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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE RODRIGO MINDLIN LOEB TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS, ARQUITETURA E URBANISMO: ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS DE AÇÃO São Paulo 2019

TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS, ARQUITETURA E ...tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/4053/5/Rodrigo M...L824t Loeb, Rodrigo Mindlin. Territórios vulneráveis, arquitetura e urbanismo

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RODRIGO MINDLIN LOEB

TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS, ARQUITETURA E URBANISMO:

ESTRATÉGIAS CONTEMPORÂNEAS DE AÇÃO

São Paulo 2019

RODRIGO MINDLIN LOEB

TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS, ARQUITETURA E URBANISMO: estratégias contemporâneas de ação.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima

São Paulo 2019

L824t Loeb, Rodrigo Mindlin.

Territórios vulneráveis, arquitetura e urbanismo : estratégias

contemporâneas de ação. / Rodrigo Mindlin Loeb.

135 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019.

Orientador: Ana Gabriela Godinho Lima.

Bibliografia: f. 126-135.

1. Infância. 2. Gênero. 3. Sustentabilidade. 4. Territórios

vulneráveis. 5. Desenho urbano. I. Lima, Ana Gabriela Godinho,

orientadora. II. Título. CDD 720

Bibliotecária Responsável : Giovanna Cardoso Brasil CRB-8/9605

Aos meus amores Malu, Mhira e Rhavi, e a todos que acreditam

e lutam pelos direitos humanos e busca da prosperidade, em

ambientes urbanos adequados e seguros para todos,

especialmente para mulheres e crianças.

AGRADECIMENTOS

À minha colega e orientadora Ana Gabriela Godinho Lima, pela valiosa

orientação e contribuição a pesquisa e constante inquietação e espírito investigativo.

À diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie Angelica

Benatti Alvim e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, por terem acolhido as

iniciativas do projeto de pesquisa Cidade, Gênero e Infância, apoiado pela Fundação

Bernard Van Leer, bem como apoiado a celebração do Termo de Cooperação

estabelecido com o Instituto Brasiliana.

À Terciane Alves por ter aberto o caminho de aprofundamento na temática da

infância, e Ana Estela Haddad por ter generosamente compartilhado conhecimento e

experiência de uma política pública dirigida a primeira infância. À Erika Fischer e

Rogério Haucke Porta pela parceria no trabalho do Glicério.

Ao Leonardo Yanez, Fernanda Vidigal e a Fundação Bernard Van Leer pelo

constante apoio e disponibilização de informações e interlocução na temática da

primeira infância e pelas oportunidades de formação propiciadas.

À Adriana Friedman e Marilena Flores pela valiosa interlocução e

compartilhamento de conhecimento.

À Ana Maria Wilheim, Natacha Costa, Beatriz Goulart, Viviane Rubio, Celso

Sampaio, Kazuo Nakano, Ivo Pons, Juliana Bertolini, Daniela Getlinger, Tereza

Herling, Raiana Ribeiro e Dayane Araújo pela parceria e interlocução.

Ao José Luiz Adeve, o Cometa, pelo constante diálogo, apoio e entusiasmo.

À comunidade do Jardim Lapenna e aos agentes da Fundação Tide Setúbal,

que acolheram generosamente o trabalho, com quem aprendi muito, Andrelissa,

Vânia, Dona Glória, Anselmo, Raimundo, Kaki, Marcelo, Talita, Rosarinha, Elke, Marli,

Cecília, Mirene, Simone, Greta, entre tantas pessoas atuantes.

À Fundação Tide Setúbal e a Maria Alice Setúbal, pela confiança e apoio ao

trabalho no Jardim Lapenna.

À equipe de pesquisadores do CEPESP/FGV, Ciro Biderman, Cláudia Acosta

e Tomas Wissenbach, pela interlocução e disponibilização de documentos do

processo do Plano de Bairro Participativo. Ao Ciro Biderman um especial

agradecimento pela leitura do memorial de qualificação e suas contribuições a banca.

Ao Coletivo Cidade Adentro, Cometa, Deise Fernanda Feitosa, Júlio Canuto e

Luzia Monteiro Araújo Soares, pelos debates e reflexões sobre territórios precários e

processos participativos.

Às colegas Aline Nassaralla Regino pela participação na banca final, e Debora

Sanches, suplente da banca pela parceria e atenção ao trabalho.

À Vera Lion e ao Tião Rocha pela generosidade e compartilhamento de

conhecimento e experiências em atuação com comunidades nos territórios

vulneráveis pelo IBEAC e CPCD, respectivamente.

Ao Oratório São Domingos, na Comunidade da Favela do Moinho, e sua

equipe.

À Rede Nacional pela Primeira Infância, pela interlocução valiosa de seus

membros e pelos conhecimentos compartilhados.

RESUMO

Esta dissertação de mestrado propõe uma discussão sobre o crescimento acelerado

dos territórios urbanos vulneráveis contemporaneamente, e as questões complexas

que isto coloca para a arquitetura e o urbanismo. Construindo um entendimento a

partir da perspectiva do gênero e da infância, o trabalho parte da análise de referencial

teórico levantado sobre o estado atual do debate acerca das aproximações das

práticas projetuais às temáticas da vulnerabilidade social e territorial; prossegue

ponderando sobre como a vulnerabilidade afeta particularmente as mulheres e as

crianças e reconhece precedentes históricos referenciais no reconhecimento e

valorização das culturas populares e espontâneas. Levando adiante a discussão, é

proposta uma caracterização de território vulnerável, e a enumeração de condições

essenciais para análise e proposta de intervenções nestes contextos, com ênfase no

engajamento articulado de cinco instâncias: sociedade civil, a comunidade, iniciativa

privada, a universidade e o poder público. Com isso em vista, são analisados cinco

estudos de caso: Glicério, Jardim Lapenna, Parelheiros e Favela do Moinho no

município de São Paulo e Arari, no município de mesmo nome. Os resultados das

análises indicam que o entendimento dos modos de articulação das cinco instâncias

acima mencionadas ainda está em construção. Não obstante, os resultados das ações

parecem ser melhores quanto mais estas instâncias participam e articulam-se.

Palavras-chave: Infância. Primeira Infância. Gênero. Território. Vulnerabilidade.

Informalidade. Sustentabilidade. Meio Ambiente. Desenho Urbano. Participação.

Liderança. Comunidade.

ABSTRACT

This master's dissertation proposes a discussion on the accelerated contemporary

growth of vulnerable urban territories, and the complex issues that this poses to

architecture and urbanism. Building an understanding from the perspective of gender

and childhood, the work is part of the analysis of the theoretical reference raised about

the current state of the debate about the approaches of design practices to the themes

of social and territorial vulnerability; follows considerations on how vulnerability affects

in particular women and children and recognizes historical precedents in the

recognition and appreciation of popular and spontaneous cultures. Taking the

discussion forward, a characterization of vulnerable territory is proposed, and the

enumeration of essential conditions for analysis and proposal of interventions in these

contexts, with emphasis on the articulated engagement of five instances: civil society,

community, private initiative, university and public authorities. Five case studies are

analyzed: Glicério, Jardim Lapenna, Parelheiros and Favela do Moinho in the city of

São Paulo and Arari, in the municipality of the same name. The results of the analyses

indicate that the understanding of the articulation modes of the five instances is still

under construction. Nevertheless, the results of the actions seem to be better the more

these instances participate and articulate.

Keywords: Childhood. Early Childhood. Gender. Territory. Vulnerability. Informality.

Sustainability. Environment. Urban Design. Participation. Leadership. Community.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 The Italian Coastguard, Massimo Sestini. 16

Figura 2 Nova Deli, India, 2017. 23

Figura 3 Edifício habitacional em Montparnasse, Paris. 24

Figura 4 Arquitetura da Densidade, ensaio fotográfico da urbanidade da China contemporânea.

26

Figura 5 Crescimento urbano global, 1970. 27

Figura 6 Crescimento urbano global, 1990. 28

Figura 7 Crescimento urbano global, 2018. 28

Figura 8 Crescimento urbano global, 2030. 29

Figura 9 Jardim São Luis, São Paulo, 2018. 29

Figura 10 Mapa Gráfico do Novo Mundo Urbano desenhado pelo designer gráfico Paul Scrutton.

30

Figura 11 Termos utilizados para descrever a análise dos perfis de distribuição populacional segundo os tipos intraurbanos.

31

Figura 12 População e área segundo o tipo intraurbano, nas Concentrações Urbanas selecionadas – Brasil, 2010.

31

Figura 13 População e área segundo o tipo intraurbano, nas Concentrações Urbanas selecionadas por Grandes Regiões – Brasil, 2010.

32

Figura 14 Área mais vulnerável do Jardim Lapenna, 2017. 34

Figura 15 Favela do Moinho, 2017. 35

Figura 16 Morro da Favela da Providência, Rio de Janeiro, 1892. 36

Figura 17 Macau. 37

Figura 18 Gráfico da plasticidade cerebral ao longo da vida. 42

Figura 19 Capa de folheto Urban 95. 46

Figura 20 Capa de documento “Shaping urbanization for children, A handbook on child-responsive urban planning”.

48

Figura 21 Taxonomia das vulnerabilidades da infância relacionadas ao ambiente construído.

49

Figura 22 Espaço e escala das infâncias urbanas. 52

Figura 23 Agentes e partes interessadas no planejamento urbano. 55

Figura 24 Configurações de um planejamento urbano responsivo a infância e seu impacto nas crianças.

56

Figura 25 Robert Graves e Didier Madoc-Jones, Postcards from The Future.

58

Figura 26 Lina Bo Bardi, Exposição Civilização do Nordeste no Museu de Arte Popular do Unhão, 1963.

61

Figura 27 Exemplar do “Arquitectura Popular em Portugal”. 62

Figura 28 Exemplar do “Arquitectura Popular Española”. 63

Figura 29 2001, Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick. 65

Figura 30 Meti School, Bangladesh, arquiteta Anna Heringer. 67

Figura 31 Lagos, Nigéria. 68

Figura 32 Área mais vulnerável do Jardim Lapenna, 2019. 72

Figura 33 Gráfico de riscos globais. 74

Figura 34 Campo de Refugiados na Jordânia. 76

Figura 35 Parelheiros, São Paulo, 2017. 77

Figura 36 Definições de Vulnerabilidade. 79

Figura 37 Representação de Birkmann da escala e complexidade dos conceitos de vulnerabilidade

80

Figura 38 O Círculo de Capacidades. 82

Figura 39 Cemitério de comunidade rural, Município de Arari, Maranhão, 2018.

83

Figura 40 Matriz gráfica vernacular proposta por Victor Papanek. 85

Figura 41 Matriz Pentagrama de ação integrada das cinco instâncias de agentes de mudança territorial.

87

Figura 42 Comunidade rural, Município de Arari, Maranhão. Atuação do CPCD, com utilização de tecnologia social desenvolvida por Tião Rocha, 2018.

88

Figura 43 O paradoxo urbano. 92

Figura 44 Instrumentos para planejar, desenhar e gerir o espaço urbano em distintas escalas.

93

Figura 45 Fotos dos territórios urbanos vulneráveis observados: bairro do Glicério, região central de São Paulo; Jardim Lapenna, São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo; Favela do Moinho, região central de São Paulo; Parelheiros, zona sul de São Paulo e Arari no Maranhão.

95

Figura 46 Quadro comparativo equalizado de caracterização do território.

99

Figura 47 Fotos dos territórios urbanos vulneráveis observados: bairro do Glicério, região central de São Paulo; Jardim Lapenna, São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo; Parelheiros, zona sul de São Paulo; Favela do Moinho, região central de São Paulo; e Arari no Maranhão.

100

Figura 48 Quadro comparativo equalizado de presença das cinco instâncias em ações diretas no território.

101

Figura 49 Vista do Glicério, São Paulo, 2017. 104

Figura 50 Folheto de convocação do Plano de Bairro Participativo. 109

Figura 51 Crescimento do Jardim Lapenna entre 1958 e 2016. 113

Figura 52 Jardim Lapenna, 2017. 114

Figura 53 Jardim Lapenna, 2017. 115

Figura 54 Jardim Lapenna, 2017. 116

Figura 55 Jardim Lapenna, 2017. 117

Figura 56 Estação do conhecimento, Arari, Maranhão, 2018. 118

Figura 57 Comunidade rural, Arari, Maranhão, 2018. 121

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

CAES Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUC-RS

CAU/BR Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil

CEBRAP Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CEM/USP Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo

CEPESP/FGV Centro de Política e Economia do Setor Público da Faculdade Getúlio Vargas

CET Companhia de Engenharia e Tráfego

CMPU Conselho Municipal de Política Urbana

CPCD Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento

GRUMP Gridded Population of the World and the Global Rural-Urban Mapping Project

IBEAC Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MIT Instituto de Tecnologia de Massachussetts

MoMA NY Museu de Arte Moderna de Nova Iorque

NCPI Núcleo Ciência pela Infância

ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

ONG Organização Não-Governamental

PDE Plano Diretor Estratégico

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

16

1. PROBLEMAS URBANOS DA ATUALIDADE: DESIGUALDADE, SUSTENTABILIDADE E TERRITÓRIOS INFORMAIS

24

2. GÊNERO E INFÂNCIAS NA CIDADE

37

3. ARQUITETAS, ARQUITETOS E URBANISTAS: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

58

4. ARQUITETAS, ARQUITETOS E URBANISTAS: FORMAÇÃO PROFISSIONAL CONTEMPORÂNEA

68

5. TERRITÓRIO VULNERÁVEL, PRECÁRIO E DE URBANIZAÇÃO INCOMPLETA

72

6. ANÁLISE E LEITURA DE TERRITÓRIOS: QUADROS EQUALIZADOS

95

7. ARTICULAÇÃO DAS CINCO INSTÂNCIAS

103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

121

126

16

APRESENTAÇÃO

Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para

nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para

quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros.

Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade,

que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente

(AGAMBEN, 2009, p. 62-63).

Figura 1. The Italian Coastguard, Massimo Sestini.

Fonte: ACNUR (2014).

Arquitetas, arquitetos e urbanistas confrontam-se, na atualidade, com desafios

em relação à formação profissional contemporânea, nomeadamente:

1. a emergência dos problemas urbanos representados pelo crescimento

acelerado dos territórios informais e a crescente desigualdade social;

2. as condições de desenvolvimento e qualidade de vida de crianças e

adolescentes neste contexto;

3. ameaça a sustentabilidade, risco de colapso ambiental, social e

econômico.

17

Como enfrentar esses problemas que vêm convocando – a par dos

conhecimentos tradicionais e formais da arquitetura e urbanismo – novos

conhecimentos provindos de fontes informais não tradicionais e de outras áreas

disciplinares?

Como reverter a distância que se instaurou entre a realidade territorial, social,

ambiental e econômica do mundo em que vivemos, e, portanto, onde podemos atuar,

e a formação profissional de arquitetas, arquitetos e urbanistas? Entre a prática

profissional e seu impacto social?

Se torna cada vez mais contundente e impossível de não ver, perceber e sentir

a enorme demanda de soluções para um contingente cada vez maior de pessoas em

cidades que precisam de inovação e projeto.

É inadiável que trabalhemos na direção de constituir um vasto campo de

atuação, estruturado sob novos paradigmas que viabilizem a concentração dos

esforços e do trabalho na direção da eliminação da desigualdade, que cresce em

todas as regiões do mundo nas últimas décadas, com diferenças de velocidade entre

elas é certo, mas com impactos negativos diretos a qualidade de vida de cada vez

mais habitantes, pessoas como nós, que têm direitos iguais mas que vivem na

desigualdade, vulneráveis a indiferença da sociedade, a incapacidade de articular

todas as instâncias para este objetivo comum.

Grande proporção de territórios das cidades brasileiras apresenta diversas

formas de precariedade, com urbanização incompleta ou inexistente, com índices

majoritários de baixas condições de qualidade de vida, aonde os potenciais criativos

e de liderança são soterrados pela pobreza, pela falta de recursos e ausência de

oportunidades. De acordo com o Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios

Brasileiros (COSTA; MARGUTI, 2015), em 2010, 35,6% dos municípios brasileiros

estavam na Faixa de Vulnerabilidade Alta (21,2%) e Muito Alta (14,4%).

Se considerarmos a classificação apresentada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) na publicação Tipologia Intra Urbana: Espaços de

diferenciação socioeconômica nas concentrações urbanas do Brasil (2017), 40,9% da

população brasileira se distribui nas faixas de baixas, baixíssimas e precárias

condições de vida.

18

Em alguns momentos, como flores de lótus no pântano ou gotas no oceano

(sim, temos um oceano para cuidar se queremos reverter esse quadro das coisas, que

cotidiana e simultaneamente submete tantas pessoas como nós, a violações e

violências) surgem iniciativas de arquitetas, arquitetos e urbanistas, coletivos,

comunidades, organizações não governamentais e/ou pessoas que vivem nessa

realidade. Ações capazes de criar soluções emblemáticas da viabilidade de

transformação e inovação pela inclusão de processos, da base para o topo, na

formulação de soluções de planejamento e arquitetura, nos microterritórios.

Vale mencionar exemplos de alguns trabalhos desenvolvidos com impacto

positivo, como o programa SP Carinhosa (2013) do Município de São Paulo, com uma

ênfase no território do bairro do Glicério, região central de São Paulo; o processo do

Plano de Bairro Participativo do Jardim Lapenna (2017), que articulou múltiplas

dimensões e atores, entre estas a Fundação Tide Setúbal, comunidade, associação

de moradores, Centro de Política e Economia do Setor Público da Faculdade Getúlio

Vargas (CEPESP/FGV); o trabalho desenvolvido pela ONG Oratório na Favela do

Moinho, região central de São Paulo; o trabalho desenvolvido em Parelheiros, parceria

do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) e Centro Popular de

Cultura e Desenvolvimento (CPCD), com implementação e desenvolvimento de

tecnologia social e transformação qualificada e o trabalho do CPCD no Município de

Arari, Maranhão. Todas experiências em que tivemos a oportunidade de observar e

conhecer.

Essas iniciativas têm demonstrado que para desenvolver um trabalho de

permanência, continuidade de "empoderamento", isto é, para expressar o potencial

criativo e comunitário, a capacidade de invenção e inovação de cada um e de todos

os membros de uma comunidade, a integração de agentes externos aos membros da

comunidade e as lideranças, bem como a transferência de ferramentas de

aperfeiçoamento e conhecimento, são essenciais. Nesta dissertação, analisam-se

aspectos destas articulações, os tipos de resultados que viabilizam e as limitações

que enfrentam.

Nas diversas incursões – realizadas com fins de levantamento para esta

pesquisa – em territórios vulneráveis, precários, de urbanização incompleta, foi

possível observar que a ação integrada e transversal de cinco instâncias de

classificação de agentes de mudança é necessária como estratégia de um trabalho

19

de impacto positivo direto e imediato, crescente e perene, a saber: 1. sociedade civil

(pessoas físicas e organizações da sociedade civil sem fins econômicos); 2.

comunidade (pessoas físicas, associações, colegiados, coletivos pertencentes aos

territórios); 3. iniciativa privada (empresas, indústrias, organizações da sociedade civil

com fins econômicos); 4. universidade (pesquisa, ensino, extensão e ação); 5. e,

finalmente, o poder público (executivo, legislativo e judiciário).

Os encaminhamentos das ações articuladas seguem caminhos variados, mas

podem ser enumerados alguns pontos em comum: 1. contato com membros de

referência de uma comunidade; 2. escuta de grupos que compõem a comunidade,

com abordagem específica e qualificada para infância e longevidade; 3. construção

de representatividade; 4. mapeamento e diagnóstico do território (mapas de

infraestrutura, base hídrica e drenagem; dos equipamentos públicos; da ocupação do

espaço urbano; da sociedade civil; mnemônico-subjetivo, toponímias e vínculos); 5.

instrumentos participativos de escuta qualificada de crianças e jovens; 6. desenho

urbano como processo e cardápio de projetos de intervenção.

Neste processo articulado e integrado de ação ainda pudemos observar a

importância das seguintes condições e iniciativas: 1. comunicação e estratégias para

conseguir engajamento da iniciativa privada, empresas e indústrias, geralmente

presente nas proximidades; 2. engajamento de universidade para articular pesquisa,

ensino, extensão e ação com a comunidade; 3. presença de organizações da

sociedade civil em ações já em andamento ou se iniciando; 4. canal de adesão aberto

com pessoas com formação profissional, bem como a pessoas com conhecimentos

informais; 5. poder público convocado a cumprir seu papel, construindo uma

cooperação e decifrando os mecanismos fiscais de execução orçamentária para

investimentos diretos no território, legislativo, executivo, agências governamentais de

gestão municipal e estadual; e do judiciário no apoio a viabilidade de adaptação de

restrições específicas urbanas e ambientais para enorme incidência de casos onde é

viável uma adequação para requalificar o espaço em uma nova matriz de

espacialidade urbana como coletividade (COLETIVO CIDADE ADENTRO, 2019)1.

1 O Coletivo Cidade Adentro é um grupo multidisciplinar que se reuniu no início de 2019 para debater estratégias de planejamento micro territorial urbano participativo. Membros do grupo: Deisy Fernanda Feitosa, José Luiz Adeve, Julio Canuto, Luzia Monteiro e Rodrigo Mindlin Loeb.

20

Várias destas ações contam com representações da situação de

vulnerabilidade do território por meio de mapas, desenhos, esquemas visuais.

Entretanto, as intervenções propostas nem sempre contam com o auxílio do raciocínio

projetual, ou seja, aquele que leva em conta as várias dimensões do ambiente

construído.

É estratégico o uso do desenho como representação da realidade percebida

por habitantes de um determinado território, em especial pelo seu potencial como

instrumento de comunicação. Contudo, o desenho propositivo, ou seja, aquele

elaborado como forma de projeto para uma determinada situação, é menos

empregado.

Por outro lado, seria importante compreender melhor as importantes

contribuições que poderiam ser oferecidas pelo desenho projetual, instrumento capaz

de sintetizar teoria e prática em uma formulação de efeito concreto e eficiente, voltado

para as demandas reais e prioritárias de cada território e, portanto, comunidade.

A relação humana com o ambiente construído difere da relação com qualquer

outra forma de arte, e nos afeta permanentemente, mesmo quando não nos damos

conta. O ambiente construído dá forma às nossas vidas e define nossas escolhas de

todas as maneiras que as outras artes, de forma combinada. Os novos paradigmas

da cognição incorporada ou sediada revelam que os ambientes construídos e seu

desenho importam muito mais do que arquitetas e arquitetos poderiam imaginar

(GOLDHAGEN, 2017).

Neste sentido, o debate sobre o impacto social da atuação e sobre o papel de

arquitetas, arquitetos, urbanistas e designers é tema contemporâneo que está em

ebulição no mundo, diante das condições extremas de desigualdade e

vulnerabilidades, e da dificuldade da sociedade em reconhecer esta abordagem como

relevante e digna de remuneração adequada.

Levando adiante essa reflexão, são elencadas algumas referências e

experiências que integraram a formulação destas considerações e a pesquisa para

concepção desta dissertação.

Uma referência significativa foi o conjunto de publicações editadas pelo Cooper

Hewitt Smithsonian Design Museum, intituladas: Design for the other 90%: Cities

(2011); Why Design Now? National Design Triennial (2010); By the People: designing

21

a Better America (2016); e, Design and Social Impact: A Cross-Sectoral Agenda for

Design Education, Research, and Practice (2010).

As reflexões propõem aumentar a capacidade local, como indicado por Amy

Smith (2013, p. 23) do Design Laboratory do Massachussets Institute of Technology

(D-LAB MIT), pensar o design

[...] como uma ferramenta de empoderamento, em vez de algo que cria

objetos e edifícios E refletir novos caminhos para a forma como

fazemos projetos de impacto social para que formemos designers em

vez de apenas produzir design.

Sugerem como novos caminhos criar processo educativo em design de impacto social

e oportunidades de trabalho dentro das comunidades que procuram resolver

problemas sistêmicos; engajar estudantes, crianças, jovens talentos e lideranças da

comunidade e promover programas como uma ponte entre educação e carreira.

Integrar a investigação e a prática.

Outro questionamento apresentado no conjunto de publicações refere-se à

identificação de um caminho para enfrentar os desafios atuais, especula-se sobre a

criação de uma carreira específica em Design de Impacto Social; ou, ainda, se o

impacto social é uma atribuição estruturante que precisa ser incorporada de modo

consistente à formação profissional contemporânea. Neste sentido é importante

mencionar o arquiteto Samuel Mockbee e o trabalho desenvolvido no Rural Studio da

Universidade de Auburn, articulando saberes e cultura local de população de baixa

renda a formação de arquitetas e arquitetos.

A obra de Bernard Rudofsky e suas reflexões, igualmente constituem relevante

referência para a pesquisa. Em seus textos do catálogo da exposição Architecture

Without Architects (1964) e sua posterior obra aprofundando as questões ali

colocadas, o livro Prodigious Builders (1977), se evidencia a importância de um

pensamento sobre a expressão cultural anônima, autóctone; e propõe a discussão de

alguns conceitos em contraposição a uma visão artificial do ambiente humano que são

especialmente instigantes.

Richard Sennett, em suas obras O Artífice (2012a) e Juntos (2012b),

desenvolve uma discussão e um pensamento sobre a habilidade prática, aquela do

artesão, artífice, a relação ao longo da história e do tempo de uma atividade de

desenho e execução de objetos e edifícios, e a necessidade de ressignificar a relação

22

do fazer e do tempo como apropriação do conhecimento informal qualificado e

aprimorado com a sua formalização e a possibilidade criativa que traz de exercer

cidadania, senso de comunidade e cooperação.

A conferência Abstract from the Concrete (2016b), proferida por David Harvey

na Harvard University Graduate School of Design, em março de 2016, trouxe insights

interessantes sobre os processos de exploração do território urbano e o que tem

movido a definição dos contextos contemporâneos das grandes cidades.

A publicação The Future of Architecture (2013), produzida a partir de um

seminário organizado por Herman Hertzberger, aborda a questão do papel da

arquitetura e do urbanismo no mundo contemporâneo, refletindo sobre necessárias

mudanças de paradigma de atuação e aponta caminhos interessantes.

Finalmente na área de reflexões sobre os temas de meio ambiente e

sustentabilidade propostas e elaboradas pelos autores Buckminster Fuller (1969),

Rachel Carson (2002), Darcy Ribeiro (1995; 2015), James Lovelock (2006), Jane

Jacobs (2014), Ernst Friedrich Schumacher (2010), Susannah Hagan (2001), Paul

Gilding (2014), David Harvey (2016), Mike Davis (2006) e Kevin Kelly (1995) são

bastante norteadores da interpretação e abordagem presentes neste trabalho2.

2 Esta dissertação se desenvolveu como parte do projeto de pesquisa: Cidade, Gênero e Infância, que teve financiamento da Fundação Bernard Van Leer através do Urban95 Challenge, e no âmbito do Termo de Cooperação Técnica entre a Universidade Presbiteriana Mackenzie e o Instituto Brasiliana. Teve bolsa integral ofertada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

23

Figura 2. Nova Deli, India, 2017.

Fonte: acervo do autor.

Isso significa que o contemporâneo não é apenas aquele que,

percebendo o escuro do presente, nele apreende a resoluta luz; é

também aquele que, dividindo e interpolando o tempo, está à altura de

transformá-lo e de colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele

ler de modo inédito a história, de “citá-la” segundo uma necessidade

que não provém de maneira nenhuma do seu arbítrio, mas de uma

exigência à qual ele não pode responder (AGAMBEN, 2009, p. 72).

24

CAPÍTULO 1. PROBLEMAS URBANOS DA ATUALIDADE:

DESIGUALDADE, SUSTENTABILIDADE E TERRITÓRIOS

INFORMAIS

Dentro de menos do que duas gerações, o crescimento urbano na

Ásia, África e América Latina será tão explosivo que, até 2050, duas

de cada três pessoas no planeta estarão vivendo nas áreas urbanas.

Isto significa que 2,4 bilhões a mais de pessoas irão precisar de

edifícios para morar, trabalhar, receber educação assim como

infraestrutura de mobilidade e paisagem para encontrar refúgio. Tudo

isto é muito mais do que estarrecedor (GOLDHAGEN, 2017, p. xviii).

Figura 3. Edifício habitacional em Montparnasse, Paris.

Fonte: Andreas Gursky (1993).

De acordo com dados das Nações Unidas e do Banco Mundial, em 2016, a

população global urbana atingiu o índice de 54% da população total do planeta,

enquanto que no Brasil, no mesmo ano, 84,72% da população já vivia nas cidades

(IBGE, 2016).

Uma estimativa apresentada em 2010 pelo Centro Aplicado de Dados

Socioeconômicos (SEDAC) da Universidade de Columbia nos Estados Unidos da

América, como parte do projeto Gridded Population of the World and the Global Rural-

Urban Mapping Project (GRUMP), aponta que as cidades ocupam apenas 2,7% da

superfície do território (COX, 2010).

25

Esta estimativa tem sido considerada superlativa, uma vez que os dados

filtrados na mesma pesquisa para Estados Unidos da América, um dos países com a

menor densidade média urbana global, apontaram uma porcentagem de ocupação

territorial urbana de 2,6% (SEDAC, 2017). Podemos afirmar, portanto, que 54% da

população mundial, ocupa apenas 2,7% do território do planeta.

A tendência do fluxo migratório urbano das últimas quatro décadas segue com

grande intensidade, impulsionada pela falta de oportunidade de prosperar no campo,

e pressionada pelos grandes produtores de commodities para exportação.

Todo este fluxo de pessoas na direção de grandes concentrações

populacionais urbanas fez emergir um novo organismo urbano, de extrema

complexidade, aonde toda a natureza é construída pela força humana da tecnologia

e da cultura. São metrópoles e megalópoles despreparadas para receber e acolher

essa população, cidades que já atingiram uma escala de tempo de quase meio século

e, na última década, viveram uma revolução tecnológica de comunicação e

conectividade em tempo real. Estamos diante de um desafio que nos convoca a

buscar métodos inovadores na forma de interpretar esse novo organismo urbano, para

nos apropriarmos do seu potencial de transformação para a equidade. O urbano

contemporâneo parece não se enquadrar nas teorias e conceitos de arquitetura e

urbanismo consagrados até o presente momento.

A insuficiência de respostas para dar sustentação a tamanha concentração

urbana está refletida na alta demanda por energia para alimentar os sistemas desse

organismo; e, nos níveis de poluição e emissões, consequência de um sistema de

mobilidade que tem cronicamente debilitado a saúde desse mesmo organismo, que

está sob ameaça de insuficiência no fornecimento de água, condição básica de

sobrevivência.

O fornecimento de alimentos de baixa qualidade para seus moradores tem

gerado consequências graves à saúde, gerando alto fator de risco na dieta, sendo a

causa direta ou indireta de 11 milhões de óbitos de pessoas acima de 25 anos de

idade no ano de 2017 (GBD, 2019). Desertos alimentares se expandem. Não há

emprego para todos seus habitantes, os recursos financeiros para sua gestão pública

são cada vez menos suficientes ao dependerem de arrecadação de impostos em um

sistema que supõe ser necessário um ciclo linear ascendente de consumo e

crescimento.

26

Neste quadro de difícil sustentação e alta vulnerabilidade urbana as cidades

não param de crescer, de modo linear e sem uma revisão sistêmica de sua gestão.

Em algumas décadas, quase todos os países do planeta terão maior população

urbana do que rural (UN-DESA, 2018). O desafio da qualidade de vida e do respeito

aos direitos fundamentais, humanos e da natureza, no contexto dos territórios

urbanos, parece ser cada vez maior.

Quando a união entre o natural e o produzido se completar, nossas

construções aprenderão, se adaptarão, curarão a si mesmas e

evoluirão. Contudo, este é um poder com o qual ainda não chegamos

a sonhar (KELLY, 1994, p. 8).

Há uma enorme atividade da construção civil para soluções de infraestrutura,

urbanização e edificações. E esse processo tem se movido por força do aumento

populacional global e seu fluxo induzido em direção às cidades.

Entre 1900 e 1999, os Estados Unidos consumiram, de acordo com o

Departamento de Pesquisa Geológica dos EUA, 4.5 milhões toneladas

de cimento. Entre 2011 e 2013, a China consumiu 6.5 milhões de

toneladas de cimento. Assim, em três anos, os chineses consumiram

cerca de 45 por cento mais cimento do que os Estados Unidos

consumiram em todo o século passado. Esta magnitude de uso do

cimento ao redor do mundo não tem precedentes (HARVEY, 2016a,

p. 9).

Figura 4. Arquitetura da Densidade, ensaio fotográfico da urbanidade da China contemporânea.

Fonte: Michael Wolf, (2009, n.p.).

27

Este processo vem se desenvolvendo seguindo a lógica da necessidade de

crescimento e movimento econômico. A indústria da construção civil tem servido de

força motriz dessa demanda, o que tem gerado grandes impactos ambientais.

Simultaneamente, milhões de pessoas submetidas a condições vulneráveis de

baixíssima qualidade de vida, convivendo em meio a iniquidade e desigualdades

extremas diante de minorias que se mantém acima deste risco, vivendo em pequenas

ilhas de bem-estar.

De acordo com Bill Dunster (2008, p. 47), “se o padrão de vida do cidadão

mediano da Europa fosse aplicado globalmente, seriam necessários quase 3 planetas

para sustentar os níveis atuais de consumo de recursos”.

A evolução representada nos gráficos a seguir (figuras 5, 6, 7 e 8), produzidos

pelas Nações Unidas, demonstra a transição para um mundo eminentemente urbano

e para a multiplicação de cidades de mais de 1 milhão de habitantes. Os gráficos, por

uma questão de escala e abordagem, não representam as grandes conurbações,

manchas urbanas intermunicipais, que reforçam a concentração populacional

territorial em regiões ao redor de metrópoles de mais de 10 milhões de habitantes.

Figura 5. Crescimento urbano global, 1970.

Fonte: ONU, DESA, Population Division. (2018, n.p.).

28

Figura 6. Crescimento urbano global, 1990.

Fonte: ONU, DESA, Population Division. (2018, n.p.).

Figura 7. Crescimento urbano global, 2018.

Fonte: ONU, DESA, Population Division. (2018, n.p.).

29

Figura 8. Crescimento urbano global, 2030.

Fonte: ONU, DESA, Population Division. (2018, n.p.).

De acordo com dados do IBGE (2017), que confirmam os gráficos das Nações

Unidas, entre 1970 e 2004, em pouco mais de trinta anos, o Brasil passou da condição

de um país com maioria populacional rural, para ter mais de 80% de sua população

vivendo nas cidades. No mesmo período, a população praticamente dobrou, dos “90

milhões em ação, pra frente Brasil” da conquista da Copa do Mundo de 1970, até

2004. Apenas entre 2000 e 2004 a população brasileira aumentou em 10 milhões de

habitantes.

Figura 9. Jardim São Luis, São Paulo, 2018.

Fonte: acervo do autor.

30

Figura 10. Mapa Gráfico do Novo Mundo Urbano desenhado pelo designer gráfico Paul Scrutton.

Fonte: United Nations Population Fund, (2007, n.p.).

Em 2010 o Brasil já possuía duas das 25 megacidades globais com mais de 10

milhões de habitantes no mundo, se igualando, neste quesito, aos Estados Unidos da

América e Japão, superados apenas por China e Índia, pois cada um desses países

possui mais de três megacidades de mais de 10 milhões de habitantes.

Tóquio, a mais populosa, com 33,4 milhões de habitantes, e São Paulo na sexta

colocação, com 20,4 milhões de habitantes (da segunda a sexta megacidade, a

população em 2010 era de 20,4 a 23,2 milhões de habitantes).

Se considerarmos a classificação apresentada pelo IBGE (2017) na publicação

Tipologia Intra Urbana: Espaços de diferenciação socioeconômica nas concentrações

urbanas do Brasil, 24,8% da população urbana brasileira está dentro da faixa

classificatória de boas condições de vida, 34,3% na faixa de médias ou medianas

condições de vida e os restantes 40,9% da população brasileira se distribuem nas

faixas de baixas, baixíssimas e precárias condições de vida.

31

Figura 11. Termos utilizados para descrever a análise dos perfis de distribuição populacional segundo os tipos intraurbanos.

Fonte: IBGE, (2017, p. 32).

Nota: Considerando as Áreas de Ponderação com mais de 40% de domicílios particulares permanentes ocupados em situação urbana.

Figura 12. População e área segundo o tipo intraurbano, nas Concentrações Urbanas selecionadas - Brasil – 2010.

Fonte: IBGE, (2017, p. 36).

Nota: Considerando as Áreas de Ponderação com mais de 40% de domicílios particulares permanentes ocupados em situação urbana.

Considerando que as condições médias ou medianas de vida apresentam baixa

escolaridade e rendimento domiciliar per capita entre R$ 440,00 e R$ 555,00, com

menos de 45% de acesso à internet (IBGE, 2017), é possível sintetizar a leitura, e

afirmar que 24,8% da população urbana brasileira tem boas condições de vida e

32

75,2% não tem boas condições de vida. Esta população urbana que não tem boas

condições de vida ocupa 75% do território das grandes cidades brasileiras (IBGE,

2017).

Figura 13. População e área segundo o tipo intraurbano, nas Concentrações Urbanas selecionadas por Grandes Regiões – Brasil, 2010.

Fonte: IBGE, (2017, p. 39).

Nota: Considerando as Áreas de Ponderação com mais de 40% de domicílios particulares permanentes ocupados em situação urbana.

O Mapa da Desigualdade de São Paulo apresentado pela Rede Nossa São

Paulo em 2017, indica que o índice de expectativa de vida atinge uma diferença de 25

anos entre um bairro rico e outro pobre.

De acordo com o relatório Slum Almanac 2015/2016: Tracking Improvement in

the Lives of Slum Dwellers produzido pela UN-Habitat (2016), uma em cada oito

pessoas vivem em favelas em nosso planeta.

O desafio das favelas é fator crítico na persistência da pobreza mundial,

excluindo as pessoas do acesso aos benefícios da infraestrutura urbana e de um

ambiente adequado. Faltam oportunidades de prosperidade para os indivíduos, para

a coletividade e para o desenvolvimento pessoal, especialmente para as crianças.

O relatório da UN-Habitat (2016) define que, na ausência de um ou mais dos

seguintes parâmetros de acesso, se classifica uma casa como favela:

Acesso à fonte de água potável: instalação protegida de contaminação

externa, em especial da contaminação da matéria fecal. Água

canalizada na moradia, no lote ou na quadra; torneira pública/fonte

pública; perfuração de poço com tubulação e proteção. Fontes de

água potável excluem poços e fontes desprotegidos, água fornecida

por carroças com pequenos tanques, caminhão pipa de água e água

33

superficial extraída diretamente dos rios, lagoas, córregos, lagos,

barragens, ou canais de irrigação.

Acesso a instalações de saneamento: coleta de esgoto e resíduos

preservada do contato humano. Instalações incluem vasos sanitários

com descarga a água ou latrinas ligadas a um esgoto, tanque séptico,

ou fossa asséptica; latrinas com uma laje ou plataforma que cobre o

reservatório inteiramente e compostagem de banheiros/latrinas.

Instalações irregulares incluem sanitários públicos ou partilhados;

vasos sanitários com descarga a água ou latrinas que lançam dejetos

diretamente em esgoto aberto ou vala; latrinas em fossas sem uma

laje; latrinas em balde; sanitários ou latrinas de suspensão de

descarga direta em corpos de água ou a céu aberto e a prática de

defecação direta no mato, campo ou corpos de água.

Durabilidade da habitação: uma casa é considerada "durável" se é

construída em um local seguro e tem uma estrutura permanente e

suficientemente adequada para proteger seus moradores dos

extremos das condições climáticas, como a chuva, calor, frio e

humidade. Os materiais de construção utilizados para telhado,

paredes e/ou o piso medem a durabilidade da habitação.

Espaço interno mínimo da moradia: uma casa é provê abrigo habitável

se, não mais de três pessoas, compartilham o mesmo cômodo de

dormir de no mínimo quatro metros quadrados de área.

Posse segura: posse segura é o direito de todos os indivíduos e grupos

de ter proteção efetiva do Estado contra despejos arbitrários ilegais.

As pessoas têm posse segura quando há evidência de documentação

que pode ser usada como prova de status de posse ou propriedade ou

quando há proteção de fato ou percebida contra despejos forçados.

O ciclo de desigualdade e pobreza continua operando quando as crianças

vivem em um ambiente sujeito a constante estresse tóxico, e as mulheres são

constantemente submetidas ao preconceito e à violência.

A integração de programas de requalificação de favelas com o

desenvolvimento urbano planejado em todo o território de cada país,

é o caminho sustentável para fazer a diferença nas áreas de favelas

urbanas. Este crescimento planejado é parte de uma aproximação

tripartida, que combina elementos de planejamento urbano, de

legislação urbana e de economia urbana, A combinação destes três

componentes fornece não apenas os planos físicos, mas também as

regras e regulamentos e os planos financeiros que geram bom

crescimento, estabilidade e investimento (UN-HABITAT, 2016, p. 4).

34

Figura 14. Área mais vulnerável do Jardim Lapenna, 2017.

Fonte: acervo do autor.

35

Figura 15. Favela do Moinho, 2017.

Fonte: acervo do autor.

36

É a transformação das nossas paisagens urbanas que nos permitirá

acabar com a pobreza, a prestar de serviços básicos, habitação,

transporte sustentável, e a criar um ambiente em que não só os

direitos humanos podem ser realmente assegurados, mas também a

prosperidade estar disponível para todos ao redor do mundo (UN-

HABITAT, 2016, p. 4).

Figura 16. Morro da Favela da Providência, Rio de Janeiro, 1892.

Fonte: http://www.casacruzeiro.org/

37

CAPÍTULO 2. GÊNERO E INFÂNCIAS NA CIDADE

O crescimento urbano é cada vez mais sobre a criação de

possibilidades de investimento de capital e poupança excedentes. É

apenas incidentalmente, se é que nunca, sobre a criação de uma vida

urbana decente. Mencionei o caso brasileiro porque tratava de

alimentar os interesses da construção civil e empregar o excesso de

oferta de trabalho e de capital na construção. Mas a construção de

quê? Não houve compromisso com a criação de ambientes urbanos

decentes. Foi simplesmente sobre absorver o excesso de capital e

trabalho. Mas o mercado imobiliário urbano também se transformou

em um mercado para investidores de economias excedentes. Parece

que estamos menos interessados em criar cidades para as pessoas

viverem. Em lugar disso, nós estamos criando cidades para

investidores (HARVEY, 2016a, p. 85).

Figura 17. Macau.

Fonte: Paul Tsui, National Geographic (2017).

38

Como estão vivendo, crescendo e se desenvolvendo as crianças neste

contexto urbano de tanta complexidade e desafios cotidianos? Esse novo organismo

urbano que tem sido tratado de forma insustentável, naturalizando a pobreza e a

violência, está doente e merece um tratamento inovador, com paradigmas distintos

dos atualmente aplicados.

Enquanto o solo e o território urbano forem eminentemente apropriados como

mercado para investidores de recursos financeiros excedentes, para multiplicar os

ganhos, as cidades serão cada vez menos acolhedoras e propensas a restaurarem

um ambiente de convivência e relações humanas profícuas e saudáveis.

Quando pensamos a questão das infâncias na cidade, muitos simplesmente

perguntam: por que só as crianças na cidade? É importante considerarmos que as

crianças, principalmente as menores, entre 0 a 6 anos de idade, são as mais

vulneráveis aos efeitos negativos de um contexto urbano de severas restrições de

qualidade de vida, mobilidade, má qualidade do ar e alimentação, de violência e

abandono.

É importante lembrar que, segundo o artigo 227 da Constituição Federal do

Brasil (2010, n.p.):

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar

e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e

opressão.

É justamente o período da vida de constituição do ser em suas múltiplas

dimensões e potencialidades, para que desenvolva estima, capacidades cognitivas e

socioemocionais que efetivamente permitam igualdade de oportunidades futuras. A

questão do contexto urbano é muito relevante, pois é capaz de interferir

significativamente neste processo, muito além de depender dos espaços

institucionalizados de suporte à formação educacional, que por sua vez têm sido

constituídos como estruturas disciplinares e isoladas de uma conexão com a sua área

envoltória, que possa ser uma extensão da experiência lúdica e formativa.

A palavra "escola" tem por trás dela uma história curiosa.

Originalmente significava "ócio", adquirindo depois o sentido

exatamente oposto de trabalho e preparação sistemática, à medida

39

que a civilização foi restringindo cada vez mais a liberdade que os

jovens tinham de dispor de seu tempo, e levando estratos cada vez

mais amplo de jovens para uma vida quotidiana de rigorosa aplicação,

da infância em diante (HUIZINGA, 2000, p. 108).

O reconhecimento de que as crianças são sujeitas de direitos, e que o direito

de brincar e interagir afetivamente é fundamental na sua formação, foi considerado na

estruturação do Programa de Parques Infantis, em São Paulo, na década de 1930 por

Mário de Andrade, entre outras iniciativas e projetos de vanguarda, certamente

influenciado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Infelizmente

foram abandonadas e desmontadas as inovações e iniciativas por um golpe de Estado

que se instaurou no Brasil em 1937.

Como ponderou Faria (1999), os Parques Infantis criados por Mario de

Andrade em 1935 situam-se na origem da rede de educação120

infantil paulistana, “a primeira experiência brasileira pública municipal

de educação (embora não escolar)”, que ofereceu a oportunidade das

filhas e filhos de famílias operárias brincarem a céu aberto, receberem

educação e cuidados, no tríplice objetivo destes parques: educar,

assistir, recrear.

Para Mario de Andrade, a criança era portadora de sua cultura de

classe, e os Parques Infantis o local em que esta cultura poderia ser

encenada, vista e valorizada. Com isso tornava realmente público o

conceito de Parque Infantil, um local em que as filhas e filhos de

operários, sob a responsabilidade do município, teriam seu direito à

infância preservados - ou seja, o direito a não trabalhar – podendo

brincar e criar a cultura infantil.

A mesma autora lamenta a tendência a separar cuidados e educação

promovida a partir de 1974 pela prefeitura de São Paulo quando da

criação das EMEIs - Escolas Municipais de Educação Infantil,

perdendo-se a visão integradora entre o lúdico, os jogos tradicionais

infantis e o artístico. A visão da criança como competente e capaz,

sujeito de direitos, criadora e consumidora de cultura é preterida,

tomando seu lugar a ideia de alunas e alunos precocemente

escolarizados e consumidores da cultura produzida por adultos (LIMA;

LOEB, 2017, p. 119).

No Brasil, estas reflexões foram retomadas, anos mais tarde, por Anísio

Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, na busca de novos modelos de apropriação do

espaço para aprendizagem.

A cidade, entretanto, só recebeu uma atenção especial em relação à temática

da infância, novamente no Brasil, a partir do I Congresso Internacional de Cidades

Educadoras, realizado em Barcelona no ano de 1990; e, posteriormente, com a

40

formulação da Carta das Cidades Educadoras, cuja versão final foi aprovada em 1994,

no III Congresso Internacional, em Bolonha: “A Cidade Educadora [...]. Deve ocupar-

se prioritariamente com as crianças e jovens, mas com a vontade decidida de

incorporar pessoas de todas as idades, numa formação ao longo da vida” (CARTA,

1994, n.p.).

Há ainda uma dimensão muito relevante de gênero nesta questão, colocada de

maneira muito clara pelas pesquisadoras espanholas Begoña Pernas Riaño e Marta

Román Rivas:

Há pouco, enquanto tomávamos chá, uma amiga me perguntou: “E

quem cuida de você?” Essa pergunta incisiva conseguiu me deixar

agitada, porque naquele momento me fiz consciente de meu saldo

negativo entre receitas e despesas, ou seja, entre os cuidados

recebidos e oferecidos.

Se nos fizéssemos coletivamente uma pergunta semelhante, “quem

cuida dos outros nesta sociedade?”, deveríamos também nos

incomodar ao descobrir quem realmente está contribuindo para

sustentar o bem-estar pessoal e coletivo. Observaríamos em primeiro

lugar o forte desequilíbrio na distribuição desta tarefa entre mulheres

e homens. Segundo estudos do tempo total em horas dedicado a

cuidados não remunerados às crianças, as mulheres respondem por

81,5% do total, frente a 17,5% assumidos pelos homens. Uma

proporção muito semelhante é encontrada quando se analisa a divisão

das mais de quatro bilhões de horas anuais dedicadas aos cuidados a

pessoas idosas, em que as mulheres representam 80% (María

Ángeles Durán: “Pesquisa CSIC-ASEP 2000 sobre tempo de trabalho

não remunerado” 2001).

Na distribuição desigual do trabalho não remunerado, escondida sob

o véu das “decisões pessoais”, encontramos um sistema de

segregação sexual que não só atribui às mulheres o cuidado, como se

fosse algo natural para elas, mas ao mesmo tempo menospreza e

torna invisível o valor deste enorme trabalho, do qual depende o bem-

estar físico e emocional de nossa espécie.

Esta injusta “solução” social sobrecarrega as mulheres, limitando suas

possibilidades de trabalho e de vida, é uma das maiores causas de

conflito e infelicidade doméstica, e se mostra cada vez mais

insustentável socialmente. Fala-se de uma “crise dos cuidados”

porque as estratégias pessoais – como a baixíssima natalidade

espanhola – não conseguem compensar o desequilíbrio entre as

necessidades crescentes e a saturação das famílias, a fraqueza das

redes de proximidade e a insuficiência do Estado de bem-estar social

(RIAÑO; RIVAS, 2017, p. 1).

41

Este desequilíbrio nas estruturas familiares afeta em vários níveis o modo como

as crianças recebem cuidados. As mulheres não apenas têm menos tempo para

cuidar das crianças, por demandas profissionais, tempo gasto em transporte e tempo

maior do que os homens gerenciando assuntos domésticos, como as compras, as

contas e a limpeza da casa. As mulheres têm, também, menos interesse em fazê-lo,

dado o ônus que isso representa para sua autonomia profissional e financeira. Uma

mulher que se vê sozinha, com filhos, sem trabalho e sem qualificação sabe que está

em posição extremamente frágil e arriscada.

Em territórios vulneráveis, um dos fatores críticos é a deficiência no exercício

dos direitos reprodutivos das mulheres. Nenhum país no mundo alcançou a efetivação

dos direitos reprodutivos, e as suas implicações afetam não apenas indivíduos, mas

comunidades, instituições, economias, mercados de trabalho e nações inteiras. A

efetivação dos direitos reprodutivos é afetada pelo funcionamento dos sistemas de

saúde, por empregos que não viabilizam o cuidado com a gestação e as crianças,

pela pobreza e educação insuficiente (UNFPA, 2018).

Um dos resultados mais tristes da falta de opção e poder das mulheres em

relação a ter filhos verifica-se nos números mais altos de crianças em países

vulneráveis. Hoje, se a população abaixo de catorze anos representa 25% dos

indivíduos, nos países de maior vulnerabilidade chega a 40%. Em 2017, mais de 75

milhões de crianças passaram por interrupção em sua educação por causa de crises

humanitárias, tendo ameaçados não só seu bem-estar no presente como suas

perspectivas de futuro (UN-OCHA, 2018).

A desvalorização do trabalho de cuidados com as crianças, que demanda muito

tempo, transfere muitas vezes o tempo das mães pobres para os filhos de famílias

ricas, em uma dinâmica em que as crianças pobres ficam sozinhas em casa, e suas

mães trabalham em condições precárias.

Em 2016, no mundo, 35.5 milhões de crianças abaixo de 5 anos

ficavam sozinhas em casa sem supervisão de um adulto, um número

maior do que todas as crianças na Europa abaixo de 5 anos (SAMMAN

et. al., 2016, p. 10).

O prejuízo sofrido por crianças em condições de cuidados precários passou,

recentemente, a ser objetivamente medido, e, portanto, passível de ser melhor

42

analisado, em termos de danos e consequências. O campo de conhecimento que

promoveu os maiores avanços nesse sentido foi, sem dúvida, a neurociência.

Avanços científicos recentes na área da neurociência vêm confirmar o que os

campos da educação e da psicanálise defendem há mais de cem anos (SHONKOFF,

2011). Mesmo que a neurociência ainda esteja no início de uma fase de grandes

descobertas, algumas evidências importantes sobre a arquitetura cerebral foram

encontradas.

Arquitetura Cerebral

Durante os primeiros anos de vida mais de 700 novas conexões neurais são

formadas a cada segundo (aos 2 anos de idade o cérebro tem 80% de seu tamanho

adulto). O cérebro é construído de baixo para cima (cada estágio é estruturado e

construído sobre o anterior).

O desenvolvimento se dá por interações de servir e devolver com adultos.

Relacionamentos com afeto e constante resposta de adultos e cuidadores e

experiências positivas na primeira infância constroem uma arquitetura cerebral forte e

sólida.

Figura 18. Gráfico da plasticidade cerebral ao longo da vida.

Fonte: Center (2016, p. 13).

43

Circuitos Cerebrais Permanentes

Os sinais elétricos cerebrais comunicam-se entre si, formando conexões

neurais. Estas conexões formam os circuitos que são as fundações de nossa

Arquitetura Cerebral. Circuitos e conexões se proliferam em um ritmo rápido e são

reforçados pelo uso repetitivo.

Nossas experiências e o ambiente em que nos desenvolvemos definem quais

circuitos são mais utilizados e crescem mais fortes e mais permanentes. Por

intermédio destes circuitos as crianças desenvolvem controle de habilidades e

comportamento, linguagem, memória, habilidades motoras, emoções e habilidades

visuais.

Os circuitos são interconectados, não é possível a existência de um sem o

suporte dos outros. Como as fundações de uma casa, o que vem primeiro estabelece

a base e dá suporte para o que virá depois.

Estresse Tóxico

Saúde física e emocional, habilidades sociais, capacidades cognitivas e

linguísticas que emergem nos primeiros anos de vida são imprescindíveis para o

sucesso futuro e interação positiva na escola, no trabalho e na comunidade. Ativação

excessiva e prolongada dos sistemas de resposta ao estresse no corpo e no cérebro

(estresse tóxico), criam circuitos negativos permanentes e tem efeitos negativos e até

devastadores na capacidade de aprendizado, comportamento e saúde.

90-100% de chances de atrasos e perdas de capacidades quando crianças

estão submetidas de seis a sete dos seguintes fatores de risco (CENTER, 2016):

Doença mental do cuidador (de depressão a outras patologias);

Maus tratos infantis;

Cuidador solteiro;

Baixo nível de escolaridade e educação maternal;

Pais que abusam de substâncias químicas e drogas;

Violência na comunidade.

As relações de afeto e cuidado com adultos atentos à interação e as

experiências positivas nos primeiros anos de vida constroem uma Arquitetura Cerebral

44

sólida. Nesse período, a plasticidade cerebral é muito alta, com consequente

facilidade de responder a estímulos positivos de afeto e aprendizado, bem como

desafios e riscos.

Saúde física e emocional, habilidade social e capacidades cognitivas e

linguísticas que emergem desses primeiros anos são importantes para um pleno

aproveitamento do período escolar, do futuro trabalho e das relações comunitárias.

Ao mesmo tempo, é importante compreender o impacto do estresse tóxico, ou

seja, um estímulo negativo maior do que a capacidade de suporte e resposta.

Segundo o neurocientista Charles A. Nelson (et. al, 2006), a ativação prolongada e

excessiva dos sistemas de resposta ao estresse no corpo e no cérebro cria circuitos

negativos permanentes e causa danos aos processos de aprendizado, de

desenvolvimento de habilidades sociais e de saúde.

Entre os fatores de risco ao desenvolvimento da primeira infância, podem ser

apontados como os mais recorrentes: pobreza, doença mental do cuidador, maus

tratos, baixa escolaridade dos pais, abuso de substâncias tóxicas pelos progenitores

e violência na comunidade (BERLINSKI; SCHADY, 2016).

Ao experimentar de seis a sete desses fatores de risco durante a primeira

infância, as chances de perda e atraso no desenvolvimento são de 90 a 100%.

As experiências vividas nesses primeiros estágios da vida de uma criança,

portanto, têm efeito duradouro, ao longo da vida toda, na capacidade de aprendizado,

na saúde e no desenvolvimento de habilidades sociais.

De acordo com a Fundação Bernard van Leer1 e com os estudos científicos

mais recentes relacionados ao desenvolvimento da primeira infância (SHONKOFF,

2011; NELSON, BICK, 2015; BERLINSKI, SCHADY, 2016) há fortes evidências de

que um ambiente seguro durante os seis primeiros anos de vida da criança pode

1 A Fundação Bernard van Leer, fundação privada com sede em Haia, na Holanda, tem representações em vários países, inclusive no Brasil. Desde sua criação em1949, já atuou em mais de 50 países investindo na melhoria da qualidade de vida da sociedade através de uma ampla gama de atividades filantrópicas. Ao longo do último meio século, trabalhou em estreita colaboração com inúmeros inovadores e investigadores para encontrar melhores formas de satisfazer às necessidades das crianças e apoiou governos na construção de sistemas nacionais de prestação de serviços que continuam a afetar a vida de milhões de crianças e suas famílias. Nos últimas vinte anos, a missão da Fundação tem sido melhorar as condições de vida de crianças que nascem e crescem em circunstâncias de desvantagem social e econômica.

45

traduzir-se em melhores resultados de saúde; maior capacidade de aprender e

trabalhar com outros; e, maior rendimento ao longo da vida.

Acertar as coisas logo no início é mais fácil e mais efetivo do que tentar reparar

mais tarde; portanto, os investimentos na primeira infância são fundamentais para a

sociedade como um todo, fato este comprovado por pesquisas realizadas em

diferentes partes do mundo, em especial aquelas desenvolvidas por estudiosos do

Center on the Developing Child da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Destacamos duas relevantes iniciativas que abordam a temática da infância

articulada ao espaço urbano, sintetizando reflexões, dados e pesquisa em

documentos abertos a consulta para difusão e influência. A primeira é o programa

Urban 95, da Fundação Bernard Van Leer, que enfatiza a primeira infância, sendo os

95 referentes a altura média, em centímetros, de uma criança de 3 anos de idade. A

segunda é a publicação Shaping urbanization for children, A handbook on child-

responsive urban planning, produzida pela UNICEF e lançada em maio de 2018.

As duas iniciativas reforçam e articulam em recomendações e reflexões as

pesquisas no campo do desenvolvimento da Primeira Infância que mostram que as

primeiras experiências das crianças têm efeitos que duram uma vida. As cidades que

proporcionam às crianças um bom começo na vida estão ajudando a moldar novas

gerações de pessoas capazes e cidadãos com mais oportunidade de prosperar.

A concepção/desejo da cidade deve promover o ambiente para os movimentos

da base para o topo, de participação efetiva e apropriação do conceito de cidadania

na prática cotidiana, compreendendo e vivendo uma relação equilibrada entre deveres

e direitos, que estabeleça a possibilidade de caminhar a um estado de equidade que

preserve a diversidade.

As soluções para o presente estão na possibilidade de unir o olhar para o

passado, o patrimônio cultural, as experiências empíricas, os erros e acertos, com o

olhar para o futuro, as novas tecnologias e descobertas científicas, permitindo que o

presente seja coerente e potente.

Precisamos acordar com urgência para o fato de que nós esquecemos o

fundamental na concepção da cidade, esquecemos que as crianças são a base de

nós mesmos.

46

URBAN 95

Figura 19. Capa de folheto Urban 95.

Fonte: Fundação Bernard Van Leer.

A fundação holandesa Bernard van Leer lançou um programa para desenvolver

pesquisas e projetos que enfrentem os problemas urbanos a partir da perspectiva da

Primeira Infância (da gravidez aos 6 anos de idade), considerando que este é o

período de vida quando todos nós constituímos e desenvolvemos as nossas

capacidades emocionais, afetivas, cognitivas, de linguagem e estima. Podemos,

portanto, assegurar (ou não) melhores oportunidades e possibilidades futuras de vida

e prosperidade, criando cidades saudáveis, prósperas e vibrantes onde bebês,

crianças e suas famílias podem se desenvolver.

Se você pudesse vivenciar uma cidade do ponto de vista de uma criança de 95

centímetros – a altura de uma pessoa de 3 anos de idade – o que você faria diferente?

Esta é a indagação apresentada pelo programa Urban95 para líderes das cidades,

47

planejadores, arquitetas, arquitetos e inovadores sociais, em busca de uma nova

ordenação da vida urbana.

Urban95 parte do princípio de que, quando bairros urbanos funcionam bem

para as mulheres, grávidas, bebês e crianças, tendem a nutrir comunidades fortes e

desenvolvimento econômico.

Mais da metade da população mundial vive em cidades e em 2050, serão 70%.

As cidades podem ser lugares maravilhosos para crescer, ricas em oportunidades de

aprendizado, mas a realidade dos ambientes urbanos representa desafios para

famílias com crianças pequenas:

Ruas perigosas e poucas opções de transporte público e mobilidade faz

com que para muitos seja uma luta e um risco conseguir chegar a

creches, médicos, comércio ou apenas se deslocar em uma caminhada;

A má qualidade do ar afeta muito mais negativamente a saúde de

crianças lactentes e crianças pequenas do que a de adultos saudáveis;

À medida que as populações urbanas se expandem, os recém-

chegados, migrantes internos ou externos, podem estar longe da família

estendida e têm dificuldade em fazer amigos que possam apoiá-los com

as crianças, dar conselhos, ou apenas estabelecer uma escuta.

Toda experiência dá forma ao desenvolvimento da infância, as cuidadoras e os

cuidadores fazem a mediação das experiências de bebês e crianças pequenas. O

ambiente urbano propicia, ou não, boas condições para estas experiências, e o

planejamento urbano, as decisões de desenho irão influenciar em toda experiência da

vida nas cidades.

Um manual de iniciação com conceitos, ferramentas, ideias e exemplos, o

Urban95 Starter Kit, sintetiza a iniciativa e serve como guia de implementação.

A Fundação Bernard Van Leer tem presença e projetos em desenvolvimento

no eixo Urban95 atualmente no Brasil, principalmente em Boa Vista (Roraima), Recife

(Pernambuco), São Paulo (SP); no Peru; na Índia; em Israel; na Turquia; na Costa do

Marfim; na Holanda.

48

Shaping urbanization for children, UNICEF

Figura 20. Capa de documento “Shaping urbanization for children, A handbook on child-responsive urban planning”.

Fonte: UNICEF, (2018, p. capa).

O documento Shaping urbanization for children. A handbook on child-

responsive urban planning (Moldando a Urbanização para Infância. Manual sobre

planejamento urbano responsivo a infância) produzido pelo Fundo das Nações Unidas

para a Infância (UNICEF) e lançado em maio de 2018, apresenta conceitos,

evidências e estratégias técnicas para posicionar as crianças no primeiro plano do

processo de planejamento urbano de uma cidade.

Com foco na infância, fornece orientações sobre o papel que o planejamento

urbano deve desempenhar para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável (ODS), de uma perspectiva global a local, em busca de criar um contexto

próspero e equitativo, com cidades onde as crianças vivam com saúde, segurança,

em comunidades inclusivas, verdes e prósperas.

Por que planejar cidades para infância?

A análise dos principais contextos urbanos mostra que a urbanização não

necessariamente induz a ambientes urbanos sustentáveis para crianças. Alerta para

o fato de que o número total de habitantes em favelas no mundo atingiu 880 milhões.

49

Estima-se que 300 milhões desta população global de favelas são crianças, que

sofrem de privações múltiplas, vivem sem voz e sem acesso à terra, habitação e

serviços.

Sem investimento em planejamento, a expansão urbana ocorre principalmente

de forma fragmentada, com centralidades limitadas, falta de espaço público e sem

compacidade de forma urbana. Para as crianças, isso significa ambientes insalubres

e inseguros, opções limitadas para circular e brincar, conectividade limitada a redes

sociais, serviços e economia local.

A figura 21 apresenta, de forma concisa, três grupos de restrições a que estão

vulneráveis crianças no ambiente urbano: ambientais e de saúde; de segurança e

proteção legal; e, de participação. No anel externo, as características do ambiente

construído que impactam mais diretamente sobre cada grupo de restrições,

reforçando-as.

Figura 21. Taxonomia das vulnerabilidades da infância relacionadas ao ambiente construído.

Fonte: UNICEF, (2018, p. 22).

50

Finalmente, as zonas urbanas existentes são responsáveis pelo aumento

proporcional do consumo energético e das emissões de dióxido de carbono (CO2),

pondo assim em estresse o ambiente e as próprias cidades. Uma melhor utilização

dos sistemas e recursos urbanos exige a inovação em termos de eficiência energética

e a criação de estilos de vida sustentáveis.

Como o comportamento das crianças é moldado pela sua contínua interação

com o ambiente urbano, a sua participação na formação de cidades sustentáveis será

determinante para o futuro destes locais e para o nosso planeta.

As cidades são impulsionadoras da prosperidade, mas também da iniquidade.

Esta, por sua vez, tem uma dimensão espacial que torna as crianças especialmente

vulneráveis, dimensão esta geralmente negligenciada em sua importância e impacto.

A desigualdade espacial manifesta-se de várias maneiras, revelando a importância do

valor e da posse da terra; da utilização, planejamento e gestão das características

espaciais do ambiente construído.

As crianças e suas famílias, especialmente as mais desfavorecidas, são

confrontadas com a desigualdade espacial de várias maneiras: o alto custo de vida e

o acesso aos serviços urbanos; distribuição geoespacial desigual aos serviços

urbanos; as más características do ambiente construído; e, a desigual distribuição

espacial da terra e do espaço urbano.

Nas cidades, há uma forte correlação entre a vulnerabilidade das crianças mais

desfavorecidas e o ambiente construído. Espaços produzidos de modo insustentável

e precário tem retornos decrescentes da prestação de serviços para crianças, ou pior

ainda, os torna impossíveis, inviáveis.

O ambiente insustentável condiciona o acesso das crianças aos serviços

urbanos de forma física, devido à distribuição desigual, ao planejamento ineficaz e à

falta de qualidade no design e na construção. Isso leva a problemas de saúde

ambiental específicos do meio urbano que os sistemas de apoio à saúde não podem

abordar sozinhos e desloca o foco de doenças transmissíveis a não transmissíveis.

O ambiente construído se revela como uma ameaça quando as crianças e seus

cuidadores não podem avaliar riscos, ser preparados ou ter segurança. Influencia,

também, na capacidade e possibilidade de participação das crianças, em termos de

produção e uso do espaço público onde as crianças podem se reunir. Estas restrições

51

de aplicam a outras infraestruturas que permitam a conectividade física, social e

digital.

O desenho e construção do espaço coletivo oferece uma multiplicidade de

oportunidades para que as cidades se comprometam com o respeito dos direitos das

crianças e com um planejamento para a equidade.

Dada a tendência global da urbanização, há um potencial significativo para

envolver as crianças nas decisões que afetam seu ambiente físico urbano, sua

interação com os sistemas de recursos urbanos e formas de moldar o comportamento.

O reconhecimento da infância como um momento crucial para as pessoas

terem acesso ao ambiente urbano e desfrutar de suas vantagens, é fundamental para

definir soluções espaciais para todas as idades.

As configurações urbanas responsivas à infância emanam qualidades que

muitos estudiosos descreveram como padrões conceituais para bairros e cidades

sustentáveis: escalas urbanas, proximidade, caminhabilidade, uso misto, espaço

público, mobilidade independente e conectividade.

A figura 22 relaciona as escalas urbanas com as faixas de idade da infância e

a capacidade de uma mobilidade independente, dividindo-as em três períodos: dos

zero aos seis anos com distância de até 200 metros na escala da rua (aprendendo a

caminhar e caminhando com auxílio de cuidador); dos seis aos doze anos com

distância de 400 metros na escala da vizinhança (caminhando e de bicicleta); e dos

doze aos dezoito ou mais anos, até 2.000 metros ou mais na escala da cidade

(caminhando, de bicicleta e em transporte público).

Diferentes escalas, diferentes atividades, diferentes objetivos, sendo que cada

uma delas poderia ser desenhada para garantir uma experiência que assegure o

desenvolvimento humano e da infância.

52

Figura 22. Espaço e escala das infâncias urbanas.

Fonte: UNICEF, (2018, p. 28).

O documento apresenta dez direitos da infância articulados a princípios de

planejamento urbano, e sugere que ao adotá-los, as cidades não só apoiarão o

desenvolvimento das crianças, mas constituirão base para caminhar em direção a

prosperidade nos lares, e assim para as gerações futuras. Os princípios apresentados

como recomendação de compromisso das cidades são:

Princípio 1

Investimentos – respeitar os direitos das crianças e investir no

planeamento urbano responsivo à infância que garanta um ambiente

seguro e limpo para as crianças e envolva a participação em

intervenções de base na área, engajamento de partes interessadas e

tomada de decisão baseada em evidências, assegurando a saúde, a

segurança, a cidadania, a sustentabilidade ambiental e a

prosperidade, desde a primeira infância até a vida adolescente.

Princípio 2

Habitação e posse da terra - assegurar habitação acessível e

adequada e segurança de posse de terras para as crianças e

comunidades, onde se sintam seguras, para viver, dormir, brincar e

aprender.

53

Princípio 3

Comodidades públicas – prover infraestrutura para serviços de saúde,

educação e assistência social para crianças e comunidades, às quais

devem ter acesso assegurado a serviços de qualidade, para prosperar

e desenvolver habilidades para a vida.

Princípio 4

Espaços públicos – assegurar espaços públicos e verdes seguros e

inclusivos para as crianças e a comunidade, onde elas possam se

reunir e participar de atividades ao ar livre.

Princípio 5

Sistemas de transporte – desenvolvimento de suporte a transportes

ativos e sistemas de transporte público que garantam a mobilidade

independente para as crianças e a comunidade, para que tenham

acesso seguro e igualitário a todos os serviços e oportunidades em

sua cidade.

Princípio 6

Sistemas integrados de gestão de água e saneamento – desenvolver

serviços de água e saneamento geridos com segurança, garantir um

sistema integrado de gestão de águas urbanas para as crianças e a

comunidade, para que tenham um acesso adequado, seguro e

equitativo a água, saneamento e higiene a preços acessíveis.

Princípio 7

Sistemas alimentares – desenvolver um sistema alimentar com

fazendas, mercados e vendedores, para que as crianças e a

comunidade tenham acesso permanente a alimentos frescos e

nutrição saudáveis, a preços acessíveis e sustentavelmente

produzidos.

Princípio 8

Sistemas de ciclo de resíduos – desenvolver um sistema de resíduos

zero e garantir uma gestão sustentável dos recursos, para que as

crianças e a comunidade possam prosperar num ambiente seguro e

limpo.

Princípio 9

Redes de energia – integrar redes de energia limpa e garantir acesso

confiável a energia, para que as crianças e a comunidade tenham

acesso a todos os serviços urbanos dia e noite.

Princípio 10

Redes de dados e Tecnologia da Informação e Comunicação –

integrar redes de dados e TIC e assegurar a conectividade digital para

as crianças e a comunidade, informação e comunicação

universalmente acessíveis, seguras e fiáveis (UNICEF, 2018, p. 5 –

tradução nossa).

54

E complementa com a pergunta: Como planejar configurações urbanas

responsivas a infância?

O planejamento urbano e a política existentes devem ser influenciados e

reforçados a fim promover cidades responsivas à infância. Ao priorizar as crianças, o

planejamento urbano contribuirá para uma programação urbana mais ampla de três

maneiras:

1. Planejamento de espaço urbano em várias escalas. Os programas

urbanos baseados em microterritórios permitem uma melhor prestação

de serviços para as crianças, bem como um ambiente construído limpo

e seguro.

2. Engajar crianças e membros interessados da comunidade. Processo

urbano orientado a participação na construção de coalizões e na

coprodução de configurações urbanas responsivas para crianças.

3. Utilização de dados geoprocessados e urbanos em plataforma

integrada. A tomada de decisões orientada pelas evidências e as

componentes espaciais da iniquidade urbana a qual crianças mais

desfavorecidas estão expostas. (UNICEF, 2018, p. 5 – tradução nossa).

Este processo pode ser coordenado e integrado por especialistas no campo da

arquitetura, engenharia, arquitetura da paisagem, ambiente construído, consultores

de economia urbana, consultores de direito urbano, geógrafos urbanos e

pesquisadores acadêmicos do campo, como indica a figura 23.

55

Figura 23. Agentes e partes interessadas no planejamento urbano.

Fonte: UNICEF, (2018, p. 7).

A capacidade deste grupo de especialistas permite articular três grupos de

agentes e partes interessadas no planejamento urbano, com papéis e ação distintas,

de acordo com o organograma proposto. As instituições públicas, representadas pelo

governo nacional e autoridades governamentais locais estabelecem normas e

padrões para atuação do setor privado e fornecem os serviços básicos urbanos; o

setor privado, indústrias, corporações e desenvolvedores da economia local fornecem

serviços e infraestrutura às instituições públicas e criam condições de mercado e

financiamento para a sociedade civil; a sociedade civil, organizações não

governamentais e organizações comunitárias estabelecem representatividade e

responsabilidade pelas decisões em relação às instituições públicas e estabelecem

parâmetros de responsabilidade social corporativa em relação ao setor privado.

56

A figura 24, de maneira muito clara e sintetizadora, relaciona os componentes

urbanos; habitação e posse de terra; equipamentos públicos; espaços públicos;

sistemas de transporte e mobilidade; sistemas de gestão da água e saneamento;

sistemas alimentares; sistemas de gestão cíclica de resíduos; redes de energia; e,

redes de dados e informação digital aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

das Nações Unidas, apontando vulnerabilidade e solução de cada componente para

um planejamento urbano responsivo à infância, nos eixos da saúde, segurança,

cidadania, sustentabilidade ambiental e prosperidade.

Figura 24. Configurações de um planejamento urbano responsivo a infância e seu impacto nas crianças.

57

Fonte: UNICEF, (2018, p. 42-3).

58

CAPÍTULO 3. ARQUITETAS, ARQUITETOS E URBANISTAS: DESAFIOS

CONTEMPORÂNEOS

A arquitetura sempre foi a disciplina por excelência que se prestou a

representação de um mundo novo, melhor, onde edifícios

excepcionais poderiam ser vistos como modelos que encarnam a ideia

de uma nova ordem onde são capazes de transformar os usuários,

independente de quão inconscientemente isso possa ocorrer. É esta

"tarefa" de arquitetas e arquitetos que continua a assombrar e impedir

de levar a sério as intervenções não profissionais que emanam de

motivações humanas comuns na banalidade da vida cotidiana, muito

menos atribuindo beleza a elas. No entanto, a época em que vivemos

com a ilusão de que a arquitetura poderia genuinamente influenciar o

mundo - assim, definindo as tendências em vez de segui-las - é

definitivamente passado (HERTZBERGER, 2013, p. 9).

Figura 25. Robert Graves e Didier Madoc-Jones, Postcards from The Future.

Fonte: Wired Magazine, (2009).

O caminho de arquitetas, arquitetos e urbanistas, renova-se sempre. É

acumulativo, uma somatória constante de experiências, leituras e observações. Vai

se constituindo e transformando ao longo do tempo. Necessita, sobretudo, de um

longo tempo de trabalho sobre si, de autorreflexão e de exercício contínuo de

reconstrução dos próprios saberes. Convoca a permanente atualização diante das

novas descobertas tecnológicas, das experiências e expressões não formais nos

territórios urbanos.

59

Os artífices orgulham-se sobretudo das habilidades que evoluem. Por

isso é que a simples imitação não gera satisfação duradoura; a

habilidade precisa amadurecer. A lentidão do tempo artesanal é fonte

de satisfação; a prática se consolida, permitindo que o artesão se

aposse da habilidade. A lentidão do tempo artesanal também permite

o trabalho de reflexão e imaginação – o que não é facultado pela busca

de resultados rápidos. Maduro quer dizer longo; o sujeito de apropria

de maneira duradoura da habilidade (SENNETT, 2012a, p. 328).

São muitos e muito graves os problemas do território urbano e humano do

nosso tempo, e de uma maneira constante nos acompanha a ideia da utopia como

esforço para criar uma sociedade melhor, de busca pela felicidade, igualdade e

eliminação dos maus sociais.

Arquitetas, arquitetos e urbanistas podem sempre sonhar, mas sobretudo estar

despertos para constituir uma percepção criteriosa e consciente da dura realidade que

enfrentam. É necessário perseverar na busca de um caminho, de viabilidade para sua

própria sobrevivência de modo a contribuir, efetivamente, para um impacto social

positivo: a redução das iniquidades e vulnerabilidades. Esta busca ocorre, no campo

da arquitetura e urbanismo, por meio de sua prática profissional quando contempla o

reconhecimento dos processos de participação e as soluções espontâneas que

surgem nas condições mais adversas, fruto da ação de membros das comunidades

sem uma formação profissional qualificada, e nem por isso menos capazes.

Uma pesquisa realizada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil

(CAU/BR) em 2015, indica que menos de 15% das pessoas, do total de 54% que já

reformaram ou construíram, utilizaram o serviço de arquitetas, arquitetos, engenheiros

ou engenheiras (CAU/BR; DATAFOLHA, 2015). Por quais motivos esta realidade se

coloca como expressiva da baixa participação dos profissionais de arquitetura? A

pesquisa qualitativa apontou que a questão financeira é o principal motivo por não

utilizar serviços destes profissionais, seguida pela facilidade de contratar diretamente

mestres de obra ou pedreiros e desconhecimento de outras opções (CAU/BR;

DATAFOLHA, 2015).

Ainda de acordo com a mesma pesquisa:

Cerca de 70% das pessoas que compõem a população

economicamente ativa afirmam que contratariam os serviços de um

arquiteto e urbanista para construções ou reformas. A parcela dos que

já contrataram os serviços de arquitetos e urbanistas é de 7%. Entre

as pessoas com curso superior e das classes AB, essa taxa é mais

que o dobro, chegando a 16% (CAU/BR; DATAFOLHA, 2015, n.p.).

60

Aproximar arquitetas, arquitetos e urbanistas da maioria da população que

poderia se beneficiar da contribuição de seus saberes e serviços não tem ocorrido, de

acordo com os dados obtidos por essa pesquisa (CAU/BR; DATAFOLHA, 2015). As

questões financeiras são os principais motivos apontados, ou seja, o conhecimento,

muitas vezes invisível ou intangível diante da construção, é difícil de ser valorado e

reconhecido como importante a ponto de que se invistam recursos financeiros na sua

aquisição.

Ao mesmo tempo, antes mesmo deste conhecimento específico profissional ser

formalmente instituído, a maioria das obras de arquitetura da história da humanidade,

em grande parte de qualidade expressiva e ambiental incontestável, foi produzida a

partir do conhecimento autóctone, pelo domínio da técnica carregada de expressão

artística.

Este conhecimento foi, de um modo geral, rejeitado como modelo de

desenvolvimento do ambiente construído pelos processos de industrialização e

construção da modernidade e contemporaneidade, que por sua vez, trouxeram muitos

avanços tecnológicos e científicos relevantes. No entanto, este grande testemunho da

memória cultural e coletiva passou a ser tratado como superado ou passadista pela

maioria das arquitetas, arquitetos e urbanistas, e, muitas vezes, como um mero objeto

de pesquisa para historiadores de arquitetura.

No Brasil, o interesse pela expressão da arquitetura espontânea não autoral e

não profissional, em um primeiro momento, se deu mediante o reconhecimento do

valor e da necessidade de preservação do patrimônio histórico e artístico, iniciativa

liderada pelas vozes do escritor Alceu Amoroso Lima e do advogado Rodrigo Melo

Franco de Andrade em 1916, quando visitaram Minas Gerais e constataram a potência

do Barroco mineiro e brasileiro.

Esta liderança foi acompanhada de um movimento pelo reconhecimento e

preservação do patrimônio histórico e artístico que culminou com a criação do SPHAN

(Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em julho de 1934 – atual IPHAN

(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Não há, entretanto, uma abordagem dirigida às expressões vernáculas e

autóctones anônimas que não participam dos conjuntos reconhecidos como

relevantes, que permanecem, até hoje, desprotegidos dos riscos de demolição e

descontinuidade de sua força hereditária, suplantada por um mercado da construção

civil desinteressado da cultura e do meio ambiente.

61

Lucio Costa, de alguma maneira, articulou a expressão da arquitetura popular

por meio da apropriação e reinterpretação de conceitos e princípios autóctones pelo

modernismo brasileiro, registrando suas reflexões na publicação da coletânea Lúcio

Costa: Sôbre Arquitetura de 1962, organizada por Alberto Xavier.

No mesmo período a arquiteta Lina Bo Bardi, que desembarcou no Brasil em

1947 e naturalizou-se brasileira em 1951, se dedicou ao reconhecimento da cultura

popular, e sua arquitetura dialogou com esta leitura.

Figura 26. Lina Bo Bardi, Exposição Civilização do Nordeste no Museu de Arte Popular do Unhão, 1963.

Fonte: Armin Guthmann – Acervo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi (1963).

O arquiteto egípcio Hassan Fathy dedicou-se à pesquisa, estudo e difusão da

arquitetura popular, das soluções vernáculas, para enfrentar o desafio da pobreza por

meio da construção de uma arquitetura digna e inclusiva, desde 1930 até o final de

sua vida em 1989.

No Peru, a primeira edição da obra Arquitectura Peruana de Hector Velarde,

sua primeira pesquisa e reflexão sobre a história da arquitetura peruana desde o

período pré-Inca, foi publicada em 1946.

62

Em Portugal o Sindicato Nacional dos Arquitetos publicou em 1961 a primeira

edição da Arquitectura Popular em Portugal, um belíssimo inventário das diversas

expressões regionais da arquitetura popular portuguesa (figura 27). Na Espanha, em

1973 foi publicada a coleção Arquitectura Popular Española, de Carlos Flores (figura

28).

Figura 27. Exemplar do “Arquitectura Popular em Portugal”.

Fonte: Acervo do autor.

63

Figura 28. Exemplar do “Arquitectura Popular Española”.

Fonte: Acervo do autor.

O interesse de Bernard Rudofsky pela arquitetura vernácula remete a um

período anterior ao ano de 1931, quando expôs sua coleção de fotografia de

arquitetura anônima na Exposição Internacional de Arquitetura em Berlim, Alemanha.

Em 1941 foi sondado pelo curador do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA

NY), Philip Goodwin, para propor uma exposição, mas a temática da arquitetura

anônima foi considerada inadequada e antimoderna para um Museu de Arte Moderna

(RUDOFSKY, 1977).

Assim mesmo, parte de sua coleção de fotos foi recebida pelo acervo do

referido museu, aonde permaneceu sem divulgação ou acesso até 1960, quando

Rudofsky foi contratado para organizar um conjunto de exposições didáticas. Naquela

altura o tema da arquitetura vernácula foi considerado aceitável, desde que a

exposição fosse montada apenas em instituições fora da cidade. Aceitável, mas não

respeitado (RUDOFSKY, 1977).

64

Para que fosse adquirido respeito, Rudofsky teria que contar com o apoio de

um grupo seleto de colegas, cujo interesse esperado pelo assunto era pífio. José Luis

Sert, Gio Ponti, Kenzo Tange e Richard Neutra responderam com amabilidade à sua

carta-pedido de apoio, enquanto Walter Gropius teve que ser induzido a olhar um

projeto totalmente alheio a seu mundo. Segundo Rudofsky (1977), a maré virou

quando o diretor de arquitetura do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT),

Pietro Belluschi, viu as imagens do material e escreveu a seguinte carta para o

Presidente da Fundação John Simon Guggenheim, Gordon N. Ray:

De alguma forma, pela primeira vez na minha longa carreira como

arquiteto, tive um vislumbre emocionante da arquitetura como uma

manifestação do espírito humano além do estilo e da moda e, mais

importante, além dos estreitos limites de nossa tradição greco-romana

(RUDOFSKY, 1977, p. 368).

A exposição Arquitetura sem Arquitetos, realizada em 1964, apresentou a

reflexão e os elementos de uma pesquisa demonstrando que, ao longo da história da

humanidade, a grande maioria da produção urbana e arquitetônica pertenceu a um

campo não reconhecido formalmente, de origem anônima, não classificado, podendo

ser chamado de vernáculo, espontâneo, indígena, rural, dependendo de cada

circunstância. O trabalho de pesquisa continuou e resultou na publicação do livro The

Prodigious Builders em 1977.

Rudofsky (1964, 1977) questionou as soluções de uma época de grande

desenvolvimento urbano e tecnológico, que distanciavam as pessoas da simplicidade

do contato com um ambiente menos controlado e artificialmente estruturado, ambiente

este que facilmente se deteriorou e impactou negativamente a qualidade de vida das

pessoas. Questionou, ainda, a crença na arquitetura singular e formal como caminho

de produção do espaço de vida contemporâneo, que não enxergava seus próprios

limites, e concluiu citando o filósofo holandês Johan Huizinga, para afirmar que os

conhecimentos dos construtores anônimos representavam uma enorme fonte

inexplorada de inspiração para a humanidade industrial, com a potência de desvendar

um caminho de paz universal.

A expectativa de que cada nova descoberta ou aprimoramento de

meios existentes deve conter a promessa de ideais mais elevados ou

maior felicidade é um pensamento extremamente ingênuo... Não é

nada paradoxal constatar que uma cultura possa naufragar enquanto

exibe um progresso real e tangível (HUIZINGA apud RUDOFSKY,

1964, p. 13).

65

O arquiteto e historiador de arquitetura Paul Oliver, teve uma trajetória no

mesmo eixo de reflexão e pesquisa que Rudofsky. Reuniu, principalmente na

publicação em 1997 da Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World, décadas

de pesquisa e investigação sobre arquiteturas e cidades de concepção anônimas, a

mais robusta dentre as obras que publicou.

Nas últimas décadas, entretanto, por força de múltiplos fatores intrínsecos à

constituição de uma cultura de consumo; da crença do poder da tecnologia como

capaz de quebrar as barreiras das utopias mais ficcionais de futuro; e, principalmente,

da economia como eixo principal estruturador da sociedade, fundadas e fundantes de

uma energia e atitude predominantemente de viés masculino de poder e subjugação

exploratória e exaustiva da natureza, dos recursos naturais e humanos, negando a

diversidade de contextos, culturas, etnias, tribos, a visão feminina e o lugar da mulher

na sociedade; nos distanciamos muito da busca por um mundo que promova a

equidade, o fim da desigualdade e oportunidades de desenvolvimento humano longe

da miséria e violência cotidianas.

Figura 29. 2001, Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick.

Fonte: Variety (2018).

66

No mundo ocidental, a sociedade, cultura e modos de produção foram,

essencialmente, concebidos e instaurados pela porção masculina da

humanidade. O panorama começou a se modificar substancialmente

somente neste século, quando as mulheres finalmente adquiriram

direito à cidadania, oportunidades iguais de acesso à educação em

todos os níveis, podendo tornar-se independentes e seguir uma

profissão. Na arquitetura, elas passaram a participar partindo da

esfera da vida doméstica para a da reflexão e formulação de propostas

sobre a habitação, adentrando assim um campo cuja história era

contada pela trajetória de gênios e mestres. Com efeito, durante muito

tempo a evolução da arquitetura foi registrada tendo em vista somente

o trabalho de figuras superlativas, que influenciaram, mudaram e

marcaram para sempre os rumos da profissão (LIMA, 2014, p. 7).

Constatamos, há algum tempo, nosso declínio como ideólogos ativos. Diante

das enormes possibilidades tecnológicas para racionalizar as cidades e territórios, do

espetáculo diário de seus resíduos, do fato de que os métodos específicos de projeto

se tornam superados antes mesmo que seja possível verificar suas hipóteses no

mundo real, nos vemos em uma atmosfera de grande ansiedade.

Presente no horizonte há, ainda, o pior dos males: o declínio do status

profissional de arquitetas, arquitetos e urbanistas e a redução do papel ideológico da

arquitetura e da cidade. Entre o vazio absoluto do indivíduo e a passividade do

comportamento coletivo, a metrópole pode se tornar o lugar da alienação absoluta

diante do excessivo desgaste dos recursos disponíveis, do ambiente construído e da

desigualdade.

Nossa ação, poderia dizer, tem paralelo com o mais conhecido slogan

ambientalista: PENSE GLOBALMENTE, AJA LOCALMENTE. Nossa escala de

pensamento é macro, é abrangente, ultrapassa a especificidade da nossa

denominação profissional e exige a inter, multi e transdisciplinaridade para uma ação

local e específica que seja coerente e informada.

Diferentes contextos (ambientais e culturais) demandam diferentes soluções. A

relação do desenho arquitetônico com modelos vernáculos (aprender, interpretar e

reordenar seus componentes em uma linguagem arquitetônica contemporânea)

possibilita a recuperação do senso local de espaço, dando continuidade a certas

tradições, como escreveu Lucio Costa (1995, p. 117) sobre o ensino da arquitetura:

67

Interessa, antes de mais nada, conhecer como, em condições

idênticas ou diferenciadas de época, de meio, de material e de técnica

ou de programa, os problemas da construção foram

arquitetonicamente resolvidos no passado.

O debate e a reflexão acerca do meio ambiente e das consequências de nosso

modo de vida e organização social, ao permear todos os aspectos da produção de

arquitetura e urbanismo, poderiam contribuir para a promoção da pesquisa e

desenvolvimento de uma Arquitetura e de um Urbanismo Ambiental, não apenas como

inclusão da sustentabilidade ambiental no conceito (operacionalmente falando), mas

como representação estética desta sustentabilidade, em busca de um novo contrato

entre a arquitetura e a natureza (HAGAN, 2001), que coloque, dessa maneira, a

dimensão do desenvolvimento humano equitativo como eixo de produção e

conhecimento.

Figura 30. Meti School, Bangladesh, arquiteta Anna Heringer.

Fonte: Archdaily (2010, n.p.).

Quando estou projetando, sempre me pergunto: “o que aconteceria se

7 bilhões de pessoas projetassem e construíssem da mesma maneira

que eu? Se eu pudesse responder isso honestamente, o mundo

poderia ser um pouco mais bonito, um pouco mais justo. Então eu

estaria satisfeita (HERINGER, 2013, p. 15).

68

CAPÍTULO 4. ARQUITETAS, ARQUITETOS E URBANISTAS: FORMAÇÃO PROFISSIONAL CONTEMPORÂNEA

[...] antes de olharmos para qualquer coisa temos que primeiro

declarar a nossa empatia e ser profundamente empáticos... a minha

própria real empatia, me fez vulnerável a querer ser escrupuloso [...]

(KOOLHAS, 2014, n.p.).

Figura 31. Lagos, Nigéria.

Fonte: Koolhas, (2014, n.p.).

A abordagem pedagógica tradicional, preponderante no ensino atual de

Arquitetura e Urbanismo, não inclui como parte do quadro principal de estudos e

práticas a problemática de assentamentos precários, áreas vulneráveis como objeto

inconteste e prioritário de reflexão e ação; e, acaba por não estabelecer maior

profundidade na transdisciplinaridade. Ainda, segundo esta reflexão, não contempla

adequadamente elementos que podemos considerar estruturantes e primordiais nas

funções e significados dos espaços construídos e urbanos, como o desenvolvimento

da primeira infância, os temas raciais e de gênero.

Isso significa que arquitetas, arquitetos e urbanistas enfrentam dificuldades

adicionais relevantes para adquirir qualificação e articular os conhecimentos que os

formaram, para lidar, de fato, com os principais desafios da realidade das áreas

urbanas, após a graduação.

69

Temos uma grande quantidade de conhecimento acumulado em diversos

campos sobre estas questões, que poderiam ser reconhecidos e devidamente

integrados em agendas transdisciplinares formais de educação em Arquitetura e

Urbanismo. Para isso, portanto, é desejável investigar, pesquisar e registrar de modo

sistêmico a prática dos diferentes modelos possíveis de design de impacto social,

focado em comunidades desfavorecidas, temas de gênero, raça e primeira infância.

Cada vez mais aprendemos que a concepção de todos os nossos

ambientes construídos importa tão profundamente, que a segurança e

a funcionalidade não devem ser as nossas únicas prioridades

urgentes. Todos os tipos de elementos de design influenciam as

experiências das pessoas, não só o ambiente, mas também elas

mesmas. O bom desenho - sistemas e padrões de ordenação

cuidadosamente compostos, materiais e texturas sensualmente

ativos, sequências de espaços deliberadamente construídas - cria

lugares coerentes que têm um efeito poderoso positivo sobre as

pessoas. Espaços urbanos, paisagens e edifícios – mesmo pequenos

e modestos – influenciam profundamente a vida humana. Eles moldam

nossas cognições, emoções, e ações, e até mesmo influenciam

poderosamente o nosso bem-estar. Eles realmente ajudam a constituir

o nosso próprio sentido de nós mesmos, o nosso senso de identidade

(GOLDHAGEN, 2017, p. xxii).

A importância de transformações efetivas por meio da ação do design, do

planejamento e desenho urbano e espacial, em áreas de grande vulnerabilidade

territorial, ambiental e social, pode ser compreendida e interpretada como

necessidade de incluir, na formação e qualificação de arquitetas, arquitetos e

urbanistas, habilidades e vivências inter, multi e transdisciplinares para trabalhar em

territórios vulneráveis, bem como aprofundar o conhecimento cultural, nas questões

de raça, gênero e primeira infância, combinadas com a formação técnica e teórica no

campo específico da profissão.

A formação de profissionais que atuam com o projeto em suas

diversas escalas, com alto nível de qualificação técnica, científica, e

profissional, combina-se ao crescente entendimento dos múltiplos

campos disciplinares que conformam a realidade da cidade

contemporânea, entendida como o lugar da diversidade, do encontro

e de criação de novas possibilidades sociais, econômicas, culturais. É

desafio atual para as escolas de Arquitetura e Urbanismo disseminar

a atuação crítica articulando teorias e práticas, integrando-se em

processos socioculturais que produzem a arquitetura e a cidade

(ALVIM; CASTRO, 2012, n.p.).

70

É na experiência no território e com a comunidade, mesmo que com apenas

uma parte da sua complexidade, que a leitura de uma espacialidade eficaz acontece,

permitindo aos investigadores e a outros "estrangeiros", juntamente com a

comunidade local, a identificação de estratégias e caminhos de transformação, da

condição de vulnerabilidade, para seus direitos civis e humanos de uma melhor

condição de vida e urbanidade plena.

A complexidade do desafio de combater a desigualdade e de transformar as

precárias condições as quais milhões de pessoas estão sujeitas em nossos territórios

urbanos, requer uma visão inter, multi e transdisciplinar, com a experiência de contato

e aprendizagem nos territórios com seus moradores.

Arquitetas, arquitetos e urbanistas, incorporando estratégias de escuta,

participação, aprendizado, transferência de conhecimento, podem contribuir

significativamente nesse processo de transformação para a prosperidade. E tudo isso

deve ser reconhecido pela sociedade como uma forma legítima de ganhar a nossa

vida. “O materialismo e a moralidade são inversamente proporcionais. Quando um

aumenta, o outro diminui” (GANDHI, 2018, p. 61).

Nossa sociedade, por meio do conhecimento e desenvolvimento de sistemas

de respostas, pode resolver uma enorme quantidade de problemas específicos. A

maior parte destas realizações são fruto da experiência (empírica); da cultura e da

educação (avanços tecnológicos e expressão); e, do conhecimento aplicado

(pesquisa e prática). Muitas das soluções, ou a maioria delas, geraram outros

problemas, em grande parte, simples de ajustar. Mas alguns, de solução muito

complexa, levam anos, décadas ainda sem resposta, e o impacto e ameaça causada

por estes, está crescendo a uma taxa preocupante.

Precisamos de liderança qualificada e preparada em todos os domínios do

conhecimento, para propor inovação na maneira de abordar os problemas complexos,

que articulem as múltiplas dimensões, os vários atores envolvidos e a

transdisciplinaridade.

Há um grande número de iniciativas envolvendo governos, organizações da

sociedade civil e comunidades, na implementação de programas e projetos, buscando

um ponto de superação da desigualdade, da violência e da vulnerabilidade, muitos

gerando vitórias rápidas (efêmeras), alguns com um impacto médio (dificuldades em

71

manter o impacto positivo, risco de falha e grande impacto negativo da

descontinuidade), mas, ainda, nenhum plano estratégico teve êxito e foi totalmente

implementado para ultrapassar o ponto de transição, tornar-se estável e gerar um

impacto sem retrocesso.

72

CAPÍTULO 5. TERRITÓRIO VULNERÁVEL, PRECÁRIO E DE

URBANIZAÇÃO INCOMPLETA

O que é muito claro é que um modo de vida que se baseia no

materialismo, ou seja, no expansionismo permanente e ilimitado em

um ambiente finito, não pode durar muito tempo, e que sua expectativa

de vida se torna mais curta, quanto com mais sucesso persegue seus

objetivos expansionistas (SCHUMACHER, 2010, p. 156).

Figura 32. Área mais vulnerável do Jardim Lapenna, 2019.

Fonte: acervo do autor.

73

Vivemos tempos extremos que apresentam grandes desafios para a

sustentabilidade da humanidade no planeta. Os impactos da atividade humana e da

exploração dos recursos naturais e ambientais, sem uma abordagem de preservação

e segurança da capacidade de renovação, somados à explosão demográfica e

contínuo fluxo migratório urbano, sobrecarregaram e alteraram, significativamente, as

condições ambientais e climáticas, gerando instabilidade e uma crescente incidência

de eventos extremos como tufões, tempestades, secas, ondas de frio e calor. As

evidências do aquecimento global e de seus impactos são contundentes e, ainda

assim, negadas e negligenciados por líderes estratégicos mundiais, incapazes de se

articular para uma ação que busque reverter esta trajetória insustentável.

O Relatório de Risco Global de 2019, do Fórum Econômico Mundial (WEF,

2019), em sua pesquisa, indica que os maiores riscos em uma escala global, em

intensidade de impacto e probabilidade de incidência são da categoria ambiental, a

saber: eventos ambientais extremos; fracasso em mitigar e adaptar a mudanças

climáticas; desastres naturais; perda de biodiversidade; e, colapso de ecossistemas.

Além destes, são apontados como críticos nos mesmos critérios, os seguintes riscos:

ataques cibernéticos (tecnológica); crise hídrica (social); desastres ambientais

causados pela ação humana (ambiental); migração involuntária em larga escala

(social); e, conflitos internos (geopolítico). E, ainda, com grande intensidade de

impacto e menor probabilidade de incidência aparecem: danos críticos a infraestrutura

de informação (tecnológica); crise fiscal (econômica); propagação de doenças

infecciosas (social); e, armas de destruição em massa (geopolítica).

74

Figura 33. Gráfico de riscos globais.

Fonte: WEF, (2019, p. 5).

A figura 33, acima, apresenta um gráfico de de interconexões de tendências de

riscos evidencia como as mais fortes tendências de impacto negativo, a mudança

climática e a crescente polarização das sociedades, com grandes riscos identificados

de profunda instabilidade social, falha na governança nacional e regional, larga escala

de migração involuntária, desemprego e subemprego, além dos riscos ambientais e

outros apontados.

75

Como uma reflexão sugerida, o citado relatório apresenta no capítulo

denominado Future Shocks (WEF, 2019), dez possibilidades de eventos e tendências,

reais e especulativas, presentes no horizonte da humanidade, capazes de

desestabilizar e causar ruptura extrema, ameaçando o que resta, ainda, de

estabilidade e possibilidade de sustentabilidade em nosso planeta:

1. Guerras Climáticas: desenvolvimento tecnológico de

ferramentas de controle do clima, tais como semear nuvens

para induzir ou suprimir chuva, com impactos imprevisíveis.

2. Segredos Abertos: pesquisas aprofundadas em computação

quântica romperão barreiras da criptografia e dos algoritmos,

deixando expostos todos os dados e informações digitais.

3. Limites Urbanos: crescente urbanização tem ampliado abismo

entre condições de vida e representatividade de áreas rurais e

urbanas, ameaçando erodir a unidade de estados e gerando

grande volatilidade eleitoral.

4. Contra os Grãos: interrupção de suprimento de alimento

emerge como uma ferramenta de poder com a intensificação

de tensões geopolíticas e econômicas.

5. Panóptico Digital: vigilância biométrica avançada e

disseminada permite novas formas de controle social.

6. Torneira Seca: grandes cidades lutam diante do risco eminente

de crise hídrica zerar o suprimento urbano. Megacidades sob

o risco do dia zero de água.

7. Espaço Disputado: intensidade exploratória da baixa órbita

terrestre com satélites e aparatos de comunicação, vigilância e

militares transformam o cenário gerando risco de conflito

geopolítico crescente.

8. Ruptura Emocional: a Inteligência Artificial capaz de

reconhecer e responder a emoções cria possibilidades de

causar danos em larga escala.

9. Nenhum Direito Sobrevive: em um mundo de valores

divergentes os direitos humanos estão abertamente violados

sem consequência nenhuma a seus violadores. O

autoritarismo ganha território.

10. Populismo Financeiro: crescente protecionismo impulsiona

questionamento e coloca em risco a autonomia de bancos

centrais, gerando instabilidade e potencial colapso de sistema

financeiro global (WEF, 2019, p. 65 – síntese e tradução

nossa).

Uma estrutura essencialmente apoiada na sustentação econômica e na

dependência de crescimento e multiplicação de capital, como eixo principal de

76

investimento e desenvolvimento, tem gerado enorme sobrecarga nos sistemas

ambientais e ampliado as desigualdades. Esta estrutura resulta em algumas ilhas de

bem-estar no planeta, enquanto a maior parcela de seus habitantes e territórios estão

vulneráveis à instabilidade ambiental, social e econômica, em situação de escassez

de recursos, crise alimentar e humanitária. Esta instabilidade trouxe uma grave

consequência: a explosão de fluxos migratórios de pessoas deslocadas de seu lugar

de origem e refugiadas.

De acordo com relatório da Agência das Nações Unidas para Refugiados

(ACNUR), em 2017 o número de pessoas que tiveram que deixar seus lares atingiu o

recorde de 68,5 milhões, das quais 52% menores de idade, e aproximadamente 25,4

milhões deslocados por conflitos e perseguições. 85% destes refugiados estão

localizados em países em desenvolvimento, e quase dois terços do total continuam

vivendo dentro de seus países (ACNUR, 2018).

Figura 34. Campo de Refugiados na Jordânia.

Fonte: Tom White/ Oxfam (s.d., n.p.).

77

Com um enorme contingente de pessoas enfrentando, na atualidade, algum

nível de vulnerabilidade, precariedade e violação de direitos, é possível afirmar que

os territórios que as abrigam têm influência direta nesta condição e na perpetuação

desta condição.

Mas como definir território vulnerável?

Figura 35. Parelheiros, São Paulo, 2017.

Fonte: acervo do autor.

Em sua dissertação de mestrado Espaços comunitários em territórios

vulneráveis: uma análise sobre processos e realizações, de 2019, a arquiteta e

pesquisadora Laura Paes Barretto Pardo procura estabelecer uma definição para o

conceito de território vulnerável articulando distintos saberes.

A partir de evidências documentadas em diversos relatórios e documentos

produzidos por organizações, pesquisadoras e pesquisadores, que apresentam a

crescente expansão dos territórios vulneráveis, seja na sua condição de

78

vulnerabilidade socioeconômica, climática ou ambiental, a autora constrói uma visão

integrada que dialoga com este trabalho.

É interessante que, em primeiro lugar, a pesquisadora aponta na etimologia da

palavra território a relação de domínio e poder, uma vez que:

[...] a palavra território provém de terra-territorium e terreo-territor

(terror, aterrorizar), expressando uma “dominação (jurídico-política) da

terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para

aqueles que, com essa dominação, ficam alijados da terra, ou no

“territorium” são impedidos de entrar (HAESBEAERT, 2004 apud

PARDO, 2019, p. 44).

A relação de domínio, poder e política se faz presente nos dois casos,

entendendo-se poder, não somente no sentido político, mas também no sentido de

dominação e apropriação de um espaço socialmente compartilhado (PARDO, 2019).

Em seguida articula a abordagem proposta por Milton Santos que,

reconhecendo a dimensão de poder e território adota o termo “território usado”,

utilizado como sinônimo de espaço geográfico. Santos (2000) define, portanto, o

espaço usado como o cenário onde as relações se estabelecem, tendo como valor

primordial sua dimensão coletiva e de igualdade de direitos.

Uma perspectiva do território usado conduz à ideia de espaço banal,

o espaço de todos, todo o espaço. Trata-se do espaço de todos os

homens, não importa suas diferenças; o espaço de todas as

instituições, não importa a sua força; o espaço de todas as empresas,

não importa o seu poder. Esse é o espaço de todas as dimensões do

acontecer, de todas as determinações da totalidade social (SANTOS,

2000 apud PARDO, 2019, p. 45).

Para estabelecer a relação entre território e vulnerabilidade, Pardo (2019)

busca nas diversas abordagens e disciplinas que discutem o conceito de

vulnerabilidade, principalmente a partir da década de 1980, definições que possam

ser aplicadas ao espaço urbano, em suas diversas territorialidades e que classificam

um território como vulnerável. Empresta do quadro criado pela geógrafa Susan Cutter

(1996), em seu artigo Vulnerability to Environmental Hazards, que seleciona e resume

de forma cronológica, definições de vulnerabilidade que estruturam possíveis

articulações com a territorialidade.

79

Figura 36. Definições de Vulnerabilidade.

Fonte: Cutter, (1996, p.531-2).

O quadro de Cutter (figura 36) demonstra uma expansão do conceito,

abrangência e complexidade da vulnerabilidade, que parte da ameaça ou risco

inerente a um contexto específico ao qual pessoas estão expostas, para uma leitura

multidimensional que contempla elementos físicos, do território, sociais, econômicos,

ambientais e institucionais. Tais conceitos são ilustrados na figura 37, abaixo, por meio

de um gráfico produzido por Birkmann (2013) em sua obra Measuring vulnerability to

natural hazards.

80

Figura 37. Representação de Birkmann da escala e complexidade dos conceitos de vulnerabilidade.

Fonte: Birkmann, (2013. p. 39).

Para complementar a leitura sobre a relação entre vulnerabilidade e

territorialidade, Pardo (2019) identifica a proposta de três fatores que sintetizam a

origem da vulnerabilidade de acordo três autores de campos distintos: María Cleofé

Valverde (2017), no campo da engenharia ambiental urbana; Omar Cardona (2004),

no campo da engenharia sísmica; e William Adger (2006), no da geografia humanista:

- Fragilidade física ou exposição: é a condição de suscetibilidade que

tem a comunidade ou o indivíduo de ser afetado por estar em uma

área de influência aos fenômenos perigosos e pela sua falta de

resistência física ante os mesmos.

81

- Fragilidade social: refere-se à predisposição que surge como

resultado do nível de marginalidade e segregação social de

comunidades carentes e suas condições de desvantagem e fragilidade

relativa por fatores socioeconômicos.

- Falta de resiliência: expressa a incapacidade de resposta e suas

deficiências para absorver o impacto (PARDO, 2019, p. 55).

A autora conclui apresentando uma dupla leitura da perspectiva do termo

“vulnerabilidade social”: a dos “vulnerados”, em condição de um nível de escassez de

recursos, que os colocam na “armadilha” da pobreza, impossibilitados de se sustentar

e desenvolver no presente, e no futuro; e, a dos “vulneráveis”, em uma situação de

alta probabilidade da deterioração de suas condições de vida, ainda não

materializada, mas no horizonte de um futuro próximo, a partir das condições de

fragilidade que as afeta (PARDO, 2019).

A possibilidade de ser mais, ou menos cidadão depende, em larga

proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem

a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo

momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhe

são teoricamente devidos, mas que lhe faltam (SANTOS, 2012 apud

PARDO, 2019, p. 58).

De fato, parece ser importante observar, na leitura dos territórios vulneráveis, e

das condições de vulnerabilidade, uma diferença entre a ideia de habilidade e a de

capacidade como potencialidade. As habilidades inerentes a cada pessoa

estabelecem limites circunstanciais de desenvolvimento de recursos próprios para

lidar com situações difíceis, e que podem ser aprimoradas. As capacidades como

potencialidade, por sua vez, não são apenas as habilidades de cada pessoa, mas

principalmente a liberdade e as oportunidades proporcionadas pelo conjunto destas

habilidades pessoais, do ambiente político, social e econômico (NUSSBAUM, 2011).

Desta maneira, a vulnerabilidade emerge da negação pelas estruturas políticas,

sociais e econômicas, do acesso para população a um ambiente propício ao exercício

de suas potencialidades, permitindo caminhar em direção a prosperidade. O bloqueio

e a negação deste acesso adquirem muitas formas, mas uma das mais insidiosas e

perversa é a marginalização: tornar as pessoas invisíveis, sem voz nas decisões que

afetam suas vidas, destituindo o conhecimento local e informal (WISNER, 2016).

O território, o ambiente que se define a partir dos múltiplos fatores e condições,

pode resultar em perigo ou oportunidade, a depender da ativação ou não das

82

capacidades e potencialidades, como indicado no gráfico elaborado por Wisner,

Gaillard e Kelman (2012, figura 37).

Figura 38. O Círculo de Capacidades.

Fonte: Wisner; Gaillard; Kelman, (2012, p. 28).

83

Figura 39. Cemitério de comunidade rural, Município de Arari, Maranhão, 2018.

Fonte: acervo do autor.

Como disse Gandhi, os pobres do mundo não podem ser ajudados

pela produção em massa, mas apenas pela produção pelas massas.

O sistema de produção em massa, baseado em tecnologias

sofisticadas, altamente capital intensivas, dependentes de entrada de

energia, e redutoras da demanda do trabalho humano, pressupõe que

você já seja rico, pois uma grande quantia de investimento de capital

é necessária para estabelecer um único posto de trabalho. O sistema

de produção pelas massas mobiliza os recursos inestimáveis

pertencentes a todo ser humano, sua inteligência e habilidades

manuais, e dá suporte a elas com ferramentas de primeira classe. A

tecnologia de produção em massa é intrinsecamente violenta,

ecologicamente prejudicial, autodestrutiva pelo uso de recursos não

renováveis, e estupidificante ao ser humano (SCHUMACHER, 2010,

p. 163).

Um dos maiores desafios ambientais globais é o crescimento dos centros

urbanos. As cidades são os maiores polos de consumo energético do planeta,

concentrando cada vez maiores populações. Sabe-se que ocupam apenas de 2% a

3% do território do planeta, abrigam pouco mais de 50% da população, e consomem

de 60 a 80% da energia e dos recursos naturais globais, sendo responsáveis por

aproximadamente 70% das emissões de CO2 (KAMAL-CHAOUI; ROBERT, 2009).

84

À medida que mais pessoas se tornam moradoras urbanas, maior o potencial

de geração de riqueza, desenvolvimento e consumo, com maior demanda por energia

e consumo de recursos. Apesar de muitas cidades desenvolverem esforços para

diminuir a sua pegada de carbono, as emissões urbanas seguem em uma trajetória

crescente, e a população mundial está cada vez mais vulnerável aos efeitos das

alterações climáticas, consequência do aquecimento global.

Muitas cidades são especialmente sensíveis ao aumento dos níveis do mar,

com potencial impacto de migração e estresse nos sistemas de abastecimento de

água, gestão de resíduos e segurança alimentar. Sem investimento na resiliência

urbana, os efeitos das alterações climáticas vão condenar cada vez mais famílias à

pobreza e até à perda da vida (WORLD BANK, 2016).

O nível de emissões de carbono é uma das principais preocupações para as

cidades no mundo desenvolvido e, também, um sério problema para as cidades em

crescimento nos países de renda média, especialmente na América Latina e na Ásia.

O desafio exige inovação em termos de eficiência energética e reinvenção dos estilos

de vida sustentáveis. Qualquer esforço consistente e sério para mudar o

comportamento urbano colocará a temática da infância e de gênero no centro do

debate em torno do clima (UNICEF, 2018).

A Arquitetura e o Desenho Urbano Sustentável podem ser entendidos como

campo que se manifesta na intersecção entre a natureza e a cultura, ou seja, que

proporciona uma relação de equilíbrio de conceitos, demandas e considerações sobre

o ambiente construído e o natural (HAGAN, 2001). Pode-se definir, portanto, três

vertentes principais de desenvolvimento do projeto e intervenção sustentável:

1. Determinismo ambiental;

2. Equilíbrio entre parâmetros ambientais e culturais (agenda contextual +

agenda ambiental);

3. Manutenção de agenda arquitetônica e urbana com incorporação da

agenda ambiental (não há mudança na expressão e é confrontada pelo

alto valor de energia embutida dos materiais, impacto e perda de

identidade cultural local em detrimento de uma visão globalizada).

Podemos considerar o desenvolvimento e a aplicação de estratégias

arquitetônicas e urbanísticas que, baseadas nas condições ambientais e culturais de

85

cada contexto, promovam equidade e qualidade de vida a partir de uma matriz circular

que não produza resíduos e de uma abordagem participativa. Neste sentido a matriz

vernacular proposta por Victor Papanek (1995) traz elementos que enfrentam a

complexidade do desafio humano e urbano de nossa atualidade.

Figura 40. Matriz gráfica vernacular proposta por Victor Papanek.

Fonte: Papanek, (1995, p. 136).

Considera-se como determinantes na elaboração de projetos arquitetônicos e

urbanos voltados para uma visão socioambiental em busca da sustentabilidade, os

seguintes pontos:

1. Em primeiro lugar é imprescindível o conhecimento do contexto, suas

condições ambientais, sociais e culturais. Suas potencialidades

comunitárias e capacidades de colaboração. Levantamento de dados

físicos a produção de uma cartografia multidimensional, com distintos

temas e objetivos. A produção desta cartografia é elemento de

relevância para um diagnóstico territorial e processo inicial de

elaboração de um desenho de requalificação do território com hierarquia

de metas.

86

2. Em segundo lugar a consideração das seguintes variáveis: uso de

técnica apropriada, interpretação do clima, análise do local, tipologia,

objetivos, bem como as novas tecnologias de modo a integrá-las como

componentes ativos.

3. O uso de modelos de simulação para aprimorar e verificar a performance

do sistema territorial socioambiental do projeto que proporciona a

representação multidimensional simplificada da estrutura e a descrição

dos sistemas do projeto.

Em todos estes pontos, a deliberação intelectual no processo da criação deve

se empenhar em incluir todos os possíveis recursos – naturais, urbanos, humanos,

ambientais – constituindo, por meio da ferramenta projetual de desenho e processo

participativo, uma visão integradora para a qual a arquitetura e o urbanismo podem

dar contribuição relevante.

Não podemos subestimar a potencialidade da transformação do ambiente por

intermédio do desenho, baseado no princípio de uma visão da resiliência na

construção da sustentabilidade. As ferramentas do desenho urbano e do projeto

podem contribuir, substancialmente, no entendimento da proporção, das condições

mais adequadas de luminosidade, aeração e renovação de ar. Estas podem e devem

apoiar a elaboração de soluções de: microdrenagem urbana sustentável; moradia

adaptada para condições de habitabilidade; desenho de sistema ambiental da

paisagem considerando descontaminação do solo e das águas; retirada de lixo e

material plástico; infraestrutura mínima de saneamento; acesso universal a água

potável; energia a preços acessíveis; iluminação e rotas seguras; espaços de plantio

e paisagem comestível; horta comunitária; e, desenho de pavimento com hierarquia

preferencial para mobilidade ativa.

Além destes e outros elementos técnicos, a ferramenta do desenho pode apoiar

e qualificar a interlocução com técnicos de agências públicas de gestão urbana para

adaptação de normativas e exigências mínimas adaptadas para as realidades onde já

não existem, e nem se apresentam viáveis, as normativas vigentes.

Compreendemos, a partir das reflexões resultantes deste trabalho, que

estratégias projetuais de intervenção em territórios vulneráveis exigem envolvimento

e integração de múltiplos representantes e agentes de configuração e organização do

87

território. Os instrumentos projetuais, de diagnóstico e de desenho podem,

estrategicamente, contribuir para promover esta integração.

Para que se viabilize esta estratégia, é necessária a ação integrada e

transversal de cinco instâncias de classificação de agentes de mudança para que,

dessa maneira, se desenvolva um trabalho de impacto positivo, direto e imediato,

crescente e perene, a saber: 1. sociedade civil (pessoas físicas e organizações da

sociedade civil sem fins econômicos); 2. iniciativa privada (empresas, indústrias,

organizações da sociedade civil com fins econômicos); 3. comunidade (pessoas

físicas, associações, colegiados, coletivos pertencentes aos territórios); 4.

universidade (pesquisa, ensino, extensão e ação); 5. e finalmente, o poder público

(executivo, legislativo e judiciário).

Desta maneira propomos uma matriz de ação integrada das cinco instâncias

de agentes de mudança para promover intervenções que promovam a requalificação

dos territórios vulneráveis, reduzindo a desigualdade, na direção da sustentabilidade.

Figura 41. Matriz Pentagrama de ação integrada das cinco instâncias de agentes de mudança territorial.

Fonte: elaborado pelo autor, 2019.

88

Não tenho dúvidas de que é possível dar uma nova direção ao

desenvolvimento tecnológico, uma direção que o levará de volta às

reais necessidades da humanidade, e isso também significa: o

tamanho real dos seres humanos. O ser humano é pequeno e,

portanto, pequeno é bonito. Ir para o gigantismo é ir para a

autodestruição. E qual é o custo de uma reorientação? Precisamos

recordar que calcular o custo da sobrevivência é perverso. Sem

dúvida, um preço deve ser pago por qualquer coisa que valha a pena:

para redirecionar a tecnologia para que sirva a humanidade em vez de

destruí-la requer principalmente um esforço da imaginação e um

abandono do medo (SCHUMACHER, 2010, p. 169).

Figura 42. Comunidade rural, Município de Arari, Maranhão. Atuação do CPCD, com utilização de tecnologia social desenvolvida por Tião Rocha, 2018.

Fonte: acervo do autor.

O PARADOXO URBANO: Prosperidade e Iniquidade

O primeiro capítulo do documento Shaping urbanization for children: a

handbook on child-responsive urban planning, produzido pela UNICEF (2018),

apresenta uma análise da trajetória insustentável da urbanização no planeta e a

articula com os desafios do conceito de paradoxo urbano. Ao examinar as condições

89

atuais das cidades e o padrão de urbanização em termos de ritmo e escala, apresenta

três principais desafios para implementar e dar forma a uma urbanização sustentável:

1. O “negócio” inacabado das favelas: estima-se que atingimos o número

de 880 milhões de habitantes em favelas no planeta, número crescente

se comparado aos 750 milhões em 1996. Aproximadamente 300 milhões

são crianças. Estas crianças estão submetidas a múltiplas privações,

suas famílias não têm acesso à terra, habitação ou serviços básicos.

Sem direito à terra e segurança da posse, aqueles que vivem nas favelas

não tem voz. Simplesmente não aparecem no mapa, são invisíveis. O

relatório do Banco Mundial, intitulado Effects of the business cycle on

social indicators in Latin America and the Caribbean: when dreams meet

reality, aponta que o Brasil registrou um aumento da pobreza monetária

de aproximadamente 3% entre 2014 e 2017, o que significa que apenas

nestes três anos 7,4 milhões de pessoas foram adicionadas à condição

de pobreza (WORLD BANK, 2019).

2. A escala e o ritmo de previsão de processos de urbanização, sem

planejamento de investimentos: entre 2000 e 2030 está previsto, nos

países em desenvolvimento, um crescimento que irá triplicar o território

urbano a fim de acomodar uma população urbana, prevista para duplicar

(ANGEL; PARENT; CIVCO; BLEI, 2011). Países de renda baixa em

particular enfrentam uma rápida urbanização, com fraca economia e

quase nula capacidade institucional de investir no desenvolvimento

urbano. O Brasil já é eminentemente urbano, mas as migrações internas

e provenientes de movimentos de refugiados seguem ocorrendo em

intensidade crescente.

3. O desafio ambiental das cidades: as cidades são os maiores polos de

consumo energético do planeta, concentrando cada vez maiores

populações. Sabe-se que ocupam apenas 2% a 3% do território do

planeta, abrigam pouco mais de 50% da população, e consomem de 60

a 80% da energia e recursos naturais globais, sendo responsáveis por

aproximadamente 70% das emissões de CO2. (KAMAL-CHAOUI;

ROBERT, 2009). À medida que mais pessoas se tornam moradoras

urbanas, maior o potencial de geração de riqueza, desenvolvimento e

90

consumo, com maior demanda por energia e consumo de recursos.

Apesar de muitas cidades desenvolverem esforços para diminuir a sua

pegada de carbono, as emissões urbanas seguem em uma trajetória

crescente, e a população mundial está cada vez mais vulnerável aos

efeitos das alterações climáticas consequência do aquecimento global.

As pessoas migraram intensamente para as cidades ao longo das últimas

décadas, em um fluxo contínuo e crescente, e as razões fundamentais básicas não

mudam: acessar serviços e empregos, ter liberdade de pensar e fazer; buscar apoio

institucional e conforto, em um ambiente urbano seguro e saudável (UNICEF, 2018).

Há coerência na forma como as pessoas migram para cidades: encontrar um lugar

acessível para morar ao chegar, procurar emprego ou trabalho, trabalhar arduamente,

poupar dinheiro, construir um futuro e subir a escada social. Autoridades

governamentais locais e instituições compartilham a responsabilidade neste processo,

em vários graus: facilitam, ou às vezes impedem, o alojamento e abrigo dos recém-

chegados (SAUNDERS, 2011).

Na média, os moradores urbanos desfrutam de vantagens em diferentes

dimensões em comparação a moradores rurais: acesso e apoio de serviços de

assistência e sociais; oportunidades econômicas; estruturas sociais; mecanismos de

governança; ambiente urbano dinâmico; conectividade.

Para dar respostas ao crescimento urbano até 2030, deveríamos ser

capazes de construir, apenas nos países em desenvolvimento, uma

cidade de um milhão de habitantes por semana com unidades

habitacionais de 10 mil dólares, no melhor dos casos (ARAVENA apud

ARCHDAILY BRASIL, 2016, n.p.).

Considerando a história da urbanização e do desenvolvimento urbano, estas

aspirações podem levar a dois extremos – prosperidade e iniquidade –, um fenômeno

muitas vezes referido como paradoxo urbano (UNICEF, 2018). Este, por sua vez,

sintetiza a constatação de que a urbanização cria oportunidades, mas também traz

desafios que tornam seus habitantes vulneráveis. Em alguns casos, as cidades têm

maiores disparidades do que as comumente encontradas nas zonas rurais ou,

proporcionalmente, as redes de serviço podem abranger menos pobres urbanos do

que os pobres rurais (UNICEF, 2018).

Embora faltem dados consistentes sistematizados sobre as disparidades

intraurbanas globalmente, há desigualdade na maioria das distribuições e acesso à

91

riqueza urbana. Por essa razão, grupos dentro dos limites da cidade ou fora dos limites

geográficos municipais, em áreas periurbanas, são excluídos dos benefícios

potenciais que uma cidade oferece.

Esses habitantes marginalizados, geralmente classificados como pobres

urbanos, podem, eventualmente, ter uma renda mais elevada do que os pobres rurais,

mas, muitas vezes, precisam enviar parte dos recursos obtidos para as suas famílias,

partidas por esse êxodo em busca de mais oportunidade. Certamente, essas pessoas

se encontram muito abaixo dos ricos urbanos em termos de equidade. Formam

comunidades isoladas nas favelas, ocupações, assentamentos informais em

territórios intraurbanos ou nos arredores das cidades em crescimento, sem acesso

aos serviços e com acesso limitado ao mercado de trabalho formal.

Cidades prósperas investem em estruturas sociais, institucionais e espaciais

para garantir que a prosperidade, refletida pelas quatro dimensões das aspirações,

possa ser alcançada por todos os cidadãos (ver figura 42). As cidades e as sociedades

falham quando não abordam a equidade. Sem instituições fortes, redes sociais e de

saúde eficazes, distribuição de riqueza justa e um ambiente seguro e limpo para viver

e trabalhar, a desconfiança da população nas instituições cresce, aumentam as

disparidades, aumenta a violência e novos investimentos não ocorrem (UNICEF,

2018). Quando o poder público se ausenta, um novo poder se estabelece nos

territórios; desregulado, intimidador e violento.

A urbanização é um fenômeno que pode ser planejado, financiado e gestado

de forma integrada, para responder às aspirações e assegurar os direitos dos

cidadãos. Quando há sucesso, as cidades caminham na direção da prosperidade para

todos. Quando o fracasso se impõe diante da desarticulação e perda de valores

fundamentais e responsabilidades, a prosperidade é reduzida a uma parte exclusiva

da população (UNICEF, 2018).

O quadro abaixo (figura 42) apresenta os vetores do paradoxo urbano (serviços

e economia; estruturas sociais; mecanismos de governança; e ambiente urbano),

contrapondo, em cada um, as oportunidades de geração de prosperidade com as

vulnerabilidades à iniquidade; e, demonstrando como cada vetor pode, em virtude da

abordagem e maneira de desenvolvê-lo, resultar em um ou outro extremo.

92

Figura 43. O paradoxo urbano.

Fonte: UNICEF, (2018, p. 14).

Como o paradoxo urbano tem sido enfrentado no contexto brasileiro

No contexto brasileiro, o desafio da promoção de uma urbanização inclusiva,

equitativa e próspera tem sido enfrentado de maneira pouco integrada e sem

efetividade por meio de políticas habitacionais que esbarram no limite da

judicialização; integração de instrumentos urbanos sem diálogo com a comunidade;

planos de intervenção urbana que não consideram participação e inteligência

comunitárias; fragmentação entre as ações do Estado e Município; desenvolvimento

metropolitano sem integração, sobretudo nas áreas limítrofes; ausência de

organização de micro demandas urbanísticas em unidades territoriais básicas de 30

a 35 hectares; planos regionais sem um estudo aprofundado de intersecções entre

bairros; e, com políticas de infraestrutura urbana que não dialogam com Planos

Diretores Estratégicos em seus apontamentos de desenvolvimento urbano

sustentável (COLETIVO CIDADE ADENTRO, 2019).

O gráfico que apresentamos abaixo (figura 43) relaciona o instrumento de

projeto à escala do edifício e da vizinhança como primeiro passo em um processo de

planejamento direcionado à uma cidade adequada ao desenvolvimento da infância,

para o desenho e gestão do espaço urbano; que se desenvolve em um segundo

passo, de uma visão na escala da cidade e caminha com instrumentos de

93

planejamento e desenho urbano até o terceiro passo; onde se transforma em política

pública de planejamento na múltiplas escalas de forma integrada.

Figura 44. Instrumentos para planejar, desenhar e gerir o espaço urbano em distintas escalas.

Fonte: UNICEF, (2018, p. 51).

Diante do panorama até aqui exposto, em especial no que tange à ação

integrada e transversal das cinco instâncias de classificação de agentes de mudança

como estratégia necessária de um trabalho de impacto positivo direto, imediato,

crescente e perene, com engajamento da sociedade civil (pessoas físicas e

organizações da sociedade civil sem fins econômicos); iniciativa privada (empresas,

indústrias, organizações da sociedade civil com fins econômicos); comunidade

(pessoas físicas, associações, colegiados, coletivos pertencentes os território);

universidade (pesquisa, ensino, extensão e ação); e finalmente, o poder público

(executivo, legislativo e judiciário), passamos ao próximo capítulo, com a

apresentação de uma análise e descrição das experiências que tivemos em incursões

de pesquisa nos seguintes territórios urbanos vulneráveis: bairro do Glicério, região

central de São Paulo; Jardim Lapenna, São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo;

Favela do Moinho, região central de São Paulo; Parelheiros, zona sul de São Paulo e

Arari no Maranhão.

94

Figura 45. Fotos dos territórios urbanos vulneráveis observados: bairro do Glicério, região central de São Paulo; Jardim Lapenna, São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo; Favela do Moinho, região

central de São Paulo; Parelheiros, zona sul de São Paulo e Arari no Maranhão.

Fonte: acervo do autor.

95

CAPÍTULO 6. ANÁLISE E LEITURA DE TERRITÓRIOS: QUADROS

EQUALIZADOS

A escolha dos territórios do Município de São Paulo aqui apresentados, se deu

em virtude de um levantamento inicial de condições de vulnerabilidade e presença de

percentual maior do que a média do município, de crianças e mulheres vivendo em

situações precárias e de informalidade territorial.

Este parâmetro se estabeleceu como prioritário a partir de meu envolvimento

com o trabalho da Fundação Bernard Van Leer, que em 2016 estava elaborando um

programa de atuação em cidade e primeira infância, o Urban95. Outro fator relevante

na escolha foi a necessidade de existência de um trabalho desenvolvido por alguma

organização da sociedade civil, possibilitando um contato mediado com a

comunidade.

O primeiro território, objeto de observação e análise, foi o bairro do Glicério, por

consequência de minha participação em projeto de avaliação das políticas públicas

territoriais de primeira infância empreendidas pelo programa SP Carinhosa da

Prefeitura do Município de São Paulo, na gestão ocorrida entre os anos de 2013 a

2016.

Os dois territórios seguintes foram Parelheiros, que tem atuação do IBEAC

(Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário) e do CPCD (Centro Popular de

Cultura e Desenvolvimento) com apoio da Fundação Bernard Van Leer; e, o Jardim

Lapenna, que tem a presença de infraestrutura física e recursos humanos da

Fundação Tide Setúbal no território. Estes territórios foram definidos a partir do plano

de ação que apresentamos no programa de formação de Lideranças Executivas para

Primeira Infância, promovido pelo Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), do qual

participamos em 2017, com apoio da Fundação Bernard Van Leer.

A favela do Moinho se integrou às ações como parte do Projeto de Pesquisa

intitulado Cidade, Gênero e Infância, cooperação do Instituto Brasiliana com a

Universidade Presbiteriana Mackenzie, que foi contemplado no edital Urban95

Challenge, promovido pela Fundação Bernard Van Leer.

Arari foi uma feliz coincidência de uma oportunidade de colaboração como

designer em um projeto de Redes e Rotas Literárias do Instituto Cidade Escola

96

Aprendiz, com apoio da Fundação Vale. O Centro Popular de Cultura e

Desenvolvimento desenvolve um trabalho de transformação do território e da

comunidade no Município de Arari, e desta maneira visitei a sede do projeto.

Para estabelecer uma compreensão e definir uma caracterização equivalente

dos territórios, este trabalho propõe um primeiro quadro (figura 45), com quatro

parâmetros sintetizadores das reflexões apresentadas, aplicados aos cinco territórios

em questão:

1. como o crescimento acelerado, a desigualdade e a informalidade afetam

as condições existentes;

2. qual a situação na perspectiva de gênero e infância;

3. como se articulam saberes formais e informais;

4. questões de sustentabilidade.

Em seguida, um segundo quadro (figura 47) analisa os territórios a partir das

ações neles empreendidas, observando a integração, ou não, das cinco instâncias de

participação e engajamento de agentes de mudança.

Todos os territórios enfrentam desafios de superar o problema de gestão

ambiental, com questões de drenagem, acesso à água potável e saneamento, quase

nenhuma oferta de alimentos frescos, habitações insalubres, lixo e enchentes (a

exceção de Parelheiros e Arari para esta última questão).

Em todos os territórios do Município de São Paulo estes problemas são

persistentes há muito tempo e tendem a se intensificar com a deterioração das

estruturas existentes, ausência de manutenção e falta de programas eficazes. Há,

ainda, intermitentes fluxos migratórios.

Prevalecem situações de mulheres como arrimo de família, com crianças

pequenas, alta incidência de gravidez na adolescência, insegurança e violência de

gênero naturalizada. Comunidades, em geral, com um bom grau de mobilização,

apoiadas por organizações da sociedade civil.

Podemos constatar a partir da leitura do segundo quadro (figura 47) que o

engajamento e participação direta da iniciativa privada é praticamente nulo nas ações

analisadas. Esta é uma lacuna preocupante, pois demonstra falta de capacidade de

mobilização e de responsabilidade deste setor.

97

Em todos os casos a participação de organizações da sociedade civil, atuantes

no território é muito relevante. Em quatro das cinco ações observadas, as

organizações da sociedade civil são as executoras e proponentes em uma articulação

com a comunidade, fato este muito importante para a implementação de seus

objetivos.

No caso das Universidades, o engajamento se dá por intermédio de projetos

de pesquisa que tem seu objeto presente no contexto territorial, bem como iniciativas

de ação voluntária. São raros os casos de um engajamento de ação de extensão

continuada, algo que teria certamente um impacto positivo, tanto para a comunidade

e território, quanto para os estudantes, pesquisadores e para a própria instituição. Há

muito campo nesta articulação para se desenvolver.

No caso do Jardim Lapenna a participação da equipe do Centro de Política e

Economia do Setor Público da Faculdade Getúlio Vargas (CEPESP/FGV) foi decisiva

para o sucesso do desenvolvimento do Plano de Bairro Participativo, bem como na

articulação de comunicação com os diversos níveis de burocracia existentes na

gestão pública.

Há, ainda assim, o grande desafio de superar os processos altamente

burocratizados, sem muita transparência, para execução do orçamento conquistado

para aplicação no território. Esta questão pode levar ao fracasso da iniciativa, uma

vez que no âmbito do poder público há uma dispersão de demandas e a interferência

de interesses alheios à requalificação dos territórios vulneráveis. É preciso que o

poder público atue para favorecer a viabilidade de execução de propostas e projetos

já aprovados no orçamento orgânico do Município, e não apenas assista impassível a

inviabilidade dos investimentos nos microterritórios.

Há um outro grande impasse nos territórios informais que ocupam áreas cujo

enquadramento é de zona de preservação e manancial, e/ou de ocupação irregular.

O poder público e as agências estaduais e municipais não se mobilizam com a

necessária contundência para desenvolver adaptações às normativas, que permitam

legalmente a alocação de recursos públicos aos territórios em questão, de maneira

integrada e simplificada.

Neste sentido, o segundo quadro (figura 47) demonstra a dificuldade de

articulação e ação transdisciplinar e integrada das instâncias internas da gestão

98

pública, o que acaba abrindo espaço para a instalação de um poder paralelo, que

passa a controlar a gestão do território, explorando os serviços e o parcelamento ilegal

do solo como forma de ganho financeiro.

A leitura dos quadros (figuras 45 e 47) permite constatar que há

vulnerabilidades, precariedades e má qualidade ambiental e de vida em todos os

territórios, com variações de densidade populacional. Todos os territórios que estão

no contexto urbano de São Paulo têm, em maior ou menor intensidade, o domínio de

um poder paralelo e pouca presença do poder público, à exceção dos sistemas de

saúde, assistência e educação, insuficientes, mas presentes, e com desafios de

qualidade.

99

Figura 46. Quadro comparativo equalizado de caracterização do território.

Fonte: elaborado pelo autor, 2019.

100

Figura 47. Fotos dos territórios urbanos vulneráveis observados: bairro do Glicério, região central de São Paulo; Jardim Lapenna, São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo; Parelheiros, zona sul de

São Paulo; Favela do Moinho, região central de São Paulo; e Arari no Maranhão.

Fonte: acervo do autor.

101

Figura 48. Quadro comparativo equalizado de presença das cinco instâncias em ações diretas no território.

102

Fonte: elaborado pelo autor, 2019.

103

CAPÍTULO 7. ARTICULAÇÃO DAS CINCO INSTÂNCIAS

Para substanciar um pouco mais a leitura dos quadros e as análises

decorrentes, a seguir apresentamos uma descrição do processo de avaliação da

política pública para primeira infância empreendida pelo Município de São Paulo, o

Programa SP Carinhosa, especificamente no âmbito do território do Glicério; seguida

de uma descrição do processo de desenvolvimento do Plano de Bairro Participativo

no Jardim Lapenna, zona leste de São Paulo; e, finalizamos com uma descrição do

trabalho desenvolvido pelo CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento) em

Arari, no Maranhão, a Estação do Conhecimento.

É possível observar quais as articulações e integrações existentes, ou não, das

instâncias de agentes de transformação do território, e relacionar com as reflexões

apresentadas neste trabalho.

104

Glicério

Figura 49. Vista do Glicério, São Paulo, 2017.

Fonte: acervo do autor.

O Bairro do Glicério, no centro da cidade de São Paulo, foi objeto de ação

coordenada específica do Programa SP Carinhosa. Este programa foi criado por meio

do Decreto Municipal n° 54.278 de 28 de agosto de 2013, como política municipal para

o desenvolvimento da primeira infância, juntamente com o seu comitê de gestão.

Previu, na sua criação, a ação articulada ao programa federal Brasil Carinhoso e ao

Plano Nacional de Primeira Infância, priorizando territórios de grande vulnerabilidade

social em busca da redução das desigualdades socioterritoriais com foco no

desenvolvimento da primeira infância.

105

A pesquisa intitulada Infância e Violência: cotidiano de crianças pequenas em

favelas e cortiços de São Paulo desenvolvida pelo CAES (Centro de Análises

Econômicas e Sociais da PUC-RS) coordenada pelo Prof. Dr. Hermílio Santos e

financiada pela Fundação Bernard van Leer e pelo Instituto Alana, sobre violência

contra a infância (direta e indireta) em territórios vulneráveis (cortiços e favelas) no

Município de São Paulo, que também foi desenvolvida no Rio de Janeiro e Recife,

reuniu dados alarmantes sobre a vulnerabilidade da infância nos bairros de grande

incidência de cortiços, tendo o Glicério sido um território inicialmente definido para a

pesquisa, porém inviabilizado pela condição de violência e controle paralelo ao poder

público.

Desta maneira, com base nos dados levantados pela referida pesquisa e por

indicadores de vulnerabilidade social, o Programa SP Carinhosa, sob a liderança da

Profa. Dra. Ana Estela Haddad, definiu o Glicério como objeto de ação coordenada

específica, além das outras ações intersetoriais do programa que atingiram o

Município como um todo em uma política púbica intersetorial voltada ao

desenvolvimento da primeira infância.

No que diz respeito à apropriação e qualificação do espaço urbano no Glicério,

o programa atuou para ampliar e intensificar a gestão local de resíduos sólidos, um

problema de saúde e limpeza que impacta na eficiência e funcionamento do sistema

de drenagem, contribuindo para a proliferação de doenças, eventos de alagamentos

e enchentes. Implementou a Viradinha Cultural, com atividades voltadas para crianças

no espaço público; promoveu a ampliação e formação específica de agentes

domiciliares de saúde para o atendimento de mães, bebês e gestantes; facilitou o

trabalho de organizações da sociedade civil conveniadas ou não, de apoio ao

desenvolvimento da infância.

O programa apoiou, ainda, a ação no território da Cria Cidade, ONG liderada

pela arquiteta Nayana Brettas que, em cooperação com a Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, sob liderança da Profa.

Denise Xavier, realizou um conjunto de atividades entre alunos da faculdade de

arquitetura e crianças da comunidade, ocupando o espaço público, intervindo com

murais e pinturas em muros, mobiliário infantil no acesso à escola EMEF Duque de

Caxias. Intervenções estas que resultaram em um processo participativo para a

elaboração de um projeto de desenho da Praça José Luis de Mello Malhei, que foi

106

aprofundado pelo grupo da Faculdade Belas Artes e doado ao Município de São

Paulo.

De modo complementar, o Programa SP Carinhosa solicitou relatório de

condições de mobilidade e conservação do trajeto entre a praça e as escolas locais

para a CET (Companhia de Engenharia e Tráfego), identificando problemas e

necessidades de adequação, e ao mesmo tempo dirigindo limpeza e reparos.

Até o término da gestão, o Programa SP Carinhosa buscou os caminhos para

realização da obra, sem sucesso diante da complexidade administrativa, orçamentária

e burocrática e da desarticulação do desenho específico da praça a uma visão

territorial integrada do bairro, de seu desenho e possibilidades de redesenho, que

pudesse inclusive indicar outra praça melhor articulada aos fluxos das crianças, com

menos incidência de fluxo viário intenso.

Em 20 de abril de 2016, a Fundação Bernard Van Leer efetivou o apoio de um

projeto de avaliação da política pública da Primeira Infância SP Carinhosa no território

do Glicério. O Instituto Brasiliana operacionalizou o projeto, firmou termo de

cooperação técnica com a Prefeitura do Município de São Paulo e contribuiu com a

análise de aspectos urbanos. A coordenação geral da avaliação foi realizada pela

Profa. Dra. Ana Estela Haddad, com participação da equipe do programa. O Centro de

Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) foi

contratado para parte substancial da avaliação, um aprofundamento do olhar sobre a

política pública proposta, sua estruturação e condição dentro do organismo público

que gere a cidade, seus processos.

Esta avaliação de processo das ações da Política Municipal SP Carinhosa,

voltada para proteção integral das crianças de 0 a 6 anos incompletos, em particular

sobre as intervenções realizadas na área do Bairro Glicério, no município de São

Paulo, elaborada pelo CEM (Centro de Estudos da Metrópole), sob a coordenação da

pesquisadora Renata Bichir (CEM/USP), indicou alguns desafios:

1. como definir o desenho e a coordenação da política: desafios

da intersetorialidade e da transversalidade;

2. como delimitar e estabelecer contato com o território foco da

política;

107

3. replicação das políticas: desconfie de modelos ideais,

recomendações para adaptação e aderência de experiências

em outros contextos (BICHIR, 2016, p. n.p.).

Apresenta uma lista de aspectos a serem considerados na implementação de

políticas como a SP Carinhosa em espaços da cidade:

a) Realização de estudos diagnósticos, combinando estratégias

quantitativas e qualitativas;

b) definição e comunicação dos objetivos prioritários da

intervenção e seus prazos de execução;

c) considerar a combinação de arranjos formais e informais na

coordenação;

d) garantir fluxos constantes de comunicação entre os vários

níveis da burocracia e entre esses e os atores locais;

e) apostar no envolvimento de burocracias com alta capilaridade

nos territórios, potencializando sua ação;

f) estruturação mais flexível dos recursos humanos necessários;

g) monitoramento e avaliação das ações planejadas (BICHIR,

2016, n.p.).

Um aspecto das constatações especificamente articulado ao território, é o

conflito que se estabeleceu entre poder público e uma organização da sociedade civil

sem fins econômicos, a Cria Cidade. Como a ONG estava presente e possuía forte

vínculo com parte da comunidade, principalmente crianças e famílias residentes em

cortiços, em vários momentos moradores associaram a ação do Programa SP

Carinhosa ao trabalho da Cria Cidade, mas efetivamente não houve nenhum tipo de

associação ou cooperação além de apoio (BICHIR, 2016).

Muitas vezes é difícil dar visibilidade ao trabalho de política pública, como por

exemplo a ação de agentes comunitárias de saúde nas visitas domiciliares orientadas

e capacitadas para cuidados da primeira infância e das mulheres. E as ações visíveis,

como um evento comemorativo, ou a linda Viradinha Cultural acabam se tornando

efêmeros por sua ocorrência eventual, não periódica, articulada apenas a uma ação

de transformação.

Ao mesmo tempo, sem um fluxo de comunicação entre comunidade e gestores

públicos, os processos têm pouca chance de adesão e pode se comprometer a

eficácia e o impacto de ações mais diretas de transformação do espaço do território.

Sobrepõe-se a esta questão o fato de o orçamento público ter processos altamente

108

burocratizados, e sem muita transparência, de como executar um orçamento

conquistado para aplicação no território.

O desafio de um olhar integrado no âmbito da gestão pública é de enormes

proporções em um sistema político de coalizão, que negocia Secretarias para políticos

que não se alinham aos objetivos e projetos da gestão. E quando muda a gestão? A

expectativa de que o poder público deve sozinho cumprir com sua obrigação de servir

ao interesse público gera constante desilusão em um território cuja vulnerabilidade

persiste, e as condições urbanas e ambientais são tão desfavoráveis ao acesso a uma

qualidade urbana adequada à vida.

O desenho urbano, a partir de uma cartografia primária, cruzando com bases

existentes, em um processo participativo de visão para o desenvolvimento do lugar,

com a comunidade que vive na condição de vulnerabilidade, é um instrumento indutor

de integração, e pode colaborar como meio de engajar as cinco instâncias de agentes

de transformação.

O interesse público, a coletividade, a eliminação das iniquidades, e um

ambiente próspero e sustentável deve ser meta e plano de todos os agentes de

transformação, que podem, enquanto sociedade, criar e aprimorar mecanismos de

viabilização deste plano comum.

109

O plano de bairro participativo, a experiência no Jardim Lapenna

Figura 50. Folheto de convocação do Plano de Bairro Participativo.

Fonte: Colegiado Jardim Lapenna

110

REP

Gilberto Gil, 1994

O povo sabe o que quer

Mas o povo também quer o que não sabe

O povo sabe o que quer

Mas o povo também quer o que não sabe

O que não sabe, o que não saberia

O que não saboreia porque é só visão

E tão somente cores, a cor do veludo

Ludo, luz, brinquedo, ledo engano, tele

Teletecido à prova de tesoura

Que não corta, não costura, que não veste

Que resiste ao teste da pele, não rasga

Nunca sai da tela, nunca chega à sala

Que é pura fala, que é beleza pura

É a pura privação de outros sentidos tais

Como o olfato, o tato e seus outros sabores

Não apenas cores, mas saliva e sal

Veludo em carne viva, nutritiva

Não apenas realidade virtual

Veludo humano, pano em carne viva

Menos realce, mais vida real

O povo sabe o que quer

Mas o povo também quer o que não sabe

O povo sabe o que quer

Mas o povo também quer o que não sabe

O que não sabe, o que não saberia

Porque morreria sem poder provar

Como provar a pilha com a ponta da língua

Receber o choque elétrico e saber

111

Poder matar a fome é pra quem come, é claro

Não apenas pra quem vê comer

Assim feito a criança pobre esfarrapada

Come feijoada que vê na TV

Essa criança quer o que não come

Quer o que não sabe, quer poder viver

Assim como viveu um Galileu, um Newton

E outros tantos muitos pais do amanhã

Esses que provam que a Terra é redonda

E a gravidade é a simples queda da maçã

Que dão ao povo os frutos da ciência

Sabores sem os quais a vida é vã

O povo sabe o que quer

Mas o povo também quer o que não sabe

O povo sabe o que quer

Mas o povo também quer o que não sabe

A lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, criou uma série de

instrumentos que permitem que as cidades promovam o desenvolvimento urbano,

sendo o principal o Plano Diretor Estratégico (PDE). Este instrumento articula a

implementação de ações de planejamento participativo e define uma série de outros

instrumentos urbanísticos que tem, entre seus principais objetivos, a finalidade de

enfrentar a especulação imobiliária e implementar processos de regularização da

terra.

O Plano de Bairro Participativo é um dos instrumentos de estratégia de ação

do governo federal, de microplanejamento, e foi incluído no Projeto de Revisão do

Plano Diretor Estratégico Municipal de São Paulo (PDE-PL 688/13, artigo 118), bem

como em outros planos de municípios do Brasil.

O Plano Diretor Estratégico de São Paulo reafirma a gestão democrática como

um direito da sociedade. Indica que, nos Planos de Desenvolvimento de Bairro,

metodologias participativas devem ser utilizadas para assegurar a colaboração da

sociedade em todas as etapas de sua elaboração, considerando-se a identificação de

diferentes demandas urbanas, sociais e ambientais por meio de:

112

Pesquisa de campo conduzida com moradores da vizinhança;

Análise de dados secundários produzidos por diferentes organismos de

investigação;

Análise de estudos existentes;

A utilização de metodologias participativas nas diferentes fases de

elaboração;

A utilização de abordagens interdisciplinares.

Deve também considerar, baseado na experiência que trabalhos

desenvolvidos neste campo têm demonstrado, o seguinte:

Processo de formação para a qualificação da participação comunitária

na elaboração do plano;

Formação do Conselho de Administração Local do Plano de Bairro

composto por representantes da comunidade e instituições;

Processos resilientes e intervenções de acupuntura urbana para

engajamento da comunidade ao plano.

Portanto, é de responsabilidade da administração municipal orientar, colaborar

em coordenação, e promover os Planos de Bairro na cidade, fortalecendo o

planejamento local, na perspectiva da descentralização da gestão urbana, controle

social e promover melhorias urbanas, ambientais, paisagísticas e habitacionais na

escala local por meio de ações, investimentos e intervenções pré-programados

articuladas ao orçamento público territorializado.

Esta é uma medida que estabelece a possibilidade de um caminho de

transformação e requalificação dos microterritórios, num cenário em que a recente

classificação da Rede Nossa São Paulo (2017), considerando o número de vezes que

um distrito aparece entre os piores 30 dos 28 indicadores avaliados pelo Mapa da

Desigualdade da Infância, indicou 26 piores distritos entre o total de 96 distritos do

município de São Paulo, em uma condição extremamente vulnerável. Há, também,

muitos outros territórios com bolsões de desigualdade e vulnerabilidade dentro de

todos os 96 distritos da cidade.

113

Figura 51. Crescimento do Jardim Lapenna entre 1958 e 2016.

Fonte: Plano de Bairro Jardim Lapenna, Cepesp-FGV.

Todos estes bairros classificados como altamente vulneráveis e de baixa ou

baixíssima qualidade de vida, requerem uma melhoria crítica para promover

condições mínimas de direitos civis e oportunidades de desenvolvimento para as

comunidades, especialmente para as mulheres grávidas, adolescentes grávidas e

crianças entre 0 e 6 anos de idade. Nesse sentido, o alinhamento com um plano de

desenvolvimento local – no caso do Plano de Bairro – focado no espectro urbano, é

estrutural e fundamental.

Ao longo de 2017 a parceria entre a Fundação Tide Setúbal e CEPESP/FGV

promoveu o desenvolvimento de um Plano de Bairro Participativo no Jardim Lapenna,

território localizado no setor leste da cidade de São Paulo, pertencente à área

administrativa regional de São Miguel Paulista.

Com a aprovação unânime na reunião do Conselho Participativo de São Miguel

em 07/11/2017, seguida de uma discussão no Conselho Municipal de Política Urbana

(CMPU) em 12/11/2017, o plano de vizinhança completou o ciclo para se tornar um

instrumento oficial para melhorar as condições de vida da Comunidade.

114

De acordo com o relato de Ciro Biderman (CEPESP/FGV, 2018), o trabalho

realizado durante 2017 forneceu uma base de evidências sobre como implementar o

instrumento do Plano de Bairro Participativo e confirmou a expectativa de sua

validade. As microdemandas da sociedade podem promover uma mudança mais

significativa no bem-estar do cidadão do que grandes intervenções.

O Plano de Bairro Participativo se enquadra no conjunto de políticas de alto

impacto e baixo custo. Além disso, é uma política que tem seu impacto maximizado

na periferia. Ainda de acordo com depoimento de Biderman (2018), o Plano de Bairro,

se adequadamente implementado, representa uma oportunidade para a justiça

territorial, abrindo um espaço relevante para as áreas menos atendidas da cidade; e,

se realizado de forma efetivamente participativa, assegura que indivíduos com

demandas consistentes, mas sem acesso a um líder comunitário, possam ser ouvidos.

Figura 52. Jardim Lapenna, 2017.

Fonte: acervo do autor.

115

Figura 53. Jardim Lapenna, 2017.

Fonte: acervo do autor.

O processo de desenvolvimento e criação do Plano de Bairro permite que se

identifiquem as prioridades e as possíveis ações correspondentes a soluções para

atendimento das demandas comunitárias, com o potencial de estruturá-las como um

conjunto de ações que seja maior do que a soma de cada ação isolada.

A maneira tradicional de exigir serviços públicos transfere a responsabilidade

de intervenção e planejamento ao poder público, centralizado, deixando de lado a

possibilidade do desenvolvimento de estratégias locais de microplanejamento como o

Plano de Bairro; instrumento este capaz de mudar o bairro de maneira significativa e

perene, com mais chances de permanência e manutenção das conquistas, pois é um

processo transparente.

O Plano de Bairro Participativo permite aos moradores um engajamento

formador de cidadania, que participa e se apropria do território coletivo e não apenas

espera do provedor do estado que entregue suas demandas. Estabelece na totalidade

das ações, algumas que dependem apenas da própria comunidade.

116

Um Plano de Bairro Participativo, que efetivamente se desenvolva e elabore

com uma lógica coerente de participação e apropriação de cidadania, permite um

vislumbre de uma nova relação entre o poder público e o cidadão, a ser configurada

gradualmente por meio da concepção e implementação de uma política pública que

abre caminhos para definição e execução da infraestrutura urbana de uma forma

descentralizada, um processo participativo articulado com a política pública.

Figura 54. Jardim Lapenna, 2017.

Fonte: acervo do autor.

117

Figura 55. Jardim Lapenna, 2017.

Fonte: acervo do autor.

A intrínseca e indissociada necessidade de integrar o projeto urbano, o

desenho das demandas e diretrizes definidas no processo de Plano de Bairro

Participativo, territorializando o conjunto geral em um desenho que permita um

processo de implementação coerente e não suscetível a definições de ações iniciais

não prioritárias pelo poder público, que sem este desenho urbano integrado e

completo, fica livre para definir os investimentos em função de uma agenda política

publicitária de maquiagens urbanas pontuais é muito importante como ferramenta e

estratégia de formulação do próprio conjunto de demandas e da apropriação pela

comunidade do desenho do espaço onde vive, sem a qual o plano de bairro corre o

risco de não se concretizar nas ações de intervenção no território, pela ausência de

um domínio cartográfico e do redesenho urbano.

118

Arari: Estação do Conhecimento

Figura 56. Estação do conhecimento, Arari, Maranhão, 2018.

Fonte: acervo do autor.

Um dos braços do trabalho nosso aqui, dentro dessa linha da

agroecologia aqui é a permacultura, e dentro da permacultura o que a

gente reforça muito nas comunidades e trabalha aqui dentro, que é

trabalhar com as 3 éticas, que a primeira a ética da permacultura é

cuidar da terra, cuidar do planeta, qual que é a importância de cada

árvore que se planta, de cada animal que se preserva, do solo que a

gente utiliza, o destino das fezes da gente, que de certa forma interfere

na qualidade do solo e na vida desse planeta; a segunda é cuidar das

pessoas, então a gente tem trabalho de roda onde a gente cuida dessa

discussão, da importância das meninas, das mulheres, do cuidado

com a vida, dessa história do nascimento dos meninos, das gestantes,

é a gente tem um trabalho voltado muito pra essa história da saúde, e

o terceiro é a partilha do excedente, quando a gente fala partilhar o

excedente é quando o agricultor lá na roça produziu muito arroz e ele

não tem demanda, ele disponibilizar a semente ou recurso pro vizinho

e até mesmo do conhecimento, às vezes o excedente não é uma coisa

física né, mas é algo que já foi aprendido e que possa ser passado

pras outras pessoas, então a gente trabalha muito com essa troca de

informação, e nas oficinas, então quando a gente passa de porta em

porta, convocando as pessoas, a gente sempre faz uma perguntinha:

o que você gostaria de aprender e o que você tem pra ensinar, e isso

se transforma em oficinas que desenvolvem trabalho, então a gente

tenta cuidar da terra, cuidar das pessoas e partilhar tudo que sobra

dentro desse contexto do trabalho aqui da permacultura, dentro do

projeto e nas comunidades (BETINHO, 2018, n.p.).

119

O projeto desenvolvido pelo CPCD no Município de Arari, com apoio da

Fundação Vale, iniciado há aproximadamente três anos, propõe a estruturação de

uma Estação Conhecimento, que é apresentada pelo CPCD (s.d., n.p.) com a seguinte

conceituação e descrição geral:

Uma Estação Conhecimento deve ser sempre um “lugar” inserido num

“território” natural e humano que o abriga, um “lugar” onde se inicia

como “um ponto de partida” ou como uma “parada estratégica”,

visando produzir todos os “conhecimentos” necessários – no presente

do presente e no presente do futuro – para que este “território” e a

“comunidade” que o formam seja um lugar sustentável e humanizado,

para todos, para sempre.

O eixo da sustentabilidade comparece articulando comunidade e território, para

transformação das condições de vulnerabilidade presentes em campo próspero

permanentemente.

Então, propomos que a Estação Conhecimento de Arari seja,

conceitual e concretamente, este “este lugar, usina-geratriz de

incubadoras sociais e tecnológicas, fonte permanente de

conhecimentos dos saberes, dos fazeres e dos quereres da

comunidade de Arari disponibilizados e que nos façam melhores –

mais humanos, mais dignos e mais solidários – para que a Vida seja

viável e sustentável, para todos, para sempre.

Em síntese na Estação Conhecimento de Arari deverão estar

presentes: (1) a Carta da Terra como princípio, (2) o Território como

ponto de partida e de chegada, (3) a diversidade cultural como riqueza,

(4) o aprendizado como meio, (5) a educação como fim, (6) o

desenvolvimento local e sustentável como causa, (7) a incubadora de

projetos como estratégia (CPCD, s.d., n.p.)

Define, a partir desta conceituação, sua metodologia e estratégia de

implementação, baseadas na tecnologia social que o CPCD desenvolve há mais de

trinta anos.

Ao definir a Estação Conhecimento como este lugar, “usina-geratriz de

conhecimentos dos saberes, dos fazeres e dos quereres em benefício

da comunidade de Arari”, significa transformá-la numa “usina de

Incubadoras Sociais e Tecnológicas”, comprometidas técnica e

eticamente com o desenvolvimento sustentável, pleno e integral, do

município de Arari. Neste sentido todas as incubadoras a serem

implementadas, ao longo dos anos, na Estação Conhecimento de

Arari, deverão se pautar pelas seguintes premissas e princípios

norteadores:

120

Gestão de Futuro: planejamento do futuro das incubadoras sociais e

tecnológicas (serviços, negócios e ofícios), construindo as “pontes”

necessárias com as necessidades-e-oportunidades no presente.

Impactos Positivos: investimento em novos modelos de serviços,

ofícios, produtos e negócios para impactos positivos, transformadores

e benefícios coletivos.

Lugares Humanizados: construção de novos modelos e práticas de

humanização e cuidados locais em educação, saúde e meio ambiente,

de longo prazo, para todos, para sempre.

Relações Duradouras: investimento em novos modelos de

relacionamento junto aos diversos segmentos comunitários para o

desenvolvimento local e sustentado.

Para além do Lucro: novo significado, novo cidadão e novo paradigma

para a solidariedade comunitária (CPCD, s.d., n.p.).

121

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 57. Comunidade rural, Arari, Maranhão, 2018.

Fonte: acervo do autor.

Esta dissertação buscou construir uma discussão sobre os modos como

arquitetas, arquitetos e urbanistas podem considerar intervir em territórios urbanos

vulneráveis, tendo em vista as perspectivas de gênero e infância.

Para tanto iniciou construindo um cenário com o qual a profissão se defronta

hoje: crescimento acelerado de territórios informais; crescente desigualdade social;

condições de desenvolvimento e qualidade de vida de crianças e adolescentes neste

122

contexto; ameaça às condições de sustentabilidade; e, riscos reais de colapso

ambiental, social e econômico. A atuação tradicional da profissão de arquitetura e

urbanismo se vê duramente desafiada.

Para análise deste cenário complexo, referências teóricas foram convocadas

principalmente para o entendimento do atual estado do debate sobre o tema: ao redor

do mundo, vários esforços vêm sendo empreendidos para pensar e atuar nas

condições de vulnerabilidade que afetam milhões de pessoas.

Neste trabalho destacamos, logo na introdução, o conjunto de publicações

editadas pelo Cooper Hewitt Smithsonian Design Museum: Design for the other 90%:

Cities (2011); Why Design Now? National Design Triennial (2010); By the People:

designing a Better America (2016); e, Design and Social Impact: A Cross-Sectoral

Agenda for Design Education, Research, and Practice (2010). Este conjunto de

trabalhos figura como exemplo de várias outras iniciativas que vêm sendo realizadas,

contribuindo para entendermos o grau de complexidade que o mundo contemporâneo

enfrenta hoje, em termos humanos e ambientais, e apontando para novas

possibilidades de emprego do raciocínio de projeto arquitetônico e urbanístico; desta

vez não emanando apenas dos especialistas, mas também, e talvez principalmente,

das comunidades que vivem em situação de vulnerabilidade e precariedade urbana.

No âmbito das pesquisas realizadas para este trabalho, a perspectiva do

gênero e da infância emergiram como uma dimensão que dá contornos mais reais,

mas, ao mesmo tempo, mais cruéis aos problemas advindos da vulnerabilidade. A

maioria que habita territórios vulneráveis são mulheres e crianças. Nestes territórios

as mulheres têm pouco, ou nenhum, acesso aos seus direitos reprodutivos; têm mais

filhos; e são, mais frequentemente, as únicas responsáveis por suas crianças.

Famílias assim constituídas caem em um ciclo de pobreza e vulnerabilidade que

contribui para a expansão dos territórios vulneráveis.

Procuramos, portanto, enfatizar nesta pesquisa os danos causados às crianças

por ausência de cuidados, dados objetivos que hoje a neurociência permite obter.

Alinhado com a perspectiva da Fundação Holandesa Bernard Van Leer, este trabalho

buscou corroborar a noção de que as intervenções que visam atender,

prioritariamente, crianças e mulheres têm um efeito de melhoria dos territórios para

todos.

123

O reconhecimento de importantes antecedentes na história recente das

aproximações da profissão à cultura popular e espontânea permitiu mapear algumas

passagens marcantes e fundadoras, como a criação do IPHAN, o pensamento de

Lucio Costa e o trabalho de Lina Bo Bardi, no âmbito brasileiro. No panorama

internacional, as experiências de Hassan Fathy, Hector Velarde e os inventários de

arquitetura popular em Portugal e na Espanha, ilustram as preocupações de

profissionais que se interessaram por estender os limites do pensamento projetual, e,

principalmente, aprender com as práticas informais.

Bernard Rudofsky (data) já questionava o distanciamento das pessoas em

relação a seus ambientes, promovido pelo pensamento racional aliado ao

desenvolvimento tecnológico. Questionava a crença na arquitetura singular e formal

como abordagem para os problemas da vida contemporânea, uma posição que serviu

de referência ao longo desta dissertação.

Indo adiante nestes questionamentos, foram discutidos alguns aspectos da

formação contemporânea na profissão, vis-à-vis dos problemas que chegam,

provindos dos territórios vulneráveis em rápida expansão. O desenho, a técnica e a

expertise formal desestabilizam-se, ganham novas formas, acontecem por meio de

procedimentos diferentes, com objetivos diferentes, quando articulados com novos

instrumentos: a escuta, a participação, o aprendizado de saberes informais, o

reconhecimento dos saberes provindos da experiência. Os objetivos do projeto

arquitetônico passam a levar em conta o fato de que não se pode mais solucionar um

problema criando outro. Não se pode solucionar um problema à custa da exploração

de pessoas ou de recursos naturais.

No capítulo dedicado à temática do território vulnerável e da urbanização

incompleta, dados de importantes relatórios mundiais são confrontados no sentido de

substanciar o entendimento dos riscos em que o mundo incorre hoje ao ignorar

questões urgentes como a vulnerabilidade, que atinge primordialmente mulheres e

crianças, além do meio-ambiente.

A caracterização da vulnerabilidade territorial, como se pretendeu mostrar aqui,

envolve dimensões sociais, geográficas, econômicas e políticas. A fragilidade e baixa

resiliência dos territórios físicos, e das pessoas que nele habitam, vão tornando cada

vez mais evidente que intervenções que visem enfrentar estes problemas devem

124

conter também várias dimensões. De outra forma, serão ineficientes a médio e longo

prazo.

Com isso em vista, foram propostas as condições a serem observadas na ação

em territórios vulneráveis, abordando: compreensão do contexto; análise precisa de

dados e seleção de técnicas adequadas; e, uso de modelos e verificações

preliminares. Não apenas isso, mas também a ação integrada das cinco instâncias

mencionadas, quais sejam elas – sociedade civil, comunidade, iniciativa privada,

universidade e poder público –, podem assegurar algumas condições imprescindíveis

para a implementação de ações efetivas e duradouras.

Os quadros apresentados neste trabalho mostraram os resultados das leituras

de cinco territórios vulneráveis visitados com a finalidade de verificação das

dimensões identificadas. Além de oferecerem um mapeamento que pretende auxiliar

futuras pesquisas na temática, permitiram identificar alguns aspectos interessantes.

Por fim, a construção desta pesquisa, contemplando as referências teóricas, os

dados fornecidos por importantes relatórios internacionais bem como as leituras e

discussões dos territórios organizadas nos dois quadros apresentados, pretendeu

oferecer uma contribuição a pesquisadoras e pesquisadores dedicados ao tema,

arquitetas, arquitetos e urbanistas engajados em ações em territórios vulneráveis, e

agentes das mais diversas áreas envolvidas nestas ações.

Neste momento primeiro da ação, como síntese cultural, que é a

investigação, se vai constituindo o clima da criatividade, que já não se

deterá, e que tende a desenvolver-se nas etapas seguintes da ação.

Este clima inexiste na invasão cultural que, alienante, amortece o

ânimo criador dos invadidos e os deixa, enquanto não lutam contra

ela, desesperançados e temerosos de correr o risco de aventurar-se,

sem o que não há criatividade autêntica.

Por isto é que os invadidos, qualquer que seja o seu nível, dificilmente

ultrapassam os modelos que lhes prescrevem os invasores.

Como, na síntese cultural, não há invasores, não há modelos

impostos, os atores, fazendo da realidade objeto de sua análise crítica,

jamais dicotomizada da ação, se vão inserindo no processo histórico

como sujeitos.

Em lugar de esquemas prescritos, liderança e povo, identificados,

criam juntos as pautas para sua ação. Uma e outro, na síntese, de

certa forma renascem num saber e numa ação novos, que não apenas

o saber e a ação da liderança, mas dela e do povo. Saber da cultura

125

alienada que, implicando a ação transformadora, dará lugar à cultura

que se desaliena.

O saber mais apurado da liderança se refaz no conhecimento empírico

que o povo tem, enquanto o deste ganha mais sentido no daquela.

Isto tudo implica que, na síntese cultural, se resolve – e somente nela

– a contradição entre a visão do mundo da liderança e do povo, com

o enriquecimento de ambos.

A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelo

contrário, se funda nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela

outra. O que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá a outra.

(FREIRE, 2019, p. 248).

126

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