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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA E GEOCIÊNCIAS TERRITORIALIDADES RURAIS EM JÚLIO DE CASTILHOS RS: DA PECUÁRIA EXTENSIVA À AGRICULTURA FAMILIAR DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Vinicius Silva Moreira Santa Maria, RS, Brasil 2008

TERRITORIALIDADES RURAIS EM JÚLIO DE CASTILHOS – …w3.ufsm.br/ppggeo/files/dissertacoes_06-11/Vinicius Silva Moreira.pdf · Programa de Pós-Graduação em Geografia e Geociências

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CINCIAS NATURAIS E EXATAS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA E GEOCINCIAS

TERRITORIALIDADES RURAIS EM JLIO DE CASTILHOS RS: DA PECURIA

EXTENSIVA AGRICULTURA FAMILIAR

DISSERTAO DE MESTRADO

Vinicius Silva Moreira

Santa Maria, RS, Brasil 2008

TERRITORIALIDADES RURAIS EM JLIO DE CASTILHOS

RS: DA PECURIA EXTENSIVA AGRICULTURA FAMILIAR

por

Vinicius Silva Moreira

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Geografia e Geocincias, da Universidade Federal de

Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obteno do grau de

Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Cesar De David

Santa Maria, RS, Brasil

2008

Universidade Federal de Santa Maria Centro de Cincias Naturais e Exatas

Programa de Ps-Graduao em Geografia e Geocincias

A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao de Mestrado

TERRITORIALIDADES RURAIS EM JLIO DE CASTILHOS RS: DA PECURIA EXTENSIVA AGRICULTURA FAMILIAR.

elaborada por Vinicius Silva Moreira

Como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Geografia

COMISSO EXAMINADORA:

Dr. Cesar De David (Presidente/Orientador)

Dr. Glucio Jos Marafon (UERJ)

Dra. Carmen Rejane Flores Winiewsky (UFSM)

Dr. Eduardo Schiavone Cardoso (UFSM) Suplente

Santa Maria, 29 de Fevereiro de 2008.

DEDICO ESTE TRABALHO A MINHA FAMLIA.

AGRADECIMENTOS

Ao Povo brasileiro que paga seus altssimos impostos, sendo que, uma nfima

parcela deste valor destina-se a Educao.

A UFSM e ao GPET pela oportunidade de desenvolver esta pesquisa e garantir

o acesso ao ensino superior pblico, gratuito e de qualidade.

A CAPES pelos 12 meses de bolsa de estudo, que certamente sem esse

auxlio, no conseguiria terminar a pesquisa.

Ao Professor e amigo Cesar De David, pela pacincia e o profissionalismo em

orientar esta pesquisa.

A minha famlia, em especial aos meus pais Denoide e Marilisa e aos meus

pais do corao, tio Vanderlei e tia Dalva, que sempre me apoiaram e auxiliaram na

minha caminhada.

A minha fiel companheira Greice, pela pacincia e compreenso da minha

ausncia em vrios momentos.

Aos meus amigos.

E, a todas as pessoas que de alguma maneira ou de outra, auxiliaram na

minha educao formal e no formal.

A lei da contradio inerente s coisas, aos fenmenos, ou a lei da unidade dos contrrios, a lei fundamental da

dialtica materialista, por esse motivo que a luta no um

banquete de pessoas bem-educadas. uma sublevao, um

ato de violncia pelo qual uma classe derruba uma outra.

Fragmento do discurso de Mao Tse-tung em agosto de 1937,

proferido nas margens do rio Huang-ho (Rio Amarelo)

junto as famlias camponesas, preparando-as para

a luta, para a revoluo Comunista Chinesa.

RESUMO

Dissertao de Mestrado Programa de Ps-Graduao em Geografia e Geocincias

Universidade Federal de Santa Maria

TERRITORIALIDADES RURAIS EM JLIO DE CASTILHOS RS: DA PECURIA EXTENSIVA AGRICULTURA FAMILIAR.

AUTOR: VINICIUS SILVA MOREIRA ORIENTADOR: CESAR DE DAVID

Data e Local da Defesa: Santa Maria, 29 de Fevereiro de 2008.

O municpio de Jlio de Castilhos sofreu transformaes significativas em seu espao rural nas ltimas dcadas. Isso ocorreu devido retrao do latifndio, domnio da pecuria extensiva, em favor da agricultura moderna da soja. A fragmentao parcial dos criatrios de gado e sua reestruturao ocorreram atravs de trs formas predominantes: o arrendamento, a venda das propriedades e a desapropriao das terras improdutivas, realizada pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA, pois no estavam exercendo sua funo social. Os assentamentos rurais possibilitaram a introduo e o desenvolvimento da agricultura familiar no Municpio e a conseqente a diversificao da produo agrcola. Compreender os processos responsveis pela dinmica do espao rural do Municpio e os conflitos decorrentes, no perodo entre 1960 a 2007, analisando as transformaes produtivas, fundirias e socioeconmicas responsveis pela formao dos territrios rurais constituem os objetivos desta pesquisa. A metodologia analtica-descritiva, fundamentada em trabalhos de campo, atravs de observaes e entrevistas com os agricultores e proprietrios rurais, alm de outros informantes qualificados.

Palavras-Chave: Latifndio Pastoril, Agricultura Empresarial, Territorializao, Assentamentos Rurais, Agricultura Familiar.

ABSTRACT

Dissertation of Master degree Post-Graduation in Geography and Geosciences

Federal University of Santa Maria

RURAL TERRITORIALITIES IN JLIO DE CASTILHOS RS: FROM EXTENSIVE CATTLE RANCHING TO FAMILY FARM.

AUTHOR: VINICIUS SILVA MOREIRA ADVISER: CESAR DE DAVID

Date and Defenses place: Santa Maria, 29 of February of 2008.

Jlio de Castilhos City has undergone significant transformations in its rural space last decades. It has happened because of large lands retraction and extensive cattle ranching in favour of Soya new agriculture. The partial fragmentation of cattle breeding and its reorganization has occurred in three main forms: land rent, land sell and expropriation when non-productive land. It was carried out by Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) because they were not taking their social function. The rural settlements made possible the introduction and the development of family farm in Jlio de Castilhos City and consequently the diversification of agricultural production. This research aimed at understanding the processes held responsible for the dynamics of Jlio de Castilhos rural space and its resulting conflits from 1960 to 2007. Moreover, it was analyzed productive, landing and socio-economic transformations responsible for the formation of rural lands. The methodology is analytical and descriptive, based on field researches, through observation and interviews with farmers, landowners and other qualified informants.

Key-Words: Grazing Land, Entrepreneurial Agriculture, Territorialization, Rural Settlements and Family Farm

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Nmero de cabeas da Pecuria em Jlio de Castilhos RS ............. 58

TABELA 2 Unidades de Industrializao da COTRIJUC........................................ 78

TABELA 3 Unidades de Recebimento e Armazenagem de gros da COTRIJUC. 79

TABELA 4 Unidades Comerciais e Administrativas da COTRIJUC ....................... 79

TABELA 5 Empresas de armazenagem da produo agrcola em Jlio de

Castilhos ..................................................................................................................... 82

TABELA 6 Produtividade Fsica da Soja em Jlio de Castilhos / RS .................... 84

TABELA 7 Produo de leite em Jlio de Castilhos (1975 1990) ..................... 115

TABELA 8 Produo de leite em Jlio de Castilhos (1989 2007) ..................... 115

LISTA DE ILUSTRAES

FIGURA 1 Fluxograma explicativo da gnese de um Movimento Social ............... 88

FOTOGRAFIA 1 Sede da Fazenda do Cerrito........................................................ 44

FOTOGRAFIA 2 Mangueira e brete de madeira de lei na Fazenda do coqueiro... 44

FOTOGRAFIA 3 Cerca de pedra na Fazenda da Caneleira .................................. 45

FOTOGRAFIA 4 Casa do proprietrio na Cabanha Santa Maria do Pinhal........... 53

FOTOGRAFIA 5 Vaca Charols com filhotes em confinamento na Cabanha Bom

Retido.......................................................................................................................... 53

FOTOGRAFIA 6 Reprodutor Charols na pastagem de aveia Cabanha Santa

Maria do Pinhal........................................................................................................... 54

FOTOGRAFIA 7 Cavalo Crioulo no Haras e Centro de Treinamento gua Funda 54

FOTOGRAFIA 8 Aps o banho o cavalo recebe escovao em sua pelagem...... 56

FOTOGRAFIA 9 O funcionrio dando uma dose de vermfugo oral ao cavalo...... 56

FOTOGRAFIA 10 O cavalo da raa crioulo, no estbulo individual, comendo rao

com cenouras ............................................................................................................. 57

FOTOGRAFIA 11 Ovinos em pastagem nativa na Fazenda Irmos Mazza .......... 59

FOTOGRAFIA 12 Sede da Matriz da COTRIJUC .................................................. 77

FOTOGRAFIA 13 CESA unidade de Jlio de Castilhos, filial n11 ........................ 81

FOTOGRAFIA 14 CESA unidade de Jlio de Castilhos, perfilamento dos

graneleiros .................................................................................................................. 81

FOTOGRAFIA 15 Marasca unidade de Jlio de Castilhos..................................... 82

FOTOGRAFIA 16 Produo de laranjas no Assentamento Ramada................... 100

FOTOGRAFIA 17 Casa em precrias condies de moradia no assentamento

Alvorada.................................................................................................................... 104

FOTOGRAFIA 18 Em primeiro plano a horta da famlia, ao fundo casa sendo

construda ................................................................................................................. 104

FOTOGRAFIA 19 Quiosque do assentamento Alvorada ..................................... 107

FOTOGRAFIA 20 Prdio da escola do assentamento Alvorada.......................... 107

FOTOGRAFIA 21 Assentado alimentando suas 10 vacas leiteiras com farelo de

milho. ........................................................................................................................ 111

FOTOGRAFIA 22 Famlia de assentados recebendo geladeira e freezer

comprados com o dinheiro da produo do leite do primeiro semestre. Compra

efetuada no comrcio de Jlio de Castilhos ............................................................ 111

GRFICO 1 A quantificao da pecuria em Jlio de Castilhos/RS, no perodo de

1970 a 2007................................................................................................................ 60

GRFICO 2 A produo e rea da soja em Jlio de Castilhos/RS ........................ 85

MAPA 1 Mapa de localizao do Municpio de Jlio de Castilhos RS ................ 18

MAPA 2 Mapa de localizao dos estabelecimentos de pecuria intensiva no

Municpio de Jlio de Castilhos/RS............................................................................ 52

MAPA 3 Mapa de localizao e abrangncia das unidades da COTRIJUC .......... 77

MAPA 4 Mapa de localizao dos Assentamentos Rurais em Jlio de Castilhos . 96

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAIs Complexos Agroindustriais

CAPES

CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe

CESA Companhia Estadual de Silos a Armazns

COPTEC Cooperativa de Assistncia Tcnica

Corsan Companhia Riograndense de Saneamento

COTRIJUC Cooperativa Tritcola de Jlio de Castilhos

CPT Comisso Pastoral da Terra

EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

Embrapa Empresa Brasileira Agropecuria

FHC Fernando Henrique Cardoso

FIBGE Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

GPET Grupo de Pesquisa em Educao e Territrio

ha Hectare

HUSM Hospital Universitrio de Santa Maria

IVJC Inspetoria Veterinria de Jlio de Castilhos

INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

ITR Imposto Territorial Rural

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

ONU Organizao das Naes Unidas

PIB Produto Interno Bruto

PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria

PRONAF Programa Nacional de Agricultura Familiar

ton Toneladas

UDR Unio Democrtica Ruralista

UFSM Universidade Federal de Santa Maria

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADA AOS REPRESENTANTES DO

TERRITRIO DA PECURIA.................................................................................. 128

ANEXO B ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADA AOS REPRESENTANTES DO

TERRITRIO DA LAVOURA EMPRESARIAL E O AGRONEGCIO .................... 129

ANEXO C ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADA AOS REPRESENTANTES DO

TERRITRIO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS .................................................. 130

ANEXO D ESTRATIFICAO DAS PROPRIEDADES RURAIS DE JLIO DE

CASTILHOS ............................................................................................................. 131

SUMRIO

INTRODUO ........................................................................................................... 16

1 AS MATRIZES TERICAS DOS TERRITRIOS RURAIS ................................ 24

1.1 O Territrio ....................................................................................................... 24

1.1.1 Espao e Poder: A Gnese do Territrio............................................... 24

1.1.2 A polissemia do conceito Territrio........................................................ 26

2 O LATIFNDIO: DOMNIO DA PECURIA EXTENSIVA .................................. 36

2.1 Histrico da Ocupao, Colonizao e Formao da grande propriedade

no Estado Gacho .................................................................................................... 36

2.2 O Territrio da Pecuria castilhense: Manuteno e Dinmica ................. 42

2.2.1 A Pecuria Extensiva............................................................................. 42

2.2.2 A Pecuria Intensiva.............................................................................. 47

2.2.2.1 Bovinocultura.............................................................................. 47

2.2.2.2 Histria do gado Charols no Rio Grande do Sul...................... 48

2.2.2.3 Cabanha e Haras: Estabelecimentos da Pecuria Intensiva .... 50

2.3 A Pecuria Castilhense em nmeros ............................................................ 57

2.4 Reflexes sobre o Territrio da Pecuria ..................................................... 61

3 AGRICULTURA EMPRESARIAL: A PRODUO DO ESPAO AGRRIO

PELO CAPITAL ......................................................................................................... 63

3.1 As transformaes capitalistas no agrrio Gacho com a criao dos

Complexos Agroindustriais (CAIs)......................................................................... 63

3.2 Lavoura Empresarial: O domnio da soja e a formao da agroindstria 72

3.2.1 Gnese e dinmica do territrio da soja em Jlio de Castilhos ............ 72

3.2.2 A soja castilhense em nmeros: Produo e Produtividade................. 83

3.3 Reflexes sobre o Territrio da Agricultura Empresarial ........................... 86

4 OS ASSENTAMENTOS RURAIS: NOVAS CONFIGURAES NO ESPAO

AGRRIO CASTILHENSE ........................................................................................ 87

4.1 O despertar de um Movimento Social ........................................................... 87

4.2 Histrico do MST ............................................................................................. 90

4.3 Um novo Territrio no Rural Castilhense ..................................................... 92

4.4 A territorializao dos Assentamentos rurais em Jlio de Castilhos ....... 97

4.4.1 Assentamento Ramada ......................................................................... 97

4.4.2 Assentamento Alvorada....................................................................... 102

4.4.3 Assentamento Santa Jlia ................................................................... 108

4.5 Reflexes sobre o Territrio dos Assentamentos Rurais......................... 113

5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 117

6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................. 121

ANEXO A.................................................................................................................. 128

ANEXO B.................................................................................................................. 129

ANEXO C.................................................................................................................. 130

ANEXO D.................................................................................................................. 131

INTRODUO

O municpio de Jlio de Castilhos teve sua origem ligada existncia de uma

das primeiras redues jesuticas que se tem notcia, mesmo antes dos Sete Povos

das Misses.

Esta reduo jesutica era denominada de Reduo da Natividade e datava-se

de 1633. Localizava-se a dez quilmetros ao sul da usina da cascata do Iva, no

atual municpio de Pinhal Grande que pertencia no sculo passado ao territrio

Castilhense. Ressalta-se que em 1635 a reduo jesutica espanhola Natividad del

Nuestra Seora contava com mais de oitocentas famlias indgenas do grupo Tapes.

(COSTA, 1991)

A continuidade da Reduo da Natividade foi insustentvel por vrios motivos:

Primeiro por ser um local longnquo da civilizao do Prata, Buenos Aires e

Montevidu principais cidades da poca; segundo por localizar-se em uma vasta

rea de difcil acesso; terceiro devido s epidemias, que reduziam drasticamente a

populao indgena e, por ltimo, devido ao surgimento dos bandeirantes que

capturavam os ndios com a finalidade de vend-los como escravos no sudeste

brasileiro. Ela findou-se em 1638 e seus remanescentes migraram para outras reas

mais ao sul, para a atual Repblica da Banda Oriental do Uruguai. (COSTA, 1991)

Os ndios remanescentes com o auxlio de padres jesutas, dirigiram-se ao

Norte das Provncias do Prata, atual Provncia de Corrientes na Argentina, saindo

dos domnios da coroa portuguesa. Anos mais tarde, voltaram para as reas em

litgio entre Portugal/Espanha, passando outra margem do Rio Uruguai e formando

de 1660 a 1690 os Sete Povos das Misses, ao Noroeste do atual Estado Gacho.

Aps um sculo de desocupao do centro do Estado Gacho, famlias vindas

da Provncia de So Vicente, atual estado de So Paulo, comearam a povoar o

centro da Provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul, em fins do sculo XVIII, e

incio do sculo XIX. Essas famlias tinham a finalidade de povoar e colonizar o sul

do vasto territrio brasileiro e, tambm, praticar uma pecuria, pois haviam milhares

de cabeas de gado bovino que ficaram desgarrados das grandes estncias dos

Sete Povos das Misses, aps sua destruio pelas Guerras Guaranticas e invaso

dos Bandeirantes.

O pequeno povoado chamado Vila Rica, no centro do Rio grande do Sul, foi

crescendo com a prtica da pecuria, e anos mais tarde, com a queda da Monarquia

17

no Brasil e a implantao de uma nova Repblica, a Vila foi elevada a Municpio,

recebendo o nome de seu ilustre filho, Jlio de Castilhos. (COSTA, 1991)

O Municpio de Jlio de Castilhos est situado no centro do Estado do Rio

Grande do Sul, no Extremo Sul do Brasil, com uma latitude de 291339 Sul do

Equador e uma longitude de 534038 Oeste de Greenwich. O centro do permetro

urbano da cidade est sobre uma coxilha do planalto basltico sul-rio-grandense a

uma altitude mdia de 514 metros do nvel do mar. (Mapa 1)

Conforme a localizao geogrfica, o municpio situa-se em uma regio

subtropical, com quatro estaes bem definidas e com temperatura anual mdia de

18C. Precipitaes bem distribudas durante o ano, situado entre as nascentes dos

rios Torop e Iva, no topo do planalto basltico meridional sul-rio-grandense.

As precipitaes pluviomtricas ocorridas no municpio de Jlio de Castilhos

so canalizadas para duas bacias hidrogrficas. Ao leste, as guas pertencem

bacia do Rio Iva, afluente do Rio Jacu, o qual desgua na Lagoa dos Patos; e as

guas ao oeste, dirigem-se ao Rio Torop, afluente do Rio Ibicu, pertencente a bacia

do Rio Uruguai, que ir desaguar no Esturio do Prata.

A rea atual do Municpio de 1.964,09 Km, onde 0,73% corresponde ao

permetro urbano que de 14,5Km, e sua rea rural compreende 1.949,59Km, ou

seja, 99,27% da rea municipal. Segundo FIBGE (2007), Jlio de Castilhos tem uma

populao de 20.416 habitantes, com uma densidade populacional de 10,39

hab/Km.

Embora Jlio de Castilhos seja considerada uma cidade de pequeno porte, ela

tem relevncia para a economia gacha, em razo da expressiva produo agrcola,

pois um total de 55,40% da economia do Municpio est baseada no setor primrio

que corresponde a um valor adicionado de R$ 50.766.859,34 do Produto Interno

Bruto (PIB) do qual 37% deve-se ao setor tercirio. (Secretaria Municipal de

Desenvolvimento, 2007)

A rea ocupada pela agropecuria de 1869,38 Km, o que equivale a 95,73%

da rea do municpio. Destaca-se que a agricultura ocupa, atualmente, 68.530

hectares correspondendo a 34,89% da rea municipal. Esta rea ocupada pela

agricultura corresponde a lavouras permanentes e temporrias. As permanentes

perfazem 0,27% das reas, ou seja, apenas 530 hectares. Por sua vez, as lavouras

temporrias, ocupam 68.000 hectares ocupando 34,62% do espao agrcola do

Municpio. (Secretaria Municipal de Desenvolvimento, 2007)

18

As reas de pecuria somam 119.470 hectares, ou seja, 61,28% do espao

rural do Municpio. As pastagens naturais so predominantes, ocupando 95.000

hectares, ou seja, 50,54% da rea. J, as pastagens cultivadas perfazem um total de

15.000 hectares, ocupando 7,98% da rea destinada a pecuria. (Secretaria

Municipal de Desenvolvimento, 2007)

Mapa 1 Mapa de localizao do Municpio de Jlio de Castilhos RS Fonte: Trabalho de Laboratrio desenvolvido no GPET.

Destaca-se tambm que a rea municipal sem explorao econmica,

corresponde a 9.470 hectares, ou seja 5% da rea do municpio, uma vez que a

mesma inaproveitvel por apresentar o stio urbano, matas, rios e reservas. O

Municpio em estudo, apresenta 1.424 propriedades rurais, com rea mdia de

117,64 hectares. Entretanto, essa mdia encobre a desigual estrutura fundiria, pois

oculta os latifndios pastoris. A mo-de-obra ocupada nos estabelecimentos

agropecurios de 4016 pessoas, correspondendo a 19,67% da populao.

(Secretaria Municipal de Desenvolvimento, 2007)

O Municpio apresentou transformaes significativas no espao rural nas

ltimas dcadas. Isso ocorreu devido a subutilizao das terras da pecuria,

exploradas de forma extensiva caracterstica do latifndio pastoril, em parte

ocupadas pela produo agrcola empresarial. A fragmentao parcial dos criatrios

de gado forou sua reestruturao produtiva. Em geral, houveram trs formas de

19

ocupao dessas reas, um atravs do arrendamento, o outro da compra e venda

das propriedades, e no terceiro caso, pela desapropriao, realizada pelo Instituto

Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA, das terras ociosas que no

estavam exercendo sua funo social,

A ocupao de terras com reduzida ou nenhuma produo; atravs dos

assentamentos rurais, possibilitou a expanso e desenvolvimento da agricultura

familiar no Municpio e sua conseqente diversificao agrcola.

Essa pesquisa foi composta por cinco partes ordenadas, que somadas de

forma segmentada, concretizam a investigao.

Primeiramente, foram realizadas 10 disciplinas no Programa de Ps-

Graduao em Geografia e Geocincias, que totalizaram 30 crditos; e que foram

cursadas no perodo de Maro a Dezembro do ano de 2006. Atravs das leituras

propostas nessas disciplinas, o suporte cientfico dado ao projeto da pesquisa foi de

suma importncia. Essa primeira fase foi a base para o segundo passo da pesquisa,

a qual condicionou as bibliografias para as matrizes tericas.

O segundo momento da pesquisa, de Janeiro a Maro de 2007, foi composto

pela preparao e apresentao da qualificao, o qual efetivou-se na data de 15 de

Maro de 2007. A banca examinadora da qualificao foi de grande valia, pois

sugeriu algumas alteraes estruturais pertinentes no projeto da pesquisa e,

complementou o suporte terico, indicando mais bibliografias visionando o objeto de

estudo e seus objetivos.

Aps qualificar o projeto de pesquisa, conforme sugestes da banca, a terceira

etapa ocorreu com a preparao do trabalho de campo, realizada no perodo de

Abril a Julho de 2007. Nessa ocasio, confeccionaram-se roteiros investigativos e

entrevistas semi-estruturadas, as quais seguem em anexo (Anexo A, B e C). Cabe

ressaltar que as entrevistas semi-estruturadas no so fechadas, e sim, do suporte

de orientao na conversa com o entrevistado.

A construo desses roteiros e entrevistas foram realizadas com base nos

objetivos da pesquisa e, com a finalidade de levantar informaes primrias, uma

vez que, para o contato das informaes secundrias foram utilizadas duas vias,

uma pelos censos do IBGE, adquirida atravs de consulta aos seus anurios e site

oficial, e outra, por meio de rgos, entidades e empresas situadas ou pertencentes

a Jlio de Castilhos.

20

Para a coleta das informaes qualitativas, Trivios (1987) ressalta que a

entrevista semi-estruturada um dos principais meios que o investigador dispem.

Conforme esse mesmo autor, a entrevista semi-estruturada entendida como:

(...) aquela que parte de certos questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses, que interessam pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipteses que vo surgindo medida que se recebem as respostas dos informantes. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experincias dentro do foco principal colocado pelo investigador, comea a participar na elaborao do contedo da pesquisa. (TRIVIOS, 1987, p.146)

O trabalho de campo, efetivado nos meses de Agosto e Setembro de 2007, foi

a quarta etapa da pesquisa, subdividido em duas fases. A primeira, comps o

trabalho de campo realizado no meio urbano, com o levantamento de dados

quantitativos na Secretaria Municipal de Desenvolvimento, na Inspetoria Veterinria

de Jlio de Castilhos IVJC, no Cartrio de Registro de Imveis Rurais de Jlio de

Castilhos, na Companhia Estadual de Silos e Armazns CESA, na Cooperativa

Tritcola de Jlio de Castilhos COTRIJUC e algumas outras empresas locais. Essa

primeira parte efetivou-se mais rpida, devido a acessibilidade dentro do espao

urbano, pois todas as visitas foram agendadas e realizadas nos dez primeiros dias

do ms de agosto. Como a IVJC possui um cadastro atualizado de todas as

propriedades castilhense, com nome do proprietrio, telefone e endereo. Com a

permisso dessa instituio, recorreu-se a essas informaes para concretizar a

etapa seguinte.

Assim, posteriormente, a segunda fase do trabalho de campo, iniciada no dia

20 de Agosto de 2007, consistiu em visitar o meio rural castilhense, com a finalidade

de fazer entrevistas com os representantes dos trs territrios; primeiro o latifndio

pastoril, segundo a agricultura empresarial e terceiro os assentamentos rurais. Os

informantes de cada segmento foram previamente escolhidos, ora pela sua

importncia no territrio que o representa, ora pelo destaque de sua produo, ou

ainda, sua representatividade perante outros indivduos do seu mesmo territrio.

A ordem das visitas e entrevistas foram relacionadas com a mesma perspectiva

de anlise proposta por Milton Santos em 1978, onde a sociedade atravs do tempo

e suas relaes imprimiu e imprime suas caractersticas no espao natural,

21

transformando-o em espao geogrfico, assim, empregando o conceito de Formao

Scio Espacial.

Dessa maneira, do dia 20 ao dia 27 do ms agosto de 2007, o trabalho de

campo consistiu em identificar os possveis informantes e contat-los via telefone

para agendar uma possvel visita em suas propriedades. Alguns, recusaram

sumariamente a visita e a entrevista, outros aceitaram, mas solicitaram para no

serem identificados. Assim, respeitando a vontade dos mesmos, foi adotado quando

referidos, o ENTREVISTADO n. X a todas as 24 pessoas ouvidas, dessa forma

preservando suas identidades. Com relao ao nmero de entrevistas, essas

tiveram a finalidade de elucidar os trs territrios do rural castilhense, com isso, as

pessoas entrevistadas so indivduos conhecedores de cada realidade, como j

expressado anteriormente, por fazerem parte ou por terem maior destaque, ou

ainda, por serem reconhecidas no territrio que esto inseridas.

O trabalho de campo no meio rural ocorreu no perodo compreendido entre os

dias 28 de agosto a 30 de setembro, onde cada visita, com o propsito da entrevista,

durava em mdia um dia inteiro ou mais. A demora para a realizao de apenas uma

entrevista deveu-se pela distncia das propriedades rurais, em relao ao meio

urbano, pelas ms condies de algumas estradas e o pior, pela falta de meio de

transporte para algumas localidades no interior Castilhense.

Dessa forma, onde havia linha de nibus facilitava o trabalho, embora os

horrios fossem espordicos, com um ou dois horrios por dia, passando em frente

a propriedade. relevante salientar que o nibus faz seu trajeto na estrada principal,

e, muitas propriedades visitadas ficam retiradas dois a cinco quilmetros da estrada

principal, quando no esto em uma estrada secundria. Por muitas vezes, a carona

em camionetes, em tratores e at mesmo em carroceria de caminhes se fez

presente para efetivar as entrevistas. E, por duas vezes, em duas propriedades

distintas, o pernoite foi assegurado no galpo com os pees. Para superar essa

dificuldade de locomoo foi alugado uma motocicleta, para percorrer o meio rural e

concretizar as entrevistas que faltavam.

Mesmo com o aluguel da motocicleta, as visitas continuaram durando em

mdia um dia, pois muitos entrevistados convidavam para o almoo e faziam

questo de mostrar uma parte de sua propriedade, uns a cavalo, outros de trator e

alguns a p.

22

O material obtido nas coletas de dados so predominantemente descritivos e

ricos em descries de pessoas, citaes, acontecimentos; incluindo transies de

entrevistas e depoimentos. Citaes so, freqentemente, usadas para subsidiar

uma afirmao ou esclarecer um ponto de vista. Todos os dados da realidade so

importantes. (LDKE & ANDRE, 1986).

A elaborao final da pesquisa consistiu na quinta e ltima etapa, realizada de

Outubro de 2007 a Janeiro de 2008, procurou agregar todos os conhecimentos

emprico, acadmico e cientifico na redao final dessa pesquisa.

Dessa forma, verificou-se, no Municpio, uma desconcentrao no uso da terra,

que foi possvel porque a lavoura empresarial, para se expandir, necessitou de terras

com caractersticas adequadas para a sua produo e uma parcela destas terras se

distribui nas reas ocupadas predominantemente pela pecuria, e o outro fator foi a

insero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST que atravs da

luta pela terra, pressionou o Estado fazendo com que o INCRA promovesse a

fragmentao das grandes propriedades. Verifica-se, assim, uma reorganizao no

uso do solo, atravs da pecuria, da agricultura empresarial e da agricultura familiar

em reas antes tradicionalmente caracterizadas pelo latifndio pastoril.

A problemtica central da pesquisa est embasada nos seguintes

questionamentos: 1) Quais motivos explicam a decadncia econmica da pecuria,

em detrimento da agricultura empresarial, uma vez que aquela atividade era a

principal detentora do fator terra? 2) Quais as razes que explicam a emergncia da

agricultura familiar, decorrente da formao dos assentamentos rurais em reas

antes ocupadas pela grande propriedade?

A pesquisa tem por objetivo principal analisar o processo, constituio e

desenvolvimento dos sistemas agrrios no municpio de Jlio de Castilhos,

entendendo o espao rural em suas trs configuraes distintas; a pecuria, a

agricultura empresarial e a agricultura familiar.

Nessa perspectiva, resgata-se as transformaes do latifndio no Rio Grande

do Sul, compreendendo sua gnese e suas perspectivas. Com isso, o espao

agrrio castilhense, que originou-se com latifndio pastoril, sofreu duas grandes

transformaes, a primeira com a agricultura empresarial, que foi e subsidia por

interesses do capital e; a segunda deve-se a fragmentao espacial, devido ao

surgimento de trs assentamentos rurais promovidos pelo INCRA.

23

O Municpio de Jlio de Castilhos apresenta-se como um importante plo

produtivo no setor agropecurio, com nfase na criao de gado de corte, da raa

Charols1 e a cultura da soja. Entretanto, a diversificao da produo agrcola

ocasionou a reduo parcial dos criatrios de gado e, conseqentemente, dividiu o

espao com outras atividades, sejam pecurias (ovinos, gado leiteiro), sejam

agrcolas (soja, milho, trigo, hortalias e frutas).

A rea ocupada com a lavoura empresarial tem uma caracterstica especial,

com o cultivo de soja ou milho no vero e o cultivo do trigo, aveia ou azevm no

inverno, empregando a tcnica da rotatividade dos cultivos anuais. Esta tcnica est

associada adubao qumica, utilizao de agrotxicos e forte mecanizao

(colheitadeiras, tratores, ceifadeiras, arados, etc.), seguindo o modelo da

modernizao da agricultura.

Dessa forma, transformou-se o meio rural do Municpio, diversificando os

sistemas agrcolas, alterando-se as relaes de trabalho, as tcnicas de produo e

a estrutura das propriedades, cuja implantao deve-se poltica nacional do

governo militar, nos anos 70, em que incentivou a agroexportao (Empresa rural)

atravs de financiamentos em extenso rural, que foi difusora de tecnologias,

deixando em segundo plano a agricultura familiar, no somente em Jlio de

Castilhos, mas nos demais municpios brasileiros.

Essa realidade comeou a mudar a partir da queda dos governos militares,

quando surge um novo momento no Brasil, a redemocratizao. Essa nova fase

brasileira possibilitou que a luta pela terra, antes sufocada, renascesse e trouxesse

uma antiga proposta de liberdade ao campo, a reforma agrria ou a tentativa dela.

1 Diz-se de raa bovina originaria da Frana. Raa com baixa quantidade de gordura e carne bastante musculosa.

1 AS MATRIZES TERICAS DOS TERRITRIOS RURAIS

1.1 O Territrio

Essa primeira seo da reviso da literatura, tem por finalidade a discusso e

compreenso do Territrio e a sua plenitude, analisando desde a gnese at a

polissemia do conceito.

1.1.1 Espao e Poder: A gnese do Territrio

Quando o homem atua no meio ambiente com suas idias e formas de

produzir, ele provoca uma nova organizao do espao. A organizao espacial

oferece condies para englobar as tradicionais consideraes sobre as relaes

entre o homem e o meio e sobre a diversidade regional.

O domnio e a organizao do espao foram elementos que contriburam para

a sistematizao geogrfica na Alemanha, pois se preocupavam com a unificao do

Estado Alemo, em que a questo do espao era primordial. Para isso ocorrer, a

ctedra alem recorreu e se embasou na filosofia positivista, a qual norteou os

primeiros passos da cincia geogrfica. A filosofia positivista baseada em trs

fases, o organicismo, o evolucionismo e o funcionalismo.2 Entretanto, vale ressaltar

que o espao analisado na perspectiva funcional no se limita a ser organizado e

hierarquizado. Ele no para de se transformar.3

A relao entre Estado e espao foi um dos pontos privilegiados por Ratzel,

atravs da teoria do Espao Vital, em que representava uma proporo de equilbrio,

entre uma determinada populao e os recursos disponveis, para suprir suas

necessidades de progredir e suas permanncias territoriais.

Na Nova Geografia, a cincia geogrfica era vista como a cincia que se refere

formulao de leis, que regem a distribuio espacial de alguns fenmenos da

superfcie terrestre.

A Geografia dedica-se aos estudos das organizaes espaciais, sendo estas

entendidas como a estrutura dos elementos e processos que explicam o

funcionamento de qualquer espao organizado. A noo de espao est ligada de

tempo, de movimento e conseqentemente ao conceito do processo.

2 Sobre esse assunto, consultar: Bezzi, M. L.; Marafon, G. J. Historiografia da cincia geogrfica. Santa Maria: UFSM, CCNE, Curso de Geografia, 2005, p. 25 50. 3 Claval, 2004, p. 18.

25

Com o avano da tecnologia, o espao foi entendido em funo da

acessibilidade, levando ao conceito de espao relativo, o qual se refere posio

que um lugar ocupa, em relao a outras localidades; podendo se expressar de

diversas maneiras (ex: tempo de percurso, custo dos transportes). A posio relativa

pode sofrer transformaes com o decorrer do tempo, em virtude das inovaes

tcnicas e dos meios de circulao e de comunicao.

Na Geografia Crtica, o espao considerado relacional, sendo percebido

como contedo e representando no interior de si mesmo outros tipos de relaes,

que existem entre os objetos e os seus atores.

A sociedade dinmica e se identifica com o espao vivido e vice versa,

imprimindo sua histria no mesmo. (MOREIRA, 2004) Portanto, considera-se o

espao como o ambiente resultante das relaes de seus agentes sociais e, no

deve ser estudado como sendo a adio de partes menores, o espao total e uno.

Faz-se necessrio uma compreenso do que o poder, para entender o que

o territrio, uma vez que, buscou-se uma reflexo do que o espao ao longo das

escolas geogrficas. Assim, segundo RAFFESTIN (1993, p. 52):

O poder, nome comum, se esconde atrs do Poder, nome prprio. Esconde-se tanto melhor, quanto maior for a sua presena em todos os lugares. Presente em cada relao, na curva de cada ao: insidioso, ele se aproveita da todas as fissuras sociais para infiltrar-se at o corao do homem. A ambigidade se encontra a, portanto, uma vez que h o Poder e o poder.

Com isso, pode ser observada a dualidade epistemolgica da palavra. A

primeira, nome prprio, referindo e manifestando-se por intermdio dos aparelhos

complexos, que encerram o territrio, controlam a populao e dominam os

recursos, o poder visvel, macio e identificvel, representado pelo Estado.

Em contrapartida, o segundo, nome comum para Raffestin, aquele que no

se v, aquele que se acreditou t-lo derrotado pelo capitalismo, o poder dos

atores excludos, so as relaes de uma sociedade organizada. O poder

concretizado na revolta de seus agentes sociais, buscando atravs de movimentos a

re-insero dos mesmos, a uma ordem que os excluiu; o capitalismo.

Mesmo assim, RAFFESTIN (1993, p. 53) diz que:

Pode-se pensar que tudo isso bastante intuitivo. Certamente, mas no muito fcil fazer de imediato uma descrio clara, enquadrada por um

26

sistema de conceitos coerentes e unvocos, do poder que brota de estruturas profundas e no de estruturas de superfcie.

Com isso, demonstrada a preocupao em construir um conceito para o

poder, sendo este, complexo em suas relaes.

No que se trata de Territrio, este corresponde ao espao caracterizado pelas

relaes de poder, ou seja, o espao que sofre o domnio dos agentes polticos,

econmicos e sociais, o Estado tem seu espao ou territrio definido, o que nem

sempre ocorre com as naes, que devido a sua antiguidade, complexidade ou

aspiraes, podem no ter territrio definido. (HAESBAERT, 2004)

As palavras de RAFFESTIN (1993, p. 144), nos dizem que o territrio ... um

espao onde se projeta um trabalho, seja energia e informao, e que, por

conseqncia, revela relaes marcadas pelo poder. O espao a priso original,

e o territrio a priso que os homens constroem para si.

Em complemento a essas palavras, CLAVAL (2004, p. 33) diz que: ... o

espao, transformado em territrio, oferece aos grupos uma base e uma

estabilidade, que eles no teriam sem isso. Faz nascer um sentimento de

segurana. O territrio constitui um dos componentes essenciais das identidades.

Aps a leitura de Raffestin sobre as duas formas de poder, conclui se que o

Poder territorializa o espao e, o poder d a dinmica ao territrio, assim,

propiciando e concretizando a luta pela manuteno das classes sociais, e, a busca

da reinsero social dos indivduos excludos, que ser analisado em um momento

posterior com a gnese do movimento social.

1.1.2 A polissemia do conceito Territrio

Segundo MORAES (1984), o conceito de territrio tem sua origem nas cincias

da Botnica e da Zoologia do final do sculo XVIII. A este conceito estava ligado o

local de domnio de uma determinada espcie vegetal ou animal. A partir disso, este

conceito incorporado geografia, atravs da proposta formulada por Friedrich

Ratzel no, Antropogeografia (1882). Assim, ele define o territrio pela propriedade,

onde o Estado ou uma comunidade possui o domnio e a posse de uma determinada

rea, cabendo ao Estado a funo de proteg- la.

Para compreender melhor as idias ratzelianas, sobre o territrio na cincia

geogrfica pertinente conhecer um pouco de sua trajetria e contribuio cientfica

para a geografia.

27

De acordo com estudos feitos por MORAES (1990), Ratzel foi fundamental no

processo de sistematizao da cincia geogrfica, alm de ter sido um dos

precursores do positivismo, adotado pela cincia posteriormente.

Suas idias estavam baseadas na relao entre a sociedade e as condies

ambientais, sendo assim, desenvolveu estudos na rea da antropologia e da poltica,

com destaque para a cincia poltica, quando aborda temas como o Estado, as

fronteiras, a guerra, entre outros. Ao escrever a obra Geografia Poltica, ele acaba

influenciando seus discpulos em suas teorias geopolticas como Mackinder, Kejllen

e Haushofer.

Mas a maior preocupao de Ratzel, conforme MORAES (1990, p.8) entender

a difuso dos povos na superfcie terrestre, para isso era preciso articular histria,

etnologia e geografia. Assim, era preciso conhecer a humanidade, os povos, as

raas e suas culturas, a sua gentica; para isso, a histria buscaria no passado a

trajetria desses povos, e, a geografia tentaria explicar as relaes, que se

estabeleceriam entre o homem e o meio natural, seja no seu local de origem, seja ao

longo de sua trajetria.

Ainda segundo MORAES (1990), a obra de Ratzel, Antropogeografia (1882),

divide-se em trs ramos: o primeiro, diz respeito a influncia das condies naturais

sobre o homem, isso explicaria a diversidade humana e o desenvolvimento das

sociedades; o segundo, trata sobre a distribuio da humanidade sobre a terra; o

terceiro, sobre a formao dos territrios, que poderia ser explicado atravs da

relao do homem com a natureza.

Dessas relaes, o meio influencia em diversos aspectos da vida do homem,

tanto como indivduo, quanto em comunidade, fosse pela disponibilidade de recursos

e riquezas naturais, posio geogrfica , pela mestiagem, etc... , essas influncias

se manifestariam na base econmica e social do homem.

Outra teoria pela qual ele ganhou notoriedade foi a do espao vital. Ele viveu a

formao do Estado alemo e suas idias estavam baseadas no expansionismo.

Afirmava que uma sociedade, num determinado estgio de progresso ou

desenvolvimento, necessitava de novas reas para manter a sua condio.

Assim, como diz MORAES (1990, p. 22) Para Ratzel quando h o progresso

de um povo, a expanso inevitvel, seja em funo do meio pelo uso intenso, seja

pela presso demogrfica.

28

Portanto, o territrio para Ratzel seria abordado atravs da propriedade, onde

sua posse poderia ser adquirida nas lutas ou defesas de povos ou naes ou pelos

seus territrios. Tambm a violncia e a guerra seriam componentes naturais na

histria das conquistas e dos contatos entre sociedades.

Quanto ao Estado, o seu surgimento conferiu-lhe a funo de delimitao do

territrio, assegurando a sua defesa. MORAES (1990, p. 25) ... quando a sociedade

se organiza para defender o seu territrio, ela se transforma em Estado. preciso

defender os recursos naturais e riquezas de uma dada sociedade em um

determinado territrio, a fim de zelar pelo bem-estar e segurana da mesma.

Constata-se que h uma ligao entre Estado e territrio, em que um no

existe sem o outro, bem como no h territrio sem sociedade. O homem no um

elemento separado da Terra, ele faz parte dela, e, portanto, deve ser considerado

nas relaes de poder e nas relaes com a natureza ou entre os homens.

O homem, atravs das relaes de poder, exerce influncia no meio e este por

sua vez influencia nas decises e na vida humana. H uma grande inter-relao em

que o homem vai projetando na superfcie terrestre os seus domnios, o seu poder,

abrangendo diversos territrios.

Na busca do sentido e significado do termo territrio, procurou-se em

RAFFESTIN (1993, p. 143) que o territrio se forma a partir do espao, e o

resultado de uma ao conduzida por um ator sintagmtico (ator que realiza um

programa) em qualquer nvel.

Nesse sentido, o territrio se constri embasado no espao, que por sua vez

est marcado por relaes de poder entre os seus diversos atores, que projetam

nele, tambm, trabalho, energia e informao.

Para RAFFESTIN (1993), a partir do espao que se expressam as relaes

de poder dos diversos atores e seus respectivos territrios. A superfcie terrestre

passa a ser tecida em malhas e redes, que representam o poder construdo por

esses atores sobre uma base territorial.

A essa disposio esto ligados fatores elementares na dinmica da produo

territorial, e, das relaes de poder como a distncia (fsica ou geogrfica) e a

acessibilidade (temporal, econmica, social, cultural...). De acordo com o autor,

citado anteriormente, todos somos atores e participamos na construo de

territrios, em diversos estgios ou em momentos e lugares diferentes, seja atravs

29

de uma grande empresa, do Estado ou na organizao de um clube, por exemplo. E

essa produo territorial se processa nas relaes do campo e do poder.

Para RAFFESTIN (1993) falar sobre territrio significa tambm delimitar,

caracterizar, distinguir uma determinada rea das demais, pois h nessa rea uma

relao de domnio, de poder, de um grupo. Contudo importante salientar, que a

delimitao econmica mais vulnervel do que os limites poltico- administrativos,

que tendem a serem estveis. Segundo o autor, isso ocorre, basicamente, porque o

primeiro caso resulta de um poder de fato e o segundo, de um poder legitimado,

ratificado.

Nesse pensamento, percebe-se que o espao o palco das aes humanas,

aes que procuram legitimar interesses polticos e econmicos atravs de relaes

de poder; formando assim, diversos territrios sobre a superfcie terrestre, seja o

territrio delimitado pelo Estado, seja aquele constitudo por outros agentes sociais.

Para SOUZA (2005), a definio de territrio, tambm, segue as relaes de

poder, de dominao, de informao sobre um espao. Ele destaca que no se trata

apenas do conceito de territrio nacional, com sentimento ptrio, de defesa,

limitada na figura do Estado, mas de territrios que so construdos e desconstruidos

a todo o momento, variando no tempo e no espao, ou seja, desde uma rua at o

globo ou desde sculos dias, sendo que a sua longevidade pode durar dias,

meses, anos, dcadas, ser temporria ou permanente.

SOUZA (2005), comenta ainda, que o territrio na geografia poltica era

considerado como algo que pode ser apropriado por um grupo e, a partir da

construir uma cultura, uma identidade, dessa sociedade com o solo, ao qual ela

pertence e mantm relaes. Esse territrio, no entanto, estaria sujeito a

modificaes nas suas delimitaes, uma vez que seus limites podem ser

expandidos ou contrados pelo uso da fora.

Contudo, o autor faz referncia a outro tipo de conceituao do termo, onde

entra em cena um campo de foras, de poder que produz sobre o espao redes e

ns, separando os diferentes domnios.

Um territrio baseado nas relaes sociais inseridas no espao, nos processos

de incluso e excluso do sistema vigente, deflagrando lutas e disputas pelo espao

como por exemplo, os territrios da prostituio, das drogas e at mesmo de reas

rurais.

30

Conforme SOUZA (2005, p. 97), o territrio no o substrato, o espao social

em si, mas um campo de foras, as relaes de poder especialmente delimitadas,

operando, distante, sobre um substrato referencial.

O espao terrestre passa a refletir as relaes de poder e de produo dos

homens, que organizados em sociedade, mantm-se interdependentes dos recursos

do solo, passando a exercer o poder, o domnio sobre a terra e os homens em busca

do controle ou da sobrevivncia.

Nesta abordagem social sobre o territrio, MORAES (2000, p.18) tambm trs

a sua contribuio para esta questo, quando afirma que o territrio no pode existir

se no houver uma sociedade organizada, que se apropria da natureza e a

transforma atravs de seus meios de produo. Na medida que esse processo

avana no tempo, insere-se a importncia da histria humana na relao com o

meio, apropriado e mudado por ela ao longo das geraes por isso, o territrio ,

portanto uma expresso da relao sociedade/espao, sendo impossvel ser

pensada sem o recurso aos processos sociais.

Conforme Moraes, as teorias humanistas propuseram uma nova maneira de

pensar o territrio, atravs de uma reflexo econmica, poltica e social do espao

terrestre, alimentada pelas lutas de classes, pelo domnio da propriedade dos meios

de produo, a insero de um novo sistema econmico, a explorao acelerada

dos recursos naturais, entre outros. Alm disso, fatores empregam, tambm, uma

anlise histrica sobre a palavra, pela qual o homem se organizou espacialmente ao

longo do tempo, na construo de territrios e na sua desconstruo pois, MORAES

(2000, p.21) nos diz que:

... o territrio antes de tudo uma escala de anlise da sociedade/espao, isto , um recorte analtico que objetiva uma viso angular especfica da histria. Em tal entendimento, o territrio emerge como espao dotado de uma historicidade prpria, que corresponderia espacialidade de uma dada formao econmica e social.

Com base nisso, poder-se-ia verificar a formao histrica do territrio nacional

brasileiro, o qual se consolidou atravs de grandes interesses econmicos e

polticos, cuja gnese estava no processo de expanso territorial lusitano, pela

conquista de espaos e de riquezas que atendessem as necessidades do mercado

europeu.

31

De acordo com MORAES (2000), o Brasil no incio do seu descobrimento no

despertou muita ateno dos colonizadores portugueses porque estes no

conseguiram encontrar as to cobiadas especiarias como condimentos e metais

preciosos. O atrativo da nova terra estava na diversidade natural e, posteriormente,

no interior do continente.

A coroa portuguesa passou a investir no domnio e posse das terras, para

possveis exploraes futuras. Esse processo de ocupao se deu de forma lenta e

gradual; ocorrendo, primeiramente, no litoral com as capitanias hereditrias e depois

no interior atravs das entradas e bandeiras.

A costa do Brasil serviu para o comrcio de Portugal desde o princpio,

exportando os produtos aqui explorados como foi o pau-brasil, acar, ouro, caf,

entre outros.

A sociedade brasileira, que se organizou nesse territrio, constitua-se de

vrios grupos tnicos como os ndios, escravos africanos e portugueses. Como

salienta MORAES (2000) os colonizadores aproveitaram a grande diversidade de

grupos indgenas para conquistar o territrio, devido as hostilidades existentes entre

eles.

Para PRADO JNIOR (1987), o processo de formao territorial do Brasil

caracterizou-se pela explorao dos recursos naturais em proveito do comrcio

europeu, unicamente. Esta organizao permitiu, que a sociedade aqui formada,

tivesse profunda relao com a formao e evoluo histrica e econmica. A

economia se restringiu basicamente no fornecimento de acar, tabaco, ouro, caf

para a Europa, esse era o objetivo do colonizador; assim, atravs dessa vertente a

estrutura social do pas, estava embasada de acordo com o arranjo econmico e

poltico dos principais ciclos econmicos do Brasil, sustentados na mo-de-obra

escrava, ora indgena, ora africana. Ainda sobre a formao do territrio brasileiro,

vale salientar as palavras de MORAES (2000, p. 26 - 27):

...a constituio do territrio nacional brasileiro se fez calcada nessa herana espacial colonial. E sobre o territrio da colnia-conjunto de formas, pelas quais se estruturou um sistema produtivo e uma vida social dos portugueses em terras americanas - que comea a edificao do espao nacional, aps a emancipao poltica que cria o novo pas. A primeira tarefa da nao recm-independente foi exatamente garantir a soberania sobre as diferentes regies da antiga colnia... A herana colonial, no que importa a dimenso espacial, teve sua influncia integral na definio da nova situao...o territrio colonial foi, assim, o suporte sobre o qual se iniciava a formao territorial do pas emergente.

32

Nesse sentido, a consolidao territorial do pas teve como fundamento as

bandeiras, na conquista e dominao de espaos, que constituram reservas de

valor, para exploraes futuras e, tambm, a histria diplomtica brasileira na

definio das fronteiras, cabendo citar aqui os tratados de Madrid e Santo Idelfonso.

Cabe destacar alm disso, que o processo de formao do Brasil o caracterizou em

perodos e regies distintas, no sculo XVI, XVII e XVIII, com uma estrutura

econmico-social diferenciada, marcando a poca de instalao, consolidao e

explorao portuguesa; ou seja, de apropriao, transformao e construo do

espao, do territrio.

PENHA (2005), faz uma anlise sobre o conceito de territrio, desde sua

gnese nas cincias como a Biologia, passando pela conceitualizao de Ratzel.

Mas a sua idia est alicerada na relao do Estado e o territrio. Ele coloca, que

durante a Idade Mdia, o vnculo com a terra era estabelecido por grupos, numa

relao quase individual ou familiar, mas a partir do surgimento do Estado moderno,

esse vnculo passou a tornar-se cada vez mais legitimado ou institucionalizado,

especialmente, devido as novas relaes sociais, econmicas e polticas que

segundo SCHIERA (1986, p. 26) causaram:

...efeitos devastadores sobre os espaos fechados e limitados dos senhorios feudais, fundados sobre uma economia natural exclusivamente agrcola e de troca e sobre a organizao social correspondente, esttica e integrada, prevalentemente concentrada sobre as relaes pessoais do senhor com seus subordinados.

Com o fim da Idade Mdia, ocorre uma nova organizao espacial e social

onde h o desaparecimento dos feudos e o surgimento de pores de terras

delimitadas e dominadas por determinados grupos que mantm relaes entre si.

Para SCHIERA (1986, p. 26):

...do sistema policntrico e complexo dos senhorios de origem feudal se chega ao Estado territorial concentrado, unitrio, atravs da chamada racionalizao da gesto do poder e da prpria organizao poltica imposta pela evoluo das condies histricas materiais.

Assim, o Estado moderno surge principalmente, na Europa, com muita

singularidade e como expresso de um poder que a representao de uma

33

homogeneidade populacional/cultural. Ao territrio, vincula-se um sentimento de

nacionalismo, uma identidade.

POGGI (1981), coloca que a partir da fragmentao da superfcie terrestre em

vrios Estados, surgiram os atritos, pois cada um queria garantir ou manter seu

domnio, sua soberania. Esses atritos, transformaram-se em questes de limites e

fronteiras, mas para a soberania interna dos pases, que o autor chama a ateno,

destacando que no sculo XIX essa idia de soberania alcanara toda a Europa

Ocidental ou seja, cada pas com seu territrio e com plenos poderes poltico-

espaciais sobre ele.

De acordo com PENHA (2005) a questo do territrio e da soberania

reconfigurou-se a partir da Revoluo Francesa, ao deslocar a soberania interna do

Estado para o povo, vinculando a nao ao territrio. A partir da, misturam os

interesses polticos e econmicos no trato sobre o territrio, cujo conceito agora

transcende o judicirio. O Estado passa a ser um agente do enriquecimento da

burguesia, pelos impostos, moeda, metais e agricultura, caracterizando o territrio

sob uma dimenso econmica, que acaba sendo reforada com o surgimento e

acelerao da industrializao. Nesse contexto, surge pela linha marxista a idia da

apropriao do espao, como um processo de uso, de trabalho e no apenas de

domnio.

Sendo assim, conforme define CALABI; INDOVINA (1992), o territrio

marcado pela ao do trabalho humano, que transforma a terra agregando capital a

ela, o territrio transmuta-se em meio de produo, atravs do sistema capitalista.

Nesta perspectiva, ainda, pode-se analisar de acordo com MORAES; COSTA

(1984), que o territrio constitudo pela fixao do trabalho sobre a terra, na sua

materializao e complexidade, j o Estado representa a institucionalizao poltica

da sociedade e do espao que ela ocupa. Neste caso, o Estado aparece como uma

condio para o surgimento do territrio.

Nas palavras de S (1986, p. 23), ...o Estado classicamente definido como

coletividade politicamente organizada, estabelecida em territrio delimitado, e, em

contrapartida, o territrio entendido como o espao de jurisdio do Estado.

Com isso, pode-se dizer conforme PENHA (2005) que o territrio nacional

surge na nacionalidade vinculado a um smbolo, uma identidade, uma cultura de um

determinado povo e, relacionado a ele est o mapa, que neste caso tem a funo

equivalente a da bandeira nacional, como uma imagem representando uma unidade,

34

uma homogeneidade. A nao passa a se identificar com o seu territrio, fixando no

imaginrio popular um sentimento de nacionalismo.

Inserida nessa ideologia territorial, a histria da humanidade apresentou

algumas idias nesse sentido, como: o territrio natural, o territrio prometido e o

territrio vital.

De acordo com PENHA (2005), o territrio natural surgiu no final do sculo

XVIII, na Frana. Sua economia era predominantemente agrria, cuja populao

est voltada para a propriedade da terra, para o campo.

Procura-se, ento, uma rediviso da terra e dos limites polticos, definidos pela

naturalizao das fronteiras. Assim, o territrio representa a extenso da nao e

no mais do rei.

J o territrio prometido diz respeito a geopoltica norte-americana. marcado

pela construo histrica do territrio dos Estados Unidos, numa mescla de

imperialismo e teologia, at a sua projeo exterior.

Para os norte-americanos havia uma terra prometida, um refgio para a

opresso, mas para se chegar a sua terra era necessrio atravessar um longo

caminho pelo mar. Portanto, segundo PENHA (2005), os norte-americanos desde a

origem de sua nao esto sempre a procura de uma nova fronteira, esteja ela na

superfcie terrestre ou no espao interplanetrio.

Com referncia ao territrio vital, PENHA (2005), analisa, que os alemes

desenvolveram uma ideologia baseada na preservao de uma comunidade, na

unificao, pelo fato de no possuir espaos vazios, nem fronteiras naturais.

baseado nisso tambm, que Ratzel conduziu suas idias, na formao de um

Estado, construindo posteriormente, a teoria do espao vital, que segundo MORAES

(1990, p. 23), representa uma relao de equilbrio entre a populao e os recursos,

mediada pela capacidade tcnica. Seria a poro do planeta necessria para a

reproduo de uma dada comunidade.

Consolidado o novo Estado alemo, era preciso assegurar o seu territrio e

desenvolver polticas expansionistas. A teoria ratzeliana sobre o espao vital, seria

retomada, anos mais tarde, por Haushofer, para ele quando este espao tornava-se

reduzido, cabia aos estadistas expandi-lo e se o mesmo sofresse alguma ameaa

exterior, era responsabilidade do poder nacional defend-lo.

Para PENHA (2005), essa teoria teve suas conseqncias para o mundo, a

Europa e especialmente para a Alemanha. Portanto, o que se conclui, que a

35

apropriao de um territrio o resultado de uma ao poltica do Estado, e, no de

uma interveno divina.

Este mesmo autor, cita tambm a formao territorial do Brasil. Aqui, diferente

do caso alemo, havia um espao sem povo, a extenso territorial, acabou

contribuindo para a fundao de uma nacionalidade, apesar das contradies

sociais e raciais. Nesse caso, o povo no teve grande expresso na definio do

territrio, uma vez que, os povos indgenas eram considerados partes da natureza,

possveis de serem explorados pelos colonizadores bem como suas terras. O

mesmo procedeu com os escravos africanos, cuja relevncia era a sua mo-de-obra

barata.

Assim, para MORAES (1988), a identidade nacional do brasileiro est ligada

com a extenso territorial, a uma conotao cartogrfica e no, com o povo que

dele faz parte.

Pensar o territrio, nos leva a consider-lo de acordo com as relaes mantidas

pela sociedade, com o meio no qual ela est inserida e, tambm nas relaes entre

os homens, no poder exercido pelo homem, principalmente atravs dos meios e

instrumentos de produo e transformao do espao, j que podemos considerar o

territrio como um espao de apropriao e de uso por um grupo de pessoas.

A anlise, que se deve fazer hoje sobre o territrio, torna-o no apenas como

uma rea delimitada por acidentes geogrficos; mas, tambm, articulada de

processos sociais, que so o reflexo das intervenes antrpicas na superfcie

terrestre, criando naturalidades e complexidades de energia, informaes e poder.

Essa anlise, passa pelo resgate histrico e cultural da formao e consolidao de

seus territrios, para se compreender a formao atual dos mesmos.

O territrio uma mescla de construo poltica (soberania), econmica (meios

de produo), jurdica (legitimidade), ideolgica (identidade) e militar (expanso,

defesa). Devido a isso, concretizam-se os conflitos entre os agentes sociais, que so

excludos, segregados ou minorias dentro dessa mescla. Assim, esses indivduos

organizados criam foras e so ouvidos pelo Estado atravs do surgimento de um

Movimento Social que, concretiza a luta pelos seus ideais ou pela busca de sua

identidade, ou ainda; na busca de uma territorializao. Essa discusso ser melhor

compreendida e analisada no prximo subitem.

2 O LATIFNDIO: DOMNIO DA PECURIA EXTENSIVA

2.1 Histrico da ocupao, colonizao e formao da grande

propriedade do Estado Gacho

A ocupao do territrio gacho pelos europeus, deu-se no sculo XVII, por

volta de 1626, atravs dos jesutas a servio da Coroa Espanhola. A poro

noroeste do Rio Grande do Sul, hoje denominada Misses, foi o local onde os

padres jesutas fundaram os primeiros ncleos estveis no espao sul-riograndense,

no qual os ndios4 foram os primeiros habitantes. Sobre esse assunto ROCHE (1969,

p.28) descreve que os jesutas reuniram os ndios em redues onde praticavam a

agricultura, e ainda introduziu os gados bovino e ovino, dando incio atividade

pecuria. Dessas redues surgiram os Sete Povos das Misses5 que tornaram-se

um centro econmico importante, cujas principais atividades eram a produo de

erva-mate, a extrao de couro e a pecuria.

Dessa forma, a primeira etapa da ocupao do territrio gacho foi realizada

pelos padres jesutas, em favor da coroa espanhola, fazendo dos ndios fora de

trabalho especializada. Isso atraiu o interesse dos Bandeirantes vindos de So

Paulo, que buscavam escravos para as empresas e para agricultura l existente,

dizimando, assim, esta sociedade que havia sido estabelecida no territrio gacho

(QUEVEDO DOS SANTOS, 1993).

Um sculo aps a ocupao espanhola ocorre a ocupao portuguesa, em que

se inicia a constituio da dinmica socioeconmica do Rio Grande do Sul, a partir

do primeiro quarto do sculo XVIII, com a distribuio de sesmarias, nas reas de

fronteiras com Argentina e Uruguai. Conforme as palavras de MARTINS (1997, p.

13-14), sobre as sesmarias, nos diz que: ...este sistema era desigual e injusto, pois

somente as pessoas que fossem brancas, puras de sangue e catlicas, poderiam

receber a posse de um ttulo de sesmaria. Ento, o acesso a terra estava interditado

aos hereges, aos gentios, aos negros, aos mouros e aos judeus.

Esta foi estratgia adotada pela Coroa Portuguesa, para garantir a posse e

defesa das terras localizadas ao sul de sua colnia, constituindo alojamentos de

4 Guaranis, Charruas e Guaianas (FORTES, 1981). 5 No total, foram 30 povos missioneiros. Destes, sete localizavam-se no Rio Grande do Sul, 13 no Paraguai e 10 na Argentina. Os Sete Povos das Misses foram: So Borja, So Nicolau, So Miguel, So Luiz Gonzaga, So Loureno, So Joo Batista e Santo ngelo. (SEHN e ILHA, 2000)

37

acampamentos militares e construes de fortes, assim como, a distribuio de

sesmarias (com rea de at 13.068 ha) a pessoas de prestgio e, ou militares de

maior patente, sendo profundamente segregador, raramente atenderam ao carter

social da distribuio das terras (COSTA, 1988).

Desse modo, a Metade Sul foi a primeira a ser ocupada a partir do sculo XVII,

por imigrantes ibricos e aventureiros paulistas, formando uma estrutura fundiria de

grandes propriedades de pecuria extensiva, atravs de doaes de sesmarias,

provocando uma pobreza estrutural pela restrio de aceso a terra para a maioria da

populao, que vagava pelos pampas busca de uma ocupao (TORRONTEGUY,

1994).

Muitos autores (BRUM, 1987; COSTA, 1988; PESAVENTO, 1997) vem na

doao de sesmarias e na expanso da pecuria, os marcos na formao da

estrutura fundiria gacha, como a nica forma de viabilizar a ocupao e defesa do

territrio, levando em conta a extenso de terras e escassez de elementos

povoadores.

Na metade do mesmo sculo, com o intuito de ocupar o territrio, a Coroa

Portuguesa envia centenas de famlias aorianas a poro sul do Estado. Estas

famlias sofrem dez anos de abandono e penria, os que sobreviveram receberam

propriedades rurais. Estas propriedades, chamadas datas, eram de tamanho

menor, aproximadamente 900 hectares e se destinavam agricultura, com o objetivo

de diversificar a produo pastoril, principalmente a produo do trigo, para

abastecer a Colnia (BRUM, 1987).

Assim, essas duas frentes foram as primeiras a ocuparem a Mesorregio Sul

do Rio Grande do Sul, o que delineou a formao sociocultural dessa regio,

baseada na atividade pecuria em propriedades de grandes extenses territoriais.

Segundo HEIDRICH (2000), a Metade Sul ou Macrorregio Sul ocupa grande

parte de sua totalidade, caracterizando-se pela atividade pastoril, concentrao

fundiria e ndice de densidade demogrfica pouco significativo. Nas reflexes do

autor, trata-se de um espao caracterizado, principalmente, pela presena de

campos nativos, os quais particularizam a paisagem como sendo o Bioma do Pampa

Gacho. Nele a ocupao humana, aproveitando os recursos do meio ambiente

desenvolveu a economia da pecuria de corte, utilizando-se de sistema de produo

extensivo e extensivo-intenso.

38

Os pedidos e concesses de sesmarias, para a formao de estncias,

ocorreram durante o sculo XIX, fazendo com que as terras antes devolutas

ficassem legais, formando a propriedade privada. Os maiores beneficiados eram os

tropeiros e os militares reformados, que recebiam terras como gratificao por

servios prestados. As sesmarias eram terras devolutas, medindo trs lguas, o

equivalente a 1.080 hectares. Porm, existiam estncias com 30 lguas. A primeira

concesso foi feita em 1732 e por volta de 1803 a Campanha gacha j estava

totalmente repartida entre aproximadamente 500 grandes proprietrios. Acrescenta-

se a isso a forma no democrtica de distribuio das sesmarias. Quem no

possusse propriedade, de acordo com a legislao portuguesa, no poderia receber

sesmaria.

Dessa forma, os menos favorecidos no tinham o direito de receber direitos de

propriedade, autenticando o predomnio do latifndio e as fortes barreiras para o

acesso a terra. Com isso, a posse de uma sesmaria constitua em poderes

econmicos, sociais e polticos. Em torno da grande propriedade haviam as Datas,

sendo vrios estabelecimentos pequenos, onde reuniam-se os que trabalhavam sob

as ordens do grande estancieiro, ou os que necessitavam de sua proteo, ou at

mesmo os que tinham medo de sua fora (ROCHE, 1969).

A partir da metade do sculo XIX, a Mesorregio Sul era a regio de maior

dinamismo da economia do Estado, pois ela articulava-se com a economia do centro

do pas, atravs do fornecimento de charque, alimento consumido pelos escravos

mineiros do centro-oeste brasileiro e pelas camadas mais pobres das populaes

urbanas, pois esse artigo no tinha prestigio nas classes mais abastadas, que

podiam consumir carne fresca a um preo mais elevado. (BRUM, 1987)

Sobre o charque no Rio Grande do Sul, ALONSO e BANDEIRA, (1990, p.71)

nos dizem que:

Viabilizou economicamente a efetiva ocupao do territrio gacho e ajudou a construir a prosperidade em Pelotas, ncleo onde se encontrava o maior nmero de charqueadas, e de Rio Grande, porto atravs do qual o produto era exportado, que eram os principais centros urbanos da regio Sul.

Nesse sentido, BRUM (1987, p. 25) complementa dizendo que:

A sociedade constituda pela pecuria e pelo charque na Mesorregio Sul caracterizava-se pela concentrao da propriedade e da renda, existindo

39

um reduzido nmero de assalariados, j que a pecuria no exigia grande contingente de mo-de-obra. Assim, a grande propriedade concentrada na posse de poucos proprietrios e a forma como se organizou o trabalho gerou duas classes bem distintas e fortemente hierarquizadas: a dos estancieiros (proprietrios) e a dos pees (dependentes). Alguns milhares de grandes proprietrios eram donos de terras e utilizava nas estncias de criao o trabalho dos pees, alm de escravos para os servios domsticos, no trabalho pesado das charqueadas predominava o brao escravo.

Ao abordar a ocupao nas reas de fronteira do Rio Grande do Sul, conforme

as palavras de PRADO JNIOR (1985, p. 96-97) expem que:

No incio do sculo XIX, estabelecem-se as primeiras estncias regulares, sobretudo na fronteira, onde merc das guerras se concentra a populao constituda a princpio quase exclusivamente de militares e guerrilheiros. Distribuem-se a propriedades a granel: queria-se consolidar a posse portuguesa, garantida at ento unicamente pelas armas. O abuso no tardou, e apesar da limitao legal das concesses (3 lguas, equivalentes a 108 km, para cada concessionrio), formam-se propriedades monstruosas.

A apropriao militar da terra, como se assistiu, foi acompanhado da expanso

econmica da pecuria sulina, oportunizando o enriquecimento de sua camada

senhorial, ou seja, o fortalecimento dos pecuaristas tendeu a se expressar tambm

no plano poltico-administrativo (PESAVENTO, 1997).

Desse modo, o estabelecimento das primeiras propriedades instaladas no

territrio gacho foram realizadas de formas desiguais, privilegiando poucas

pessoas, geralmente militares e tropeiros, alm dessas propriedades terem uma

rea muito grande, associadas atividade pecuarista, estes fatores vieram a

ocasionar uma pequena densidade demogrfica na regio sul do Rio Grande do Sul,

formando lacunas entre uma cidade e outra.

Conforme Jean Roche (1969), expem em sua obra, a doao de sesmarias no

Brasil cessou a partir do Decreto Lei de 1822, outorgado pelo ento Prncipe

Regente Dom Joo VI, assim, levando a intensificao da posse e a aglutinao

desordenada das terras por particulares, paralelamente aos objetivos de

povoamento e de defesa do territrio, pois somente no ano de 1850, ou seja, aps

28 anos que foi regulamentada uma nova lei para a terra, a Lei 601/1850, essa,

conhecida como Lei de Terras.

Com isso, surgiu a necessidade de adequarem-se as provncias

reorganizao geral da economia brasileira, que se conduzia pelas novas diretrizes

40

do capitalismo internacional. E para atender a este princpio econmico, ocorreu a

poltica imigratria cujos objetivos bsicos eram os de criar o trabalho livre nas reas

de produo para a exportao e de um mercado interno consumidor, alm de

contribuir com o povoamento estratgico de regies perifricas.

Com base em uma nova poltica imigratria, fundada nas linhas do capitalismo

internacional, o Rio Grande do Sul em 18246, recebe a primeira leva de imigrantes

alemes (total de 38 indivduos), no municpio de So Leopoldo. Cada famlia

recebeu um lote de 77 hectares como livre propriedade, iseno de qualquer tipo de

imposto ou prestao de servio pelo prazo de dez anos. A partir de 1851, estes

lotes diminuram de 77 para 48,4 hectares e, em 1889, para 25 hectares, esta

unidade era chamada de lote colonial (ROCHE, 1969).

Estes imigrantes provenientes da Alemanha vieram de seu pas, onde viviam

numa situao de tenso social, com o intuito de povoar reas antes desabitadas

(colnias) e que produzissem gneros alimentcios necessrios para o consumo

interno do Brasil. O primeiro fluxo de imigrantes deu em 1824, o segundo em 1845,

em todo o sculo XIX foram criadas 142 colnias no Rio Grande do Sul,

principalmente no Vale dos Sinos. (QUEVEDOS DOS SANTOS e TAMANGUEVIS,

1990)

A outra fase de colonizao do territrio gacho, veio com os imigrantes

italianos no final do sculo XIX, 1875, no qual tem incio a ltima etapa de

povoamento do Rio Grande do Sul, onde estes imigrantes: Vo se localizar nas

terras devolutas do Imprio, situadas na encosta superior do Planalto. A vinda dos

imigrantes est ligada ao processo de substituio da mo-de-obra e a poltica de

imigrao e colonizao do Governo Imperial. (GIRON, 1980, p.47)

GIRON (1980, p. 51-52) explica, que os processos de emigrao da Itlia

ocorreram devidos aos excessos populacionais, esgotamento de terras, as crises

agrcolas, a poltica fiscal, o desflorestamento, a poltica comercial.

Os imigrantes italianos at o incio do sculo XX, j chegavam a

aproximadamente oitenta e quatro mil colonos (84.000), esses se concentraram em

pequenas propriedades nas reas do Planalto, pores norte e nordeste do Estado.

Assim, colonizava-se para ocupar vazios demogrficos, para firmar a ocupao de

terrenos. Coloniza-se para abrir e proteger a navegao de rios, defender fronteiras,

6 De 1824 a 1830, chegaram ao Rio Grande do Sul cerca de cinco mil (5000) imigrantes alemes.

41

aumentar a produo de gneros alimentcios, que eram nfimos e finalmente at

para dirigir a atividade de certas classes. A colonizao assim encarada compreende

diversas formas e aproveita diversos elementos (AZEVEDO, 1975).

A ocupao do Estado do Rio Grande do Sul dividiu-se em duas etapas, a

primeira ocorrida na Mesorregio Sul, caracterizando-se pela grande propriedade,

distribuio de renda mais concentrada, pecuria e baixa densidade demogrfica,

resultando em ncleos urbanos mais distantes uns dos outros, no qual o municpio

de Jlio de Castilhos est inserido. A outra etapa de ocupao foi realizada na

Mesorregio Nordeste e Norte, caracterizando-se pela pequena propriedade,

produo diversificada (policultura), distribuio de renda menos concentrada e

densidade demogrfica mais elevada, resultando em uma proximidade dos

municpios.

Na Macrorregio Sul, a formao de propriedades com grandes extenses de

terra e a origem luso-brasileira dos primeiros habitantes foi condicionante, j na

Macrorregio Norte, o processo de ocupao se deu atravs de pequenas reas

coloniais, constitudas basicamente por colonizadores imigrantes alemes e

italianos. (ROCHA, 1999).

Costa (1988), ressalta que os maiores municpios em extenso territorial,

tambm so os mais antigos do Estado e que suas emancipaes ocorreram at o

final do sc. XIX. Associando densidade demogrfica e estrutura fundiria,

evidenciam-se contrastes muito ntidos. Na Macrorregio Sul, com grandes e poucos

municpios, contrapondo-se, a Macrorregio Norte, que apresenta uma malha

municipal repleta de pequenas unidades territoriais a partir do norte de Porto Alegre

e por todo o centro-norte do Estado.

42

2.2 O Territrio da Pecuria Castilhense: Manuteno e Dinmica

A palavra que melhor descreve esta seo o vocbulo Herana; refiro-me

ao sentido literal da palavra; a herana fundiria, a herana cultural, a herana

ideolgica e patriarcal. Assim, o territrio da pecuria Castilhense se concretiza na

fuso dessas heranas. Como visto na seo anterior, a questo fundiria na

macrorregio sul do Rio Grande do Sul provm das Sesmarias e, as grandes

propriedades de Jlio de Castilhos seguem essa premissa.

De acordo com o Cadastro de Imveis Rurais7 em janeiro de 2007, haviam 38

propriedades com mais de 1000 hectares em Jlio de Castilhos, correspondendo a

59.900 hectares, ou ainda, 32,04% das reas rurais. Em soma a isso, relevante

salientar, que 13 propriedades possuem mais de 2000 hectares, ou seja, 15,99% da

rea rural do Municpio.

A herana fundiria, somada a herana cultural e a herana ideolgica, forma o

esteretipo do Gacho, do homem do campo, que cultua suas tradies e defende o

seu bem maior, o seu territrio, a sua Estncia, como denominada a propriedade.

Segundo as palavras do ENTREVISTADO 1, referindo-se a sua propriedade de 2264

hectares, ele diz que: A minha Fazenda um lugar sagrado, sou da 6 gerao, ela

foi do meu tatarav e ser dos meus filhos, no vendo e no entrego nenhum palmo

de terra pra ningum e se puder compro mais.

Mas importante ressaltar que, alguns poucos desses patriarcas so

indivduos tradicionais, que nem sempre acompanham as inovaes tecnolgicas,

muitas vezes ficando retrgrado a modernizao e ao melhoramento gentico de

seu rebanho, praticam a pecuria extensiva; outros, procuram agilizar o ciclo

produtivo com a prtica da bovinocultura e outros; agregam valor ao seu rebanho

com plantel de qualidade gentica atravs de suas Cabanhas.

2.2.1 A Pecuria Extensiva

As propriedades pecuaristas extensivas, embasadas nas Categorias de Anlise

do Espao Geogrfico, proposta por Milton Santos8, pode-se dizer que; permanecem

as mesmas por geraes, com uma casa grande de paredes muito grossas e altas,

esporadicamente reformada e pintada, algumas com mangueiras e cercas, ainda de

7 A estratificao da relao de certificados de cadastros de imveis rurais em Jlio de Castilhos, encontra-se no Anexo D 8 SANTOS, M. Espao & Mtodo. 3. ed. So Paulo: Nobel, 1992. p. 49 59.

43

pedra (Herana Escravocrata), outras um pouco mais modernas, feitas de madeira

nobre e cercas de arame. (Fotografias 1, 2 e 3)

A atividade se perpetua a mesma de sculos atrs, ou seja, a atividade da

pecuria extensiva em campo nativo do pampa. A organizao estrutural ainda

centenria, onde o patriarca dita as ordens para o capataz, que so repassadas

fielmente e cumpridas pelos pees. O tempo parece no haver, pois as

transformaes so nfimas, quase no sentidas ou no percebidas.

O planejamento das atividades anuais e a organizao do trabalho na pecuria

extensiva simples, segundo o ENTREVISTADO 2, proprietrio de 3600 hectares,

fala que consiste em duas etapas. A primeira no inverno quando fazem a

contagem dos animais, marcao de todos os bovinos ainda no marcados e

castrao dos terneiros machos. A segunda etapa arrebanhar os animais com

mais de dois anos e comercializar nos frigorficos.

Conforme o ENTREVISTADO 2, a marcao e castrao feita no inverno,

pois o risco do animal sofrer com os parasitas nos locais onde foram molestados

menor, pois no inverno no h moscas, sendo que a assistncia mdica ao rebanho

feita pelos prprios pees, que percorrem os campos, diariamente, com seus

cavalos. E, a segunda etapa ocorre no final do vero, incio do outono, quando os

animais esto com o mximo de peso, devido a pastagem nativa no vero ser

melhor que a do inverno, assim a comercializao feita em grande parte com

frigorificos e a forma de pagamento sempre vista, pois muitos pecurista exigem

em dinheiro vivo, ou seja, em espcie.

imporatante ressaltar, que todo esse manejo da pecuaria extensiva oculta e

mascara um grave problema social, o Latifndio. O ENTREVISTADO 3, Mdico

Veterinrio em Jlio de Castilhos, conhecedor desse problema, alerta dizendo que:

Para a produo da pecuria extensiva em campo nativo recomendado colocar

475 Kg de boi vivo por hectare sem prejudicar o campo, mas essa prtica nem

sempre respeitada, pois existem propriedades que no chegam a 50 Kg de boi

vivo por hectare. E ele enfatiza sorrindo; Tem terra sobrando para pouco gado.

Segundo o relato do ENTREVISTADO 3, isso demonstra que muitas

propriedades rurais no esto cumprindo com sua funo social, deixando de

aumentar a produo, mas conservando e concentrado a terra na mo de poucas

famlias.

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Fotografia 1 Sede da Fazenda Cerrito. Casa construda em 1911. Fonte: Trabalho de campo realizado nos meses de Agosto/Setembro de 2007.

Fotografia 2 Mangueira e brete de madeira de lei na Fazenda do Coqueiro. Fonte: Trabalho de campo realizado nos meses de Agosto/Setembro de 2007.

45

Fotografia 3 Cerca de pedra na Fazenda da Caneleira Fonte: Trabalho de campo realizado nos meses de Agosto/Setembro de 2007.

O ENTREVISTADO 2, quando questionado sobre a possibilidade de arrendar

suas terras, respondeu de forma incisiva e spera. Arrendar pra quem? Pra esses

gringo planta soja e arranca os mato? Pra essa gente assusta meu gado com aquele

maquinrio? No arrendo!

Aps longos segundos de silncio total, uma nova pergunta. Questionado

sobre a possibilidade de vender a propriedade, ou se j recebeu proposta de

compra. A resposta foi mais spera que a anterior, respondendo: Eles que no se

atrevam! Eles sabem com quem eles to lidando. Eu toco chumbo nessa gente. No

vendo.

Quando o entrevistado se refere aos gringo, est se referindo aos sojicultores,

que na grande maioria so descendentes italianos e, quando fala em arranca os

mato, ele se refere aos desmatamentos feitos em bosques e matas de galeria em

prol da expanso das lavouras. Na pecuria extensiva, os bosques conhecidos

como capes e as matas de galeria so muito importante para proteger os bovinos,

pois no inverno abrigo das madrugadas frias e das geadas e, no vero abriga os

animais do sol do meio-dia.

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Quando o ENTREVISTADO 2 se refere a essa gente est falando dos fiscais

do INCRA, pois essa propriedade j foi alvo de quatro ocupaes, promovidas pelo

MST nos ltimos anos.

Segundo relato do ENTREVISTADO 2, nessas quatro invases a essa

Fazenda, na ltima houve resistncia pelos proprietrios e conflito armado, onde

foram contratados e pagos capangas, que na sua grande maioria eram Policias

Militares e Civis de Jlio de Castilhos e cidades vizinhas. Esses homens estavam

fora da escala de servio, sendo que todos estavam mascarados com toucas pretas.

Conforme as palavras do proprietrio:

Foi numa manh bem cedo. Aquela gente veio cercando pelo mato, l por trs, vinham com foice e faco outros de mo limpa, mas ns j sabamos que eles iam vim por l. Mulheres e crianas arrebentaram a porteira, todos com faco na mo e gritando. Ns estvamos aqui na sede e vimos toda a movimentao deles. Estvamos bem armados e j sabamos a estratgia deles. Eles eram brabos. (Risos)

Pergunto quantos pessoas haviam para defender a propriedade naquele

momento e como se desenrolou os fatos. O entrevistado diz:

Ns ramos em uns 15 homens, todos com espingarda e revlveres, alguns tinham pistolas, tinha um rifle, as mulheres da casa ficaram no quarto. Eles continuaram avanando, foi quando um grupo deles teve a infeliz idia de jogar foguete e rojo em nossa direo para nos assustar. Foi uma coisa muito feia. (Risos) A o chumbo comeu! (Risos) Ns no atiramos pra matar, foi s pra assustar. Atiramos acima da cabea. (Risos) Foi uma correria, uma gritaria. Nunca vi tanta gente extraviada nesses campos a de baixo.

Pergunto o que aconteceu aps e se algum havia morrido. O entrevistado diz:

Daqui at a cidade da uns 10 quilmetros, a polcia demorou pra vim e ns continuamos atirando, se no eles podiam voltar, mas eles sumiram. Ningum morreu, eu no deixei atira pra mata se no eu ia me incomoda com essa justia porca.

Ao passar trs dias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ocupa

outra rea dessa propriedade, um local longe da sede da Fazenda, mas ainda

dentro da propriedade e prximo a uma estrada e a um rio. Isso deveu-se ao medo

de nova represlia, ao medo de uma nova investida armada, por parte dos

proprietrios contra essas