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Luiz Fernando Framil Fernandes

AS ESTRATGIAS PARA O NEGCIO FUTEBOL: UM ESTUDO DE CASO DOS CLUBES DO RIO GRANDE DO SUL

Dissertao apresentada com vista obteno do grau de Doutor em Motricidade Humana na especialidade de Cincias do Desporto

Orientador: Doutor Carlos Jorge Pinheiro Colao

Jri: Presidente: Doutora Helena Margarida Nunes Pereira Vice-Reitora da Universidade Tcnica de Lisboa Vogais: Doutor Gustavo Manuel Vaz da Silva Pires Doutor Jos Pedro Sarmento Rebocho Lopes Doutor Carlos Jorge Pinheiro Colao Doutor Victor Manuel de Oliveira Maas Doutor Rui Jorge Brtolo Lara Madeira Claudino Doutor Alberto Reppold Filho

UTLUniversidade Tcnica de Lisboa Faculdade de Motricidade Humana 2009

Este trabalho dedicado a Elaine, Bruno e Carolina pelo amor, carinho, pacincia e apoio incondicional prestado ao longo destes anos.

UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA - FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA As Estratgias para o Negcio Futebol:

Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul

Agradecimentos

Expressam-se neste espao agradecimentos a todos aqueles que contriburam para que esta dissertao fosse concretizada, directa ou indirectamente.

Ao Professor Doutor Carlos Jorge Pinheiro Colao, apesar da distncia, pelo incentivo, disponibilidade, conhecimento e orientao.

Ao Professor Doutor Gustavo Pires, por ter possibilitado o passo inicial e o incentivo para que este estudo fosse realizado.

Professora Doutora Maria Tereza Cauduro, pelo sempre e incondicional apoio, quer como colega e amiga, quer como incentivadora.

Aos amigos e colaboradores da recolha de informaes, cujo auxlio facilitou a realizao do estudo: o Haroldo, no Grmio; o Elio e o Mauren, no

Internacional; o Conci, no Juventude; e o Marcelo, no Caxias. Sem a vossa mediao este trabalho teria ficado pelo caminho.

Ao amigo e parceiro Leandro Fleck, o Todinho, pela disponibilidade e ajuda em Portugal.

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Agradecimentos

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Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul

ndice GeralAgradecimentos-------------------------------------------------------------------------------- ii ndice Geral ------------------------------------------------------------------------------------- iii ndice de Figuras ------------------------------------------------------------------------------ vi ndice de Quadros ---------------------------------------------------------------------------- vii ndice de Quadros dos Anexos ---------------------------------------------------------- viii Introduo......................................................................................................... 1 CAPTULO 1 ...................................................................................................... 7 1. Problemtica................................................................................................. 7 1.1. Contextualizao do Problema ------------------------------------------------------ 8 1,2. Pergunta que desencadeia o Estudo--------------------------------------------- 16 1.3. Objectivos ------------------------------------------------------------------------------- 16 1.3.1. Objectivo Geral ............................................................................... 16 1.3.2. Especficos ...................................................................................... 16 CAPTULO 2 .................................................................................................... 18 2. Reviso da Bibliografia.............................................................................. 18 2.1. O Futebol Brasileiro e seu Contexto---------------------------------------------- 19 2.1.1. Caractersticas culturais do Futebol Brasileiro ................................ 19 2.1.1.1. A cultura organizacional no Futebol Brasileiro ......................... 21 2.1.1.2. O Futebol formado em bases locais ........................................ 27 2.1.2. O Futebol como Negcio ................................................................ 28 2.1.2.1. A Estrutura do Negcio Futebol................................................ 30 2.1.2.1. O clube ..................................................................................... 36 2.2 Estratgia --------------------------------------------------------------------------------- 43 2.2.1. Etimologia ....................................................................................... 44 2.2.2. Estratgia ........................................................................................ 46 2.3. Taxonomia - Classificao e Organizao do Estudo da Estratgia ---- 51 2.4. Os Elementos da Estratgia -------------------------------------------------------- 69 2.4.1. O Contedo Estratgico .................................................................. 75 2.4.2. O Processo Estratgico .................................................................. 79 2.4.3. O Contexto da Formao de Estratgias ........................................ 82 2.4.3.1. O conceito de Cultura Organizacional e os pressupostos tericos .............................................................................................................. 85

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ndice Geral

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Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul 2.4.3.1.1. Tipos de Cultura Organizacional ........................................... 87 2.4.3.2. A estrutura organizacional ........................................................... 91 2.4.3.3. Os campos organizacionais ......................................................... 93 CAPTULO 3 .................................................................................................... 96 3. Metodologia ................................................................................................ 96 3.1. A Natureza do Estudo ---------------------------------------------------------------- 97 3.2. A Estratgia de Pesquisa ----------------------------------------------------------- 99 3.3. A Determinao do Contexto de Estudo --------------------------------------- 100 3.3.1. Casos Escolhidos.......................................................................... 101 3.4.1.1. Grmio Futebol Porto Alegrense (Porto Alegre) ..................... 101 3.4.1.2. Sport Clube Internacional (Porto Alegre) ................................ 101 3.4.1.3. Esporte Clube Juventude (Caxias do Sul) .............................. 102 3.4.1.4. Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul (Caxias do Sul) ............................................................................................................ 102 3.4. Estratgias e Instrumentos de Recolha de Dados -------------------------- 102 3.5. Tratamento do Material Recolhido ----------------------------------------------- 103 3.5.1. A escolha da tcnica de Anlise ................................................... 104 3.5.2. A validao e garantia atravs da triangulao ............................ 104 3.5.3. A Apresentao dos Resultados ................................................... 105 CAPTULO 4 .................................................................................................. 107 4. Apresentao e Discusso dos Resultados .......................................... 107 4.1. Descrio dos Contextos Estudados -------------------------------------------- 108 4.1.1. Esporte Clube Juventude .............................................................. 108 4.1.1.1.O Clube: organizao, poltica e cultura. ................................. 110 4.1.1.2. O Entorno: Mercado, Legislao e Cultura do Futebol ........... 122 4.1.1.3. O Contedo Estratgico: a viso, o posicionamento e as estratgias ........................................................................................... 124 4.1.1.4. O Processo Estratgico: Planeamento, Processo Bsico, Agente Central e o Controle ............................................................................ 129 4.1.2. Grmio Foot-Ball Porto Alegrense ................................................ 132 4.1.2.1. O Clube: organizao, poltica e cultura ................................. 133 4.1.2.2. O Entorno: Mercado, Legislao e Cultura do Futebol ........... 140 4.1.2.3. O Contedo Estratgico: a viso, o posicionamento e as estratgias ........................................................................................... 146 4.1.2.4. O Processo Estratgico: Planeamento, Processo Bsico, Agente Central e o Controlo ............................................................................ 151 4.1.3. Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul ......................... 159 4.1.3.1. O Clube: organizao, poltica e cultura ................................. 162 4.1.3.2. O Entorno: Mercado, Legislao e Cultura do Futebol ........... 170 4.1.3.3. O Contedo Estratgico: a viso, o posicionamento e as estratgias ........................................................................................... 175 4.1.3.4. O Processo Estratgico: Planeamento, Processo Bsico, Agente Central e o Controle ............................................................................ 178

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ndice Geral

UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA - FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA As Estratgias para o Negcio Futebol:

Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul 4.1.4. Sport Club Internacional ................................................................ 182 4.1.4.1. O Clube: organizao, poltica e cultura ................................. 185 4.1.4.2. O Entorno: Mercado, Legislao e Cultura do Futebol ........... 194 4.1.4.3. O Contedo Estratgico: a viso, o posicionamento e as estratgias ........................................................................................... 200 4.1.4.4. O Processo Estratgico: Planeamento, Processo Bsico, Agente Central e o Controlo ............................................................................ 205 4.2. A formao de Estratgias nos Clubes de Futebol -------------------------- 212 4.2.1. Introduo ..................................................................................... 212 4.2.2. O Clube ......................................................................................... 215 4.2.3. O Entorno ...................................................................................... 229 4.2.4. O Contedo Estratgico ................................................................ 242 4.2.5. O Processo Estratgico ................................................................ 249 CAPTULO 5 .................................................................................................. 259 5. Concluses ------------------------------------------------------------------------------- 259 BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA ................................................................ 268 ANEXOS ........................................................................................................ 278 Anexo 1 - Guio das Entrevistas ------------------------------------------------------- 278 Anexo 2 Descrio das Entrevistas com Atores dos Clubes Estudados -- 279 Entrevista 1 ............................................................................................. 279 Entrevista 2 ............................................................................................. 288 Entrevista 3 ............................................................................................. 297 Entrevista 4 ............................................................................................. 316 Entrevista 5 ............................................................................................. 321 Entrevista 6 ............................................................................................. 333 Entrevista 7 ............................................................................................. 340 Entrevista 8 ............................................................................................. 352 Entrevista 9 ............................................................................................. 365 Entrevista 10 ........................................................................................... 373 Entrevista 11 ........................................................................................... 380 Entrevista 12 ........................................................................................... 390 Entrevista 13 ........................................................................................... 405 Entrevista 14 ........................................................................................... 420 Anexo 3 Planilhas de Informaes dos Peridicos ----------------------------- 432

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ndice Geral

UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA - FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA vi As Estratgias para o Negcio Futebol: Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul

ndice de FigurasFigura 1 - Os dois Aspectos da Estratgia ....................................................... 75 Figura 2 - Modelos de formulao e implementao da estratgia .................. 81 Figura 3 - Modelo Terico sobre os Elementos da Estratgia.......................... 98 Figura 4 - Tipos bsicos de desenho para Estudo de Caso ........................... 100 Figura 5 Organograma do Esporte Clube Juventude .................................. 112 Figura 6 - Endividamento em % do Patrimnio Lquido ................................. 117 Figura 7 - Investimentos no Centro de Treino ................................................ 118 Figura 8 - Base Estratgica do Esporte Clube Juventude .............................. 125 Figura 9 Conceito de Gesto Estratgica do Esporte Clube Juventude ..... 129 Figura 10 Mapa Estratgico do Grmio Foot-Ball Porto Alegrense ............. 149 Figura 11 - Organograma da Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias ....... 164 Figura 12 - A Viso dos Clubes de Futebol do Rio Grande do Sul ................ 243 Figura 13 Diagrama das reas de insero das estratgias dos clubes ..... 245 Figura 14 O Processo Bsico dos Clubes do Rio Grande do Sul ............... 250 Figura 15 A presena da Mudana no Processo Estratgico...................... 254

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ndice de Figuras

UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA - FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA vii As Estratgias para o Negcio Futebol: Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul

ndice de QuadrosQuadro 1 Sistema de Instituies e Agentes ligados ao consumo do futebol 13 Quadro 2 Estrutura do Mercado Consumidor................................................ 33 Quadro 3 Estrutura do Mercado Produtor ..................................................... 34 Quadro 4 Estrutura do Mercado Revendedor ............................................... 34 Quadro 5 Classificao do mercado futebol.................................................. 35 Quadro 6 - As Quatro Perspectivas Sobre Estratgia ...................................... 55 Quadro 7 - Resumo das Escolas do Pensamento Estratgico......................... 57 Quadro 8 Base Comparativa entre os Estudos das Escolas do Pensamento Estratgico de Rosa e Teixeira ........................................................................ 66 Quadro 9 Modelo emprico de Vasconcelos.................................................. 68 Quadro 10 - Relao entre Estratgia e Planeamento Operacional e Estratgico ......................................................................................................................... 72 Quadro 11 Resumo do Balano 2005 do Esporte Clube Juventude ........... 116 Quadro 12 Relao dos 10 maiores clubes do Brasil em Patrimnio Lquido ....................................................................................................................... 119

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ndice de Quadros

UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOA - FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA viii As Estratgias para o Negcio Futebol:

Um Estudo de Caso dos Clubes do Rio Grande do Sul

ndice de Quadros dos AnexosQuadro 1 - GRMIO FUTEBOL PORTOALEGRENSE ................................. 432 Quadro 2 - GRMIO FUTEBOL PORTOALEGRENSE ................................. 436 Quadro 3 SPORT CLUB INTERNACIONAL ............................................... 439 Quadro 4 SPORT CLUB INTERNACIONAL ............................................... 442 Quadro 5 ESPORTE CLUBE JUVENTUDE - SOCIEDADE RECREATIVA E ESPORTIVA CAXIAS .................................................................................... 445 Quadro 6 ESPORTE CLUBE JUVENTUDE - SOCIEDADE RECREATIVA E ESPORTIVA CAXIAS .................................................................................... 448

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ndice de Quadros dos Anexos

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Introduo

Os estudos do futebol brasileiro, sob o ponto de vista de negcio, tm que passar necessariamente pela sua histria, tradies, valores, ritos, ou seja, pela sua cultura. Se esse no for o caminho trilhado, pode-se correr o risco de ter uma viso mope acerca do desporto que foi arraigado na cultura popular e transformado em actividade de alto teor comunitrio (Murad, 1996). A historiografia oficial estabelece a introduo do futebol no Brasil pela aristocracia paulistana do final do sculo XIX, embora haja um debate sobre essa verso do aparecimento do futebol no pas ou, como afirma Mximo (1999:183), a histria do futebol brasileiro ainda est para ser contada. Porm, as diversas verses existentes esto atreladas supremacia mundial britnica do final daquele sculo como factor fundamental na propagao do futebol mundialmente e, por consequncia, tambm no Brasil (Mascarenhas, 2003). A verso mais conhecida e difundida indica que, em 1894, Charles Willian Miller, filho do cnsul britnico em So Paulo, trouxe de Inglaterra, onde estudou, uma bola de futebol e algumas camisas e ensinou os scios do So Paulo Atletic Club (SPAC) a praticarem o jogo (Lima, 2002; Witter, 1996). Por sua vez, no Rio de Janeiro, o brasileiro Oscar Cox, de regresso dos seus estudos na Sua, introduziu o futebol entre seus amigos (Helal, 1997). Embora essa verso oficialize Charles Miller como o fundador do futebol brasileiro, a histria traz-nos outras fontes, com distintas razes, sobre a chegada do Futebol ao Brasil. Compactuando em parte com essa verso, Sevcenko (1994) estabelece que o futebol se difundiu por dois caminhos: "um

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Introduo

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foi dos trabalhadores das estradas de ferro, que deram origem s vrzeas, o outro foi atravs dos clubes ingleses que introduziram o desporto dentre os grupos de elite (Sevcenko, 1994:36). Outros autores, porm, sem uma documentao consistente, creditam aos trabalhadores ingleses das fbricas de So Paulo a chegada do futebol. Nessa linha, Ramos (1984) versa que a introduo se deu por marinheiros ingleses em 1872, no Rio de Janeiro, posio defendida tambm por Mascarenhas (2003), e alguns recentes estudos mostraram-nos que o futebol j era praticado no Brasil em 1880 por colegiais. De qualquer forma, independentemente da discusso acerca da sua origem, o futebol consolidou-se como o desporto nacional no Brasil (Proni, 2000; Witter, 1996). Sabe-se que o futebol tem uma importncia significativa na vida cultural brasileira e que, juntamente com o Carnaval, representa a maneira de fazer do povo e repleto de uma paixo exacerbada (Fernandes, 2005). Muitos so j os estudos que abordam essa imensa identificao cultural do povo com o futebol no Brasil.. Nos argumentos de Teixeira Jr. (2001) encontra-se na dinmica actual do desporto, que os valores movimentados pelo futebol profissional esto baseados em activos intangveis, aquele capaz de levar os mercados numa montanha russa de euforia e depresso. Esses activos, enumerados pelo autor, so: i) talento - o sucesso desportivo e financeiro de uma equipa de futebol depende apenas e to somente da criatividade (das ideias) da comisso tcnica e de seus jogadores dentro do campo; ii) propriedade intelectual, representada por um campo cheio de craques (no futebol jogam 22 onze para cada equipa) que, com os seus talentos, produzem jogadas e essas jogadas valem muito dinheiro. Um jogo (90 minutos) representa a propriedade intelectual da mais alta qualidade, revendida a peso de ouro, ou para as emissoras de TV ou para os fabricantes de material desportivo. Futebol contedo para a TV; onde talento e propriedade intelectual misturados num mesmo negcio tm sempre um mesmo resultado: risco e retorno; iii)

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Introduo

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volatilidade Campeonatos desorganizados, falta de viso de negcios, mudanas repentinas na legislao e entidades em que interesses financeiros e polticos se misturam afastam a entrada de investidores e impedem que os jogadores revelados pelos clubes criem valor dentro do pas (Teixeira Jr., 2001). Essa instabilidade, no futebol brasileiro, atende pelo nome de cartolagem 1 e leva o pas a uma deciso: entender e abraar a lgica da Nova Economia ou deixar a oportunidade escapar de uma vez por todas. Essa caracterstica sempre foi marcante no futebol brasileiro, pois, ao longo dos anos, nos mais distintos momentos da sua evoluo, caracterizada por um talento invejvel contrapondo com a sua volatilidade, tambm reconhecida. Ao longo dessa evoluo, a dialctica em torno do retrocesso e do avano encerrou uma srie de contradies. Observa-se em alguns estudos esse pressuposto, como no de Aidar et al. (2000), onde se revela a existncia de inmeras batalhas nessa trajectria, entre essas, o amadorismo contra o profissionalismo e, mais recentemente, a disputa da gesto e o controle do desporto profissional: gesto amadora contra gesto profissional, clube social contra clube empresa. H que se considerar que, a partir do dispositivo legal propulsor da modernidade no futebol brasileiro (Proni, 2000), bem como o mercado globalizado do entretenimento e do desporto (e nesse o do Futebol), as entidades dirigentes do futebol adoptaram uma nova postura,

profissionalizando-se e estabelecendo uma gesto empresarial, onde o principal cliente o adepto e o seu principal relacionamento o da paixo. O relacionamento do clube com o mercado com o qual ele interage estabelecido por uma causa ou causas que determinaram a busca para uma gesto empresarial. Esse momento, indicado por vrios autores como Aidar e1

Cartolagem o termo utilizado para definir a aco do cartola, ou seja, dirigente de clube ou qualquer entidade desportiva visto, geralmente, como o indivduo que se aproveita da sua posio para obter ganhos e prestgio.

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Introduo

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Leoncini (2000) e Proni (2000), representado pela mudana na legislao, com um movimento paralelo executado pelos prprios clubes, com a introduo de inovaes organizacionais e busca de novas fontes de receitas, visando o aumento de competitividade. Isso deu-se, no s pela imposio legal, mas tambm pela presso da concorrncia interna e externa. As estratgias que visam integrar de uma forma coerente as principais metas, polticas e aces em sequncia ganham uma srie de definies, baseadas nos preceitos epistemolgicos para os quais quais esto definidas as diversas linhas de estudo da matria. Porm, sabe-se que as estratgias, quando bem formuladas, criam novas posturas particulares e viveis das organizaes, com base nos seus atributos de aptido e carncia interna e relacionadas

antecipao e providncias em relao ao ambiente competitivo (Quinn, 2001). Existe uma histria e tradio no futebol do Brasil, um mercado que estabelece as regras de competio e, partindo da premissa de que um clube de futebol uma sociedade econmica e que se relaciona com esse mercado, a adopo de estratgias por esses clubes como padro de aco organizacional uma realidade evidente e que necessita de investigao. Acrescente-se a esse conjunto os estudos da rea. Nuns, como no da gesto dos clubes de futebol, so pertinentes as questes de estrutura e organizao da gesto; noutros destaca-se a anlise cultural e social do futebol..So insuficientes os ensaios sobre como esses clubes podem enfrentar a diversidade desse campo e as presses para a descontinuidade da tradio do futebol brasileiro, como demonstra o trabalho de Gonalves e Carvalho (2006).

Organizao do Estudo

O Captulo 1 reservado apresentao do problema de estudo e dos elementos que melhor permitem o entendimento da problemtica, ou seja, dos

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Introduo

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pontos principais que referenciam teoricamente a investigao, como a pergunta que estruturar finalmente o trabalho, as consideraes que a baseiam e as ideias que fundamentaro a anlise. A Reviso da Bibliografia abordada no Captulo 2 est fundada em uma lgica de explorao voltada para a descrio da actual situao do conhecimento produzido nas temticas que envolvem o problema de pesquisa. Primeiro, faz-se uma discusso em torno do futebol brasileiro no seu contexto, focando os seus aspectos culturais, tanto histricos como organizacionais. Depois, passa-se para a elucidao de como se organiza e se estrutura o futebol enquanto negcio no Brasil, suportado pelo estudo da sua evoluo enquanto negcio, seus agentes e seus relacionamentos. Por fim, termina-se a Reviso da Bibliografia focando a Estratgia na sua origem e sentido etimolgico e esquadrinhando a compreenso da formao do pensamento estratgico contemporneo e os elementos contidos nas suas dinmicas de formao, o que implica, por consequncia, a incluso dos autores que contriburam para a construo do modelo de anlise das estratgias dos clubes de futebol. O Captulo 3 destina-se apresentao dos fundamentos e procedimentos metodolgicos e ao modelo de anlise das estratgias dos clubes de futebol. Nesse espao so definidos a natureza do estudo, o modelo de anlise, as estratgias de pesquisa, os contextos estudados, a recolha de informaes, nas suas estratgias e procedimentos, e tratamento dos resultados obtidos. A apresentao e discusso dos resultados, apresentadas no Captulo 4, visando dar mais clareza e consistncia trajectria emprica realizada com o estudo em consonncia com o modelo de anlise, esto divididas em dois momentos. No primeiro, apresenta-se a descrio dos contextos estudados: os casos so descritos a partir do que foi indutivo nas falas dos actores envolvidos e das aces resultantes dos processos de gesto desses clubes e apresentam os sentidos da vida dos clubes, face ao negcio futebol. No segundo momento, considerando que se investigam quatro realidades distintas, embora com as caractersticas locais, far-se- a interpretao das aces do

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Introduo

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conjunto dos clubes de futebol que so o foco do estudo, visando entender a dinmica de funcionamento do campo especfico onde esses actuam. A viso desse contexto no conjunto possibilitar, a partir dessa realidade, compreender e descrever de forma geral as Estratgias para o Negcio Futebol. A apresentao das principais concluses do estudo far-se- no Captulo 5. Ainda se apresenta, nos anexos, o guia utilizado nas entrevistas juntamente com a descrio integral dessas entrevistas com os colaboradores do estudo, nos diferentes clubes que foram foco da pesquisa.

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Introduo

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Captulo 1

1. Problemtica

Ao iniciar esse estudo, fez-se um levantamento e leitura da bibliografia para aprofundamento da temtica do futebol, sob o ponto de vista do seu desenvolvimento e gesto. Nesse processo de compreenso, alm da elucidao da histria, desenvolvimento e estgio actual do futebol no Brasil, desencadearam-se uma srie de dvidas que norteiam o caminhar inicial desta investigao: Que repercusses trouxe a legislao para o futebol e sua gesto? Como se comportam os clubes de futebol, em termos de organizao e constituio jurdica, frente legislao presente? Como so as suas relaes com o mercado do futebol? Como competem os clubes nesse mercado? Face a isto, ser feita agora uma abordagem terica sobre as questes que desencadeiam este estudo, originando um momento de ruptura entre as informaes j existentes e a construo de novos significados. Esta caminhada inicial encontra sustentao nas argumentaes de Quivy & Campenhoudt (1998), onde a construo de uma problemtica implica a formulao dos pontos principais que referenciam teoricamente a investigao, como a pergunta que estruturar finalmente o trabalho, os conceitos que a fundamentam e as ideias que fundamentaro a anlise. Assim, pois, passa-se a discutir o contexto em que se insere o problema do negcio do futebol.

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ndice de Quadros

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1.1. Contextualizao do ProblemaPara que se possa visualizar melhor o processo de modernizao e de negcio a que est submetido o futebol brasileiro, desencadeado a partir do processo de modificaes da legislao desportiva brasileira da ltima dcada do sculo XX, necessrio entender a sua dinmica histrica de organizao e de desenvolvimento. Sempre houve uma clara relao com a dinmica social, econmica e poltica da nao, o que marca e caracteriza o futebol no pas, segundo Proni (2000). Como esclarecimento desse aspecto, este autor determina a caracterizao dessa trajectria histrica numa linha de sete perodos distintos: 1) o futebol foi introduzido pela elite urbana da Primeira Repblica1; 2) foi convertido em profissionalismo luz do repdio das oligarquias da dcada de 20; 3) foi disciplinado pelo Estado Novo 2, nos anos 40; 4) foi visto como smbolo da fora e da criatividade do povo brasileiro no perodo da industrializao pesada; 5) foi abalado pela crise econmica dos anos 80; 6) emancipou-se pelas mudanas jurdico-institucionais provocadas pela promulgao da Constituio de 1988; 7) foi remodelado pelos ventos neoliberais dos anos 90. Portanto, a partir do processo de modificaes que a legislao desportiva brasileira passou, e que a conduziu a uma modernidade jurdica na ltima dcada do sculo XX, comea essa contextualizao. A modificao iniciou-se a partir da promulgao da nova Constituio da Repblica Federativa do Brasil, em 1988, que, no Art. 217, Inciso I, outorgou s entidades desportivas dirigentes, representadas pelas federaes e

confederaes, e s associaes, aos clubes, plena autonomia em relao sua organizao e funcionamento, permitindo assim que se organizassem da forma societria que melhor lhes convinha. A legislao actual, regulamentada pela Lei n. 9.981/00, de 14 de Junho de 2000, traz como sustentao jurdica,1 2

A Repblica foi promulgada no Brasil em 1889. O Estado Novo foi um regime autoritrio do governo, tomado por fora militar, que prevaleceu no Brasil nas dcadas de 30 e 40 do sculo XX.

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Problemtica

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s entidades desportivas praticantes de actividades profissionais (onde se encaixam os clubes de futebol), a possibilidade de: a) transformarem-se em sociedades civis de fins econmicos; b)

transformarem-se em sociedade comercial, constituindo ou contratando uma sociedade comercial para administrar suas actividades profissionais. Alm disso, substitui o passe3 dos jogadores de futebol por uma multa rescisria. Contudo, a actual legislao no foi implementada sem uma ampla discusso em torno do tema, caracterizada por avanos e retrocessos durante toda a ltima dcada do sculo. Essa discusso originou-se a partir da promulgao da Constituio de 1988 e, tambm, atravs de uma crescente e progressiva difuso de mentalidade comercial na gesto dos desportos de alto rendimento, entre estes o futebol. Isto trouxe tona a necessidade de uma legislao que proporcionasse uma garantia maior da autonomia como um facilitador para a obteno de independncia econmica (Proni, 2000). A Lei Zico4, como ficou conhecida a Lei n 8.672, de 6 de Julho de 1993, e o Decreto 981, de 11 de Novembro de 1993, que a regulamentou, facultavam s entidades de prtica desportiva e s entidades federais de administrao de modalidade profissional uma gesto das suas actividades como sociedades com fins lucrativos, desde que adoptada uma das formas seguintes: a) transformar-se em sociedade comercial com finalidade desportiva; b) constituir sociedade comercial com finalidade desportiva, controlando a maioria de seu capital com direito a voto; e contratar sociedade comercial para gerir suas actividades desportivas. Porm, este marco inicial proposto na Lei Zico proporcionou um profundo debate da sociedade civil (entidades, atletas, sindicatos, universidades e o Congresso Nacional) e um avano (contraposto firmemente pelos dirigentes

3

A Lei 6.354/76, conhecida como Lei do Passe, no seu artigo 11 definia que: entende-se por passe a importncia devida por um empregador a outro, pela cesso do atleta durante a vigncia do contrato ou, depois de seu trmino, observadas as normas pertinentes. 4 Artur Antunes Coimbra (o Zico), ex-jogador de futebol do Clube de Regatas Flamengo-RJ e, poca, Secretrio Nacional de Esportes.

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Problemtica

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dos grandes clubes de futebol do Brasil) que culminou com a Lei Pel 5. Essa legislao foi o divisor de guas (Proni, 2000) da legislao desportiva em busca da modernidade do Futebol Brasileiro que, entre outros dispositivos, apresentava a obrigatoriedade de transformao dos clubes (departamentos de futebol profissional) em empresas e libertao do vnculo do jogador de futebol com o clube, aps o trmino do contrato. Dois grandes pontos desencadearam grandes altercaes de juristas a nvel nacional: o Art. 27 e o Art.28. Pargrafo 2 da Lei Pel. O primeiro prestou-se a considerveis dvidas quanto ao aspecto dos clubes se transformarem em empresas: tal dispositivo nunca teve carcter cogente no que toca obrigatoriedade de o clube tornar-se empresa, ou exercer actividade de carcter comercial (Neto at.al., 2000:14). O segundo dizia respeito extino da Lei do Passe, pois, assim, o jogador de futebol, ao trmino de seu contrato, passou a poder negociar sua transferncia para qualquerclube sem que esse novo clube tenha que pagar ao clube anterior pelos seus direitos federativos (Hara; Burlim; Uyeta; Benini, 2004). Esse processo, que no fundo erao

uma imposio para diminuir a lacuna entre o futebol brasileiro e o europeu, em resposta ao xodo de jogadores para o futebol do ltimo, no foi fcil, dado que os clubes brasileiros no tinham suficiente profissionalizao da gesto e um dos principais activos era a venda de jogadores (Leoncini, 2005). Assim, no ano de 2000, promulgou-se a Lei n. 9.981/00, provocando a mudana nestes dois dispositivos, o que facultou a transformao em empresa e a substituio do passe pela instituio de multa rescisria. A entrada de grandes investidores nacionais e internacionais (principalmente no perodo em que vigorou a Lei Pel) levou essa lei a ser de ntido carcter intervencionista na organizao e funcionamento das entidades de prtica desportiva (Neto at.al., 2000), criando um novo artigo especfico, o que limitou a actuao dos investidores no ramo desportivo.

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Edson Aranes do Nascimento (o Pel), ex-jogador de futebol do Santos Futebol Clube-SP e, poca, Ministros dos Esportes.

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Se, por um lado, a legislao permitiu a discusso e a introduo de um processo de modernizao do futebol brasileiro, as subsequentes adulteraes nos dispositivos legais propostos foram deixando incompleto tal processo de modernizao (Proni, 2000). Assim sendo, para se entender o que ocorreu de facto, necessrio verificar quais os efeitos desse aparato legal sobre o futebol no pas. Nesse aspecto, convm debruarmonos sobre o Relatrio sobre o Plano de Modernizao do Futebol Brasileiro, cuja finalidade era a de entender as mudanas ocorridas pela ps-legislao no mercado do futebol no Brasil, encomendado pela Confederao Brasileira de Futebol e a FIFA a Fundao Getlio Vargas6. Esse relatrio apresentou um diagnstico do mercado futebolstico brasileiro, apontando os problemas que provocam a obstruo da entrada do futebol na modernidade administrativa. De entre esses,

encontram-se algumas contradies relacionadas com o facto de a modernizao ser ditada pelo mercado. Recorre-se, novamente, ao estudo de Proni (2000) para a classificao dessas contradies, a partir do princpio de que a modernidade no futebol brasileiro estabelecida por regras do mercado, que tambm as julga, da seguinte forma: 1) no houve uma preocupao com o conjunto do futebol no Brasil, nem com o desequilbrio federativo que poder ocorrer com o encerramento de actividades de alguns pequenos clubes, centros menos importantes no futebol, que formam os craques que alimentam o resto do sistema; 2) a adopo da multa contratual, em substituio do passe, poder provocar um encurtamento do tempo mdio da carreira e uma contraco no nmero de atletas registados e levar um maior nmero de jovens atletas brasileiros a tentarem a carreira no exterior; 3) o futebol brasileiro pode vir a ser transformado em um campo privilegiado de investimentos para capital de risco na busca de valorizao rpida; 4) a relao clube-adepto, marcada pela paixo exacerbada, pode ser afectada pela adopo dos princpios do mercado, passando o adepto a no mais se sentir importante para clube, mas um mero cliente.

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A Fundao Getlio Vargas uma das mais conceituadas empresas voltadas para o estudo e ensino da Administrao de Negcios do Brasil.

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Contudo, nesse levantamento, o Relatrio sobre o Plano de Modernizao do Futebol Brasileiro mostra tambm alguns dados relevantes sobre a prtica do futebol no pas que desvendam o grande negcio que o futebol hoje. Entre outros resultados, salienta-se que o futebol no Brasil movimenta oito bilhes de dlares americanos, o que representa 2,4% do total do Produto Interno Bruto do pas. Outro factor importante para o entendimento do fenmeno futebolstico brasileiro o nmero de jogadores: entre profissionais, amadores e praticantes, o Brasil tem o nmero imenso de 30 milhes de jogadores de futebol, o que representa 17,6% da populao total. Tem tambm 800 clubes profissionais, 308 estdios que abrigam cinco milhes de lugares e um comrcio de 3,3 milhes de pares de chuteiras, 13 milhes de camisetas (sem contar com as dos profissionais) e 13 milhes de bolas de futebol. Por fim, a televiso gasta 100 milhes de dlares com direitos de transmisso dos jogos. Nesse sentido, carece que se visualize a dinmica de organizao do mercado do futebol no Brasil mais detalhadamente. Para isso, analisou-se o estudo de Aidar e Leoncini (2000). O mercado, nessa abordagem, falando do sistema desportivo e de uma oferta, composto por um sistema de instituies e agentes directamente ligados existncia de prticas e de consumos desportivos. Os relacionamentos entre os agentes e instituies que compem a prtica do campo desportivo (denominadas entidades de prtica desportiva clubes e ligas e entidades nacionais de administrao do desporto federaes e confederaes) e os agentes e instituies que compem o consumo do campo desportivo levam necessidade de uma estrutura lgica para o entendimento e administrao desse negcio. Enquadrando-o, assim, na economia de servios, mais especificamente no sector de entretenimento. Pode-se ver esse sistema, no Quadro 1.

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Quadro 1 Sistema de Instituies e Agentes ligados ao consumo do futebol AGENTESAgrupamentos desportivos

INSTITUIES

Clubes, Ligas particulares, Confederao e Federaes Produtores e vendedores de bens Fbricas de produtos desportivos (Nike, necessrios prtica do desporto Adidas, Diadora) e comerciantes de materiais desportivos Produtores e vendedores de Professores, treinadores, mdicos, servios directos necessrios psiclogos, fisioterapeutas prtica do desporto Produtores e vendedores de Promotoras, empresas de marketing, TVs, espectculos desportivos e bens lotaria associadosFonte: Modificado de Aidar e Leoncini (2000)

Porm, no se pode deixar de considerar que o futebol uma relao emocional, que pode ser convertida ou at explorada como uma relao comercial, no tendo nada a ver com a satisfao do produto. Portanto, elemento-chave na constituio desses relacionamentos comerciais das organizaes do futebol o simpatizante que, alm disso, o ponto de partida da construo desse sistema. Os nmeros mostram que o futebol, como negcio, representa uma oportunidade de alavancagem socioeconmica. Para isso, preciso que haja uma modernizao das organizaes que o comandam, j que a sociedade brasileira est insatisfeita com os servios prestados e os clubes brasileiros, na sua maioria endividados, tm tendncia a desvalorizar a sua marca, associada a uma ineficcia administrativa. Por isso, a anlise dos clientes e das fontes de receita dos clubes representa um importante passo para que se possam desenvolver novas estratgias que mudem esse cenrio (Aidar e Leoncini, 2000). Partindo da premissa de que um clube de futebol uma sociedade econmica e que se relaciona com esse mercado, verificar como os diversos clubes competem no mercado ento o passo seguinte. Nesse sentido, importa

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analisar e interpretar as estratgias desses clubes, mais especificamente a formao de estratgias, como caminho para compreender essa relao. Em face disto, recorremos literatura para identificar o conceito de estratgia. De entre todas, a interpretao de Mintzberg (2001), dividida em cinco pontos, parece a melhor, pois o aborda este conceito como um processo de comportamento organizacional. Para ele, estratgia , primeiramente, um plano, uma direco, um guia para lidar com uma determinada situao. Sob esse ponto de vista, as estratgias tm duas caractersticas essenciais: h uma preparao prvia s aces a que se aplicam e o seu desenvolvimento consciente e deliberado. Estratgia, como plano, tambm pode ser um pretexto, uma manobra7 especfica que tem a inteno de desencorajar o concorrente. De seguida, este mesmo autor define estratgia como um padro, que implica consistncia no comportamento, quer seja pretendido ou no ao longo do tempo; em outras palavras, especificamente um padro num fluxo de aces. Um quarto ponto olha para fora da organizao, definindo estratgia como uma posio, ou seja, como uma fora de mediao, de harmonizao8, entre a organizao e o ambiente ou entre o contexto interno e externo, procurando posicionar a organizao no ambiente. Finalmente, Mintzberg (2001) olha para dentro, mais precisamente, de forma mais ampla, para dentro da cabea dos estrategas e define estratgia como uma perspectiva. Sugere assim que a estratgia um conceito e seu contedo constitudo no apenas de uma posio escolhida, mas de uma maneira enraizada de ver o mundo, ou seja, uma forma de fazer as coisas na organizao, o seu conceito de business.

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Segundo o Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa (2001, p. 1839), estratgia uma srie de atitudes ou aces realizadas para se alcanar determinado objectivo. Segundo o Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa (2001, p. 1507), a aco ou efeito de harmonizar.

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Definido o conceito a seguir, agora passamos a abordar as questes de dinmica de formulao e as questes de contedo e processo estratgico. Para isso, recorre-se novamente a Mintzberg et al. (2000), que defende a posio de que em todos os estudos de estratgia podem existir trs possibilidades quanto dinmica de formulao. Inicialmente, remete para a posio de natureza prescritiva, onde a dedicao em como as estratgias devem ser formuladas, num processo concebido, formal ou analtico. De seguida, o autor afirma que a outra possibilidade de natureza descritiva, onde o processo pode ser visionrio, mental, emergente, de negociao, colectivo ou reactivo. Por fim, defende que a dinmica de formulao pode ser de transformao. Seguindo nessa linha de raciocnio, Mintzberg et al. (2000) defende que no entendimento da estratgia necessrio ver mais do que a soma das partes, preciso entender as partes para ver o todo. A viso da estratgia, nesse pressuposto, vai alm da concepo de que estamos, comummente, face a ideias, proposies, directrizes, indicativos de caminhos e solues, mas levanos a considerar que estamos perante elementos ligados a processos e dinmicas de concepo e implantao (Meirelles et al, 2000). Distingue o contedo e o processo como ... duas faces de uma mesma moeda... que no podem ser separados na prtica. Oferece o contedo como o elemento racional da estratgia, que implica um ...esforo racional de articulao de ideias e de explicitao do que se pretende implementar e o processo como um elemento no racional e simblico, construdo a partir ... da vivncia quotidiana da organizao em seus embates internos e com o ambiente, levando em considerao relaes de cultura e poder (2000:20). Ficam explicadas, assim, as questes que envolvem a expectativa de estudo, concebidas pelo contexto representado por um lado pela legislao, pela indstria do entretenimento e pelo futebol como negcio, e, por outro, pelas maneiras como os clubes de futebol competem nesse ambiente. Sendo assim,

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o enlace entre esses elementos, o futebol negcio e as estratgias utilizadas pelos clubes, remetem pergunta que norteia este estudo.

1,2. Pergunta que desencadeia o EstudoComo so as estratgias dos Clubes de Futebol do Rio Grande do Sul, no negcio Futebol? Face a esta questo, o presente estudo est voltado para o levantamento das estratgias dos Clubes de Futebol, interpretando as suas dinmicas de formulao das estratgias e enfatizando as questes de contedo e processo, a partir da anlise de sua aco em relao ao mercado do entretenimento. Cuja importncia se vincula tanto indstria do desporto, quanto obteno de resultados dos clubes, que remetem para os objectivos.

1.3. Objectivos 1.3.1. Objectivo GeralEm face disso, o objectivo central que o estudo pretende alcanar o de entender e compreender as estratgias dos clubes do Rio Grande do Sul, atravs das suas dinmicas de formao, enfatizando as questes de contedo e processo numa perspectiva fenomenolgica.

1.3.2. Especficos1.3.2.1 Desvendar a cultura dos clubes e, por conseguinte, entender a sua organizao e estruturao frente ao negcio do futebol.

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1.3.2.2. Entender como o clube v e se posiciona em relao aos acontecimentos que o rodeiam no mercado do futebol. 1.3.2.3 Compreender as articulaes de ideias e de explicitao do que os clubes de futebol pretendem implementar. 1.3.2.4 Compreender a dinmica envolvida na elaborao, validao e implementao da estratgia dos clubes de futebol. Nesta perspectiva de estrutura hermenutica, a pesquisa ter um carcter qualitativo, orientandose para o estudo dos significados e das aces da vida dos clubes de futebol. Utilizar uma metodologia interpretativa, com interesse centrado na descoberta de conhecimento, e realizar-se- nos prprios clubes, na sua situao real, permitindo assim uma generalizao dos resultados a situaes afins. Descrever, ainda, as estratgias tal qual aparecem no momento em que o estudo se realizar. Orientada para a construo de conhecimento a partir de uma perspectiva indutiva-dedutiva, enfatizar o contexto de descoberta e propor-se- a interpretar e compreender as estratgias dos clubes, permitindo, assim, generalizaes. Finalmente, o estudo basear-se- na singularidade das estratgias. Essa especificao leva ao fazer cientfico sobre os clubes de futebol do Rio Grande do Sul e, por consequncia, sobre os brasileiros e o mercado no qual competem.

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Captulo 2

2. Reviso da Bibliografia

Com a reviso da bibliografia procura-se definir o estado actual de conhecimentos relacionados com a problemtica estabelecida. Este estudo, como j foi visto no Captulo I, pretende alcanar a compreenso e a interpretao das estratgias dos clubes de futebol quanto s suas dimenses de contedo e processo e, com esse pressuposto, entender como o pensamento estratgico desses clubes. Portanto, o objectivo deste captulo buscar, nos estudos j realizados sobre a matria, a abrangncia e a aclarao dessas inquietaes, atravs do dilogo com os diversos autores. Inmeros so os autores que estabelecem uma estreita relao de estudos com a matria e vasto o material bibliogrfico existente. No se pretende realizar uma longa e cansativa busca e descrio sobre o tema, mas, para esgotar o conhecimento na rea de estudo e obter auxlio para a resoluo do problema de pesquisa, buscou-se suporte no conhecimento j produzido (em livros, base de dados e peridicos disponveis sobre o assunto). Passa-se, a seguir, um olhar sobre o futebol no Brasil e o seu desenvolvimento, discutindo seus aspectos histricos, culturais e de negcio; o campo organizacional, destacando sua dinmica, cultura e estrutura; e a estratgia, sob o ponto de vista etimolgico, classificatrio e de formao, estabelecendo um alicerce para a posterior anlise e discusso.

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2.1. O Futebol Brasileiro e seu Contexto

A inteno, neste momento do estudo, no abordar o futebol sob o ponto de vista do desporto, nem mesmo a sua histria rica em aspectos

scio-antropolgicos, mas o futebol-negcio, o futebol que hoje se insere na nova indstria do entretenimento. Para isso, faz-se uma abordagem do futebol no Brasil e do futebol no contexto da indstria do entretenimento, que o foco deste estudo, sua estrutura de mercado e seus agentes; porm, antes, far-se- uma passagem por alguns dos aspectos da histria e evoluo do desporto como negcio.

2.1.1. Caractersticas culturais do Futebol BrasileiroO futebol, introduzido no final do sculo XIX no pas, evoluiu com o passar dos anos, passando de desporto da elite daquela poca ao futebol negcio dos dias actuais: ... se pode dividir a histria do futebol brasileiro em vrias fases. Em outras palavras, em fases que refletem o que o desporto vem representando ao longo do tempo na sociedade brasileira,

sucessivamente como passatempo de poucos, esporte da elite, elemento de integrao, paixo popular, profisso, meio de afirmao nacional, instrumento poltico, uma arte brasileira e finalmente como negcio milionrio e global dentro do qual o Brasil representa importante papel. (Mximo, 1999183) Como se v, para compreender o futebol brasileiro enquanto negcio, preciso, necessariamente, abranger a sua dinmica. Nesse sentido, necessrio entender-se como esse processo se caracteriza culturalmente, debate que veio tona, como se viu no Captulo I, pela tentativa de introduo do desporto nmero um do Brasil na modernidade.

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A instabilidade marcou o desenvolvimento do futebol brasileiro, pois, ao longo dos anos, nos mais distintos momentos da sua evoluo, o futebol ficou caracterizado por um talento invejvel a que se contrapunha uma grande volatilidade, tambm reconhecida. No decorrer dessa evoluo do futebol no Brasil, a dialctica em torno do retrocesso e do avano, encerrou uma srie de contradies, como se v no discurso de Proni (2000): Ao longo da histria do futebol no Brasil, a incorporao de valores modernos quase sempre esteve comprometida com a preservao de prticas consideradas atrasadas, ou melhor, que o prprio

entendimento do que se define como moderno veio se alterando ao longo do tempo. E, embora destacando os momentos de incorporao de novas directrizes, da entrada em cena de novos atores e de reconfigurao das instituies desportivas, no se pode esclarecer que a construo do futebol brasileiro tambm se fez por meio de uma renovao das tradies futebolsticas (Proni, 2000:97) Esta situao, revelada no estudo de Aidar et al. (2000), mostra a existncia de inmeras batalhas nessa trajectria de evoluo, como amadorismo contra profissionalismo, desporto-prtica contra desporto-espectculo, desporto de elite contra desporto popular e, mais recentemente, a disputa da gesto e o controlo do desporto profissional: gesto amadora contra gesto profissional, clube social contra clube empresa. Partindo destas premissas, procurou-se compreender a formao da cultura organizacional do futebol no Brasil. Para isso, optou-se em andar por uma linha histrica dialctica, como forma clarificao.

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2.1.1.1. A cultura organizacional no Futebol Brasileiro

Como foi visto na Introduo deste estudo, a entrada do futebol no Brasil deu-se no final do sculo XIX e a formao da cultura organizacional brasileira iniciou-se com a criao dos clubes. Aps a introduo do futebol por Charles Muller em clubes ingleses tradicionais da poca, mais especificamente no So Paulo Athletic Club, e a chegada de outros estudantes vindos da Europa, a difuso iniciou-se. Em 1899 existiam quatro clubes em So Paulo, o Sport Club Internacional, o Sport Club Germnia, a Associao Atltica Mackenzie e o j mencionado So Paulo Athletic Club. Quase que simultaneamente, Oscar Cox introduz a modalidade no Paissandu Cricket Club no Rio de Janeiro (Proni, 2000). A diviso histrica proposta por Proni (2000:95) acompanha uma linha de desenvolvimento do futebol brasileiro que caracteriza correcta e culturalmente o mesmo. Nessa categorizao, o autor divide essa trajectria em sete fases distintas: 1) o futebol foi introduzido pela elite urbana da Primeira Repblica; 2) foi convertido em profissionalismo luz do repdio as oligarquias da dcada de 20; 3) foi disciplinado pelo Estado Novo, nos anos 40; 4) foi visto como smbolo da fora e da criatividade do povo brasileiro no perodo da industrializao pesada; 5) foi abalado pela crise econmica dos anos 80; 6) emancipou-se com as mudanas jurdico-institucionais com a promulgao da Constituio de 1988; 7) foi remodelado pelos ventos neoliberais dos anos 90. Ora, para a elucidao do problema de pesquisa, procura-se analisar o futebol como negcio, mas a compreenso das suas distintas etapas permite clarear a

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maneira como esse desporto se caracteriza e funciona. Por isso, seguir a trajectria de Proni (2000) e identificar os aspectos mais importantes de cada uma das etapas a forma encontrada . Quanto primeira fase descrita por Proni (2000), passa-se no incio do sculo XX, como se viu, depois de uma introduo elitista do futebol, na dcada de 1980, como elemento de lazer da classe mais abastada do pas, principalmente a casta representada pelo poderio econmico do caf. Por um lado, via-se a adeso ao desporto de clubes tradicionais paulistanos. Por outro, surgiram diversos clubes destinados sua prtica, formaram-se associaes entre esses clubes e introduziram-se competies amadoras promovidas por essas associaes, que representavam a nova ordem no desporto. O aspecto importante desse perodo caracterizou-se pela popularizao do futebol e um aumento do acesso do pblico s partidas. Como consequncia, os clubes comearam a cobrar o ingresso para os jogos, sendo que a exigncia do adepto e o aumento da competitividade deram azo a um nvel de cobrana maior, o que ocasionou a corrida aos bons jogadores (Helal, 1997). Essa caracterstica elitista do futebol comea a desaparecer, na viso de Helal (1997), a partir do momento em que a proliferao do desporto se acentua e surge a oportunidade de fazer conviver, no campo de jogo, jogadores de todas as classes sociais e econmicas. Porm, cabe ressaltar que essa caracterstica elitista e racista perdurou por muito tempo no mbito de alguns clubes, inclusive num dos casos de estudo, o Grmio Foot-Ball Porto Alegrense, que, por fora estatutria, no permitia a presena de atletas negros at meados dos anos 50 (Mximo 1999). O perodo posterior, ou seja, a profissionalizao dos atletas de futebol no Brasil foi marcada pela proliferao de campeonatos, a sua popularizao e, conforme defende Carravetta (2006), a sucessiva sada de clubes de elite das competies e o ingresso progressivo das equipas oriundas das vrzeas nas ligas.

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A introduo do profissionalismo foi fruto de um processo ambguo, fundado na perspectiva de que, para terem uma boa receita de bilheteira, os clubes necessitavam de ter equipas competitivas e, para isso, careciam de atletas mais talentosos, oriundos das classes inferiores (Proni, 2000). Para essa qualificao das equipas, passou-se a pagar aos jogadores disfaradamente. Este perodo ficou conhecido como amadorismo marrom (Maximo, 1999; Proni, 2000; Carravetta, 2006). Para Carravetta (2006), este perodo marcado pela necessidade de regulamentao dos clubes, em funo de um grande nmero de jogadores serem remunerados, e conheceu uma contnua convivncia com desavenas sociais, devido ao confronto entre movimentos elitistas e amadores: No final dos anos 20, com a crescente urbanizao do Rio de Janeiro e So Paulo, o futebol j havia se tornado a fonte principal de lazer do pas. A crise criada pela ambiguidade sobre qual sistema deveria ser adotada dividiu dirigentes dos clubes em dois grupos: os progressistas, a favor da implantao do profissionalismo, e os conservadores, que defendiam o amadorismo. (Helal, 1997:49)

Estes factores levaram a uma srie de exigncias para com os atletas e, associados atractividade do profissionalismo exterior, provocou um xodo de jogadores, principalmente para a Itlia. A primeira Copa do Mundo e a posterior profissionalizao do futebol Argentino e Uruguaio tambm levaram muitos jogadores brasileiros a permanecerem nesses pases, revelando a

inadequao da base organizacional do futebol brasileiro (Helal, 1997). Assim, em 1933, sob os auspcios da legislao social e trabalhista do governo de Getlio Vargas, criada a profisso de jogador de futebol, transformando o futebol brasileiro amador para o profissional, o que abriu definitivamente portas insero de jogadores negros e mestios (Carravetta, 2006).

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O perodo posterior, da passagem ao profissionalismo, marcado pela forte influncia do Estado brasileiro tanto na consolidao como na reestruturao do futebol. Houve um processo de modernizao dirigida, com a criao da estrutura federativa, o que fortaleceu o trao estrutural da regionalidade, factor que distingue o futebol brasileiro, como foi visto anteriormente (Proni, 2000). Este perodo tambm foi marcado pela importante contribuio da imprensa para o desenvolvimento do futebol no Brasil, como se pode observar no trabalho de Carravetta (2006): Em 1941, o desporto brasileiro foi regulamentado e os organismos oficiais estruturados com a criao das confederaes, federaes e associaes. Surge uma nova expectativa para um desporto que historicamente era marginalizado na sociedade brasileira. Os meios de comunicao e entretenimento colaboram significativamente para potencializar o desenvolvimento do esporte de forma geral, mas especialmente o futebol, por meio do rdio, do jornal e do cinema. (Carravetta, 2006:34) Os anos que se sucedem so marcados pela tutela estatal, que promove o crescimento e estruturao do futebol profissional no pas, defendido por Proni (2000) como a modernizao dirigida. Este preodo , num primeiro momento, marcados tanto pela introduo do profissionalismo ou pela criao do Conselho Nacional de Desportos na era Vargas e, posteriormente, quando do regime militar de 1964 a 1985, pela regulamentao da profisso de jogador de futebol, como pela criao da Confederao Brasileira de Futebol, ou mesmo a criao do Campeonato Brasileiro de Clubes (Proni, 2000), factor

preponderante para a configurao cultural do futebol no pas. Entretanto assistiu-se chegada da poca de ouro do futebol brasileiro, com a conquista do tri-campeonato mundial de futebol em 1958, 1962 e 1970 (Helal, 1997; Proni, 2000; Carravetta, 2006). Nesse perodo de grandes conquistas, o futebol do Brasil ficou marcado como uma das principais foras mundiais dentro do campo. Mas, em contrapartida, emanava uma noo de

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profissionalismo imaturo e torneios ainda regionalizados, pelo que se percebia que este desporto apresentava um atraso em relao aos pases europeus (Proni, 2000). A organizao do futebol brasileiro, at os finais dos anos 1970, tinha como base a relao entre dirigentes amadores e jogadores profissionais, mas, de certa forma, estava inabalado, tanto pelas conquistas do perodo, como pela presena do pblico nos jogos e pela razovel condio financeira dos grandes clubes (Helal, 1997). Contudo, os anos 1980 marcaram a maior das crises do futebol brasileiro desde a consolidao do profissionalismo. A tese de Proni (2000) de que, nesse momento, os problemas do futebol brasileiro eram, em parte, decorrentes da crise financeira que assolava tanto o sector pblico, como as empresas e a famlia: ... a crise econmica atingiu mais agudamente o pas, entre 1981 e 1983, o quadro recessivo era o seguinte: os juros internos subiram, a inflao disparava, o poder de compra dos salrios diminua, o desemprego atingia ndices alarmantes nos grandes centros urbanos, e o cruzeiro se desvalorizava em relao ao dlar. (Proni, 2000:150) A situao financeira dos clubes foi danificada por esse contexto, na opinio de Proni (2000), que provocou um aumento das despesas correntes e a diminuio das poupanas. O endividamento dos clubes, em funo da subida dos juros bancrios, aliado desvalorizao da moeda nacional em relao ao dlar, determinou que o passe dos atletas se tornasse muito barato. Isto, em conjunto com a necessidade de arcar com as despesas, determinou que esses clubes se desfizessem dos seus melhores atletas e ocasionou uma grande migrao de jogadores brasileiros para o exterior (Helal, 1997; Proni, 2000). Os anos 1990 marcaram um novo contexto poltico no pas, assinalado principalmente pela abertura brasileira para o mercado externo, tanto em termos produtivos como financeiros. Proni (2000) destaca que esse processo

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de globalizao e de liberalizao criou um ambiente favorvel ao discurso da eficincia econmica baseado na tica do mercado: Olhando pela tica do esporte, essa sobreposio implicou, de um lado, privilegiar a satisfao do consumidor e, de outro, fomentar a iniciativa privada e diminuir o patrocnio pblico ao esporte espetculo. Isso contribuiu para que se comeasse a atribuir ao marketing um papel importante no esporte brasileiro. (Proni, 2000:164) Iniciou-se assim a modernizao do futebol brasileiro que, segundo o autor, ficou inacabada. Sua induo foi pela legislao, com a Lei Zico, que inicialmente propunha uma mudana radical na estrutura do futebol brasileiro, tocando pontos cruciais que impediam a modernizao administrativa do futebol (Helal, 1997). O grande debate, iniciado ali, entre cdigos antagnicos da tradio e da modernidade (Helal, 1997), permaneceu inacabado, pois esta Lei no conseguiu implantar uma administrao empresarial, nem tampouco alterou pontos polmicos como o vnculo do atleta e as condies profissionais dos jogadores (Helal, 1997; Provi, 2000). Porm, foi o inicio de um processo que, no final da dcada, desembocou na Lei Pel, inspirada na legislao espanhola, que combinou liberdade de organizao e autogesto dos clubes e forte fiscalizao do desporto profissional pelo poder pblico (Proni, 2000). Como foi visto no Captulo I, a Lei Pele, sancionada em 1998, redefiniu o marco legal do futebol brasileiro. Entre essas mudanas, estabeleceu o prazo de trs anos para o trmino do passe e o prazo de dois anos para os clubes se transformarem em empresas. Porm, como revela Aidar et al. (2000), houve um atropelamento dessa Lei, em detrimento de uma micro poltica, que originou a Lei n. 9.981 de 14 de Julho de 2000, causando, segundo a viso do autor, um retrocesso no modelo modernizador da Lei Pel.

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Independentemente do debate imposto pela legislao, correcto dizer que a Lei Pel intensificou o processo de reestruturao do futebol brasileiro e pode ser considerada um divisor de guas (Proni, 2000).

2.1.1.2. O Futebol formado em bases locais

A formao em bases locais passa pela prpria histria e cultura do futebol brasileiro. Diversos so os estudos que creditam a difuso do futebol em diversas localidades da Europa e da Amrica, pela aco de marinheiros ingleses, responsveis por promover precocemente o contacto com o desporto. O trabalho de Mascarenhas (2003) um desses estudos que considera a aco desses marinheiros e dos trabalhadores das estradas de ferro um dos principais elementos da introduo do futebol no pas. Estas comunidades de homens, pela prpria caracterstica geogrfica e de desenvolvimento do pas, proporcionaram uma estruturao centrada em bases locais, diversa do modelo europeu e de outros pases sul-americanos como Argentina e Uruguai, caracterizados por uma base nacional. Esta caracterstica, estabelecida no trabalho de Mascarenhas (2003), explica-se pelo prprio modelo herdado do sistema colonial brasileiro, no qual as diversas regies se mantinham isoladas umas das outras: No Brasil daquele apagar do sculo XIX, prevalecia efetivamente herana do sistema colonial, no qual as no diferentes plano regies Tal

mantinham-se

praticamente

isoladas

interno.

configurao territorial, ainda baseada nestas ilhas produtivas do modelo agro-exportador. (Mascarenhas, 2003:02) Essa peculiaridade permitiu difundir o futebol no pas simultaneamente nesses diversos espaos desconectados, em virtude do tamanho do pas, e, mesmo utilizando o modelo adoptado em outras localidades internacionais, o relativo isolamento entre eles reforou o surgimento da rivalidade local no futebol

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(Mascarenhas, 2003). Assim, pela associao s rivalidades locais, o futebol no Brasil marcado pelo regionalismo (Proni, 2000). Essa caracterstica geogrfica, como o trao regionalista, levou a que surgisse um campeonato nacional brasileiro somente em 1970, quase cem anos aps a sua instalao no pas, embora tivessem aparecido diversos esboos de uma competio nacional, tais como o Torneio Rio - So Paulo e a Taa do Brasil, nas dcadas de 1950 e 1960.

2.1.2. O Futebol como NegcioVista a linha do tempo, entre a introduo do futebol no Brasil ao estado actual, , o que interessa de forma pontual o desporto como negcio e a gesto do negcio futebol, no que se refere s suas estratgias. Para isso, neste captulo, concentra-se a ateno sobre a anlise da estrutura do futebol brasileiro, passando pelo estudo da sua evoluo, enquanto negcio, seus agentes e seus relacionamentos. Nesse sentido, o futebol negcio parte da poca em que as nicas receitas eram aquelas oriundas das bilheterias dos estdios nos dias de jogos. A anlise da evoluo do mercado do futebol no Brasil leva novamente aos estudos de Aidar e Leoncini (2000). Esses autores identificam a evoluo do consumo do futebol no Brasil, representado pelos principais relacionamentos comerciais a seguir: i) A era do estdio (at dcada de 50) caracterizada em torno da receita das entradas. Aqui surge a principal ligao para o negcio futebol a ligao adepto-clube; ii) A era da TV comercial tradicional (anos 50, 60 e 70) caracterizada pela transmisso de jogos, sem nenhum pagamento aos clubes, porque o sistema de transmisso pblica de TV tinha os direitos gratuitos. Aqui surgiram os patrocinadores;

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iii) A era dos patrocinadores (anos 80) quando os patrocinadores comeam a surgir, caracterizando-se por um aumento cada vez maior na gerao de receitas tanto dos clubes como das ligas; iv) A era da nova mdia (a partir da dcada de 80) caracterizada pelo pagamento de verdadeiras fortunas para transmisso de jogos, o que projecta, atravs do seu rpido crescimento, uma nova perspectiva para o futuro de negcio. Inclui a TV via satlite (pay-per-view), novas mdias e o computador pessoal. Importa saber que estes

consumidores (intermedirios) pagam pelos seus direitos e tambm precisam de ter lucros, assim como os clubes, ligas e jogadores. Analisando essa descrio, podem-se destacar os distintos momentos do negcio futebol. O primeiro, caracterizado pela poca de transio e estruturao do futebol brasileiro, foi o perodo de transio do amadorismo para o profissionalismo (Proni, 2000; Aidar e Leoncini, 2000), quando os jogos so caracterizados pelas rivalidades locais, o que justifica a importncia dos campeonatos regionais, que levam multides aos estdios. Este perodo distinguido pelo incio da prtica de compra do passe dos jogadores (Witter, 1996). Caracterizou-se pela ligao do adepto com o clube, o que permitiu a formao dos grandes contingentes de clientes dos clubes, seus adeptos. O segundo momento, dentro da era do apogeu deste desporto no Brasil, caracterizada pelas conquistas mundiais, ficou marcado pelo crescimento do profissionalismo e dos conhecimentos cientficos no futebol. A facturao dos clubes, nesse perodo, foi fortalecida pelo aparecimento dos patrocinadores e movida pelo grande nmero de pessoas vinculadas emocionalmente a um clube, s quais exibiam suas marcas nos uniformes desses clubes e, tambm, por exibio esttica (Aidar e Leoncini, 2000). O terceiro momento surgiu dentro da era do retrocesso do futebol brasileiro, com a diminuio de craques, e dentro do perodo da maior crise financeira do pas (Proni, 2000). Este momento foi marcado por um grande nmero de jogos transmitidos pela TV e pelo aumento da insegurana nos estdios (rivalidade

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das torcidas organizadas, aumento da criminalidade), falta de conforto desses ambientes e falta de um calendrio organizado (consolidao do Campeonato Nacional, com um grande nmero de participantes, vrios campeonatos e torneios paralelos por interesses financeiros), entre outros factores (Helal, 1998), que provocaram uma significativa reduo do nmero de adeptos nos estdios de futebol. Finalmente, o quarto perodo, citado pelos autores, caracteriza a fase actual do futebol brasileiro, a era de uma nova esperana. Esta era baseia-se numa melhor organizao do futebol no Brasil, com um calendrio quadrienal, no surgimento da liga de clubes, na evoluo da legislao desportiva (extino da Lei do Passe e na responsabilidade fiscal assumida pelos dirigentes (entre outros avanos) e na marca como maior patrimnio dos clubes (Fernandes, 2000). A partir desta nova ordem que se faz a abordagem do sistema desportivo ou a oferta no futebol, que composto por um sistema de relacionamentos de instituies e agentes, como foi visto no captulo anterior, directamente ligado existncia de prticas e de consumos desportivos.

2.1.2.1. A Estrutura do Negcio Futebol

Como j visto, anteriormente, no mbito do futebol brasileiro, encontra-se em Helal (1997), Pozzi (1999), Aidar e Leoncini (2000), Proni (2000), Mascarenhas (2003) e Carravetta (2006) uma inferncia sobre as mudanas na cultura e na estrutura de funcionamento deste desporto no Brasil. Um dos factores de influncia de mudana deste futebol alicerado em bases locais (Mascarenhas, 2003) a presso do mercado internacional, mas no necessariamente essa a nica influncia para a entrada do futebol brasileiro na modernidade. Encontram-se, em Proni (2000), outras justificativas, baseadas pelo autor na introduo de um governo com orientao neoliberal no Brasil.

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... o mesmo discurso que justificou e inspirou as mudanas na legislao desportiva, na configurao institucional da modalidade, nas estratgias de concorrncias das equipes, na trajectria profissional dos atletas, e at nos hbitos e expectativas dos torcedores. E, da mesma forma que a nao vive hoje os dilemas da globalizao, em razo da fragilidade patente diante de uma exposio exagerada concorrncia internacional e influncia cultural externa, tambm o futebol brasileiro se encontra muito vulnervel, exposto s exigncias do mercado (ou aos caprichos dos grupos que disputam esse mercado promissor). (Proni, 2000:261262) Nessa nova postura, baseada em negcio, o futebol Brasileiro baseado na lgica proposta por Aidar e Leoncini (2000), que envolve os relacionamentos entre os agentes e instituies que compem o campo institucional do futebol. Os autores (2000) afirmam que essa estrutura lgica que determina o entendimento deste negcio, o enquadramento na economia de servios, mais especificamente no sector de entretenimento. Esta estrutura de

relacionamentos implica, por um lado, as instituies de prtica do campo desportivo, representadas pela escala hierrquica do futebol mundial, a FIFA, as Confederaes, as Ligas/Federaes e os clubes que, considerando a sua caracterstica de certa autonomia, nesse sistema, negociam as suas marcas. Do outro lado, envolve os agentes e instituies que compem o consumo do campo desportivo e a cadeia de clientes e negcios. Entre eles podemos citar as empresas patrocinadoras, as TVs, as Lotarias, os Licenciamentos, o Merchandising, os Servios dos estdios, as Placas e os outros clubes e federaes. Em face disso, os mais variados estudos sobre os negcios do futebol no Brasil (Afif e Brunoro, 1997; Pozzi, 1999; Aidar et al., 2000; Proni, 2000 e Carravetta, 2006) apontam o adepto como o elo que estabelece os principais relacionamentos entre esses agentes e instituies.

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Este elo estabelece a base do surgimento de todos os outros clientes, representado por uma equao que valoriza o patrimnio do clube, definida pelas seguintes variveis: quantos adeptos o clube tem; quantas pessoas adoram esse clube e qual a intensidade desta devoo; qual o poder de compra desses adeptos; e qual a expanso demogrfica dos adeptos. Esses mesmos autores determinam que o tamanho da claque de um clube directamente proporcional ao potencial de receita desses clubes (Aidar e Leoncini, 2000). Estabelecidos os agentes, as instituies de prtica e de consumo e o elo de relacionamento entre eles, necessrio analisar como se estrutura o mercado. Recorre-se ento ao estudo de Kotler (1996) sobre a classificao dos mercados para, depois, se poder classificar o mercado futebolstico no Brasil. A diviso do mercado por Kotler (1996) obedece a quatro possibilidades: o mercado consumidor; o mercado produtor; o mercado revendedor; e o mercado governamental. 1. Mercado Consumidor o mercado para produtos e servios que so adquiridos ou alugados por indivduos ou famlias, para uso pessoal. Os mercados consumidores (Quadro 2) adquirem produtos e servios para atingir uma variedade de necessidades e desejos. Cada bem de consumo oferece uma srie de utilidades, podendo haver uma utilidade primria e diversas secundrias. Kotler (195:130) admite que o mercado consumidor de suma importncia, tanto por causa do seu tamanho absoluto, como porque determina a razo mais importante para a existncia dos outros mercados.

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Quadro 2 Estrutura do Mercado ConsumidorBENS DURVEIS, NO DURVEIS E SERVIOS (Caracterstica do produto, taxa de consumo e tangibilidade) Bens Durveis Bens tangveis, sobrevivem a muito uso. Bens no durveis Bens tangveis que normalmente so consumidos ou tm pouco uso (refeio, produtos de higiene). Servios Actividades, benefcios ou satisfaes que so colocados venda. BENS DE CONVENINCIA, COMPRVEIS E DE USO ESPECIAL (Hbitos de compra dos consumidores) Bens de Convenincia Aquele que o cliente adquire com frequncia, imediatamente e com um mnimo de esforo de comparao e de compra (cigarros, jornal). Bens comparveis Aquele que o cliente, no processo de seleco e aquisio, caracteristicamente compara a nvel de convenincia, qualidade, preo e estilo (moblia, roupa, automvel, electrodomsticos). Bens de uso especial Aquele com caractersticas nicas e/ou identificao de marca, que um grupo significativo de compradores est habitualmente disposto a comprar, ainda que com um esforo especial (fatos de homem, componentes de alta fidelidade, equipamento fotogrfico).Fonte: Adaptado de Kotler, P. (1996:101-102)

2. Mercado Produtor O mercado produtor (Quadro 3) aquele composto por indivduos e organizaes que adquirem bens e servios utilizados na produo de outros servios e produtos destinados venda ou a serem alugados.

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Quadro 3 Estrutura do Mercado ProdutorBens que entram completamente no Produto Matrias-primas So os produtos naturais para produo (trigo, peixe, madeira, frutas, petrleo, animais). Materiais e peas So os componentes e peas componentes industrializados utilizados na produo (ao, cimento, arame, motores, pneus, peas de ferro). Bens que entram parcialmente no Produto Instalaes So os prdios e equipamentos para a produo (fbricas, escritrios, elevadores, perfuradoras). Acessrios So aqueles equipamentos de fbrica e escritrio e instrumentos portteis ou leves (manuais, mesas, mquinas de escrever, computadores). Bens que no entram no Produto Suprimentos So aqueles utilizados na operao, manuteno e conserto, visando a produo (lubrificantes, carvo, papel, lpis, tintas, pregos, vassoura). Servios empresariais So aqueles servios necessrios produo (limpeza, conserto, assessoria jurdica, administrativos, propaganda).Fonte: Adaptado de Kotler, P. (1996:133)

3. Mercado Revendedor Consiste naquele mercado (Quadro 4) caracterizado por indivduos e organizaes que adquirem bens, objectivando revend-los ou alug-los a outros com lucro.

Quadro 4 Estrutura do Mercado RevendedorBens para revenda So todas aquelas variedades de produtos ou servios para revenda, tudo o que produzido, excepto algumas classes de bens que os produtores vendem directamente no mercado consumidor. Bens e servios para conduzirem suas operaes Esses bens, so aqueles adquiridos pelos revendedores, na sua funo de produtores.Fonte: Adaptado de Kotler, P. (1996:140-146)

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4. Mercado Governamental O Mercado Governamental composto pelos poderes executivo, legislativo e judicirio dos governos municipais, estaduais e federal, que compram ou arrendam bens para a realizao das suas actividades precpuas de governo. partindo desta classificao que Aidar e Leoncini (2000) estabelecem uma estrutura de mercado para o futebol brasileiro, baseado nas leis econmicas e num modelo em que a ligao entre o lucro e a performance depender da eficcia da gesto, como se poder ver mais adiante,

Quadro 5 Classificao do mercado futebolMercado Mercado produtor Actores Organizaes de prtica e de administrao do futebol (clubes, ligas e federaes). Adeptos (indivduos e famlias) que, para o seu consumo pessoal, compram bens e servios que so adquiridos atravs dos relacionamentos directos e indirectos com o mercado intermedirio e o produtor. Compra servios/direitos (direitos de explorao e transmisso e servios de marketing) e revende-os para o mercado consumidor final.

Mercado consumidor final

Mercado consumidor intermedirio

Fonte: Adaptado de Aidar e Leoncini (2000:92)

Observando o Quadro 5, baseado no que diz Kotler (1996), identifica-se o mercado produtor, representado no contexto brasileiro pelos Clubes, as Ligas e Federaes e a Confederao Brasileira de Futebol. Este mercado tem como pressuposto a produo de um produto bom, voltado para a necessidade de emoo e paixo do adepto. Estas instituies devero, pois, ter uma gesto voltada para o lucro, calendrios organizados, estdios confortveis e equipas mais bem preparadas. O mercado intermedirio responsvel pela compra dos servios produzidos no mercado produtor e revenda ao mercado consumidor. Dentro desse tipo de

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mercado, podem-se destacar as empresas de marketing, as lotarias e as empresas de TV que, adquirem os produtos junto dos clubes e ligas e os passam aos adeptos e amantes do futebol. Finalmente, o mercado consumidor caracteriza-se pelos adeptos dos diversos clubes de futebol e os fs do futebol. Esse mercado, satisfeito, consome mais o produto gerado no mercado produtor e faz girar a mquina que propulsiona os negcios do futebol. Perante isto, cabe discutir como se estrutura a lgica econmica no negcio futebol para, ento, passar ao entendimento da gesto dos clubes, clula desta investigao.

2.1.2.1. O clube

A lgica microeconmica no contexto do negcio futebol, para os clubes, trazida, por Leoncini e Silva (2005), atravs de duas premissas bsicas de competio: a natureza da demanda pelo produto futebol; a lgica do processo produtivo de suas ofertas. Este autor explicita, ainda, que essa lgica representa o terreno onde as dinmicas do processo de mudana acontecem (Leoncini e Silva, 2005:18): O Processo produtivo de ofertas O fornecimento de servios desportivos de sucesso requer um entendimento das dimenses da qualidade da entrega do servio, ou seja, o jogo de futebol, para atender s expectativas do espectador, o consumidor activo: os factores associados ao resultado do evento e os factores de administrao do evento. Para os clubes individualmente, os factores associados ao resultado do evento, principalmente, as vitrias da equipa, sempre foram os principais factores relacionados satisfao e ao aumento dos chamados torcedores fiis em longo prazo.

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A transformao ou a transio, no perfil dos espectadores desportivos, dentro dos estdios, tem aumentado a importncia dos factores associados s condies da administrao do evento. A natureza de demando do produto A nec