Tese Maria Lucilia Ruy

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  • 7/25/2019 Tese Maria Lucilia Ruy

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    MARIA LUCILIA RUY

    FORMAO DE PALAVRAS

    LIVRO VIII DA GRAMTICA DE VARRO

    So Paulo

    2006

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    MARIA LUCILIA RUY

    FORMAO DE PALAVRAS

    LIVRO VIII DA GRAMTICA DE VARRO

    Dissertao de Mestrado, apresentadaao Programa de Ps-Graduao emLetras Clssicas da Faculdade deFilosofia, Letras e Cincias Humanas,da Universidade de So Paulo.

    Orientador: Prof. Dr. Jos R. Seabra F.

    So Paulo

    2006

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    Aos meus pais

    pela dedicao de uma vida inteira

    Para Marcos, Larissa e Valter

    pela presena constante

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    Agradecimentos em especial para o

    meu orientador, prof. Jos Seabra,

    pela dedicao e pacincia.

    E para o prof. Bruno Bassetto, pelo

    estmulo e a ateno.

    E ainda aos professores:

    Marcos Martinho dos Santos,

    Sidney Calheiros de Lima,

    Elaine Cristine Sartorelli e

    Jos Eduardo dos Santos Lohner.

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    RESUMO EM PORTUGUS

    Traduo crtica do livro VIII do De Lingua Latina do gramtico Varro

    com o propsito de assim estudar parte dessa obra ainda pouco divulgada em

    portugus. Nesse livro Varro trata sobre a maneira de se expressar na escrita, e

    na fala mesmo que de uma minoria ilustrada , mas tambm lana seu olhar

    para a disposio das palavras no enunciado conforme as funes que elas a

    ocupam. Isso se evidencia por ele demonstrar preocupao com as regras que

    deveriam ser seguidas em relao a essa disposio das palavras ao apresentar a

    discusso de sua poca entre analogistas e anomalistas no que se refere

    analogia existir ou no no mbito da linguagem, mais precisamente no mbito

    dos processos de formao de palavras em latim.

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    ABSTRACT

    Critical translation of book VIII of theDe Lingua Latina(On The LatinLanguage) of the grammarian Varro with the intention to study part of this

    book still little divulged in Portuguese. In this book Varro deals with on the

    way if expressing in the writing, and in it speaks exactly that of an illustrated

    minority , but also launches his look for the disposal of the words in

    agreement statement the functions that they occupy there. This if evidences for

    him to demonstrate concern with the rules that would have to be followed in

    relation to this disposal of the words when presenting the quarrel of its time

    between analogists and anomalists as for the analogy to exist or not in the scope

    of the language, more necessarily in the scope of the processes of formation of

    words in Latin.

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    NDICE

    INTRODUO .............................................................................. 08

    VIDA, OBRA, CONTEXTO HISTRICO-FILOSFICO....... 12

    Obras................................................................................................ 15

    ODe Lngua Latina.......................................................................... 18

    A importncia do livro VIII........................................................... 21

    DE LINGUA LATINA TRADUO DO LIVRO VIII .............. 22

    COMENTRIOS ........................................................................... 72

    CONSIDERAES FINAIS ......................................................... 90

    APNDICE ..................................................................................... 93

    Esquema do Livro VIII .................................................................. 94

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................105

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    INTRODUO

    Pela presente dissertao apresenta-se uma traduo crtica do livro VIII

    do De Lingua Latina do gramtico Varro. Tem-se o propsito, assim, de

    estudar parte dessa obra ainda pouco divulgada em portugus.

    Pelo meu entendimento no livro VIII em questo Varro trata sobre a

    maneira de se expressar na escrita, e na fala mesmo que de uma minoria

    ilustrada , mas tambm lana seu olhar para a disposio das palavras no

    enunciado conforme as funes que elas a ocupam. Isso se evidencia por ele

    demonstrar preocupao com as regras que deveriam ser seguidas em relao a

    essa disposio das palavras ao apresentar a discusso de ento entre

    analogistas e anomalistas no que se refere analogia existir ou no no mbito

    da linguagem, mais precisamente no mbito dos processos de formao,

    declinao e flexo de palavras em latim.

    Segundo Louis Holtz (1981, Introduo), essa ateno voltada para a

    construo do enunciado, para a distino de suas partes com vistas a

    sistematizar uma gramtica para que no houvesse maiores discrepncias na

    escrita, ou na fala, entre os escritores de ento s apareceria a partir do sculo

    IV a.C.

    Quando Varro escreve o seu De Lingua Latinaa gramtica servia como

    auxiliar das cincias que se ocupavam em estudar a linguagem: a filosofia, a

    crtica e a retrica.

    A filosofia precisou da gramtica porque pesquisava a histria da

    linguagem, a origem das palavras. Dessa pesquisa surgiu uma polmica quelevou os filsofos a questionar se a origem das palavras seria natural (fusij) ou

    convencional (qesij). Polmica muito importante para que a gramtica pudesse

    bem mais tarde tornar-se uma cincia independente e esses estudos pudessem

    desenvolver-se no mbito mais adequado a eles: o da gramtica. Desse

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    questionamento surgiram problemas de ordem morfolgica e fontica, que, ao

    serem enfrentados pelos filsofos, os levaram a se interessar pelo estudo do

    enunciado, orientados por uma espcie de lgica formal da linguagem. Da que

    Plato e Aristteles teriam comeado a perceber as categorias gramaticais(nomes e verbos), isto , a estrutura das formas faladas e escritas (Collart,

    1954).

    A crtica a cincia mediante a qual eram editados os livros teve a

    gramtica como auxiliar devido a problemas de pontuao, vocabulrio e

    ortografia com que se viu s voltas com a publicao de textos dos poetas de

    ento, particularmente da obra de Homero. Como havia uma infinita variedade

    de edies os crticos (ou fillogos) precisavam fazer uma triagem bastante

    severa desses escritores. Para essas publicaes eles se viram obrigados a

    separar os enunciados ento apresentados em forma de blocos para

    conseguir um melhor estabelecimento do texto. Um texto legvel e agradvel,

    eu diria. E essa separao em frases levou esses crticos a criar um sistema de

    sinais grficos para representar as pausas. Graas a esses problemas de ordem

    gramatical nasceu a pontuao. E os crticos tambm foram obrigados a estudar

    o vocabulrio porque nos textos a serem publicados havia palavras raras,

    tcnicas, prprias de um escritor, de uma regio ou de uma poca, obrigando-os

    a delas fazer uma compilao para uma rigorosa transcrio. Essa compilao

    chamada de leceijou glwssai chamou a ateno para a existncia de diferentes

    lxicos e dialetos, mas ainda sob perspectiva filosfica. A preocupao com a

    ortografia tambm surgiu dessa rigorosa transcrio, trazendo luz questes em

    relao a uma palavra estar ou no escrita de maneira correta porque um erro

    ortogrfico pode trazer srios problemas de entendimento de um texto. Os

    fillogos de ento no gostariam de correr esse risco. Essas questes tambmesbarram na controvrsia entre analogistas e anomalistas bastante forte na poca

    de Varro. A gramtica ento de um modo geral beneficiou a crtica textual, eu

    diria. Mas tambm a crtica ajudou a gramtica a se tornar independente

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    medida que os eruditos que trabalhavam com edio de textos comearam a se

    interessar pela histria das palavras.

    Mas a fundao da biblioteca da Alexandria, no incio do sculo III a.C.,

    tambm fez evoluir esse estado primitivo da gramtica por reunir um nmeroconsidervel de manuscritos, o que trouxe a necessidade de classific-los,

    estabelecer os textos de modo a torn-los acessveis ao pblico (Baratin, 1989).

    J a retrica por ser a arte do bem dizer, do falar correta e

    persuasivamente, tinha a gramtica como auxiliar porque precisava escolher

    entre as palavras as que lhe pudessem oferecer os melhores efeitos dentro das

    necessidades e do objetivo a que se propunha no para apenas conseguir uma

    fala floreada, como se diz, mas para convencimento em relao ao que quisesse

    defender, ou atacar, atravs de um texto. Da preocupao com tais efeitos de

    estilo surgiu o que hoje conhecemos como estilstica, por meio da qual h

    grande variedade de recursos dos quais os escritores podem lanar mo para

    conseguir com que os leitores sofram os efeitos produzidos com seus textos.

    Essa necessidade de recursos gramaticais levou alguns retores de ento a

    produzir livros a respeito, chamados tratados sobre estilo, ainda hoje muito

    teis a estudiosos e pesquisadores no apenas de gramtica e de filologia, mas

    tambm da rea do direito.

    Por isso posso afirmar, com Jean Collart, que a filosofia, a crtica e a

    retrica favoreceram o desenvolvimento da gramtica uma das ltimas

    conquistas gregas para que chegasse a se tornar uma cincia independente.

    Mesmo que isso tenha demorado um pouco ainda a acontecer, na poca em que

    Varro, em Roma, escreve o seuDe Lingua Latinaj se comeavam a perceber

    os diferentes domnios de atuao da gramtica enquanto tal. Dessa forma eu

    poderia dizer ento que Varro foi um dos primeiros a se no perceb-los chamar a ateno para os problemas intrinsecamente gramaticais como hoje so

    entendidos. Isso pelo fato de no livro VIII de seu DLL aparecerem as questes

    mencionadas na resumida histria da gramtica apresentada acima. Todas elas

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    sero mais bem analisadas nesta dissertao na parte denominada

    comentrios, mais adiante.

    A minha pesquisa e o desenvolvimento desta dissertao tm como base a

    leitura de estudos sobre Varro, feita aps um levantamento bibliogrfico sobreesse gramtico e sua obra. Depois disso comecei a traduzir esse livro VIII,

    escolhido exatamente por tratar das questes acima aludidas. A essa traduo

    acrescentei apontamentos, notas e observaes que se fizeram necessrios para

    os futuros leitores melhor compreenderem o texto em portugus. Para tanto,

    utilizei a edio crtica inglesa doDLL completo, de Roland G. Kent, da Loeb

    Edition e, para simples conferncia, a edio comentada espanhola, de Manuel

    A. Marcos Casquero, da Anthropos. Mas tambm tomei como parmetro a tese

    de doutoramento de Heitor Coradini (Metalinguagem na obra De Lingua Latina

    de Marcos Terncio Varro), de 1999.

    Ao longo do processo de traduo continuei minhas pesquisas, sempre

    visando a melhor fundamentar minha dissertao. Mas desta vez fiz um

    levantamento bibliogrfico com relao ao tema tratado por Varro no livro

    VIII dentre alguns escritores latinos e gregos a ele contemporneos ou no para

    conseguir uma viso mais ampla sobre esse tema e comparar a opinio desses

    escritores com a de Varro. Para desenvolver minha dissertao dentre eles

    escolhi trabalhar com Prisciano (Institutii Grammaticae) e Dionsio Trcio

    (Texnh Grammatikou,Ars Grammatica).

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    VIDA, OBRA, CONTEXTO HISTRICO-FILOSFICO

    A infncia de Marcos Terncio Varro (116-27 a.C.), natural de Rieti,

    antiga cidade Sabina, de austera simplicidade, mas sua famlia uma das mais

    ricas do seu tempo, com propriedades em Rieti e fazendas em Tsculo e

    Cassino. Conhecido como Reatinus, Varro o mais fecundo erudito da

    antiguidade: produziu nada menos do que 620 livros. De sua cidade natal vai a

    Roma para receber formao com os melhores mestres de sua poca. Na escola

    de Lcio cio seu primeiro mestre a quem dedica sua primeira obra, a De

    antiquitate litterarum, aprende os primeiros rudimentos de gramtica e passa

    de Lcio lio Estilo pelo qual encaminhado cincia etimolgica e

    atividade oratria, iniciando sua carreira poltica e forense. Ainda em Roma

    comea a estudar filosofia com Filo de Larissa e Antoco de Ascalon,

    conhecidos Acadmicos, aperfeioando esses estudos em Atenas entre 84 e 82

    a.C.

    A vida poltica de Varro bastante agitada. Em 97 torna-se triumuirus

    capitalis agente pblico encarregado de fiscalizar as prises e a execuo dos

    julgamentos criminais e questor. Em 78, embaixador para suceder Gaio

    Coscnio. De 76 a 72 Pompeu concede-lhe os cargos de embaixador e pr-

    questor na Espanha. Em 70 tribuno da plebe e pretor em 68. Em 67 assume o

    comando do setor naval de Siclia e de Delos em substituio a Pompeu. Em 59

    torna-se um dos 20 membros da comisso que aplicaria a lei agrria Jlia

    (uigintiuiri ad agros diuidendos) em Cpua. Em seguida lugar-tenente dePompeu na Espanha Ulterior. Sua presena marcante na cena poltica romana

    como fragoroso partidrio de Pompeu. Aps a batalha de Farslia perseguido

    por Antonio, mas consegue salvar seus bens do confisco graas interveno

    de Csar. Este em 47 o encarrega de organizar a primeira biblioteca pblica de

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    Roma. Assassinado Csar, Varro perde esse apoio e proscrito por Antonio

    em 43, mas encontra ajuda em Ffio Caleno. Em 27 a.C. morre com quase 90

    anos de idade, pondo fim a sua infatigvel atividade de escritor.

    Para a pesquisa de tudo o que diz respeito ao mundo em que Varro viveu e mais do que isso em tudo o que se refere doutrina varroniana e s

    influncias das chamadas escolas filosficas da antiguidade que o ajudaram a

    estabelecer tal doutrina preciso basear-se muito mais em seus livros que

    conseguiram sobreviver do que propriamente nos fragmentos das obras de seus

    predecessores. Ou seja, o fato de no haver muita segurana por tais obras no

    terem sobrevivido em torno dos estudos das fontes de Varro, segundo Jean

    Collart (1954), poderia tornar a pesquisa sobre esse gramtico decepcionante. A

    meu ver, no entanto, esses trechos tm importncia medida que por meio

    deles muito j foi descoberto em relao histria da gramtica.

    Segundo o mesmo Collart (1978), Varro sculo aps sculo o

    gramtico mais citado por seus sucessores, como Quintiliano, Aulo Glio,

    Carsio, Prisciano, Isidoro e Donato. Conhecer essas teorias, ou tendncias

    filosficas das quais Varro sofreu influncia, no apenas torna um pouco mais

    facilitada a compreenso da opinio desse escritor em relao polmica entre

    analogistas e anomalistas o objeto de anlise desta dissertao como

    tambm proporciona uma viso, bem sucinta na verdade, do avano dos estudos

    sobre linguagem e ainda das diversas posies em relao a esses estudos por

    parte de alguns filosfos e gramticos de ento.

    No livro VIII doDe Lingua Latinapode-se sentir esse pulsar de pontos de

    vista contrrios. Por tal razo compreend-lo e mesmo o DLL inteiro sem

    esse conhecimento prvio do contexto histrico-filosfico em que Varro

    estava inserido pode dar a impresso de certa confuso de idias. bastantepertinente ento tratar um pouco sobre essas vrias tendncias filosficas que

    de certa forma fizeram a cabea de Varro. Para tanto, preciso conhecer as

    correntes que circulavam pelo mundo greco-romano porque, segundo Louis

    Holtz (1981,Introduo), tanto a gramtica latina quanto a gramtica grega nos

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    seus incios so definitivamente tributrias de uma mesma instituio: a escola

    helenstica. Holtz acrescenta ainda que, at o fim do sculo em que viveu

    Donato, as duas partes do imprio grega e romana tm em comum no

    apenas uma histria poltica e institucional como tambm uma mesma histriaintelectual.

    Varro produziu extensa obra 620 livros. A partir da se poderia afirmar

    que ele conhecesse profundamente as obras filosficas de ento, sobretudo

    pelas citaes que delas faz ao longo doDe Lingua Latina. Ele cita Aristteles,

    Plato, Pitgoras, Epicuro, Zeno de Ccio, Crates, Aristarco e outros. Mas

    alm dessas citaes percebem-se os princpios doutrinrios de vrias

    tendncias filosficas pelo prprio texto de Varro, ou antes, tais princpios

    esto presentes no desenvolvimento do raciocnio de Varro em relao aos

    assuntos tratados no livro VIII doDLL.

    Desde a escola helenstica, no incio do sculo III, criada como instituio

    de ensino permanente para formar intelectualmente com o objetivo de dar

    condies aos alunos de avanarem para os estudos superiores (Holtz, 1981),

    at a poca de Varro surgiram outras a dos pitagricos, peripatticos,

    acadmicos, esticos, sofistas, epicuristas, eruditos alexandrinos e cada uma

    delas seguia uma linha filosfica diferente. Para alm dessas diferenas a

    linguagem o ponto de partida para o desenvolvimento de tais estudos

    superiores. As pesquisas desses filsofos em torno da palavra levaram a duas

    preocupaes: a explicao dos poetas para, entre outras coisas, interpretar as

    palavras mediante comparao de versos e a boa retrica para garantir um

    cuidado especial aos discursos dos retores da poca. Devido a essas pesquisas

    conforme j mencionei antes a preocupao com a linguagem foi tomando

    corpo (Neves, 1987, p. 32 e ss.).Todas essas questes e tambm outras so levadas em considerao

    com maior rigor em minha anlise sobre o livro VIII do De Lingua Latinado

    gramtico Varro.

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    Obras

    Varro desenvolveu atividades alm de sua atuao poltica em

    variados campos culturais: poesia, filosofia, oratria, crtica literria, gramtica,

    agronomia e antiguidades. Dessas atividades ele produziu extensa obra, da qual

    Jernimo organizou um catlogo, considerado incompleto porque cita apenas

    39 ttulos, num total de 320 livros. F. Ritschl, em uma pesquisa mais profunda e

    abrangente, relaciona 74 ttulos e 620 livros.

    No entanto, dessa extensa obra apenas conseguiram sobreviver os trs

    livros do De Re Rustica, seis livros dos 25 do De Lingua Latinae um grande

    nmero de fragmentos de vrios ttulos daqueles 620 livros. Grande parte deles

    (608) se refere gramtica.

    Toda a produo de Varro pode ser dividida, segundo Heitor Coradini

    (1999, p. 95-103), em quatro grandes partes ou conjuntos temticos:

    1- De erudio sobre a antiguidade: histria, antiqurio e teologia:

    Antiquitates(41 livros, de 56 a.C.),De uita populi Romani(4 livros, entre 56 e

    44 a.C.),De familiis Troianis(de 68 a.C.),Rerum urbanorum libri III (3 livros),

    Liber Tribuum (entre 47 e 45 a.C.), Annalium libri III (3 livros), De gente

    populi romani libri IV (4 livros, aps 43 a.C.), Legationum libri III (3 livros),

    Aetia (de 60 a.C.), De Pompeio libri III (3 livros), De sua uita libri III (3

    livros).

    2- Sobre gramtica, filologia, crtica literria e dramatologia: De

    descriptionibus libri III (3 livros), De personis libri III (3 livros), De actis

    scaenicis libri III (3 livros), Scaurus uel De scaenicis originibus libri III (3livros), De actionibus scaenicis libri V (5 livros), Quaestionum Plautinarum

    libri V(5 livros),De comoediis Plautinis, Epistulae Latinae(8 livros, antes de

    44 a.C.), Quaestiones epistolatum(7 livros), De bibliothecis libri III (3 livros,

    antes de 47 a.C.),De lectionibus libri III(3 livros),De compositione saturarum,

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    De proprietate scriptorum libri III (3 livros), De poematis libri III (3 livros,

    aps 45 a.C.), De poetis, Imaginum libri XV (15 livros, de 45 a 39 a.C.),

    Epitome ex imaginum libris (4 livros), De lingua Latina (25 livros, entre 47 e

    45 a.C.), Epitome De lingua Latina (9 livros, aps 44 a.C.), De similitudineuerborum libri III (3 livros, entre 56 e 47 a.C.), Peri( xarakthrwn Sobre os

    caracteres,De utilitate sermonis libri IV(4 livros),De antiquitate literarum ad

    Accium (2 livros), De origine linguae Latinae libri III (3 livros, entre 56 e 47

    a.C.),De sermone Latino ad Marcellum libri V(5 livros, entre 46 e 44 a.C.),De

    Grammatica ouDisciplinarum liber I(1 livro, entre 35 e 32 a.C.).

    3- De interesse didtico: tcnico, doutrinrio, jurdico, burocrtico

    Disciplinarum libri IX(9 livros, entre 33 e 31 a.C.), De Ephemeris naualis ad

    Pompeium (de 77 a.C.), De ora marituma, De litoralibus, De aestuariis, De

    mensuris(de 59 a.C.), De ualetudine tuenda lber (1 livro),De iure ciuili libri

    XV(15 livros),De gradibus (1 livro),Liber de philosophia(1 livro), De forma

    philosophiae libri III (3 livros), De principiis numerorum libri III (3 livros,

    entre 45 e 36 a.C.),Isagogicum ad Pompeium(71 a.C.),Rerum rusticarum libri

    III De re rustica(3 livros, de 37 a.C.).

    4- De finalidade filosfico-artstica: Logistorikw=n Logistorici libri

    LXXVI(76 livros), Orationes, Suasionum libri tres (3 livros),Laudatio Porciae,

    Poematum libri X (10 livros), Saturae (4 livros), Pseudotragoediarum libri VI

    (6 livros), Saturarum Menippearum libri CL(150 livros, entre 80 e 55 a.C.).

    Essa reconstituio da extensa obra de Varro foi feita mediante

    trabalhosa pesquisa e compilao por parte de fillogos e comentaristas com

    base em fragmentos mantidos graas citao de historiadores e gramticos

    antigos.

    Percebe-se por essa compilao o grande interesse de Varro porgramtica medida que alm doDe Lingua Latinah outros nove ttulos, num

    total de 60 livros: Quaestionum Plautinarum libri V (5 livros, aps 45 a.C.),

    Epitome De Lingua Latina (9 livros, aps 44 a.C.), De similitudine uerborum

    libri III (3 livros, entre 56 e 47 a.C.), Peri( xarakthrwnSobre os caracteres,De

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    utilitate sermonis libri IV(4 livros, entre 56 e 47 a.C.), De antiquitate literarum

    ad Accium(2 livros),De origine linguae Latinae libri III(3 livros, entre 56 e 47

    a.C.),De sermone Latino ad Marcellum libri V(5 livros, entre 46 e 44 a.C.),De

    Grammatica ouDisciplinarum liber I(1 livro, entre 35 e 32 a.C.).Da obra gramatical de Varro existem 608 fragmentos, embora em

    relao a alguns deles no haja certeza sobre a localizao. Deles h

    importantes edies com base nas quais muitos estudos puderam ser

    desenvolvidos, como os de:

    - Keil, Heinrich. Grammatici Latini(GLK), Teubner, entre 1857 e 1880.

    - Wilmans, A., de 1864.

    - Goetz-Schoell, Leipzig, Teubner, de 1910.

    - Funaioli, G. Grammaticae Romanae Fragmenta(GRF), de 1907.

    Segundo Jean Collart (1954, p. 32), com base nesses estudos acima

    referidos, esses fragmentos podem ser distribudos segundo o tema gramatical a

    que se referem: grafia e fontica (34), morfologia: analogia, anomalia, palavras

    duvidosas (72), etimologia (309), semntica (110), sintaxe e estilstica (10),

    histria da lngua e reflexes gramaticais (11), mtrica (17) e crtica literria

    (45). E essas referncias podem servir para a interpretao do De Lingua

    Latina. Mas tambm delas pode-se perceber o interesse de Varro por

    gramtica em seu conjunto e, ainda, concluir sobre o grande prestgio de que ele

    gozava que, ainda segundo Collart (1978, p. 4), se manteve intacto por 700

    anos.

    De fato Varro era muito respeitado entre os gramticos da antiguidade.

    Para Quintiliano (Instituti Oratoriae X, I, 95), alterum illud etiam prius saturae

    genus, sed non sola carminum uarietate mixtum condidit Terentius Varro, uir

    Romanorum eruditissimus(Terncio Varro, homem eruditssimo dos romanos,estabeleceu tambm aquele outro tipo de stira, mas no poesia misturada com

    uma nica variante) e para Aulo Glio (Noctes Acticae XIX, 14, 1),aetas M.

    Ciceronis et C. Caesaris praestanti facundia uiros paucos habuit, doctrinarum

    autem multiformium uariarumque artium, quibus humanitas erudita est,

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    columina habuit M. Varronem et P. Nigidium (a poca de M. Ccero e de C.

    Csar teve poucos homens com notvel eloqncia; ela teve M. Varro e P.

    Nigdio como pilares das diversas doutrinas e das diferentes cincias com as

    quais d-se a cultura erudita).Esse grande prestgio reiterado por esses grandes mestres comprova

    a importncia, e tambm a influncia, do De Lingua Latina, ainda que

    mutilado, para os estudos filolgico-gramaticais tanto de tempos atrs quanto

    de hoje.

    ODe Lingua Latina

    Dos livros V ao X doDLLa nica fonte o manuscrito F (Laurentianus

    LI, 10) do sculo XI, da Biblioteca Laurentiana de Florena que, segundo

    Roland Kent, talvez por descuido dos copistas j estava seriamente mutilado

    quando descoberto. (Curiosamente, Varro no captulo 28, pargrafo 51, de seu

    livro VIII, faz uma observao prpria de fillogos sobre os copistas: ... de hoc

    genere parcius tetigi, quod librarios haec sp(i)nosiora indiligentius elaturos

    putaui sobre essa categoria me referi mais parcamente porque calculei que a

    essas coisas mais dificultosas os copistas haveriam de expor mais

    desmazeladamente.)

    Ainda segundo Kent, L. Spengel em seu trabalho de recomposio desse

    manuscrito fixou um nmero de 6 lacunas: 1- aps o captulo XXIII, pargrafo

    162 do livro V; 2- no incio do livro VII; 3- aps o captulo II, pargrafo 23 do

    livro VII; 4- do final do livro VIII at o incio do livro IX; 5- aps o captulo II,pargrafo 23 do livro X; e 6- aps o captulo II, pargrafo 34 do livro X.

    A partir desse manuscrito foram estabelecidas vrias edies do DLL.

    Segundo Roland Kent (1977, p. XVII-XXIII), a do sculo XV a mais antiga

    delas, a Editio Princeps, publicada em Roma em 1471, preparada por

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    Pompnio Leto. Em seguida surgiram a Editio Vetustissima (1473), a Editio

    Veneta (1483), a Editio Rholandeli (1475, Veneza). No sculo XVI, a Editio

    Baptistae (1510, Milo), Editio Aldina (1513, 1517 e 1527, Veneza), Editio

    Parisiensis (1529), Editio Gryphiana (1535, Lion), Editio Vulgata (1554,Roma), Editio Vertranii

    (1563, Lion), Editio Turnebi (1566, Paris), Editio de

    Enrico Stefano (1569, Paris). No sculo XVII h apenas duas edies: Popma

    (1601, Leiden) e Editio Gaspari (1602 e 1605, Ingolstadt). No sculo XVIII

    somente a Editio Bipontina(1788, Baviera).

    Ainda conforme Roland Kent, as primeiras edies autenticamente

    filolgicas so do sculo XIX. A de Leonhard Spengel (1826, Munique; 1885

    esta preparada por Andras Spengel e extremamente elogiada por Kent devido

    ao aparato crtico) e a de K. O. Muller (1833, Leipzig; 1837, Paris, por A.

    Egger). Finalmente, do sculo XX so conhecidas as edies de Goetz-Schoel

    (1910, Leipzig, Teubner edio crtica monolingue), de Roland G. Kent

    (1951, Londres edio crtica bilnge ingls/latim) e de A. Traglia (1974,

    Turim edio com aparato crtico).

    Alm dessas edies crticas do DLL completo h ainda algumas

    parciais com aparato crtico, notas e traduo: de Jean Collart (1954, Paris, livro

    V), de E. Riganti (1978, Bolonha, livro VI), H. Dahlmann (1940 e 1966,

    Berlim, livro VIII), H. J. Mette (1952, Halle, do livro VIII ao X), A. Traglia

    (1956, Bari e 1967 em Roma), Pierre Flobert (1985, Paris, livro VI) e de

    Manuel-Antonio Marcos Casquero (1990, Barcelona, do livro V ao X edio

    sem aparato crtico).

    Segundo dados retirados principalmente das obras de Jean Collart (1954 e

    1978) e de Francisco Della Corte (1978), o De Lingua Latina foi previsto

    dentro de um esquema rigoroso e bem articulado. O primeiro livro se dedica introduo, seguida de quatro blocos de seis livros (hxadas), subdivididos em

    duas partes (trades) cada um deles.

    Os seis primeiros livros (do II ao VII) tratam sobre etimologia. Destes,

    como j disse antes, sobreviveram trs (do V ao VII). Na primeira trade

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    dedicada a P. Septmio, infelizmente perdida dessa primeira hxada Varro

    exps sobre o carter terico da etimologia. Na segunda trade dedicada a

    Ccero ele apresenta no livro V um vasto repertrio (de carter prtico)

    etimolgico de termos relativos a espao, no livro VI de termos relacionados atempo e no livro VII os usados pelos poetas referentes a tempo e espao.

    Para a segunda hxada estava prevista a parte dedicada morfologia. A

    primeira trade tambm sobrevivente trata sobre a teoria da deriuatio

    (flexo, derivao e declinao) das palavras em latim. O livro VIII traz

    argumentos contra a analogia, o livro IX argumentos contra a anomalia e o livro

    X expe em relao ao que Varro acreditava ser a verdadeira analogia. Na

    segunda trade estava apresentada a prtica, isto , havia exemplos prticos em

    relao morfologia.

    Do livro XI ao XXV, com base nos estudos filolgicos e edies crticas,

    h a hiptese de que na segunda trade da segunda hxada o livro XI trouxesse

    exemplos prticos da deriuatio na lngua falada, o livro XII da deriuatio na

    lngua escrita em prosa e o livro XIII da deriuationa lngua escrita em poesia.

    Para as duas hxadas seguintes (do livro XIV ao XXV) havia a previso,

    ainda segundo esses importantes estudos filolgicos e edies crticas, de

    Varro se dedicar exposio sobre sintaxe, com base no plano geral do DLL

    por ele exposto no captulo I, pargrafo 1 do livro V: quemadmodum uocabula

    essent imposita rebus in lingua Latina, sex libris exponere institui(decidi expor

    em seis livros de que maneira os vocbulos teriam sido aplicados s coisas em

    lngua latina) e em VII-110 do livro VII: quocirca quoniam omnis operis de

    Lingua Latina tris feci partis, primo quemadmodum vocabula imposita essent

    rebus, secundo quemadmodum ea in casus declinarentur, tertio quemadmodum

    coniungerentur, prima parte perpetrata, ut secundam ordiri possim, huic librofaciam finem (por conseguinte, como toda a obra De Lingua Latina foi

    estruturada em trs partes a primeira a de que maneira os vocbulos foram

    aplicados s coisas, a segunda como se declinam esses vocbulos em seus

    diferentes casos e a terceira a de que maneira esses vocbulos se juntam /no

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    enunciado/ , terminada a primeira, iniciarei este livro para que eu possa

    comear a segunda).

    Entretanto apesar de grande parte do DLL ter sido perdida, esses livros

    sobreviventes conservaram importante documentao filolgico-gramatical noque diz respeito etimologia com base nos estudos de Varro sobre textos em

    prosa e em poesia.

    NoDLLVarro toca em questes gramaticais, lingsticas e filolgicas

    poca prprias da filosofia. Nesse aspecto ele contribuiu enormemente para que

    a gramtica como referi na introduo desta dissertao se tornasse uma

    cincia independente tal como hoje.

    A importncia do livro VIII

    A importncia do livro VIII doDLLnesse contexto explica-se exatamente

    pelo fato de tratar diretamente da polmica entre analogistas e anomalistas.

    Voltar as atenes ao exame dessa polmica levou Varro a tocar em problemas

    especificamente gramaticais mesmo que deles ele no tivesse plena conscincia.

    Portanto, o papel do livro VIII (alm do IX e do X que fazem parte de uma

    trade) foi de extrema importncia para o avano dos estudos gramtico-

    filolgicos e lingsticos. Isso fica mais evidente e mais bem explicitado em

    meus comentrios sobre esse livro logo aps a parte em que est a sua traduo

    e o texto em latim, com notas, apontamentos e observaes.

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    DE LINGUA LATINA

    TRADUO DO LIVRO VIII

    De Lingua Latina

    Marci Terenti Varronis

    Liber VII explicit, incipit Liber VIII

    Quae dicantur cur non sit analogia liber 1.

    I- 1 Quom oratio natura tripertita esset, ut superioribus libris ostendi,

    cuius prima pars, quemadmodum uocabula rebus essent imposita, secunda, quo

    pacto de his declinata in discrimina ierint, tertia, ut ea inter se ratione

    coniuncta sententiam efferant, prima parte exposita de secunda incipiam hinc.

    Ut propago omnis natura secunda, quod prius illud rectum, unde ea, sic

    declinata: itaque declinatur in uerbis: rectum homo, obliquum hominis, quod

    declinatum a recto.

    Da Lngua Latina

    de Marcos Terncio Varro

    Est apresentado o livro VII; comea o livro VIII.

    O que se diz por que no exista analogia livro I

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    I- 1 Como a linguagem por natureza1 se divide em trs partes, como

    demonstrei nos livros anteriores2 a primeira delas se refere a como os

    vocbulos foram aplicados s coisas, a segunda a de que maneira seus

    derivados tenham passado por significados diferentes, a terceira a como,combinados entre si num complexo de regras, eles exponham um pensamento

    tendo exposto a primeira parte, daqui comearei a falar sobre a segunda. Do

    mesmo modo que toda forma derivada , por natureza, secundria porque

    antes vem aquela forma reta donde ela se originou , assim se declina nas

    palavras: a forma reta3 homo (homem) e a oblqua4 hominis (do homem),

    porque se derivou a partir da reta.

    1 O termo natura ao longo deste livro VIII tem um significado filosfico porque mesmo napoca em que ele foi escrito apesar de j se dedicar unicamente a questes gramaticais os

    problemas relacionados linguagem ainda eram tratados no mbito da filosofia (como se verno desenvolvimento desta dissertao). Por isso, este livro de Varro est impregnado deconceitos e idias filosficas da antiguidade.Para Pitgoras a opinio do qual deve ser examinada com reservas porque problemtica aconfigurao do pensamento pitagrico original que apenas encontrado em esclios tardioscomprometidos com distines posteriores a linguagem obra da natureza, conforme oCrtilo[obra de Plato]. Os nomes so puras imagens das coisas e o ato de dar nomes s coisasno obra do acaso, mas de algum que entende a natureza das coisas: da resulta que as

    palavras existem fusei (por natureza). Segundo outras fontes, tambm indiretas e tardias, no

    pensamento de Pitgoras h a idia de um ser primeiro que deu nome a todas as coisas e ento alinguagem seria qesei(por conveno) no fusei(Neves, 1987, p. 32).J para os esticos nem toda linguagem obra da natureza, mas apenas a correta o que

    pressupe a busca da orqothj(correo, virtude) e para tanto a linguagem possui qualidades quedeveriam ser buscadas: clareza, conciso, convenincia, propriedade e helenismo ou latinitas,

    para os romanos isto , o uso da expresso autenticamente grega (latina, no caso de Varro)no comprometida por elementos estranhos (Ibid, ibidem, p. 97).2 O De Lingua Latina possua originalmente 25 livros, dos quais apenas seis (do V ao X)chegaram at ns. Mesmo assim com algumas partes faltando. Segundo M. A. M Casquero(1990), apud Heitor Coradini, conjetura-se que o DLL tenha sido dividido em dois blocosdesiguais e uma Introduo (livro I). No primeiro deles, os trs livros iniciais (do II ao IV)foram escritos como monografia sobre etimologia inflelizmente perdidos. O segundo (do V aoXXV), dedicado morfologia e sintaxe. Contudo, nos livros V, VI e VII Varro tambm se

    dedica etimologia, mais exatamente sua prtica.Neste trecho de minha traduo Varro avisa ter concludo exatamente essa parte sobreetimologia. Da em diante ele pode dar incio ao segundo bloco e seguir seu plano geral doDLL.3No geral o adjetivo rectuspode significar direto, direito; reto; simples; limite. Neste pargraforectus se refere a caso reto, conceito gramatical, para designar o nominativo. Isto porquemorfologicamente s pode estar no nominativo um nome que, em latim, compreendesubstantivo, pronome e artigo. A partir desse nome podem-se gerar outras palavras, nonecessariamente um nome.

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    2 De huiusce(modi)5 multiplici natura discriminum (ca)usae sunt hae,

    cur et quo et quemadmodum in loquendo declinata sunt uerba. De quibus duo

    prima duabus causis percurram breuiter, quod et tum, cum de copia uerborum

    scribam, erit retractandum et quod de tribus tertium quod est habet suaspermultas ac magnas partes.

    2 A respeito de tal natureza multiforme os motivos das diferenas so

    estes: por que, para que e de que maneira as palavras so flexionadas na fala6.

    Dentre eles, examinarei brevemente os dois primeiros por duas razes: porque

    /esse assunto/7dever ser reproduzido quando eu escrever sobre a abundncia

    lexical e porque dentre os trs o terceiro /ponto/ contm numerosas e

    importantes divises prprias.

    II- 3 Declinatio inducta in sermones non solum Latinos, sed omnium

    hominum utili et necessaria de causa: nisi enim ita esset factum, neque

    di(s)cere tantum numerum uerborum possemus (infinitae enim sunt naturae in

    quas ea declinantur) neque quae didicissemus, ex his, quae inter se rerum

    cognatio esset, appareret. At nunc ideo uidemus, quod simile est, quod

    4 Obliquus (em grego, lexrioj) pode significar oblquo, indireto, derivado; parentesco; ligaocolateral, no direta; casos oblquos. assim denominado em relao ao caso reto exatamente

    por esse significado. Principalmente como derivado e ligao colateral, ou ligao familiar, emconformidade com o ponto de vista de Varro que procura explicar essa relao traando um

    paralelo com o significado de rvore genealgica que, segundo ele, no apenas as pessoas apossuem, mas tambm as palavras.5 Esses parnteses sero encontrados ao longo de todo o texto do livro VIII no original emlatim. Eles foram colocados, segundo Roland G. Kent, no estabelecimento de sua edio crticacom base no Codex Vindobonensis, do sculo XV, de Viena, examinado por L. Spengel em1835. Os termos, frases ou mesmo letras que aparecem entre parnteses foram neles colocadosdevido existncia de mais de um manuscrito do DeLinguaLatina. Poderiam ser anotaes ou mesmo acrscimo de copistas, tornando discrepantes os textos desses manuscritos quechegaram at ns. Por isso, para no correr o risco de divulgar o De Lingua Latina maistruncado ainda (v. nota 2) Spengel optou pela manuteno desses termos, frases e at letras.6 Neste pargrafo Varro se refere fala com a expresso in loquendo, pois sua anlise dadeclinatio engloba no apenas textos escritos, mas tambm o modo de falar de sua poca,embora se refira fala de uma minoria erudita. De qualquer forma bem diferente da escrita,

    pois aquela (a fala) muito mais suscetvel a influncias e, portanto, se modifica mais rpida eintensamente.

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    propagatum: legi (c)um (de lego) declinatum est, duo simul apparent, quodam

    modo eadem dici et non eodem tempore factum; at si uerbi gratia alterum

    horum diceretur Priamus, alterum Hecuba, nullam unitatem adsignificaret,

    quae apparet in lego et legi et in Priamus Priamo.

    II- 3 A derivao foi introduzida em linguagens8no apenas latinas, mas

    /nas/ de todos os homens por um motivo til e necessrio: de fato se assim no

    tivesse sido feito nem poderamos aprender um to grande nmero de palavras

    (na verdade so infinitas as formas9 em que elas se derivam), nem no que se

    refere s que tivssemos aprendido a partir delas ficaria claro que semelhana

    haveria entre elas. Mas agora por essa razo percebemos o que semelhante

    /pelo/ que foi produzido10. Quando se flexiona legi (li) a partir de lego (leio)

    duas coisas ficam simultaneamente evidentes: que, de certo modo, so ditas

    coisas idnticas e que no se agiu no mesmo tempo. Mas se, por exemplo, uma

    dessas palavras fosse Priamus e outra Hecuba no ficaria indicada unidade11

    alguma, como aparece em lego, legie em Priamus, Priamo12.

    7Os termos ou as expresses entre barras ao longo desta traduo foram inseridos por mim paracompletar o sentido das frases, pois so necessrios para a compreenso do texto em portugus.8Para se referir linguagem Varro usa o termo sermoneste pargrafo, mas em I-1 usou oratioque, normalmente tem o sentido de enunciado, no de linguagem.9Neste trecho traduzi naturacomoforma, uma acepo de aspecto, porque no possui o mesmosentido com que aparece ao longo deste livro VIII.10Aqui traduzi propagatumcomo o que foi produzido porque Varro quis enfatizar aquelesentido depropagoutilizado por ele logo no incio deste livro (I, 1) para indicar que as palavrasderivadas possuem semelhana com aquela da qual se originaram.11 Unitas pode designar no geral identidade, perfeita semelhana, harmonia, acordo. Nestetrecho a unitas a que Varro se refere diz respeito identidade da palavra, ou melhor, duas

    palavras possuem unidade porque tm o mesmo radical. Trata-se no de desinncias

    semelhantes, mas de radicais idnticos no s graficamente, mas tambm semanticamente.Portanto tais palavras tm identidade porque partem do mesmo significado. O significado quedeu origem palavra primeira, de quando foi aplicada a alguma coisa.12PriamusPriamo exemplo usado por Varro para justificar o que significa a unitasa que serefere neste trecho (v. nota 11). Os dois termos possuem em comum o radical Priam-, que lhesgarante o mesmo significado, ou melhor, o flexionado (Priamo)parte do sentido do termo deque se originou. E as desinncias so as diferenas a que Varro se refere. Neste exemplo - usindica nominativo singular e -oablativo singular, justamente para diferenciar a funo sintticade cada termo no enunciado.

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    4 Ut in hominibus quaedam sunt agnationes ac gentilitates, sic in

    verbis: ut enim ab Aemilio homines orti Aemilii ac gentiles, sic ab Aemilii

    nomine declinatae uoces in gentilitate nominali: ab eo enim, quod est

    impositum recto casu Aemilius, orta Aemilii, Aemilium, Aemilios, Aemiliorumet sic reliquae eiusdem quae sunt stirpis.

    4 Do mesmo modo que entre os homens existe algum parentesco e

    consanginidade assim tambm se d entre as palavras: da mesma maneira,

    pois, a partir de um Emlio provm os Emlios e suas famlias, bem como do

    nome Emlio so formadas palavras em relao ao nome da famlia: a partir

    disso, pois, como Aemilius dado no nominativo, so gerados Aemili,

    Aemilium,Aemilios,Aemiliorume tambm os restantes dessa mesma famlia.

    5 Duo igitur omnino uerborum principia, impositio (et declinatio),

    alterum ut fons, alterum ut riuus. Impositicia nomina esse uoluerunt quam

    paucissima, quo citius ediscere possent, declinata quam plurima, quo facilius

    omnes quibus ad usum opus esset dicerent.

    5 Por conseguinte, no geral, so duas as origens das palavras13: a

    aplicao de um nome e a flexo. Uma como nascente, outra como rio.

    Quiseram que houvesse bem poucos nomes aplicados14 para que mais

    rapidamente pudessem decor-los; os derivados em grande nmero para que

    todos considerassem mais facilmente os que fossem necessrios para o uso.

    13Pelo contexto, neste trecho, a origem das palavras se refere aos processos de formao e dederivao de palavras, e no ao fenmeno que deu origem fala e, conseqentemente, escrita

    em torno do qual h muitas controvrsias.14 Para os pitagricos apenas quem entende a natureza das coisas que poderia criar novas

    palavras, isto , dar nome s coisas (v. nota 1). Para Varro, no entanto apesar da forteinfluncia pitagrica que sofreu , vrias pessoas poderiam faz-lo: os antigos romanos, pais da

    ptria e da lngua, conforme ele prprio afirma na frase impositicia nomina esse uolueruntquam.paucissima(quiseram que houvesse bem poucos nomes aplicados).

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    6 Ad illud genus, quod prius, historia opus est: nisi discendo enim aliter

    id non peruenit ad nos; ad reliquum genus, quod posterius, ars: ad quam opus

    est paucis praeceptis quae sunt breuia. Qua enim ratione in uno uocabulo

    declinare didiceris, in infinito numero nominum uti possis: itaque nouisnominibus allatis (in) consuetudinem sine dubitatione eorum declinatus statim

    omnis dicit populus; etiam nouicii servi empti in magna familia cito omnium

    conseruorum (n)om(i)na recto casu accepto in reliquos obliquos declinant.

    6 Em relao a esse primeiro tipo de palavras necessrio /servir-se/ da

    histria, pois o conhecimento delas no chega at ns de outro modo seno com

    o estudo; quanto ao segundo, porque /vem/ depois, necessrio /servir-se/ da

    gramtica, para a qual so necessrios poucos preceitos15, que so breves. Com

    efeito, j que se aprende a declinar pela regra de uma nica palavra pode-se

    usar esse aprendizado para um nmero infinito de nomes. E assim, sendo

    produzidos novos nomes para a fala habitual, sem dvida a flexo deles todo o

    povo entende sem demora; alm disso, os escravos recm-comprados por uma

    grande famlia ao conhecerem os nomes de todos os seus companheiros de

    escravido no nominativo logo os declinam nos outros casos oblquos.

    7 Qui s(i) non numquam offendunt, non est mirum: et enim illi qui primi

    nomina imposuerunt rebus fortasse an in quibusdam sint lapsi: uoluis(se) enim

    putant(ur) singularis res notare, ut ex his in multitudine(m) declinaretur, ab

    homine homines; sic mares liberos uoluisse notari, ut ex his feminae

    declinarentur, ut est ab Terentio Terentia; sic in recto casu quas imponerent

    uoces, ut illinc essent futurae quo declinarentur: sed haec in omnibus tenere

    15 Neste trecho Varro quis dizer que s com o estudo gramatical, isto , s com a anlisemorfolgica e/ou semntica, no h como conhecer profundamente as palavras, no h comoconhecer sua trajetria, entender quais significados elas foram adquirindo ao longo do tempo,que influncias receberam etc. Porque sozinhas as regras gramaticais no do conta disso. Hnecessidade do auxlio de outra(s) cincia(s). Neste caso, conforme Varro, trata-se da histria.Atualmente, o conhecimento da trajetria de uma palavra (do terminusa quo ao terminus adquem) constitui o campo de estudos da filologia romnica.

  • 7/25/2019 Tese Maria Lucilia Ruy

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    nequisse, quod et una(e) et (binae) dicuntur scopae, et mas et femina aquila, et

    recto et obliquo uocabulo uis.

    7 No de admirar se por ventura aqueles dois /tipos de palavra/ sechocarem alguma vez, pois tambm os que primeiramente aplicaram nomes s

    coisas talvez tenham cometido erros em alguns momentos. De fato, imagina-se

    terem pretendido dar nome s coisas no singular para que a partir deles se

    flexionasse no plural: hominesde homo (homem); bem como imagina-se terem

    pretendido denominar os filhos homens nascidos livres para que a partir deles

    fossem flexionados os das filhas, como Terentia de Terentius. Assim

    determinariam esses termos no nominativo para que da usassem os futuros

    vocbulos a que fossem derivados. Mas no se pode apegar a essas questes

    todo tempo porque scopae (vassouras) so ditas tanto unae quanto binae16;

    aquila (guia) tanto masculino como feminino; uis (fora) tanto o

    nominativo como o genitivo.

    8 Cur haec non tam si(n)t in culpa quam putant, pleraque soluere non

    difficile, sed nunc non necesse: non enim qui potuerint adsequi sed qui

    uoluerint, ad hoc quod propositum refert, quod nihilo minus declinari potest ab

    eo quod imposuerunt scopae scopa(rum), quam si imposuissent scopa, ab eo

    scopae sic alia.

    8 A maior parte das vezes no difcil de explicar por que essas

    situaes no ocorram tanto por imperfeio quanto se julga. Mas no

    16

    Varro constata o fato de que no h como declinar alguns termos com base no paradigmaestabelecido (declinar a partir de uma palavra no masculino, singular) porque so usados tantono singular quanto no plural, citando como exemplo scopae. Ele comenta isso adiante em III-8dizendo que esse paradigma s poderia ser usado se scopaetivesse sido estabelecida a partir dosingular scopae no do plural. Neste mesmo trecho cita ainda aquilae uis. Aquila tanto podeser do gnero masculino quanto do gnero feminino, e uis funciona tanto como nominativoquanto como genitivo. Tais exemplos so usados por Varro como argumento para comprovarque realmente no existe analogia. Se existisse no deveria haver teoricamente esses tiposde problemas.

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    necessrio /ver este assunto/ neste momento. Pois no importante como

    tenham podido alcanar o propsito em relao a isso, mas como o tenham

    desejado, pois por forma nenhuma scopae scoparum pode ser flexionado a

    partir desse nominativo como estabeleceram, o que poderia ocorrer se tivessemestabelecido scopaea partir de scopa, como outros.

    III- 9 Causa, inquam, cur eas ab impositis nominibus declinarint, quam

    ostendi; sequitur, in quas uoluerint declinari aut noluerint, ut generatim ac

    summatim item informem. Duo enim genera uerborum, unum fecundum, quod

    declinando multas ex se parit disparilis formas, ut est lego legi legam, sic alia,

    alterum genus sterile, quod ex se parit nihil, ut est et iam uix cras magis cur.

    III- 9 Para mim, a razo por que tenham derivado essas palavras a partir

    de nomes dados no nominativo, como mostrei, basta para que eu exponha

    genrica e sucintamente em relao a quais delas tenham desejado ou no que

    fossem derivadas. H, pois, dois tipos de palavra: um frtil17porque a partir

    de si ao flexionar gera muitas formas diferentes, como lego (leio), legi (li),

    legam(lerei); outro, improdutivo18porque a partir de si no gera nada, como et

    (e, tambm), iam (j), uix (apenas, com dificuldade), cras (amanh, no dia

    seguinte), magis (mais), cur (por que, de que, do que, por que causa).

    10 Quarum rerum usus erat simplex, (simplex) ibi etiam uocabuli

    declinatus, ut in qua domo unus seruus, uno seruili opust nomine, in qua multi,

    pluribus. Igitur et in his rebus quae sunt nomina, quod discrimina uocis plura,

    propagines plures, et in his rebus quae copulae sunt ac iungunt uerba, quod

    non opus fuit declinari in plura, fere singula sunt: uno enim loro alligare possis17Varro se refere neste trecho a substantivo, verbo, adjetivo classes de palavras que admitemflexo de nmero, caso, gnero e grau (no latim) , a partir dos quais outras palavras podem serformadas.18Aqui Varro fala de conjunes e advrbios que no admitem nenhum tipo de flexo e nemgeram outras palavras. As conjunes ele as chama de fulmentum (suporte) e delas trata no

    pargrafo seguinte.

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    uel hominem uel equum uel aliud quod, quicquid est quod cum altero potest

    colligari. Sic quod dicimus in loquendo Consul fuit Tullius et Antonius,

    eodem illo et omnis binos consules colligare possumus, uel dicam amplius,

    omnia nomina, atque adeo etiam omnia uerba, cum fulmentum ex una syllabaillud et maneat unum. Quare duce natura (factum)st, quae imposita essent

    uocabula rebus, ne ab omnibus his declinatus putaremus.

    10 O uso daquelas coisas era simples, ento a derivao de um vocbulo

    tambm era simples como na casa em que h um nico escravo necessrio

    um nico nome de escravo e onde h muitos so necessrios tambm muitos

    nomes. Portanto tambm nessas coisas que tm nomes, visto que h muitas

    variaes de uma palavra, so mltiplos os derivados; e naquelas que existem

    para ligao e unem palavras normalmente h um nico porque no foi

    necessrio flexion-las em mltiplas outras. De fato, com uma s correia pode-

    se amarrar um homem, um cavalo ou qualquer coisa que possa ser ligada a uma

    outra. Assim quando dizemos na fala Tlio e Antonio foram cnsules com

    esse mesmo e podemos unir todas as parelhas de cnsules e, alm disso, eu

    diria todos os nomes e tambm absolutamente todas as palavras, enquanto

    aquele suporte e de uma nica slaba permanece ntegro. Por isso, com a

    natureza como condutor, aconteceu que aqueles vocbulos fossem aplicados s

    coisas para que a partir de todos eles considerssemos as derivaes.

    IV- 11 Quorum generum declinationes oriantur, partes orationis sunt

    duae, (ni)si item ut Dion in tris diuiserimus partes res quae uerbis

    significantur: unam quae adsignificat casus, alteram quae tempora, tertia(m)

    quae neutrum. De his Aristoteles orationis duas partes esse dicit: uocabula etuerba, ut homo et equus, et legit et currit.

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    IV- 11 Quanto a que tipos de palavras so as que do origem s flexes

    as partes do enunciado19 so duas, a no ser que tal como Dio20 tivermos

    dividido em trs categorias as coisas que tomam um significado atravs das

    palavras. Uma, que indica os casos; outra, os tempos; a terceira, que /noindica/ nenhum dos dois. Sobre esses assuntos, Aristteles21 diz haver duas

    partes do enunciado: nomes e verbos, como homo (homem) e equus (cavalo),

    legit(colhe) e currit (corre).

    12 Utriusque generis, et uocabuli et uerbi, quaedam priora, quaedam

    posteriora; priora ut homo, scribit, posteriora ut doctus et docte: dicitur enim

    homo doctus et scribit docte. Haec sequitur locus et tempus, quod neque homo

    nec scribi(t) potest sine loco et tempore esse, ita ut magis sit locus homini

    coniunctus, tempus scriptioni.

    12 De cada um desses tipos nomes e verbos h umas formas

    primrias outras secundrias22. Primrias: homo, scribit (escreve), secundrias:

    19Pelo incio deste trecho fica claro que Varro entendia como tambm partes do enunciado as

    preposies, as conjunes e os advrbios. Ou melhor, ao registrar tratar-se das palavras por eleconsideradas frteis ao dizer quorum generum declinationes oriantur (quanto a que tipos de

    palavra so as que do origem s flexes).20 Conforme Roland G. Kent (1999, p. 379), Dio nascido na Alexandria em 56 a.C.freqentava a Academia.21 Segundo Aristteles, Compem o todo da linguagem as seguintes partes: letra, slaba,conectivo, articulao, nome, verbo, flexo, frase. (...) Nome um som composto significativo,sem referncia a tempo, do qual nenhuma parte de si significativa, pois nas composies dedois elementos no os empregamos como tendo cada um o seu sentido; por exemplo - doro, emTeodoro, nada significa. Verbo um som composto, com significado, com referncia a tempo,do qual nenhuma parte tem sentido prprio, como no caso dos nomes; com efeito, homem, oubranco, no do idia de quando, mas anda, ou andou, trazem de acrscimo, um a idia dotempo presente, o outro a do passado. Flexo acidente do nome ou do verbo, que ou significa

    deou ae relaes que tais, ou d a idia de umou muitos, por exemplo, homensou homem, ou,com a inflexo do ator, uma pergunta, ou uma ordem; com efeito, as vozes caminhou? , oucaminha, so flexes de um verbo segundo esses aspectos (Potica, XX traduo de JaimeBruna; grifos meus).22A noo de primria e secundria no trecho em questo diz respeito ordem dos termos noenunciado e sua importncia para o entendimento do mesmo. Primrias so as palavras maisimportantes porque sem elas esse entendimento fica prejudicado. Trata-se dos nomes e verbos.E secundrias as palavras ditas acessrias que servem umas os advrbios para modificar oaspecto da ao indicada pelo verbo e outras os adjetivos para qualificar os nomes. So

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    doctus(douto) e docte (doutamente). Diz-se, pois, homo doctus(homem douto)

    e scribit docte (escreve doutamente). Essas expresses obedecem a lugar e

    tempo, porque nem homonem scribitpodem existir sem lugar e tempo; tanto

    que lugar est mais vinculado a homoe tempo a scribit.

    13 Cum de his nomen sit primum (prius enim nomen est quam uerbum

    temporale et reliqua posterius quam nomen et uerbum), prima igitur nomina:

    quare de eorum declinatione quam de uerborum ante dicam.

    13 J que dessas categorias a primeira seja o nome (de fato, o nome vem

    antes do verbo que designa tempo e as categorias restantes depois do nome e do

    verbo), por conseguinte os substantivos prprios so os primeiros. Por isso

    tratarei sobre a flexo deles antes que sobre a dos verbos.

    V- 14 Nomina declinantur aut in earum rerum discrimina, quarum

    nomina sunt, ut ab Terentius Terenti(a), aut in ea(s) res extrinsecus, quarum ea

    nomina non sunt, ut ab equo equiso. In sua discrimina declinantur aut propter

    ipsius rei naturam de qua dicitur aut propter illius (usum) qui dicit. Propter

    ipsius rei discrimina, aut ab toto (aut a parte. Quae a toto, declinata sunt aut

    propter multitudinem aut propter exiguitatem. Propter exiguitatem), ut ab

    homine homunculus, ab capite capitulum; propter multitudinem, ut ab homine

    hominess; ab eo (abeo) quod alii dicunt ceruices et id Hortensius in poematis

    ceruix.

    V- 14 Os nomes so flexionados ou em conformidade com as diferenas

    daquelas coisas de que provm23

    , como Terentia a partir de Terentius ou,

    acessrias porque sem tais palavras o entendimento central do enunciado no fica muito

    prejudicado.23 Trata-se de uma questo morfolgica porque a forma derivada Terentia a partir deTerentiusno adquire um novo significado, apenas muda de gnero gramatical: de masculino

    passa a feminino. Essa mudana obtida pela troca de suas terminaes: de -us que designa,

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    externamente, em relao quelas coisas de que esses nomes no provm, como

    equiso (cavaleiro) de equus24. Em conformidade com suas prprias diferenas

    eles se derivam ou em razo da natureza da coisa em si sobre a qual se fala, ou

    em razo do uso daquele que fala25. Em funo das diferenas da coisa em si /osnomes se flexionam/ ou com relao ao todo ou com relao parte. Os

    flexionados com relao ao todo foram derivados em razo ou do plural ou do

    diminutivo. Em razo do diminutivo: homunculusde homo, capitulum de caput.

    Em razo do plural: hominesde homo. Omito aquele fato de que alguns digam

    ceruicese em seus poemas Hortncio26diga ceruix.

    15 Quae a parte declinata, aut a corpore, ut a mamma mammosae, a

    manu manubria, aut ab animo, ut a prudentia pruden(te)s, ab ingenio ingeniosi.

    Haec sine agitationibus; at ubi motus maiores, item ab animo (aut a corpore),

    ut ab strenuitate et nobilitate strenui et nobiles, sic a pugnando et currendo

    pugiles et cursores. Ut aliae declinationes ab animo, aliae a corpore, sic aliae

    quae extra hominem, ut pecuniosi, agrarii, quod foris pecunia et ager.

    15 Aqueles nomes flexionados com relao parte o fazem no que se

    refere ou ao corpo como mammosae (tetuda) de mamma, manubria (asa,

    cabo) de manus ou alma como prudentes de prudentia, ingeniosi de

    neste exemplo, desinncia de palavra masculina passa a -a que indica, neste exemplo,

    palavra feminina. Portanto, um simples caso de flexo de gnero.24 uma questo semntica porque a forma derivada equiso a partir de equus adquire umsignificado diferente daquele de quando equus foi originado. Equiso no diz respeitodiretamente a cavalo (animal irracional), mas sim a uma pessoa (animal racional), contudo

    perfeitamente possvel um substantivo ser criado a partir de outro, morfologicamente falando.No entanto, semanticamente a forma equiso derivada a partir de equus pode causar certo

    incmodo. Exatamente a isso Varro chama a ateno neste trecho.25Conforme Varro diz em II, 3, deste livro, percebemos o que semelhante /pelo/ que foiproduzidoporque a diferena entre uma e outra dada por desinncias ou terminaes, quecarregam importantes informaes morfolgicas e sintticas. Tais derivaes podem ocorrer porrazes morfolgicas para definir numa classe gramatical determinada seu gnero, nmero egrau; sintticas para marcar sua funo no enunciado, por meio dos casos; e semnticas,conforme o exemplo equiso(v. nota 24).26Quintus Hortensius Hortalus (114-50 a.C.), orador que tambm citado no incio de Brutus,de Ccero.

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    ingenium. Esses vocbulos existem sem movimento. Entretanto, quando h

    movimentos maiores, igualmente eles se referem ou alma ou ao corpo. Por

    exemplo: strenui (valentes, cuidadosos) e nobiles a partir de strenuitas e de

    nobilitas, pugiles e cursores de pugnare (lutar) e de currere (correr). Comoalgumas derivaes se referem alma e outras ao corpo, tambm h outras que

    se referem a coisas extrnsecas ao homem: pecuniosi (ricos) e agrarii

    (agricultores) porquepecuniae agerso externos ao homem.

    VI- 16 Propter eorum qui dicunt usum declinati casus, uti is qui de

    altero diceret, distinguere posset, cum uocaret, cum daret, cum accusaret, sic

    alia eiusdem (modi) discrimina, quae nos et Graecos ad declinandum duxerunt.

    Sine controuersia (sunt obliqui, qui nascuntur a recto: unde rectus an sit casus)

    sunt qui quae(rant. Nos uero sex habemus, Graeci quinque): quis uocetur, ut

    Hercules; quemadmodum uocetur, ut Hercule; quo uocetur, ut ad Herculem; a

    quo uocetur, ut ab Hercule; cui uocetur, ut Herculi; cuius uocetur, ut Herculis .

    VI- 16 Os casos so declinados pelo uso que os falantes fazem desses

    /nomes/, de modo que aquele que conte sobre outrem possa diferenar quando

    chame, quando d, quando censure, assim como outras diferenas de mesmo

    tipo que levaram a ns e aos gregos a declinar. Sem controvrsia so

    oblquos os casos gerados a partir do nominativo, do qual h aqueles que

    questionem se seria um caso27. Os gregos tm cinco28 casos, ns por certo

    27Nominativo o caso da denominao, da nomeao, da identidade, da identificao. ocaso do nome como ele , na sua expresso referencial [...] H tambm quem afirme que onominativo no um caso, talvez por influncia do registro tradicional dos nomes, nonominativo e genitivo e dos adjetivos no nominativo [...] a forma do nominativo seria a forma-

    referncia e o genitivo enquadraria o nome nos diversos paradigmas (declinaes) [...] Onominativo um caso porque tem desinncia, e por isso tem uma funo. [Murachco, 2000,p. 88-92; grifos do autor.]28 O grego, como o latim, uma lngua sinttica basicamente porque exprime as relaessintticas das palavras por meio dos casos. O grego possui cinco casos: nominativo, vocativo,acusativo, genitivo e dativo. [O vocativo no propriamente uma funo; no faz parte domecanismo da frase, exterior a ela. uma espcie de interjeio, um chamado, um aceno, ogancho do dilogo, que bipolar, singular. prprio da oralidade.] Ao grego, em relao aolatim, falta o ablativo; contudo, as relaes que abrangem esse caso so expressas pela mesma

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    temos seis: quem chamado, como Hercules; de que modo chamado, como

    Hercule; para onde chamado, como ad Herculem; por quem chamado, como

    ab Hercule; para quem chamado, comoHerculi; da parte de quem chamado,

    comoHerculis.

    VII- 17 Propter ea uerba quae erant proinde ac cognomina, ut prudens,

    candidus, strenuus, quod in his praeterea sunt discrimina propter incrementum,

    quod maius aut minus in his esse potest, accessit declinationum genus, ut a

    candido candidius candidissimum sic a longo, diuite, id genus aliis ut fieret.

    VII- 17 Com respeito quelas palavras equivalentes a sobrenomes29,

    como prudens, candidus, strenuus, como nelas alm disso ocorrem diferenas

    devido a um acrscimo que nelas pode dar-se exagerada ou escassamente,

    aplicou-se um tipo de flexo como candidius e candidissimus a partir de

    candidus e do mesmo modo em relao a longuse diues(rico) , para que esse

    tipo de flexo ocorresse em outros vocbulos.

    18 Quae in eas res quae extrinsecus declinantur, sunt ab equo equile, ab

    ouibus ouile, sic alia: haec contraria illis quae supra dicta, ut a pecunia

    pecuniosus, ab urbe urbanus, ab atro atratus: ut nonnunquam ab homine locus,

    ab eo loco homo, ut ab Romulo Roma, ab Roma Romanus.

    18 H aquelas derivaes que se formam com relao a essas coisas de

    fora: equile (estrebaria) de equus, ouile (redil) de ouis, como outras. Essas

    palavras acima mencionadas so opostas a estas:pecuniosus(rico em gado) de

    desinncia do dativo tanto no singular quanto no plural. E o falante grego [...] no temdificuldades em entender e se fazer entender, mesmo no plano da oralidade (Murachco, Idem,

    p. 83-93; grifos do autor)29Trata-se dos adjetivos. Neste trecho Varro fala sobre os graus do adjetivo comparativo esuperlativo para os quais, segundo ele, foi preciso aplicar um novo tipo de flexo por meio doacrscimo de uma desinncia (isto , sufixo; para Varro, incrementum) prpria (-ius para o

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    pecunia, urbanus (urbano) de urbs, atratus (enegrecido, enlutado) de ater:

    porque algumas vezes o lugar /recebe o nome/ de uma pessoa ou uma pessoa /o/

    de um lugar, por exemplo:RomadeRomulus,RomanusdeRoma.

    19 Aliquot modis declinata ea quae foris: nam aliter qui a maioribus

    suis, Laton(i)us et Priamidae, aliter quae (a) facto, ut a praedando praeda, a

    merendo merces; sic alia sunt, quae circum ire non difficile; sed quod genus

    iam uidetur et alia urgent, omitto.

    19 Aquelas palavras derivadas em relao a coisas de fora /o fazem/ por

    alguns modos /diferentes/. De fato, de um modo os provenientes de seus

    antepassados Latoniuse Priamidae; de outro os gerados a partir de uma ao:

    praeda(roubo) depraedare, merces(salrio) de mereri(ser merecedor). Assim

    como h outros a que no difcil acompanhar /a trajetria/. Mas deixo de lado

    esse tipo de vocbulo porque j est claramente entendido e porque outros

    reclamam /nossa ateno/.

    VIII- 20 In uerborum genere quae tempora adsignificant, quod ea erant

    tria, praeteritum, praesens, futurum, declinatio facienda fuit triplex, ut ab

    saluto salutabam, salutabo; cum item personarum natura triplex esset, qui

    loqueretur, (ad quem), de quo, haec ab eodem verbo declinata, quae in copia

    uerborum explicabuntur.

    VIII- 20 Em relao ao tipo de palavras que indicam tempos, como

    existissem trs pretrito, presente e futuro tripla era a flexo a ser feita 30

    por exemplo, salutabam (eu saudava) e salutabo (saudarei) de saluto (sado).

    comparativo e -issimuspara o superlativo), como paradigma a ser seguido por outros vocbulosdessa mesma classe de palavras, conforme o prprio Varro diz na seqncia neste pargrafo.30 Em relao aos verbos a forma flexionada tambm no adquire novo significado, mas otempo da ao expressa por ela alterado. Portanto, Varro afirma existir essa tripla flexo

    porque a desinncia -baindica pretrito imperfeito; -bofuturo; e -opresente.

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    Como igualmente a natureza das pessoas /verbais/ fosse tripla a que falaria,

    para quem e sobre quem31 estas so flexionadas a partir do mesmo verbo, as

    quais se explicaro com a aplicao no grande nmero de verbos.

    IX- 21 Quoniam dictum de duobus, declinatio cur et in qua(s) sit facta,

    tertium quod relinquitur, quemadmodum, nunc dicetur. Declinationum genera

    sunt duo, uoluntarium et naturale; uoluntarium est, quo ut cuiusque tulit

    uoluntas declinauit. Sic tres cum emerunt Ephesi singulos seruos, nonnunquam

    alius declinat nomen ab eo qui uendit Artemidorus, atque Artemam appellat,

    alius a regione quod ibi emit, ab Ion(i)a Iona, alius quod Ephesi Ephesium, sic

    alius ab alia aliqua re, ut uisum est.

    IX- 21 Visto que se tratou sobre dois assuntos por que h derivao e

    em quais vocbulos ela seja levada a efeito , agora se descrever um terceiro

    que foi deixado de lado: de que maneira /isso se evidencia/. Os tipos de

    derivao so dois: o voluntrio e o natural. voluntrio quando se formam

    /palavras/ em razo do livre-arbtrio de cada pessoa. Assim quando trs pessoas

    compraram um escravo de feso para cada uma, ocasionalmente uma batiza o

    seu deArtemasa partir de Artemidorus, o nome de quem o vendeu; a outra de

    Ionaa partir de Jnia, o nome da regio em que o comprou; a outra de Ephesius

    por ser de feso. Como se v, cada pessoa /forma um nome/ por um motivo

    diferente.

    22 Contra naturalem declinationem dico, quae non a singulorum oritur

    uoluntate, sed a com(m)uni consensu. Itaque omnes impositis nominibus eorum

    31 Pessoa verbal neste trecho refere-se aos participantes da comunicao e do enunciado

    produzido. A situao de comunicao definida pela relao entre um falante que enuncia eum outro a quem o enunciado dirigido. A comunicao implica pois um falante (o eu) que o centro da comunicao, um interlocutor (o tu) para quem ela dirigida, e algo ou algumenunciado (o ele) sobre o que se fala. Primeiramente h distino entre o eu e o que no oeu (o interlocutor) que na interao verbal pode, por seu turno, tornar-se um falante. Depoisa distino entre o eu e o ele, o objeto da comunicao.

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    item declinant casus atque eodem modo dicunt huius Artemidori et huius Ionis

    et huius Ephesi, sic in casibus aliis.

    22 Ao contrrio, defino declinatio naturale aquele nome derivado noem razo do livre-arbtrio de cada um, mas em razo do consenso comum. E

    assim desses, sendo/-lhes/ aplicados nomes, todos igualmente flexionam os

    casos oblquos e do mesmo modo pronunciam huius Artemidori (deste

    Artemidoro), huius Jonis(deste Jnio) e huius Ephesi (deste feso), como nos

    demais casos.

    23 Cum utrumque nonnunquam accidat, et ut in uoluntaria declinatione

    animaduertatur natura et in naturali uoluntas, quae, cuiusmodi sint, aperientur

    infra; quod utraque declinatione alia fiunt similia, alia dissimilia, de eo Graeci

    Latinique libros fecerunt multos, partim cum alii putarent in loquendo ea uerba

    sequi oportere, quae ab similibus similiter essent declinata, quas appellarunt

    analogiaj, alii cum id neglegendum putarent ac potius sequendam

    (dis)similitudinem, quae in consuetudine est, quam uocarunt anwmalian, cum, ut

    ego arbitror, utrumque sit nobis sequendum, quod (in) declinatione uoluntaria

    sit anomalia, in naturali magis analogia.

    23 Como algumas vezes ocorrem esses dois /tipos de derivao/, porque

    tanto na derivao voluntria se observa a natureza quanto na derivao natural

    o livre-arbtrio, mais adiante se mostrar de que espcie elas sejam. Porque em

    ambas as derivaes so geradas algumas /formas/ semelhantes e outras

    diferentes, sobre esse tema gregos e latinos produziram muitos livros, j que

    uns32

    , em parte, consideravam ser preciso adotar na fala essas palavras quetivessem sido geradas por semelhana a partir de semelhantes a que

    32Os analogistas (eruditos alexandrinos) que viam a lngua como conveno (qesij). Para eles,as conjugaes e declinaes corresponderiam a modelos-base convencionais (Collart, 1978, p.16).

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    denominaram de analogiai (analogia); outros33 porque consideravam que isso

    devia ser negligenciado e, de preferncia, devia ser adotada a dessemelhana

    que existe na fala habitual a que chamaram a[n]wmaliai (anomalia). No meu

    entender, ambas deveriam ser adotadas34porque na derivao voluntria ocorraa anomalia e na natural, com mais freqncia, a analogia.

    24 De quibus utriusque generis declinationibus libros faciam bis ternos,

    prioris tris de earum declinationum disciplina, posteriores de eius disciplinae

    propaginibus. De prioribus primus erit hic, quae contra similitudinem

    declinationum dicantur, secundus, quae contra dissimilitudinem, tertius de

    similitudinum forma; de quibus quae expediero singulis tribus, tum de alteristotidem scribere ac diuidere incipiam.

    24 Sobre esses dois tipos de derivao produzirei seis livros35: os trs

    primeiros sobre a teoria dessas derivaes; os seguintes sobre os resultados

    prticos dessa teoria. Daqueles iniciais o primeiro ser este: o que se diz contra

    a semelhana das derivaes; o segundo o que se diz contra a dessemelhana; o

    terceiro sobre a forma das semelhanas. Sobre esses assuntos quando eu tiver

    dado explicaes em cada um dos trs, ento comearei a escrever sobre outros

    assuntos e a dividir segundo essa mesma proporo.

    33Os anomalistas (esticos) que entendiam a lngua como natural (fusij). Segundo eles, as regrasgerais gramaticais seriam insignificantes e as variedades e irregularidades reinariam sobre alinguagem, como a natureza (Collart, 1978, p. 16).34 Neste pargrafo Varro trata de derivao voluntria e derivao natural especificamente,mas ele j deixa bem claro qual sua posio em relao analogia e anomalia. Ele aprova aambas, com ressalvas, conforme se perceber ao longo deste texto traduzido. Essa posio podeser percebida porque, como esses tipos de derivao sejam perfeitamente possveis de ocorrer,

    seria plausvel que levassem em conta ou a analogia ou a anomalia, mas no as duas (oualgumas caractersticas de cada uma delas) ao mesmo tempo. Varro chama a ateno para issoao afirmar que curiosamente na derivao voluntria h exemplos de anomalia e na derivaonatural exemplos de analogia. O que teoricamente ou melhor, pelo ponto de vista tanto dosanalogistas quanto dos anomalistas no deveria acontecer.35 O De Lingua Latina foi constitudo originalmente em 25 livros, divididos em trs partes:etimologia, morfologia e sintaxe. Individualmente cada livro constitui uma unidade, mas

    pertencente a uma srie de trs livros que, por sua vez, se agrupam em duas partes constituindoum bloco completo de seis livros (ver nota 2).

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    X- 25 Quod huiusce libri est dicere contra eos qui similitudinem

    sequuntur, quae est ut in aetate puer ad senem, (puella) ad anum, in uerbis ut

    est scribo scribam, dicam prius contra uniuersam analogiam, dein tum desingulis partibus. A natura sermo(nis) incipiam.

    X- 25 Como o assunto deste livro falar contra aqueles que seguem a

    analogia, que ocorre tal como em relao idade entre um menino e um velho,

    uma menina e uma velha, em relao aos verbos, como acontece em scribo

    (escrevo) e scribam (escreverei), referirei antes contra a analogia em geral,

    depois, sobre cada uma das partes. Iniciarei pela natureza da linguagem.

    XI- 26 Omnis oratio cum debeat dirigi ad utilitatem, ad quam tum

    denique peruenit, si est aperta et breuis, quae petimus, quod obscurus et

    longi(or) orator est odio; et cum efficiat aperta, ut intellegatur, breuis, ut cito

    intellegatur, et aperta(m) consuetudo, breuem temperantia loquentis, et

    utrumque fieri possit sine analogia, nihil ea opus est. Neque enim, utrum

    Herculi an Herculis clauam dici oporteat, si doceat analogia, cum utrumque sit

    in consuetudine, non neglegendum, quod aeque sunt et breui(a) et aperta.

    XI- 26 Todo discurso, como deva ser concebido para a utilidade, qual

    ento afinal ele chega se claro e breve, como determinamos, porque um

    orador prolixo e difcil de compreender faz perder a pacincia, e como fique

    claro para que se compreenda e breve para que logo se compreenda, para os

    eloqentes o costume /torna o discurso/ claro e a moderao, breve. E ambos

    podem ser produzidos sem a analogia ela no necessria. Pois nem se aanalogia ensinar que seja correto dizer Herculi clauamou Herculis clauam (o

    cajado de Hrcules), como ambos so permitidos no uso no se deve desprez-

    los, pois so igualmente breves e claros.

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    XII- 27 Praeterea quoius utilitatis causa quaeque res sit inuenta, si ex

    ea quis id sit consecutus, amplius ea(m) scrutari cum sit nimium otiosi, et cum

    utilitatis causa uerba ideo sint imposita rebus ut ea(s) significent, si id

    consequimur una consuetudine, nihil prodest analogia.

    XII- 27 Alm disso se algum a partir de uma coisa compreendeu que

    cada uma delas tenha sido inventada em razo dessa utilidade /poder/

    pesquis-la por um prazo maior porque tenha muito tempo livre. E como em

    razo da utilidade os nomes tenham sido aplicados s coisas para revelar /o

    significado delas/ se compreendermos isso simplesmente com o uso, a analogia

    no tem serventia.

    XIII- 28 Accedit quod quaecumque usus causa ad uitam sint assumpta,

    in his no(strumst) utilitatem quaerere, non similitudinem: itaque in uestitu cum

    dissimillima sit uirilis toga tunica(e), muliebri(s) stola pallio, tamen

    inaequabilitatem hanc sequimur nihilo minus.

    XIII- 28 Acrescenta-se a isso que na vida a qualquer coisa que seja

    adotada por causa do uso prprio de ns nelas procurar a utilidade, no a

    semelhana. E assim em relao roupa embora a toga masculina seja diferente

    da tnica e a estola feminina do manto apesar da dessemelhana usamos

    /ambas/.

    XIV- 29 In aedificiis, quom non uideamus habere (ad) atrium peri/stulon

    similitudinem et cubiculum ad equile, tamen propter utilitatem in his

    dissimilitudines potius quam similitudines sequimur: itaque et hiberna tricliniaet aestiva non item ualuata ac fenestrata facimus.

    XIV- 29 Nos edifcios, como no percebemos existir semelhana entre

    peristuloj (peristilo, colunata) e atrium (alpendre), cubiculum (quarto) e equile

    (estrebaria), como quer que seja por causa da utilidade adotamos em relao a

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    essas coisas mais as diferenas do que as semelhanas. E assim, no

    aparelhamos as salas de jantar com janelas e portas duplas do mesmo modo no

    inverno e no vero.

    XV- 30 Quare cum, ut in vestitu aedificiis, sic in supellectile cibo

    ceterisque omnibus quae usus (causa) ad uitam sunt assumpta dominetur

    inaequabilitas, in sermone quoque, qui est usus causa constitutus, ea non

    repudianda.

    XV- 30 Por isso, como na roupa e nos edifcios, na moblia e na comida

    e em todas as outras coisas que se tomam na vida por causa de sua utilidade

    domine a dessemelhana, tambm na linguagem que foi determinada em

    razo do uso no se deve rejeit-la.

    XVI- 31 Quod si quis duplicem putat esse summam, ad quas metas

    naturae sit perueniendum in usu, utilitatis et elegantiae, quod non solum uestiti

    esse uolumus ut uitemus frigus, sed etiam ut uideamur uestiti esse honeste, non

    domum habere ut simus in tecto et tuto solum, quo necessitas contruserit, sed

    etiam ubi uoluptas retineri possit, non solum uasa ad uictum habilia, sed etiam

    figura bella atque ab artifice (ficta), quod aliud homini, aliud humanitati satis

    est; quodvis sitienti homini poculum idoneum, humanitati (ni)si bellum parum;

    sed cum discessum e(s)t ab utilitate ad uoluptatem, tamen in eo ex

    dissimilitudine plus uoluptatis quam ex similitudine saepe capitur.

    XVI- 31 Pois caso algum considere existir um duplo propsito para que

    se deva alcanar aquelas metas da natureza acerca do uso utilidade eelegncia como no nos desejamos vestir apenas para evitar o frio, mas

    tambm para parecer convenientemente vestidos; ter uma casa apenas para estar

    sob um teto em segurana, aonde a necessidade /nos/ tiver levado, mas tambm

    onde o desejo possa ser contemplado; no apenas as convenientes louas para a

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    alimentao, como tambm as de bela aparncia e produzidas com arte um

    suficiente ao homem, o outro, erudio. A qualquer homem sedento

    suficiente um copo em bom estado, ao erudito se no /for/ bonito /no/

    suficiente. Mas quando se afasta da utilidade e se aproxima do desejo, muitasvezes nisso se obtm mais satisfao com relao dessemelhana do que com

    relao semelhana.

    32 Quo nomine et gemina conclavia dissimiliter poliunt et lectos non

    omnis paris magnitudine ac figura faciunt. Quod (si) esset analogia petenda

    supellectili, omnis lectos haberemus domi ad unam formam et aut cum fulcro

    aut sine eo, nec cum ad tricliniarem gradum, non item ad cubicularem; neque

    potius delectaremur supellectile distincta quae esset ex ebore (aliisue) rebus

    disparibus figuris quam grabatis, qui ana logon, ad similem formam plerumque

    eadem materia fiunt. Quare aut negandum nobis disparia esse iucunda aut,

    quoniam necesse est confiteri, dicendum uerborum dissimilitudine(m), quae sit

    in consuetudine, non esse uitandam.

    32 Portanto aposentos iguais se arrumam de modo diferente e nem todas

    as camas so produzidas em igual tamanho e tipo. Porque se tivesse de ser

    exigida analogia para moblia, teramos todas as camas de casa em um nico

    modelo, com balastre ou no, e quando no houvesse degrau para o triclnio

    no haveria igualmente para o quarto. E, de preferncia, no nos alegraramos

    nem com uma moblia diversificada que fosse de marfim ou de outros materiais

    com formas diferentes, nem com camas ruins feitas em um modelo semelhante

    como a analogia, ana logoj e na maioria das vezes de um mesmo material.

    Portanto, ou as coisas diferentes no devem ser afirmadas como aprazveis parans, ou pois preciso admitir /isso/ deve ser fixado que a dessemelhana

    das palavras que ocorre no uso no h de ser evitada.

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    XVII- 33 Quod si analogia sequenda est nobis, aut ea obseruanda est

    quae est in consuetudine aut quae non est. Si ea quae est sequenda est,

    praeceptis nihil opus est, quod, cum consuetudinem sequemur, ea nos sequetur;

    si quae non est in consuetudine, quaeremus: ut quisque duo uerba in quattuorformis finxerit similiter, quamuis haec nolemus, tamen erunt sequenda, ut

    Iuppit(r)i, Marspitrem? Quas si quis seruet analogias, pro insano sit

    reprehendendus. Non ergo ea est sequenda.

    XVII- 33 Porm se a analogia deve ser seguida por ns, deve ser

    considerada ou a que est em uso ou a que no est. Se aquela que est em uso

    deve ser seguida no h nenhuma necessidade de regulamentos, porque quando

    seguimos o uso aquela analogia nos segue. Se se deve seguir a que no est em

    uso, perguntamos: dado que algum tenha adequado duas palavras nas quatro

    formas /oblquas/ igualmente, mesmo que no as admitamos ainda assim elas

    devero ser observadas, como em Iuppitri (de Jpiter genitivo arcaico) e

    Marspitrem? Se algum seguir essa analogia deveria ser acusado como louco.

    Portanto a analogia no deve ser seguida.

    XVIII- 34 Quod si oportet id es(se), ut a similibus similiter omnia

    declinentur uerba, sequitur, ut ab dissimilibus, dissimilia debeant fingi, quod

    non fit: nam et (ab) similibus alia fiunt similia, alia dissimilia, et ab

    dissimilibus partim similia partim dissimilia. Ab similibus similia, ut a bono et

    malo bonum malum; ab similibus dissimilia, ut ab lupus lepus lupo lepori.

    Contra ab dissimilibus dissimilia, ut Priamus Paris, Priamo Pari: ab

    dissimilibus similia, ut Iuppiter ouis, Ioui oui.

    XVIII- 34 Porm se isso for conveniente para que todas as palavras se

    flexionem igualmente com relao a coisas semelhantes e para que devam ser

    arranjadas as /palavras/ dessemelhantes com relao a coisas dessemelhantes,

    isso no acontece porque resultam algumas /palavras/ semelhantes outras

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    dessemelhantes em relao tanto a coisas semelhantes quanto dessemelhantes.

    Palavras semelhantes provenientes de semelhantes: bonum e malumde bonuse

    malus; palavras dessemelhantes provenientes de semelhantes: lupoe leporide

    lupus (lobo) e lepus (lebre). De outra parte, palavras dessemelhantesprovenientes de dessemelhantes: Priamo e Pari de Priamus e Paris; palavras

    semelhantes a partir de dessemelhantes: Ioui e oui de Iuppiter (Jpiter) e ouis

    (ovelha).

    35 Eo iam magis analogias (esse negandum, quod non modo ab

    similibus) dissimilia finguntur, sed etiam ab isdem uocabulis dissimilia neque a

    dissimilibus similia, sed etiam eadem. Ab isdem uocabulis dissimilia fingi

    apparet, quod, cum duae sint Albae, ab una dicuntur Albani, ab altera

    Albenses; cum trinae fuerint Athenae, ab una dicti Athenae(i), ab altera

    Athenaiis, a tertia Athenaeopolitae.

    35 Por causa disso a analogia deve ser evitada to mais intensamente

    porque no somente vocbulos dessemelhantes so produzidos a partir de

    semelhantes, mas tambm a partir de vocbulos idnticos. E no so produzidos

    /apenas/ vocbulos semelhantes a partir de dessemelhantes, mas tambm

    vocbulos idnticos. evidente que desses idnticos so produzidos vocbulos

    dessemelhantes, pois como existem duas cidades chamadas Alba, as pessoas

    provenientes da primeira se denominam albanos e, da segunda, albenses e

    como teriam existido trs Atenas, as pessoas oriundas da primeira se chamam

    athenaei; da segunda, athenaiis; e, da terceira, athenaepolitae.

    36 Sic ex diversis uerbis multa facta in declinando inueniuntur eadem,ut cum dico ab Saturni Lua Luam, et ab soluendo luo luam. Omnia fere nostra

    (n)omina uirilia et muliebria multitudinis cum recto casu fiunt dissimilia,

    ea(de)m (in) dand(i): dissimilia, ut mares Terentiei, feminae Terentia(e), eadem

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    in dandi, uireis Terentieis et mulieribus Terentieis. Dissimile Plautus et

    Plautius, (Marcus et Marcius); et commune, ut huius Plauti et Marci.

    36 Desse modo, muitos vocbulos produzidos de palavrasdessemelhantes na derivao resultam idnticos36. Por exemplo, quando digo

    luamcom relao a lua saturnie luamcom relao a luere (purificar). Todos os

    nossos nomes de homens e de mulheres, comumente no plural, quando no

    nominativo ficam dessemelhantes; no dativo, semelhantes. Por exemplo

    Terentiei (os Terncio) e Terentiae (as Terncia) no nominativo so

    dessemelhantes e no dativo semelhantes: Terentieis. Plautus e Plautius,Marcus

    e Marcius tm nominativo singular dessemelhante e /genitivo singular/

    semelhante: PlautieMarci.

    XIX- 37 Denique si est analogia, quod in multis uerbis e(s)t similitudo

    uerborum, sequitur, quod in pluribus est dissimilitudo, ut non sit in sermone

    sequenda analogia.

    XIX- 37 E afinal se existe analogia como em muitas palavras h

    semelhana de termos resta que, porque h dessemelhana em muitas delas, a

    analogia no deva ser seguida na linguagem.

    XX- 38 Postremo, si est in oratione, aut in omnibus eius partibus est aut

    in aliqua: at in omnibus non est, in aliqua esse parum est, ut album esse

    Aethiopa non satis est quod habet candidos dentes: non est ergo analogia.

    36Trata-se das palavras homnimas que no apenas so escritas da mesma forma, mas tambmfaladas, e s podem ser distinguidas pelo contexto de um enunciado ou texto. Varro traz comoexemplo a palavra luam que pode ser substantivo ou verbo dependendo do contexto. Comosubstantivo luam a declinao de lua, forma do nominativo singular,