Pataxó (SOARES 2010, p. 183). Neste caso, não estão incluídos os povos

ainda não reconhecidos e nem os indígenas urbanos.

Figura 2 – Povos Indígenas em Minas Gerais na segunda metade do século XVI.

Fonte: SOARES, 2010.

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A figura 2 apresenta a ocupação do território mineiro pelas populações

indígenas. Verifica-se que essas populações ocupavam toda extensão do que veio a ser o

estado de Minas Gerais. Os nomes das cidades representam o nome dos grupos

indígenas que foram dizimados. Desde os Araxa no triangulo mineiro até Pankararu em

Araçuaí no Vale do Jequitinhonha.

-

Quadro 1 - Principais povos indígenas em Minas Gerais, no século XXI.

Povo Municípios

Nº de

pessoas

Nº de hectares

demarcados

Krenak Resplendor 200 4039

Pankararu Araçuaí 30 S.I*

Xukuru e

Kariri Caldas

150 172

Xakriaba São Jõao das Missões e Vale do São Francisco 8000 51900

Caxixó Pompéo e Martinho Campos 74 S.I*

Maxakali Santa Helena de Missas, Bertópolis, Ladainha e

Teófilo Otoni 1500 5375

Sistematização e organização: Leandro N. Ribeiro e Enio J.Bonhenberger. Fonte: SOARES, 2010.

*S.I = Sem informação

No quadro 1, os grupos sobreviventes ao genocídio contra essas populações.

Nele verificam-se os povos que sobreviveram as terríveis investidas dos colonizadores

durante 5 séculos. Em nossa pesquisa não foi possível fazer um levantamento do

número de indígenas que habitavam o Estado de Minas Gerais antes da colonização.

Mesmo em nível nacional não se tem dados precisos, isso dificulta para fazer um

comparativo do numero de povos que habitavam essa região e que foram destruídos.

Porem, através da figura 2 podemos ter uma idéia da sua presença no estado de Minas

Gerais.

É importante ressaltar que dentre as conquistas que estes povos realizaram

recentemente, a principal delas foi a retomada de seus territórios, visto que nele é que

podem resgatar sua cultura fundamental na construção da identidade indígena. Uma

grande dificuldade que estes povos enfrentam ao retomar o seu território, é que suas

áreas foram totalmente degradadas ambientalmente pela ação dos latifundiários que

estavam em sua posse anteriormente. Hoje, algumas aldeias são construídas no meio do

capim colonião. Então o processo de recuperação destas áreas se torna prioritária para

que estes povos possam retomar a convivência com a natureza.

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2.2.2- O território dos negros

Os negros tiveram importante contribuição no povoamento da região. O primeiro

processo de extração do ouro e do diamante no Alto Jequitinhonha foi através da mão

de obra escrava. Antes da abolição, estes já formavam quilombos em vários distritos da

região. Segundo levantamentos de Santos & Camargo (2008), já foram localizados 105

comunidades quilombolas no Vale do Jequitinhonha.

Os Quilombos significaram para os escravos e a comunidade negra um

instrumento de luta e resistência. Segundo Santos & Camargo (2008) a palavra

quilombo ou “cachambo” é de origem banto, e significa “acampamento” ou “fortaleza”

e foi denominada de quilombo pelos portugueses para referenciar as povoações

construídas por escravos fugidos.

O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, foram três séculos deste

regime de exploração da força de trabalho. Ribeiro (1995) relata que não há números

exatos sobre a quantia de negros que foram trazidos para o Brasil através do trafego

negreiro. “A coroa permitia a cada senhor de engenho importar até 120 „peças‟, mas

nunca foi limitado seu direito de comprar negros trazidos aos mercados de escravos”

(RIBEIRO, 1995, p.161).

A escravidão se tornou um grande negócio para os europeus, os negros foram

transformados em mercadoria “legalizada” pelos brancos. Foram os negros que

aumentaram os rendimentos das “empresas açucareiras, auríferas, de algodão, de tabaco,

de cacau e café” (p. 161). Sobre as estimativas da quantia de negros pra cá trazidos,

Ribeiro afirma que não se sabe oficialmente dos números exatos. Para o autor

As primeiras estimativas relativas à quantidade de negros introduzidos

no Brasil durante os três séculos de tráfico variam muito. Vai desde

números exageradamente altos, como 13,5 milhões para Calógeras

(1927) ou 15 milhões para Rocha Pombo (1905), até cálculos muito

exíguos, como 4,6 milhões para Taunay (1941) e 3,3 para Simonsen

(1937). Lamentavelmente, não há estudos demográficos

criteriosamente elaborados que permitam substituir avaliações tão

desencontradas por um cálculo bem fundado. (RIBEIRO, 1995,

p.161/162).

Ainda segundo o mesmo, as estimativas mais próximas foram feitas por M.

Buescu (1968), que,

Admite um ingresso global de 75 mil negros para o século XVI, 452

000 para o XVII, 3 621 000 para o XVIII e 2 204 000 para o século

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XIX, o que soma um total de 6 352 000 escravos importados de 1540

a 1860. Esses números, de demografia hipotética, não contam com a

quantidade geralmente admitida nas fontes primarias (apud RIBEIRO,

1995 p. 162).

Assim, mesmo contra a sua vontade, os negros foram os principais responsáveis

pela construção das riquezas do país. Na região diamantífera localizada no Alto

Jequitinhonha, a exploração do diamante se deu com a mão de obra escrava, isso

possibilitou a formação de quilombos ao longo do vale. Os amplos espaços desocupados

ou „incultos6 localizados no entorno do Distrito Diamantino permitiram, tanto antes

como após a abolição, a instalação e sobrevivência, até os dias atuais de inúmeros

quilombos (SANTOS & CAMARGO, 2008, p.113-114).

Já no Baixo Jequitinhonha que teve uma ocupação mais tardia e era pouco

ocupada pela população branca, até início do século XIX, os quilombos foram

organizados pelos negros que fugiam da escravidão na região diamantífera e depois da

abolição. Pelas dificuldades da região árida do Alto Jequitinhonha, foram se deslocando

em direção ao litoral a procura de terras e de trabalho. Segundo os mesmos autores,

Até o momento foram levantadas 105 comunidades espalhadas por

todo território do vale, a maioria se localiza em grotões e áreas de

difícil acesso, enfrentam problemas de toda ordem e são parcamente

assistidos pelos poderes públicos (SANTOS & CAMARGO, 2008, p.

114).

Os negros foram se instalando em regiões mais distantes, nos grotões de difícil

acesso, mas nestes locais distantes que eles puderam permanecer e realizar sua

reprodução social. A população quilombola de Minas Gerais, em sua maioria, é oriunda

do Sul e Sudeste africano, de origem Banto, mas também foram trazidos escravos do

Norte e Nordeste da África, pois estes últimos tinham habilidades na extração de

minérios (SANTOS & CAMARGO, 2008, p. 42).

A população quilombola no Estado é estimada entre 100 e 115 mil pessoas,

sendo que 97% se localizam em áreas rurais. Ainda segundo os estudos do Santos &

Camargo (2008), até 2007 haviam sido localizados 435 comunidades quilombolas no

estado, sendo que a maioria deles (59,2%) está localizado no Norte e Nordeste de Minas

Gerais (SANTOS & CAMARGO 2008, p. 43-47). A maioria destes quilombos, 79%

deles, ainda não estão em processo de titulação, 20% em fase de titulação e somente 1

quilombo, dos 435 localizados possui titulação (SANTOS & CAMARGO, 2008, p. 53)

6 Terras incultas segundo o dicionário Caldas Aulete se refere a terras não cultivadas.

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Os conflitos mais expressivos por que passam essa população quilombola se

relacionam a grilagem, 61% e 12% com projetos de silvicultura, ou seja, com eucalipto.

Neste sentido, percebe-se, que as comunidades quilombolas enfrentam as mesmas

dificuldades que os povos indígenas, os sem terra e as comunidades camponesas na luta

pela conquista e manutenção do seu território.

2.2.3 - O Território do campesinato: destruição e resistência

Há polemicas no meio acadêmico sobre a formação do campesinato no Brasil.

Nosso objetivo nessa pesquisa não é entrar neste debate, mas mostrar alguns aspectos

do campesinato na região do Vale do Jequitinhonha.

O Brasil até a década de 1950/60 era um país rural, com uma ampla maioria de

sua população morando no campo7, mas com a aceleração do processo de

industrialização (que se inicia na década de 1930, e se acelera nos anos de 1950), é que

o país vai se tornando cada vez mais urbano. Em 2010, segundo o censo demográfico do

IBGE, aproximadamente 85% da população do país vivem nas cidades.

Em que pese essa urbanização, os camponeses tiveram e tem um importante

papel na história brasileira, tanto em termos econômicos como políticos e sociais.

Os dados indicam que a estrutura agrária brasileira é uma das mais

concentradas do mundo. Desde a Lei de Terras de 1850, quando se instituiu a

propriedade privada da terra, que foi a base legal para impedir que a terra fosse

democratizada para os camponeses e ex-escravos que se viram livres em 1888 através

da Lei Áurea. Segundo Stédile (2005)

A lei nº. 601, de 1850, foi então o batistério do latifúndio no Brasil.

Ela regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade rural,

que é a base legal, até os dias atuais, para a estrutura injusta da

propriedade de terras no Brasil (STEDILE, 2005, P. 23).

É no fim do século XIX e inicio do século XX, em meio à crise do modelo

agroexportador, que, nasce, no campo brasileiro, o campesinato. Ainda, segundo Stédile

(2005) o campesinato brasileiro nasce por um lado dos aproximadamente

[...] dois milhões de camponeses pobres da Europa, para habitar e

trabalhar na agricultura nas regiões Sudeste e Sul, do Estado do

Espírito Santo para o sul. A segunda vertente de formação do

7 São respectivamente 63,84% e 55,3%.

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campesinato brasileiro teve origem nas populações mestiças que

foram se formando ao longo dos 400 anos de colonização, com a

miscigenação entre brancos e negros, negros e índios, índios e brancos

e seus descendentes. Essa população em geral, não se submetia ao

trabalho escravo e, ao mesmo tempo não era capitalista, eram

trabalhadores pobres, nascidos aqui. Impedida pela lei de terras de

1850 de se transformar em pequenos proprietários, essa população

passou a migrar para o interior do país, pois, nas regiões litorâneas, as

melhores terras já estavam ocupadas pelas fazendas que se dedicavam

à exportação (STEDILE, 2005, p. 27).

No caso dos camponeses do Jequitinhonha, foi esta segunda vertente que deu a

sua origem, através da mestiçagem e dos quilombos. Continua Stédile:

Não tinham a propriedade privada da terra, mas a ocupavam, de forma

individual ou coletiva, provocando, assim, o surgimento do camponês

brasileiro e de suas comunidades. Produto do sertão, local ermo,

despovoado, o camponês recebeu o apelido de “sertanejo” e ocupou

todo o território do Nordeste brasileiro e nos Estados de Minas Gerais

e de Goiás (STEDILE, 2005, p. 27).

A ocupação do Vale do Jequitinhonha começa na região de Diamantina, na

nascente do Rio Jequitinhonha, com a corrida atrás do ouro no século XVIII. Essa

ocupação trouxe um enorme contingente populacional para a região. Porém, a busca do

ouro, diamantes e das pedras preciosas fez com que a produção de alimentos ficasse em

segundo plano, preferindo importar alimentos de outras regiões. Ao desenvolverem um

trabalho sobre a formação do campesinato no Vale, os autores Graziano & Graziano

Neto nos relatam:

Esse rápido povoamento possuía um objetivo dominante: a descoberta

do ouro e das pedras preciosas. Não se estabeleceu, portanto, como

consequência, empreendimentos de médio e grande porte que se

dedicassem à agropecuária. O abastecimento alimentar e dos meios de

produção necessários para a mineração foi satisfeito através de

importações de outras regiões brasileiras (GRAZIANO &

GRAZIANO NETO,1983, p.86).

A extração do ouro levou a uma alta nos preços dos produtos alimentícios, o

que induziu a população a produzir alimentos para sua subsistência. Mas somente com a

decadência da mineração no final do século XVIII e inicio do século XIX é que a

atividade agropecuária comercial irá se desenvolver.

A massa da população trabalhadora, homens livres ou escravos

libertos ou refugiados (...) dispersaram-se pelo meio rural, dando

origem certamente ao campesinato ali hoje estabelecido. O garimpo

praticado por essa população nunca deixou de existir, mas passou,

com o tempo, a se constituir em atividade complementar a produção

agrícola, salvo raros locais onde tem produção marcante.

(GRAZIANO & GRAZIANO NETO, 1983, P.86).

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Mas também ao lado dessa população camponesa surgem as grandes fazendas

para produção pecuária comercial. Os antigos empreendedores da mineração passaram a

investir na criação de gado, tropas de muares e comercio com outras regiões. Assim

descreveu Silva (2008):

Também vieram lavradores tentar a sorte abrindo pequenas posses em

volta das fazendas, muitos libertos também vieram tentar a sorte nas

matas jequitinhonhense. Primeiramente vieram migrantes das regiões

do litoral em direção ao interior e do interior, região de Minas Novas,

sentido litoral. A partir da segunda metade do século vieram milhares

de baianos que subiam o rio Jequitinhonha, com a seca no final do

século aumenta o fluxo migratório para a região, eram pessoas que

vinham do norte de Minas, da Bahia e de outros estados do nordeste

fugindo da seca. No início do século XX a região era densamente

povoada com imensas fazendas criadora de gado e muitos pequenos

lavradores que viviam da agricultura que faziam o comércio nas feiras

livres. Em suas andanças pela região Tettero (1919, p. 54) assim a

descreveu: “Não vendo meios para levar os seus mantimentos a

alguma feira, devem contentar-se com empastar os seus lugares, razão

porque também por lá infelizmente grassa largamente o mal de

colonião”. E outras passagens, ele também lamenta que a falta de

estradas e pontes que davam acesso aos distritos do município de

Jequitinhonha, para transporte do mantimento, desestimulava a

plantação de cereais e induziam a formação de pastos com a esperança

de obter algum gado à meia de quatro por um. (TETTERO, 1919, p.

53, apud, SILVA, 2008, p.29).

É neste período também que se estabelecem os conflitos pela posse da terra.

Como afirmam Graziano & Graziano Neto (1983).

Os conflitos pela posse da terra tem como fundamento a tentativa

constante dos grandes proprietários de aumentarem seus domínios

(territorial, social e político) por sobre os grupos camponeses. Nota-se,

inclusive, que o interesse dos grandes proprietários pelo domínio de

amplas parcelas de terra dá-se não pela terra em si ou pelo que possa

produzir - como mercadoria que se valoriza ou como meio de

produção - mas sim pela possibilidade de dominar os homens que

trabalham a terra. Dominar a terra é condição essencial para se

dominar os homens, para se dominar o trabalho e as atividades

políticas dos camponeses (GRAZIANO e GRAZIANO NETO, 1983,

p.86).

Nota-se a importância da dominação do território para se dominar as pessoas

que ali habitam, exatamente pelo fato do território ser uma totalidade, ele se torna

multidimensional, ou seja, não se resume aos aspectos meramente econômicos.

Em meio a esse processo distinto de relações sociais se dá à criação do

campesinato na região. Esse processo foi possível pelas várias relações sociais

instituídas na região, como afirmam Graziano & Graziano Neto

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A nova situação social ao criar um espaço social e físico e liberto da

dominação, permite a produção camponesa o estabelecimento de um

modo de vida próprio que lhe tem assegurado sua reprodução social.

(GRAZIANO e GRAZIANO NETO, 1983, p.87)

Este processo da criação e reprodução do campesinato e sua territorialização na

região, começada ainda no século XVIII, vai até o inicio de 1970, quando se inicia o

processo de desterritorialização, com a expulsão dos mesmos pelas empresas de

eucalipto e pastagens. Na década de 1980, parte do território camponês será retomado

pelas lutas com Reforma Agrária como mostraremos em nossa pesquisa.

A década de 1970 passa a ser um marco no Vale do Jequitinhonha por dois

motivos principais. Primeiro o governo através de suas agencias caracterizam a região

como “vale da morte”, de “pobreza absoluta”. E no segundo motivo, para combater a

pobreza e a miséria propõe o “progresso e o desenvolvimento econômico” como, saída

para a condição de miséria da região. (CALIXTO, 2006, p. 06).

Para tanto, os governos estadual e federal criaram subsídios para as grandes

empresas capitalistas através dos incentivos fiscais, principalmente para incentivar a

formação de grandes plantações de eucalipto. Com isso, inicia-se o processo de

expropriação do campesinato em todo o Vale do Jequitinhonha. As chapadas que eram

utilizadas em comum pelos camponeses são privatizadas. É também nesse período em

que se dá uma grande migração de camponeses para São Paulo, Belo Horizonte e Rio de

Janeiro.

Apesar deste modelo que expulsa os camponeses, priorizando o modelo

capitalista de incentivos as grandes empresas, os camponeses continuaram resistindo,

seja através das posses, ou se organizando em sindicatos ou mesmo através das

ocupações de terra.

Ferreira (2002) realizou uma pesquisa sobre as comunidades tradicionais no

Extremo Norte do Estado do Espírito Santo, destaca que o modo de vida das

comunidades tradicionais antes da implantação da monocultura do eucalipto naquela

região, se baseava em um modo de vida próprio, singular e que apesar das

transformações ocorridas no meio rural continua resistindo,

Baseava-se no trabalho familiar, no uso predominante extrativista e

comunal do meio natural coberto pela floresta tropical litorânea- que

supria as necessidades de água, frutas, madeira, ervas medicinais,

pescado, caça- e na disponibilidade de terras que permitia o cultivo

dos roçados (FERREIRA, 2002, p.05).

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Assim, as comunidades tradicionais têm seu modo de vida próprio, diferindo conforme as

condições climáticas e físicas de cada região. Mas são semelhantes no que se refere aos valores

fundamentais relativos ao trabalho, as relações familiares, a convivência com a natureza, bem como

os valores morais e religiosos e as relações de parentesco e vizinhança. Tais valores são elementos

centrais do modo de vida camponês.

Ferreira (2002) ao descrever a cultura camponesa cita Antonio Candido que utiliza o termo

“rústico” ao abordar a cultura camponesa, cabocla ou caipira, cujas características são as do

“isolamento, da posse da terra, do trabalho domestico” (p.40) para ele a questão organizacional das

comunidades é uma forma para garantir sua reprodução social.

Para Ferreira (2002), destaca que a terra é um elemento fundamental na cultura destes

povos. Para autora, citando Woortman, “a terra camponesa constitui a expressão de uma

moralidade (...) algo pensado e representado no contexto de valorações éticas, e não simplesmente

como objeto de trabalho ou mercadoria” (p.40).

Para Ferreira (2002) o tripé das sociedades camponesas está estruturado na terra, na família

e no trabalho. Neste sentido, a autora afirma que o território camponês é o espaço da reciprocidade,

A terra é o chão da moradia, „um espaço onde se reproduzem

socialmente varias famílias de parentes, descendentes de um ancestral

fundador comum‟(WOORTMANN). É o espaço da reciprocidade,

principio moral onde a pratica da troca de tempo responde a satisfação

das necessidades de trabalho. A troca articula os elementos terra,

trabalho e alimentos, que expressam uma relação também moral entre

os homens e deles com a natureza. No uso da terra, o trabalho dá-se

como valor ético, construindo a família enquanto valor. O valor

monetário do trabalho, embora expressão da autonomia camponesa

frente à sociedade como um todo, acontece preferencialmente na feira,

que é o espaço do negocio, fora do território camponês. (FERREIRA,

2002, P. 40).

Para estas comunidades tradicionais, a exploração do homem pelo homem, a

busca do lucro, não faz parte do seu cotidiano. Assim, “o limite da produção, momento

de deixar de trabalhar, é quando há superexploração da força de trabalho [...] o limite

[...] situa-se até onde se mantém uma certa quota de utilização do trabalho familiar”

(FERREIRA, 2002, p. 40). Ou seja, a exploração não é aceita pelos camponeses e não

se refere apenas a valores monetários, esse princípio também é aplicado na relação

homem-natureza, e ai também o cuidado do aproveitamento racional dos recursos

naturais para não criar desequilíbrios. Isso para nós é um dos aspectos que caracterizam

o território de vidas. Segundo Ferreira

Produzir muito além do que se necessita é algo desvantajoso para

estas comunidades, pois requer mais tempo de trabalho, que poderia

ser usufruído para outras atividades lúdicas, religiosas e de lazer, que

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ocupam um espaço significativo e valorizado no cotidiano marcado

por relações de solidariedade (FERREIRA, 2002, p.40).

Desta maneira, o modo de vida destas comunidades tradicionais, não se

enquadra no sistema capitalista, de exploração do trabalho, do acumulo de riquezas, da

destruição do meio ambiente. Um sistema mundo que valoriza em demasia o avanço da

ciência e da técnica e desrespeita os saberes populares acumulados em séculos.

Segundo Ferreira, a conceituação teórica sobre modo de vida nasce no século

XIX com Karl Marx, que, “entende que as condições de produção material vividas por

uma sociedade caracterizam suas diferentes formas de organização social, política e

econômica. Entremeados por sua elaboração cultural” (FERREIRA, 2002, p. 43).

No campo da Geografia, “esta discussão é iniciada por Vidal de La Blache, cuja

elaboração teórica está na formulação do conceito gênero de vida”. (FERREIRA, 2002,

p. 43). No entanto, embora gênero de vida e modo de vida apresentam “proximidades de

entendimento, permanecem as diferenciações como veremos nas explicações da autora

O gênero de vida nasce na Geografia Positivista Francesa que é

definida por seu objeto: ciência dos lugares diferenciados a partir das

relações sociedade/natureza, onde a escala privilegiada é o lugar. O

modo de vida traz as diferenças dos grupos sociais originadas das

suas condições materiais, ou seja, a diferenciação social, política,

econômica e cultural nascida na produção da própria existência,

inserida também no sistema produtivo dominante, onde a escala é a do

mundo. (FERREIRA, 2002, p.44, grifo da autora).

No Baixo Jequitinhonha, o processo do surgimento dos camponeses se dá de

forma muito semelhante com as demais, porém, há uma particularidade que precisa ser

registrada. Os primeiros camponeses foram se instalando através de posses, mas uma

grande massa que formou a população rural desses camponeses veio junto com os

fazendeiros, o que resultou na formação diferenciada de lavradores. Isso se deu na

forma: 1) escravos em primeiro momento; 2) agregados, onde o sujeito morava com sua

família na fazenda e trabalhava para o fazendeiro embora produzisse para o seu

consumo; 3) sitiante lavrador que possuía um pequeno sítio, onde morava com sua

família e realizava alguns roçados na fazenda ou prestava serviço em empreitadas ou

como diaristas para o fazendeiro; 4) posseiros que ocupavam terras devolutas. A

particularidade dos camponeses do Baixo Jequitinhonha é que estas categorias citadas

(lavrador, sitiante e posseiro), estavam totalmente dependentes da grande fazenda.

Como estes camponeses não tinham seu território, ou mesmo quando tinham era na

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forma de posse, ou seja, não tinham documentos legais das terras, criou-se então, uma

dependência econômica, política e até cultural com relação a grande fazenda.

Ribeiro (1997) define a fazenda como “um governo de terras e homens, um

poder, e, até uma economia”, que nasceu baseada quase sempre no trabalho dos outros.

Silva (2008) analisa esse processo

A fazenda foi montada no Nordeste de Minas com base no trabalho

escravo, trabalho de índios agregados. As duas características

principais da fazenda era o trabalho alheio e a divisão do espaço da

fazenda, por parte do fazendeiro, com outros com os quais o

fazendeiro mantinha relações de mando, amizade e gerência de tipos e

gradações diversas. Mesmo aqueles que não eram obrigados a prestar

serviços, eram subordinados por fortes laços morais, outros ligados

pelo favor, proteção. Era o fazendeiro quem dizia de quem era a terra,

quais as relações que vigeriam ali, a quem se devia respeito e como

ele se manifestaria. (SILVA, 2008, p. 31)

Assim, as relações sociais estabelecidas no espaço da fazenda, eram de

obediência ao fazendeiro, por imposição através da força, ou uma relação de favor e de

compadrio, sendo que o fazendeiro se via como um doador que estava “ajudando”

alguém, o que muitas vezes também era aceito pelo “favorecido”. O espaço da fazenda

era também um lugar de trocas, entre os camponeses e entre camponeses e fazendeiro, e

de relações sociais, não era, portanto, somente um espaço de relações econômicas, como

explica Silva 2008: “A fazenda no Jequitinhonha (...), na sua origem, não era apenas

dinheiro, foi tudo isto e muito mais, foi uma cultura, alem de ser economia” (SILVA

2008, p.31). Ou seja, foi uma dominação econômica imposta pela classe dos

fazendeiros, mas também se incorporou uma forma sutil de dominação, através das

relações culturais.

Como explica Silva (2008):

O poder do fazendeiro era tão expressivo que o município era a

expressão da fazenda. (...) um mando que se dava (...), tanto pelo

exercício da força física violenta, como através da violência

simbólica, subordinação e dependência. Eram os fazendeiros que

construíam os prédios escolares, igrejas, hospitais e faziam festas etc.

(RIBEIRO 1997, apud SILVA 2008, p.32).

A partir da década de sessenta mudanças significativas ocorrem na agricultura

brasileira, bem como nessa região. Até este período, se combinavam as atividades

agrícolas e pecuárias dentro da fazenda. A partir das mudanças tecnológicas

incorporadas na agricultura e pecuária, esta relação muda. A pecuária passa a ser

predominante no Baixo Jequitinhonha, diminuindo no Médio e Alto. Com isso, vai

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havendo uma diminuição significativa da produção agrícola e consequentemente a

diminuição do contingente de força de trabalho.

Segundo Silva (2008), entre 1960 e 1980 o rebanho bovino aumentou em mais

de um milhão e meio de cabeças na região. Essa expansão da pecuária se deu, segundo o

autor, pelo fato do Vale estar situado na Região Sudeste, próximo aos grandes centros

urbanos e próximo do Nordeste brasileiro, as duas regiões com maior concentração

populacional do país. Com a mudança das técnicas e da linha de produção mudou

também a relação econômica e começa a expulsão do campesinato para a cidade. Há um

ditado popular no Vale que certamente está relacionado a este período, “aonde o boi

chega o homem sai”. Assim, milhares de camponeses tiveram que abandonar o campo e

foram viver na cidade.

Para Silva (1990) e Brandão (1974), um elemento importante desse processo foi

a participação do Estado na implantação das novas diretrizes para o Vale do

Jequitinhonha. Em 1965 é criada a CODEVALE - Comissão de Desenvolvimento do

Vale do Jequitinhonha – que passa a coordenar as políticas de implantação de

infraestrutura para a região. Em 1971, chega o projeto de eletrificação através da

CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais). O DER/MG (Departamento de

Estradas e Rodagem), participa desse processo construindo estradas e pontes

melhorando o acesso aos municípios. A TELEMIG (Telefonia de Minas Gerais),

implanta o sistema telefônico. A Secretaria de Agricultura de Minas Gerais instala 11

escritórios na região para melhoramento na saúde animal. A EMATAER (Empresa de

Assistência Técnica e Extensão Rural) MG também se instala para prestar assistência

técnica, e também instalam 11 postos de comercialização de implementos e produtos

para a agropecuária. Ainda como medidas para incentivar o modelo proposto, o Estado

também instalou a rede bancaria como o Banco do Brasil, Minas Caixa, BEMGE

(Banco do Estado de Minas Gerais), Credireal, BNB (Banco do Nordeste), além de

outros bancos Privados (SILVA 2008, p.38). Ou seja, o Estado foi o financiador desse

processo através da implantação da infraestrutura e de incentivos para a implantação das

novas políticas para a região.

Neste período de “desenvolvimento” da região, como em outras regiões do país,

os camponeses ficaram fora destes incentivos por parte do Estado e tiveram seu modo

de vida desestruturado. Aos camponeses restou abandonar o campo em direção as

cidades em busca de outras formas de trabalho, ou a resistência através de varias

formas: como posseiros, mas de forma ainda isolada, pois não havia uma organização

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social que os aglutinasse; na busca de seus direitos nos STRs (Sindicatos de

Trabalhadores Rurais); ou questionando seus direitos trabalhistas na justiça. O certo é

que o campesinato foi o segmento mais prejudicado no avanço do capitalismo no campo

brasileiro.

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III- O território como recurso para as empresas de eucalipto e

mineradoras no município Jequitinhonha

3.1- As políticas de implantação do eucalipto no Vale do Jequitinhonha

Neste capitulo vamos tratar do processo de implantação do eucalipto na região

(tendo por base toda a política de incentivo para a implantação de monocultivos no

Brasil), bem como dos atuais plantios no município de Jequitinhonha, liderados pela

Viena Siderúrgica Ltda.

O Brasil é um país cujas raízes estão ligadas diretamente à agricultura. Assim,

a economia brasileira foi estruturada com base na produção de matérias primas, até

mesmo por isso teve uma industrialização tardia. É também o país das monoculturas,

que começou com a cana de açúcar ainda no século XVI e assim seguiu desenvolvendo-

se através de ciclos, do café, do algodão, do cacau etc., através do sistema chamado de

plantation que era hegemonizado pelo capital mercantil.(OLIVEIRA & STEDILE,

2005). Portanto, falar de monoculturas no Brasil não é novidade, nesta pesquisa

procuramos destacar o monocultivo do eucalipto, as políticas de sua implantação, a

intensidade de seus impactos socioambientais na região.

Na atualidade não está mais em vigor o sistema de plantation, mas predomina

o sistema do agronegócio8 hegemonizado pelo capital financeiro.

Segundo Porto-Gonçalves (2006) “As primeiras grandes monoculturas foram

implementadas no arquipélago dos Açores, na África, e depois na América ainda no

século XIV”, e enfatiza que “a introdução dos monocultivos é assim uma das principais

heranças do colonialismo.” Que até este período, nenhum grupo social em nenhuma

parte do mundo se caracterizava por tal pratica, esse sistema só foi possível de ser

implementado através do regime de escravidão, pois nenhum grupo se disporia a

praticar tal cultura para si mesmo de maneira livre (PORTO-GONÇALVES, 2006).

O eucalipto tem sua origem na Austrália, é, portanto uma arvore exótica. Não

se tem ao certo a data de seus primeiros plantios no Brasil (MARTINI, 2006, apud,

RAMOS, 2006). Mas eles se deram ainda no século XVII, inicialmente para fins

paisagísticos. Os primeiros plantios em escala “foram realizados no inicio do século XX

no Estado de São Paulo para suprir a demanda de combustíveis para as locomotivas e

8 Essa palavra agronegócio “em sua origem tem um sentido genérico, refere-se a todas as atividades de

comercialização de produtos agrícolas”, mas no Brasil, fazendeiros, intelectuais, imprensa denominaram

de agronegócio as fazendas modernas que se dedicam a monoculturas com alto grau de desenvolvimento

técnico, ela adquire, portanto, um caráter ideológico maior. (OLIVEIRA & STEDILE, 2005).

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dormentes para os trilhos de estradas de ferro” (RAMOS, 2006). Não tinha, portanto,

em primeiro momento, objetivos comerciais.

Segundo Mucio Tosta Gonçalves na introdução do livro Inventário Ecológico

Sobre a Cultura do Eucalipto de Vandana Schiva e J.Bandyopadhyay, relata que houve

uma intensificação da eucaliptucultura no Brasil em meados da década de 1960 com a

implantação do regime militar. “Houve um favorecimento à grande empresa capitalista

nacional e estrangeira, a eucaliptucultura passa a gozar de um status mais significativo”.

(SHIVA e BANDYOPADHYAY, 1991, p. 15). Esta intensificação do plantio, se deu

vinculado às necessidades de expansão das indústrias siderúrgicas, de papel e celulose.

Os governos militares criaram uma série de instrumentos de incentivo e financiamentos

para as grandes empresas em todo território brasileiro. Estas empresas com incentivos

governamentais, desenvolveram tecnologias para a produção de eucalipto dentre elas a

capacidade de produzir num ciclo curto.

Desse modo, a defesa da prática silvicultural homogênea, fundada apenas no

seu aspecto financeiro, garantiu condições político-institucionais para que, entre 1967 e

1986, a área plantada com eucalipto e pinheiros no Brasil fosse superior a 6,5 milhões

de hectares. Desse total, aproximadamente 35% foram plantados em Minas Gerais, que

se tornou o principal pólo florestal do país (SHIVA e BANDYOPADHYAY, 1991).

Entre os principais fatores de Minas Gerais ter se tornado esse pólo florestal

está vinculado a presença das principais empresas consumidoras de carvão vegetal, a

terceira maior empresa de celulose e principalmente pelo aparato de incentivo

governamental que criou os instrumentos necessários para a sua implantação.

Na época os principais agentes dessa política governamental para a região

foram a EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), o IBDF

(Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) e o IEF (Instituto Estadual de

Florestas-MG).

3.2 - Uma tragédia anunciada

Como já ressaltamos anteriormente, o modelo de crescimento em busca do

lucro rápido não é recente, ele vem de longa data. Baseia-se em uma herança colonial

ainda presente nos tempos de hoje. Assim foi com o ouro, o diamante, a pecuária etc.

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Ainda no século XIX o pesquisador francês Saint-Hilaire percorrendo a região Leste e

Nordeste de Minas Gerais, alertava:

As terras destas regiões, das quais tudo se retira e nada se restitui,

serão rapidamente esgotadas. Em poucos anos um pequeno grupo de

homens terão estragado uma imensa província, e poderão dizer: ‟é

uma terra acabada‟. Então a necessidade imperiosa força-lo-á a

renunciar a esse sistema agrícola destrutor, mas já não haverá consolo

para a lembrança das belas florestas cujas arvores preciosas,

exploradas com critérios, poderiam ser úteis a uma longa sucessão de

gerações (SAINT-HILAIRE,1975, APUD Moreno, p. 30).

O autor está se referindo ao modelo predador que já era aplicado nesta época.

Neste período, ainda não se praticava as plantações homogêneas na região, mas o

pesquisador estava se remetendo a um sistema agrícola, ou mesmo um modelo de

desenvolvimento que estava na mentalidade dos colonizadores e que, passados mais de

dois séculos ainda continua.

Conforme Brito (1997) ainda no século XIX, pesquisadores estrangeiros como

o geólogo alemão Wilhelm Ludwig, Barão de Eschwege, e o francês Jean Antonie Felix

Dissande de Monlevade, ficaram impressionados com a disponibilidade de minérios de

ferro em Minas Gerais. Em 1876 foi criada a Escola de Minas de Ouro Preto e o

governo imperial convidou o engenheiro francês Henri Gorceix para dirigir a escola.

Tinha-se em vista que as riquezas naturais eram a grande alternativa para o

desenvolvimento regional. O referido autor fez uma síntese da impressão deste

engenheiro francês: “Minas é um coração de ouro em um peito de ferro”. E neste

período ainda não havia sido descoberto o quadrilátero ferrífero9, o que só iria acontecer

no inicio do século XX. “O binômio minério de ferro-reservas florestais forneceria a

combinação estratégica, faltava evidentemente o capital”. (BRITO, 1997, p. 50).

Segundo o mesmo autor, muitas décadas foram consumidas para definir a política

siderúrgica para Minas Gerais e o Brasil. Acabou se definindo tal política com a aliança

entre o capital estatal e o capital estrangeiro com tecnologia a carvão vegetal. Não

faltaram polemicas para esta definição.

O próprio presidente do Brasil no período (1922 a 1926) Artur Bernardes

preocupado com a aliança com o capital estrangeiro alertava: “minério não dá duas

safras”, que também chamava a atenção para a “exploração vampírica de nossas matas”.

O que ninguém alertou segundo Brito (1997), que “nossas florestas não dão

9 O quadrilátero ferrífero é uma grande jazida de ferro guza localizada entre Itabira, Vale do Aço, Ouro

Preto e Belo Horizante.

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necessariamente duas safras”. De qualquer maneira, com polemicas a parte, definiu-se a

política de “desenvolvimento econômico”, ou de crescimento econômico baseado na

extração dos recursos naturais, o minério e as matas, somados a uma população que

oferecia a força de trabalho necessária. Como já chamamos a atenção anteriormente, as

metas de curto prazo se sobrepuseram as de longo prazo, e a população novamente ficou

de fora destes benefícios. “Passaram-se varias décadas e este modelo de crescimento

não acrescentou em nada a qualidade de vida das populações que ali permanecem”.

(BRITO 1997, p. 50).

E o autor acrescenta

Foi uma combinação socialmente trágica de crescimento econômico,

concentração fundiária, desigualdade social e, fundamentalmente,

degradação ambiental. Seria, utilizando um conceito moderno, um

exemplo indiscutível de Desenvolvimento Não-Sustentado no sentido

clássico consagrado pelas Nações Unidas, ou seja, a completa

desarmonia entre o desenvolvimento e o meio ambiente, por um lado

e, por outro, uma falta de equidade entre a satisfação das necessidades

da geração presente e das gerações futuras (BRITO 1997, p51).

Ainda segundo o referido autor.

Esse modelo de crescimento siderúrgico, associado às culturas de

café, pecuária e a indústria madeireira, foram responsáveis pela

destruição de 90% da área original da Mata Atlântica em Minas

Gerais, principalmente a região leste do Estado onde se concentrava

este Bioma, que abrange as bacias do Rio Jequitinhonha, no extremo

norte, os rios Mucuri, Doce e Paraíba do Sul no extremo sul, e a leste

nas fronteiras com a Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. (BRITO,

1997, p. 51-52)

Sendo assim, o modelo de crescimento adotado na região é o principal

responsável pela destruição ambiental. Ou seja, a destruição das nascentes, dos córregos

e rios, da contaminação dos solos, do envenenamento das pessoas e entre outros.

Porto Gonçalves (2006), nos alerta para não cairmos nas armadilhas ingênuas

que os próprios destruidores do meio ambiente criaram.

O ecologismo ingênuo que a mídia manipula, para cuidar do lixo

nosso de cada dia, como se a responsabilidade fosse igual de cada um.

A problemática ambiental é fruto principalmente da sociedade

industrial, temos que por tanto, fugir das armadilhas „plante uma

arvore, coleta seletiva de lixo, qualidade de vida, desenvolvimento

sustentável‟(PORTO-GONÇALVES, 2006, P.15).

Verificamos assim que os problemas socioambientais não são de hoje, mas

estão ligados a um passado que buscou sempre o lucro das grandes empresas capitalistas

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e, que desde os primeiros colonizadores a apropriação dos recursos naturais está no

centro da disputa sócio/política, intensificado nos dias atuais, quando estes recursos

estão cada vez mais escassos.

Segundo Porto-Gonçalves (2006)

Vê-se, portanto, que o processo de globalização traz em si mesmo a

globalização da exploração da natureza com proveitos e rejeitos

distribuídos desigualmente. Vê-se, também, que junto com o processo

de globalização há, ao mesmo tempo, a dominação da natureza e a

dominação de alguns homens sobre outros homens, da cultura

europeia sobre outras culturas e povos, e dos homens sobre as

mulheres por outro lado. Não faltaram argumentos de que essa

dominação se dava por razoes naturais, na medida em que certas raças

seriam naturalmente inferiores. A modernidade europeia inventou a

colonialidade e a racialidade (base da escravidão moderna) e, assim,

essa tríade-modernidade-colonialidade-racialidade continua

atravessando, até hoje as praticas sociais de poder (PORTO-

GONÇALVES, 2006, p.25).

Trata-se, portanto, de um problema socioambiental, levando em conta que o ser

humano é parte fundamental da natureza e está inserido neste meio como sujeito deste

processo. Cabe porem, aos países pobres, o papel de querer ser sujeito deste processo,

podendo dar o melhor destino aos seus recursos naturais. Porém, na maioria dos casos,

as elites locais são submissas ao capital estrangeiro. Na distribuição entre os “proveitos”

e “rejeitos”, para os países pobres do sul só sobram os rejeitos, ou seja, o lixo e a

poluição.

Ainda em artigo publicado no jornal Estado de Minas em 2003, nos alertam

sobre esses problemas socioambientais causados pelo eucalipto e o desprezo que os

“cientistas” têm com os conhecimentos das comunidades rurais.

Não é à toa, portanto, que as populações do Cerrado vêm denunciando

os estragos da monocultura, em especial sobre as fontes de água que

abasteciam as comunidades pelo Gerais afora. Alguns cientistas,

prisioneiros de suas especializações em crise ou ignorando novas

perspectivas teóricas como a etno ciência ou o diálogo de saberes

(Leff e Porto- Gonçalves) ou, simplesmente, mal informados ou mal

intencionados, querem desqualificar essa percepção certeira das

comunidades rurais que sofrem na pele esse impacto, taxando-a de

“sem embasamento científico”. As empresas procuram negar esse

fenômeno, visando, é claro, a preservação dos seus lucrativos

negócios, o que seria legítimo, se não fossem os seus desproporcionais

custos socioambientais (SILVA & PORTO-GONÇALVES, 2003)

Há, portanto, uma disputa política e ideológica que está intrínseca entre os

modelos de desenvolvimento, e que geralmente é ocultado. Tal disputa vem no sentido

de se apropriar dos recursos naturais, mas também vender um pacote tecnológico para

ser consumido, aumentando assim, o lucro das empresas produtoras de insumos. Neste

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modelo, os conhecimentos passam a ser produzidos em laboratórios que desrespeitam e

ignoram todo conhecimento existente nas comunidades tradicionais que foi acumulado

por varias gerações, nos transformando em uma nova colônia. Há, portanto, neste

modelo, um deslocamento de poder, o que antes estava em mãos de agricultores, passa

para um conhecimento técnico de laboratório, controlado por empresas e que os

agricultores não tem acesso. Esse deslocamento do poder está trazendo sérias

conseqüências para o futuro da humanidade e da agricultura, inclusive na questão da

soberania alimentar e das nações.

Com a perda do controle das sementes, o que antes estava em domínio da

população, fica controlado por um pequeno grupo de transnacionais. Porto Gonçalves

(2004), cita a Indonésia como exemplo das conseqüências deste modelo. “As novas

espécies de cultivares uniformizam a agricultura destruindo a diversidade genética. Só

na Indonésia foram extintas 1500 variedades de arroz nos últimos 15 anos”. (PORTO-

GONÇALVES. 2004. p.4)

Assim, tanto os agricultores como os estados nacionais aumentam sua

vulnerabilidade, criando uma dependência das técnicas produzidas e importadas por

grandes corporações. Como podemos ver o fenômeno da monocultura não é uma

questão localizada, é um modelo global que inclui a maior parte dos países.

Se referindo ao modelo da revolução verde, aplicado no Brasil em meados do

século XX, Porto Gonçalves nos lembra que ele também teve um caráter político e

ideológico e só conseguimos perceber seus resultados perversos anos depois.

Todo um complexo técnico-cintifico-financeiro, logístico e ideológico

(formação de engenheiros e técnicos em agronomia) foi montada

contando, inclusive, com a criação de organismos internacionais como

o CGIAR, além do envolvimento de grandes empresários como os

Rockfellers. Os resultados desta verdadeira cruzada foram de grande

impacto, não só pelos números que são apresentados, mas, sobretudo,

pela afirmação da idéia que só o desenvolvimento técnico e cientifico

será capaz de resolver o problema da fome e da miséria. (PORTO-

GONÇALVES, 2004, p.8)

Assim, o objetivo do debate é transferir uma questão que é extremamente

política para o campo técnico, como se a fome e a miséria fossem um problema técnico

e se estivessem à margem das relações sociais e de poder.

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3.3 - O monocultivo do eucalipto no município de Jequitinhonha

Os eucaliptais plantados nas chapadas do Alto Jequitinhonha, mais

especificamente na Microrregião Homogênea de Capelinha (MRH) na década de 1970,

foram objeto de estudo na Dissertação de Mestrado de Juliana Calixto em 2006. Por ser

um trabalho recente e por ser em uma região que já implantou a política da monocultura

do eucalipto há pelo menos quatro décadas, se torna um trabalho relevante que vai

servir de comparativo com a região do Baixo Jequitinhonha onde os plantios são mais

recentes, a partir de 2005.

O Vale do Jequitinhonha é marcado pela vegetação do Cerrado, mas

naturalmente diversa, viu nos anos 70 a expansão das monoculturas, principalmente o

eucalipto se tornarem a principal cultura da região. Dessa forma:

A população rural local viu seus pés de Pequi, Cagaita e Mangaba

serem substituídos pelo eucalipto, incentivada pela política de

incentivos fiscais concedidos pelo governo para o abastecimento da

siderurgia a carvão vegetal e da indústria de papel celulose [...] Para o

Vale do Jequitinhonha, a justificativa maior para essa ocupação era a

de que esse tipo de uso da terra (o reflorestamento em larga escala)

seria promotor do desenvolvimento da região. (CALIXTO, RIBEIRO

e SILVESTRE, 2006, p.02).

Percebe-se que em todos os períodos de nossa historia recente, o capital e o

Estado se articulam em busca de um projeto que visa a reprodução ampliada do capital,

e junto vem o discurso vinculado a ideia de desenvolvimento, afins de beneficiar a

população local ou regional. Nos anos 70, período em que as monoculturas de eucalipto

foram implantadas na região, vigorava o “modelo nacional-desenvolvimentista” dos

militares, que tinha na expansão industrial um dos seus principais objetivos. Tal

política, foi criada para a região também com o objetivo de trazer o desenvolvimento

para as populações locais com a promessa de empregos e geração de renda, ou seja,

pretendia-se resolver o “problema da pobreza local”, já que era considerada uma região

problema, um “bolsão de pobreza” (CALIXTO 2006, p. 20). Para a autora:

Esses eucaliptais fazem parte do cotidiano da população local há cerca

de trinta anos, quando foram implantados na região, pretendendo

resolver o problema da pobreza local. Chegaram trazendo em suas

mudas à esperança de empregos para todos, de contenção do êxodo

rural que assolava a região, crescimento econômico e muita fartura

(CALIXTO, 2006, p.19).

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Neste período, a estratégia dos militares, era o crescimento industrial. E para

isso desenvolveram a siderurgia, que “deveria ser nacional para garantir a segurança,

reduzindo a dependência externa do setor” (CALIXTO, 2006, p. 22).

Acreditava-se na época, que era preciso desenvolver as técnicas como

elemento fundamental do crescimento econômico. Assim, baseado na capacidade da

ciência e da tecnologia em resolver os problemas econômicos e sociais do país, tal

tarefa foi atribuída aos técnicos. Este foi o período do chamado milagre brasileiro,

momento em que o país teve um grande crescimento econômico. Como a siderurgia era

uma das prioridades dos governos, criou-se um Plano Siderúrgico Nacional (PSN), que

previa a ampliação da produção de aço de 4,6 milhões de toneladas em 1968 para 25

milhões em 1980 (CALIXTO, 2006, p. 24).

O carvão vegetal que era extraído das matas nativas ao redor da siderúrgicas,

foi à base energética utilizada para a produção do ferro guza. Como as matas nativas

foram se esgotando, a definição política foi de investir nas plantações de eucalipto em

regiões mais distantes da siderurgia. No Estado de Minas Gerais foram priorizados o

Norte e o Nordeste do estado. O Vale do Jequitinhonha foi transformado em Distrito

Florestal com o objetivo de integrá-lo ao padrão de crescimento econômico de Minas

Gerais, pois se pretendia, segundo documento do IEF (Instituto Estadual de Florestas)

de 1975, acelerar o “incremento da renda e do emprego, através do incentivo, da

coordenação e do planejamento para melhor aproveitamento da área” (CALIXTO, 2006,

p.43).

Os estudos dos órgãos do governo da época diziam que as terras desta região

eram consideradas impróprias para a agricultura e que seriam “mais aconselháveis a

projetos florestais”. Outro aspecto importante é que estas terras foram consideradas

devolutas pelo Estado, e assim foram repassadas para as empresas reflorestadoras.

Criou-se assim, uma política de incentivos fiscais10

, concedidos a pessoas físicas e

jurídicas com descontos de 50% no Imposto de Renda e além de empréstimos para

investimentos (CALIXTO, 2006).

As terras prioritárias para essa política de crescimento econômico e que foram

repassadas as reflorestadoras de eucalipto, foram as chapadas que eram utilizadas de

forma comum pelos camponeses.

10

A autora cita um artigo da Revista Exame de 1971, com um sugestivo título: “Essa floresta é sua, o

governo paga”, revelando as facilidades criadas pelo governo para investimentos neste ramo.

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[...] era uma terra comum, do qual todos os membros da comunidade

podiam extrair os recursos necessários. Era também nas chapadas que

os moradores criavam animais no regime de solta, engordavam gado

com capim nativo, soltavam os animais de trabalho, como cavalos e

burros. A chapada era ao mesmo tempo de ninguém e de todo

mundo... (CALIXTO, 2006, p.46).

Essas terras de chapadas foram consideradas devolutas e cedidas para

reflorestamento de eucalipto, ignorando a presença dos camponeses que ali viviam há

décadas. Como estes não eram detentores de documentação destas terras, o estado

repassou-as para as empresas, sem nenhuma indenização aos camponeses, ou seja,

foram expropriados de seu direito. Como não existem processos de dominação e

exploração sem existir a conflitualidade este também foi um processo conflituoso, como

afirma Calixto:

O processo de compra de terras na região foi conflitivo, pois as

empresas queriam as áreas de chapadas para instalar seus plantios [...]

essas áreas não eram de propriedade exclusiva de ninguém. Então a

maioria dos moradores das comunidades rurais não possuía

documentação das chapadas, que eram áreas coletivas, de usufruto de

toda a comunidade (CALIXTO, 2006, p. 51).

Neste caso é importante entender o que é a complexidade do uso das chapadas.

As chapadas são as partes mais elevada do terreno e mais plana. Os camponeses

utilizam a parte das grotas para moradia e plantio de forma individual e a parte das

chapadas para criação de gado, extração de frutos, lenha, ervas medicinais etc. de forma

coletiva, sendo que esta terra é usada em comum. Segundo Graziano e Graziano Neto

1983,

Estas montanhas, á semelhança de pequenos planaltos, conformam

com suas variadas altitudes, planaltos elevados de vegetação típica do

cerrado. Esses planos, sem recursos hídricos na superfície, são

regionalmente chamados de chapadas. Os vales por sua vez, também

de variada inclinação e profundidade contendo uma infinidade de

riachos e rios, são designados por grotões (GRAZIANO e

GRAZIANO NETO, 1983, p. 88).

Neste complexo, grota-chapada, há um complemento de uma atividade com a

outra. Nas grotas se dá uma apropriação individual para os plantios básicos de

subsistência, por se tratar de áreas mais úmidas. É ali também que se estabelece o local

de moradia. Normalmente estas são áreas pequenas que podem variar de 0,5 até 60

hectares. (GRAZIANO e GRAZIANO NETO, 1983). Já as chapadas são usadas de

forma coletiva onde se cria o gado em regime “a solta”, extração de frutos, lenha, ervas

medicinais etc. havendo uma complementação de atividades. À medida que as chapadas

são privatizadas, a viabilidade das grotas, está também comprometida.

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Segundo CALIXTO(2006), a forma como as populações tradicionais utilizam

as terras, a relação com os recursos naturais, as combinações coletivas entre a

comunidade, não são respeitadas ou compreendidas pelos pesquisadores, técnicos e

formuladores de políticas publicas.

Ainda segundo a autora, na década de 1970, foram 18 empresas que se

instalaram na região para o plantio do eucalipto, sendo que as mais significativas foram

a Projetos Carvalho, Floresta Minas (da Cia. Suzano Papel e Celulose), Florestal

Acesita,( hoje Acelor Mital), e a CAF Santa Bárbara. Para se ter uma ideia, as terras

foram “vendidas” ao preço de U$$ 38,03, o hectare, segundo documentos da CAF Santa

Barbara (CALIXTO, 2006, p.50). Ou seja, um preço irrisório. Outra parte das terras foi

apenas arrendada pelo governo “em regime de comodato ou arrendamento, por prazos

que variavam entre vinte e trinta anos de uso”. Sendo que muitos destes contratos

venceram e foram renovados por mais alguns anos (CALIXTO, 2006, p.54).

Para conseguir o licenciamento ambiental e derrubar as matas nativas e

implementar o eucalipto, se usou da influencia política junto aos órgãos ambientais, que

pelo que é descrito não tiveram muita dificuldade.

Os funcionários do IEF chegam a reclamar que os processos de

licenciamento das grandes empresas ocorrem nas instancias

superiores, no caso em Belo horizonte, e não chegam as autoridades

locais, que desconhecem a real situação legal das empresas. „As

empresas grandes fazem tudo por cima‟, disse um dos entrevistados (CALIXTO, 2006, p.59).

Estes fatos relacionados aos problemas ambientais que na maioria das vezes

não são respeitados pelas empresas, são relatados em outro trabalho de Calixto,

juntamente com Ribeiro e Silvestre:

Um aspecto que incomoda a sociedade local é o da aplicação da

legislação ambiental, que parece não seguir os mesmos critérios para

todos. Há uma sensação de que existem duas leis, uma para” Chicos”

que é aplicada rigidamente sobre os pequenos produtores que

cometem alguma infração [...] e outra para “Franciscos”, mais branda

que decide sobre as grandes empresas, que não raramente são alvo de

queixas por causarem danos ambientais.(CALIXTO; RIBEIRO;

SILVESTRE 2006, p. 09).

Somente as três maiores reflorestadoras (Acesita Energética, CAF Santa

Bárbara e a Suzano Papel e Celulose), “juntas ocupam mais de 200,000 hectares de

terras na MRH (Micro Região Homogênea) de Capelinha que representa 17% da área

total da Microrregião.

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A partir de 2005, o Baixo Jequitinhonha também passa a ser alvo das

monoculturas de eucalipto. Pelas informações levantadas através de noticiários da

imprensa e também com o Prefeito do Município de Jequitinhonha, Sr. Roberto

Botelho, o motivo principal é a descoberta de uma nova jazida de minério no Norte de

Minas Gerais.

No município do Jequitinhonha no inicio de 2011, o plantio de eucalipto já

superava os 10.000 hectares, dos quais em torno de quatro mil hectares plantados nas

chapadas que fazem divisa com o Assentamento Franco Duarte. No ano de 2007,

quando houve a compra da área para o cultivo da monocultura, segundo relatos dos

moradores do referido assentamento, “foi impressionante a rapidez e a violência com

que se deu a instalação do projeto”.

A Viena Siderúrgica, responsável pelo projeto, contratou três empreiteiras para o

trabalho. Uma para “fazer a limpeza” da área. Ou seja, desmatar a floresta nativa. A

segunda empreiteira tinha a tarefa de tirar as madeiras para fazer carvão e queimar o

restante dos galhos. E por fim, mais uma empreiteira para realizar o plantio, fazer a

aplicação de adubos, calcário, venenos, irrigação e aplicar o veneno secante para os

herbicidas. Esse processo de “limpeza” da área, até o inicio do plantio das mudas, levou

menos de seis meses. Vale ressaltar que todo esse processo aconteceu com

licenciamento ambiental concedido pelo IEF.

No inicio do trabalho, as empreiteiras empregavam em torno de cem pessoas

neste local. Passadas as duas primeiras etapas, de desmatamento e preparação do solo,

ficaram em torno de quarenta trabalhadores para a etapa do plantio. Atualmente para

realizar as tarefas de limpeza, cuidar das aplicações de herbicidas etc., trabalham em

media doze pessoas diariamente. A implantação desse projeto vem provocando

inúmeros conflitos entre os morados do assentamento Franco Duarte e a empresa, desde

a manutenção das cercas da divisa, até a degradação dos mananciais de água.

A Empresa Viena Siderúrgica está liderando os plantios de eucalipto no

Município de Jequitinhonha. Sua sede se localiza em Açailândia-MA. Segundo o site da

empresa, ela já supera os cinquenta mil hectares de terra no Estado de Minas Gerais11

.

Além dos investimentos em monoculturas de eucalipto, a empresa também investe em

ouros ramos de produção na região Norte e Noroeste mineiro como: bovinocultura de

corte; produção de mamão e laranja; feijão e milho irrigados; comercialização e

11

A Viena filial Minas já tem mais de 50.000 hectares de terras sendo 10.000 já reflorestados

(www.vienairon.com.br/acessado em 16.07.2011).

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exportação de aguardente de cana. Também possui na região Leste do Estado, em

Governador Valadares, outra empresa chamada “Andrade Valadares Engenharia e

Construção” que atua no ramo da construção civil.

Analisando estas informações, segundo o site da Viena12

se percebe que a

empresa atua em diversos ramos da economia, abrangendo o mercado interno e o

mercado externo. Portanto está dentro da lógica do mercado globalizado, principalmente

no ramo da mineração, onde exporta para os mercados da Ásia, Europa e Estados

Unidos, sendo este o seu maior mercado, representando mais de 80% das vendas.

Apesar da empresa ser diversificada, atuando no ramo do agronegócio e da

mineração, esta empresa não contribui para o desenvolvimento econômico e social do

município. Tendo em vista que emprega pouca mão de obra local e gera pouco retorno

fiscal ao município. Segundo o prefeito do município de Jequitinhonha em relato

concedido em março de 2011.

Verifica-se que além de não trazer benefícios ao município os impactos

ambientais causados pela empresa, tais como a perda da biodiversidade local,

assoreamento de córregos, uso intensivo de venenos contaminando o meio ambiente,

geram danos irreparáveis a comunidade e para o município.

Outra questão a ser considerada é que a atividade produtiva desta empresa esta

ligada a intensa exploração dos recursos naturais, principalmente terra, água e minérios.

A referida empresa vem se utilizando de inúmeros subterfúgios para se territorializar na

região dentre eles a flexibilidade da lei ambiental, ou seja, compraram terras acima de

1000 hectares, fracionando-as em parcelas menores, de no máximo 400 hectares, com o

proposito de diminuir a exigência da lei ambiental13

. Esta pratica ainda possibilita a

utilização de vários agentes na compra, dando a impressão que tem vários proprietários

do eucalipto.

No município do Jequitinhonha o plantio de eucalipto supera os 10.000 hectares,

com uso de alta tecnologia e terceirização do trabalho, principalmente no corte e

limpeza da área para a instalação da monocultora, no plantio e no desenvolvimento da

cultura. A silvicultura brasileira detém tecnologia de ponta na atividade. Segundo

estimativas do setor florestal, em 2004, o setor tinha 5,4 milhões de hectares de

plantações florestais de rápido crescimento. Portanto, percebe-se que a tecnologia esta

12

Para mais informações, confira: www.vienairon.com.br . 13

A lei ambiental exige que projetos em propriedades acima de 1000 hectares seja feito Estudo de

Impacto Ambiental (EIA).

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tanto na alta genética, através da clonagem ou da transgenia das mudas, como no corte e

logística do transporte do eucalipto ate à siderúrgica. (SILVIMINAS).

Recentemente foi descoberto uma grande jazida de minério, que fica entre os

municípios de Grão Mogol e Rio Pardo de Minas, que pode chegar a 6 bilhões de

toneladas, com uma expectativa de produção de 25 milhões de toneladas por ano. Esta

descoberta realizada pela Miba - Mineração Minas Bahia - que realizou 13 mil metros

de sondagem, descobrindo até o momento uma quantia de aproximadamente 1,5 bilhão

de toneladas de minério, com um teor médio de 37% de ferro.

Atualmente, dois grandes grupos de empresas detentoras de direito minerário no

norte de Minas estão preparando estudos para o início da operação e extração do

referido minério em 2012. A Votorantim Novos Negócios, do Grupo Votorantim,

acertou a venda, por US$ 430 milhões, de seu projeto de minério de ferro na região para

a chinesa Honbridge Holdings. O consórcio Novo Horizonte, formado pelas empresas

MTransminas, Mineração Minas Bahia (Miba) e Gema Verde, recebeu sondagens

recentes de grupos do Canadá, da Austrália, dos EUA e da China. Conforme salientou o

diretor-presidente da Miba, Alexandre Couri Sadi "Esse projeto nosso, em termos de

volume, pode ser considerado o maior do mundo dos que não estão nas mãos das

grandes empresas". Desta forma o interesse chinês na região tem a ver com a busca de

novas reservas minerais para reduzir a sua dependência de produtos fornecidos pelos

grandes conglomerados, como a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. As duas

gigantes também são detentoras de áreas na região, mas ainda não desenvolveram

projetos de exploração, conforme noticia do jornal “Agência Estado”14

Por esta noticia, comprovamos o grande interesse do capital internacional pelos

recursos naturais brasileiros. Mas para efetivar a territorialização do capital

internacional, o Estado brasileiro aportara na ordem de US$ 2,5 bilhões para a

construção de um ramal ferroviário ligando o norte mineiro à Estrada de Ferro 334,

além de um porto no sul da Bahia.

Podemos analisar com isto, que está ocorrendo uma busca por terras no entorno

da jazida descoberta, que acontece de duas formas, as terras que contem as jazidas de

minério e as que serão utilizadas para o plantio de eucaliptos para a produção do carvão

vegetal. Se na década de 70 a região prioritária era o alto Jequitinhonha, hoje o capital

14

Disponível em

<http://economia.ig.com.br/norte+de+minas+pode+virar+polo+de+gas+e+ferro/n1237562649588.html >

Acesso em: 22 mar. 2010.

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se volta para o norte e o nordeste de minas (baixo Jequitinhonha), já que nesta região há

uma disponibilidade maior de recursos naturais a serem explorados.

Outro embate que esta ocorrendo na região, está relacionado ao transporte do

minério. Que por parte das empresas envolvidas propõem a construção de um

mineroduto, do norte de Minas Gerais até o porto do Sul da Bahia. Em contra partida

ocorre mobilizações por parte da população e das prefeituras locais, que alegam

(contrapondo o mineroduto) a importância da construção da estrada de ferro, que

poderia beneficiar o transporte de outros produtos, assim diversificando a economia da

região, que não ficaria dependente dos 15 mil empregos que a Miba promete gerar15

.

Outro elemento a se considerar, na construção deste mineroduto, é o dispêndio

de água numa região que enfrenta sérios problemas por falta de água, por se tratar de

uma região semiárida. Verifica-se que o menos interessa é a qualidade de vida das

comunidades locais, visto que desde a década de 70 os recursos naturais vêm sendo

apropriados pelo capital na região e o retorno é pífio. O Estado é conivente com esta

estratégia de desenvolvimento, já que financia boa parte dos empreendimentos16

Em entrevista concedida ao jornal O Norte de Minas,

Anastasia (Governador de Minas Gerais) ressaltou que o papel do

estado é criar condições adequadas para a atração de investimentos

públicos e privados e que essa tem sido a orientação da política

econômico do governo do estado ao longo dos últimos sete anos. Ele

afirmou que os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri e o Norte de

Minas têm sido particularmente privilegiados por essa política17

Segundo estudo realizado por BRITO (2006) aponta para a necessidade de “re-

pensar” e mudar a maneira como o progresso e o desenvolvimento podem e devem ser

realizados. E que, neste sentido, “aqui e ali, algumas políticas públicas, algumas

iniciativas empresariais e várias participações da sociedade civil têm sido revistas e

modificadas em vários lugares, entre diferentes povos e pessoas”. Esse “re-pensar” as

políticas de cunho desenvolvimentistas tem sido feito por vários setores da sociedade

civil organizada e principalmente pelas próprias comunidades afetadas por tais políticas

no Norte de Minas, onde os incentivos aos projetos agropecuários e de monocultura de

eucalipto a grandes grupos econômicos, alteraram suas formas de reprodução social. Os

estudos mostram que ocorre na atualidade uma necessidade de se repensar o modelo

15

Disponível em<http://www.otempo.com.br/otempo/noti...dTipoNoticia=1> Acesso em: 22 mar. 2010. 16

Disponível em < http://www.onorte.net/noticias.php?id=27196) Acesso em: 22 mar. 2010.

17

Disponível em <http://www.onorte.net/noticias.php?id=27196> Acesso em: 22 mar. 2010

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vigente de uso da terra e de apropriação dos territórios. Para tanto os incentivos

governamentais precisam ser repensados para que atenda uma política não de

segregação, mas, que realmente promova uma melhor equidade no atendimento dessas

políticas. Para tanto, é preciso que busquem junto a essas comunidades locais o resgate

de seus conhecimentos para proporcionar a manutenção das famílias em seus territórios.

Como pondera, com certeira maestria Porto-Gonçalves,

[...] modelos econômicos pautados em atividades monoculturais serão

sempre incompatíveis com o meio ambiente sadio e equilibrado, pois

"a monocultura revela, desde o início, que é uma prática que não visa

satisfazer as necessidades das regiões e dos povos que produzem. A

monocultura é uma técnica que em si mesma traz uma dimensão

política, na medida em que só tem sentido se é uma produção que não

é feita para satisfazer quem produz. Só um raciocínio logicamente

absurdo de um ponto de vista ambiental, mas que se tornou natural

admite fazer a cultura de uma só coisa.18

IV - Territórios em disputa: um novo período na luta pela terra

4.1 - A luta por territórios de vida – a luta pela terra na região

A HISTÓRIA SE REPETE

COM TAMANHA INSISTÊNCIA,

CHACINA E VIOLÊNCIA

À JUSTIÇA JULGAR COMPETE.

O MANDANTE QUE A COMETE

FRIA E COVARDEMENTE,

UM TIPO QUE NÃO É GENTE

MAIS PARECE A BESTA-FERA.

TOMBARAM CINCO SEM TERRA,

MAS NÓS SEGUIMOS EM FRENTE!

LÁ SE FORAM IRAGUIAR

MIGUEL, FRANCISCO, JOAQUIM,

JUVENAL TEVE O MESMO FIM,

ONDE TUDO ISSO VAI PARAR?

QUEM MATOU E MANDOU MATAR

VAI FICAR IMPUNEMENTE,

OU DESTA VEZ VAI SER DIFERENTE?

18

Artigo publicado edição especial do Jornal Contato como encarte da 438ª edição comemorativa do 364

aniversário de Taubaté/SP].

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POIS NINGUÉM MAIS TOLERA.

TOMBARAM CINCO SEM TERRA,

MAS NÓS SEGUIMOS EM FRENTE!

DEPOIS DOS CORPOS CAÍDOS

ENTRE BALAÇO E AÇOITE,

O ACAMPAMENTO VIROU NOITE

O RUBRO NA TERRA FOI TINGIDO.

O PAVOR DE ROSTOS SOFRIDOS

NA LONA PRETA O LUTO PRESENTE,

COM HOMENS E MULHERES VALENTES

ERGUENDO UM GRITO DE GUERRA:

TOMBARAM CINCO SEM TERRA,

MAS NÓS SEGUIMOS EM FRENTE!

(Pedro Munhoz)

Nesta epigrafe verifica-se a presença da violência do capital que não se refere

somente aos recursos naturais, mas também em relação aos povos e comunidades que

vivem e defendem estes recursos. Não é nosso objetivo nesta pesquisa analisar todo o

processo histórico da luta pela terra no Brasil, nem no Estado de Minas Gerais, mas sim

destacar como se deram algumas das lutas mais importantes no estado, enfocando o

conflito agrário no Vale do Jequitinhonha.

Quando falamos da importância dessas lutas, não se trata apenas de analisar as

lutas e conquistas econômicas dos movimentos sociais, mas sim da importância política

da organização como ferramenta de luta, que na maioria das vezes, na historia do país

esteve ausente da classe camponesa, com raras exceções19

.

No inicio da década de 1980 surge o MST (Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra) no Brasil. Retomam-se as lutas pela Reforma Agrária que haviam

sido interrompidas com o golpe militar de 1964. No Estado de Minas Gerais esta luta é

retomada no final de década de 1980, mais exatamente no dia 18 de fevereiro de 1988,

ocorre à primeira ocupação do MST. Tratava-se da ocupação da Fazenda Aruega, no

município de Novo Cruzeiro-MG, que vai se tornar um marco histórico na luta pela

terra e pela Reforma Agrária no estado e no Vale. Foi também um marco de resistência

camponesa no enfrentamento ao latifúndio e ao aparato Militar.

Esta foi a primeira conquista do MST no estado, que deu origem ao

Assentamento Aruéga, com 32 famílias, localizado no Município de Novo Cruzeiro-

MG. Atualmente, este assentamento possui produção agroecológica, cuja produção é

comercializada nas feiras livres da região, grupo de jovens, radio comunitária, duas

19

Quilombos, Canudos, Contestado, Ligas Camponesas entre outras.

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pequenas agroindústrias de derivados da mandioca e da cana de açúcar, escola de ensino

fundamental com mais de 180 alunos, que serve inclusive as comunidades vizinhas.

Desde a década de 80, diversas regiões do estado de Minas Gerais tem sido

palco de muitas lutas e conflitos, que resultaram na criação de 278 assentamentos, com

mais de 13 mil famílias, organizadas por diferentes organizações sociais. (INCRA/MG)

Em 2001 o MST intensifica a luta pela terra no Vale do Jequitinhonha. Em

menos de uma década, foram realizadas mais de vinte ocupações de latifúndios

mobilizando mais de cinco mil famílias. O conflito que mais marcou a região ocorreu

em novembro de 2004 no Município de Felisburgo, denominado “massacre de

Felisburgo”. O latifundiário Adriano Chafik, juntamente com 17 pistoleiros invadem o

Acampamento Terra Prometida no dia 20 de novembro e matam 5 trabalhadores rurais

Sem Terra, ferem a bala mais 12 pessoas, entre elas um menino de 12 anos, queimam as

barracas, inclusive a escola do acampamento20

. Este massacre teve cobertura da

imprensa nacional, contando com a presença de ministros, deputados, lideranças e

outras autoridades. Porém, passados sete anos, os assassinos continuam impunes. O

latifúndio de 1780 hectares, dos quais 700 hectares são terras devolutas, continua com

pendências judiciais, apesar da ocupação pelos trabalhadores. Em 2009, o Governo

Federal decretou a desapropriação da área por crimes ambientais, sendo esta a primeira

área no Brasil a ser desapropriada por este mecanismo, mas no ano seguinte, a Justiça

Federal suspendeu o decreto de desapropriação e o conflito continua.

Vale lembrar que a maioria das famílias que lá estão acampadas, desde 2002,

eram posseiros ou agregados desta fazenda, alguns com mais de 30 anos de trabalho, e

que tinham sido expulsos pelo fazendeiro sem receberem seus direitos. As praticas

historicamente autoritárias vigentes entre os fazendeiros da região e a garantia da

impunidade vigente no país foram elementos fundamentais que levaram a este massacre.

A resistência está expressa nas ações dos posseiros que anteriormente eram

obrigados a se submeter aos mandos do fazendeiro, mas que a participação no

movimento social organizado, lhes ofereceu uma consciência social maior de não se

submeterem mais a estas arbitrariedades. Apesar da resistência destas famílias a luta

pela terra na região foi abalada por esse confronto. De maneira que a historia vai se

repetindo e a violência e os conflitos continuam na região e no país.

20

Aliás, por coincidência ou não, este massacre ocorreu na mesma data em que o bandeirante Domingos

Jorge Velho comandou o massacre do Quilombo dos Palmares, no Estado de Pernambuco, onde Zumbi

dos Palmares foi assassinado, só que 309 anos depois.

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Porto-Gonçalves21

(2005) analisando os dados da violência no campo de 2003,

destaca o aumento da violência privada dos fazendeiros e jagunços no Brasil.

[…] O aumento expressivo da violência privada por meio da ação de

milicias e jagunços, registrando um aumento de 69,8% do numero de

assassinatos em relação a 2002, e de 130% no numero de famílias

expulsas da terra [...] É de fato, um verdadeiro estado de guerra.

(PORTO-GONÇALVES. 2005 p. 15)

Na época do massacre de Felisburgo, em 2004, se analisava que aquela

brutalidade coordenada pelo próprio latifundiário, estava ligado a um certo atraso do

mesmo. Mas o que se percebe a partir dos dados sobre a violência no campo de 2003,

que este tipo de atitude não está ligado ao atrasado ou ao moderno, ela faz parte da

cultura das elites agrárias país. “[...] os estados mais violentos no Brasil no ano de 2003

nos mostram, simplesmente, que os 5 (cinco) primeiros são, todos, estados onde se

expande a moderna agricultura empresarial”. Esta é a avaliação que faz Porto Gonçalves

e que nos é pertinente. A questão da violência é um problema histórico no Brasil. Porto

Gonçalves continua:

(...) o que talvez esses dados atualizem sejam as praticas que

historicamente sempre fizeram do Brasil um território moderno, como

já eram os engenhos dos seculos XVI e XVII, os mais modernos que

havia no mundo á época. Eram tão modernos como o são os elevados

níveis de produtividade com pivôs centrais, sementes selecionadas,

solos corrigidos e maquinas agrícolas computadorizadas que, hoje,

fazem a moderna e violenta paisagem do Brasil central e da amazônia.

Afinal, hoje se mata e desmata nos Cerrados e na Amazônia, do

mesmo modo que, ontem, matou se e desmatou se na Mata Atlântica e

nas Matas de Araucária, contra as populações originarias, quilombolas

e camponeses de diversos matizes- seringueiros, ribeirinhos,

retireiros(Araguaia), vazanteiros (São Francisco), geraizeiros,

mulheres quebradeiras de coco babaçu, entre tantos. O que, talvez, os

dados sobre a violência contra a pessoa no campo venham nos ensinar

é que a modernidade tem sido um poderoso meio de colonização e

que, na verdade, e a moderno-colonialidade que vem caracterizando

nossa formação social nos oferecendo mais do mesmo, sempre! Enfim,

em nome da modernidade nos colonizam por meio da colonialidade do

pensamento e da violência, pratica com que se abre caminho para o

(seu) progresso (PORTO-GONÇALVES,2003,p. 16-17).

Essa percepção de Porto Gonçalves tem há ver com a lógica de um modelo

violento, que se implantou desde os primeiros dias em que os colonizadores pisaram

21

Retirado do documento intitulado “Violência e democracia no campo brasileiro: o que dizem os dados

de 2003”

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sobre este território, que se desenvolveu e se mantém até os dias atuais, “nos oferecendo

mais do mesmo, sempre”. Ingenuidade nossa em pensar que a violência era fruto do

latifundiário atrasado.

4.2 – Os assentamentos como territórios de vida.

A formação dos territórios dos sem terra, se inicia na fase da luta pela terra, no

acampamento, mesmo que ainda não estejam definitivamente territorializados. Pois é no

acampamento que se desenvolvem valores tais como companheirismo, solidariedade,

auto-ajuda, enfim, é um momento singular na vida e na formação desses sujeitos.

Depois da terra conquistada, a luta pelo território continua. Ou seja, para a

democratização do campo, a desapropriação do latifúndio e seu fracionamento é um

elemento fundamental, mas não o único. A Reforma Agrária é um conjunto de medidas

que precisam ser combinadas: terra, créditos, educação, saúde, lazer, moradia,

assistência técnica e etc. Esta continua luta se torna tão ou mais difícil que o processo de

desapropriação da terra, visto que as instituições responsáveis pela execução dessas

políticas não conseguem realizá-las a contento, devido por um lado à falta de recursos, e

por outro a falta de funcionários qualificados. Em outras palavras, a Reforma Agrária

não é prioridade para o Estado e para os governos22

.

No Município de Jequitinhonha, existem hoje sete assentamentos, com 372

famílias no total, sendo que quatro deles foram realizados pelo INCRA, um pelo

governo do estado (Rural Minas), e dois pelo Banco da Terra.

Apesar das dificuldades que os assentamentos enfrentam para acessar as linhas

de credito, para desenvolver a produção e estruturar suas comunidades, podemos

afirmar que estes são os territórios de vida.

Neste momento faz-se necessário explicar por que estamos chamando os

assentamentos e as comunidades rurais de territórios de vida. Primeiramente,

destacamos a questão do uso da terra e sua função. Acreditamos que para os

22

O INCRA, órgão responsável pela execução da reforma agrária tem sofrido cortes em seu orçamento o

que leva a dificuldade na desapropriação das terras e liberação dos créditos. Verifica-se também um

descaso com relação ao licenciamento ambiental para Assentamentos. Isso evidencia as formas criadas

para tornar os processos de Reforma Agrária lentos e demorados.

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camponeses a terra não cumpre só o papel da produção, ela é muito mais que isso como

afirma Medeiros Marques (2005).

Entende-se modo de vida camponês como um conjunto de praticas e

valores que remetem a uma ordem moral que tem como valores

nucleantes a família, o trabalho e a terra. Trata-se de um modo de vida

tradicional, constituído a partir das relações pessoais e imediatas,

estruturadas em torno da família e de vínculos de solidariedade,

informados pela linguagem de parentesco, tendo como unidade social

básica a comunidade. (MARQUES. 2005, p. 145).

Nesta afirmação, verificamos os elementos centrais da cultura camponesa e no

seu modo de vida: valores morais, família, trabalho, terra, solidariedade, comunidade.

Ou seja, mesmo que este modo de vida esteja dentro do modelo capitalista de produção,

os objetivos fundamentais deste não estão voltados ao lucro.

Dom Tomaz Balduíno reafirma este pensamento,

A conclusão é que a terra é mais que terra. Este símbolo, que se liga

visceralmente à vida, é propriamente o lugar histórico dessas lutas,

sucessoras das mais diversas lutas dos índios, dos negros e dos

camponeses que, na sofrida busca do próprio chão, foram

descobrindo as outras dimensões do seu combate. Terra é dignidade,

é participação, é cidadania, é democracia. Terra é festa do povo

novo que, através da mudança, conquistou a liberdade, a

fraternidade e a alegria de viver (BALDUÌNO, 2004, p.24-25)

Nestas considerações de dom Tomaz, verificamos outros elementos que

explicam o território de vida: vida, historia, lutas, dignidade, participação, cidadania,

democracia, festa, mudança, liberdade (autonomia), alegria. E podemos elencar outros

elementos a estes tais como: produção de alimentos saudáveis, preservação ambiental,

preservação das sementes criolas, escolas com alternativas pedagógicas, cultura. Desta

maneira, o território de vida se coloca para a sociedade e para o bem comum de suas

comunidades.

Os bens da natureza, terra, água, florestas, sementes e outros, não são tratados

como recursos do capital, ou mercadoria como o atual modelo político-econômico

propõe. Com isso, não estamos afirmando que a agricultura camponesa esteja fora do

sistema capitalista, mas os valores, princípios e objetivos são totalmente diferentes do

modelo capitalista do agronegócio, que busca o lucro a qualquer custo como descreve

Gilmar Mauro (2005).

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A lógica do capital é o investimento onde está dando lucro. Se hoje o

Cerrado está dando lucro, investe-se pesadamente lá, mas se uma

cachoeira pode ser explorada do ponto de vista do lucro, obviamente

vão explorar. (MAURO. p.361).

Neste sentido afirmamos que a agricultura camponesa, as populações

tradicionais, os quilombolas, os indígenas nada têm de atrasados, pelo contrario, são

estes povos, com seus saberes, que tem condições de preservar a grande biodiversidade

que ainda resta. Não há nada mais moderno que defender a vida dos seres humanos e da

natureza. Mesmo com as enormes dificuldades que os assentamentos enfrentam, pois a

agricultura camponesa não tem sido tratada como prioridade pelo Estado e pelos

governos, é neste território de vida onde se realiza na plenitude a possibilidade da

preservação do homem e da natureza.

Mesmo assim, as famílias assentadas sobretudo as moradoras do Baixo

Jequitinhonha, conquistaram alguns direitos básicos, negados a parcela significativa da

população brasileira, tais como moradia, alimentação com fartura, acesso a escola,

trabalho, lazer, cultura, ou seja uma vida digna.

Na tabela a seguir

Quadro 2 - Comunidades rurais no municipio de Jequitinhonha

COMUNIDADES RURAIS NO

MUNICIPIO DE JEQUITINHONHA

01 Araçatuba***

02 Boa Vista***

03 Brejão*

04 Cachoeira***

05 Caju***

06 Santo Antônio Rural *

07 Campo Novo*

08 Palmaço***

09 Craunilha***

10 Craúno Mangue*

11 Craúno Palmeiras*

12 São Pedro do Jequitinhonha***

13 Craúno Rio Preto***

14 Estiva***

15 Guaranilandia***

16 Santa Inês***

17 Taquaril***

18 Transilvânia***

19 Ilha do Pão***

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20 Kran***

21 Lagoinha***

22 Maranhão***

23 Mumbuca**

24 Franco Duarte*

25 Franco Duarte / Renascer*

26 Jequitibá***

27 Córrego São Pedro***

28 Chapadinha***

29 Retiro***

30 Transval*

31 Ilha Alegre***

32 Pau D‟alho ***

33 Bom Retiro ***

34 Volta Alegre*** *Assentamento de reforma agrária

**Comunidade Quilombola

***Comunidade rural

Fonte: Paróquia São Miguel e Caritas Regional

Diocesana Almenara, 2011.

Nas comunidades acima, é que se localiza os mais de 7 mil camponeses que

discutimos no trabalho. Na região de Jequitinhonha são chamadas de comunidades

rurais, porém, outros autores a denominam de bairros rurais.

Dentre os assentamentos do Município de Jequitinhonha, vamos pegar o

exemplo do Assentamento Franco Duarte, por fazer divisa com uma das plantações de

eucalipto existentes na região, servindo para fazer um comparativo breve entre a

agricultura camponesa e a monocultura do eucalipto.

Este assentamento foi criado em 2003 onde foram assentadas 93 famílias,

aproximadamente 400 pessoas. Estas famílias ainda não conseguiram acessar os

créditos que tem direito (habitação, fomento, PRONAF, PAA, etc.). Por tanto, bem

diferente das áreas de monocultivo. Mesmo assim, vamos relatar o que existe nesta

comunidade. possui uma escola de primeira a quinta serie com 45 alunos(as), alem de

mais 39 que estudam na Comunidade do São Pedro do Jequitinhonha, vizinha do

assentamento, estes frequentam o Ensino Fundamental e Médio. A área total do

assentamento e de 7685 hectares, destes, 3635 são destinados a Reserva Legal, áreas de

APP(Área de Preservação Permanente), reserva por declividade ou áreas de encosta de

morros e áreas de preservação da Mata Ciliar. Ou seja, mais da metade do território do

assentamento esta destinada a preservação ambiental. Possui uma radio comunitária,

campo de futebol, duas pequenas agroindústrias comunitárias para beneficiamento da

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mandioca e da cana, uma enorme diversidade de produção de pequenos animais (porcos,

galinhas etc), hortaliças, frutas legumes, gado leiteiro, apicultura e outras. Para essa

produção, não se utiliza nenhum tipo de agrotóxico, inseticida ou pesticida, adubos

químicos. Tal produção é oriunda das próprias condições de cada família ou grupo de

famílias. ou seja, sem nenhum dinheiro de financiamento.

Não se pode afirmar porém, que estas famílias produzem uma renda que

satisfaça suas necessidades básicas. Para isso, vai ser preciso de investimento na

estruturação e melhoramento da produção, isso poderá vir com o acesso aos créditos.

Estas 93 famílias ainda não saíram da pobreza, mas, algumas questões básicas elas

adquiriram que são importantes, que muitos brasileiros não tem. Se nao vejamos, todos

tem moradia, mesmo que seja simples. Todos tem alimentação em fartura, todas as

crianças e jovens tem acesso a escola, e todos tem trabalho. Alem da questão da

segurança. Ou seja, neste assentamento não existem roubos, violência, prostituição,

drogas etc. E ainda preserva-se os recursos naturais e se convive em harmonia com a

natureza. Só o fato do assentamento garantir estas questões básicas, já justifica sua

criação. Porem, o grande desafio que cabe as organizações do campo, é elevar o nível de

consciência destes, para se tornarem sujeitos e atores sociais, ou seja, não ser apenas

camponês, mas de se sentir e agir como classe. Temos clareza que a Reforma Agraria,

não virá sem a mudança do modelo agrário e agrícola que está ai. Para isso é necessário

de uma organização politica como classe. Entendemos que estes assentamentos e

comunidades, são territórios em conflito, mas estão servindo de resistência e de

acumulo para a construção de um novo projeto para o campo brasileiro.

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Considerações finais

Nosso objetivo neste trabalho foi de analisar os impactos sócio-ambientais das

monoculturas de eucalipto no Vale do Jequitinhonha – MG, bem como as suas

perspectivas para o futuro. Neste sentido, verificamos que os recursos naturais estão

sem disputados entre dois projetos, o do agronegócio através do monocultivo dos

eucaliptos, ao qual chamamos de território como recurso do capital, e o projeto

camponês o qual chamamos, de território de vida. Ao se confrontar esses dois projetos

criam tensões, mesmo que não sejam de forma explicita.

No primeiro capítulo percebemos a grande concentração fundiária existente no

baixo Jequitinhonha, sendo que essa concentração se d[a principalmente com a

utilização da pecuária. Porém, há uma tendência clara de que essas terras são potenciais

para a expansão do eucalipto. Desta maneira as terras que poderiam ser destinadas a

reforma agrária passam a ser disputadas pelo capital monocultor.

No segundo capitulo verificamos como a classe camponesa se territorializa e

resiste os conflitos com os povos indígenas no período da colonização do Baixo

Jequitinhonha no final do século XVIII e início do século XIX onde foram

extremamente violentos. Porém, estes jamais renunciaram a sua liberdade defendendo

os seus territórios e suas vidas. Ainda hoje os povos indígenas resistem e reconstroem

sua cultura nos territórios demarcados.

Os negros que foram os principais responsáveis pela construção da riqueza do

país, resistiram a escravidão através das fugas para os quilombos. Estes também

retornam para os seus territórios, sendo que só no Vale do Jequitinhonha são 105 (cento

e cinco) quilombos localizados. Mesmo que instalados em regiões distantes e de difícil

acesso, nos chamados grotões, realizam ali a sua reprodução social.

Os camponeses por sua vez, que povoaram o Baixo Jequitinhonha durante o

século XIX, seja na forma de agregados, sitiantes, posseiros ou escravos libertos, forma

construindo o seu modo de vida. Esses camponeses ao adquirirem o seu território

mesmo que de forma precária, através de posses, com dificuldades de ter a sua

autonomia conseguem produzir o seu espaços social e físico e construir o seu modo de

vida próprio, o que lhes assegura sua reprodução. Isso é confirmado pelos números do

Censo do IBGE (2010) que nos mostra que 32% da população do Baixo Jequitinhonha

residem no meio rural. Descobrimos também durante o nosso trabalho, que só no

município de Jequitinhonha são 34 (trinta e quatro) comunidades rurais com mais de

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7.000 camponeses, que em meio a inúmeras dificuldades resistem ao avanço do

capitalismo valorizando os seus saberes populares.

Sobre as políticas de implementação do eucalipto no valo do Jequitinhonha,

buscamos pesquisar os processos de suas territorialização que se deu a partir da década

de 1970, através dos incentivos governamentais. Em primeiro momento essa expansão

se deu no alto e médio Jequitinhonha, expropriando as chapadas dos camponeses que

eram utilizadas de forma comum. Percebemos o quanto é rápido e violento este

processo. Rápido porque o capital em poucos meses, é capaz de mudar toda uma

paisagem que levou anos para se formar. Vimos também que o capital não age sozinho,

em todos os projetos de desenvolvimento o Estado atuou junto através de

financiamento, incentivos, pesquisas entre outros. Violento porque expropria

comunidades inteiras desrespeitandos sua cultura, devastando as matas nativas,

poluindo córregos e nascentes, aumentando a concentração fundiária, enfim, mudando

completamente a paisagem do lugar.

Por fim analisamos o período atual da luta pela terra, a importância política dos

movimentos sociais na construção dos territórios de vida. Constatamos que a violência

contra os trabalhadores continua sendo usada hoje contra os movimentos sociais, como

foi utilizada contra os povos indígenas e negros durante o processo de colonização.

Mesmo assim, novos territórios de vidas são construindo formando uma contrapartida

ao modelo do capital. Assim, a conflitualidade entre os dois modelos de

desenvolvimento continua, o território continua sendo palco de disputa política.

Considerando toda a pesquisa realizada e analisando a conflitualidade existente

entre os dois projetos, concluímos que o controle do território é fundamental no

desenvolvimento dessa política, como nos lembram Graziano e Graziano Neto de que

“(...) o interesse dos grandes proprietários pelo domínio de amplas

parcelas de terra dá-se não pela terra em si ou pelo o que ela possa

produzir [...] mas sim pela possibilidade de dominar os homens que

trabalham a terra. Dominar a terra é condição essencial para dominar

os homens, para se dominar o trabalho e as atividades políticas dos

camponeses.” (1983, p.86).

Neste sentido aprendemos a importância dos estudos de Geografia e os

domínios de suas categorias e conceitos, para compreender e qualificar a luta da classe

camponesa e trabalhadora.

Permanecem ainda muitos desafios, além de continuar as pesquisas para

observar o desenvolvimento das disputas territoriais, se torna necessário também

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realizar trabalhos de campo, junto as comunidades camponesas para compreender sua

posição em relação aos avanços da monocultura do eucalipto. Entendemos que essa foi

uma das lacunas do nosso trabalho, porém as condições não permitiram uma pesquisa

mais empírica mais intensiva.

Para os movimentos sociais e para a classe camponesa, fica o desafio de elevar

o nível de consciência e organização para resistir e construir novos territórios. Não basta

ser apenas camponês é preciso se organizar como classe.

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