154
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA TESE DE DOUTORADO UMA PERSPECTIVA HETERODOXA PARA O REGIME DE METAS DE INFLAÇÃO: a hipótese da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda RICARDO RAMALHETE MOREIRA ORIENTADOR: Prof. ANTÔNIO LUIS LICHA ABRIL DE 2009.

Tese Ricardo Ramalhete Moreira

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

TESE DE DOUTORADO

UMA PERSPECTIVA HETERODOXA PARA O REGIME DE METAS D E INFLAÇÃO:

a hipótese da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda

RICARDO RAMALHETE MOREIRA

ORIENTADOR: Prof. ANTÔNIO LUIS LICHA

ABRIL DE 2009.

Page 2: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

TESE DE DOUTORADO

UMA PERSPECTIVA HETERODOXA PARA O REGIME DE METAS D E INFLAÇÃO:

a hipótese da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda

RICARDO RAMALHETE MOREIRA

ORIENTADOR: Prof. ANTÔNIO LUIS LICHA

ABRIL DE 2009.

Page 3: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores da Pós-Graduação em Economia, que fazem desse

Instituto um dos mais respeitados de nosso país; em especial, aos professores Mario

Possas, Franklin Serrano, Cardim, Jennifer Hermann e Licha. As anotações em classe de

aula e leituras recomendadas foram de grande importância para meu amadurecimento

acadêmico. Obviamente, o teor desta Tese não reflete necessariamente a opinião dos

professores. Ao professor Licha, orientador desta Tese, agradeço pela enorme paciência

em nossas reuniões, sempre prestativo, engajado no tema estudado e disposto a indicar

novas leituras e caminhos para o trabalho. Agradeço aos recursos financeiros

concedidos pela CAPES, cuja bolsa de doutorado foi de grande valia para que o

trabalho chegasse ao nível presente. Aos servidores Anna Elizabeth e Ronei, da

Secretaria de Pós-Graduação, pela paciência e prontidão no que tange às questões

administrativas dos discentes. Enfim, a todos os que, ainda que não mencionados, fazem

do IE/UFRJ um ambiente inspirador e caloroso para o desenvolvimento de nossa

ciência.

Page 4: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

4

Aos meus amados avós (In Memoriam), Olegário

Ramalhete Maia e Halza Fraga Ramalhete; à minha amada

mãe (In Memoriam), Liamara Ramalhete.

Page 5: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

5

RESUMO

Autores ortodoxos como Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997), Ball (1999a)

e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) defendem a necessidade de uma resposta

integral da taxa de juros diante de choques de demanda. Para o mainstream, o choque de

demanda não impõe um trade-off entre a volatilidade da inflação e do produto,

permitindo à política monetária estabilizar simultaneamente ambas variáveis, sem

qualquer custo social. Esta tese opta por tentar mostrar a fragilidade desse resultado

central na literatura padrão sobre Inflation Targeting (IT) a partir de uma crítica interna

aos modelos desenvolvidos dentro do mainstream. Por meio dos instrumentais de

análise da literatura tradicional sobre IT, busca-se mostrar a sua própria fragilidade,

assumindo-se que a economia se comporta de fato à la uma economia da demanda

efetiva, inclusive no longo prazo, o que significa reconhecer que a tendência da

capacidade produtiva de uma economia é determinada, dentre outros fatores, pelas

flutuações cíclicas da demanda, da produção e da renda. Defende-se que há uma perda

de produto potencial no longo prazo quando o BC combate o choque de demanda de

forma ortodoxa, ou seja, sem levar em consideração o fato de que a capacidade

produtiva se ajusta endogenamente ao comportamento do gap do produto em quaisquer

prazos. Em outras palavras, existe um tipo de custo social de oportunidade associado a

uma resposta de política monetária inadequada face a pressões inflacionárias originadas

pelo lado da demanda. Essa idéia resulta na idéia de uma função perda social mais

ampla, que incorpore os efeitos permanentes da política monetária sobre a dinâmica

produtiva.

Page 6: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

6

ABSTRACT

Orthodox writers such as Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997), Ball (1999a)

and Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) argue that demand shocks need to be

fully eliminated through interest rate responses. According the mainstream, the demand

shock doesn’t impose a trade-off between product and inflation volatility, allowing to

monetary policy stabilize both variables simultaneously, without any social cost. The

current thesis chooses to show the weakness of this orthodox argumentation by means

of an internal critic to the mainstream models of Inflation Targeting. It assumes the

effective demand principle, in such a way that the potential product is endogenous in

relation to the demand, product and income fluctuations, even in the long term. It argues

that there exists a potential product loss, when the Central Bank deals with the demand

shock in an orthodox manner, in other words, without considering that production

capacity adjusts endogenously to the product gap. There exists an opportunity social

cost associated to an erroneous response to the demand shock. This idea forces an

expansion of the social loss function, that include the permanent and real effects of the

monetary policy.

Page 7: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................9

CAPÍTULO 1 – Inflation Targeting e motivações ortodoxas para flexibilização...........16

1.1 – A Nova Síntese Neoclássica...................................................................................16

1.2 – A perspectiva mainstream para Inflation Targeting...............................................26

1.2.1 – Características práticas do regime.........................................................26

1.2.2 – O modelo de Ball sobre Inflation Targeting.........................................32

1.2.3 – O modelo BMW...................................................................................36

1.3 – Motivações ortodoxas para a flexibilização do regime..........................................39

1.4 – Um caso não previsto de flexibilização: choques de demanda, taxa natural e

combate integral..............................................................................................................42

CAPÍTULO 2 – Elementos para uma análise heterodoxa: fundamentando a endogenia

do produto potencial pelo lado da demanda....................................................................47

2.1 – Críticas heterodoxas à Nova Síntese Neoclássica..................................................47

2.1.1 – A crítica de Kriesler & Lavoie...................................................................47

2.1.2 – A crítica de Arestis & Sawyer....................................................................53

2.1.2.1 – Política de juros e a questão da taxa natural de juros.........................53

2.1.2.2 – Superestimação da “taxa natural de juros”.........................................56

2.2 – Elementos de análise: o princípio da demanda efetiva...........................................58

2.3 – Elementos de análise: moeda e não-neutralidade...................................................63

2.4 – Elementos de análise: efeito acelerador e endogeneidade do produto potencial...66

2.4.1 – O modelo pioneiro de Harrod....................................................................66

2.4.2 – O acelerador na literatura heterodoxa contemporânea...............................73

2.5 – Economia heterodoxa e Metas para Inflação?........................................................79

CAPÍTULO 3 – Inflation Targeting sob uma perspectiva heterodoxa: produto potencial

endógeno, combate aos choques de demanda e custo social de oportunidade................81

3.1 – Uma perspectiva heterodoxa sobre Inflation Targeting.........................................81

3.2 – Um modelo de Inflation Targeting com produto potencial endógeno pelo lado da

demanda: implicações não previstas pela literatura ortodoxa.........................................84

3.3 – O produto potencial endógeno pelo lado da demanda..........................................89

3.3.1 – Produto potencial endógeno e resposta aos choques positivos de demanda..92

3.3.2 – O caso dos choques negativos de demanda....................................................99

Page 8: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

8

3.3.3 – O custo social de oportunidade de uma política ortodoxa em uma

economia da demanda efetiva........................................................................................104

3.4 – Simulação computacional.....................................................................................106

3.5 – Caminhos futuros para a presente pesquisa..........................................................112

CONCLUSÕES............................................................................................................113

APÊNDICE 1 Uma formalização do pensamento de Goodfriend & King (1997)........116

APÊNDICE 2 O modelo de Galí & Gertler (2007).......................................................119

APÊNDICE 3 Algumas controvérsias empíricas..........................................................124

APÊNDICE 4 O modelo de Ball (1999b): flexibilidade em economias abertas...........130

APÊNDICE 5 A derivação da regra ótima ortodoxa.....................................................136

APÊNDICE 6 Função endogenia do produto potencial: uma especificação com duas

defasagens......................................................................................................................138

APÊNDICE 7 Uma possível correlação entre produto potencial e desemprego...........140

APÊNDICE 8 Uma expansão do modelo Lima & Setterfield (2008)...........................141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................144

Page 9: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

9

INTRODUÇÃO

Durante os anos 90, países como Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Suécia,

Finlândia, Austrália, Espanha, e Brasil inclusive, optaram por um novo regime de

política monetária: o Regime de Metas de Inflação (Inflation Targeting), cujas

características principais, para Svensson (2000), são: a) adoção e anúncio explícitos de

uma meta quantitativa para o intervalo da inflação, ou para um único valor da inflação;

b) a adoção de um procedimento operacional que pode ser definido como “metas para

as expectativas de inflação”, ou seja, o uso de uma previsão condicional da inflação

como uma meta intermediária; c) incremento de transparência e prestação de contas

(accountability) ou responsabilidade, por parte do Banco Central, no alcance dos

objetivos anunciados.

Na literatura mainstream sobre o regime de Inflation Targeting (IT) existem diversas

análises que mostram motivações e argumentações a favor de flexibilização do regime.

A passagem de um “regime estrito” para um “regime flexível”, fazendo-se uso da

terminologia de Ball (1999a), pode ser justificada no caso, por exemplo, de ocorrência

de choques de oferta. Em geral, havendo alguma preferência por estabilidade do produto

e a incidência de choques de oferta, a política monetária ótima é aquela que flexibiliza,

em alguma medida, a resposta da taxa real de juros frente às pressões inflacionárias,

visto que no caso do choque de oferta a literatura convencional assume a existência de

um trade-off entre a variância da inflação e do produto no curto prazo. Isto significa

que, sob choques de oferta, a estabilização da inflação só pode ser alcançada ao custo de

maior instabilidade do produto, o que cria uma perda social e justifica uma acomodação

do choque.

Uma motivação adicional para a flexibilização do regime e aceita pelo mainstream é a

preferência pela suavização (smoothing) da taxa de juros, que pode ser verificada em

casos nos quais, por exemplo, as autoridades se preocupam com a estabilidade dos

mercados financeiros. Neste caso, a regra ótima é expandida, e a resposta da taxa de

juros passa a ser determinada também pelos valores passados da própria taxa de juros.

Adiciona-se a isto o caso, em economias abertas, no qual a sociedade dá peso

expressivo à estabilidade cambial, seja devido aos impactos negativos da volatilidade

Page 10: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

10

cambial para o comércio exterior, seja devido aos impactos negativos sobre a atividade

econômica doméstica, quando de valorizações cambiais. Como mostra Ball (1999b), em

economias abertas o regime de metas de inflação deve ser flexibilizado, sob a ameaça

de que um regime estrito imponha a necessidade de forte volatilidade do câmbio para

que a meta de inflação seja alcançada no menor tempo possível.

Por sua vez, a literatura ortodoxa1 sobre IT também prevê impactos da incerteza

estrutural sobre a dinâmica da política monetária (Brainard, 1969; Blinder, 2006;

Clarida, Galí & Gertler, 1999). Quanto maior a incerteza em relação ao modus

operandis da economia frente à tomada de decisão do Banco Central, maior a

preferência por gradualismo na alteração da taxa de juros, pelo que a autoridade

monetária deixa de se basear no argumento exclusivo dos modelos adotados, e a taxa de

juros tende a ser ajustada em medida menor do que a justificada pela regra ótima. Em

todos esses casos, o “regime estrito” ou inflexível de IT, e sua correspondente regra

ótima de instrumento, dá lugar a um regime flexível, a uma “regra ajustada” de

instrumento e a mecanismos adicionais de tomada de decisão – tais como as “cláusulas

de escape”.

Embora a literatura ortodoxa reconheça essas justificativas teóricas para a flexibilização

do regime de IT, resta um caso potencial de flexibilização não previsto pelo

mainstream: o caso dos choques de demanda, ou mais especificamente, o caso em que a

inflação é pressionada pelo lado da demanda.

Autores como Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997), Ball (1999a) e

Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) defendem a necessidade de um combate

integral dos choques de demanda, por meio de alterações na taxa real de juros. Na visão

de autores nesta linha, o choque de demanda não impõe um trade-off entre a variância

da inflação e do produto, permitindo à política monetária estabilizar simultaneamente

ambas variáveis.

1 Obviamente, a definição do que é “ortodoxo” está imersa em discricionariedade. Para efeitos deste trabalho, toma-se o critério de Mollo (2004). Assim, sempre que se referir a algo ortodoxo, a tese se refere a algo que assume em alguma medida a neutralidade da moeda.

Page 11: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

11

Dentro dessa concepção, quando o produto se encontra acima do produto potencial

devido a um choque, os fatores de inércia sobre a curva IS e de Phillips aumentam a

probabilidade de que a inflação venha a divergir da meta e que haja um aumento do

custo de desinflação no futuro se as expectativas forem contaminadas – o que se torna

mais provável em contexto de expectativas adaptativas e credibilidade incompleta da

política. Logo, tais autores não vêem nenhuma razão para que a autoridade seja

complacente e acomode qualquer parte do choque de demanda. Quanto maior a inércia,

maior deve ser a agressividade da resposta da taxa de juros diante do choque positivo de

demanda (Clarida, Galí & Gertler, 1999).

Aqui, faz-se uma crítica a esta tese do mainstream. E é a partir desta crítica que se busca

desenvolver a tese deste trabalho. Na verdade, por trás dessa concepção ortodoxa existe

uma peça fundamental, sem a qual o resultado de que não há perdas sociais no caso do

combate aos choques de demanda não se sustenta teoricamente. Esta hipótese

fundamental da teoria convencional é a de que prevalece a neutralidade da moeda no

longo prazo e a economia converge necessariamente para a taxa natural de desemprego,

que seria determinada de forma independente do comportamento da demanda, da

produção e da renda (Carvalho, 1995). Sendo a moeda neutra, ao menos no longo prazo,

e convergindo a economia para um produto potencial exogenamente determinado, o

choque de demanda não possui nenhum efeito permanente sobre a atividade econômica.

De fato, trata-se de uma rejeição da validade do princípio da demanda efetiva no longo

prazo e de uma dicotomia entre tendência e ciclo. Nas palavras de Carvalho (2005):

O regime de metas inflacionárias se apóia na proposição de que o impacto real da política monetária é efêmero, na melhor das hipóteses. Como argumentado aqui, isto é um erro, decorrente da visão limitada que se tem da moeda apenas como meio de pagamento e da política monetária como um simples regulador da quantidade de moeda em circulação (CARVALHO, op. cit., pp. 334).

Para Carvalho (op. cit.), a teoria convencional limita o debate sobre metas de inflação,

pois supõe que a política monetária não tem efeitos permanentes sobre a esfera real da

economia. Para os modelos ortodoxos de IT, a atividade econômica é determinada no

longo prazo pelo estoque de recursos produtivos, pelas preferências, pela tecnologia e

pelo comportamento “racional” dos agentes, não havendo correlação entre moeda e

produto potencial. Nas palavras de Sicsú (2002):

Page 12: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

12

Os defensores da adoção de metas de inflação acreditam que a política monetária não é um instrumento que pode estimular o investimento e, conseqüentemente, reduzir o desemprego. Apóiam suas crenças na hipótese da existência da taxa natural de desemprego, na curva expectacional de Phillips e no chamado viés inflacionário. Postulam que uma política monetária que aumente a liquidez da economia (e/ou reduza os juros) objetivando estimular o crescimento somente pode causar efeitos reais passageiros e efeitos inflacionários permanentes — tal como defendem Robert Lucas, Robert Barro e David Gordon em inúmeros trabalhos. Alguns, como Finn Kydland e Edward Prescott (1994), consideram que nem sequer efeitos passageiros seriam produzidos, somente inflação seria gerada. Assim sendo, a política monetária não deve ser utilizada para apoiar o crescimento econômico de um país. Caso uma política monetária ativista fosse implementada, estaria verdadeiramente sendo inócua a curto termo e, adicionalmente, estaria dificultando o crescimento no longo termo, pois estaria gerando um ambiente de inflação (SICSÚ, 2002, pp. 24).

Esta tese opta por tentar mostrar a fragilidade de um dos resultados centrais na literatura

sobre IT – i.e. a não existência de trade-off para o BC, sob choques de demanda - a

partir da própria linguagem e técnica de modelos desenvolvidos dentro do mainstream.

Por meio dos instrumentais de análise da literatura tradicional sobre IT, busca-se

mostrar a sua própria limitação, assumindo-se que a economia se comporta de fato à la

uma economia da demanda efetiva, inclusive no longo prazo, o que significa reconhecer

que a tendência da capacidade produtiva de uma economia é determinada, dentre outros

fatores, pelas flutuações cíclicas da demanda e da renda. Trata-se de uma análise dos

impactos da histerese do produto potencial para a sistemática da política monetária no

âmbito de Inflation Targeting. O fenômeno da histerese refere-se ao processo em que a

trajetória de uma variável é função de seu próprio passado (Setterfield, 1993; 1997).

O que se buscará demonstrar é que, com uma endogenia do produto potencial pelo lado

da demanda, a política monetária deve ser flexibilizada, mesmo no caso dos choques de

demanda. A idéia de que não há trade-offs neste caso, tão cara aos autores ortodoxos

acima mencionados, pode ser contestada. Rejeita-se a “peça de resistência” para alguma

agressividade do BC sob metas de inflação no caso de pressões inflacionárias por

excesso de demanda. Em outras palavras, defende-se que o regime de IT deve ser

sempre - mesmo no caso de choques de demanda - um regime flexível, ao contrário do

que supõem os autores e criadores da teoria sobre IT.

Por flexibilização do regime não se quer dizer apenas uma acomodação de taxas

inflacionárias mais elevadas sob certas condições. Aqui, a noção de flexibilização

Page 13: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

13

recebe um sentido amplo, significando a necessidade de que o BC não faça uso

exclusivo de regras “ótimas” (ortodoxas) de política monetária, derivadas a partir de

processos de otimização, mas também fundamente suas decisões de instrumento a partir

de mecanismos adicionais que não resultam de processos otimizadores. Neste caso, uma

sistemática ou regra ad hoc de política monetária, se amparada em uma teoria melhor

ajustada à realidade, pode originar uma performance econômica superior à resultante de

uma regra ótima, porém baseada em um modelo mal especificado.

Pode-se entender a flexibilidade também como o resultado de uma política monetária

baseada em objetivos e metas sociais mais amplos, quando comparado com uma política

monetária que tenha como única preocupação a estabilidade inflacionária no longo

prazo. Rocha & Oreiro (2008) analisam a correlação entre flexibilidade e crescimento

para economias que fazem uso do regime de metas de inflação. Os resultados

alcançados corroboram a idéia de que quanto maior o grau de flexibilidade do arranjo

institucional de IT maior a performance do crescimento econômico. No entanto, a

presente tese defenderá que apenas um regime de metas de inflação com a consciência

da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda pode usufruir de máxima

flexibilidade e performance econômica.

De certa forma, um BC que leva em consideração a endogenia do produto potencial ao

ajustar a taxa de juros para combater a inflação é um BC que possui alguma

“consciência heterodoxa”, e que apresenta maior flexibilidade face ao que seria

observado no caso de um BC ortodoxo2, ou seja, de um BC que considere a capacidade

produtiva como uma variável sem correlação com a demanda e a produção. Isto é

importante, já que, como mostram Lima & Setterfield (2008), em uma economia pós-

keynesiana quanto mais ortodoxa for a política maiores os prejuízos para a atividade

econômica.

Logo, a introdução de elementos estranhos ao mainstream na análise de IT não exclui

necessariamente a utilidade deste regime, porém justifica uma nova resposta da política:

há uma compatibilidade entre o regime de metas de inflação e uma economia pós-

keynesiana (Lima & Setterfield, op. cit.). E isto pode ser demonstrado, inclusive, a

2 i.e. Um BC que assume a neutralidade da moeda no longo prazo ao conduzir a política monetária.

Page 14: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

14

partir de uma análise crítica interna ao instrumental e linguagem de autores como

Svensson (1997), Ball (1999a) e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006), dentre

outros.

O ponto de divergência para com a literatura convencional surge quando da inclusão no

modelo padrão de uma função para o produto potencial, tornando-o endógeno em

relação às flutuações cíclicas do produto, assim como da expansão da regra de política

monetária de um Banco Central (heterodoxo) que tenha consciência daquela endogenia.

Isto corresponde a rejeitar a hipótese fundamental dos modelos mainstream de IT, qual

seja, a da taxa natural. Por outro lado, trata-se de aceitar o fato de que a política

monetária não é neutra no longo prazo, pois as decisões do Banco Central terão

impactos permanentes sobre atividade econômica, por meio das mudanças dinâmicas do

produto potencial. Referindo-se à não neutralidade da moeda e à trajetória dependente

da atividade econômica ao longo do tempo, Mollo (2004) afirma:

[...] as mudanças observadas na produção e, sobretudo, na capacidade produtiva, como decorrência da concretização das decisões de investir, alteram irreversivelmente a estrutura produtiva a longo prazo, impedindo que se possa conceber a não neutralidade a curto prazo e a neutralidade a longo prazo, já que este último nada mais é do que uma sucessão de curtos prazos (MOLLO, op. cit., pp. 338).

Quais são as conseqüências deste corte teórico sobre o modelo para a dinâmica de longo

prazo da economia e para a resposta da política monetária? Sob endogenia do produto

potencial, haveria um trade-off face à política monetária, quando de um enfrentamento a

um choque de demanda?

A hipótese a ser defendida é a de que o regime de metas para inflação, se apoiado em

um modelo melhor ajustado à realidade econômica, pode ser compatível com uma

performance superior àquela que seria observada sob um BC ortodoxo e mal orientado.

Neste sentido, os valores indesejáveis que, porventura, podem ser observados em

economias sob IT não são implicações do regime em si, mas de uma má especificação

do modus operandis da economia e de policymakers apegados a idéias inadequadas para

uma economia em que opere a não-neutralidade monetária no longo prazo e a trajetória

dependente (path-dependence) do produto potencial.

Page 15: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

15

Há uma perda de produto potencial no longo prazo quando o BC combate o choque de

demanda de forma inflexível, ou seja, sem levar em consideração o fato de que a

capacidade produtiva se ajusta endogenamente ao comportamento da demanda e da

renda em quaisquer prazos. Em outras palavras, existe um tipo de custo social de

oportunidade associado a uma resposta de política monetária inadequada face a

pressões inflacionárias originadas pelo lado da demanda. Essa idéia implica a

substituição da função perda social ortodoxa por uma função perda social mais ampla,

que incorpore os efeitos da política monetária sobre a dinâmica econômica de longo

prazo.

Ademais, a presente tese buscará argumentar e demonstrar que apesar da regra de

política monetária ortodoxa ser derivada exclusivamente por um processo de

otimização, esta é feita com base em um modelo equivocado ou mal utilizado; por outro

lado, a regra de política monetária heterodoxa, que será desenvolvida, apesar de

incorporar mecanismos que não são resultados de processos otimizadores, ampara-se

em uma teoria melhor ajustada à realidade econômica, pelo que sua utilização resulta

em melhor performance quando comparada com a regra ortodoxa. Trata-se de rejeitar a

suposta racionalidade e eficiência dos processos otimizadores do mainstream na

condução da política monetária.

Para tanto, a tese está esquematizada da seguinte forma: no primeiro capítulo, são

apresentados aspectos da Nova Síntese Neoclássica, que sustenta teoricamente o regime

de IT e da literatura convencional sobre o mesmo. No segundo capítulo, busca-se

resgatar a literatura heterodoxa, buscando-se fundamentar a hipótese da endogenia do

produto potencial pelo lado da demanda. Por sua vez, no terceiro capítulo é apresentado

o modelo que servirá para a análise das implicações dinâmicas da endogeneização do

produto potencial no âmbito de IT, foco precípuo da tese.

Finalmente, o posicionamento teórico desta tese se alinha com o pensamento pós-

keynesiano, particularmente pela aceitação do princípio da demanda efetiva no longo

prazo e da não-neutralidade monetária, conceitos que estarão representados pela

hipótese de endogeneidade do produto potencial pelo lado da demanda, em especial no

capítulo terceiro.

Page 16: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

16

CAPÍTULO 1 – Inflation Targeting e motivações ortodoxas para flexibilização

1.1– A Nova Síntese Neoclássica

O que se convencionou chamar de Nova Síntese Neoclássica (New Neoclassical

Synthesis) consiste em uma combinação do pensamento novo-keynesiano com o

pensamento e modelos novos-clássicos e dos ciclos reais de negócios (Real Business

Cycle), a partir de uma abordagem forward-looking de equilíbrio dinâmico. Pelo lado

novo-keynesiano, a Nova Síntese assume competição imperfeita e custos de

ajustamento via preços; pelo lado novo-clássico e ciclos reais de negócios, assume-se

otimização intertemporal e expectativas racionais. Goodfriend & King (1997) ratificam

a necessidade de busca por modelos quantitativos de política econômica e flutuação

econômica, assim como é feito no programa de pesquisa dos ciclos reais de negócios.

Nos modelos da Nova Síntese, dá-se papel fundamental à demanda agregada na

determinação da atividade econômica, através da hipótese de rigidezes de preços. A

política monetária recebe atenção essencial, enquanto instrumento de controle da

atividade econômica. Logo, a linha de pesquisa da Nova Síntese assume uma associação

íntima entre as flutuações econômicas e a política monetária, apesar da relevância dada

aos componentes de produtividade, política fiscal e choques de preços relativos,

oriundos dos modelos de ciclos reais, na determinação da tendência de longo prazo.

Por outro lado, a Nova Síntese vê a política monetária como necessária para que a

economia apresente boa performance, impondo grande responsabilidade para a mesma.

Assim, cria-se uma demanda por aconselhamento de políticas eficientes e, por outro

lado, busca-se suprir essa demanda, por meio de proposições e princípios práticos de

política monetária. De forma geral, os modelos da Nova Síntese oferecem os seguintes

princípios de política monetária, segundo Goodfriend & King (1997, p. 26):

Page 17: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

17

(i) a política monetária deva respeitar os determinantes pelo lado da oferta sobre

o produto no longo prazo, apesar de seus fortes efeitos sobre a atividade econômica no

curto prazo. Isto significa que embora, período a período, o instrumento de política

tenha efeito sobre a economia real, na média a atividade econômica deve respeitar os

determinantes dos ciclos reais de negócios, tais como produtividade e preços relativos;

(ii) os efeitos da política monetária sobre a produção no curto prazo se dão a

partir do canal do chamado mark-up médio, ou seja, da diferença entre o nível de preços

e o custo marginal. Uma alteração da demanda agregada gera uma alteração do custo

marginal que, por sua vez, cria uma mudança do mark-up médio, sob contexto de

rigidez de preços. Esta mudança de mark-up médio sustenta um ajustamento de

produção e emprego, tal como ocorre quando há uma mudança de impostos nos

modelos de ciclos reais.

Com base nos trabalhos de Rotemberg & Woodford (1991) e King & Wolman (1996),

Goodfriend & King (1997) propõem uma recomendação padrão de política monetária,

qual seja, a de que o BC deve perseguir uma estabilização da trajetória de preços e/ou

de inflação que seja compatível com a minimização do mark-up médio, o que por sua

vez corresponderia a uma produção ao nível potencial da economia. Segundo

Goodfriend & King (1997), essa política seria “ativista”, no sentido de que ela deveria

controlar a demanda agregada para acomodar qualquer mudança do produto a partir do

lado da oferta, além de combater choques pelo lado da demanda.

Portanto, Goodfriend & King (1997) deduzem o princípio de que a política monetária

deve estabilizar o mark-up em um nível mínimo, consistente com uma taxa de inflação

próxima de zero, princípio esse que está em consonância com os trabalhos de Zhu

(1995) e Ireland (1996). Como conseqüência, mudanças no produto, motivadas pela

demanda, deveriam ser combatidas pelo BC, o que manteria o produto em seu nível

potencial e estabilizaria o nível de preços. Por sua vez, as mudanças de produto que

tenham origem em variações de produtividade devem ser acomodadas pelo BC, já que

neste caso estaria havendo uma alteração dos níveis de equilíbrio de emprego e produto.

Até mesmo os choques de oferta, tais como os choques de petróleo, não colocariam, na

Page 18: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

18

visão dos autores, nenhum trade-off face à política monetária, desde que o BC utilize

como balizador um índice que exclua os preços mais voláteis3.

Essa argumentação da Nova Síntese Neoclássica, defendida em Goodfriend & King

(1997), é antagônica em relação à idéia de Taylor (1980), para quem haveria um trade-

off entre a variabilidade do produto e da inflação, pelo que a estabilização de uma das

variáveis só poderia ser levada a cabo por meio de uma maior volatilidade da outra.

Goodfriend & King (1997) defendem o que chamam de uma “política monetária

neutra”, qual seja, aquela que estabiliza o mark-up e o custo marginal real em seus

níveis ótimos, o que corresponderia a uma estabilização do produto em seu nível

potencial. Esta postura da política monetária, na visão dos autores, faria com que o

modelo da Nova Síntese se assemelhasse a um modelo de competição monopolística

dos ciclos reais de negócios.

A política monetária neutra, portanto, impõe uma estabilidade de preços (ou da inflação)

e do mark-up médio ao nível de equilíbrio, fazendo com que o produto fique em seu

nível potencial e a inflação dentro de uma meta4. Segundo Goodfriend & King (1997), a

Nova Síntese teria muito a dizer quanto à implementação do regime de metas de

inflação (Inflation Targeting): uma vez que a inflação depende das expectativas de

mark-up, a eficácia das metas para inflação dependeria do compromisso do BC com a

política monetária neutra, de modo que as expectativas inflacionárias fossem ancoradas

em níveis reduzidos (minimizados) de mark-ups esperados5. Para tanto, o BC deveria

combater choques pelo lado da demanda e acomodar choques pelo lado da oferta

(produtividade), o que requer um conhecimento preciso dos valores dos parâmetros e da

natureza, magnitude e duração dos choques.

3 “This view accords well with the keynesian emphasis on a core rather than an overall cost-of- living index, and the monetarist recommendation to stabilize a long-run price index and ignore such relative price movements as oil price shocks. When we define the measure of prices that a central bank should stabilize as a core index of sticky prices, we once again find that there is no policy trade-off between inflation and output variability”. (GOODFRIEND & KING, 1997, p. 47). 4 Para uma análise exaustiva, caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o modelo do Apêndice 1. 5 “Dynamic costly price adjustment means that firms adjust prices according to an expected distributed lead of the price level and real marginal cost, where the price level is an average of current prices and those set in the past. We showed that a forward-looking price-setting equation and a price–level expression form a price block that can be solved to express the inflation rate as a function of prices set in the past, current real marginal cost, and a distributed lead of expected real marginal cost. Since real marginal cost is the inverse of markup, the evolution of inflation depends importantly on current and expected future markups”. (GOODFRIEND & KING, 1997, pp. 50).

Page 19: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

19

Por sua vez, Clarida, Galí & Gertler (1999) partem da idéia de que a política monetária

possui efeitos significativos sobre o nível de atividade econômica, ao menos no curto

prazo, mediante a premissa de que existem fatores transitórios de rigidez nominal de

preços. Neste sentido, o modelo básico utilizado diverge da literatura sobre ciclos reais

de negócios em termos teóricos, embora haja convergência em termos metodológicos,

dado o instrumental de equilíbrio intertemporal utilizado. Os resultados dão origem,

segundo os autores, a princípios gerais de política monetária, que poderiam ser

empregados em uma ampla gama de estados da economia. Neste sentido, poder-se-ia

falar numa “ciência da política monetária”.

O modelo básico de Clarida, Galí e Gertler (1999) parte de duas equações: uma IS e

uma curva de Phillips com componente forward-looking. Trata-se do que os autores

chamam de um modelo dinâmico de equilíbrio geral, com moeda e rigidez transitória de

preços. Essa configuração tem se tornado freqüente na literatura recente para a análise

da política monetária, como se pode deduzir pelos trabalhos Goodfriend & King (1997),

McCallum & Nelson (1997) e Walsh (2003).

No modelo, o BC consegue afetar a economia através de sua política monetária, no

curto prazo, tanto quanto no modelo IS/LM padrão. A grande diferença para com este

último seria o processo explícito de otimização pelos agentes, no qual estariam

fundamentadas as equações agregadas. Uma característica essencial do modelo é que a

trajetória corrente da economia depende diretamente das expectativas dos agentes

acerca da trajetória futura esperada da política monetária. Embora no curto prazo o

modelo apresente traços marcantes do pensamento novo-keynesiano, devido às

rigidezes de preços e salários e à concorrência monopolística, no longo prazo, com

flexibilidade perfeita, o modelo apresenta traços dos modelos de ciclos reais de

negócios, dentre os quais a neutralidade monetária e a inexistência de trade-off entre

inflação e desemprego (Clarida, Galí & Gertler, 1999).

No modelo forward-looking de Clarida, Galí & Gertler (1999), o produto (curva IS)

depende do produto esperado e da taxa de juros esperada. O consumo pode ser afetado

das seguintes formas: a) um consumo esperado maior no futuro implica aumento do

consumo corrente, devido à preferência por suavização pelos agentes; b) um aumento na

Page 20: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

20

taxa de juros esperada para o futuro implica redução do consumo corrente, pelo

princípio de substituição intertemporal. Por outro lado, o choque de demanda reflete as

mudanças esperadas para os gastos governamentais vis-à-vis as mudanças esperadas

para o produto potencial da economia. A introdução do investimento na função IS não

altera o seu teor qualitativo: a demanda agregada continua dependendo positivamente

do produto futuro esperado e negativamente da taxa futura de juros esperada.

A curva de Phillips é gerada a partir da hipótese de concorrência monopolística, em que

as firmas ajustam seus preços com base em expectativas, na tentativa de maximizarem

lucros. Uma diferença em relação à curva padrão é a consideração da taxa de inflação

futura esperada – com iteração potencialmente infinita –, e não somente a taxa de

inflação corrente esperada. Retira-se dessa forma a inércia da inflação, esta dependendo

inteiramente de condições correntes e esperadas da economia. Em outras palavras, as

firmas ajustam seus preços baseadas nas expectativas de custos marginais futuros, tal

como na abordagem de Goodfriend & King (1997). O gap do produto implica, segundo

os autores, desvios dos custos marginais (reais) em relação à sua trajetória de equilíbrio.

Por outro lado, o choque de oferta reflete as variações na inflação que são geradas

independentemente das condições de excesso de demanda, como sugeriria o trabalho

empírico de Fuhrer & Moore (1995).

O problema e a decisão de política monetária recebem papel complexo e fundamental

no modelo de Clarida, Galí & Gertler (1999), visto que as decisões de gastos dos

agentes dependem de suas expectativas a respeito da política monetária ao longo do

tempo. Para os autores, a resolução daquele problema, ou seja, a escolha de uma

estratégia apropriada pelo BC, torna-se o cerne do debate contemporâneo sobre política

monetária.

Clarida, Galí & Gertler (1999) definem o problema de política como a escolha de uma

trajetória temporal para o instrumento de política (taxa de juros) que crie uma trajetória

temporal para as variáveis-meta (inflação e produto) que seja compatível com a

minimização da função perda social, sujeito às restrições comportamentais impostas

pelas curvas IS e de Phillips. A função perda social do BC traduz as variáveis-meta em

uma medida de bem-estar, no sentido de fornecer uma referência para a escolha de

Page 21: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

21

política. Em geral, assume-se o gap do produto e o desvio inflacionário como as

variáveis explicativas da função perda social.

Essa concepção está em conformidade com a tradição do problema de metas e

instrumentos (Tinbergen, 1952; Theil, 1961). Em geral, como nestes autores clássicos, a

regra ótima de feed-back colocará o instrumento de política como uma função do estado

da economia. A diferença básica em relação ao problema clássico, na visão de Clarida,

Galí & Gertler (1999), seria que as variáveis-meta não dependem apenas da política

corrente, mas também das expectativas acerca da política futura: o gap do produto

depende da trajetória esperada para a taxa de juros, e a inflação depende do gap do

produto corrente, assim como dos gaps futuros esperados.

Nesse contexto forward-looking, a estratégia e a credibilidade da política monetária

recebem forte relevância, tal como apontam Kydland & Prescott (1977). Em outras

palavras, um BC que consiga sinalizar crivelmente o compromisso com uma taxa de

inflação reduzida no futuro pode colher os benefícios de um controle da inflação

corrente em troca de uma menor perda de produto, se comparada com a que seria

necessária no caso de ausência de credibilidade.

A partir dessa perspectiva, trata-se de verificar mecanismos alternativos de ganhos de

credibilidade. Na literatura tradicional, esse assunto é analisado pelo debate Regras

versus Discrição. Um BC que opera sob discrição busca uma “reotimização” a cada

período. Qualquer promessa feita no passado não restringe a política corrente. Sob

regra, por outro lado, adota-se um plano para a trajetória temporal da taxa de juros,

comprometendo-a para sempre. Existe espaço para ajustes da taxa de juros de acordo

com a evolução do estado da economia, porém o tamanho e a direção do ajuste estão

predefinidos (Clarida, Galí & Gertler, 1999).

A seguir, são enunciados e analisados alguns resultados, proposições e princípios

apresentados por Clarida, Galí & Gertler (op. cit.), o que sustentaria, segundo os

autores, uma “ciência da política monetária”:

Page 22: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

22

(i) Quando existem choques de oferta, há um trade-off entre a variabilidade da

inflação e do produto. Quanto maior o peso dado à estabilização do produto, maior a

variabilidade da inflação, e menor a do produto, na presença de choques de oferta.

Este princípio justifica a adoção de mecanismos de acomodação dos choques de oferta,

ou seja, a adoção de “cláusulas de escape” no âmbito do regime de metas de inflação, tal

como apontam os trabalhos de Svensson (1997), Ball (1999a) e Bernanke & Mishkin

(1997). Trata-se de uma motivação para a flexibilização do regime, bem coberta pela

literatura convencional;

(ii) Sob uma política ótima, o BC adota uma meta de inflação e a política

monetária é conduzida no sentido de fazer convergir a taxa observada de inflação para a

meta de inflação ao longo do tempo. O trade-off entre a variabilidade da inflação e do

produto não existe sob choques de demanda. Neste caso, a resposta da taxa de juros

estabiliza simultaneamente ambas variáveis. Portanto, um regime de metas de inflação

que imponha uma igualdade permanente entre a taxa inflacionária observada e a meta

de inflação só é ótimo quando não há incidência de choques de oferta, ou seja, quando

não há trade-off entre a variabilidade da inflação e do produto.

Quando a economia está sob a ocorrência de choques de demanda apenas, é ótimo um

regime estrito de metas de inflação, a saber, um regime que imponha uma igualdade

constante entre a meta e a inflação corrente. No entanto, sob choques de oferta e

existindo algum peso dado à estabilização do produto pela sociedade, torna-se ótimo

impor uma convergência apenas gradual da inflação corrente para a meta de inflação

(Ball, 1999a);

(iii) Uma política ótima impõe a necessidade de alteração da taxa real de juros

para se combater integralmente os choques de demanda. Isto requer que a taxa nominal

de juros responda às variações nas expectativas de inflação, por meio de um coeficiente

de resposta maior que 1.

O resultado iii apenas reflete uma conseqüência do resultado ii . Caso a inflação esteja

acima da meta, a política monetária deve elevar a taxa real de juros para que haja

redução da demanda. Para Clarida, Galí e Gertler (1999), tal enunciado, apesar de

Page 23: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

23

simples, fornece um guia compreensível para a avaliação da política monetária. Sugere-

se que a política monetária será eficiente se ajustar as taxas reais de juros face aos

desvios inflacionários. Neste sentido, a simples elevação das taxas nominais não indica

necessariamente um bom desempenho do BC, caso ela não seja suficiente para elevar as

taxas reais na medida necessária. Estes resultados parecem encontrar amparos nos testes

feitos por Clarida, Galí e Gertler (1998);

(iv) Enquanto o choque de demanda pede um combate integral pela política

monetária, o choque de produto potencial pede uma acomodação integral, mantendo-se

inalterada a taxa nominal de juros.

A idéia neste resultado é a de que, no caso dos choques de demanda, a resposta da

política implica estabilização simultânea da inflação e produto, não havendo trade-off

de curto prazo entre os desvios padrões de ambas variáveis; no caso do choque positivo

de produto potencial, por outro lado, existe um aumento de produtividade, que eleva

para cima o produto potencial, mas que também eleva na mesma proporção o produto

efetivo, através dos efeitos sobre a renda permanente. Logo, o gap do produto não se

altera, nem a taxa de inflação. Assim, mesmo que tenha havido aumento do produto,

não há razão para aumento na taxa de juros. Não obstante, Goodfriend & King (1997)

abrem espaço para a necessidade de resposta acomodatícia do BC sob choques de

produtividade. É possível que o produto efetivo não cresça na mesma proporção como

concebido por Clarida, Galí & Gertler (1999). Neste caso, seria necessária uma resposta

acomodatícia do BC, reduzindo-se a taxa real de juros para estimular um aumento do

produto e a eliminação do gap;

(v) Clarida, Galí & Gertler (1999), a partir de seu modelo básico, e impondo a

condição de que o BC tenha como meta um produto acima do nível potencial, chegam

ao resultado familiar na literatura de que haverá um equilíbrio sub-ótimo, no qual uma

inflação excessiva será acompanhada de ganhos nulos em termos de produto (Kydland

& Prescott, 1979; Barro & Gordon, 1983).

A implicação diz respeito às vantagens de se implantar meios de eliminar o viés

inflacionário. Mecanismos que façam o público acreditar no compromisso do BC, com a

meta de produto potencial, teriam o efeito de aumento de credibilidade, e assim

Page 24: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

24

permitiriam um equilíbrio mais eficiente, com menor inflação (Clarida, Galí & Gertler,

1999);

(vi) Delegando-se a política monetária a diretores que possuem forte aversão à

inflação, dando-lhe um peso maior que o dado pela própria sociedade, pode-se alcançar

uma redução ou eliminação do viés inflacionário (Rogoff, 1985).

Para Clarida, Galí & Gertler (1999), a exceção deveria ser feita aos casos de choque de

oferta. Diretores muito conservadores poderiam, nesses casos, impor grande volatilidade

do produto e redução do bem-estar. Goodfriend & King (1997) resolveriam esse

problema pela sugestão do uso de um índice de preços (core index) que exclua os preços

de maior volatilidade, tais como preços de petróleo e alguns alimentos;

(vii) Uma vez que a inflação corrente seja forward-looking, ou seja, determinada

pelas expectativas sobre as condições econômicas futuras, um Banco Central que

consiga se comprometer de forma crível com uma regra lida com uma melhoria do

trade-off de curto prazo entre inflação e produto.

Na visão de Clarida, Galí & Gertler (1999), mesmo um BC que não tenha como meta

um produto superior ao potencial pode gerar resultados sub-ótimos, caso não seja

estabelecida uma regra crível de política monetária. Caso não haja credibilidade, as

expectativas de inflação podem dificultar o alcance da meta inflacionária, impondo

elevadas taxas de sacrifício do produto e perdas sociais;

(viii) Face aos choques inflacionários, a regra ótima de política monetária deve

explorar a dependência da inflação corrente em relação às condições futuras da

economia, em particular a relação para com a demanda futura.

Tomando como base o texto de Woodford (1999), Clarida, Galí & Gerlter (1999)

sugerem que uma desinflação mais rápida requer um compromisso e sinalização, por

parte do BC, de que atuará continuamente no futuro sobre a demanda agregada,

enquanto a inflação não retornar para sua meta. Sob um choque de oferta, por exemplo,

um BC discricionário reduz inicialmente o produto em t, porém deixa o produto em t+i

retornar à tendência ao longo do tempo, enquanto a inflação também retorna à meta

Page 25: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

25

gradualmente. Sob compromisso e regra ótima, por outro lado, o BC sinaliza que

continuará a reduzir o produto em t+i, enquanto a inflação não retorne à meta. Devido à

dependência da inflação corrente em relação ao produto em t+i, pelas expectativas, essa

sinalização tem efeito direto sobre a primeira, facilitando o processo de desinflação da

economia.

De certa forma, isto concederia a possibilidade de um ajuste gradual da taxa real de

juros frente a um choque, desde que o BC consiga tornar crível o compromisso de

alterá-la ad infinitum, enquanto houver o desvio inflacionário. Neste sentido, mais

importante do que alterar a taxa real de juros hoje seria sinalizar a continuidade desse

ajuste ao longo do tempo, explorando-se assim o canal das expectativas. Isto está em

conformidade com a idéia em Woodford (2003) de que a política monetária é, acima de

tudo, uma gestão das expectativas de mercado.

Já na visão de Galí & Gertler (2007), duas questões-chave são tratadas pelos “novos

modelos macroeconômicos” que surgem na segunda metade dos anos 90, como uma

tentativa de construir uma base quantitativa e microfundamentada para a avaliação da

política monetária:

1) A eficácia da política monetária depende crucialmente das expectativas do

setor privado acerca da trajetória esperada futura da política monetária. Diferentemente

de abordagens mais remotas, como Fischer (1977) e Taylor (1980), os modelos mais

recentes consideram as expectativas da trajetória futura da taxa de juros tão ou mais

importantes do que o ajuste na taxa corrente. Uma vez que as equações estruturais dos

modelos são construídas com base em otimização forward-looking dos agentes

individuais, as expectativas estão naturalmente como parte integrante do modus

operandis da economia e determinam diretamente a capacidade do BC de interferir nos

valores correntes do produto e da inflação. Daqui surge a idéia disseminada de que a

eficácia da política monetária depende da capacidade de gestão, pelo BC, das

expectativas do mercado (Woodford, 2003);

2) Os valores naturais (de equilíbrio) do produto e da taxa real de juros não são

mais tratados como “tendências suavizadas implícitas”, como se costumava fazer nos

primeiros modelos de ciclos reais de negócios, mas são endogeneizados e modelados

Page 26: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

26

explicitamente, podendo apresentar variações consideráveis. Os valores naturais são

aqueles valores do produto e da taxa real de juros que seriam verificados no caso de

inexistência de quaisquer rigidezes nominais. Nos novos modelos, tais valores podem

sofrer alterações por meio dos fatores reais, como mudanças nas preferências e

produtividade, ao gosto da tradição dos ciclos reais. Logo, os novos modelos

apresentam, na visão de Galí & Gertler (2007), uma nova implicação prática para a

política monetária, a saber, a necessidade de se localizar (tracking) os valores naturais

ou de referência para a tomada de decisão do BC, os quais estão em movimento próprio.

O modelo básico apresentado em Galí & Gertler (2007) 6 parte do instrumental canônico

apontado por Goodfriend & King (1997) e Clarida, Galí & Gertler (1999). Assim como

na tradição dos ciclos reais, o ponto de partida é a definição de um modelo de equilíbrio

geral dinâmico estocástico, ou seja, uma versão estocástica do modelo de crescimento

neoclássico convencional. No entanto, para que o modelo seja usado como avaliação de

política monetária, três elementos novo-keynesianos são introduzidos: moeda,

competição imperfeita e rigidez nominal.

O Banco Central controla a oferta de moeda com o objetivo de acomodar a demanda por

moeda no nível desejado de taxa de juros de curto prazo. Enquanto esta tem efeitos de

curto prazo sobre as decisões de gastar, a moeda sozinha não possui tais efeitos, visto

que o modelo abstrai a correlação entre encaixes reais e gastos. As firmas são

concebidas como price-setters ao invés de price-takers, deparando-se com uma curva de

demanda decrescente. A competição imperfeita abre espaço para a rigidez de preços no

curto prazo, pelo que a política monetária pode ser usada como ferramenta anti-cíclica.

Uma vez que os preços são ajustados apenas gradualmente, o BC pode afetar a taxa real

de juros e os gastos dos agentes, por meio do controle das taxas nominais de juros.

1.2– A perspectiva mainstream para Inflation Targeting

1.2.1 – Características práticas do regime

6 Para uma análise exaustiva do pensamento de Galí & Gertler (2007), caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o Apêndice 2.

Page 27: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

27

Durante os anos 90, países como Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Suécia,

Finlândia, Austrália, Espanha, e Brasil inclusive, optaram por um novo regime de

política monetária: o regime de metas de inflação (Inflation Targeting), cujas

características principais são: a) adoção e anúncio explícitos de uma meta quantitativa

para o intervalo da inflação, ou para um único valor da inflação. O intervalo usualmente

varia entre 1,5 a 2,5% ao ano; b) a adoção de um procedimento operacional que pode

ser definido como “metas para as expectativas de inflação”, ou seja, o uso de uma

previsão condicional da inflação como uma meta intermediária; c) incremento de

transparência e prestação de contas (accountability), ou responsabilidade por parte do

Banco Central no alcance dos objetivos anunciados (Svensson, 2000).

Um dos problemas potenciais enfrentados pelo regime de Inflation Targeting seria o

fato de que o controle da inflação corrente não pode ser feito por meio do ajuste

contemporâneo do instrumento de política (taxa de juros nominal de curto prazo). Isto

dificulta a implementação do regime. Existe uma defasagem temporal entre o manejo do

instrumento e os seus efeitos integrais sobre a taxa de inflação. Durante esse intervalo

de tempo podem ocorrer choques ou acontecimentos que modificam o cenário esperado

pelas autoridades, de modo que a inflação observada ex post se desvie da inflação que se

desejava obter ex ante no momento do ajuste dos instrumentos.

Dado que a taxa de inflação é determinada por outros fatores além e fora do controle da

política monetária, quanto maior a defasagem entre o ajuste da política e seus efeitos

sobre a inflação tanto maiores serão as dificuldades de se entregar (alcançar) uma

inflação desejada. Por outro lado, ao perceber um desvio inflacionário ex post, o BC

poderia argumentar que tal desvio foi gerado por fatores fora de seu controle,

imunizando-se ou justificando-se dos hiatos observados. Neste caso, diminui-se a

accountability por parte do BC e o regime de metas de inflação perde credibilidade.

Ao se tornar mais difícil a monitoração do regime pelo público, “o mecanismo de

compromisso” perde eficácia. Os críticos do regime de metas inflacionárias se

aproveitam dessa argumentação, e defendem que regimes de metas monetárias ou

cambiais são mais seguros para se garantir taxas de inflação reduzidas e estáveis.

Page 28: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

28

No entanto, Svensson (1997) argumenta que existe uma solução simples, porém

poderosa para lidar com esses problemas de implementação e monitoração do regime: o

regime de metas de inflação pode ser visto como um regime de metas de expectativas de

inflação. A expectativa de inflação do BC (e do público) se torna uma meta

intermediária. A expectativa de inflação do BC é uma meta intermediária ideal, para

Svensson (op. cit.), pois é a variável corrente mais correlacionada com o objetivo da

política monetária, mais controlável que o objetivo e de observação mais fácil que o

objetivo. Svensson (op. cit.) busca demonstrar que se as expectativas de inflação são

observáveis, o melhor que o BC pode fazer sob o regime de metas de inflação é

controlar o instrumento de política de modo a eliminar os desvios expectacionais.

Devido a perturbações aleatórias dentro do intervalo de defasagem, o BC não pode

garantir que a inflação observada ex post fique dentro da meta, porém ele pode fazer

com que as expectativas de inflação, para o período de defasagem, fiquem dentro da

meta. A função ótima de reação do BC coloca a taxa de juros como função da

informação corrente relevante e impõe a condição de igualdade entre expectativas de

inflação e meta de inflação. Quando as expectativas de inflação estão acima da meta, o

BC aumenta a taxa de juros a fim de que aquelas primeiras venham a convergir para a

meta; o contrário ocorre quando as expectativas estão abaixo da meta.

Como o BC dá algum peso à estabilidade do produto, o que se faz é adotar uma meta de

curto prazo para as expectativas de inflação, que diverge provisoriamente da meta de

inflação de longo prazo, enquanto existem choques inflacionários e efeitos sobre a

inflação além do controle do BC, e enquanto existe algum peso dado à estabilização do

produto.

Portanto, para certos autores, o regime de metas não implica ajuste instantâneo das

expectativas de inflação em direção à meta (Ball, 1999). A velocidade do ajuste

depende do peso que a estabilidade do produto tem na função perda social (loss

function) do BC, além da freqüência e tamanho dos choques de oferta. Em tese, quanto

maior o peso dado à estabilização do produto, menor será a velocidade do ajuste, e mais

lenta será a convergência da expectativa de inflação para a meta de inflação.

Page 29: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

29

Esses princípios práticos do regime estão em sintonia com o que pensam Clarida, Galí e

Gertler (1999). Para estes, a política ótima altera as taxas nominais de juros, dada a

elevação da inflação e das expectativas de inflação, a fim de que haja uma alteração

suficiente nas taxas reais de juros, no sentido de combater os desvios em relação à meta.

No entanto, para os mesmos, o BC deve acomodar os choques de oferta e levar em

consideração o peso que a sociedade dá à estabilização do produto. Na presença de

choques de oferta e havendo peso positivo para a estabilidade do produto - o que parece

ser o caso geral -, o ajuste das taxas nominais de juros (e das taxas reais) deve acomodar

em alguma medida o desvio inflacionário.

Muitos países que adotaram o regime de metas de inflação o fizeram pelo abandono de

metas monetárias. Diferentemente do que ocorre com as metas cambiais7, mas

semelhantemente ao que ocorre com a meta monetária8, o regime de metas de inflação

permite à política monetária atender a objetivos relacionados à economia doméstica e

responder aos choques (de oferta). Ademais, o regime de metas de inflação não sofre

com choques sobre a velocidade-renda da moeda, já que ele não precisa supor

estabilidade entre moeda e inflação. O regime, neste caso, utiliza toda a informação

disponível para escolher a melhor decisão de política, não ficando restrito a informações

sobre uma variável específica (moeda, por exemplo).

Segundo Mishkin (1999), uma das vantagens do regime de metas de inflação seria

reduzir as chances do problema de inconsistência temporal da política monetária à lá

Barro & Gordon (1983a; 1983b). Ao contribuir para delimitar o debate público em torno

do que o BC pode realmente fazer no longo prazo – controlar a inflação -, o regime de

metas de inflação estaria restringindo as pressões políticas por elevação do produto via

expansão inflacionária. Ao convencer gradualmente a sociedade de que no longo prazo

7 “[…] exchange-rate target results in the loss of independent monetary policy. With open capital markets, an exchange-rate target causes domestic interest rates to be closely linked to those of the anchor country. The targeting country thus loses the ability to use monetary policy to respond to domestic shocks that are independent of those hitting the anchor country. Furthermore, an exchange-rate target means that shocks to the anchor country are directly transmitted to the targeting country because changes in interest rates in the anchor country lead to a corresponding change in interest rates in the targeting country.” (MISHKIN, 1999, p. 4). 8 “A major advantage of monetary targeting over exchange-rate targeting is that it enables a central bank to adjust its monetary policy to cope with domestic considerations. It enables the central bank to choose goals for inflation that may differ from those of other countries and allows some response to output fluctuations.”(MISHIKIN, 1999, p. 12).

Page 30: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

30

não é possível expandir o produto além de seu nível potencial via política monetária, um

regime que seja transparente e inteligível, como o regime de metas de inflação, estaria

eliminando as expectativas de viés inflacionário.

Os países que adotam o regime de metas escolhem um valor para a meta acima de zero,

ainda que o objetivo principal da política monetária seja a estabilidade de preços no

longo prazo. Em primeiro lugar, uma meta de inflação próxima de zero pode aumentar

as chances de deflação, o que traz perigos para a atividade econômica e para o sistema

financeiro. Há evidências empíricas9 de que manter a meta de inflação acima de zero –

mas não muito acima –, por longos períodos, não coloca em riscos a estabilidade de

preços e a credibilidade do Banco Central (Almeida & Goodhart, 1998; Laubach &

Posen, 1997; Bernanke et al., 1999).

Na prática, todos os países que adotam o regime de metas de inflação possuem relativa

flexibilidade para acomodar, em algum grau, políticas de curto prazo voltadas para a

estabilização do produto e emprego. Além disto, a fim de que não haja grandes perdas

do produto, o processo de desinflação tem se mostrado gradual nesses países, uma vez

que a meta de inflação escolhida tem convergido para a inflação desejável de longo

prazo apenas após algum tempo, e à medida que as expectativas de inflação são

gradualmente reduzidas. Logo, o regime de metas de inflação não está ligado

necessariamente à hipótese de expectativas racionais (ER), tão cara aos novos clássicos

e a alguns novos keynesianos, nem à hipótese de credibilidade perfeita. Autores como

King (1996), Ball (1999) e Debelle & Fischer (1994) mostram que, pelo menos durante

o período de construção de reputação e credibilidade, as expectativas têm forte

componente backward-looking (expectativas adaptativas).

No Brasil, em particular, o regime de metas de inflação foi implantado, no dia 1º de

Julho de 1999, como conseqüência do abandono da âncora cambial. Foi o arcabouço

institucional e operacional escolhido para o alcance daquele que seria o principal

objetivo de longo prazo da política monetária: a manutenção de taxas de inflação

reduzidas e estáveis. Este objetivo estaria expresso no anúncio da própria meta de

9 O foco do trabalho não é o de analisar as chamadas controvérsias empíricas acerca da eficácia de IT. No entanto, caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o Apêndice 3 para uma discussão maior sobre o assunto.

Page 31: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

31

inflação, a qual seria a nova âncora nominal para as expectativas de inflação e decisões

de política, pelo que se esperava com isto aumentar a transparência e a comunicação da

autoridade monetária para com o público.

Ademais, esperava-se com esta nova sistemática fornecer maior informação aos policy-

makers no que respeita às relações entre as decisões de política de curto prazo e suas

conseqüências de longo prazo (Bogdanski, Tombini & Werlang, 2000, p. 10). Os

principais elementos institucionais e operacionais do regime no Brasil são:

1. As metas de inflação devem ser estabelecidas em termos de variações de

um índice de preços amplamente conhecido pelo público;

2. A meta de inflação e seu intervalo de tolerância são escolhidos pelo

Conselho Monetário Nacional (CMN), com base em uma proposta do Ministro

da Fazenda;

3. Ao Banco Central é dada a responsabilidade de implementar as políticas

necessárias para o alcance da meta de inflação;

4. A meta de inflação é considerada alcançada pelo BC se a inflação

observada, acumulada entre Janeiro e Dezembro de um ano específico, estiver

dentro dos limites de tolerância definidos pelo CMN;

5. Caso a inflação observada fique fora dos limites estabelecidos, o

Presidente do BC precisa enviar uma carta ao Ministro da Fazenda explicando as

causas do desvio, as medidas que serão tomadas para fazer a inflação retornar ao

intervalo de tolerância e o tempo que será necessário para que as medidas

tenham seus efeitos previstos;

6. O BC precisa publicar a cada trimestre um relatório abordando a

performance do regime de metas de inflação, os efeitos das decisões de política

monetário e as previsões para a trajetória da inflação.

Page 32: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

32

Bogdanski, Tombini & Werlang (2000) chamam atenção para a importância inicial de

uma meta de inflação brasileira decrescente no período 1999-2001. A elevação da

inflação experimentada pelo país ao longo de 1999 seria motivada pelo choque de

desvalorização do câmbio naquele ano, o que teria gerado uma elevação de certos

preços once-for-all. Uma vez passado o choque, a inflação não teria comportamento de

elevação. Logo, para acomodar o choque naquele ano inicial, fixou-se uma meta de

inflação maior (8%). Como as autoridades acreditavam que o bom funcionamento do

regime de metas permitiria uma trajetória declinante da inflação ao longo dos anos

seguintes, as metas também foram fixadas em níveis gradualmente menores.

Este caso de meta decrescente, nos primeiros anos do regime no Brasil, pode ser visto

como uma aplicação do princípio de King (1996), de que, em geral, uma estratégia

ótima é fixar uma meta de inflação que convirja gradualmente para a meta de longo

prazo, porém sempre fixada abaixo das expectativas de inflação e de forma decrescente.

1.2.2– O modelo de Ball sobre Inflation Targeting

O modelo desenvolvido por Ball (1999a) é similar aos de Taylor (1994), Hall &

Mankiw (1994) e Svensson (1997). Ele possui duas equações - uma equação IS

dinâmica e uma curva de Phillips aceleracionista - e enfatiza os efeitos defasados da

política monetária e a inércia da inflação. A regra ótima é definida como aquela que

minimiza uma soma ponderada das variâncias da inflação e do produto, sendo que os

pesos dessas variâncias dependem das preferências das autoridades. Uma regra eficiente

é definida como aquela que é ótima para uma dada escolha de pesos.

Ball (1999a) define o regime estrito de metas inflacionárias como o que tenta alcançar a

meta fixada o mais rápido possível sem que sejam consideradas as implicações ou

perdas para o produto: quando existe um choque que faz a inflação observada divergir

da meta, o BC altera a taxa de juros na magnitude necessária para eliminar esse hiato o

mais depressa possível.

Page 33: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

33

Por outro lado, no regime amplo ou flexível de metas, o BC também faz a inflação

convergir para a meta, porém com menor velocidade, já que são levadas em conta as

perdas sociais em termos de produto; logo, após um choque, o ajuste deve ser gradual, e

não instantâneo. O regime estrito de metas só se torna eficiente quando as autoridades

não concedem nenhum peso à variância do produto. Em Svensson (1997), analisa-se o

regime estrito como um regime ótimo para o longo prazo, visto que estaria ausente o

trade-off entre inflação e desemprego.

No entanto, no curto prazo existem impactos da política monetária sobre o produto, de

modo que é necessária uma flexibilização do regime de metas, a fim de que a

convergência da inflação ganhe gradualismo e as perdas de produto sejam minimizadas.

Na medida em que haja preocupações com a variância do produto, deve-se buscar

alguma flexibilidade ou gradualismo no ajuste, de modo que o regime amplo de metas

se torna o recomendável e eficiente. Pode-se dizer que a política ótima de longo prazo

deve receber mecanismos adicionais que permitam sua flexibilização e maior eficiência

no curto prazo.

A economia é descrita por meio de duas equações:

(1) y = -βr-1 + λy-1 + ε

(2) π = π-1 + αy-1 + η

Onde y é o hiato do produto, r a diferença entre a taxa real de juros e a taxa de equilíbrio

e π a diferença entre inflação e inflação média; ε é um choque de demanda e η um

choque de oferta, ambos de “ruído branco” (white-noise shocks), com média igual a

zero e variância constante; α, β e λ são constantes.

Assume-se que o principal instrumento do BC seja a taxa de juros (Ball, 1999a).

Embora o controle direto seja sobre as taxas nominais, o BC altera estas com vistas a

regular a taxa real de juros. As autoridades definem a taxa de juros após observarem os

choques. No entanto, os efeitos sobre o produto só são sentidos após um período, e

sobre a inflação após dois períodos – o que é expresso pelas defasagens nas duas

Page 34: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

34

equações. As flutuações no produto são persistentes, já que o hiato do produto defasado

entra na equação 1; a inflação é inercial: uma vez que haja aumento da inflação, ela só

se reduz com reduções no produto (Ball, op. cit.).

Uma regra de política é uma regra para ajustar a taxa de juros (Ball, 1999a). Esta afeta a

economia porque ela afeta a expectativa do produto em t+1. A equação 1 implica a

seguinte função:

(3) E[y+1] = -br + λy, sendo E[ε] = 0

Dado y, o BC pode alterar Ey+1 por meio de r. A inflação esperada é dada por E[π+1] =

π + αy. Logo, segundo Ball (1999a), pode-se pensar a expectativa do produto como

função linear da expectativa da inflação, tal que:

(4) E[y+1] = -qE[π + αy], onde q >0.

Combinando (4) e (3), chega-se a uma regra de Taylor:

(5) r = [(λ + αq)/β] y + (q/β) π

Ball (op. cit.) define o “q ótimo” como função dos parâmetros e dos pesos que as

autoridades dão às variâncias da inflação e do produto. O intervalo de q vai de zero a

1/α. Quando o BC dá mais atenção à inflação, q sobe, e os juros respondem mais

agressivamente às variações no produto e na inflação. No limite q equivale a 1/α10.

Segundo Ball (1999a), a regra de Taylor que expressa a política de juros em alguns

países, como EUA e Inglaterra, teria um coeficiente para o produto ineficiente, já que

ele estaria em 0,5, mesmo valor do coeficiente para a inflação. Com isso, as autoridades

responderiam de forma pouco expressiva às flutuações do produto. Como há uma

correlação entre o produto e o produto esperado (equação 3), se a taxa de juros não

combater adequadamente as oscilações do produto, estas são amplificadas e traduzidas

10 Ball (1999a) deriva o intervalo de q em um apêndice de seu artigo. Por motivo de objetividade, o presente trabalho não apresentará o processo por meio do qual Ball encontra tais valores, ficando a critério do leito uma análise do mesmo, caso seja de interesse.

Page 35: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

35

em aceleração da inflação (equações 1 e 2). Logo, Ball defende um aumento do

coeficiente do produto [(λ + αq)/β] para um valor dentro da faixa (0,8;1,8). Com isto, a

taxa de juros se ajustaria mais agressivamente face a flutuações do produto, pelo que os

efeitos de y sobre Ey+1 seriam anulados, e o ciclo econômico suavizado.

A definição de um regime estrito de metas é que a política de juros minimiza a variância

da inflação em torno da meta fixada. Como afirma Svensson (1997), isto faz com que a

política leve as expectativas de desvio inflacionário a zero. Como a mudança da taxa de

juros no período t só afeta a inflação no período t+2, então:

(6) E[π+2]= 0

Este regime estrito seria ineficiente porque ele minimiza a soma ponderada das

variâncias do produto e da inflação somente quando o peso do produto é zero. Caso

contrário, a variância da inflação é minimizada, porém a variância do produto cresce,

principalmente quando são considerados os efeitos de choques de oferta, os quais

implicam um trade-off entre as variâncias do produto e da inflação, tal como salientado

por Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997) e Bofinger, Mayer &

Wollmershaeuser (2006).

A partir de (2), tem-se:

(7) E[π+2] = E[π+1] + αE[y+1]

Substituindo (4) em (7):

(8) E[π+2] = (1 −αq) E[π+1]

Dado que q varia de 0 a 1/α, E[π+2] varia de 0 a E[π+1]. Quanto menor o valor de q, ou

seja, quanto menor a preocupação das autoridades com o desvio inflacionário, maior

será a proporção de E[π+1] que se permitirá traduzir em E[π+2]. No regime estrito, seja

qual for o valor de E[π+1], a resposta dos juros face a choques será a necessária para

levar E[π+2] a zero. Por outro lado, no regime flexível a resposta da taxa de juros é

Page 36: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

36

gradual, e a redução das expectativas de inflação é feita gradualmente. Svensson (1997)

salienta para o fato de que na prática nenhum país adota o regime estrito. Ao permitir

uma trajetória de curto prazo para os desvios da inflação, um BC reconhece os impactos

da política monetária sobre o produto. Ball (1999a) afirma que uma regra de Taylor

eficiente é equivalente a uma meta de inflação com ajuste gradual.

1.2.3– O modelo BMW

Uma outra abordagem para o regime de metas de inflação é feita por Bofinger, Mayer &

Wollmershaeuser (2006) - cujas iniciais dão origem ao nome do modelo (BMW). Os

autores argumentam que o modelo convencional IS/LM-AS/AD tem sido criticado pela

sua incapacidade de lidar com problemas contemporâneos, tais como o uso da taxa de

juros como principal instrumento de política monetária (Romer, 2000) e a lógica do

regime de metas de inflação (Walsh, 2002). O modelo BMW, por outro lado, permitiria

lidar com essas questões, além de oferecer os principais resultados da economia novo-

keynesiana, presentes na síntese de Clarida, Galí & Gertler (1999), através de uma

estrutura simples e compreensível, além de integrar o problema da inconsistência

temporal (Barro & Gordon, 1983a,b) e lidar com a reação aos choques de demanda.

O modelo é formado por três blocos: uma curva IS, uma curva aumentada de Phillips e

uma regra de política monetária. A curva IS coloca o gap do produto (y) como função

de um componente autônomo de gastos (a), da taxa real de juros (r) - sendo b uma

constante - e de um choque de demanda (ε1):

(1) y = a – br + ε1

Tal como em Romer (2000), o gap do produto é tido como o desvio (em logaritmo) do

produto agregado de seu nível potencial; pela equação (1), pode-se ver que quando não

há choque – e o gap é zero -, a taxa real de juros está em seu nível de equilíbrio, dado

por a/b. Blinder (1998) a chama de taxa real de juros de curto prazo neutra. Pela

perspectiva novo-keynesiana, a curva IS descreve a alocação ótima de consumo das

famílias.

Page 37: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

37

Por outro lado, Clarida, Galí & Gertler (1999) argumentam que a curva IS pode receber

a inclusão de uma função investimento, que refletiria a decisão ótima de investimento

empresarial, sem que isto resulte em mudanças qualitativas da análise. Como se sabe, a

tradição novo-keynesiana dá ênfase aos chamados microfundamentos das variáveis

macro. Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) seguem esta tradição.

O segundo bloco do modelo é uma curva aumentada de Phillips, que põe a taxa de

inflação (π) como função das expectativas de inflação(πe), do gap do produto (y) -

sendo d uma constante - e de um choque de oferta (ε2):

(2) π = πe + dy + ε2

Por simplificação, os autores supõem credibilidade do BC, pelo que as expectativas de

inflação são iguais à meta de inflação (πο). Tomando πe = πο, a equação (2) fica:

(3) π = πο + dy + ε2

Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) consideram (3) como um caso particular da

perspectiva novo-keynesiana, supondo que as expectativas são formadas racionalmente.

O terceiro bloco do modelo consiste de uma regra de política monetária. Os autores não

especificam uma função reativa de taxa real de juros, mas apenas explicitam que

seguem a tradição de que o BC responde aos choques com alteração da taxa real de

juros, por meio de mudanças suficientes na taxa nominal de juros.

Um resultado básico alcançado pela análise gráfica de Bofinger, Mayer &

Wollmershaeuser (2006) é o de que a política monetária não enfrenta um trade-off entre

produto e inflação, quando o choque a ser combatido é de demanda. Neste caso, o ajuste

da taxa de juros faz com que haja uma estabilização simultânea do produto e da

inflação. Por outro lado, os autores mostram que no caso de choques de oferta existe o

trade-off: o ajuste da taxa de juros estabiliza a inflação, porém gera volatilidade do

Page 38: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

38

produto. Esses resultados são comuns às análises de Ball (1999a), Svensson (1999) e

Clarida, Galí & Gertler (1999).

Em seguida, Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) apresentam o regime de metas

de inflação como a mais proeminente das estratégias de política monetária, por meio de

um incremento da transparência e responsabilidade do BC para com o público. O

regime de metas é apresentado a partir de uma função perda (loss function):

(4) L = (π – πo)2 + λy2, sendo λ ≥ 0.

Pela equação (4), o BC está preocupado com a minimização dos desvios da inflação e

do produto. Quando λ > 0, o BC segue um regime flexível de metas de inflação, já que

existe algum peso dado à estabilização do produto; se λ = 0, não há preocupação com a

estabilização do produto, e o BC segue um regime estrito (“ inflation nutter”)

(Svensson, 1999; Rogoff, 1985).

Para obterem uma regra ótima de política monetária, Bofinger, Mayer &

Wollmershaeuser (2006) inserem a curva de Phillips (3) na função perda (4) e depois

minimizam a função modificada em relação a y. Chega-se a um valor ótimo de y:

(5) y = - [d/(d2 + λ)]ε2

Os autores argumentam que o modelo está em linha com a abordagem novo-keynesiana,

em que a política monetária é conduzida por uma escolha ótima de y. Substituindo (5)

em (3), encontra-se uma expressão para o desvio ótimo da inflação:

(6) π – πo = [λ/(d2 + λ)]ε2

Uma regra de instrumento coloca a taxa de juros do BC como função de toda a

informação disponível no momento da decisão. Substituindo (5) em (1), e resolvendo

para r, chega-se à seguinte regra de instrumento:

(7) ropt = a/b + (1/b) ε1 + [d/b(d2 + λ)]ε2

Page 39: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

39

O BC combate os choques de demanda independentemente do peso dado à estabilização

do produto, porém leva em conta o valor de λ ao combater os choques de oferta, dado o

trade-off entre inflação e produto neste último caso. Quanto maior λ, menor [d/b(d2 +

λ)] e menor será a resposta da taxa de juros diante de um choque de oferta. No

equilíbrio, quando ε1= ε2 = 0, tem-se ropt = a/b que é a taxa real de juros de curto prazo

neutra.

Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) também apresentam o regime de metas de

inflação pela abordagem das regras de metas (Svensson, 1999). Esta nada mais é do que

uma condição de minimização para a função perda social. Eliminando ε2 das equações

(5) e (6), e resolvendo o sistema entre ambas para π, chega-se à seguinte condição de

primeira ordem:

(8) π = πo - (λ/d)y

A equação (8) é uma “regra de meta”, que põe uma condição de otimização da política

monetária, impondo que uma elevação do produto deve ser compensada com uma

política monetária que reduza a inflação. Dadas as preferências do BC (λ), a estrutura da

economia e os choques sobre a mesma, a satisfação de (8) assegura a minimização da

função perda.

1.3– Motivações ortodoxas para a flexibilização do regime

Pode-se argumentar no sentido de que as motivações para a flexibilização do regime de

IT encontradas no mainstream são restritas, e estão associadas a hipóteses teóricas

específicas. Em primeiro lugar, essas motivações dizem respeito às seguintes restrições:

a) choques de oferta; b) suavização da taxa de juros (smoothing); c) considerações sobre

câmbio em economias abertas; d) incerteza estrutural.

Page 40: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

40

No que diz respeito aos choques de oferta, os autores ortodoxos supõem a existência de

trade-off entre a variabilidade da inflação e do produto (Conferir Ball, 1999a; Svensson,

1997; Clarida, Galí & Gertler, 1999). Neste caso, se a sociedade se preocupa com o

produto, o choque de oferta deve ser acomodado em algum grau a fim de que não haja

perdas sociais decorrentes de menores níveis de produção e emprego.

No caso da suavização, o BC pode dar atenção à estabilidade da taxa de juros como

forma de evitar movimentos bruscos nos mercados financeiros. Logo, a taxa de juros é

ajustada apenas parcialmente diante de um choque, havendo grande peso dado a seu

valor passado (Woodford, 2003).

Dentro da perspectiva ortodoxa, embora a política monetária tenha como principal

objetivo a estabilização da inflação no longo prazo, é possível que no curto prazo, além

da busca por estabilização do produto, o BC se preocupe com a estabilidade da taxa de

juros. Uma função perda social (loss function) que expresse essas considerações seria:

L t = j1 (Yt - Y

p)2 + j2 (Πt - Πn)2 + j3 [(Rt - Rn)]2

A minimização da função perda social acima envolve uma política monetária que seja

capaz de minimizar as volatilidades da inflação (Πt - Πn) e do produto (Yt - Yp) ao

menor grau possível de volatilidade da taxa de juros (Rt - Rn) – sendo Πn , Yp e Rn ,

respectivamente, a meta de inflação, o produto potencial e a taxa natural de juros. Neste

caso, a resposta de política presente no instrumento ótimo deixa de ser suficiente para a

minimização da função perda, já que as variações da taxa de juros, necessárias para

estabilizar o produto e a inflação, geram perdas sociais. Uma outra especificação para a

regra de instrumento seria necessária.

Na prática, o BC americano tende a suavizar o ajuste da taxa de juros nominal, ou seja,

as variações observadas da taxa básica de juros americana tendem a ser mais suaves do

que as regras ótimas de política sugeririam (Rotemberg & Woodford, 1997; Willians,

1999). Existe um certo peso dado à inércia da taxa de juros, pelo que uma função

resposta do BC mais adequada à apresentação dos dados poderia ter a seguinte

especificação:

Page 41: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

41

rt = c1 rt-1 + (1- c1) [c2 πt + c3 yt]

Em que c1 é o coeficiente de suavização (smoothing) da política monetária. Quanto

maior c1, maior o peso de rt-1 (taxa real de juros em t-1) na determinação de rt, e menor o

peso das demais variáveis correntes, inflação e produto (πt e yt). O caso em que c1 > 0

pode ser considerado o caso geral de análise da política, ao passo em que c1 = 0 seria um

caso particular, e que daria origem à regra de Taylor padrão.

A taxa de juros em t pode ser interpretada como uma média ponderada entre as

variáveis que determinam o estado da economia em t e a taxa de juros em t-1. Alguns

estudos sugerem que o parâmetro de suavização, na prática, esteja em torno de 0,8, pelo

que se verifica grande peso dado à estabilização da taxa de juros. Na prática, a política

monetária é muito mais suavizada do que a derivada pelos modelos padrão (Clarida,

Galí & Gertler, 1999).

A motivação para essa suavização ainda é uma questão não resolvida pela teoria

contemporânea, embora algumas pistas sejam apresentadas no debate recente11. Quando

existe incerteza acerca da distribuição de probabilidade dos parâmetros estruturais, ou

quando a atuação do BC pode interferir nessa distribuição de maneira desconhecida,

então surgem razões para uma maior suavização da resposta da política monetária diante

dos choques e/ou desvios observados (Brainard, 1967).

Uma das prováveis razões para o gradualismo da política monetária é a própria aversão

à reversão de política revelada pelas autoridades. Trata-se do “valor da opção” (Blinder,

2006). Uma vez que o BC se depara com um mundo de incertezas, e não se sabe qual

serão as mudanças ou choques enfrentados no futuro, é preferível manter a posição

corrente a mudar de posição, ou, dentro do mesmo sentido, é preferível mudar

gradualmente a taxa de juros a mudá-la de uma só vez, dado a aversão que o BC tem em

relação à reversão da política.

11 Conferir Rudebusch (2006) para maiores detalhes sobre as discussões teóricas e evidências empíricas acerca do tema da inércia na política monetária.

Page 42: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

42

Por sua vez, em economias abertas, se o BC for inflexível e seguir um regime de metas

de inflação estrito, a taxa de juros terá de ser usada como meio de alterar a taxa de

câmbio – sendo este o caminho mais rápido para o controle inflacionário -, para que a

inflação venha a convergir rapidamente para a meta escolhida12. A volatilidade cambial

teria impactos negativos para a economia e justificaria a adoção de mecanismos de

flexibilização do regime de metas em economias abertas (Ball, 1999b).

Ainda, a incerteza estrutural retira a eficácia da regra ótima de política monetária e

também justifica o uso de mecanismos ad hoc, ou seja, uma postura mais gradual face

ao que seria sugerido pelo modelo balizador da política. O BC não possui plena certeza

sobre quais são os valores ou distribuição de valores para os parâmetros do modelo

estrutural. Diante dessa incerteza estrutural, uma regra de instrumento ótima, derivada a

partir da solução de um problema de otimização, não representa um instrumento único e

estável para a política monetária. Havendo mudança estrutural, a regra de instrumento

deve sofrer modificações (Svensson, 1997). No entanto, uma vez que haja incerteza

sobre os novos parâmetros estruturais que prevalecem, a autoridade deve se pautar por

informações e conhecimentos adicionais face à decisão de instrumento.

Em todos esses casos, a literatura convencional aceita e mesmo defende a necessidade

de se flexibilizar o regime de IT, fazendo a passagem de um regime estrito para um

regime flexível (Ball, 1999a; 1999b).

1.4– Um caso não previsto de flexibilização: choques de demanda, taxa natural e

combate integral

Há uma situação em que a economia da Nova Síntese não prevê a necessidade de

flexibilização do regime de IT: trata-se do caso em que a inflação surge como

conseqüência de pressões por excesso de demanda, ou seja, do caso dos choques de

12 Caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o modelo de Ball (1999b) para economias abertas, no Apêndice 4.

Page 43: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

43

demanda. Autores como Clarida, Galí & Gertler (1999)13, Svensson (1997), Ball

(1999a) e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006)14, defendem a necessidade de

um combate e resposta integral diante de choques de demanda. Na visão de autores

nesta linha, o choque de demanda não impõe um trade-off entre a variância da inflação e

do produto, permitindo à política monetária estabilizar simultaneamente ambas

variáveis.

Dentro desta concepção, quando o produto se encontra acima do produto potencial

devido a um choque, os fatores de inércia sobre a curva IS e de Phillips aumentam a

probabilidade de que a inflação venha a divergir da meta e que haja um aumento do

custo de desinflação no futuro se as expectativas forem contaminadas – o que se torna

mais factível em contexto de expectativas adaptativas e credibilidade incompleta da

política. Logo, tais autores não vêem nenhuma razão para que a autoridade seja

complacente e acomode qualquer parte do choque de demanda. Quanto maior a inércia,

maior deve ser a agressividade da resposta da taxa de juros diante do choque de

demanda (Clarida, Galí & Gertler, 1999).

Esta tese do mainstream está associada à hipótese de que o produto potencial de uma

economia é determinado exclusivamente pelo lado da oferta, não tendo qualquer

correlação com as flutuações cíclicas da demanda. Trata-se da rejeição do princípio da

demanda efetiva e da não-neutralidade no longo prazo. Se o excesso de demanda não

possui nenhum efeito dinâmico sobre as decisões de investir e sobre a capacidade de

produção no futuro, então segue que o BC não possui qualquer motivação para

acomodar o choque inflacionário, dada a existência de algum grau de inércia para o

mesmo. Ao trazer a taxa de inflação para a meta, por meio de elevações na taxa real de

juros, o BC estabilizaria ao mesmo tempo o produto em seu nível potencial, não

havendo qualquer tipo de perda social relativa a esta política.

13 “That policy should offset demand shocks is transparent from the policy rule. Here the simple idea is that countering demand shocks pushes both output and inflation in the right direction. Demand shocks do not force a short run trade-off between output and inflation.” (CLARIDA, GALÍ & GERTLER (1999, pp. 1674,5) 14 “If the central bank lowers the real interest rate the output gap is closed, and inflation returns to its target level. Thus, the model shows that there is no trade-off between output and inflation in a situation of a demand shock.” (BOFINGER, MAYER & WOLLMERSHAUSER, 2006, pp. 100).

Page 44: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

44

Pelo modelo de Ball (1999a), observa-se que o choque de demanda em t terá como

efeito um gap do produto em t e um desvio da inflação em t+1, o que se pode observar

pelas equações (1) e (2) do modelo desenvolvido anteriormente – seção 1.2.2.

O BC responde a esse choque de demanda por meio da regra de Taylor (equação 5),

elevando a taxa real de juros. Isto é conseqüência do fato de que, face ao choque de

demanda, há uma elevação das expectativas de inflação em t+1, sendo que estas

expectativas estão fora de controle da política monetária. O ajuste da taxa de juros em t

só afeta a inflação em t+2. Assim, o modelo estabelece que um aumento da expectativa

de inflação em t+1, no caso de um choque de demanda, deve ser combatido por meio de

uma redução das expectativas de produto em t+1 (equação 4), e de inflação em t+2,

através da elevação dos juros em t.

A resposta da taxa de juros face ao choque de demanda deve ser integral, pois o modelo

não prevê qualquer efeito dinâmico do gap do produto sobre o produto potencial ao

longo do tempo. Logo, devido à existência de inércia do produto e inflacionária, a

pressão sobre a taxa de inflação originada pelo choque de demanda só pode ser

eliminada por meio de uma redução do produto em t+1, e a conseqüente queda da

inflação em t+2. A suposta exogenia do produto potencial impõe a necessidade de um

controle inflacionário agressivo no caso do choque positivo de demanda, tanto maior

quanto for a inércia do produto e da inflação.

Neste caso, o BC não pode alterar a trajetória de longo prazo do produto potencial e

corrente da economia, pois estes são tratados pela Nova Síntese Neoclássica como

variáveis determinadas apenas por “fatores reais”, ou seja, de forma independente da

moeda e da demanda. A escolha da política se restringe à estratégia para minimizar os

desvios da inflação e do produto em torno de seus níveis ótimos. Nada se poderia fazer

em termos de emprego e produto no longo prazo.

Assim, havendo ausência de choques de oferta, melhoria do processo de estimação dos

parâmetros e diminuição do peso dado à estabilização do câmbio e da taxa de juros,

segue que o regime de IT, na visão ortodoxa, deveria ser um regime estrito ou

inflexível, já que o combate integral dos choques de demanda não suscitaria quaisquer

perdas ou custos sociais.

Page 45: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

45

No modelo BMW, por sua vez, está presente a idéia de que a resposta da taxa de juros

diante de um choque de demanda não depende do peso social dado à estabilização do

produto (equação 7 na seção 1.2.3). Isto porque se supõe que o choque de demanda não

impõe uma troca entre inflação e produto: o BC pode reduzir a inflação para a meta e,

ao mesmo tempo, o produto para seu nível potencial, não havendo nessa política

qualquer tipo de perda social.

Obviamente, tanto no modelo de Ball (1999a) quanto no modelo BMW está presente a

idéia de uma ausência de correlação de longo prazo entre inflação e produto real, e entre

flutuações do produto e produto potencial. O gap do produto, devido a um choque de

demanda, não teria qualquer efeito sobre a tendência do sistema estudado. Seus “valores

naturais”, produto potencial e taxa natural de juros, seriam determinados por fatores

como tecnologia, disponibilidade de recursos e preferências.

Trata-se de uma exogenia desses valores de equilíbrio em relação à demanda efetiva.

Em outras palavras, trata-se da hipótese da taxa natural ortodoxa, que impõe uma

estabilidade estrutural do sistema, no sentido de que o mesmo converge necessariamente

para valores “atratores”, determinados exogenamente em relação às flutuações cíclicas.

Pode-se perceber que a economia da Nova Síntese, que ampara a teoria de IT ortodoxa,

está fundamentada na concepção da verticalização da curva de Phillips no longo prazo,

ou seja, na versão novo-keynesiana da curva de Phillips (Arestis & Sawyer, 2008). A

chamada taxa de desemprego não-aceleracionista (NAIRU), ou taxa natural de

desemprego, é inflexível em relação às flutuações do emprego corrente, de maneira que

políticas expansionistas, no longo prazo, apenas criam taxas de inflação excessivas

(Barro & Gordon, 1983a; 1983b), sem qualquer efeito em termos de produto real.

A correlação entre inflação e produto seria válida apenas no curto prazo, por meio de

algum tipo de rigidez de preços. A curva de Phillips seria negativamente inclinada no

curto prazo, porém vertical no longo prazo, no qual estariam ausentes as rigidezes e a

economia se comportaria como nos modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico à

lá ciclos reais de negócios.

Page 46: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

46

É por esta razão que autores como Goodfriend & King (1997), Clarida, Galí & Gertler

(1999) e Galí & Gertler (2007) apontam a natureza híbrida da Nova Síntese entre

novos-keynesianos e novos-clássicos (ou modelos de ciclos reais). No curto prazo, em

que são analisados os choques e a dissipação dos mesmos, a economia teria caráter

novo-keynesiano, pois haveria efeitos reais da moeda; no longo prazo, quando se analisa

a tendência do sistema e sua evolução, a economia teria caráter novo-clássico ou dos

ciclos reais, pois estariam ausentes os efeitos reais da moeda e da demanda.

Obviamente, trata-se de uma reprodução de uma “economia da oferta”, sob outra

roupagem de técnicas, ferramentas e modelos, resgatando-se as idéias que nortearam

correntes e autores que, ao longo da história do pensamento econômico, negaram em

alguma medida a validade da não-neutralidade da moeda e do princípio da demanda

efetiva.

Page 47: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

47

CAPÍTULO 2 – Elementos para uma análise heterodoxa:

fundamentando a endogenia do produto potencial pelo lado da demanda

2.1 – Críticas heterodoxas à Nova Síntese Neoclássica

2.1.1 – A crítica de Kriesler & Lavoie

Kriesler & Lavoie (2007) buscam desenvolver uma “especificação pós-keynesiana da

curva de Phillips”. A partir de Setterfield (2005), Kriesler & Lavoie (op. cit.)

apresentam inicialmente os principais aspectos da Nova Síntese Neoclássica, por meio

de um modelo analítico simples, para depois incorporarem no mesmo alguns elementos

heterodoxos. Inicialmente, os autores especificam uma curva de Phillips que seria

válida, a seu ver, tanto para a versão monetarista de Friedman quanto para os modelos

da Nova Síntese. Tem-se:

(1) ∆π = β1 (u – un) + ε1

Em que ∆π é a variação da inflação, u é o nível de utilização da capacidade produtiva

realizado, un é o nível ótimo de utilização da capacidade e ε1 é um choque não-

sistemático; sendo β1 positivo.

A equação (1) seria a base do trade-off de curto prazo entre inflação e utilização e da

curva de Phillips vertical no longo prazo. Qualquer desvio positivo do produto de seu

nível potencial, ou da utilização realizada de seu nível ótimo, implica em aceleração

inflacionária. O nível ótimo de utilização seria determinado por fatores reais e estaria

fora de controle da política monetária. Logo, não há qualquer correlação de longo prazo

entre moeda e atividade econômica.

Por outro lado, seria assumida uma correlação entre aquelas variáveis no curto prazo,

mediante uma curva IS. Tem-se:

Page 48: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

48

(2) u = u0 − β4 r

A equação (2) expressa a relação negativa entre investimento e taxa real de juros, sendo

r a taxa real de juros, u0 um componente autônomo da demanda agregada e β4 um

parâmetro positivo. Dada a correlação entre taxa real de juros e utilização da

capacidade, haveria a necessidade de se especificar uma regra de política monetária

(Kriesler & Lavoie, 2007). Na Nova Síntese, o BC adota a taxa de juros como

instrumento de política, tal que:

(3) i = π + β5 (π – πT) + β6 (u – un) + rn

Em (3), vê-se um tipo de regra de Taylor. O BC ajusta a taxa nominal de juros com o

objetivo de combater os desvios da inflação em relação à meta (πT) e da utilização da

capacidade em relação ao nível ótimo, sendo i a taxa nominal de juros, rn a taxa natural

de juros estimada pelo BC (Taylor, 1999); β5 e β6 são positivos.

Pode-se reescrever a equação (3) em termos de gap da taxa real de juros. Já que r = i –

π, tem-se:

(4) r – rn = β7 (π – πT) + β8 (u – un)

Na Nova Síntese, a equação (4) implica no fato de que sempre quando π = πT e u = un,

haverá r = rn; β7 e β8 são positivos. Para Galí & Gertler (2007), o BC deve perseguir r

= rn em todos os períodos, e como consequência a economia estará em seu estado

estacionário, compatível com o equilíbrio dinâmico em um modelo de ciclos reais de

negócios (Goodfriend & King, 1997; Clarida, Galí & Gertler, 1999). O único desafio

para o BC seria localizar os valores naturais (de equilíbrio) da economia, que podem

sofrer alterações consideráveis no tempo (Galí & Gertler, op. cit.).

O problema com a equação (4) seria a possibilidade de uma má estimação da taxa

natural de juros (Taylor, 1999). Se, por exemplo, a taxa natural estimada for maior que a

verdadeira taxa natural de juros, a taxa de inflação de longo prazo será menor que a

meta de inflação, ainda que haja a convergência da utilização da capacidade para seu

Page 49: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

49

nível ótimo. Neste caso, o BC precisa realizar uma nova estimação da taxa natural.

Seguindo Setterfield (2005), Kriesler & Lavoie (2007) apresentam a regra de política da

Nova Síntese em diferenças, como forma de se evitar o problema mencionado acima.

Tem-se:

(5) ∆r = β7 (π – πT) + β8 (u – un)

Ademais, substituindo (1) em (5), e fazendo o choque igual a zero, tem-se:

(6) ∆r = β7 (π – πT) + (β8 /β1)(∆π)

Pela equação (6), o BC responde elevando a taxa real de juros quando há aumento do

nível e da variação da taxa inflacionária. Há, portanto, uma punição maior face a

situações de pressões inflacionárias (Kriesler & Lavoie, 2007). Após apresentar o

modelo analítico acima, Kriesler & Lavoie (op. cit.) passam a enumerar as seguintes

críticas à Nova Síntese:

a) Não haveria uma relação negativa simples e necessária entre a taxa de juros e o

investimento, tal como representada pela curva IS no modelo da Nova Síntese. As

decisões de investir são sujeitas a múltiplas determinações, tais como ao estado de

confiança e expectativas empresariais, entre outras. Ainda que o BC consiga, por meio

de uma redução na meta de taxa de juros, induzir o sistema bancário a diminuir suas

próprias taxas de juros cobradas sobre os empréstimos a pessoas físicas e jurídicas, estas

últimas não aumentariam necessariamente a tomada de recursos e a efetuação de gastos.

Isto porque o impacto de uma diminuição no custo dos financiamentos dependerá, em

especial, das expectativas dos agentes econômicos a respeito de suas condições de renda

e pagamento no futuro.

O consumidor pode diminuir o consumo, mesmo havendo queda das taxas cobradas

sobre o crédito, caso ele esteja prevendo um provável desemprego ou perda de poder de

compra no futuro; a empresa pode retrair investimentos, caso haja contração da

eficiência marginal do capital, ainda que o sistema bancário oferte recursos a custos

menores.

Page 50: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

50

Ademais, não é garantido que a alteração da taxa básica de juros pelo BC imponha a

necessária mudança nas taxas de juros relevantes para os gastos de consumo e

investimento (Pollin, 2003). Essas taxas relevantes dependeriam, entre outras coisas, do

comportamento bancário e de sua preferência por liquidez.

O governo pode emitir moeda para comprar títulos privados e públicos sob a posse de

bancos privados, como tentativa de induzir uma redução das taxas de juros relevantes.

No entanto, se os bancos privados estão aumentando sua preferência por liquidez, face à

forte incerteza econômica, os recursos injetados pelo Tesouro são utilizados para

compra de ativos líquidos, como moeda estrangeira e títulos. Logo, não há aumento de

liquidez disponível para empréstimos a consumidores e empresas, não havendo

diminuição de custo e/ou melhoria de condições na concessão desse tipo de crédito.

Trata-se de uma análise que concede papel primordial ao poder de criação e retração de

meios de pagamento por parte do sistema bancário privado, pelo que a política

monetária poderia enfrentar maiores dificuldades no alcance de seus objetivos. Neste

sentido, pode haver uma perda de eficácia da política de taxa de juros em certas

situações, em especial sob forte preferência por liquidez, quando as taxas de juros

relevantes estariam rígidas para baixo. Em casos como este, a política fiscal deveria ser

privilegiada como reguladora da demanda efetiva, ao injetar recursos diretamente para

classes com maior propensão marginal a consumir;

b) Em casos de pressões inflacionárias, a elevação da taxa de juros pelo BC pode

aumentar os custos financeiros dos agentes, elevando, ao invés de reduzir, a taxa

inflacionária, através do que se convencionou chamar de efeito Wright Patman (Kriesler

& Lavoie, 2007); de fato, para os pós-keynesianos a inflação possui forte e sistemático

componente de custos. Analisando essa visão, Mollo (2004) afirma:

[...] com o sistema econômico e o sistema financeiro atuais, observa-se permanente poder de grupos econômicos que impedem concorrência perfeita e garantem pressão inflacionária permanente, requerendo, para combatê-la, políticas de rendas. Visto dessa maneira, o processo inflacionário é fruto de fatores reais, embora Keynes e os pós-keynesianos reconheçam que o sistema bancário pode fornecer a liquidez necessária aos empresários para que eles, aumentando salários nominais e custo das matérias-primas sancionem a inflação. Reconhecem, todavia, que a política ortodoxa de contenção

Page 51: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

51

monetária pode reduzir a inflação, mas, ao mesmo tempo, como a moeda não é neutra, produz uma massa enorme de desempregados. Ao tratar dos aumentos de custos que provocam inflação, os pós-keynesianos se referem, além dos aumentos salariais, a aumentos das margens de lucro, rendimentos decrescentes, custos dos produtos importados e choques de oferta. A inflação pode também ser de demanda, mas esse é um caso menos provável porque só ocorre após o pleno emprego (MOLLO, 2004, pp. 336).

c) Rejeita-se a hipótese de uma convergência necessária no longo prazo para uma

utilização ótima da capacidade produtiva, exogenamente determinada. A economia não

está sujeita a uma taxa de crescimento natural independente das flutuações da demanda

e da moeda. Trata-se de rejeitar a hipótese da taxa natural, peça fundamental no

pensamento da Nova Síntese, assumindo-se a validade do princípio da demanda efetiva

e a não-neutralidade da moeda, inclusive no longo prazo (Carvalho, 2005; Serrano,

1995; Setterfield, 2002).

Nesse caso, flutuações da moeda e da demanda, e do gap do produto corrente, poderiam

impactar, por meio de mudanças nas decisões de investir, a própria capacidade

produtiva da economia, ou seja, o produto potencial, em quaisquer períodos de análise.

A chamada taxa natural de crescimento, presente já nos modelos pioneiros de Harrod

(1938), deve ser tratada como uma variável endógena, determinada por fatores como

demanda, produção corrente e investimentos privados. De fato, para os seguidores da

Teoria Geral de Keynes (1936), os “fatores reais” são intrinsecamente monetários

(Possas, 1987);

d) Não haveria necessariamente uma aceleração da inflação na presença de aumentos da

utilização da capacidade, idéia esta próxima dos resultados de Arestis & Sawyer (2008).

Existiria uma ampla gama de níveis de utilização para a qual não estariam presentes

rendimentos decrescentes, de maneira que os produtores não seriam forçados a remarcar

preços face a qualquer aumento da utilização (Lavoie, 2004). Mecanismos de

coordenação institucional também permitiriam maior emprego dos recursos sem que

houvesse necessariamente pressões no preço dos mesmos. Um exemplo seria a

coordenação entre trabalhadores, o que tornaria sem sentido a unicidade da NAIRU

(Hein, 2002).

Page 52: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

52

Na presença de competição imperfeita, a curva de custos médios em formato de U perde

aderência empírica. É possível que empresas busquem operar na faixa em que os custos

médios caem com o aumento da produção, dada a existência de economias de escala.

Neste caso, não haveria a relação positiva entre gap do produto e inflação sugerida pela

curva de Phillips novo-keynesiana (Arestis & Sawyer, 2008).

Quanto à crítica “d”, apresenta-se uma modificação pós-keynesiana da curva de Phillips

feita por Kriesler & Lavoie (2007). Essa modificação daria conta da existência de um

intervalo de variações na utilização da capacidade dentro do qual não haveria impactos

inflacionários, seja porque os preços dos insumos não sofreriam pressões, seja porque a

produtividade do trabalho seria constante. A troca entre inflação e desemprego só seria

verificada para níveis muito baixos de utilização da capacidade, ou para níveis muito

altos. O intervalo entre esses dois extremos seria amplo e a parte relevante de análise,

em que mudanças de atividade não levariam a maiores ou menores taxas de inflação.

Logo, ao invés de uma curva de Phillips positivamente inclinada no curto prazo dada

por (1), haveria uma curva de Phillips pós-keynesiana horizontal no curto prazo, dada

por:

(7) π = β 11 (u – um) + β 12 (u – ufc) + πn

Em que ufc é a capacidade plena de utilização, um é uma taxa mínima de utilização,

abaixo da qual a taxa de inflação se reduz e πn é a taxa de inflação compatível com o

intervalo normal de utilização, sujeito a choques de oferta. Ademais:

i) β11 = 0 para u > um e β11 > 0 para u < um;

ii) β12 = 0 para u < ufc e β12 > 0 para u > ufc.

De (7), “i” e “ii” segue que para um < u < ufc, haverá π = πn e ∆π = 0. Logo, estando o

produto abaixo de seu nível máximo, a política monetária pode ser expansionista sem

que haja pressões sobre a inflação, enquanto u < ufc. Como resultado, essa

especificação pós-keynesiana da curva de Phillips não leva a uma verticalização da

mesma no longo prazo, como o faz a especificação da Nova Síntese. Como, na primeira,

Page 53: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

53

mudanças de produto no curto prazo, dentro do intervalo relevante, não geram aumento

da taxa de inflação, não existem impactos sobre as expectativas inflacionárias, pelo que

no longo prazo também haverá uma curva horizontal para o intervalo relevante (Kriesler

& Lavoie, 2007).

Essa especificação teórica da Curva de Phillips está em consonância com as evidências

empíricas encontradas por Filardo (1998), que mostra um intervalo aproximadamente

entre 1 ponto percentual abaixo e acima do gap do produto, dentro do qual a inflação

não sofreria mudanças. Assim, se o crescimento potencial for de 3% a.a., por exemplo,

apenas a partir de um crescimento corrente de 4% haveria aumento da taxa de inflação.

2.1.2 – A crítica de Arestis & Sawyer

2.1.2.1 – Política de juros e a questão da taxa natural de juros

Pelas equações IS, curva de Phillips e regra de Taylor, observa-se que a taxa natural de

juros representa um papel fundamental, tanto de um ponto de vista positivo quanto

normativo, para a Nova Síntese ou Novo Consenso Macroeconômico. De uma

perspectiva positiva, o modelo padrão da Nova Síntese mostra que, quando a taxa

nominal de juros de curto termo está ao nível da taxa natural de juros, o produto estará

em seu nível potencial e a inflação não sofrerá variação. Trata-se de uma situação ideal.

Por outro lado, de uma perspectiva normativa, a Nova Síntese sugere que um BC

responsável deve localizar a taxa natural de juros e persegui-la a todo tempo.

Grosso modo, a “Nova Síntese” seria, na visão de Arestis & Sawyer (2008), semelhante

à economia de Wicksell (1898). A taxa natural de juros é a taxa que permite um

equilíbrio entre oferta agregada e demanda agregada, ou entre poupança e investimento,

ao nível de pleno emprego e sem que haja alterações nos preços de mercado. Isto seria

correspondente à constância da taxa de inflação e de um gap de produto nulo nos

modelos da Nova Síntese. Adicionando-se uma forma de Lei de Say na análise, segue

que a economia converge necessariamente para o equilíbrio de pleno emprego, ou seja,

Page 54: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

54

para a igualdade entre a taxa de juros de mercado e a taxa natural de juros. Esta seria a

única taxa de juros compatível com um equilíbrio econômico.

Obviamente, a Teoria Geral de Keynes (1936) rompe com a idéia de uma unicidade da

taxa de juros de equilíbrio, ao mostrar que para qualquer nível de emprego pode existir

uma situação de repouso (equilíbrio) na economia, a depender das expectativas e dos

gastos, e, portanto, haverá uma respectiva taxa de juros compatível com tal situação.

Não haveria apenas uma, mas sim múltiplas taxas de juros compatíveis (ou “naturais”)

com as respectivas situações de equilíbrio. Por outro lado, enquanto a taxa natural de

juros na Nova Síntese representa um fator real, que compatibiliza uma noção de

disposições à parcimônia dos consumidores com uma idéia de produtividade marginal

do capital, para Keynes e pós-keynesianos a taxa de juros, seja qual for, representa um

fator monetário, dependente da política monetária, mas também da preferência por

liquidez dos agentes15.

A taxa de juros controlada pelo BC, através da regra de Taylor, é concebida como a taxa

relevante para as decisões de gastos dos agentes econômicos, não havendo, no modelo,

a possibilidade de divergência entre aquela taxa e demais taxas sobre empréstimos

bancários. Aliás, pouca ou nenhuma referência ao comportamento bancário é feita pela

Nova Síntese (Arestis & Sawyer, 2008). Os gastos são concebidos como dependentes

exclusivamente do custo ou preço dos empréstimos, representado pela taxa de juros de

curto termo, não havendo consideração sobre a possibilidade de restrições de crédito

impostas por bancos ou de influência do estado de confiança (em um sentido pós-

keynesiano). Por outro lado, a taxa de juros controlada pelo BC é vista como o

instrumento que permite o equilíbrio macroeconômico, ao se supor a existência, e o

conhecimento, pela autoridade monetária, da taxa natural de juros. A seguir, são

enunciadas algumas críticas apresentadas por Arestis & Sawyer (op. cit.):

1 – A taxa de juros pode ter pouco poder para mover a economia para uma situação

desejada pelo BC, em especial para a situação idealizada de inflação constante e gap do

15 Não será feita neste trabalho uma análise da teoria da preferência por liquidez, dada sua ampla divulgação no meio acadêmico. Apenas ratifica-se sua relevância enquanto variável na determinação da taxa de juros em uma economia pós-keynesiana.

Page 55: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

55

produto igual a zero. Outros fatores poder ser mais eficazes na determinação da

dinâmica econômica, como utilização da capacidade existente e lucratividade:

[…] interest rates may have very little effect on the levels of investment and savings and hence variations in the rate of interest would be ineffectual in reconciling intended savings and investment. The theoretical and empirical arguments on the ambiguity of the sign of the relationship between savings and the rate of interest are well known. The empirical literature on investment has often cast doubt on the impact of interest rates on investment and stressed the roles of profitability and capacity utilization (ARESTIS & SAWYER, op. cit., pp. 285).

2 – As decisões do sistema bancário podem caminhar em dissonância para com a

decisão do BC. Em particular, o suposto caminho de transmissão entre a taxa de juros

nominal de curto prazo, controlada pelo BC, e as decisões de gastos dos agentes pode

ser interrompido:

[…] the linkage from the key discount rate set by the Central Bank and the interest rates, which influence economic decisions, may be rather loose and uncertain. For example, the long-term rate of interest may be viewed as relevant for long-term investment decisions, and the response of the long-term rate of interest to changes in the key discount rate may be relatively slight and may vary over time. The banks could respond to a change in the discount rate by a combination of changes in the interest rate on loans and changes in the credit standards, which they set. Hence, the impact of a change in the discount rate on interest-sensitive spending decisions depends on the decisions of banks and other financial institutions (ARESTIS & SAWYER, op. cit., pp. 285).

3 – Uma crítica fundamental é feita à possibilidade efetiva de estimação confiável da

taxa natural de juros pelo BC. Como a regra de Taylor que baliza a política monetária

ortodoxa depende de valores naturais ou normais da economia (como a taxa natural de

juros e o produto potencial), uma má estimação desses valores de referência pode

exercer impactos instabilizadores sobre a atividade econômica. O BC pode perseguir

uma taxa real de juros que é diferente da verdadeira taxa de juros de equilíbrio, e desta

forma impor uma dinâmica do produto e da inflação incompatível com seus valores

normais:

Page 56: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

56

[…] the Central Bank cannot calculate and attain the equilibrium rate of interest through reasons of lack of information, it being a moving target. It can be seen in the equations given above that the equilibrium rate depends on a0/a3 and these are parameters, which can and do vary over time. Mistakes may occur in the setting of interest rates as the Central Bank has imperfect information on the equilibrium real rate of interest […]. Any shift in fiscal policy, in investors confidence or in world trade conditions would be reflected in a change […] leading thereby to a change in the equilibrium real rate of interest. This would, of course, exacerbate the problems of securing information on the equilibrium rate and exacerbate the chances of policy mistakes. Information on the equilibrium rate is not exactly readily available, and indeed at best can only be estimated with some lag and over a period when it can be reasonably assumed the underlying parameters are stable. A significant issue arises here, namely whether the Central Bank can make systematic mistakes on its estimates of the natural rate […] (ARESTIS & SAWYER, op. cit., pp. 285,6).

Arestis & Chortareas (2007) detalham a questão das dificuldades técnicas e da incerteza

em torno das estimativas de taxa natural de juros. Ressaltam algo importante, quando

dizem que na Nova Síntese a taxa natural de juros não possui correlação com as taxas de

juros de mercado. Trata-se de uma dicotomia clássica, em que os valores de equilíbrio

não são correlacionados com os valores correntes: tendência e ciclo são tratados como

esferas de análise estanques.

Da mesma forma, concebe-se o produto potencial como independente do produto

corrente, e a taxa natural de desemprego como independente da taxa corrente de

desemprego. Em outras palavras, configura-se a hipótese da taxa natural e da

neutralidade da moeda no longo prazo.

O que aconteceria se fossem considerados os possíveis efeitos das taxas de juros de

mercado sobre a taxa natural de juros? Em primeiro lugar, quebraria-se a dicotomia

clássica presente nos modelos da Nova Síntese; em segundo lugar, estaria presente a

idéia de não-neutralidade da moeda, dado que a política monetária, ao afetar as taxas de

juros de mercado, poderia alterar a própria taxa natural de juros e, assim, a estrutura da

atividade econômica.

2.1.2.2 – Superestimação da “taxa natural de juros”

Page 57: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

57

Arestis & Sawyer (2008) sugerem o caso particular de uma possível superestimação da

taxa natural de juros por parte do BC, resultando, caso essa taxa estimada seja

perseguida, em valores deprimidos para os investimentos, para a formação de capital e

para a produção no longo prazo. No entanto, não é levantada a questão sobre a lógica ou

as eventuais razões para essa superestimação da taxa natural de juros pelo BC. Aqui,

pode-se esboçar uma possível motivação ou racionalidade por trás de uma

superestimação da taxa natural de juros, muito embora essa hipótese não seja o foco

desta tese, e não venha, portanto, a ser desenvolvida minuciosamente e/ou testada.

Estudos futuros podem buscar esta tarefa.

A superestimação da taxa natural de juros pode surgir como uma estratégia racional do

BC em um contexto de incerteza estrutural. Seja o caso em que a taxa de inflação se

acelera autonomamente a partir de um nível, dado um gap positivo do produto. No

entanto, o BC não sabe ao certo a partir de qual nível de gap do produto a taxa de

inflação se acelera. Obviamente, como o BC possui um mandato associado ao

compromisso com o alcance de uma meta inflacionária, no âmbito de um regime de

metas de inflação, a política monetária precisa fazer com que a inflação “fuja” daquela

“zona de aceleração”, sob a pena de ter ameaçado o sucesso e a credibilidade do BC.

Por outro lado, a taxa natural de juros é aquela taxa compatível com um gap nulo, sendo

uma taxa que, se alcançada, garante a meta de inflação e impede que esta última entre

na zona de aceleração. O problema é que, em contexto de incerteza, o BC não tem

informações confiáveis sobre o valor da taxa natural de juros.

Suponha que o BC tenha a estimação de uma média de taxa real de juros nos últimos

anos, que foi compatível com o equilíbrio econômico, e tome esse cálculo como uma

metodologia para a estimação da taxa natural de juros (conferir Arestis & Chortareas,

2007, para detalhes sobre os métodos alternativos de estimação da taxa natural de

juros).

Há também uma variância em torno dessa média. Como o BC não pode confiar

perfeitamente na média calculada, devido às instabilidades dos parâmetros, ele acaba

por escolher um valor no entorno da média. O BC acaba por escolher um valor acima da

média calculada, dentro da variância superior, como forma de supostamente facilitar o

Page 58: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

58

controle inflacionário e “pagar um tipo de seguro” pela estabilidade de preços. Uma vez

que essa taxa natural estimada seja maior que a verdadeira taxa natural, a economia

estará fadada a uma dinâmica de produto abaixo de seu verdadeiro potencial. A outra

face desse viés é a escolha de uma meta de inflação muito apertada, abaixo da meta que

seria compatível com o potencial de produção no curto e longo prazo.

Logo, a meta de inflação seria fixada em um valor menor que a inflação que resultaria

do verdadeiro produto potencial e, conseqüentemente, a economia estaria sob uma

situação sistemática de taxas reais de juros maiores que a taxa natural (verdadeira), e de

produto efetivo abaixo do (verdadeiro) produto potencial. Em outras palavras, como

conseqüência de uma postura conservadora do BC frente às incertezas ao redor das

estimações da verdadeira estrutura econômica, a economia sofreria um viés de baixo

crescimento econômico. Essa hipótese tem repercussões compatíveis com os resultados

empíricos de Libânio (2009), que verifica uma tendência de elevadas e aparentemente

injustificadas taxas de juros no Brasil recente.

2.2 – Elementos de análise: o princípio da demanda efetiva

As diferentes roupagens em que surge a “economia da oferta”, ao longo da história do

pensamento econômico, podem ser interpretadas como um regate da “lei de Say”. Esta

lei, na verdade, pode ser entendida como um princípio, expresso de diferentes formas e

sob diferentes roupagens teóricas16. Em essência, esse princípio diz que, dado um nível

qualquer de renda, os dispêndios serão ajustados de forma a se tornarem iguais à

produção global. É a produção e a renda que determinam o nível de gastos, de maneira a

permitir que haja uma equivalência contábil entre produção, renda e gastos agregados.

Tal princípio só pode ser válido se houver mecanismos que façam com que os

dispêndios agregados – que são observados ex post, no período de mercado – sejam tais

que realizem necessariamente o nível de produção – definido ex ante, no período de

produção.

16 Conferir Possas (1987) e Moreira (2005).

Page 59: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

59

Ora, para que esse modus operandis seja satisfeito é preciso que seja válida a seguinte

hipótese: que as decisões de gasto, e todas elas, estejam restritas e determinadas pelo

nível de renda, este último conhecido ex ante (pelo estoque de recursos disponíveis).

Como dissera Keynes (1936), o grande erro da teoria clássica teria sido o de considerar

a renda como dada e constante, mesmo que houvesse uma variação de gastos em

investimento ou consumo.

Ora, tal hipótese é obviamente inconsistente com a economia monetária em que

vivemos, na qual os gastos são, em grande medida, autônomos em relação à renda,

através da disponibilidade de crédito bancário. Embora alguns gastos, como os de

consumo das parcelas da sociedade de menor poder aquisitivo, sejam, em certa medida,

dependentes da renda previamente gerada, todavia, em sua maioria, os gastos possuem

comportamento independente da renda, visto que o crédito bancário garante boa

margem de autonomia dos mesmos. O investimento privado, por exemplo, pode ser

considerado um tipo de gasto que não possui correlação necessária com o nível de

renda previamente gerada. Isto porque, no curto prazo, os investimentos dependem de

expectativas que dizem respeito à renda esperada, a qual não pode ser estimada

confiavelmente a partir das rendas geradas previamente (Davidson, 1999).

É interessante frisar que a análise da Teoria Geral de Keynes está focada no curto prazo,

muito embora o princípio da demanda efetiva possa ser estendido ao longo prazo. No

curto prazo, o crédito bancário pode descolar a demanda da oferta. Neste caso, rompe-se

com a Lei de Say, ou seja, a produção no curto prazo não cria sua própria demanda,

visto que os gastos são independentes da produção e renda correntes. No longo prazo,

por sua vez, a trajetória dinâmica da produção e da capacidade produtiva é dependente

do comportamento dos investimentos.

Por outro lado, visto que, no curto prazo, os gastos ex post não estão “presos” ao nível

de renda desejada e de produção (ex ante), é claro que o lucro desejado (ex ante) pelas

empresas pode não ser equivalente ao lucro efetivo (ex post). Este pode, de fato, ser

maior ou menor que o primeiro, uma vez que na presença de gastos autônomos, é a

agregação destes últimos que determina qual será a renda agregada realizada no período

de mercado. Isto implica uma incerteza irredutível em torno das decisões de produção e,

Page 60: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

60

sobretudo, investimentos empresariais, dado que tais decisões criam um compromisso

de débitos temporais, mas não garantem a geração dos créditos previstos ou desejados.

Estamos no campo oposto ao do princípio da lei de Say; ou seja, estamos no campo do

princípio da demanda efetiva, em que, no agregado, são as decisões de gasto dos

agentes que determinam o nível de utilização da capacidade produtiva, ou seja, os níveis

de produção, renda e emprego. Tal relação de causalidade, de um ponto de vista

dinâmico, dá-se instantaneamente, de forma que não existe a necessidade de se analisar

o que ocorre com a “renda gerada” dentro do período estudado, ou seja, se ela será ou

não gasta com os bens produzidos pelo trabalho neste mesmo período contábil (Possas,

1987).

Na verdade, pela definição do princípio da demanda efetiva, não existe esse hiato

temporal, entre a “renda gerada” e os gastos ex post. Isto porque aquela “renda gerada”,

na verdade, não foi ainda gerada. Ou seja, trata-se de uma renda ex ante, que possui, no

mínimo, um componente apenas desejado (os lucros). Ex post, no período de mercado, é

que as vendas permitirão ou não realizar as expectativas empresariais, de maneira que a

renda efetiva será determinada ex post, pelos dispêndios.

O modelo apresentado em Serrano (2000) pode ser usado para uma ilustração do

princípio da demanda efetiva, por meio da relação entre poupança e investimento. Em

uma “economia da oferta” é a poupança que financia e limita o volume de

investimentos, ao sabor da tradição dos fundos emprestáveis, ao passo que em uma

“economia da demanda” o investimento possui a primazia e determina o nível de

poupança, sem a necessidade de rendas ou poupanças prévias, visto que o sistema

bancário pode cobrir a escassez de recursos por meio da criação de moeda bancária.

Seguindo Serrano (2000):

(1) Y + M = C + I + Gc + Gi + X

Em que Y é a produção doméstica, M as importações, C o consumo privado, I os

investimentos privados, Gc o consumo do governo, Gi os investimentos públicos e X as

exportações. Subtraindo as importações de ambos os lados, tem-se:

Page 61: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

61

(2) Y = [C + I + Gc + Gi + X] – M

A poupança externa pode ser definida como o excedente da soma entre a renda líquida

enviada ao exterior e as importações sobre as exportações, ou seja, a poupança externa é

a contrapartida contábil do déficit em transações correntes no balanço de pagamentos.

Assim:

(3) Sx = R + M – X

A renda líquida enviada ao resto do mundo pode ser dividida nos componentes público

e privado, visto que ambos os setores têm dívida contratada no exterior (Serrano, op.

cit.). Logo:

(4) R = Rp + Rg

A seguir, tem-se a poupança privada e pública, respectivamente. A primeira (equação 5)

é o excedente da renda sobre a tributação (T), renda líquida enviada ao resto do mundo

pelo setor privado (Rp) e consumo. A última (equação 6) é o excedente da receita

tributária sobre a renda líquida enviada ao exterior pelo governo (Rg) e consumo

governamental (Gc).

(5) Sp = Y – T – Rp – C

(6) Sg = T – Rg – Gc

Finalmente, chega-se a igualdade macroeconômica entre investimento agregado e

poupança agregada, tal que:

(7) I + Gi = [Y – T – Rp – C] + [T – Rg – Gc] + [Rp + Rg + M – X]

A pergunta-chave feita por Serrano (op.cit.) é a seguinte: “a soma das poupanças

determina o investimento?”. Como foi demonstrado acima por meios de argumentos

teóricos mais gerais, e, em certa medida independentes de teorias e/ou premissas

Page 62: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

62

teóricas específicas17, a resposta é negativa. De fato, a poupança agregada é a

contrapartida direta de um certo montante de investimento agregado, contratado num

período de tempo qualquer. Uma análise do modelo proposto por Serrano (op. cit.) é útil

para se reafirmar essa posição teórica.

No caso de uma redução do consumo nada ocorre com a poupança nem com o

investimento, uma vez que a renda é diminuída na mesma proporção que o consumo,

mantendo a poupança privada constante. Uma elevação da tributação, por outro lado,

também não possui efeitos positivos sobre o investimento, apesar de haver um

crescimento da poupança pública. Todavia, a elevação de T reduz a poupança privada

na mesma magnitude, mantendo inalterada a poupança agregada.

Uma elevação da renda líquida enviada ao exterior (aumento da poupança externa), por

sua vez, da mesma forma, não cumpre nenhum papel em estimular o investimento, visto

que quando Rp e/ou Rg aumentam, a poupança privada e/ou a poupança pública são

reduzidas em mesmo montante, pelo que a poupança agregada é mantida em mesmo

valor. Ademais, aumentos em M também fazem crescer a poupança externa, mas ao

reduzirem a renda, reduzem também a poupança privada. Resultado: a poupança

agregada não varia.

De fato, a poupança agregada, pelo que foi dito anteriormente, não pode crescer através

de qualquer “esforço de poupança” privada, pública e/ou externa. Quando uma dessas

fontes de poupança aumenta há apenas uma redistribuição da poupança agregada, o que

implica na redução das outras fontes18. A poupança agregada só pode aumentar se

houver uma elevação do investimento agregado, seja pelo setor privado e/ou público.

Isto é uma decorrência imediata do princípio da demanda efetiva e está em consonância

com a idéia de que não existe, no agregado, uma decisão de poupança em uma

economia capitalista; o que existe é uma decisão de investimento.

17 Possas (1999) apresenta o PDE como pré-teórico, no sentido de que, sendo um princípio (ou teorema), independe de uma determinada roupagem teórica. Sendo assim, o PDE não requer uma análise estritamente keynesiana ou kaleckiana. 18 Não se trata aqui de uma “teoria do bolo”, uma vez que são os gastos que determinam a renda, e esta última não é considerada dada.

Page 63: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

63

2.3 – Elementos de análise: moeda e não-neutralidade

Uma vez que qualquer ativo durável tem a capacidade de existir ao longo do tempo,

Keynes queria mostrar que os indivíduos desejam saber qual dos ativos lhes dará o

melhor retorno prospectivo (Kregel, 1980, p. 38-41).

Keynes definiu três atributos que os diversos bens duráveis possuem: i) o retorno obtido

com o uso do ativo ao longo do tempo (q); ii) os custos de manutenção do ativo (c); iii)

o prêmio de liquidez (l), obtido com a posse do ativo, medido pelo montante que as

pessoas estão dispostas a pagar, em termos do próprio bem, pela segurança potencial

derivada de sua posse. Assim, o retorno prospectivo de qualquer ativo durável, em

termos de si mesmo, pode ser medido pela soma [(q-c) + l]19 (Keynes, 1936, p.

177,178). Os bens cujo preço de oferta é inferior ao preço de demanda tem sua oferta

elevada, uma vez que, para tais bens, o retorno prospectivo ([(q-c) + l]) mostra-se

elevado em relação ao dos demais. Todavia, Keynes notou que o retorno prospectivo

dos ativos duráveis não-monetários é inversamente relacionado com a demanda pelos

mesmos, ou seja, “à medida que aumenta o estoque de bens cuja eficiência marginal

era, a princípio, pelo menos igual a taxa de juros, essa eficiência marginal tende a

baixar “(Keynes, 1936, p. 179).

Este processo tenderia, a priori, ao ponto em que [(q-c) + l] fosse igual para todos os

bens duráveis, situação esta equivalente ao equilíbrio estável em que nenhum

investimento adicional apresenta vantagem sobre os demais. Contudo, a existência da

moeda, dadas suas características especiais, impede que aquela eqüalização das

eficiências marginais ocorra apenas no pleno emprego. Isto porque o retorno

prospectivo da moeda não está nas condições técnicas de sua oferta, mas no seu prêmio

de liquidez. Este prêmio não depende da quantidade de moeda ofertada, porém da

psicologia do público, expressa na preferência pela liquidez (Kregel, 1980, p. 41, 42).

Mesmo havendo uma elevação da oferta monetária, a taxa de juros pode permanecer

constante ou até mesmo se elevar, e isto porque a preferência pela liquidez pode fazer

19 Caso queira-se acrescentar a variação do retorno de cada bem em ralação ao valor da moeda, acrescenta-se o termo “a”, que pode ser positivo ou negativo. A soma completa fica [(q-c) + l + a] para todos os bens, com exceção, obviamente, da moeda, o próprio padrão de referência, cuja “soma” completa reduz-se à “l”, pois (q-c) para ela é nulo.

Page 64: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

64

com que a demanda por moeda cresça tanto quanto ou mesmo acima da oferta de moeda

(Keynes, 1936, p. 184, 185).

Em uma economia onde há incerteza, a moeda surge como a reserva de valor por

excelência, dado seu prêmio de liquidez. Parte da renda gerada na produção pode ser

usada para reter moeda, ao invés de converter-se em demanda efetiva (que gera

emprego). A taxa de juros, determinada pela relação entre oferta monetária e preferência

pela liquidez, não apresenta, assim, uma tendência de queda, como propositado pela

teoria neoclássica, sempre em que o consumo presente diminua. Pelo contrário, a

redução do consumo corrente, quando gerada por maior preferência por liquidez, pode

elevar a taxa de juros, impedindo novos investimentos cuja eficiência marginal, outrora,

era ainda superior à taxa de juros vigente. Por outro lado, a retração das vendas

presentes influencia sobre as expectativas dos empresários, que passam a esperar menos

vendas futuras, também contribuindo para a diminuição dos investimentos.

Afinal, o que faz da moeda, dentre todos os ativos duráveis existentes, um ativo mais

adequado enquanto recipiente de liquidez? Para Keynes, a moeda possui duas

propriedades essenciais (Keynes, 1936, p. 180-185):

• Sua elasticidade de produção é, se não nula, muito baixa: “todos os ativos

líquidos são não produzíveis pelo uso de trabalho no setor privado” (Davidson,

1999, p. 54). Logo, o aumento da demanda por moeda não permite que os

trabalhadores desempregados sejam empregados na produção de mais moeda.

Isto ocorre mesmo havendo plena flexibilidade de preços (Davidson, op. cit.).

Desta maneira, o desemprego involuntário não estaria associado a falhas de

mercado ou à existência de rigidez de preços, tal como posto pelos teóricos

novos keynesianos. Não obstante haja perfeita flexibilidade de preços, a

existência de um ativo líquido - não produzível pelo trabalho no setor privado -,

e que sirva de “refúgio” para a renda corrente, permite a ocorrência de

desemprego involuntário de recursos produtivos;

• Sua elasticidade de substituição também, se não nula, é desprezível. Significa

que, mesmo que o valor de troca da moeda cresça, não surge qualquer tendência

para substituí-la por outro ativo produzível por trabalho. Não existe, portanto,

Page 65: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

65

substituição bruta significativa entre ativos líquidos não produzíveis e os

produtos do trabalho na indústria (Davidson, op. cit., p. 54)

Enquanto os detentores de riqueza desejam conservá-la sob a forma de ativos líquidos

cujas elasticidades de produção e substituição são quase nulas, o equilíbrio sem pleno

emprego é possível. Em outras palavras, quando existem outras formas de se usar as

poupanças (o mero entesouramento, por exemplo), além da simples compra dos ativos

produzíveis pelo trabalho, pode haver equilíbrio estável com desemprego involuntário,

mesmo na presença de perfeita flexibilidade de preços (Davidson, op. cit., p. 55). Desta

maneira, a explicação do desemprego involuntário recai não sobre alguma forma de

rigidez de preços ou falha de mercado, mas sobre a influência monetária no processo de

produção capitalista. E é justamente isto o que caracteriza uma economia monetária de

produção (Feijó, 1999).

Se o aumento na demanda por moeda criasse os mesmos efeitos sobre o emprego que

são criados com a elevação da demanda por bens produzíveis, não haveria a refutação

plena da lei de Say, mesmo sob condições de incerteza. Ou seja, caso na presença de um

aumento no “preço” da moeda (taxa de juros) fosse possível aos empresários aumentar o

emprego para produzir mais moeda; e/ou, caso houvesse um ativo substituto produzível

próximo à moeda, de maneira que o aumento no “preço” da última aumentasse a

demanda pelo primeiro: então, como na economia “neutra”, não haveria impedimentos

ao pleno emprego (Kregel, 1980). Todavia, o fato é que a demanda pela moeda não gera

emprego (Keynes, 1936).

Dadas as propriedades essenciais da moeda, quando as expectativas dos agentes acerca

de um futuro próximo ou remoto são pessimistas, o desejo de se reter ativos líquidos é

aumentado, permitindo a ociosidade de fatores de produção (desemprego involuntário),

porque parte do estoque de riqueza corrente é mantida sob a forma de ativos líquidos,

quase-moedas ou a própria moeda. Segundo Keynes, “os homens não podem encontrar

emprego quando o objeto de seus desejos (isto é, o dinheiro) é uma coisa que não se

produz e cuja demanda não pode ser facilmente contida” (Keynes, 1936, p. 184).

Page 66: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

66

Embora muitos autores recentemente, ligados ao mainstream, queiram restringir o

desemprego involuntário keynesiano a situações em que não há flexibilidade perfeita

dos preços, esta argumentação parece ser discutível. Em um mundo onde há incerteza, é

a existência de certos ativos líquidos (como a moeda) cujas elasticidades de produção e

substituição são muito baixas, que se constitui na causa do equilíbrio com desemprego.

E isto independe da existência de qualquer tipo de rigidez de preços (Davidson, 1996, p.

59). Ou melhor,

whenever agents believe the future is too uncertain to forecast reliably, they may, even in the long run, desire to postpone their commitment to spend earned claims on current real resources and remain liquid instead, thereby creating a long-term underemployment equilibrium even in the presence of competitive flexprice markets (DAVIDSON, 1996, p. 502).

2.4 – Elementos de análise: efeito acelerador e endogeneidade do produto potencial

2.4.1 – O modelo pioneiro de Harrod

A idéia básica nos chamados modelos de crescimento liderado pela demanda é a de que

os recursos produtivos podem ser criados pelo próprio processo de produção, de

maneira que os limites de capacidade produtiva dependem da produção corrente e da

demanda (Kaldor, 1988). Trata-se de uma posição oposta à visão dos modelos

ortodoxos de crescimento, para os quais os limites de capacidade não podem ser

ampliados pela demanda, uma vez que estariam ligados a fatores pelo lado da oferta. A

idéia de que no longo prazo a demanda cumpre papel relevante na dinâmica econômica

já estava presente, ainda que de forma incipiente e um pouco obscura, nos modelos

pioneiros de Harrod (1937, 1938, 1948).

A Equação Fundamental harrodiana corresponde ao casamento entre o princípio do

acelerador e a teoria do multiplicador. De fato, segundo Besomi (1996), Harrod seria

considerado mais tarde o precursor dos modelos de interação acelerador/multiplicador.

Seja G a taxa efetiva de crescimento da renda ou do produto, significando:

Page 67: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

67

A) 0

01

y

yyG

−= .

Onde 0y é o produto agregado no período 0 e 1y o produto no período 1. Seja ainda

wG a taxa garantida de crescimento, entendida como aquela taxa que, se realizada,

deixaria os empresários satisfeitos por terem produzido a quantidade correta (Harrod,

1938). A taxa garantida não corresponde a um crescimento de pleno emprego, mas a um

crescimento em que, segundo as expectativas dos empresários, o investimento efetivo

torna-se igual ao investimento desejado, em cada período do tempo20. As decisões

individuais de produção, e principalmente de expansão ou contração da produção, são

determinadas pelos resultados prévios observados pelos empresários. Um aumento nas

receitas de vendas no período t acima do que era previsto, estimula o empresário a

elevar o incremento da produção no período t+1. Logo, wG representa uma taxa de

expansão que garante uma satisfação geral das expectativas empresariais, o que implica

em manutenção da taxa global de crescimento. Assim, quando G = wG , há manutenção

das expectativas de longo prazo dos agentes e wG se mantém constante no tempo.

Não obstante, Harrod (1948) deixa claro que a realização de wG não significa uma

satisfação equivalente de todos os agentes econômicos. Pode haver mesmo empresários

insatisfeitos, alterando sua produção. Todavia, supõe-se que esta alteração seja

contrabalançada por uma modificação de outro empresário, em sentido contrário, de

maneira que, no agregado, a taxa de expansão seja mantida. Ou seja, wG , de fato,

oferece um crescimento que garante uma satisfação média das expectativas. Ademais,

pode-se dizer que essa satisfação média dos empresários, que ocorre quando o produto

cresce à taxa wG , não equivale a uma maximização no sentido neoclássico (Ótimo de

Pareto21). Como dito, o crescimento à taxa wG , quando realizado, não impede que

algum agente isolado esteja insatisfeito, o que implica em um estado sub-ótimo.

20 Ao mesmo tempo, a taxa garantida constitui-se numa idealização, numa situação na qual os objetivos empresariais são satisfeitos. Todavia, em uma economia em que as empresas buscam aumentar seu poder de mercado e as decisões são feitas descentralizadamente, há pouca chance de que a coletividade dos empresários consiga realizar suas expectativas e objetivos de lucro. 21 O Ótimo de Pareto diz respeito a uma situação ideal, em que nenhum agente pode melhorar sua própria satisfação sem que piore a satisfação de um outro agente.

Page 68: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

68

Concomitantemente, o crescimento à taxa wG não significa um crescimento de pleno

emprego dos recursos produtivos, conforme se verá mais à frente.

Kregel (1980) define a taxa garantida com base na noção do modelo de equilíbrio

estático utilizado na análise da Teoria Geral de Keynes. Deste modo, a taxa garantida,

uma vez realizada (wG = G), seria aquela que: a) manteria as expectativas de longo

prazo constantes; b) permitiria uma realização das expectativas de curto prazo –

expectativas não acerca de nível de renda, mas acerca de sua taxa de expansão; c)

permitiria um estado de expectativas de longo prazo independente das expectativas de

curto prazo. Seja s a fração da renda que os agentes escolhem manter como poupança.

Logo,

B) s = S / y

Sendo S a poupança agregada (Besomi, 1996). Esta relação pode variar ao longo do

ciclo econômico, embora ela seja considerada constante por Harrod, em um primeiro

momento, para que seja verificada teoricamente a instabilidade do equilíbrio dinâmico.

Todavia, sabe-se que, de fato, em momentos de recessão s diminui; e cresce na

expansão. Esses movimentos em s, historicamente determinados, explicariam, em

princípio, a ocorrência de turning-points na teoria harrodiana. Chama-se C o valor dos

bens de investimento requerido pela produção de uma unidade adicional de produto, ou

seja, trata-se do coeficiente requerido de capital. Assim, C = I / ∆y (Besomi, 1996). A

Equação Fundamental em sua forma mais simples torna-se:

( I ) CsGw /=

Segundo Harrod, o valor da taxa garantida seria desconhecido e dependeria de certas

“condições fundamentais”, tais como a propensão a poupar, o estado tecnológico, etc. A

dinâmica do modelo, segundo o próprio Harrod, estaria neste desconhecimento do valor

da taxa garantida de crescimento (Harrod, 1938, p. 256). Por outro lado:

( II ) pCsG /=

Page 69: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

69

A taxa efetiva de crescimento G é dada pela relação entre a propensão a poupar (s) e o

coeficiente efetivo de capital ( pC ). O conceito de coeficiente de capital é baseado na

idéia de que a produção corrente pode ser sustentada com o estoque de capital existente

e que o incremento na produção, no longo prazo e dinamicamente, é sustentado com um

incremento naquele estoque (Harrod, 1948, p. 82).

Segundo Herscovici (2006), Harrod adotaria a hipótese de um coeficiente efetivo

constante, o que seria a base do princípio da instabilidade, impedindo o processo de

convergência encontrado na versão neoclássica do modelo de Solow (1956). No modelo

de Harrod, a constância do coeficiente efetivo de capital seria uma conseqüência da

hipótese de uma taxa de juros constante (Jones, 1979), uma vez que:

r = ∆Y/∆K

pC = ∆K/∆Y

pC = 1/r

As três equações acima dizem o seguinte: no equilíbrio, segundo a ótica neoclássica, a

taxa de juros (r) é igual à produtividade marginal do capital (∆Y/∆K). Por outro lado, o

coeficiente de capital nada mais é do que a variação do capital, dada uma variação da

renda (∆K/∆Y). Assim, o coeficiente de capital é o inverso da taxa de juros. Se a taxa de

juros é constante, o coeficiente efetivo de capital também se torna constante. Neste caso,

sob a hipótese de uma taxa de juros constante, o processo de convergência para o

crescimento equilibrado estaria impedido, já que, na presença de um desequilíbrio entre

o coeficiente efetivo e o requerido, o efetivo não poderia se ajustar a fim de que fosse

eliminado o hiato existente. A suposta rigidez da taxa de juros em Harrod impede a

ocorrência do princípio neoclássico da substitutibilidade dos fatores: como não existe

uma perfeita flexibilidade da taxa de juros, que nada mais é do que o preço no mercado

de capital, este último não consegue se equilibrar. Neste caso, markets don’t clear.

A resposta de Solow (1956) à abordagem harrodiana seria justamente rejeitar a hipótese

de qualquer tipo de rigidez nos preços de mercado, concebendo uma concorrência

perfeita na economia, o que faz com que haja plena substitutibilidade dos fatores e

flexibilidade do coeficiente de capital. Assim, existe, no modelo de Solow (1956), uma

Page 70: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

70

convergência para o crescimento equilibrado, sendo a taxa de juros, em última instância,

o mecanismo regulador do equilíbrio macroeconômico, tal qual na Teoria do Fundos

Emprestáveis. A este respeito, afirma Herscovici,

As variações da taxa de juros explicam a variação de pC , de tal maneira que a relação

que corresponde ao crescimento de longo prazo com pleno emprego seja verificada; em outras palavras, a convergência para o crescimento equilibrado se explica a partir da flexibilidade de pC , a qual se justifica a partir das variações da taxa de juros. Nas

funções de produção neoclássicas, o princípio de substituição dos permite explicar a convergência automática para a posição de equilíbrio (HERSCOVICI, 2006, p. 19)

Harrod, todavia, ao seguir em linhas gerais o pensamento de Keynes (1936), não

poderia conceber a taxa de juros como mecanismo equilibrador da economia. De fato,

em Keynes, a taxa de juros é determinada exogenamente, no mercado monetário, e não

é a variável responsável pelo equilíbrio macroeconômico. Assim, Harrod adota

convenientemente a hipótese de uma taxa de juros exógena, fator fundamental para que

exista a instabilidade dinâmica em seu modelo canônico. Por outro lado, pode-se dizer

que, mantendo a coerência com Keynes, mesmo se fosse suposta a flexibilidade da taxa

de juros, ainda assim o coeficiente de capital poderia ser constante, já que ele também

depende da eficiência marginal do capital. Nada garante que a eficiência marginal do

capital seja aquela que permita um nível de investimentos que faça o coeficiente efetivo

convergir para o coeficiente requerido. Dado que:

pC = ∆K/∆Y = I / ∆Y = f [(e-i)/∆Y]

O coeficiente efetivo de capital (pC ) depende, em última instância, da diferença entre a

eficiência marginal do capital e a taxa de juros (e-i). Nada garante que a eficiência

marginal do capital (e) seja aquela que permita um nível de investimentos (I) que faça o

coeficiente efetivo convergir para o coeficiente requerido, independentemente de se

adotar ou não a hipótese de rigidez na taxa de juros. Com base nas equações I e II

acima, chega-se à seguinte identidade:

(III) sCGCG pw == ..

Page 71: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

71

Quando pC é igual a C, ou seja, quando o coeficiente efetivo de capital é equivalente ao

coeficiente requerido, a taxa de crescimento observada tem sido justificada pelas

circunstâncias. Em outras palavras, o investimento realizado é igual ao investimento

desejado, não havendo variação inesperada de estoques. Assim, quando em (III) pC = C,

tem-se que G = wG , dada a taxa de poupança s. Como ressalta Harrod (1938), C é uma

variável ex ante, pois se refere ao montante de bens de capital que os produtores

produziriam se lhes fosse possível prever as condições futuras da economia, não

havendo espaço para frustrações de expectativas. Todavia, na presença de incerteza,

nada garante que C (ex ante) seja igual a pC (ex post).

A fim de que seja demonstrada a instabilidade do equilíbrio dinâmico harrodiano, faz-se

uma análise dos possíveis desequilíbrios entre G e wG . Caso a renda esteja crescendo

acima da taxa garantida, ou seja, se G > wG , os empresários perceberão uma diminuição

dos estoques e dificuldades em atender às encomendas: haverá um estímulo por maiores

investimentos a fim de incrementar a capacidade de produção da economia, o que se

expressa pelo fato de pC < C. Trata-se do funcionamento implícito da interação do

multiplicador com o acelerador, ou seja, para que haja um crescimento contínuo do

produto, supõe-se que elevações no investimento aumentem a renda, que por sua vez

implique em novas elevações no investimento.

Na expansão, os investimentos efetivos são menores que os desejados (Herscovici,

2002). Assim, aumentando os investimentos (não necessariamente em formação líquida

de capital22), os empresários aceleram o crescimento efetivo, via o mecanismo de

interação multiplicador/acelerador, permitindo uma ampliação da divergência entre G e

wG . Por sua vez, quanto maior for a diferença G - wG >0, tanto maior será o estímulo

para a acumulação de capital, elevando a diferença pC - C < 0. Isto está de acordo com

a declaração de Harrod (1938, p. 263), segundo a qual existem forças centrífugas

22 Os investimentos podem ser elevados com aumento da produção para formação de estoques. Seja a identidade Investimento = Formação líquida de capital fixo + Estoques. Logo, pode-se aumentar Investimento sem alterar a formação líquida de capital, cuja mudança requer modificações nas expectativas a longo prazo.

Page 72: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

72

operando fora da linha de crescimento garantido, forças estas cuja magnitude varia

conforme a distância entre G e wG .

Destarte, pode-se afirmar que há um processo de causação cumulativa - para usar o

termo empregado nos trabalhos de Kaldor (1972) e Setterfield (1997, 1998) -, fazendo

com que o equilíbrio dinâmico no modelo de Harrod, expresso pela taxa garantida, seja

fortemente instável: os desequilíbrios iniciais podem ser amplificados com o tempo.

Trata-se de uma análise dinâmica que empresta um evidente caráter instável ao sistema

econômico. Em outras palavras, “o sistema dir-se-á instável se uma análise mostrar que

algumas flutuações, em vez de regredirem, se podem amplificar, invadir todo o sistema,

fazendo-o evoluir para um novo regime de funcionamento qualitativamente diferente.”

(Prigogine, 1991, p. 112).

Além das possíveis divergências entre as taxas efetiva e garantida, existe um outro tipo

de divergências a ser analisado. Para tanto, resta apresentar o que Harrod (1938, p. 264)

chamaria de taxa natural de crescimento (nG ). A taxa natural representa o máximo de

crescimento da renda ou produto permitido pelo crescimento populacional, pela

acumulação de capital, pelas melhorias tecnológicas e pelas preferências. Neste sentido,

a taxa natural é a que possibilita um crescimento de pleno emprego, ou de inexistência

de desemprego involuntário (Harrod, 1948, p. 87). Pode-se afirmar que essa taxa é

definida exogenamente e representa a variável de fechamento do modelo de Harrod. Ou

seja, a taxa natural é representativa de um dado contexto histórico e institucional

vigente.

Seja a situação em que:

(IV) G > wG > nG

Neste caso, a taxa efetiva de crescimento é superior à taxa garantida, que por sua vez é

superior à taxa natural. Por definição, trata-se de uma situação provisória ou transitória,

já que a economia está crescendo além de sua capacidade. Ou seja, a economia opera

com uma situação de sobreutilização da capacidade produtiva, ou além do produto de

pleno emprego. Em tal cenário, pode-se deduzir uma série de consequências, dentre as

Page 73: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

73

quais a elevação de preços e custos de produção. Harrod não analisa de forma explícita

ou aprofundada a questão das conseqüências dinâmicas de uma situação como esta. No

entanto, está implícita em sua obra a consciência de que nG pode sofrer alterações por

meio de investimentos induzidos nas fases de expansão, embora a variável seja

considerada constante por motivo analítico.

É possível que uma situação como (IV) dê lugar a uma situação como G = wG = nG ,

não devido à redução de G e wG para uma taxa natural exógena em relação à demanda,

mas devido a uma elevação de nG como resultado da interação

multiplicador/acelerador. Isto dependerá, obviamente, da sensibilidade e velocidade dos

investimentos diante de uma situação como G > nG e do tempo médio de maturação

dos investimentos.

No entanto, observa-se que os modelos pioneiros da tradição Harrod-Domar apresentam

limitações, e são criticados em meio à própria heterodoxia. Possas (2002) faz a seguinte

crítica a essa família de modelos:

É claro que não se trata de um simples retorno aos modelos da família Harrod-Domar, até porque esses modelos são agregados – o que é incompatível com o enfoque multissetorial aqui proposto – e teoricamente pobres, mesmo num contexto keynesiano de análise. Por exemplo, registre-se nesses a ausência de uma teoria minimamente satisfatória do investimento, que é explicado pelo mecanismo simplista do acelerador. O desejável é preencher essa lacuna em grande medida com elementos extraídos na teoria de aplicação de capital presente no cap. 17 da Teoria Geral de Keynes, apud Minsky (1975), adicionada de elementos analíticos propostos em Kalecki (1954, cap. 9). Além disso, será essencial suprir a ausência de progresso técnico endógeno típica desses modelos com a análise schumpeteriana e em particular com a neo-schumpeteriana, como já ressaltado (POSSAS, 2002, p 138).

2.4.2 – O acelerador na literatura heterodoxa contemporânea

Alguns trabalhos podem ser representativos de uma tendência, na literatura heterodoxa,

para a consideração do efeito acelerador na dinâmica macroeconômica. Lopéz (1986)

Page 74: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

74

apresenta a seguinte forma de determinação dos investimentos empresariais em uma

economia capitalista, seguindo a tradição de Kalecki (1954):

D = eE + r(g – g*) + B(t)

Em que D são as novas decisões de investimento, E são poupanças empresariais, g é a

taxa de lucro auferida no período passado, g* é a taxa de lucro considerada normal e

B(t) é o progresso técnico, que é função do tempo. O parâmetro e é menor que 1 e

indica a proporção da poupança empresarial que é investida; r mede a sensibilidade das

inversões em relação ao gap da taxa de lucro. O efeito acelerador está presente na

função acima por meio do componente de fluxo r(g – g*), que depende diretamente da

dinâmica da demanda, das vendas e da produção.

É interessante notar a semelhança dessa função acima com a utilizada em Oreiro (2001):

gk = f + h[u – k] + γ1Ω - γ2r

Sendo gk a taxa de crescimento do estoque de capital, f o animal spirits dos

empresários, u o grau efetivo de utilização do estoque de capital, k o grau normal de

utilização, Ω a taxa esperada de lucro e r a taxa real de juros. Todos os parâmetros são

positivos. Neste caso, a taxa real de juros pode ter seus efeitos neutralizados sobre os

investimentos e a formação de capital, dependendo do comportamento dos demais

componentes da função. Se por um lado a dinâmica dos investimentos é responsável

pela trajetória cíclica da renda e do produto, por outro lado a dinâmica da produção (u –

k), pelo acelerador, é responsável pelos novos investimentos.

Trata-se de uma abordagem muito próxima à utilizada em Oreiro & Ono (2004). Neste

trabalho, os autores seguem a tradição de Kaldor (1956), Robinson (1962), Pasinetti

(1962) e Bhaduri & Marglin (1990), supondo a seguinte determinação da taxa de

crescimento desejada do capital:

I/K = α0 + α1m + α2uσ, onde : α0>0, α1>0, α2>0

Page 75: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

75

Sendo I/K a taxa de crescimento desejada do capital (I o investimento e K o estoque de

capital). Em que α0 é um componente autônomo, m a participação dos lucros na renda,

u a utilização do estoque de capital e σ a relação produto/capital, que dá uma medida de

produtividade do capital. A função acima, da mesma forma que em Lopéz (1986) e

Oreiro (2001), concede peso ao componente de renda e produção na determinação dos

investimentos, explicitando o efeito acelerador.

Outro trabalho que se alinha nessa tendência da literatura heterodoxa é Lima &

Meirelles (2007). Seguindo Rowthorn (1981), Dutt (1990), Kalecki (1971), Robinson

(1962) e Dutt (1994), os autores especificam a seguinte função taxa de investimento

desejada:

gd = α + βr - γi

Sendo gd a taxa desejada de investimento, ou a formação desejada de capital, r a taxa de

lucro sobre o capital existente e i a taxa de juros. Os parâmetros α, β e γ são positivos.

A taxa de lucro depende dos gastos na tradição kaleckiana; e os investimentos

dependem da taxa de lucro, ou seja, trata-se da interação multiplicador/acelerador.

Por outro lado, os componentes autônomos nessas funções mostram que a renda,

embora estimule novos investimentos, não representa um limite para os mesmos, já que

elementos como expectativas, crédito e animal spirits podem potencializar ou contrair

as inversões, independentemente do que ocorra com a renda e produção correntes.

Todos esses trabalhos ressaltam a idéia de que a demanda efetiva está determinando a

dinâmica do produto, inclusive no longo prazo, por meio da endogenia do produto

potencial ou da taxa potencial de crescimento. Rompe-se com a hipótese ortodoxa de

que os valores desejados, normais ou potenciais são valores de equilíbrio determinados

pelo lado da oferta. Além de móveis e provavelmente instáveis, esses valores são

dependentes do comportamento dos gastos, em particular da trajetória dos investimentos

privados.

Page 76: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

76

Uma última formalização poderia ser útil com vistas à questão da endogenia do produto

potencial pelo lado da demanda. Seja a dinâmica dos investimentos dada por:

(1) I = Id + a(Y-1 – Yp) – b(R -1 – Rn)

Em que I são os investimentos privados em formação bruta de capital fixo, Id os

investimentos desejados, Y-1 o produto efetivo no período passado, Yp o produto

potencial, R-1 a taxa real de juros no período passado e Rn a taxa natural de juros

(considerada uma tendência histórica e condicional, e não um atrator exógeno); a e b

são positivos. Seja ainda:

(2) Yp – Yp-1 = I-1 + H

Em (2), a variação do produto potencial depende dos investimentos em t-1 e de um

componente de oferta (H), que expressa o comportamento da produtividade e do

crescimento populacional. Substituindo a função investimento (1) nessa equação acima

(2), e isolando Yp, tem-se:

(3) Yp = Yp-1 + Id + a(Y-2 – Yp) – b(R-2 – Rn) + H

Observa-se que o produto potencial é considerado endógeno pelo lado da demanda,

ainda que se considere um componente determinado pelo lado da oferta (H). Os

investimentos desejados (autônomos) e os induzidos, que dependem da renda, estão

determinando a dinâmica da capacidade produtiva. Verifica-se também uma influência

da política monetária sobre o produto potencial, com defasagem de dois períodos, o que

resulta na idéia de não-neutralidade da política monetária no longo prazo. A política

monetária não afeta apenas a demanda e a produção no curto prazo; afeta também as

decisões de investimento e a dinâmica temporal da formação bruta de capital fixo no

longo prazo.

Acerca da disponibilidade endógena de recursos produtivos, determinada pela demanda,

Oreiro & Nakabashi (2007) argumentam que:

Page 77: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

77

A quantidade existente de capital num dado ponto do tempo – ou melhor, a capacidade produtiva existente na economia – é resultante das decisões passadas de investimento em capital fixo. Daqui se segue que o estoque de capital não é uma constante determinada pela “natureza”, mas depende do ritmo no qual os empresários desejam expandir o estoque de capital existente na economia. Dessa forma, o condicionante fundamental do “estoque de capital” é a decisão de investimento. O investimento, por sua vez, depende de dois conjuntos de fatores: i) o custo de oportunidade do capital (largamente influenciado pela taxa básica de juros controlada pelo Banco Central); ii) as expectativas a respeito do crescimento futuro da demanda por bens e serviços. Nesse contexto, se os empresários anteciparem um crescimento firme da demanda pelos bens e serviços produzidos pelas suas empresas – como é de se esperar no caso de uma economia que esteja apresentando um crescimento forte e sustentável ao longo do tempo – então eles irão realizar grandes investimentos na ampliação da capacidade de produção. Em outras palavras, o investimento se ajusta ao crescimento esperado da demanda, desde que seja atendida uma restrição fundamental, a saber: a taxa esperada de retorno do capital seja maior do que o custo do capital. Sendo assim, atendida a condição acima referida, a “disponibilidade de capital” não pode ser vista como um entrave ao crescimento de longo-prazo (OREIRO & NAKABASHI, 2007, pp. 3).

Nesse caso, o estoque de capital fixo existente é resultado de decisões de investimento

feitas no passado, que por sua vez dependem de uma avaliação entre a lucratividade

esperada para determinado investimento e o custo de financiamento do mesmo. Por

outro lado, Keynes (1936) reconhecia que a avaliação de lucratividade esperada seria

uma tarefa de difícil execução, dada a incerteza em torno da estimação de rendas

esperadas:

o fator de maior importância é a extrema precariedade da base do conhecimento sobre o qual temos de fazer os nossos cálculos das rendas esperadas. O nosso conhecimento dos fatores que regularão a renda de um investimento alguns anos mais tarde é, em geral, muito limitado e, freqüentemente, desprezível (KEYNES, 1936, p.125).

Assim, o empresariado acaba por adotar uma “convenção”, segundo a qual a renda

esperada é estimada de acordo com a observação da renda corrente, até que algum novo

fator force a alteração do estado dos negócios (Keynes, op. cit.). Na impossibilidade de

um cálculo confiável sobre a taxa de retorno para novos investimentos, toma-se como

referência a lucratividade observada, que por sua vez depende do comportamento da

demanda. É neste sentido que o acelerador ganha relevância. Ainda que fatores como o

impulso dos empresários (animal spirits) possam, em circunstâncias especiais,

“descolar” as decisões de investimento das observações passadas e correntes, em geral

tais decisões acompanham a trajetória da demanda e da renda.

Page 78: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

78

Por outro lado, os investimentos não estão presos a poupanças ou rendas prévias, como

já foi salientado. O crédito bancário alavanca o potencial de investimentos, de maneira

que são esses que determinam a renda e a poupança corrente. E não apenas isto,

determinam também o estado futuro de capital fixo na economia.

Por sua vez, fatores como disponibilidade de trabalho e inovações tecnológicas seriam,

na visão ortodoxa, limitadores ao crescimento econômico e dependeriam de “fatores

reais”. Embora não seja o foco nesta tese analisar com detalhes esse assunto, frisa-se

apenas que ambos fatores podem ser concebidos como dependentes da demanda

agregada. Sobre a disponibilidade de trabalho,

[...] a taxa de participação – definida como o percentual da população economicamente ativa que faz parte da força de trabalho – pode aumentar como resposta a um forte acréscimo da demanda de trabalho (cf. Thirlwall, 2002, p.86). Com efeito, nos períodos nos quais a economia cresce rapidamente, o custo de oportunidade do lazer - medido pela renda “perdida” pelo indivíduo que “escolhe” não trabalhar (jovens, mulheres casadas e aposentados) – tende a ser muito elevado, induzindo um forte crescimento da taxa de participação. Nesse contexto, a taxa de crescimento da força de trabalho pode se acelerar em virtude do ingresso de indivíduos que, nos períodos anteriores, haviam decidido permanecer fora da força de trabalho. Por fim, devemos ressaltar que a população e a força de trabalho não são um dado do ponto de vista da economia nacional. Isso porque uma eventual escassez de força de trabalho – mesmo que seja de força de trabalho qualificada – pode ser sanada por intermédio da imigração de trabalhadores de países estrangeiros. Por exemplo, países como a Alemanha e a França puderam sustentar elevadas taxas de crescimento durante os anos 1950 e 1960 com a imigração de trabalhadores da periferia da Europa (Espanha, Portugal, Grécia, Turquia e Sul da Itália) (OREIRO & NAKABASHI, 2007, pp. 4,5).

E sobre a questão tecnológica,

Será que o ritmo de “inovatividade” da economia pode ser considerado como uma restrição ao crescimento de longo prazo? Se considerarmos o progresso tecnológico como exógeno, então certamente o crescimento será limitado pelo ritmo na qual a tecnologia é expandida. Contudo, o progresso tecnológico não é exógeno ao sistema econômico. Em primeiro lugar, o ritmo de introdução de inovações por parte das empresas é, em larga medida, determinado pelo ritmo de acumulação de capital; haja vista que a maior parte das inovações tecnológicas é “incorporada” nas máquinas e equipamentos recentemente produzidos. Dessa forma, uma aceleração da taxa de acumulação de capital – induzida, por exemplo, por uma perspectiva mais favorável de crescimento da demanda – induz um maior ritmo de progresso tecnológico e, portanto, de crescimento da produtividade do trabalho. Em segundo lugar, aquela parcela “desincorporada” do progresso tecnológico é causada por “economias dinâmicas de escala” como o “learning-by-doing”. Dessa forma,

Page 79: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

79

se estabelece uma relação estrutural entre a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e a taxa de crescimento da produção, a qual é conhecida na literatura econômica como “lei de Kaldor-Verdoon”. Nesse contexto, um aumento da demanda agregada, ao induzir uma aceleração da taxa de crescimento da produção, acaba por acelerar o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho (OREIRO & NAKABASHI, 2007, pp. 5).

2.5 – Economia heterodoxa e Metas para Inflação?

À primeira vista, é possível que se pense em uma incompatibilidade entre uma

economia pós-keynesiana e a adoção do regime de metas de inflação, como se esse

último fosse necessariamente pernicioso para a dinâmica econômica. De fato, parece

confusa e controversa a opinião dos heterodoxos em geral no que respeita a Inflation

Targeting. No entanto, a idéia no trabalho de Lima & Setterfield (2008), por exemplo, é

a de que a performance econômica depende basicamente de um mix adequado de

política econômica, dadas as condições iniciais e os parâmetros do modelo.

Especificamente, os autores querem mostrar que o regime de metas de inflação é

compatível com uma economia pós-keynesiana, desde que sejam aplicadas as políticas

necessárias pelo Tesouro e BC. Quanto menos ortodoxa for a política, maiores seriam as

chances de estabilidade econômica, no âmbito do regime de metas de inflação, em uma

economia pós-keynesiana. Nas palavras dos autores, “[...] that the more orthodox the

policy blend becomes in a Post Keynesian economy, the more adverse are the

consequences for macroeconomic stability and the viability of inflation

targeting.”(Lima & Setterfield, op. cit., pp. 435).

Neste caso, trata-se de adotar estratégias e políticas consistentes com as premissas de

uma economia heterodoxa. O regime de metas de inflação apenas daria um objetivo de

política, entre outros possíveis. Haveria uma escolha relevante e política a ser feita, por

outro lado, no que diz respeito ao arranjo institucional e à forma de se alcançar a meta

de inflação. A escolha da meta, o tempo necessário para seu alcance, o peso dado a

outros fatores de controle da política monetária, são questões que dependeriam das

premissas da teoria por trás do modelo balizador de política monetária.

Rocha & Oreiro (2008) analisam a correlação entre flexibilidade e crescimento para

economias que fazem uso do regime de metas de inflação. Os resultados alcançados

Page 80: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

80

corroboram a idéia de que quanto maior o grau de flexibilidade do arranjo institucional

de Inflation Targeting maior a performance do crescimento econômico. Os autores

chegam à idéia de que economias que tenham concretizado a estabilidade de preços e

ancorado as expectativas inflacionárias podem desfrutar de maior grau de flexibilidade,

como pelo alargamento da meta de intervalo inflacionário. No entanto, os autores não

lidam com a questão dos pressupostos estruturais que estão por trás da teoria ortodoxa

do regime de IT.

Um BC que tenha pressupostos míopes em relação à dinâmica econômica de longo

prazo, no âmbito de IT, estipulará uma estratégia de política monetária inconsistente

com a verdadeira estrutura econômica e, provavelmente, instabilizadora. Por outro lado,

a simples estipulação de uma meta de inflação não condena necessariamente uma

economia a apresentar resultados insatisfatórios em termos de produto e emprego; nem

seria o regime de IT necessariamente incompatível com os pressupostos teóricos de uma

economia heterodoxa. Trata-se de adequar a estratégia de disciplina monetária ao

modelo balizador do BC. De certa forma, todo Banco Central é dependente de uma

teoria, ainda que haja independência operacional e/ou formal em relação ao poder

executivo. Uma autoridade monetária que esteja sendo guiada por uma teoria e/ou

modelo mais próximo da realidade econômica, seja ela independente ou não no âmbito

institucional, terá maiores chances de viabilizar o alcance das metas inflacionárias de

forma estabilizadora.

Page 81: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

81

CAPÍTULO 3 – Inflation Targeting sob uma perspectiva heterodoxa:

produto potencial endógeno, combate aos choques de demanda e custo social de

oportunidade

3.1 – Uma perspectiva heterodoxa sobre Inflation Targeting

Para Carvalho (2005), a teoria convencional limita o debate sobre metas de inflação, já

que supõe que a política monetária não tem efeitos permanentes sobre a esfera real da

economia. Para os modelos ortodoxos de IT, a atividade econômica é determinada no

longo prazo pelo estoque de recursos produtivos, pelas preferências, pela tecnologia e

pelo comportamento racional dos agentes, não havendo correlação entre moeda e

produto potencial.

Por outro lado, se a economia de fato opera por meio de uma não-neutralidade e

endogenia do produto potencial no longo prazo, quais seriam os impactos de um BC que

ainda persiga uma política monetária ortodoxa? A idéia fundamental desta tese é a de

que um resultado canônico sobre IT – de não existência de trade-off para o BC face a

choques de demanda – não pode ser sustentado, caso haja a adoção da noção de não-

neutralidade da moeda no longo prazo, ou seja, caso seja rejeitada a hipótese da taxa

natural.

O que se buscará demonstrar é que com uma endogenia do produto potencial a política

monetária deve ser flexibilizada, mesmo no caso dos choques de demanda. A idéia de

que não há trade-offs neste caso, tão cara aos autores ortodoxos acima mencionados,

pode ser contestada. Rejeita-se a “peça de resistência” para alguma agressividade do BC

sob metas de inflação, no caso de pressões inflacionárias por excesso de demanda. Em

outras palavras, defende-se que o regime de IT deve ser sempre - mesmo no caso de

choques de demanda - um regime flexível, ao contrário do que supõem os autores e

criadores da teoria sobre IT.

De certa forma, um BC que leva em consideração a endogenia da capacidade produtiva

pelo lado da demanda ao ajustar a taxa de juros para combater a inflação é um BC que

Page 82: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

82

possui alguma “consciência heterodoxa”. Isto é importante, já que como mostram Lima

& Setterfield (2008), em uma economia pós-keynesiana, quanto mais ortodoxa for a

política maiores os prejuízos para a atividade econômica.

Logo, a introdução de elementos estranhos ao mainstream na análise de IT não exclui

necessariamente a utilidade deste regime, porém justifica uma nova e menos

conservadora resposta da política: há uma compatibilidade entre o regime de metas de

inflação e uma economia pós-keynesiana (Lima & Setterfield, op. cit.)23. E isto pode ser

demonstrado, inclusive, a partir de uma análise crítica interna do instrumental e

linguagem de autores como Svensson (1997), Ball (1999a) e Bofinger, Mayer &

Wollmershaeuser (2006), dentre outros.

Em linhas gerais, o modelo que será aqui desenvolvido possui elementos presentes no

próprio mainstream, tais como o uso de uma curva IS e de uma curva de Phillips24 para

descrever a estrutura básica da economia – vale dizer, essa estratégia analítica também é

usada por autores pós-keynesianos como Lima & Setterfield (2008) e Kriesler & Lavoie

(2007), embora cada trabalho apresente suas próprias particularidades de acordo com o

objeto de estudo adotado.

Ademais, a regra de resposta da taxa de juros também é determinada, até certo momento

da análise25, por um processo de otimização, tal como nos modelos convencionais.

Semelhantemente, alguns resultados previstos pelo modelo que será aqui apresentado

são também previstos pelos autores pioneiros em IT, embora tais resultados possam

receber uma abordagem original.

23 “Our results […] claim that, with the correct policy mix, it is possible to make inflation targeting fully compatible with the operation of a Post Keynesian economy. In other words, it is quite possible for the policy authorities to both set and achieve an inflation target without real costs (i.e., without thwarting the achievement of any target level of real activity set independently of the inflation target). Indeed, our results suggest that in achieving this full compatibility of inflation targeting with the structure of a Post Keynesian economy, policy makers have more latitude in the design of policy […]” (LIMA & SETTERFIELD, 2008, pp. 449). 24 Autores como Setterfield (2005) e Lima & Setterfield (2008), assim como Kriesler & Lavoie (2007) focam sua crítica e modificação do modelo a partir da curva de Phillips. Não obstante a especificação convencional da curva de Phillips que será mantida no modelo, os resultados serão heterodoxos, pois haverá a inclusão da hipótese de endogenia do produto potencial, que se configura no foco deste trabalho. 25 Como será visto, a introdução da hipótese de endogenia do produto potencial cria uma ruptura com o modelo convencional e com a regra ótima de política monetária.

Page 83: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

83

O ponto de divergência entre a perspectiva deste trabalho e a literatura convencional

surge quando da inclusão no modelo de uma função para o produto potencial, tornando-

o endógeno. Isto corresponde a rejeitar a hipótese fundamental dos modelos mainstream

de IT, qual seja, a da taxa natural.

Embora o modelo pudesse receber especificações pós-keynesianas para a curva de

Phillips, tal como fazem Setterfield (2005), Lima & Setterfield (2008) e Kriesler &

Lavoie (2007), a presente análise tem como ênfase as conseqüências dinâmicas do

princípio da demanda efetiva no longo prazo, ou seja, a endogeneização do produto

potencial pelo lado da demanda. Neste sentido, optou-se por manter a configuração

convencional da curva de Phillips.

Quais são as conseqüências deste corte teórico sobre o modelo para a dinâmica de longo

prazo da economia e para a resposta da política monetária? Sob produto potencial

endógeno, haveria um trade-off face à política monetária, quando de um enfrentamento

a um choque de demanda?

De fato, desenvolve-se um modelo de metas de inflação para economias fechadas26, na

tradição de trabalhos como Svensson (1997), Ball (1999a), Clarida, Galí & Gertler

(1999) e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006). No entanto, o modelo aqui

proposto leva em consideração os efeitos defasados da política monetária, pelo que as

equações são colocadas em diferenças finitas, ao contrário do modelo estático de

Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (op. cit.).

Não obstante a semelhança inicial para com o modelo padrão, há espaço e motivação

adicional para a consideração de elementos heterodoxos, em especial a inclusão da

mencionada endogenia da capacidade produtiva pelo lado da demanda e a análise de

suas conseqüências para a política monetária. Portanto, será desenvolvida e testada a

hipótese de que o princípio da demanda efetiva no longo prazo justifica uma

26 A especificação de um modelo para economias abertas, embora mais próxima da realidade das economias reais, para fins da presente análise, apenas suscitaria mais prolongamentos e exaustão. De fato, como o objeto deste trabalho é pesquisar os impactos da endogenia do produto potencial para o regime de metas de inflação, a pesquisa pode ser plenamente feita por meio de um modelo de economia fechada. Não obstante, futuras pesquisas podem estender o presente estudo para um modelo de economia aberta. Acredita-se que os resultados que serão apresentados neste trabalho não são constrangidos em um modelo de economia aberta.

Page 84: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

84

flexibilização adicional para o regime de metas de inflação, não prevista pela literatura

convencional; a não flexibilização, por sua vez, impõe à atividade econômica um viés

de dinâmica reduzida.

Essa hipótese parece pôr de “cabeça para baixo” a idéia de autores como Barro &

Gordon (1983a,b), para os quais a autoridade monetária impõe um viés inflacionário ao

buscar um produto maior que o potencial. Este trabalho, por outro lado, tentará

demonstrar que, ao fazer uso de uma regra de instrumento ortodoxa em uma economia

de fato com endogenia da capacidade produtiva pelo lado da demanda, o BC impõe um

viés de elevadas taxas de juros e de fraqueza produtiva sobre a economia no longo

prazo, o que se traduz por menores níveis de produto potencial. Nas palavras de Arestis

& Sawyer (2008),

A significant issue arises here, namely whether the Central Bank can make systematic mistakes on its estimates of the natural rate, and in particular does the Central Bank tend to overestimate the natural rate. The interest rate set by the Central Bank will have an effect on investment decisions, and a generally too high interest rate will lead to lower investment and capital stock. In turn, the capital stock will help determine the trend level of output, and a lower capital stock could lead to a lower trend level of output (ARESTIS & SAWYER, 2008, pp. 286).

Após a apresentação do modelo e de sua análise, será feita uma simulação

computacional, com o intuito de se verificar as conseqüências dinâmicas daquela

hipótese, dada a metodologia de simulação, cuja natureza será explicada.

3.2 – Um modelo de Inflation Targeting com produto potencial endógeno pelo lado

da demanda: implicações não previstas pela literatura ortodoxa

O modelo parte das seguintes equações:

(1.1) IS: Yt = Yp + m(Yt-1 - Yp) - n(Rt-1 - R

n) + ηt, sendo m > 0 e n > 0

Page 85: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

85

(1.2) CP: Πt = Πn + τ(Πet+1 − Πn) + ϖ(Yt-1 - Y

p) + gt, sendo ϖ > 0 e τ > 0

A equação (1.1) é uma curva IS dinâmica com um componente de tendência, dado pelo

produto potencial (Yp). O produto corrente (Yt) cresce com o hiato do produto em t-1, e

diminui com o hiato da taxa real de juros em t-1, sendo Rn a taxa natural de juros27. O

choque de demanda é captado pela perturbação η, com média igual a zero e variância

constante (ruído branco).

A equação (1.2) oferece a Curva de Phillips (CP), o lado da oferta na economia fechada.

A inflação corrente (Πt) depende do desvio das expectativas de inflação (Πet+1) para o

período t+1, em relação à meta de inflação de longo prazo (Πn)28, e do hiato do produto

em t-1, assim como de um choque de oferta (gt), definido como um processo estocástico

de média zero29 e variância constante (ruído branco).

Tal como aponta Ball (1999a)30, assume-se que o principal instrumento do BC seja a

taxa de juros. Embora o controle seja sobre as taxas nominais, o BC altera estas últimas

com vistas a regular a taxa real de juros. Isto significa que o BC está ajustando a taxa

nominal mais que proporcionalmente às variações na inflação, tal como mostram

Clarida, Galí & Gertler (1999). As autoridades definem a taxa de juros após observarem

os choques. No entanto, os efeitos sobre o produto só são sentidos após um período, e

sobre a inflação após dois períodos.

27 O foco será analisar as conseqüências dinâmicas da endogeneidade do produto potencial para a política monetária. Assim, questões relativas ao conceito de taxa natural de juros serão abstraídas nesse momento. No entanto, pode-se considerar a mesma como uma tendência histórica de taxas reais de juros compatíveis com a estabilidade macroeconômica. Logo, está implícita a idéia de que a taxa natural tem trajetória dependente e histórica, não se configurando em um valor de equilíbrio ou atrator inflexível no tempo. 28 Para Svensson (1997), a meta de política é gerar uma determinada inflação de longo prazo, e não um determinado produto de longo prazo, dado que ele adota o pressuposto de que a política monetária não afeta o produto no longo prazo. O presente trabalho, no entanto, tentará demonstrar a invalidade desse argumento ortodoxo, por meio de uma perspectiva pós-keynesiana. 29 Nesta análise, abstraem-se os conflitos de classe e distributivos que podem gerar pressões persistentes de custos, através de elevações crônicas de salários e margens de lucro. Sabe-se que tal elemento inflacionário é caro à perpectiva heterodoxa, porém ele será abstraído deste trabalho, simplesmente porque este dará ênfase à questão do produto potencial endógeno, na presença de choques de demanda, enquanto ponto de divergência teórico. Trata-se de uma delimitação do objeto de estudo. 30 “I assume that the monetary authority uses the interest rate as its policy instrument. Thus the interest rate is most realistically interpreted as an overnight rate. Policymakers set the interest rate after observing the shocks. Note I assume that policymakers set the real interest rate. In practice, the interest rates controlled directly by policymakers are nominal rates. However, policymakers can move the real interest rate to the desired level by setting the nominal rate equal to the desired real rate plus inflation.” (BALL, 1999a, pp. 67)

Page 86: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

86

Numa economia fechada, os canais de transmissão englobam os canais da demanda e

das expectativas. Pelo canal da demanda agregada a política monetária afeta a demanda

agregada, com uma defasagem, através do ajuste das taxas reais de curto prazo - e

possivelmente pelos seus efeitos paralelos sobre a disponibilidade de crédito (Cf.

Bernanke & Gertler, 1995). Por sua vez, a demanda agregada afeta a inflação, com uma

defasagem, através de uma equação de oferta agregada (Curva de Phillips).

O canal das expectativas permite que a política monetária afete as expectativas de

inflação, as quais afetam a inflação, com uma defasagem, pelo comportamento de

remarcação de preços e salários. É possível abstrair o canal das expectativas em uma

economia fechada, considerando-se as mesmas como adaptativas. Neste caso, como em

Svensson (1997), a política monetária afeta a demanda com uma defasagem e a inflação

com duas defasagens.

Este modelo estrutural, inicialmente, possui a mesma essência dos modelos em

Svensson (1997) e Ball (1999a), exceto pelo fato de que Svensson inclui uma variável

exógena serialmente correlacionada e faz uma iteração do modelo um período à frente.

Nas versões Ball-Svensson, assim como no modelo aqui colocado, uma propriedade

importante da economia é a defasagem dos efeitos de política monetária sobre a

inflação. Logo, o mais adequado é o uso de equações em diferenças finitas, ao invés de

equações diferenciais ou de equações estáticas.

Uma outra característica estrutural salientada pelo modelo é a persistência da inflação31

e do produto, que possui forte apelo empírico, segundo Clarida, Galí & Gertler (1999).

Estes escolhem partir de uma especificação básica forward-looking, muito embora os

autores reconheçam que a versão geral do modelo é a versão com termo de persistência

do produto e da inflação. Ademais, os resultados encontrados nesta versão com termo

31 Para maiores elementos sobre a persistência inflacionária, conferir Fuhrer & Moore (1995). A questão da inércia da inflação levanta sérias divergências entre alguns autores. A suposição de inércia total supõe que a expectativa de inflação para o período t+1 seja equivalente à inflação observada no período mais próximo. Isto cria uma persistência inflacionária diante dos choques e forçaria o BC a ser agressivo no ajuste da taxa de juros. No entanto, a validade empírica desta inércia total é questionável, como mostra Fair (2000). Evidências empíricas que confirmam baixa inércia são utilizadas por críticos da política monetária ortodoxa, como justificativa para menor grau de agressividade diante de choques inflacionários. Não obstante, não se trata de aprofundar esse assunto neste espaço.

Page 87: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

87

backward-looking não divergem qualitativamente dos encontrados com a versão básica

(forward-looking), senão pelo fato de que havendo persistência da inflação, na visão do

mainstream, o BC precisa ser mais agressivo no ajuste da taxa de juros Clarida, Galí &

Gertler (op. cit.).

Seja yt = Yt - Yp; rt = Rt - R

n; logo:

(2.1) yt = m(yt-1) - n(rt-1) + ηt

Seja πt = Πt - Πn; πet+1 = Πe

t+1 − Πn; logo:

(2.2) πt = τ(πet+1 ) + ϖ(yt-1) + gt

Em (2.1), tem-se uma forma reduzida de (1.1), em que o hiato do produto em t depende

do hiato do produto em t-1, do hiato da taxa real de juros em t-1 e do choque em t. Em

(2.2), tem-se a forma reduzida de (1.2): o desvio da inflação em t depende do desvio das

expectativas de inflação para t+1, do hiato do produto em t-1 e do choque de oferta em

t.

Fazendo uma iteração um período à frente, pela equação (2.1), vê-se que a decisão de

política monetária feita em t afeta o desvio do produto em t+1, ao passo que este, pela

equação (2.2), afeta o desvio da inflação em t+2. Assim, existe a defasagem de dois

períodos entre a mudança na taxa de juros e seus efeitos sobre a taxa de inflação. Ao

decidir sobre qual deve ser a taxa de juros em t, o BC toma como dado o desvio

esperado da taxa de inflação para t+1, já que o mesmo não poderá ser afetado pela

política monetária em t.

A seguir, coloca-se uma regra de resposta da taxa real de juros, inspirada na chamada

Regra de Taylor:

(3) rt = z1 πt + z2 yt

Page 88: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

88

Ora, (3) relaciona o hiato dos juros reais com o hiato da inflação e do produto; z1 e z2

são positivos. A regra de instrumento do BC, equação (3), também poderia ser derivada

pela condição de primeira ordem para a minimização de uma função perda social32. Este

é o procedimento feito por Svensson (1997; 1999).

A autoridade monetária, ao decidir sobre qual deve ser a taxa real de juros a prevalecer

no período corrente, toma sua decisão de política com base no conhecimento de valores

correntes, tanto da inflação quanto do produto, assim como das metas de inflação e do

produto potencial.

Ademais, a regra de política monetária está definida em termos reais, e não em termos

nominais. Implicitamente, supõe-se que o BC altere a taxa nominal de juros na medida

necessária para que a taxa real de juros seja colocada nos níveis desejados. Trata-se do

princípio de Taylor (1993), segundo o qual o BC responde aos desvios da inflação por

meio de elevações na taxa real de juros.

Alguns autores pós-keynesianos são contrários ao uso de taxa de juros como

instrumento de controle inflacionário. Pregam que a inflação seria sobretudo uma

inflação de custos e que a taxa de juros incide sobre a demanda, logo, não tendo efeitos

sobre as causas da inflação (Sicsú, 2003). Não obstante, o objetivo aqui é o de analisar o

caso em que há choques de demanda aliado às implicações dinâmicas do produto

potencial endógeno. Assim, parte-se de uma regra de política monetária que coloque a

taxa de juros como principal instrumento de estabilização.

Grande parte da literatura ortodoxa se limita a discutir mecanismos de compromisso e

transparência do BC, a fim de que o mesmo não persiga políticas de viés inflacionário,

ou seja, políticas que tenham uma meta de produto além do produto potencial, já que

qualquer consideração sobre a economia real será baseada, no mainstream, com a

hipótese da taxa natural, que se traduz em uma meta de produto dada exogenamente

pelo produto potencial – este determinado pelo lado da oferta.

32 Conferir Apêndice 5.

Page 89: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

89

Portanto, existe uma assimetria no que diz respeito à escolha dos níveis desejados para a

inflação e o produto no âmbito da política ortodoxa. A política monetária pode escolher

o nível da inflação, ou a meta de inflação, porém não pode escolher o nível de produto,

ou a meta de produto, já que esta é dada pela capacidade produtiva e estaria fora de

controle do BC. Neste sentido, o regime é um regime de metas de inflação e não de

metas de produto, embora haja espaço para a escolha da estabilização do produto, no

curto prazo, em torno do produto potencial.

Para a Nova Síntese Neoclássica e os defensores ortodoxos de Inflation Targeting, a

política monetária deveria ser norteada exclusivamente por metas nominais, dada a

suposição de neutralidade da moeda no longo prazo, a contragosto de Carvalho (2005).

A perspectiva mainstream do regime de metas de inflação exclui de sua análise a idéia

de uma endogenia do produto potencial pelo lado da demanda, a saber, a hipótese de

que a capacidade produtiva seja determinada endogenamente, através dos estímulos do

produto efetivo, dentre outros fatores. O que ocorreria se fossem introduzidos na análise

sobre metas de inflação os supostos efeitos da produção e renda correntes sobre o

investimento, e os efeitos deste sobre a capacidade produtiva da economia no longo

prazo? Faria sentido ainda se falar em metas de inflação? O modelo balizador de um

BC ortodoxo termina na equação 3. Como se verá, o relaxamento da hipótese da taxa

natural gera implicações para a regra de política monetária de um BC heterodoxo.

3.3 – O produto potencial endógeno pelo lado da demanda

Uma suposta endogenia do produto potencial decorre da idéia – não pouco intuitiva – de

que as decisões de investimento privado são sensíveis ao comportamento da demanda,

do produto e da renda observada. Trata-se de uma forma de histerese do produto

potencial33, ou seja, de um processo pelo qual o produto potencial corrente depende de

seus valores passados em relação ao produto efetivo passado.

33 Conferir Setterfield (1993; 1997) para uma análise detalhada do fenômeno da histerese em Economia.

Page 90: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

90

Dessa forma, ao reduzir a taxa real de juros, a política monetária poderia impor um

estímulo positivo deliberado, por meio da elevação da demanda e do gap, para novos

investimentos privados e para maiores taxas de crescimento econômico no longo prazo.

Nas palavras de Sicsú (2002):

Aos olhos de Keynes, os resultados que poderiam ser obtidos por uma redução da taxa de juros seriam duradouros. Mais fábricas, por exemplo, seriam abertas e parte daqueles que estavam involuntariamente desempregados encontrariam trabalho. A política monetária poderia, dessa forma, estimular o crescimento econômico. A redução do desemprego, portanto, também deve ser um objetivo da política monetária, já que ela é capaz de alcançá-lo. Esse raciocínio possui nexo com a realidade, explicaria por que ministros, empresários e parlamentares desejam sempre uma redução da taxa de juros em situações de desaquecimento econômico. Se políticas monetárias expansionistas inevitavelmente sempre gerassem, ao fim e ao cabo, somente inflação, isso já teria sido aprendido por esses segmentos que não clamariam por algo que seria considerado ineficaz e prejudicial (SICSÚ, 2002, pp. 25).

Por outro lado, pode-se argumentar que os empresários não elevam seus investimentos

produtivos a partir de um simples crescimento da demanda, produção e renda. É

necessário que haja uma persistência no comportamento do emprego e da renda para

que os empresários tenham relativa segurança para alterarem seus planos de

investimento. Assim, não basta que o produto cresça para que haja um aumento dos

investimentos; é preciso que esse crescimento do produto perdure algum tempo até que

os empresários venham a acreditar que não se trata de um efeito transitório. Uma

equação de endogenia do produto potencial, que expresse essas idéias, seria34:

(4) Ypt = Yp

t-1 + υ (Yt-1 - Yp t-1)

A equação (4) mostra que o produto potencial em t será igual ao produto potencial em t-

1 somente se não houver desvios do produto em t-1. Caso contrário, o produto potencial

em t pode ser maior ou menor que seu valor em t-1, dependendo do desvio em t-1.

Supõe-se que o gap positivo decorre de uma pressão de demanda, induzindo os

empresários a aumentarem seus investimentos, acima do que era anteriormente 34 A equação de endogenia do produto potencial poderia ser especificada de outras maneiras. A idéia de que os empresários esperam a “extração de uma tendência do gap” para só então ajustarem seus investimentos poderia justificar uma especificação diferente. No entanto, por motivo de simplificação algébrica do modelo, faz-se uso daquela especificação. No entanto, o Apêndice 6 apresenta uma alternativa, ainda que a mesma não seja necessária para o presente desenvolvimento.

Page 91: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

91

considerado adequado. Isto criará uma elevação da capacidade produtiva no período

seguinte.

O parâmetro υ é positivo. Quanto maior seu valor, maior será o ajuste do produto

potencial ao desvio em t-1, o que expressa uma maior sensibilidade do investimento

privado ao comportamento da renda observada e da capacidade produtiva em relação

aos investimentos mais recentes. Por motivo de simplificação, não se considera os

impactos dos investimentos líquidos quando o gap do produto é nulo. Assume-se a

hipótese simplificadora de que quando Yt-1 = Yp t-1, os investimentos continuam em

níveis considerados adequados tão somente para preservar ou manter a mesma

capacidade de produção (Ypt = Yp

t-1). Ou seja, os investimentos líquidos serão nulos

neste caso, havendo apenas investimentos em manutenção (depreciação).

O modelo com exogenia do produto potencial, obviamente, supõe υ igual a zero. Logo,

pode-se considerar o modelo com exogenia um caso particular do caso geral em que υ é

positivo. A teoria convencional de metas de inflação estaria restrita ao caso particular no

qual não existe uma correlação entre produto potencial e desvios do produto, ou seja, ao

caso particular em que valeria a hipótese de neutralidade da moeda no longo prazo. Se,

por outro lado, adota-se a hipótese de que a moeda não é neutra, nem mesmo no longo

prazo, a hipótese da taxa natural é rejeitada, υ é maior que zero e existe um ajuste

temporal do produto potencial ao comportamento da demanda, da produção e da renda.

Isto resulta em uma especificação heterodoxa da curva IS, já que a mesma não está

sujeita a um limite de produção inflexível ao longo do tempo e, além disto, esse limite

de produção é determinado pelo próprio comportamento da demanda e da produção.

Deve-se frisar que a endogenia do produto potencial, sua histerese e trajetória

dependente não são elementos desconsiderados pelo mainstream. No entanto, para a

ortodoxia, a endogenia do produto potencial se dá pelo lado da oferta, ou seja, suas

alterações no tempo decorrem de fatores como variação na produtividade e na

disponibilidade de fatores de produção, estes últimos também não-correlacionados com

a demanda no longo prazo.

Page 92: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

92

Nas palavras de Kohn (2003) “assessments of the level and growth of potential GDP

must be revised frequently, and of course these variables are not under the control of

the central bank”. Esta declaração está em conformidade com a idéia de que o produto

potencial e sua dinâmica não podem ser afetados pela demanda e pela política

monetária. Na heterodoxia, ao contrário, há elementos que permitem conceber um

produto potencial endógeno pelo lado da demanda.

3.3.1 – Produto potencial endógeno e resposta aos choques positivos de

demanda

Analisa-se o caso de um BC que adota a hipótese da taxa natural e o regime de metas de

inflação, mas que atua em uma economia em que haja de fato a operação do princípio

da demanda efetiva no longo prazo, e cuja capacidade de produção seja uma função,

dentre outros fatores, da dinâmica da demanda e da renda. Portanto, a equação (4)

representa uma imposição ad hoc por parte deste trabalho e é considerada como fora do

modelo usado pelo BC no regime de metas de inflação.

Em outras palavras, o BC adota um modelo da Nova Síntese Neoclássica para escolher

a melhor resposta da taxa de juros, porém a economia é de fato uma economia pós-

keynesiana, na qual não há neutralidade de moeda, em nenhum prazo, e o produto

potencial é puxado pela demanda. Em tais circunstâncias, quais são os custos em termos

de perda social? Ao combater radical e indiscriminadamente os choques de demanda, o

BC, sob regime de IT, estaria imputando alguma forma de perda social? Haveria razões

teóricas para algum grau de flexibilidade da política monetária e do regime de metas

para inflação quando uma economia sofre pressões inflacionárias pelo lado da

demanda?

A importância de uma endogenia do produto potencial ganha destaque com a

consideração dos choques de demanda. Um choque de demanda pode fazer com que

haja um gap do produto, ainda que nos períodos passados a economia estivesse em

trajetória equilibrada. Esse gap pode persistir através do componente de inércia da

equação IS. Mesmo que o choque de demanda seja de pouca magnitude, se os

Page 93: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

93

coeficientes de inércia (m e τ) forem muito elevados, pode existir uma forte dinâmica

inflacionária, incompatível com o alcance das metas de inflação, segundo a previsão do

modelo padrão de IT. Neste caso, o BC agirá no sentido de conter a inflação e as

expectativas de inflação por meio de elevações na taxa de juros de curto prazo e

reduções no produto.

Não é à toa que a teoria convencional vai defender a necessidade de se combater

integralmente, e o mais veloz possível, os choques de demanda. Isto porque, nesta

concepção, o choque de demanda não impõe nenhum trade-off entre a variância do

produto e da inflação, pelo que a resposta da política monetária não implicaria nenhum

custo social, ao contrário do que ocorre no caso do choque de oferta. Por outro lado, a

teoria convencional também defende esse combate imparcial aos choques de demanda

porque não se aceita nenhuma correlação entre tais choques e a tendência do produto,

dada pelo produto potencial.

Entretanto, caso o produto potencial esteja de fato se ajustando endogenamente aos

gaps, o ajuste do instrumento de política monetária poderia ser aliviado. Por outro lado,

no caso do BC não levar em consideração o princípio da demanda efetiva no longo

prazo, haverá uma resposta inadequada da taxa de juros face ao choque de demanda,

criando-se perdas desnecessárias para o lado real da economia, ao mesmo tempo em que

se perde um estímulo de aumento para o produto potencial (no caso do choque positivo

de demanda). A endogenia do produto potencial tem efeitos diretos sobre a própria

determinação do hiato do produto. Caso isso não seja levado em conta pelo BC em seu

modelo estrutural, diante de choques de demanda positivos, haverá uma superestimação

da expectativa de hiato do produto, pelo que a resposta da taxa de juros será exacerbada.

Seja:

(5) E[Ypt+1] = Yp

t + υ (Yt - Yp t)

A equação 5 é a esperança matemática de 4; seja:

(6) E[π t+2] = τE[πt+1] + ϖE[yt+1]

Page 94: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

94

A equação 6 faz uma esperança da inflação dois períodos à frente, levando em conta as

expectativas adaptativas; substituindo as esperanças matemáticas de (2.1) e (2.2) em (6),

pode-se ainda chegar à expressão:

(7) E[π t+2] = τ[τ(πt) + ϖ(yt)] + ϖ[m(yt) - n(rt)]

A equação (7) mostra que, uma vez que o produto e a inflação em t já estão

determinados, a única forma do BC controlar a expectativa de inflação para t+2 é por

meio do ajuste da taxa de juros em t. Este resultado corresponde à idéia difundida de

que a política monetária é um processo de controle das expectativas de inflação

(Woodford, 2003). Ademais:

(8) E[π t+2] = 0

Em (8), coloca-se uma meta de expectativas de desvio inflacionário em t+2 igual a zero.

Esta seria uma meta ótima e factível para Svensson (1997)35, visto que a política

monetária feita em t tem impacto sobre a inflação apenas em t+2.

Com uma meta de gerar E[π t+2] = 0, o BC precisa ajustar a taxa de juros em t na medida

necessária para criar uma expectativa de gap do produto em t+1 compatível com a dita

meta – lembrado-se que a expectativa de inflação em t+1 está fora de controle da

política monetária em t e que a única forma de se atuar sobre a inflação em t+2 é através

de efeitos sobre o produto em t+1. Em outras palavras, a expectativa de inflação em t+1

é uma variável de estado e a expectativa de produto em t+1 é uma variável de controle.

Se o BC não considera o produto potencial endógeno, ele desconsidera o fato de que um

gap positivo do produto em t promoverá uma elevação do produto potencial em t+1, e

35 “ […] the solution to the potential problem in implementing inflation targeting consists of making the central bank’s inflation forecast an explicit intermediate target. Although this is a very straightforward result that hardly requires a model, I believe that it is best demonstrated with the help of a very simple model. […] Clearly the central bank cannot prevent deviations from the inflation target caused by disturbances occurring within the control lag. At best it can only control the deviations of the two-year forecast from the target. It can therefore be argued that the central bank should be held accountable for the forecast deviations from the target rather than the realized inflation deviations, if the forecast deviations can be observed.” (SVENSSON, 1997, pp. 1115, 1120).

Page 95: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

95

assim uma amenização, coeteris paribus, do gap do produto neste período. Portanto,

levar em conta as equações 4 e 5 significa reduzir a agressividade da política monetária

em t face a eventuais gaps correntes do produto.

Uma possível crítica a essa idéia seria o tempo longo de defasagem entre o gap do

produto e seus efeitos sobre o produto potencial. Tal efeito poderia demorar mais a

aparecer do que o efeito do gap do produto sobre os preços. Logo, esperar o efeito do

gap sobre a capacidade produtiva seria contraproducente em termos de controle da

inflação, já que a economia teria ficado tempo significativo sob desvio inflacionário e os

componentes de inércia colocariam em risco o alcance da meta a posteriori. Não

surpreende a idéia de que quanto maior a inércia da inflação e do produto, maior deveria

ser a agressividade da resposta da taxa de juros (Clarida, Galí & Gertler, 1999). Na

verdade, a teoria convencional leva esta idéia implicitamente ao extremo, por meio da

hipótese da taxa natural, sob a qual os efeitos do gap sobre a capacidade produtiva

levariam um tempo infinito, ou seja, não existiriam de fato.

No entanto, essa crítica pode ser passível de uma contra-crítica: se é aceita a hipótese de

endogenia do produto potencial, e se o BC trabalhar com um horizonte de alcance da

meta mais longo (i.e. o período de defasagem necessário para a maturação plena dos

efeitos do gap sobre a capacidade produtiva), não há motivos para se supor uma perda

do controle inflacionário, já que o desvio da inflação será amortecido tão logo haja uma

alteração do produto potencial.

Se realmente o produto é endógeno e os agentes sabem disto, então suas expectativas

serão de uma eventual diminuição do gap do produto e da inflação. Ainda que as

expectativas mais curtas sejam de uma taxa de inflação maior, a expectativa mais longa

é de uma taxa declinante, à medida que o gap do produto exerça seus efeitos sobre a

capacidade produtiva. No modelo adotado aqui, assume-se que o produto potencial leva

apenas um período para responder aos desvios do produto efetivo. Como a política

monetária realizada em t afeta o produto em t+1, e o gap do produto em t gera uma

mudança do produto potencial em t+1, a política monetária decidida em t deve levar em

conta este amortecimento endógeno do gap a fim de que a estabilidade de preços seja

alcançada com custos mínimos para a dinâmica da atividade econômica.

Page 96: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

96

É possível expressar esta idéia através de uma regra de taxa de juros com “consciência

heterodoxa”. Seja:

(9) rt = z1 πt + z2 yt - κE[Ypt+1] - Y

pt

A equação 9 é uma expansão da regra de instrumento dada pela equação 336. Introduz-se

o componente κE[Ypt+1] - Yp

t, sendo κ um coeficiente maior que zero, que dá a

sensibilidade da taxa de juros em relação à diferença entre a esperança para o produto

potencial em t+1 e o produto potencial observado em t – em outras palavras, trata-se de

um coeficiente de sensibilidade do BC em relação à endogenia do produto potencial.

Um BC ortodoxo, por sua vez, apresenta-se como o caso particular em que κ é zero,

expressando a indiferença em relação ao princípio da demanda efetiva no longo prazo.

Observa-se que a equação 9 não é resultado direto de um processo de otimização a

partir das equações restantes do modelo. No entanto, ela dá atenção ao componente

endógeno da eliminação do gap do produto e está de acordo com o princípio de

incerteza, segundo o qual quanto maior a incerteza estrutural, menor a utilidade da regra

ótima, e assim maior a dependência da política monetária em relação a mecanismos

tácitos e ad hoc. Substituindo 5 em 9, tem-se:

(10) rt = z1πt + ( z2 - κυ) (yt)

Observa-se que a taxa de juros responde em magnitude menor face ao gap do produto,

em relação ao que ocorre na regra original (equação 3). Esta redução na magnitude da

resposta é dada por κυ. Assim, ao se introduzir a hipótese de endogenia no modelo

estrutural do BC e supondo-se que este leve em conta essa endogenia ao ajustar a taxa

de juros, chega-se a uma regra de instrumento que responde mais parcimoniosamente

face aos choques positivos de demanda, o que seria um tipo de flexibilização da regra de

instrumento ótima originada de um modelo padrão – i.e. com a hipótese da taxa natural.

Na verdade, os modelos de Ball (1999a) e Svensson (1997), assim como os modelos

BMW (2003) e Clarida, Galí & Gertler (1999), já partem da idéia de que existem 36 A equação 9 é proposta para o caso dos choques positivos de demanda. Por motivos que serão detalhados à frente, no caso dos choques negativos de demanda uma outra especificação é necessária.

Page 97: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

97

motivações teóricas e empíricas para a flexibilização do regime de IT. Todavia, esta

“passagem” do regime estrito para o regime flexível não é prevista no caso dos choques

de demanda, uma vez que todos esses modelos adotam a hipótese de neutralidade

monetária no longo prazo e a conseqüente convergência necessária para a taxa natural.

Por outro lado, ao se levar em consideração a não-neutralidade nos moldes de Keynes e

pós-keynesianos, pode-se demonstrar, por meio de uma análise crítica e interna aos

modelos-padrão, uma justificativa adicional para um menor conservadorismo do BC sob

o regime de IT.

Diante de um choque de demanda positivo, quando o produto efetivo está superior ao

produto potencial, a autoridade monetária pode elevar a taxa de juros em medida menor

do que a que seria justificada sob um produto potencial inflexível. Como o produto

potencial é de fato endógeno, este irá sofrer uma elevação, ajustando-se parcialmente

(ou integralmente) ao produto efetivo. Logo, o BC não precisa perseguir uma redução

muito forte do produto efetivo em t+1.

Proposição 01: Quando o Banco Central é consciente acerca da endogeneidade do

produto potencial, e introduz esta hipótese no modelo estrutural usado como balizador

da política monetária, a resposta da taxa de juros frente a um choque positivo de

demanda é menos agressiva (ou mais parcimoniosa), quando comparado com uma

resposta que não leve em conta o ajuste endógeno da capacidade produtiva.

A análise no Gráfico 1 permite visualizar o que ocorre quando o choque positivo de

demanda é enfrentado, tanto pelo BC ortodoxo quanto pelo heterodoxo. A economia se

encontra inicialmente no ponto A, em que a inflação está na meta e o produto em seu

nível potencial, com as curvas iniciais de demanda e oferta (oferta de curto prazo)

agregadas, D e S. O produto potencial inicial é dado por Yp1.

Page 98: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

98

Gráfico 1 – O caso do choque positivo de demanda

Um choque de demanda desloca a curva de demanda para D’, e a economia migra para

a situação B, com uma inflação corrente maior que a meta, e com um produto corrente

maior que o potencial. O BC ortodoxo, pela regra de Taylor padrão, combate

integralmente o choque de demanda, pois acredita que não há ajuste do produto

potencial pelo lado da demanda. No entanto, o produto potencial se ajusta

endogenamente, por meio dos investimentos induzidos pelo gap do produto. O produto

potencial se desloca de Yp1 para Yp2. Há também um deslocamento da curva de oferta

de curto prazo, de S para S’, dada a expansão da capacidade produtiva. Contudo, a

demanda agregada retorna para D, devido à resposta integral da taxa real de juros. Logo,

a economia opera em C, com as curvas S’ e D. Em C, observa-se uma inflação abaixo

da meta e um produto abaixo do novo produto potencial Yp2. Isto resultará em

estímulos negativos para os investimentos e para o produto potencial no período

seguinte. A política monetária ortodoxa foi instabilizadora neste caso.

Por outro lado, amparado na idéia de endogeneidade do produto potencial, e com uma

regra de instrumento heterodoxa, o BC combate apenas parcialmente o choque de

demanda: há parcimônia na elevação da taxa real de juros, diante do choque positivo de

demanda. Após o choque, a curva de demanda retorna de D’ para D’’, e não para D.

Com a nova curva de oferta de curto prazo S’, com D’’, e com o novo produto potencial

Yp2, a economia opera em E, quando a inflação está na meta e o produto corrente ao seu

Πn

Π

Y

A B

C E

Yp1 Yp2

D

D’ D’’

S S’

Page 99: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

99

novo nível potencial. Neste caso, a política monetária é estabilizadora e consistente com

uma dinâmica de elevada produção e emprego no longo prazo.

Essa proposição está em consonância com a visão de Carvalho (2005, pp. 335), para

quem “O uso da taxa de juros, em qualquer circunstância, deve ser parcimonioso,

mantendo-a dentro de certos intervalos limitados [...]”. Obviamente, ao falar em

parcimônia, Carvalho faz menção, neste trecho, às pressões inflacionárias causadas por

excesso de demanda. No entanto, como se verá a seguir, quando a economia opera

abaixo de seu nível potencial, devido a um choque negativo de demanda, ou a uma

insuficiência de demanda, faz-se necessária uma redução mais agressiva da taxa real de

juros37, ao invés da forte inércia exibida pelos bancos centrais ortodoxos.

3.3.2 – O caso dos choques negativos de demanda

Uma pergunta pode ser feita: o argumentado até aqui vale da mesma forma para o caso

dos choques negativos de demanda? Quando, devido a um choque, o produto efetivo se

encontra abaixo do produto potencial, sabendo-se da endogenia deste último, qual deve

ser a resposta da taxa de juros? Neste caso, a menor agressividade na resposta da taxa de

juros suscitará menores estímulos de recuperação do produto, forçando um ajuste para

baixo do produto potencial. Na verdade, há uma não-linearidade no que diz respeito à

velocidade de resposta mais apropriada diante de um choque negativo de demanda, o

que impõe uma restrição ao uso da regra 10 no caso deste tipo de choque. Uma regra

mais apropriada neste caso pode ser elaborada. No caso dos choques negativos de

demanda, seja a equação:

(9’) rt = z1 πt + z2 yt + κYpt - E[Yp

t+1]

A equação (9’) faz uma troca do termo -κE[Ypt+1] - Yp

t na equação 9 pelo termo

+κYpt - E[Yp

t+1]. Isto porque, diante de um choque negativo de demanda, o gap

37 Ainda que a literatura apresente controvérsias quanto à eficácia das reduções da taxa de juros como estímulo econômico.

Page 100: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

100

negativo do produto induzirá uma redução do produto potencial e não mais um

aumento, como no caso do choque positivo. Sabe-se que:

(5) E[Ypt+1] = Yp

t + υ (Yt - Yp t)

Substituindo (5) em (9’), chega-se a:

(10’) rt = z1 πt + (z2 + κυ) (yt)

A equação (10’) é diferente da equação (10) apenas pelo fato de que o termo κυ é

adicionado, e não mais subtraído como em (10). Assim, diante de um choque negativo

de demanda, o BC heterodoxo reduz mais agressivamente a taxa real de juros, dada a

redução de yt, quando comparado com a regra (3), esta última usada por um Banco

Central ortodoxo38.

Proposição 02: Quando o Banco Central é consciente acerca da endogeneidade do

produto potencial, e introduz esta hipótese no modelo estrutural usado como balizador

da política monetária, a resposta da taxa de juros frente a um choque negativo de

demanda é mais agressiva (ou menos parcimoniosa), quando comparado com uma

resposta que não leve em conta o ajuste endógeno da capacidade produtiva.

Na prática, os Bancos Centrais ortodoxos apresentam uma resistência maior às reduções

da taxa de juros, quando a economia se encontra em desaceleração. Apesar do combate

aos choques positivos de demanda ser enérgico, por meio de elevações rápidas e

intensas da taxa real de juros, o combate aos choques negativos de demanda são mais

parcimoniosos (King, 1996)39. Uma possível explicação para isto seria um

comportamento oportunista por parte do Banco Central diante de choques negativos:

quando o produto se encontra abaixo do potencial, e a inflação abaixo da meta, o Banco

Central poderia se aproveitar dessa situação, alimentando expectativas de menores taxas

38 É possível uma análise gráfica para o caso dos choques negativos de demanda, tal como foi feito para o caso dos choques positivos. O leitor pode deduzir que haverá, também nesse caso, uma perda de produto potencial sob a regra de política ortodoxa, dado que a mesma não é suficiente para eliminar o gap negativo antes que haja uma redução do produto potencial. 39 “There is an asymmetric approach to positive and negative shocks when inflation is in the intermediate range. Positive shocks are suppressed; negative shocks are accommodated.” (KING, 1996, pp. 42).

Page 101: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

101

de inflação no futuro. Essas expectativas poderiam facilitar o alcance da meta de

inflação, mesmo na presença de eventuais choques positivos de demanda.

De toda forma, parece existir uma assimetria ou não-linearidade na resposta da política

monetária face aos choques positivos e negativos de demanda. Mishkin (1999) aponta

para tal assimetria na condução da política monetária pelo Bundesbank, o BC alemão,

embora este a fizesse por meio de regras monetárias40.

Face ao choque negativo de demanda, pode-se dizer que quanto mais vagarosa for a

redução da taxa de juros mais lenta será a recuperação econômica, coeteris paribus.

Uma vez que existe a endogenia do produto potencial, este tende a se contrair, ou

crescer a taxas menores em se tratando de uma análise em termos de taxa de

crescimento, à medida que o gap negativo do produto se mantenha. Logo, um Banco

Central que dê peso à dinâmica de longo prazo do produto potencial tentará eliminar o

mais rápido possível o gap negativo do produto, impedindo seus efeitos deletérios sobre

as decisões de investimento dos agentes privados e sobre a trajetória temporal do

estoque de capital da economia.

Essa questão se torna ainda mais pertinente no contexto de recessões severas, em que a

persistência de níveis reduzidos de produção pode contaminar as expectativas

empresariais e contrair investimentos, a ponto de prolongar a tendência recessiva pelos

efeitos sobre a capacidade produtiva futura. Neste contexto, não se trata somente de

reduzir taxas reais de juros, mas de reduzi-las em escala suficiente para que sejam

estimulados os investimentos na economia na medida adequada. Um BC ortodoxo pode

reduzir as taxas reais de juros face à recessão, mas provavelmente as reduzirá em escala

inferior se comparado ao que faria um BC consciente e preocupado em relação à

endogenia do produto potencial pelo lado da demanda.

40

“One potentially serious criticism of German monetary targeting, however, is that, […], the Bundesbank has reacted asymmetrically to target misses, raising interest rates in response to overshooting of the money-growth target, but choosing not to lower interest rates in response to an undershooting. This suggests that the Bundesbank may not be sufficiently concerned about undershoots of its normative inflation goal. Arguably this might have caused the Bundesbank to be overly tight in its monetary policy stance in the mid 1990s when German inflation fell below the 2% normative goal, which not only led to an unnecessary increase in unemployment in Germany, but also in countries tied to the deutsche mark, such as France.”(MISHKIN, 1999, pp.16).

Page 102: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

102

Apenas como ilustração, a postura conservadora do BC brasileiro foi criticada durante

os primeiros meses de 2009. Em meio aos indicadores de desaceleração industrial,

provocada pelos efeitos dinâmicos da crise financeira mundial, o BC brasileiro estaria

apresentando resistência à redução da taxa básica de juros. Um BC que desse maior

peso à dinâmica de longo prazo da capacidade produtiva, sabendo que suas decisões de

juros são fundamentais para tal dinâmica, com certeza seria mais agressivo na redução

da taxa de juros diante de um choque negativo de demanda. A esse respeito,

A diretoria do Banco Central não se mostrou à altura das demandas da economia brasileira e ninguém se surpreendeu com isto, que afinal vem de longe. Surpreendente seria se agissem diferentemente. Com sua lentidão paquidérmica, o Banco Central age como aquele convidado encarregado de trazer a cerveja para a festa e chega quando todos já foram embora (CARVALHO, 2009, itálico meu).

Portanto, um “Banco Central heterodoxo” – consciente da endogenia da capacidade

produtiva e da não-neutralidade monetária no longo prazo – será mais parcimonioso

face a um choque positivo de demanda, mas será mais agressivo face a um choque

negativo de demanda, visto que um de seus objetivos de longo prazo é o de manter uma

trajetória ascendente e sustentada para o produto potencial (e para o produto efetivo) da

economia, e não somente o de manter a estabilidade de preços41. Isto vai de encontro ao

comportamento de um “Banco Central ortodoxo”, o qual é mais agressivo diante de um

choque positivo de demanda, e mais parcimonioso diante de um choque negativo,

comportamento este que faz emergir uma dinâmica de baixo produto potencial no longo

prazo.

Apesar de se assumir, na literatura convencional, uma função perda social que dê a idéia

de uma certa preocupação com a estabilidade produtiva, nos trabalhos teóricos essas

preocupações estão restritas ao curto prazo e praticamente ausentes quando se observa a

prática da política monetária nas economias sob IT. Isto decorre do simples fato de que,

41 A questão da busca por maiores níveis de produto potencial no longo prazo está sempre pautada por uma motivação social. A idéia por trás é a manutenção de níveis mínimos de desemprego e/ou de desigualdades de renda entre as classes sociais no longo prazo, embora tal meta não possa ser alcançada exclusivamente via política monetária. A meta de um produto potencial superior no longo prazo está associada à hipótese implícita de que tal situação implica em menor taxa de desemprego e pobreza (conferir Apêndice 7). Obviamente, questões referentes à distribuição funcional da renda no longo prazo estão fora do escopo da presente tese.

Page 103: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

103

ao adotar a hipótese da taxa natural, o regime de metas de inflação é automaticamente

reduzido a um sistema de metas estritamente nominais, a contragosto de Carvalho

(2005), sem espaço para metas e/ou considerações a respeito da dinâmica produtiva de

longo prazo.

De certa forma, tais proposições são compatíveis com os resultados alcançados por

Libânio (2009). O autor testa para uma natureza pro-cíclica e assimétrica (i.e. muito

apertada nas contrações, e contra-cíclica nas expansões) da política monetária no

Brasil42, durante o período 1999-2006. Os resultados do teste empírico sugerem uma

tendência de elevadas taxas de juros no Brasil, com efeitos deletérios para a demanda

agregada e para a produção. No entanto, Libânio (op. cit.) não testa as conseqüências

dessa política para a produção no longo prazo, restringindo-se ao estudo do trade-off de

curto prazo.

A presente tese teórica oferece idéias que podem servir para futuros estudos empíricos –

na linha do desenvolvido por Libânio (2009) -, que venham testar para uma tendência

de reduzidos níveis de produto potencial no longo prazo, devido a uma política

monetária alicerçada em modelos mal especificados e em preferências ortodoxas. Pode-

se testar, por exemplo, qual teria sido a tendência de crescimento de uma economia caso

a política monetária tivesse incorporado na função juros o componente de ajuste

endógeno da capacidade produtiva.

Por outro lado, Libânio (op. cit.) parece colocar um peso indevido sobre o regime de

metas de inflação, como se este fosse necessariamente nocivo para a política monetária

e para a performance econômica. Na linha de trabalhos como Lima & Setterfield

(2008), o presente trabalho defende que o regime de metas para inflação, se apoiado em

um modelo melhor ajustado à realidade econômica, pode ser compatível com uma

performance superior àquela que seria observada sob um BC ortodoxo e mal orientado.

Os valores indesejáveis que, porventura, podem ser observados em economias sob IT

não são implicações do regime em si, mas de uma má especificação do modus

42 “The results suggest that monetary policy has been procyclical and asymmetric in Brazil, so that it can be described by the expression “too tight during contractions, not so loose during expansions”. In this case, it can be argued that monetary policy under inflation targeting has been detrimental to aggregate demand and growth.” (LIBÂNIO, 2009, pp. 9).

Page 104: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

104

operandis da economia e de policymakers apegados a idéias inadequadas para uma

economia em que opere a não-neutralidade monetária no longo prazo e a trajetória

dependente do produto potencial.

A adoção da regra (10) e (10’) nos casos de choques positivos e negativos de demanda,

respectivamente, ao invés da adoção da regra “ótima” ortodoxa (3), simula um melhor

ajustamento da política monetária à realidade econômica. Vale salientar: resultado

semelhante pode ser obtido por meio de um rearranjo e expansão no modelo de Lima &

Setterfield (2008) – conferir Apêndice 8.

No Quadro 1 abaixo, sintetiza-se a condução da política monetária por parte de um BC

ortodoxo, que faz uso exclusivo da regra ótima (3), e de um BC heterodoxo, que

combate os choques de demanda com base em uma consciência acerca da correlação de

longo prazo entre moeda, produção e produto potencial.

Quadro 1 – Condução da política monetária

Caso BC ortodoxo BC heterodoxo

Choque positivo de demanda rt = z1πt + z2 yt

rt= z1πt + ( z2 - κυ) (yt)

Choque negativo de demanda rt= z1πt + (z2+ κυ) (yt)

3.3.3 – O custo social de oportunidade de uma política ortodoxa em uma

economia da demanda efetiva

A idéia de que não há trade-offs no caso do choque de demanda pode ser contestada: a

resposta estrita da política monetária a um choque positivo de demanda diminui a

volatilidade da inflação, mas incorre em um tipo de custo (social) de oportunidade (Cy),

em termos do ganho social por meio de um impulso positivo sobre o produto potencial

que se deixa de auferir. Este custo (social) de oportunidade pode ser estimado pela

diferença entre o produto potencial que seria observado para o período, caso a política

Page 105: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

105

monetária fosse acomodatícia (regime flexível, i.e. regra 10), e o produto potencial

efetivo sob regime estrito (i.e. regra 3). Assim, esse custo de oportunidade, associado à

não flexibilização do regime de metas inflacionárias no caso do choque de demanda,

poderia ser expresso por:

(11) Cy = E[(Y pt)

f] – (Ypt)

s

Em que Cy é o custo social de oportunidade, E[(Ypt)

f] é a esperança para o produto

potencial em t que seria observado se o BC aplicasse uma política de juros flexível face

ao choque de demanda e (Ypt)

s é o produto potencial efetivo sob regime estrito

(inflexível).

Se a sociedade dá algum peso a esse custo de oportunidade no âmbito da tomada de

decisão da autoridade monetária, a política de taxa de juros deve levar em consideração

uma troca (trade-off) entre a menor volatilidade da inflação e um custo social de

oportunidade maior, quando do combate aos choques de demanda. Uma função perda

social que dê expressão a essa concepção seria:

(12) L t = j1 (Yt - Y

p)2 + j2 (Πt - Πn)2 + j3 (Cy)2

A função perda social 12 acima mostra que o custo de oportunidade representa um tipo

de perda social, que ocorre quando o Banco Central combate o choque de demanda sem

considerar a endogeneidade do produto potencial. Em outras palavras, quando a

autoridade monetária age de forma conservadora em extremo, e a partir de um modelo

mal especificado43, a sociedade perde a oportunidade de contar com um produto

potencial melhor ajustado às flutuações da demanda e da renda. O ajustamento do

produto potencial ao produto efetivo implica uma alteração mais suave da taxa de juros

diante de um choque positivo de demanda. Portanto, por trás de uma minimização do

custo de oportunidade Cy, se o BC levar em consideração a endogeneização do produto

potencial pelo lado da demanda, há também a minimização das flutuações da taxa de

juros.

43 Um modelo que considere o produto potencial como sendo determinado de maneira independente dos movimentos da demanda e da renda.

Page 106: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

106

Ademais, a função perda acima expressa a idéia heterodoxa de que o BC não pode ter

metas nominais apenas, como as metas de inflação (Carvalho, 2005). Uma vez que a

política monetária afeta a dinâmica de longo prazo da atividade econômica, o BC

precisa levar em consideração esses efeitos reais ao avaliar a performance na condução

do(s) instrumento(s) de política.

3.4 – Simulação computacional

O objetivo da simulação é verificar como, sob endogenia do produto potencial, a

política monetária apropriada se torna mais parcimoniosa no caso dos choques

(positivos) de demanda44, e como a não flexibilização implica perdas sociais

desnecessárias traduzidas por menores níveis de produto potencial no longo prazo.

A metodologia da simulação em computador segue, em linhas gerais, a adotada por

Oreiro & Lemos (2005), embora haja algumas divergências particulares no que diz

respeito ao objeto da simulação. Tanto aqui quanto em Oreiro & Lemos (2005) as

trajetórias dinâmicas da economia serão simuladas através do processo conhecido como

calibração, que nada mais é do que a adoção de certos valores para os parâmetros e para

as condições iniciais do sistema, a fim de que seja verificada uma convergência ou

correspondência relativa entre os resultados da simulação e alguns “fatos estilizados”45.

A diferença particular em relação ao trabalho de Oreiro & Lemos (2005) é a de que a

simulação aqui não tem como finalidade precípua gerar resultados semelhantes a “fatos

estilizados”, nem mesmo a de avaliar se o modelo proposto é “bom ou ruim”. O objetivo

aqui é o de testar computacionalmente, a partir de certos valores para parâmetros e

condições iniciais, a validade da hipótese teórica de que um Banco Central que não

leve em consideração a não-neutralidade monetária e a endogenia do produto

44 A simulação será feita apenas para o caso da resposta de política monetária face a choques positivos de demanda, e isto apenas por motivo de objetividade. Obviamente, a simulação poderia ser feita também para casos de choques negativos, com a única diferença de que, nestes casos, a regra de resposta usada por um BC heterodoxo seria a regra 10’ e não a regra 10. Absolutamente, suprimir a simulação para os choques negativos em nada interfere nos resultados gerais deste trabalho. 45 Trata-se da definição dada por Hansen & Heckman (1996) para o processo de calibração.

Page 107: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

107

potencial persegue uma política monetária nociva para a dinâmica econômica de longo

prazo, impondo perdas sociais desnecessárias.

De certa forma, a simulação que será feita serve muito mais como uma ferramenta

analítica adicional para a verificação dos desdobramentos da mencionada hipótese

teórica para a economia no longo prazo. A validade empírica dessa hipótese, no entanto,

dependerá de futuros estudos e metodologias estatísticas que permitam sua verificação.

Tabela 1

Os valores escolhidos para ϖ, m e n são respectivamente 0,4, 0,8 e 1,0, sendo estes os

valores adotados por Ball (1999a) com base em algumas evidências empíricas. Os

demais valores de parâmetros e condições iniciais são adotados de forma ad hoc. A

única preocupação foi a de adotar valores que não dessem hipersensibilidade às relações

estruturais do modelo. A Tabela 1 apresenta todos os valores adotados. Conforme

Oreiro & Lemos (2005) esta imposição de valores faz parte do método de calibração e

não invalida necessariamente a “robustez” da simulação46.

46 No que diz respeito à adoção ad hoc de valores, conforme salienta Possas: “Entretanto, apesar da imprevisibilidade dos resultados de longo prazo, podem-se obter trajetórias por simulação a partir de hipóteses ad hoc sobre condições iniciais e mudanças nos parâmetros, em lugar de soluções matemáticas e analíticas bem definidas e generalizáveis. Este é um elemento central do programa de pesquisa

Yt-1 Yp Rt-1 R

n ΠΠΠΠt-1

700 700 5 5 4

ΠΠΠΠn ΠΠΠΠem n ττττ

4 4 0,8 1 1

ϖϖϖϖ z1 z2 υυυυ κκκκ0,4 0,5 1 0,5 0,2

ηηηηt+5 ηηηηt+18 ηηηηt+20 ηηηηt+28

20 45 500 35

Parâmetros, condições inicias e choques

Page 108: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

108

O critério de avaliação deve se concentrar na capacidade do teste de gerar trajetórias

dinâmicas compatíveis com um bom número de “fatos estilizados”. Caso a simulação

não dê conta desses fatos estilizados, o pesquisador deve adotar outros valores para

parâmetros e condições iniciais, repetindo a simulação, até que haja resultados

satisfatórios. Embora tal metodologia possa ser criticada pela excessiva margem de

liberdade dada ao pesquisador, Oreiro & Lemos (op. cit.) argumentam que se o modelo

for de fato ruim não haverá uma compatibilidade entre as trajetórias dinâmicas

verificadas e um bom número de fatos estilizados, ainda que o pesquisador teste ad

infinitum dados diferentes.

Os passos no teste foram os seguintes:

1) fez-se uma simulação da resposta da taxa real de juros com base na hipótese da

exogenia do produto potencial (υ = 0) e no uso da regra de Taylor convencional

(equação 3), a fim de que fossem observados os valores da taxa real de juros a

partir de um BC ortodoxo;

2) aplicaram-se esses valores em uma economia com a operação da endogenia do

produto potencial (υ = 0,5), a fim de que fosse simulada a performance

econômica obtida com um BC ortodoxo que opere em uma economia da demanda

efetiva;

3) aplicou-se a regra de política heterodoxa (equação 10) em uma economia com

endogenia do produto potencial para que fosse obtida a performance com um BC

heterodoxo;

4) fez-se a comparação das dinâmicas observadas entre os regimes (2) e (3).

evolucionário neo-schumpeteriano: a realização de exercícios de simulação em computador de processos econômicos evolucionários estilizados, de forma a estudar suas propriedades, uma vez que não há razão para se esperar em princípio que soluções analíticas possam dar conta de modelos de sistemas complexos como os preconizados por essa abordagem.” (POSSAS et al., 2001, pp. 334).

Page 109: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

109

Ao longo da simulação (198 períodos), a taxa real de juros alcançou um pico, em log, de

2,7. Isto quando a autoridade monetária faz uso de uma regra de taxa de juros que

considera o produto potencial exogenamente determinado (regra da equação 3). Este

pico foi a resposta ao choque de demanda do mesmo período, o mais longo da série, no

valor de 500 unidades monetárias. Como consequência, o produto cai para 858 unidades

monetárias, após ter alcançado 1211 no período imediatamente anterior.

O que ocorre quando a autoridade monetária faz uso da regra de taxa de juros dada pela

equação (10), que leva em conta a endogeneidade do produto potencial? Neste caso, ao

longo do período, a taxa real de juros alcança um pico, em log, de 2,65, como resposta

ao choque de demanda de 500 unidades monetárias. Assim, o produto cai para o valor

de 908, após ter alcançado 1211 no período imediatamente anterior. Utiliza-se o choque

de demanda do período t+20 (500 unidades monetárias) como representativo de uma

dinâmica geral: ao longo do período, os choques de demanda são seguidos de uma

política monetária mais agressiva quando a regra da taxa de juros não leva em

consideração a endogeneização do produto potencial. Quando, por outro lado, o BC usa

a regra dada pela equação (10) a taxa de juros se torna menos volátil.

A taxa real de juros apresenta uma somatória dos quadrados dos desvios (Σ r2) maior

sob a regra de instrumento (3), quando comparado com o observado sob a regra de

instrumento (10): no primeiro caso, o valor da somatória é de 253.875, ao passo que o

mesmo cai para 208.853 no segundo caso, o que indica a maior volatilidade da taxa real

de juros sob o regime da equação (3).

Observa-se nos dois regimes que a tendência de longo prazo para a taxa real de juros

depende do valor adotado para a taxa natural de juros. Em ambos, a taxa real de juros

apresenta uma tendência para o valor de 0,69 em log, que corresponde à taxa natural de

juros (Rn = 5). No entanto, como salientado acima, ao longo do período, no caso dos

choques de demanda, as flutuações da taxa real de juros são menores quando o BC

adota a regra de instrumento (10), ao invés da regra (3).

Da mesma forma, quando o BC faz uso daquela primeira, o produto potencial sofre

menos perdas: ele alcança o valor máximo de 966; ao passo que quando o BC faz uso da

regra (3), o produto potencial chega ao máximo de 964. Apesar de aparentemente

Page 110: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

110

pequena, a diferença entre esses valores tende a crescer com o tamanho dos choques de

demanda.

Este resultado está em conformidade com a idéia expressa pela equação (11), ou seja, a

de que há um tipo de custo de oportunidade, quando o BC não é flexível face aos

choques de demanda, em termos das perdas de produto potencial. Para o período inteiro,

aplicando a fórmula da equação (11) às médias do produto potencial sob ambos

regimes, o custo de oportunidade médio47 seria de 31,8 unidades monetárias. Na média,

quando o BC utiliza a regra (10), o produto potencial apresenta o valor de 707,57

unidades monetárias ao longo de todo o período; ao passo que esse valor cai para 675,75

quando a regra utilizada é a da equação (3). O custo de oportunidade médio seria a

diferença entre ambos valores.

A não flexibilização da regra de instrumento pelo BC, diante dos choques de demanda,

impõe uma tendência de dinâmica produtiva reduzida à economia, o que pode ser

observado pelos menores níveis de produto potencial no longo período, através da

simulação. Ao fazer uso da “regra de instrumento heterodoxa” (equação 10), o produto

potencial se estabiliza no longo prazo no valor de 700 unidades monetárias, após

experimentar algumas flutuações devido aos choques de demanda. Por outro lado,

quando o BC faz uso da “regra de instrumento ortodoxa” (equação 3), o produto

potencial se estabiliza em 662,5 unidades monetárias, após sofrer os mesmos choques

do caso anterior. O Gráfico 2 mostra a dinâmica do produto potencial em ambos

regimes, e a Tabela 2 apresenta algumas respostas-chave da simulação sob ambos

regimes. Vale dizer, o modelo abstrai a tendência à suavização (smoothing) por parte

dos BCs. No entanto, a inclusão de uma inércia da taxa de juros nas equações 3 e 10 (e

10’) não alteraria os resultados qualitativos da simulação.

47 Trata-se do custo de oportunidade calculado a partir do produto potencial médio que seria observado se o BC fizesse uso da equação 10 e do produto potencial médio observado quando o BC faz uso da equação 3.

Page 111: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

111

Gráfico 2 - Dinâmica do Produto Potencial sob as Regras de Instrumento 3 e 10 no

Caso dos Choques Positivos de Demanda (Unidades Monetárias)

Esta perda de produto potencial quando o BC utiliza uma regra ortodoxa implica no

mencionado custo social de oportunidade, incorrido por uma política monetária que

combata os choques de demanda sem considerar a endogeneidade do produto potencial.

Esta endogeneidade determinada pelas próprias flutuações da demanda e do produto

corrente, não prevista pela literatura convencional, faz emergir um trade-off, também

não aceito pelo mainstream: há uma perda de produto potencial no longo prazo quando

o BC combate o choque de demanda de forma inflexível, ou seja, sem levar em

consideração o fato de que a capacidade produtiva se ajusta endogenamente ao

comportamento da demanda e da renda em quaisquer prazos.

600

650

700

750

800

850

900

950

1000t-

2

t+3

t+8

t+1

3

t+1

8

t+2

3

t+2

8

t+3

3

t+3

8

t+4

3

t+4

8

t+5

3

t+5

8

t+6

3

t+6

8

t+7

3

t+7

8

Regra 10

Regra 3

Page 112: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

112

Tabela 2

Vale dizer: apesar da regra de política monetária ortodoxa poder ser derivada

exclusivamente por um processo de otimização (Apêndice 5), esta é feita com base em

um modelo equivocado, apoiado em uma hipótese que não condiz com a economia real,

a saber a hipótese da neutralidade da moeda e da taxa natural; por sua vez, a regra de

política monetária heterodoxa, apesar de incorporar mecanismos que não são resultados

de processos otimizadores, ampara-se em uma teoria melhor ajustada à realidade

econômica, pelo que sua utilização resulta em melhor performance quando comparada

com a regra ortodoxa. Trata-se de rejeitar a suposta racionalidade e eficiência dos

processos otimizadores do mainstream na condução da política monetária moderna.

Essa Tese, inspirando-se em Keynes (1936, p. 23), mostra que “os ensinamentos

daquela teoria são ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões

aos fatos da experiência”.

3.5 – Caminhos futuros para a presente pesquisa

A priori, a presente pesquisa pode seguir os seguintes passos para seu desenvolvimento

futuro: a) o modelo desenvolvido neste capítulo cumpriu o papel suficiente para o

desenvolvimento da hipótese a que se propôs esta Tese: demonstrar que a idéia de uma

inexistência de custos sociais a partir da política monetária, face aos choques de

demanda, só faz sentido sob a hipótese da exogenia do produto potencial pelo lado da

Regra 3 Regra 10Pico da taxa de juros 2,7 (log) 2,65 (log)

Volatilidade dos juros* 253.875 208.853Pico do produto potencial 964,00 966,00Produto potencial médio 675,75 707,57

Produto potencial de longo prazo 662,50 700,00

* Somatória dos quadrados dos desvios

Respostas sob a regra 3 e 10 no caso dos choques positivos de demanda

Page 113: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

113

demanda; no entanto, o modelo pode ser aprimorado futuramente, seja incorporando as

relações com o resto do mundo, o papel das expectativas e da confiança na

determinação dos investimentos privados, os componentes permanentes de custo na

curva de Phillips, seja incorporando o papel da política fiscal e suas relações com a

política monetária; b) pode-se pesquisar a conveniência de metas de produto real, e sua

compatibilidade com a estabilidade de preços, no âmbito da endogenia do produto

potencial; c) pode-se buscar a elaboração de uma metodologia estatística que permita a

verificação empírica de sua hipótese teórica, ainda que se reconheça, desde já, as

prováveis dificuldades que estarão à espera.

CONCLUSÕES

A utilidade do regime de metas de inflação parece ser tema de grande controvérsia.

Costuma-se pensar nesse regime como uma peça necessária de um escopo teórico

ortodoxo, ligado à hipótese de “economia da oferta” no longo prazo. De fato, esse é o

caráter da teoria convencional de Inflation Targeting. Apoiada no pensamento da

chamada Nova Síntese Neoclássica, a teoria mainstream de metas de inflação concebe a

economia, no longo prazo, como possuindo uma dinâmica de preços flexíveis, ao gosto

dos modelos de ciclos reais de negócios, em que há uma taxa natural de produção e de

desemprego determinadas exclusivamente pelos “fatores reais”.

Neste contexto, os teóricos ortodoxos chegam à conclusão de que os choques de

demanda devem ser combatidos integralmente, visto que não haveria qualquer impacto

dinâmico e permanente desses choques sobre a esfera da produção no longo prazo.

Adota-se a hipótese da taxa natural e da neutralidade da moeda, ao menos no longo

prazo, rejeitando-se para esse prazo o princípio da demanda efetiva. Os efeitos reais da

política monetária seriam apenas transitórios, durante um curto horizonte de tempo em

que a economia estaria sob rigidez de preços, à lá modelos novo-keynesianos.

Ainda que em muitos casos o mainstream reconheça a existência de trade-off associado

à resposta da política monetária, este não é o caso quando a economia sofre de um

choque de demanda. Não haveria qualquer perda social quando um BC elevasse

Page 114: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

114

rapidamente (ou reduzisse lentamente) a taxa real de juros face a um choque positivo

(ou negativo) de demanda.

A presente tese posicionou-se contra essa concepção do mainstream, buscando

demonstrar, inclusive através de um rearranjo de um modelo padrão (crítica interna),

que a política monetária impõe custos sociais no caso do choque de demanda, caso a

economia apresente uma endogeneidade do produto potencial, ou seja, caso não seja

assumida a hipótese da taxa natural. A rejeição desta última parece ser suficiente para as

conclusões desta tese, visto que as mesmas foram alcançadas mantendo-se a

especificação convencional da curva de Phillips.

Mostrou-se que um BC que possua consciência da endogeneidade da capacidade

produtiva, em especial que reconheça a correlação entre o produto potencial e as

flutuações cíclicas do produto, incorporando esta hipótese em seu modelo balizador,

será um BC com uma regra de política monetária cujos efeitos permitirão melhor

performance econômica no longo prazo, se comparado a uma regra ortodoxa, à lá regra

de Taylor padrão, apoiada na hipótese da taxa natural.

Nesse sentido, embora a regra de política heterodoxa seja resultado de mecanismos

originados por processos não otimizadores, o BC heterodoxo alcança uma dinâmica

superior para o produto potencial no longo prazo, dado que sua regra está apoiada em

um modelo melhor ajustado à realidade. Por sua vez, a sistemática de política ortodoxa,

embora resultado de processos otimizadores, apresenta impactos econômicos negativos,

dada a má especificação do modelo balizador da política. Rejeita-se a suposta eficiência

dos mecanismos de otimização do mainstream na condução da política monetária.

O teste numérico a partir das equações do modelo de análise permitiu a validação dessa

hipótese, na medida em que a regra de política heterodoxa deu origem a resultados

superiores em relação à dinâmica do produto potencial da economia, quando

comparados com os resultados obtidos com a regra de política ortodoxa. Em certo

sentido, esse resultado sustenta a idéia de Lima & Setterfield (2008) de que em uma

economia pós-keynesiana, quanto mais ortodoxa a política, pior a performance

econômica.

Page 115: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

115

Buscou-se mostrar que existe um tipo específico de custo social associado à postura do

BC ortodoxo sobre uma economia em que opere a endogenia do produto potencial. Viu-

se que há um custo social de oportunidade, medido pela perda dinâmica em termos de

produto potencial, como efeito de ajustes inadequados na taxa real de juros, feitos pelo

Banco Central ortodoxo, face a choques de demanda. Este tipo de custo social precisa

entrar em uma função perda social que norteie os objetivos de política de uma

autoridade monetária apoiada em um modelo melhor ajustado à realidade.

A tese é compatível com a idéia de que o regime de metas de inflação, em si mesmo,

não é deletério para a economia. Eventuais prejuízos obtidos por uma economia sob o

regime de IT podem ser resultados, principalmente, do modelo que guia a política

monetária, e não da adoção de uma meta de inflação e da busca pelo seu alcance. A

forma com que essa busca é feita é que parece importar. Ou seja, não é a mera

existência de uma meta de inflação que realmente conta em termos de performance

econômica, mas sim a forma com que o instrumento de política monetária é utilizado

para o alcance daquela meta. De fato, estratégias monetárias diferentes podem refletir

preocupações sociais distintas e se apoiarem em teorias diferentes. Mostrou-se que tanto

o BC ortodoxo quanto o BC heterodoxo possuem uma meta de inflação, porém o uso do

instrumento de política recebe uma sistemática diferente em cada BC, pois os modelos

estruturais de referência, adotados por ambos, são diferentes entre si. Logo, a

performance alcançada por ambos também difere uma da outra, ainda que os dois

enfrentem os mesmo choques no tempo.

Page 116: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

116

APÊNDICE 1

Uma formalização do pensamento de Goodfriend & King (1997)

A formalização do pensamento da Nova Síntese, apresentado por Goodfriend & King

(1997), é feita através de um instrumental matemático árduo e rigoroso, porém

inteligível. Com o propósito de evitar a exaustão formal presente naquele instrumental,

elabora-se uma formalização alternativa, de certa forma simples, com o único intuito de

enunciar os principais fundamentos da Nova Síntese, sugeridos por Goodfriend & King

(op. cit.), clara e objetivamente.

Seja o comportamento de ajuste dos preços, por parte das firmas:

(1) P*t = E[Pt+1] + E[ψt+1 – ψ]

Em que P*t é o preço desejado pela média das firmas no período t, em contexto de

competição imperfeita e rigidez de preços. Esse preço depende da esperança matemática

para o nível geral de preços em t+1 (E[Pt+1]) e da esperança para o desvio do custo

marginal real em t+1 em relação ao custo marginal real de equilíbrio (E[ψt+1 – ψ]),

sendo ψ o custo marginal real de steady-state (equilíbrio de longo prazo). Seja o nível

geral de preços em t dado por:

(2) Pt = ωP*t

Em que Pt é o nível geral de preços observado em t, o qual pode diferir, por definição,

de P*t , porém guardando uma correlação estável com este último por meio de ω. Pela

equação (2), pode-se afirmar que:

(3) E[Pt+1] = ωΕ[P*t+1]

Seja ainda:

Page 117: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

117

(4) (ψt – ψ) = – (µt – µ)

A expressão 4 mostra a relação recíproca entre o desvio do custo marginal real e o

desvio do mark-up médio, em contexto de rigidez de preços, sendo µ o mark-up médio

de steady-state (equilíbrio de longo prazo). A partir das expressões (3) e (4), pode-se

rearranjar (1) da seguinte forma:

(5) ωΕ[P*t+1] – Pt*= E[µt+1 – µ]

Em (5), verifica-se que, dado ω, há uma correlação positiva entre a variação esperada do

preço desejado e a variação esperada do mark-up médio. Ademais, pela perspectiva da

Nova Síntese, a condição de política monetária neutra é a de que haja estabilidade do

mark-up médio ao nível de steady-state, em todos os períodos do tempo, tal que:

(6) E[µt+1 – µ] = µt – µ = µt-1 – µ = ... = 0

Logo, satisfeita a condição (6), e a partir de (5), tem-se o seguinte resultado da política

monetária neutra:

(7) ωΕ[P*t+1] – Pt*= 0

O que implica:

(8) ωΕ[P*t+1] = Pt*

Uma solução possível é Pt* = Ε[P*t+1], e ω = 1. Trata-se de uma situação idealizada, em

que os agentes não esperam mudança dos preços desejados, dado que a política

monetária está comprometida com a estabilização do markup médio em torno de seu

valor de longo-prazo. Isto é compatível com a situação na qual as expectativas de

inflação e gap do produto para t+1 são zero48, respectivamente:

48 Neste caso, não se leva em conta a defasagem temporal entre inflação e produto como na análise de Ball (1999a).

Page 118: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

118

(9) E[πt+1] = E[y t+1] = 0

Por outro lado, caso ω > 1, tem-se que Ε[P*t+1] > Pt*. No entanto, havendo estabilidade

do valor de ω, a variação dos preços segue um comportamento estável, ou seja, a

inflação é estabilizada em torno de uma meta. Logo, tem-se a condição de gap do

produto igual a zero e inflação equivalente à meta adotada.

Page 119: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

119

APÊNDICE 2

O modelo de Galí & Gertler (2007)

Galí & Gertler (2007) iniciam a apresentação do modelo condensado49 pela

especificação da equação de demanda agregada. Esta é derivada a partir da soma de dois

componentes de demanda, consumo e investimento, com base no processo de

maximização de consumidores e empresas, respectivamente. Tem-se:

(1) yt = - γcσrrlt + γiηqt

Onde yt é o gap do produto, rrlt é o gap da taxa real de juros de longo termo e qt é o gap

na razão Tobin’s q50. Os parâmetros γc e γi são, respectivamente, as porcentagens do

consumo e do investimento no produto de steady-state; enquanto σ e η são,

respectivamente, a elasticidade intertemporal de substituição e a elasticidade da razão

investimento/capital em relação à razão Tobin’s q (Galí & Gertler, 2007).

Um aumento da taxa real de juros de longo termo, acima de seu valor natural, tem

impacto negativo sobre os gastos de consumo, pois os consumidores têm maiores

estímulos para aumentarem suas poupanças, dadas as condições de maximização. Para

que os efeitos da política monetária sejam mais esclarecidos, é necessário definir o gap

da taxa real de juros de curto termo:

(2) rrt = (it – Etπt+1) – rnt

Sendo rrt o gap da taxa real de juros de curto termo, it a taxa nominal de juros de curto

termo, Etπt+1 a expectativa de inflação e rnt o valor de equilíbrio da taxa real de juros de

curto termo.

49 A versão exaustiva do modelo pode ser estudada no apêndice de Galí & Gertler (2007). A versão condensada, no entanto, é suficiente para uma análise qualitativa dos principais insights do modelo. 50 A razão Tobin’s q é definida como a razão entre o valor de mercado dos ativos de uma empresa e o valor de custo (substituição) desses mesmos ativos. Um gap positivo de qt, portanto, significa uma sobrevalorização de mercado dos ativos da empresa face ao valor que seria observado sob flexibilidade de preços. Neste caso de sobrevalorização a empresa tem estímulos para aumentar seus investimentos. Na equação IS, naturalmente, a razão q está em termos agregados.

Page 120: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

120

O modelo adota a hipótese das expectativas de estrutura a termo, segundo a qual a taxa

real de juros de longo termo é formada pela somatória das taxas esperadas de curto

termo, dentro do horizonte em consideração. Logo, dada a rigidez nominal de curto

prazo, um aumento do gap da taxa real de curto termo tem impacto direto sobre o gap

de longo termo, e assim sobre as decisões de gasto dos agentes.

Ademais, uma elevação da taxa de longo termo significa, além da redução do consumo,

um estímulo para reduções dos investimentos, visto que a razão Tobin’s q depende das

taxas de desconto sobre o valor do capital, as quais dependem, por sua vez, da trajetória

esperada das taxas reais de curto termo.

A equação de oferta agregada é fundamentada no comportamento de price-setters das

firmas, em um contexto de competição imperfeita. Em cada período um conjunto de

firmas ajusta seus respectivos preços a vigorarem em um múltiplo de períodos, em

conformidade com os trabalhos de Calvo (1983), Nakamura & Steinsson (2007) e

Alvarez (2007). O ajuste de preços é feito com base em uma média ponderada dos

custos marginais correntes e dos custos marginais esperados no futuro, e as firmas que

não estão ajustando os preços em um dado período estão ajustando as quantidades,

acomodando-as à demanda51. Logo, rigidezes nominais permitem ao produto flutuar em

torno do produto potencial (Galí & Gertler, 2007). Seja:

(3) πt = β Etπt+1+κyt + ut

Em que πt é a inflação corrente, Etπt+1 são as expectativas inflacionárias, yt é o gap do

produto e ut é um choque de oferta (cost push shock), tal como em Clarida, Galí &

Getler (1999). Por sua vez, β representa o coeficiente de sensibilidade da inflação

corrente em relação às expectativas de inflação, e κ representa a sensibilidade da

inflação corrente em relação ao gap do produto. De certa forma, κ expressa a

sensibilidade dos custos marginais em relação às flutuações do produto e a freqüência

de ajuste de preços por parte das firmas (Galí & Gertler, 2007).

51 A microfundamentação completa da equação de oferta agregada pode ser melhor estudada em Galí & Gertler (2007).

Page 121: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

121

Na visão de Galí & Gertler (op. cit.), a equação (3) seria uma “nova” curva de Phillips e

se diferenciaria da “velha”. Enquanto esta última teria caráter backward-looking e sem

microfundamentação teórica, a nova curva de Phillips teria caráter forward-looking: a

inflação corrente depende explicitamente das expectativas de inflação e gap do produto

no futuro; além disto, para os autores, essa nova equação teria sua especificação

fundamentada no comportamento racional e otimizador das firmas.

Clarida, Galí & Gertler (1999) e Woodford (2003) apontam para uma implicação da

nova especificação da curva de Phillips, que seria chamada de “viés estabilizador”

(stabilization bias). Uma vez que a inflação corrente está ancorada nas expectativas de

inflação e produto, um BC com perfeita credibilidade poderia desfrutar de condições

ótimas de desinflação: ao sinalizar para os agentes, de forma crível, que a política

monetária está comprometida, em todos os períodos, com a estabilização inflacionária

qualquer que sejam os custos em termos de contração do produto, as expectativas de

inflação e de produto seriam tais que permitiriam a estabilização de preços corrente,

sem que fosse necessária uma contração do produto corrente abaixo de seu nível

potencial como resposta a expectativas de pressões de custos.

No entanto, na medida em que o BC não possua a credibilidade necessária, os agentes

antecipam uma inconsistência do anúncio inicial: uma vez chegado o próximo período,

o BC teria estímulos para demorar em contrair o produto. Dessa idéia surgem

motivações para o estabelecimento de mecanismos de compromisso, que melhorem a

credibilidade do BC e façam emergir condições superiores de desinflação.

A política monetária requer uma regra de feedback, através da qual o BC ajuste a taxa

nominal de juros de curto termo segundo a observação de alguns indicadores e

informações disponíveis. Tem-se:

(4) rTt = rnt + φπ πt + φy yt

Em que rTt é a meta de taxa nominal de juros de curto prazo, rnt é a taxa natural de juros,

πt é a inflação e yt o gap do produto; sendo φπ > 1, e φy 0. Assim, por (4), o BC

escolhe uma meta para a taxa nominal de juros de curto termo, de acordo com a

observação da inflação e do gap do produto, assim como da taxa natural de juros. Na

Page 122: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

122

situação ideal em que a inflação seja zero e o produto esteja em seu nível potencial, a

taxa nominal de juros será colocada ao nível da taxa natural de juros, ou seja, rTt = rnt = it

– Etπt+1. Em outras palavras, rrt = 0.

Para fazer com que a taxa nominal de juros corrente seja igual à meta adotada, o BC

ajusta a quantidade de moeda em circulação, de acordo com o nível de demanda por

moeda corrente. Segundo Galí & Gertler (2007), essa opção por uma meta de taxa de

juros evita sua instabilidade, que decorreria de uma meta de agregado monetário.

A regra de taxa de juros (4) pode ser interpretada como uma regra de Taylor (1993). A

imposição de φπ maior que a unidade significa que o BC aumenta a taxa real de juros

sempre que houver um aumento da taxa de inflação. Essa idéia é o que se chama na

literatura por “princípio de Taylor”. Clarida, Galí & Gertler (1998) buscaram mostrar

que, durante os anos 60 e 70, as principais economias do globo conviviam com forte

instabilidade inflacionária, basicamente porque seus bancos centrais não se adequavam

ao princípio de Taylor, ou seja, não aumentavam adequadamente as taxas reais de juros

face às pressões inflacionárias. A partir dos anos 80, por outro lado, o mundo começa a

conviver com uma era de estabilidade de preços.

Os testes estatísticos realizados (Clarida, Galí & Gertler, 1998)52 demonstraram que os

bancos centrais das principais economias (EUA, Alemanha e Japão) modificam sua

postura diante das pressões inflacionárias, em comparação com os anos 60 e 70. A partir

dos anos 80, face a um aumento da taxa de inflação, esses bancos elevam de forma

evidente as respectivas taxas reais de juros, incorporando em sua política o princípio de

52 Os autores testam a significância estatística de uma regra de política monetária para países do G3 (Alemanha, Japão e EUA) e do E3 (França, Reino Unido e Itália). Esta regra de política consiste de uma versão forward-looking da regra de Taylor, ou seja, uma função reação do BC determinada pelos desvios das expectativas de inflação e produto em relação a suas metas. O período de análise se inicia em 79, e os autores querem mostrar que as taxas de juros nominais de curto prazo, em especial no G3, respondem grandemente às variações das previsões de inflação e produto, o que caracteriza um comportamento prospectivo, ao invés de retrospectivo, dos BCs nesses países. Os autores são motivados pela percepção de uma mudança de performance das principais economias do mundo, a partir de 79, no que diz respeito ao controle da inflação. Os anos 70 foram anos em que a espiral inflacionária surgia como um problema aparentemente intratável; a partir de 79, os principais Bancos Centrais do mundo conseguiram impor relativo controle das taxas de inflação, conduzindo a economia global para uma “era de estabilidade de preços”. Logo, os autores querem identificar as características do comportamento da política monetária nos principais países do mundo, a partir de 79, para se compreender como houve essa transição para uma era de estabilização inflacionária. A explicação estaria basicamente na obediência ao princípio de Taylor, demonstrada pelo G3 a partir dos anos 80.

Page 123: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

123

Taylor. Assim, a equação (4) representaria relativamente bem a prática da política

monetária contemporânea (Galí & Gertler, 2007).

No entanto, a equação (4) não captura a tendência atual de suavização das taxas de

juros. De fato, os bancos centrais costumam ajustar as taxas de juros apenas

parcialmente, face à meta escolhida, dando evidente preferência por gradualismo na

política monetária. Uma equação que dá forma a essa suavização seria:

(5) it = (1 – ρ) rTt + ρ i t-1

Em que ρ é o coeficiente de suavização (smoothing). Estudos empíricos mostram que ρ

usualmente fica entre 0,6 e 0,9 (Galí & Gertler, op. cit). Assim, por (5), o BC ajusta a

taxa nominal de juros de curto prazo de acordo com rTt apenas parcialmente, dando peso

expressivo ao valor de it-1.

Page 124: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

124

APÊNDICE 3

Algumas controvérsias empíricas

Existem evidências empíricas sobre a eficácia do regime de metas de inflação? A

adoção do regime por um país promove melhorias em termos de performance

econômica? Ou seja, ao adotar o regime de metas de inflação de forma consistente, uma

economia pode contar com maior estabilidade das taxas de inflação e crescimento

econômico?

Um ponto de partida para as respostas a essas questões é o trabalho de Ball & Sheridan

(2003). Os autores argumentam que parece não existir efeitos importantes sobre a

performance econômica dos países que adotaram o regime de metas, quando

comparados com países que não o adotaram, embora o estudo, segundo os mesmos, não

seja uma tese contra a adoção do regime. Eles estudam o comportamento de 20 países

da OCDE, sendo 7 sob metas (targeters) e 13 sem metas de inflação (non-targeters), a

partir do início dos anos 90, por meio de uma divisão entre um período antes da adoção

das metas e um período após a adoção das mesmas.

Mais precisamente, os autores querem medir se a adoção do regime de metas impacta

substancialmente a mudança de performance dos países, dada a performance inicial dos

mesmos. Metodologicamente, por exemplo, os autores coletam a inflação para cada

país, durante os períodos pré-adoção e pós-adoção de metas. Em seguida, eles separam a

inflação dos países targeters da dos non-targeters, e calculam a inflação média de

ambos os grupos, a fim de saberem se existe uma diferença sistemática de performance.

Ball & Sheridan (2003) argumentam que os países targeters, na amostra adotada,

tendem a apresentar elevada inflação no período pré-metas, e forte redução na taxa de

inflação após a implantação das metas. No entanto, uma vez que se introduza a inflação

inicial enquanto variável explicativa da performance, a redução da inflação parece

similar entre países targeters e non-targeters. Da mesma forma, ao controlar a regressão

para a performance inicial dos países, a taxa de crescimento do produto, assim como a

variabilidade dessa taxa no período, também não sugere benefícios com a adoção das

metas. Os testes feitos pelos autores vão na direção oposta da afirmação de Mishkin

Page 125: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

125

(1999), segundo a qual, países que adotaram o regime de metas, após terem

desinflacionado suas economias, experimentaram forte crescimento do produto.

Para os proponentes da adoção de metas, o regime reduz permanentemente a inflação,

ao passo que eventos adversos podem reacender processos inflacionários sob políticas

“ just do it” – políticas estritamente discricionárias. Se o público acredita nesse

argumento, então as metas devem reduzir as expectativas de inflação e a incerteza

inflacionária (Ball & Sheridan, 2003). Neste caso, as taxas de juros de longo termo

deveriam sofrer reduções (King, 2002). Ball & Sheridan (op. cit.) buscam testar o

impacto da adoção de metas sobre as relações estruturais das economias estudadas. Para

tanto, eles apresentam o seguinte modelo simples:

(1.1) ∆π = a (y – y*)

(1.2) ∆π = Κ0 + b (∆pcom – πUS)

(1.3) πfore = K1 + c π(−1)

Em que y* é a tendência do produto, pcom é um índice de preços das commodities, πUS é

a inflação nos EUA e πfore é uma previsão de inflação da OCDE. Os coeficientes a, b e c

medem, respectivamente, o trade-off entre inflação e produto, a penetração dos choques

de oferta na variação da inflação e a correlação entre a inflação esperada e a inflação

passada. Para Bernanke et al. (1999), a adoção do regime de metas é uma forma de

ancorar a inflação, o que reduz c, e torna a inflação menos vulnerável a choques, o que

reduz b.

Para Corbo et al. (2002), a adoção do regime também reduz o custo de desinflação, o

que reflete uma diminuição em a. Todavia, Ball & Sheridan (2003) apresentam testes

que não corroboram com tais proposições teóricas: países targeters e non-targeters

tiveram mudanças nos parâmetros ao longo do período, contudo tais mudanças não

podem ser associadas à adoção ou não do regime.

Page 126: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

126

Neumann & von Hagen (2002), em trabalho intitulado “Does inflation targetind

matter?”, também estudam a volatilidade da inflação, do produto e das taxas de juros,

entre grupo de países ao longo do tempo. No entanto, Neumann & von Hagen chegam à

conclusão de que, tomadas em conjunto, as evidências confirmam que as metas de

inflação têm efeitos benéficos. Eles comparam os resultados estabilizadores alcançados

pelo Bundesbank (BC alemão, e exemplo de non-targeter) com os alcançados em países

targeters. Eles associam a estabilidade alcançada por esses últimos à adoção das metas

de inflação. Assim, países instáveis convergiriam para a “estabilidade alemã” ao

adotarem o regime de metas de forma consistente.

Por sua vez, Ball & Sheridan (2003) também argumentam que existem similaridades de

performance entre países targeters e non-targeters, porém isto não seria causado pela

adoção ou não das metas de inflação. Segundo os últimos autores, a principal diferença

entre seu trabalho e o de Neumann & von Hagen (2002) pode ser o tratamento

estatístico, por meio do que chamam de “regression to the mean”. Ao controlarem os

testes para as condições iniciais das economias, efeitos espúrios são expurgados, e as

evidências não mostrariam correlação entre adotar metas e a performance das

economias.

Como se pode perceber, existem sérias controvérsias no que diz respeito às evidências

empíricas a favor ou contra os benefícios do regime de metas de inflação (Inflation

Targeting). Clifton et al. (2001) defendem que as metas tornam a curva de Phillips mais

vertical, pelo que se diminui a correlação entre moeda e produto real e as taxas de

sacrifício face ao controle inflacionário; Sheridan (2001) defende que o regime restringe

movimentos nas expectativas de inflação, ou seja, a adoção de metas de inflação

ajudaria a ancorar as expectativas de inflação.

Esse último argumento converge com a defesa de Mishkin (1999), qual seja, a de que

uma das vantagens do regime de metas seria reduzir as chances do problema de

inconsistência temporal da política monetária53. Ao contribuir para delimitar o debate

53 Trata-se da idéia de que uma política monetária discricionária, sem um aparato institucional que a force a respeitar certas regras, conduz a economia para um equilíbrio sub-ótimo, com taxa de desemprego natural e inflação excessiva. A ausência de regras e de instrumentos institucionais de compromisso é traduzida por uma busca, pelo governo, de um produto acima do nível potencial, mediante moeda em excesso.

Page 127: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

127

público em torno do que o BC pode realmente fazer no longo prazo – i.e. controlar a

inflação -, o regime de metas de inflação estaria restringindo as pressões políticas por

elevação do produto via expansão inflacionária. Logo, sob o regime de metas as

expectativas seriam mais estáveis. Por sua vez, Corbo et al. (2002) defende que as metas

aumentam a previsibilidade da inflação.

Alguns críticos do regime de metas de inflação podem argumentar que a taxa de

inflação é uma variável de difícil controle ou previsão por parte das autoridades

(Ceccchetti, 1995). No entanto, Bernanke & Mishkin (1997) argumentam que a

imprevisibilidade empírica da inflação está associada também aos condicionantes

institucionais vigentes em cada período histórico. Até os anos 70, quando a inflação se

acelera pelos choques do petróleo e os Bancos Centrais lidavam com questões

estagflacionistas, a alta volatilidade da inflação reduz as chances de previsibilidade da

mesma. Contudo, a partir dos anos 80, com maior preocupação em manter a taxa de

inflação sob controle, os países industrializados adotam políticas monetárias mais

estáveis e coerentes com a estabilização de preços. É natural que com uma maior

estabilidade das taxas de inflação observadas haja maior previsibilidade das mesmas,

mesmo que algum grau de incerteza ainda resista.

Obviamente, a estabilidade de preços e a conseqüente previsibilidade inflacionária não

requerem necessariamente a adoção do regime de metas de inflação, embora os

“advogados” do regime busquem demonstrar que um caminho mais rápido e eficiente

para a estabilidade de preços seja a adoção de metas inflacionárias e de suas

correspondentes instituições monetárias, o que vai contra os testes de Ball & Sheridan

(2003).

Uma das razões possíveis para as divergências entre os resultados alcançados nos testes

empíricos seria a diferença metodológica ou estatística dos mesmos. Uma vez que os

testes são feitos com base em metodologias estatísticas diferentes, uma comparação de

resultados entre os mesmos perde significância; ademais, pode-se argumentar que

muitos países que não adotam o regime de metas de inflação, mas que adotam uma meta

de inflação implícita, tais como Alemanha e EUA, seguem uma regra de política

monetária muito semelhante à dos países que adotam as metas explicitamente. Para

Mankiw (2001), os EUA seriam um “covert” de inflation targeter. Desta forma,

Page 128: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

128

comparações entre esses países não conseguem isolar os efeitos da adoção ou não

adoção do regime de metas (Ball & Sheridan, 2003).

Quanto aos efeitos da adoção do regime sobre as expectativas de inflação, segundo

Posen & Laubach (1997), não existe evidência de que a introdução do regime de metas

de inflação reduz automaticamente as expectativas inflacionárias dos agentes privados.

Estas são reduzidas gradualmente na medida em que o Banco Central demonstra

credibilidade, ou seja, na medida em que ele consegue entregar taxas de inflação em

conformidade com as metas estipuladas.

Essa também é a argumentação de Debelle & Fischer (1994). Para King (1996), a

hipótese de que as expectativas convergem imediatamente para a meta anunciada não

pode ser levada a sério em um mundo de incertezas, no qual os agentes demoram certo

tempo para aprenderem e avaliarem as reais intenções do BC na condução da política

monetária. Portanto, a melhor hipótese é a de que existe algum grau de inércia nas

expectativas, relativo a formas de aprendizagem dos agentes.

Argumentações muito favoráveis acerca da adoção do regime de metas de inflação

podem ser encontradas em King (2002). Em primeiro lugar, o autor mostra que a

inflação ao consumidor, na Inglaterra, se tornou menor e menos volátil a partir da

introdução do regime de metas, quando comparado com a taxa de inflação durante os

anos anteriores (1950 – 1992). Com efeito, de 1993 a 2002, a inflação na Inglaterra

apresentou uma taxa média de 2,49% ao ano, e um desvio-padrão de 0,24. De 1950 a

2002, a taxa média de inflação foi de 5,93% a.a., e o desvio-padrão de 1,41.

As taxas de juros de curto e longo prazos também se tornaram menores após a

introdução do regime de metas no Reino Unido, o que seria conseqüência de reduções

nas expectativas de inflação e no prêmio de risco associado à incerteza de inflação

(King, 2002). Ademais, o crescimento econômico durante a vigência do regime se

tornou maior, na média, do que o observado nos anos anteriores, com exceção do

período 60-69 que mostrou crescimento pouco superior. No entanto, após o regime, o

crescimento econômico no Reino Unido foi o menos volátil em todo o período 1950-

2002.

Page 129: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

129

King (2002) se pergunta sobre as causas de uma contribuição do regime de metas para a

maior estabilidade econômica. E sua resposta seria a de que a política monetária teria se

tornado mais sistemática e previsível. Haveria uma ancoragem das expectativas de

inflação em torno de 2,5% ao ano na Inglaterra. Os agentes sabem que o BC vai agir no

sentido de eliminar os efeitos dos choques, levando a inflação corrente para a meta

fixada. A função-resposta do BC teria se tornado mais estável e previsível do que antes

do regime de metas, além de ter se tornado mais compreensível para o público em geral:

a política monetária não estaria mais adicionando incerteza ou instabilidade ao sistema

econômico como fazia anteriormente.

Apesar das controvérsias empíricas acerca dos benefícios de se tornar um targeter, não

se pode, argumentar definitivamente contra o regime de metas. Ball & Sheridan (2003),

por exemplo, afirmam que existem motivações políticas para a adoção do regime: a

abertura ou transparência promovida por Inflation Targeting é consistente com os

princípios de uma sociedade democrática (Bernanke et al., 1999). Por outro lado,

durante a maior parte de operação dos regimes de metas, as economias têm

experimentado anos de “calmaria”. No futuro, grandes choques como os dos anos 70 ou

fortes pressões políticas por políticas inflacionárias podem mostrar se as metas geram

maior eficácia do que políticas “just do it”. Com uma amostra temporal mais ampla e

cobrindo eventos críticos, novos estudos empíricos podem mostrar, daqui a 25 ou 50

anos, que o regime de metas melhora a performance das economias, ainda que, até os

nossos dias, não haja tais evidências (Ball & Sheridan, op. cit.).

Page 130: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

130

APÊNDICE 4

O modelo de Ball (1999b): flexibilidade em economias abertas com IT

Um dos objetivos em Ball (1999b) é o de demonstrar que o regime de metas de inflação

precisa receber uma modificação em sua regra de instrumento quando se trata de

economias abertas. Uma vez que a política monetária afeta a economia por meio da taxa

de juros e da taxa de câmbio, em economias abertas, torna-se preciso uma nova

especificação da regra de instrumento, ou um novo processo de otimização da política

monetária. O regime estrito de metas de inflação, nas versões apresentadas em Svensson

(1997) e Ball (1999a), torna-se subótimo em economias abertas.

No entanto, é possível tornar o regime de metas eficiente através de determinadas

mudanças. Em primeiro lugar, a regra de política passa a ser uma soma ponderada da

taxa de juros e da taxa de câmbio – um “Índice de Condições Monetárias”; em segundo

lugar, a regra substitui a inflação por uma “inflação de longo prazo”, na qual estão

expurgadas as variações transitórias na taxa de câmbio (Ball, 1999b).

Utilizar um regime estrito de metas de inflação em uma economia aberta pode trazer

resultados indesejáveis, já que o canal mais rápido para se mudar a inflação é o da taxa

de câmbio. Caso seja necessário um ajuste veloz na inflação, a política monetária visará

grandes alterações na taxa de câmbio, pelo que haverá forte variação do produto, tanto

via variação cambial quanto via ajuste da taxa de juros. Neste caso, a variância do

produto é amplificada. Ou seja, segundo Ball (op. cit.), a aplicação do regime estrito de

metas de inflação amplifica a instabilidade econômica em economias abertas. Como

torná-lo apropriado e eficiente nestes casos?

O modelo parte de Ball (1999a) e Svensson (1997), expandido-o para uma economia

aberta:

(1) y = -βr-1 – δe-1 + λy-1 + ε

(2) π = π-1 + αy-1 – γ(e-1 – e-2) + η

Page 131: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

131

(3) e = θr + ν

A equação 1 é uma equação IS dinâmica para uma economia aberta: o produto (y)

depende de seu valor em -1, da taxa real de juros (r) em -1, da taxa real de câmbio (e)

em -1 e de um choque de demanda (ε); a equação 2 é uma curva de Phillips para uma

economia aberta: a inflação (π) depende de seu valor em -1, do produto em -1, de uma

variação defasada na taxa real de câmbio (e-1 – e-2) e de um choque de oferta (η); a

equação 3 concede uma relação entre a taxa real de câmbio e a taxa real de juros: quanto

maior for a taxa real de juros, maior será a taxa real de câmbio (apreciação cambial), e

vice-versa54; por outro lado, o câmbio também é afetado por um choque (ν), que

expressa mudanças nas expectativas, na confiança do investidor e/ou nas taxas

internacionais de juros. Todas as variáveis representam desvios em relação a seus

valores médios tendências e todos os parâmetros do modelo são positivos. Neste caso,

está implícita a noção de uma tendência histórica para as variáveis do modelo.

O objetivo geral do modelo, segundo Ball (1999b), é o de capturar a sabedoria

convencional a respeito dos principais efeitos da política monetária sob uma forma

simplificada. Uma mudança na taxa de câmbio afeta diretamente a inflação (equação 2)

um período à frente, e indiretamente, através do impacto sobre o produto (equação 1 e

2), dois períodos à frente. Existem dois canais pelos quais a política monetária pode

afetar a inflação: o primeiro canal é mais rápido, através das variações na taxa de

câmbio – uma variação em r gera uma variação em e, que por sua vez vai afetar π+1; o

segundo canal, via mudança no produto, é mais lento: variações em r geram variações

em y+1, que geram variações em π+2.

Segundo Taylor (1994), uma regra de política monetária ótima é aquela que minimiza

uma soma ponderada das variâncias da inflação e do produto, sendo que os pesos

relativos dessas variáveis dependem das preferências das autoridades. Em Ball (1999a)

uma regra é “eficiente” quando ela é ótima para uma dada preferência do BC, ou

quando ela coloca a economia sobre a “fronteira variância da inflação/variância do

produto”. Ball (1999b) segue esse argumento. O autor quer chegar ao que ele chama de

54 A definição de apreciação cambial está invertida em relação à definição brasileira. Em Ball (1999b) uma apreciação significa aumento da taxa de câmbio, e depreciação significa redução da taxa de câmbio.

Page 132: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

132

Índice de Condições Monetárias, uma regra que se constitui de uma soma ponderada da

taxa de câmbio e da taxa de juros.

Substituindo (3) em (1) para eliminar r do modelo, e colocando as equações forward

looking:

(4) y+1 = -(β/θ + δ)e + λy + ε+1 + (β/θ)ν

(5) π+1 = π + αy - γ(e – e-1) + η+1

As “variáveis de estado” do modelo são duas expressões do lado direito das equações

(4) e (5): [λy + (β/θ)ν] e [π + αy +γe-1].

A trajetória futura da economia depende dessas duas expressões, da regra para a taxa de

câmbio e dos choques futuros. Uma vez que o modelo é quadrático-linear, a regra ótima

pode ser expressa por uma equação linear das duas variáveis de estado:

(6) e = m[λy + (β/θ)ν] + n[π + αy +γe-1], sendo que m e n são constantes a serem

determinadas.

A escolha da taxa de câmbio depende do choque ν e das variáveis observáveis. Pela

equação (3), ν pode ser substituído por e - θr. Fazendo-o e rearranjando os termos:

(7) wr + (1-w)e = ay + b (π + γe-1)

Sendo w, a e b novos parâmetros, usados para simplificar a operacionalização do

modelo, e que equivalem a combinações dos demais parâmetros55.

Para Ball (1999b), a equação (7) representa uma regra ótima de política para a média

ponderada de r e e. Trata-se do Índice de Condições Monetárias.

55 Conferir Ball (1999b) para maiores detalhes.

Page 133: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

133

A regra ótima em uma economia aberta é dada por uma regra de escolha de r e e. Por

outro lado, a inflação é substituída por uma previsão de “inflação de longo prazo” (π +

γe-1)56, a qual pode ser entendida como uma inflação expurgada dos movimentos

transitórios na taxa real de câmbio, sob a hipótese de que o produto é mantido em seu

nível natural (Ball, 1999b). De fato, está implícita a idéia de que a taxa real de câmbio

converge para seu valor de longo prazo, à medida que os choques são absorvidos e o

produto esteja em seu nível potencial.

Em uma economia aberta, a política monetária pode afetar a inflação em um período à

frente, através da taxa de câmbio. Logo, metas estritas impõem:

(8) E[π+1] = 0, sendo E o símbolo para esperança matemática.

Isso força o BC a gerar grandes variações cambiais, já que apenas essa variável pode

afetar a inflação em t+1. Substituindo (5) em (8):

(9) e = (α/γ)y + (1/γ) (π + γe-1)

Note que (9) é uma versão reduzida de (7): neste caso, o Índice de Condições

Monetárias equivale a uma regra de taxa de câmbio. O regime faz a inflação convergir

para a meta em um período, porém o choque impõe oscilações maiores na taxa de

câmbio e no produto.

Para se contornar a instabilidade imposta pelo regime estrito, mirar a inflação dois

períodos à frente seria uma idéia intuitiva. Esta regra é eficiente no modelo com

economia fechada (Ball, 1999a; Svensson, 1997). Na economia aberta, entretanto, a

inflação é alterada a todo período, por meio da taxa de câmbio.

Embora E[π+1] = 0 a todo período implique E[π+2] =0 também a todo período, existem

políticas alternativas em que E[π+2] =0, mas não necessariamente E[π+1] = 0 (Ball,

56 Numa notação brasileira, em que uma depreciação significaria aumento em e, a expressão ficaria (π - γe-1).

Page 134: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

134

1999b). Neste caso, deve existir um outro critério para se estabelecer uma regra de

política monetária, já que existem múltiplas alternativas para a mesma.

Metas estritas de inflação de longo prazo são regras que minimizam a variância de π*

(=π + γe-1). Note que (2) pode ser reescrita como:

(10) π* = π* -1 + αy-1 + η

Elimina-se a taxa de câmbio de ambos os lados. Logo, a política afeta a inflação apenas

em dois períodos à frente, via produto, visto que 10 expurga os efeitos das variações

transitórias da taxa de câmbio sobre a inflação. Isto implica:

(11) E[π∗+2] = 0.

Já que π* não é afetada pelo câmbio, a política usa apenas o produto para afetar a

inflação, dois períodos à frente. Isto evita a ampliação da variância do câmbio e do

produto, em comparação com um regime de metas de inflação que não leve em

consideração os efeitos transitórios do câmbio sobre os preços.

Um mecanismo adicional de flexibilização do regime de metas para economias abertas

pode ser expresso pela condição:

(12) E[π∗+2] = q E[π∗+1]

Esta regra é semelhante a que é ótima para uma economia fechada com ajuste gradual

(Svensson, 1997). Ajusta-se as expectativas de inflação para t+2 segundo uma

proporção das expectativas para t+1. Quanto maior q, mais gradual é o ajuste das

expectativas de inflação pela política monetária e menor é a variância do produto, sendo

q um parâmetro que mede o peso dado à estabilização do produto pelas autoridades.

Na prática, BCs não ajustam a meta de inflação para as variações no câmbio, mas isso

pode ocorrer implicitamente. Por exemplo: quando a moeda doméstica está muito forte,

Page 135: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

135

o BC pode manter a inflação abaixo da meta, já que se espera uma eventual depreciação

do câmbio (Ball, 1999b). Isto assemelha-se a mirar π*.

Substituindo (10) e (1) em (12):

(13) w’r + (1-w’)e = a’y + b’π∗

Sendo w’, a’ e b’ combinações de parâmetros57. Mirar π* produz resultados mais

estáveis para o produto do que mirar π. Isto ocorre mesmo quando se mira π* de forma

estrita – fazendo-se E[π∗+2] = 0 (Ball, 1999b). No entanto, mirar π* estritamente é

relativamente ineficiente. À medida que q cresce, torna-se necessário ajustar π*

gradualmente – fazendo-se E[π∗+2] = q E[π∗+1].

57 Conferir Ball (1999b).

Page 136: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

136

APÊNDICE 5

A derivação da regra ótima ortodoxa pela minimização da função perda

(5) L t = j1 (Yt - Y

p)2 + j2 (Πt - Πn)2

A condição de mínimo para a função perda social pode ser colocada como:

(5.1) dL t/dΠt = 0

Do que se derivam as seguintes expressões:

(5.2) 2j2(Πt - Πn)( Πt’) = 0

(5.3) 2j2(Πt - Πn) = 0

(5.4) Πt = Πn

Substituindo a equação 1.2 em 5.4, tem-se:

(5.5) τ(Πet − Πn) + ϖ(Yt-1 - Y

p) + gt = 0

(5.6) τ(Πet − Πn) + ϖ[m(Y t-2 - Y

p) - n(Rt-2 - Rn) + ηt-1] + g t = 0

A forma reduzida de 5.6 dá origem – considerando-se os choques como zero:

(5.7) τ(πet) + ϖ[m(y t-2) - n(rt-2)]= 0

Substituindo as expectativas de inflação pela inflação em t-1:

(5.8) τ(πt-1) + ϖ[m(y t-2) - n(rt-2)]= 0

(5.9) τ(πt-1) + ϖm(yt-2) - ϖn(rt-2) = 0

Page 137: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

137

Isolando a taxa de juros:

(5.10) τ(πt-1) + ϖm(yt-2) = ϖn(rt-2)

(5.11) rt-2 = (τ/ϖn) πt-1 + (m/n) yt-2

Fazendo uma iteração dois períodos à frente:

(5.12) rt = (τ/ϖn) πet+1 + (m/n) yt

Novamente, substituindo as expectativas de inflação pela inflação imediatamente

anterior, chega-se a uma regra ótima de instrumento, semelhante à obtida na equação 3:

(5.13) rt = (τ/ϖn) πt + (m/n) yt

Page 138: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

138

APÊNDICE 6

Função endogenia do produto potencial: uma especificação com duas defasagens

Seja:

Ypt = Yp

t-1 + υ[1/2(Yt-1 - Yp t-1) + 1/2(Yt-2 - Y

p t-2)]

A equação mostra que o produto potencial em t será igual ao produto potencial em t-1

somente se não houver desvios do produto em t-1 e t-2. Caso contrário, o produto

potencial em t pode ser maior ou menor que seu valor em t-1, dependendo do desvio

médio entre t-1 e t-2. Como os empresários tentam apreender a “tendência dos desvios”

e não apenas o tamanho do desvio do produto em um único período, a equação leva em

consideração o desvio médio entre t-1 e t-2. A equação poderia levar em conta uma

maior defasagem para o desvio médio (três a quatro períodos); por motivo de

simplificação, usa-se apenas uma defasagem de dois períodos. O parâmetro υ é positivo

e menor que 1. Quanto maior seu valor, maior será o ajuste do produto potencial ao

desvio médio, o que expressa uma maior sensibilidade do investimento privado ao

comportamento da renda observada. O modelo com exogenia do produto potencial,

obviamente, supõe υ igual a zero.

Page 139: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

139

APÊNDICE 7

Uma possível correlação entre produto potencial e desemprego natural

∆%yp = ∆ %PEA x ∆%K x ∆%PTF

Sendo ∆%yp a taxa de crescimento do produto potencial no longo prazo, ∆ %PEA a taxa

de crescimento da população economicamente ativa, ∆ %K a taxa de crescimento do

estoque de capital e ∆ %PTF a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores.

Para a concepção ortodoxa, a taxa de crescimento do produto potencial é determinada

exclusivamente pelos fatores reais, não havendo correlação entre a taxa de crescimento

do produto efetivo e ∆%yp. Numa visão heterodoxa, por outro lado, ∆%yp depende das

flutuações do produto efetivo. Seja:

∆ %K = f (∆ %y – ∆ %yp), sendo f ’ > 0.

Em que (∆ %y – ∆ %yp) é o gap do crescimento. Assim, o crescimento do estoque de

capital, por meio dos investimentos induzidos, depende do comportamento do

crescimento efetivo do produto. Seja:

µ = f (∆ %PEA/ ∆ %yp), sendo f ’ > 0.

Em que µ é a taxa de desemprego de longo prazo ou taxa natural de desemprego. Para

ortodoxos, a relação de longo prazo entre ∆ %PEA e ∆ %yp é dada e não depende da

demanda agregada. Assim, tem-se uma NAIRU inflexível. Para heterodoxos, por outro

lado, as flutuações da demanda e do produto podem alterar as decisões de investimento

e a taxa de crescimento do capital. Logo, a relação entre ∆ %PEA e ∆ %yp também

varia no tempo.

Considerando-se ∆ %PEA uma variável pouco correlacionada com a renda no longo

prazo, ou de correlação com a renda menor em relação a ∆ %K, quanto maior a taxa de

crescimento potencial, menor a taxa de desemprego natural. Portanto, uma política

Page 140: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

140

monetária que induza maiores investimentos conduz a maiores taxas de crescimento

potencial, por meio de elevação de ∆ %K, e a menores taxas de desemprego natural, não

havendo a unicidade da NAIRU. Por outro lado, esta política expansionista não implica

necessariamente pressões inflacionárias ou aceleração da inflação no longo prazo, já que

a capacidade produtiva está se ajustando endogenamente e neutralizando efeitos

inflacionários transitórios decorrentes de ∆%y > ∆%yp. Esta desigualdade se dá no curto

prazo, porém estará gerando maiores ∆ %K e maiores ∆%yp no longo prazo, pelo que

não se pode supor a permanência de pressões de demanda.

Por outro lado, embora maiores taxas de crescimento potencial não impliquem

necessariamente taxas de crescimento efetivo superiores, pode-se dizer que, pela análise

acima, a ordem de causalidade é inversa. São as taxas de crescimento efetivas elevadas

que implicam em elevadas taxas de crescimento potencial. Trata-se da histerese do

produto, de maneira que a observação daquelas últimas está associada a taxas de

desemprego menores, dada a suposição de uma oferta de mão-de-obra mais ou menos

inelástica em relação à produção e a renda, e à suposição de um coeficiente de trabalho

constante.

Page 141: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

141

APÊNDICE 8

Uma expansão do modelo Lima & Setterfield (2008)

A idéia no trabalho de Lima & Setterfield (2008) é a de que a performance econômica

depende basicamente de um mix adequado de política econômica, dadas as condições

iniciais e os parâmetros do modelo. Especificamente, os autores querem mostrar que o

regime de metas de inflação é compatível com uma economia pós-keynesiana, desde

que sejam aplicadas as políticas necessárias pelo governo e BC. Quanto menos ortodoxa

for a política, maiores seriam as chances de estabilidade econômica, no âmbito do

regime de metas de inflação, em uma economia pós-keynesiana. Nas palavras dos

autores, “[...] that the more orthodox the policy blend becomes in a Post Keynesian

economy, the more adverse are the consequences for macroeconomic stability and the

viability of inflation targeting.”(LIMA & SETTERFIELD, op. cit., pp. 435)

As principais diferenças em relação ao modelo padrão da Nova Síntese podem ser

destacadas: i) o processo de determinação da inflação não depende de um gap explícito

entre produto e alguma forma de nível potencial exogenamente determinado; a inflação

depende crucialmente da capacidade dos trabalhadores de reivindicarem e efetivarem

aumentos nominais de salários, pelo que existe um componente institucional irredutível

sob análise; ii) o modelo não faz referência alguma a uma taxa natural de juros – pois a

mesma não existiria, enquanto taxa única, para a abordagem pós-keynesiana; iii)

destaca-se a política de rendas como forma de mediar os conflitos de classe e facilitar o

controle inflacionário, por meio do controle do componente de custos; iv) destaca-se a

questão da coordenação das política fiscal e monetária.

O modelo é desenvolvido sob uma especificação de equações diferenciais. No entanto,

pode-se apresentar o mesmo, para fins de simplificação e análise, sob uma especificação

de equações em diferenças finitas58. Sejam as equações:

(1) yt = y0t – a1rt

58 Há autores que apontam esta metodologia como a mais adequada ao estudo dos fenômenos econômicos, uma vez que a mesma daria melhor expressão ao caráter temporal, inercial e gradual dos fenômenos estudados (Possas, 1987)

Page 142: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

142

(2) pt = b +a2pT + a3yt + a4Zt

(3) rt – rt-1 = a5 (yt – ytT) + a6 (pt – pT)

(4) Zt – Zt-1 = - a7 (pt – pT)

Em (1), tem-se a curva de demanda agregada, sendo y o produto real, y0 a parcela não

dependente da taxa real de juros e r a taxa real de juros; em (2), vê-se a curva de Phillips

em uma especificação pós-keynesiana, sendo a taxa de inflação, a meta de inflação e Z

um indicador de capacidade de barganha dos trabalhadores por maiores salários

nominais; b é um componente autônomo ou inercial da inflação59.

Em (3), tem-se um tipo de regra de Taylor, embora não se faça menção a uma taxa

natural de juros; a taxa real de juros é aumentada pelo BC sempre que yt > ytT e/ou pt >

pT, em que ytT é uma meta de produto definida pelo governo. Aqui existe um ponto forte

de divergência para com o pensamento da Nova Síntese, pois este não aceita a idéia de

metas de produto real, dado que no longo prazo o nível de produção estaria dado pelas

forças reais ou de oferta na economia.

Por sua vez, em (4), coloca-se um tipo de regra de política de rendas, consistindo de um

conjunto de medidas institucionais formais ou não-formais que busquem amenizar os

conflitos entre trabalhadores e empregadores. Quando a inflação está acima da meta, o

governo busca reduzir a capacidade de barganha dos trabalhadores por maiores salários

nominais. Ademais, todos os parâmetros do modelo são maiores que zero.

Lima & Setterfield (2008) não entram no mérito da endogenia do produto potencial.

Todavia, uma expansão de seu modelo é possível, a fim de que seja considerada a

questão. A seguir, esboça-se uma tentativa nesse sentido. Seja a meta do produto (yT)

igual à capacidade de produção da economia. Seja um processo de endogenia dessa

capacidade, tal que:

59 De fato, Lima & Setterfield (2008) fazem pouca ou nenhuma menção a este componente.

Page 143: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

143

(5) ytT = yt-1

T + a8 (yt-1 – yt-1T)

Ou seja, a capacidade de produção corrente da economia depende do gap do produto em

t-1, sendo a8 maior que zero. Seja a regra do BC heterodoxo, com consciência da

endogenia, diante de um choque positivo de demanda:

(6) rt – rt-1 = a5 (yt – ytT) + a6(pt – pT) – a9 (Et [yt+1

T] – ytT)

A partir de (5), sabe-se que:

(7) Et [yt+1T] = yt

T + a8 (yt – ytT)

Logo, a partir de (6) e (7), a regra de política monetária expandida do BC (heterodoxo)

diante dos choques positivos seria:

(8) rt – rt-1 = (a5 - a9a8) (yt – ytT) + a6(pt – pT)

Observe-se que, em relação à regra convencional (3) e ortodoxa, o BC diminui a

intensidade da elevação da taxa real de juros, pelo componente a9a8. Por outro lado, face

a choques negativos de demanda, tem-se:

(9) rt – rt-1 = a5 (yt – ytT) + a6(pt – pT) + a9 (yt

T - Et [yt+1T])

Por meio de (7) e (9), chega-se à regra de política monetária heterodoxa face a choques

negativos de demanda:

(10) rt – rt-1 = (a5 + a9a8) (yt – ytT) + a6(pt – pT)

Observe-se que o BC reduz a taxa real de juros mais agressivamente quando há choques

negativos, em relação ao que ocorreria sob a regra (3). Essa postura face aos choques de

demanda é compatível com a idéia de que um BC consciente do princípio da demanda

efetiva no longo prazo leva em conta os efeitos permanentes da política monetária sobre

a dinâmica produtiva, pelo que atenção é dada aos impulsos para o produto potencial no

longo prazo.

Page 144: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. & GOODHART, C. A. E. (1998). “Does the Adoption of Inflation

Targets Affect Central Bank Behaviour?” Discussion Paper, London School of

Economics, Jan/1998.

ALVAREZ, L. J. (2007). “What Do Micro Price Data Tell Us on the Validity of the

New Keynesian Phillips Curve?”. Disponível em: http://www.unikiel.de/

ifw/konfer/phillips/alvarez.pdf.

ARESTIS, P. & CHORTAREAS, G.E. (2007). "Natural equilibrium real interest rate

estimates and monetary policy design." Journal of Post Keynesian Economics,

29(4), pp. 621-643, 2007.

ARESTIS, P. & SAWYER, M. “The New Consensus Macroeconomics: an unreliable

guide to policy”. Revista Análise Econômica, Porto Alegre, ano 26, n. 50, pp. 275-

297, Set/2008.

BALL, L. & SHERIDAN, N. (2003). “Does inflation targeting matter?”. NBER

working paper series, nº 9577, Mar/2003.

BALL, L. (1999a). “Efficient rules for monetary policy”. International Finance, v. 2,

n. 1, pp. 63-83, Apr/1999.

BALL, L. (1999b). “Policy rules for open economies”. In: TAYLOR, J. (ed.)

Monetary Policy Rules, University of Chicago Press, pp. 127-144, 1999.

BARRO, R. J. & GORDON, D. B. (1983a). “Rules, Discretion and Reputation in a

Model of Monetary Policy”. Journal of Monetary Economics, v. 12, n. 1, pp. 101-

121, Jul/1983.

BARRO, R. J. & GORDON, D. B. (1983b). “A positive theory of monetary policy in a

natural rate model”. The Journal of Political Economy, v. 91, n. 4, pp. 589-610,

Aug/1983.

BERNANKE, B. S. & GERTLER, M. (1995). “Inside the Black Box: The Credit

Channel of Monetary Policy Transmission”. Journal of Economic Perspectives,

9(4), pp. 27-48, 1995.

BERNANKE, B. S. & MISHKIN, F. S. (1997). “Inflation targeting: a new framework

for monetary policy?”. Journal of Economic Perspectives, v. 11, n. 2, pp. 97-116,

1997.

Page 145: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

145

BERNANKE, B. S., LAUBACH, T., MISHKIN, F. S. & POSEN, A. S. (1999).

“ Inflation Targeting: Lessons from the International Experience”. Princeton, New

Jersey: Princeton University Press, 1999.

BÉSOMI, D. (1996). “The Making of Harod´s Dynamics”. Doctoral Thesis,

Ph.D.Degree of Loughbourough University, October 1996.

BHADURI, A & MARGLIN, S. (1990). “Unemployment and the Real Wage: The

economic basis for contesting political ideologies”. Cambridge Journal of

Economics. v. 14, n. 4, 1990.

BLINDER, A. S. (1998). “Central banking in theory and practice”. Cambridge, MA:

MIT Press, 1998.

BLINDER, A. S. (2006). “Monetary policy today: sixteen questions and about twelve

answers”. CEPS working papers, nº 129, Jul/2006.

BOFINGER, P., MAYER, E. & WOLLMERSHAEUSER, T. (2003). “The BMW

model as a static approximation of a forward-looking New-Keynesian macro

model”. Jahrbuch für Wirtschaftswissenschaften / Review of Economics 54 (3), pp.

231-247, 2003.

BOFINGER, P., MAYER, E. & WOLLMERSHAEUSER, T. (2006). “The BMW

Model: A New Framework for Teaching Monetary Economics”. The Journal of

Economic Education, 37 (1), pp. 98-117, 2006.

BOGDANSKI, J., TOMBINI, A. A. & WERLANG, S. C. (2000). “Implementing

inflation targeting in Brazil”. BCB Working paper series, nº 01, Central Bank of

Brazil, Jul/2000.

BRAINARD, W. C. (1967). “Uncertainty and the effectiveness of policy”. The

American Economic Review, v. 57, nº 2, pp. 411-425, May/1967.

CALVO, G. (1983). “Staggered Price Setting in a Utility Maximizing Framework.”

Journal of Monetary Economics, 12(3): 383–98.

CARVALHO, F. J. C. (1995). “A Independência do Banco Central e A Disciplina

Monetária. Algumas Observações Céticas”. Revista de Economia Política, São

Paulo, v. 15, n. 4, pp. 134-141, 1995.

CARVALHO, F. J. C. (2005). “ Uma Contribuição ao Debate em torno da Eficácia da

Política Monetária e Algumas Implicações para o Caso do Brasil”. Revista de

Economia Política, v. 25, nº 4 (100), pp. 323-336, out-dez/2005.

Page 146: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

146

CARVALHO, F. J. C. (2009). “A Crise e o Papel de Cada Um”. Carta Maior, 22 de

Março de 2009. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/Matéria

Mostrar.cfm?materia_id=15860CE.

CCHETTI, S. G. (1995). “Inflation indicators and inflation policy”. NBER

macroeconomics annual 10 (NBER, Cambridge, MA), p. 189-219, 1995.

CLARIDA, R., GALÍ, J, & GERTLER, M. (1998). “Monetary policy rules in practice:

some international evidence”. European Economic Review, nº 42, pp. 1033-1067,

1998.

CLARIDA, R., GALÍ, J, & GERTLER, M. (1999). “The science of monetary policy: a

new Keynesian perspective”. Journal of Economic Literature, v. XXXVII, pp.

1661-1707, Dec/1999.

CLIFTON, E. V., HYGNUS, L. & WONG, C. (2001). “Inflation Targeting and the

Unemployment-Inflation Tradeoff”. IMF Working Paper 01/166. Washington, DC:

International Monetary Fund, 2001.

CORBO, V., LANDERRETCHE, O. & SCHMIDT-HEBBEL, K. (2002). “Does

Inflation Targeting Make a Difference?”. In: Inflation Targeting: Design,

Performance, Challenges, ed. Norman Loayza & Raimundo Saito. Central Bank of

Chile, 2002.

DAVIDSON, P. (1996). “Reality and economic theory”. Journal of Post Keynesian

Economics, Summer 1996, Vol.18, n.4.

DAVIDSON, P. (1999). “Colocando as evidências em ordem: macroeconomia de

Keynes versus velhos e novos keynesianos”. In: LIMA, G. T., SICSÚ, J., PAULA,

L. F. de (Org.). Macroeconomia moderna: Keynes e a economia contemporânea.

Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999.

DEBELLE, G. & FISCHER, S. (1994). "How Independent Should a Central Bank Be?"

In: Fuhrer, Jeffrey, ed., Goals, Guidelines, and Constraints Facing Monetary

Policymakers. Boston: Federal Reserve Bank of Boston, pp. 195-221, 1994.

DUTT, A. K. (1990). “Growth, distribution and uneven development”. Cambridge:

Cambridge University Press.

DUTT, A.K. (1994). “On the Long-Run Stability of Capitalist Economies: implications

of a model of growth and distribution”. In: Dutt. A.K. (org). New Directions in

Analytical Political Economy. Edward Elgar : Aldershot, 1994.

Page 147: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

147

FAIR, R. (2000). “Testing the NAIRU model for the United States”. Review of

Economics and Statistics, Feb/2000.

FEIJÓ, C. A. (1999). “Decisões empresariais em uma economia monetária de

produção”. In: Sicsú, J. Macroeconomia moderna: Keynes e a economia

contemporânea. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

FERREIRA, T. & PETRASSI, M. (2002). “Regime de metas para a inflação: resenha

sobre a experiência internacional”. Banco Central do Brasil, Notas Técnicas, nº 30,

Nov/2002.

FILARDO, A. J. (1998 ). “New evidence on the output cost of fighting inflation”.

Federal Reserve Bank of Kansas City Quarterly Review 83 (3): 33–61, 1998.

FISCHER, S. (1977). “Long Term Contracts, Rational Expectations, and the Optimal

Money Supply Rule.” Journal of Political Economy, 85(1): 191–205.

FRIEDMAN, B. M. & KUTTNER, K. (1996). "A Price Target for U.S. Monetary

Policy? Lessons from the Experience with Money Growth Targets." Brookings

Papers on Economic Activity, no. 1, p. 77-125, 1996.

FUHRER, J. C. & MOORE, G. R. (1995). “Inflation Persistence”. Quart. J. Econ.,

440, pp. 127–59, Feb/1995.

GOODFRIEND, M. & KING, Robert G. (1997). “The New Neoclassical Synthesis and

the Role of Monetary Policy”. In: NBER Macroeconomics Annual. Ben Bernanke

and Julio Rotemberg, eds. 1997.

HALL, R. E. & MANKIW, N. G. (1994). “Nominal Income Targeting”. In:

MANKIW, N. G. (ed.). Monetary Policy. University of Chicago Press, 1994.

HANSEN, L. & HECKMAN, J. (1996). “The empirical foundations of calibration”.

Journal of Economic Perspectives, 10 (1), pp. 87–104, 1996.

HARROD, R. F. (1937). “Mr. Keynes and traditional theory”. In: KEYNES’ general

theory: Reports of three decades. Edited by Robert Lekachman. London:

MacMillan & Co Ltd, 1937.

HARROD, R. F. (1938). “An essay in dynamic theory: 1938 Draft”. Edited by Daniele

Besomi. History of Political Economy, v. 28, n. 2, 1996.

HARROD, R. F. (1948). “Towards a dynamic theory”. Some recent developments of

economic theory and their applications to policy. London: MacMillan, 1948.

Page 148: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

148

HEIN, E. (2002). “Monetary policy and wage bargaining in the EMU: restrictive ECB

policies, high unemployment, nominal wage restraint and inflation above the

target”. Banca del Lavoro Quarterly Review, 222, September, 299-337, 2002.

HERSCOVICI, A. (2002). “Dinâmica macroeconômica: uma interpretação a partir de

Marx e de Keynes”. Vitória: Ediufes, 2002.

HERSCOVICI, A. (2006). “O modelo de Harrod: natureza das expectativas de longo

prazo, instabilidade e não-linearidade”. Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n.

1 (26), p., jan./abr. 2006.

JONES, H.G. (1979). “Modernas Teorias do Crescimento Econômico: uma

introdução”. Atlas, São Paulo, 1979.

KALDOR, N. (1956). “Alternative Theories of Distribution”. Review of Economic

Studies, v. 23, n.2, 1956.

KALDOR, N. (1972). “The irrelevance of equilibrium economics”. The Economic

Journal, Dec/1972.

KALDOR, N. (1988) “The Role of Effective Demand in the Short and Long-Run

Growth”. In: Barrére, A. (org.). The Foundations of Keynesian Analysis. Macmillan

Press: Londres, 1988.

KALECKI, M. (1954). Theory of Economic Dynamics. Londres: Allen & Unwin.

KALECKI, M. (1971). “Selected essays on the dynamics of the capitalist economy”.

Cambridge: Cambridge University Press.

KEYNES, J. M. (1936). “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. São Paulo:

Atlas, 1982. Primeira edição em inglês, 1936.

KING, M. (1996). “How should central banks reduce inflation? Conceptual issues”.

FED of Kansas City Economic Review, fourth quarter, 1996.

KING, M. (2002). “The inflation target ten years on”. Speech delivered to the London

School of Economics, Tuesday 19, Nov/2002.

KOHN, D. L. (2003). “Comments on Marvin Goodfriend’s ‘Inflation Targeting in the

United States?’ ” At the National Bureau of Economic Research Conference on

Inflation Targeting Jan, 25, 2003.

KREGEL, J. (1980). “Markets and institutions as features of a capitalistic production

system”. Journal of Post-keynesian Economics, Fall 1980, Vol.III, N°1.

Page 149: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

149

KRIESLER, P. & LAVOIE, M. (2007). “The new view on monetary policy: The New

Consensus and its Post-Keynesian critique”. Review of Political Economics, Vol.

19, No. 3, pp. 387-404, Jul/2007.

KYDLAND, F. E. & PRESCOTT, E. C. (1977). “Rules Rather Than Discretion: The

Inconsistency of Optimal Plans”. Journal of Political Economy, 85, p. 473–91,

1977.

LAUBACH, T. & POSEN, A. S. (1997). “Some Comparative Evidence on the

Effectiveness of Inflation Targeting”. Federal Reserve Bank of New York Working

Paper n. 97-14, May/1997.

LAVOIE, M. (2004). “The new consensus on monetary policy seen from a post-

Keynesian perspective”. In: M. Lavoie & M. Seccareccia (eds), Central Banking in

the Modern World: Alternative Perspectives, Edward Elgar, Cheltenham, pp. 15-34.

LIBANIO, G. A. (2009). “A Note on Inflation Targeting and Economic Growth in

Brazil”. Revista de Economia Política, no prelo, 2009.

LIMA, G. T. & MEIRELLES, A. J. A. (2007). “Macrodynamics of debt regimes,

financial instability and growth”. Cambridge Journal of Economics, v. 31, p. 563-

580, 2007.

LIMA, G. T. & SETTERFIELD, M. (2008). “Inflation targeting and macroeconomic

stability in a Post Keynesian economy”. Journal of Post Keynesian Economics,

M.E. Sharpe, Inc., v. 30(3), pp. 435-461, Apr/2008.

LOPEZ, G. J. (1986). “Michal Kalecki e a teoria da demanda efetiva”. Revista de

Economia Política, v. 6, nº3, Julho-Setembro de 1986

MANKIW, N. G. (2001). “U.S. Monetary Policy During the 1990s”. NBER Working

Paper, n. 8471, Cambridge, Mass.: National Bureau of Economic Research,

Sep/2001.

McCALLUM, B. T. & NELSON, E. (2005). “Targeting versus instrument rules for

monetary policy”. Federal Reserve Bank of St. Louis Review, 87(5), p. 597- 611,

2005.

MISHKIN, F. S. & SCHMIDT-HEBBEL, K. (2001). “One Decade of Inflation

Targeting in the World: What do we know and what do we need to know?”. NBER

Working Paper series, nº 8397, 2001.

MISHKIN, F. S. (1999). “International experiences with different monetary regimes”.

NBER working paper series, nº 7044, Mar/1999.

Page 150: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

150

MISHKIN, F. S. (2004). “Can inflation targeting work in emerging market countries?”.

NBER working paper series, nº 10646, Jul/2004.

NAKAMURA, E. & STEINSSON, J. (2007). “Five Facts about Prices: A Reevaluation

of Menu Costs Models”. Disponível em: http://www.bankbanque-canada.ca/en/

conference_papers/frbc_snb/nakamura.pdf.

NEUMANN, M. J.M. & HAGEN, J. von. (2002). “Does Inflation Targeting Matter?”.

Federal Reserve Bank of St. Louis Review v84, n4 (July-Aug.), p. 127-48, 2002.

OREIRO, J. L. C. & NAKABASHI, L. (2007). “A Economia do Crescimento puxado

pela Demanda Agregada: Teoria e Aplicações ao Caso Brasileiro”. In: X Encontro

de Economia da Região Sul, 2007, Porto Alegre. X Encontro de Economia da

Região Sul, 2007.

OREIRO, J. L. C. & LEMOS, B. (2005). “Um Modelo Macrodinâmico Pós-

Keynesiano de Simulação com Progresso Técnico Endógeno”. Economia

(Campinas), v. 6, pp. 223-259, 2005.

OREIRO, J. L. C. & ONO, F. H. (2004). “Progresso Tecnológico, Distribuição de

Renda e Utilização da Capacidade Produtiva: uma análise baseada em simulações

computacionais”. Economia, Niterói, v. 5, n. 1, pp. 35-66, 2004.

OREIRO, J. L. C. (2001). “Acumulação de Capital, Equilíbrios Múltiplos e Path-

Dependence: uma análise a partir de um modelo pós-keynesiano de crescimento

endógeno”. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 31, n. 1, pp. 167-203, 2001.

PASINETTI, L. (1962). “Rate of Profit and Income Distribution in Relation to the Rate

of Economic Growth”. Review of Economic Studies, v. 29, n. 4, 1962.

POLLIN, J. (2003). “Une macroéconomie sans LM: quelques propositions

complémentaires” Revue d’Economie Politique, 113 (3), pp. 273-293, 2003.

POSEN, A. & LAUBACH, T. (1997). “Some comparative evidence on the

effectiveness of inflation targets”. Federal Reserve Bank of New York, n. Paper

Series, n. 9714, 1997.

POSSAS, M. L. (2002). “Elementos para uma Integração Micro-macrodinâmica na

Teoria do Desenvolvimento Econômico”. Revista Brasileira de Inovação, Rio de

Janeiro, RJ, v. 1, n. 1, p. 123-149, 2002.

POSSAS, M. L., KOBLITZ, A., LICHA, A., OREIRO, J. L., DWECK, E. (2001). “Um

Modelo Evolucionário Setorial”. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro,

v. 55, n. 3, pp. 333-377, 2001.

Page 151: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

151

PRIGOGINE, I. (1991). “A Nova Aliança: Metamorfose Da Ciência”. Ed. UnB,

Brasília, 1991.

ROBINSON, J. (1962). “Essays in the Theory of Economic Growth”. Macmillan:

Londres, 1962.

ROGOFF, K. (1985). “The optimal degree of commitment to an intermediate monetary

target”. The Quarterly Journal of Economics, v. 100, nº 4, pp. 1169-1189,

Nov/1985.

ROMER, D. (2000). “Keynesian macroeconomics without the LM curve”. Journal of

Economic Perspectives, 14 (Summer), p. 149-69, 2000.

ROTEMBERG, J. & WOODFORD, M. (1997). “An Optimization-Based Econometric

Framework for the Evaluation of Monetary Policy”. NBER Macroeconomics

Annual. Ben Bernanke and J. Rotemberg, eds. 1997

ROWTHORN, R. (1981). “Demand, Real Wages and Economic Growth”. Thames

Papers in Political Economy, Aut/1981.

RUDEBUSCH, G. D. (2001). “Is the Fed Too Timid?: Monetary Policy in an

Uncertain World”. Review of Economics and Statistics 83(2, May), pp. 203-217,

2001.

RUDEBUSCH, G. D. (2006). “Monetary policy inertia: fact or fiction?”. International

Journal of Central Banking, v. 2, nº 4, Dec/2006.

SERRANO, F. (1995). “Effective Demand and the Sraffian Supermultiplier”.

Contributions to Political Economy, Cambridge, Inglaterra, 1995.

SERRANO, F. (2000). “A Soma das Poupanças Determina o Investimento?”.

Archetypon, Rio de Janeiro, v. 8, n. maio, pp. 127-149, 2000.

SETTERFIELD, M. (1993). “A model of institutional hysteresis”. Journal of

Economic Issues, vol. 27, 1993.

SETTERFIELD, M. (1997). “Should economists dispense with the notion of

equilibrium?”. Journal of Post Keynesian Economics, vol. 20 (1), p. 47-76, 1997.

SETTERFIELD, M. (1998). “History versus equilibrium: Nicholas Kaldor on historical

time and economic theory”. Cambridge Journal of Economics, vol. 22, p. 521-537,

1998.

SETTERFIELD, M. (2005). “Central banking, stability and macroeconomic outcomes:

a comparison of new consensus and post-Keynesian monetary macroeconomics”.

Page 152: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

152

In: M. Lavoie and M. Seccareccia (eds), Central Banking in the Modern World:

Alternative Perspectives, Edward Elgar, Cheltenham, pp. 35-56., 2005.

SHERIDAN, N. (2001). “Inflation Dynamics”. Johns Hopkins University. PhD.

Dissertation, 2001.

SICSÚ, J. (2002). “Teoria e Evidências do Regime de Metas Inflacionárias”. Revista

de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 1, pp. 23-33, 2002.

SOLOW, R. M. (1956). “A contribution to the theory of economic growth”. Quarterly

Journal of Economics, v. 70, 1956.

SVENSSON, L. E. 0. & WOODFORD, M. (2003). “Implementing optimal policy

through inflation-forecast targeting”. NBER Working Paper no. 9747, 2003.

SVENSSON, L. E. O. (1997). “Inflation forecast targeting: implementing and

monitoring inflation targets”. European Economic Review, 41, pp. 1111-1146,

1997.

SVENSSON, L. E. O. (1999). “Inflation targeting as a monetary policy rule”. Journal

of Monetary Economics, 43 (June), pp. 607-54, 1999.

SVENSSON, L. E. O. (2000). “Open-economy inflation targeting”. Journal of

International Economics, 50, pp. 155-183, 2000.

SVENSSON, L. E. O. (2003). “What is wrong with Taylor rules? Using judgment in

monetary policy trough targeting rules”. Journal of Economic Literature, v. 41, nº

2, pp. 426-477, Jun/2003.

SVENSSON, L. E. O. (2007). “What economists learned about monetary policy over

the past 50 years?”. Conference “Monetary Policy over Fifty Years”, Frankfurt,

Sep/2007.

TAYLOR, J. B. (1980). “Aggregate Dynamics and Staggered Contracts.” Journal of

Political Economy, 88(1): 1–23, 1980.

TAYLOR, J. B. (1993). “Discretion versus Policy Rules in Practice”. Carnegie-

Rochester Conference Series Public Policy, 39, pp. 195-214, 1993.

TAYLOR, J. B. (1994). “The Inflation/Output variability trade-off revisited”. In:

FUHRER, J. C. (ed.). Goals, guidelines and constraints facing monetary

policymakers. FED of Boston, 1994.

TAYLOR, J. B. (1999). “Monetary policy guidelines for employment and inflation

stability”. In: R.M. Solow and J.B. Taylor (eds), Inflation, Unemployment, and

Monetary Policy, MIT Press, Cambridge (Mass.), pp. 29-54, 1999.

Page 153: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

153

THEIL, H. (1957). “A Note on Certainty Equivalence in Dynamic Planning”

Econometrica, Vol.25, N° 2, April: 346-349, 1957.

TINBERGEN, J. (1952). “Four alternative policies to restore balance of payments

equilibrium”. Econometrica, v. 20, nº 3, pp. 372-390, Jul/1952.

WALSH, C. E. (2002). “Teaching inflation targeting: An analysis for intermediate

macro”. Journal of Economic Education, 33 (Fall), p. 333-46, 2002.

WALSH, C. E. (2003). “Monetary Theory and Policy”. The MIT Press, 2nd ed, 2003.

WILLIAMS, J. C. (1999). “Simple Rules for Monetary Policy”. Federal Reserve

Board FEDS Paper No. 99-12 , 1999.

WOODFORD, M. (1998). “Optimal Monetary Policy Inertia,” mimeo, Princeton U.

WOODFORD, M. (2003). “Interest and Prices: Foundations of a Theory of Monetary

Policy” . Princeton University Press, 2003.

Page 154: Tese Ricardo Ramalhete Moreira

154