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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
TESE DE DOUTORADO
UMA PERSPECTIVA HETERODOXA PARA O REGIME DE METAS D E INFLAÇÃO:
a hipótese da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda
RICARDO RAMALHETE MOREIRA
ORIENTADOR: Prof. ANTÔNIO LUIS LICHA
ABRIL DE 2009.
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
TESE DE DOUTORADO
UMA PERSPECTIVA HETERODOXA PARA O REGIME DE METAS D E INFLAÇÃO:
a hipótese da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda
RICARDO RAMALHETE MOREIRA
ORIENTADOR: Prof. ANTÔNIO LUIS LICHA
ABRIL DE 2009.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os professores da Pós-Graduação em Economia, que fazem desse
Instituto um dos mais respeitados de nosso país; em especial, aos professores Mario
Possas, Franklin Serrano, Cardim, Jennifer Hermann e Licha. As anotações em classe de
aula e leituras recomendadas foram de grande importância para meu amadurecimento
acadêmico. Obviamente, o teor desta Tese não reflete necessariamente a opinião dos
professores. Ao professor Licha, orientador desta Tese, agradeço pela enorme paciência
em nossas reuniões, sempre prestativo, engajado no tema estudado e disposto a indicar
novas leituras e caminhos para o trabalho. Agradeço aos recursos financeiros
concedidos pela CAPES, cuja bolsa de doutorado foi de grande valia para que o
trabalho chegasse ao nível presente. Aos servidores Anna Elizabeth e Ronei, da
Secretaria de Pós-Graduação, pela paciência e prontidão no que tange às questões
administrativas dos discentes. Enfim, a todos os que, ainda que não mencionados, fazem
do IE/UFRJ um ambiente inspirador e caloroso para o desenvolvimento de nossa
ciência.
4
Aos meus amados avós (In Memoriam), Olegário
Ramalhete Maia e Halza Fraga Ramalhete; à minha amada
mãe (In Memoriam), Liamara Ramalhete.
5
RESUMO
Autores ortodoxos como Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997), Ball (1999a)
e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) defendem a necessidade de uma resposta
integral da taxa de juros diante de choques de demanda. Para o mainstream, o choque de
demanda não impõe um trade-off entre a volatilidade da inflação e do produto,
permitindo à política monetária estabilizar simultaneamente ambas variáveis, sem
qualquer custo social. Esta tese opta por tentar mostrar a fragilidade desse resultado
central na literatura padrão sobre Inflation Targeting (IT) a partir de uma crítica interna
aos modelos desenvolvidos dentro do mainstream. Por meio dos instrumentais de
análise da literatura tradicional sobre IT, busca-se mostrar a sua própria fragilidade,
assumindo-se que a economia se comporta de fato à la uma economia da demanda
efetiva, inclusive no longo prazo, o que significa reconhecer que a tendência da
capacidade produtiva de uma economia é determinada, dentre outros fatores, pelas
flutuações cíclicas da demanda, da produção e da renda. Defende-se que há uma perda
de produto potencial no longo prazo quando o BC combate o choque de demanda de
forma ortodoxa, ou seja, sem levar em consideração o fato de que a capacidade
produtiva se ajusta endogenamente ao comportamento do gap do produto em quaisquer
prazos. Em outras palavras, existe um tipo de custo social de oportunidade associado a
uma resposta de política monetária inadequada face a pressões inflacionárias originadas
pelo lado da demanda. Essa idéia resulta na idéia de uma função perda social mais
ampla, que incorpore os efeitos permanentes da política monetária sobre a dinâmica
produtiva.
6
ABSTRACT
Orthodox writers such as Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997), Ball (1999a)
and Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) argue that demand shocks need to be
fully eliminated through interest rate responses. According the mainstream, the demand
shock doesn’t impose a trade-off between product and inflation volatility, allowing to
monetary policy stabilize both variables simultaneously, without any social cost. The
current thesis chooses to show the weakness of this orthodox argumentation by means
of an internal critic to the mainstream models of Inflation Targeting. It assumes the
effective demand principle, in such a way that the potential product is endogenous in
relation to the demand, product and income fluctuations, even in the long term. It argues
that there exists a potential product loss, when the Central Bank deals with the demand
shock in an orthodox manner, in other words, without considering that production
capacity adjusts endogenously to the product gap. There exists an opportunity social
cost associated to an erroneous response to the demand shock. This idea forces an
expansion of the social loss function, that include the permanent and real effects of the
monetary policy.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................9
CAPÍTULO 1 – Inflation Targeting e motivações ortodoxas para flexibilização...........16
1.1 – A Nova Síntese Neoclássica...................................................................................16
1.2 – A perspectiva mainstream para Inflation Targeting...............................................26
1.2.1 – Características práticas do regime.........................................................26
1.2.2 – O modelo de Ball sobre Inflation Targeting.........................................32
1.2.3 – O modelo BMW...................................................................................36
1.3 – Motivações ortodoxas para a flexibilização do regime..........................................39
1.4 – Um caso não previsto de flexibilização: choques de demanda, taxa natural e
combate integral..............................................................................................................42
CAPÍTULO 2 – Elementos para uma análise heterodoxa: fundamentando a endogenia
do produto potencial pelo lado da demanda....................................................................47
2.1 – Críticas heterodoxas à Nova Síntese Neoclássica..................................................47
2.1.1 – A crítica de Kriesler & Lavoie...................................................................47
2.1.2 – A crítica de Arestis & Sawyer....................................................................53
2.1.2.1 – Política de juros e a questão da taxa natural de juros.........................53
2.1.2.2 – Superestimação da “taxa natural de juros”.........................................56
2.2 – Elementos de análise: o princípio da demanda efetiva...........................................58
2.3 – Elementos de análise: moeda e não-neutralidade...................................................63
2.4 – Elementos de análise: efeito acelerador e endogeneidade do produto potencial...66
2.4.1 – O modelo pioneiro de Harrod....................................................................66
2.4.2 – O acelerador na literatura heterodoxa contemporânea...............................73
2.5 – Economia heterodoxa e Metas para Inflação?........................................................79
CAPÍTULO 3 – Inflation Targeting sob uma perspectiva heterodoxa: produto potencial
endógeno, combate aos choques de demanda e custo social de oportunidade................81
3.1 – Uma perspectiva heterodoxa sobre Inflation Targeting.........................................81
3.2 – Um modelo de Inflation Targeting com produto potencial endógeno pelo lado da
demanda: implicações não previstas pela literatura ortodoxa.........................................84
3.3 – O produto potencial endógeno pelo lado da demanda..........................................89
3.3.1 – Produto potencial endógeno e resposta aos choques positivos de demanda..92
3.3.2 – O caso dos choques negativos de demanda....................................................99
8
3.3.3 – O custo social de oportunidade de uma política ortodoxa em uma
economia da demanda efetiva........................................................................................104
3.4 – Simulação computacional.....................................................................................106
3.5 – Caminhos futuros para a presente pesquisa..........................................................112
CONCLUSÕES............................................................................................................113
APÊNDICE 1 Uma formalização do pensamento de Goodfriend & King (1997)........116
APÊNDICE 2 O modelo de Galí & Gertler (2007).......................................................119
APÊNDICE 3 Algumas controvérsias empíricas..........................................................124
APÊNDICE 4 O modelo de Ball (1999b): flexibilidade em economias abertas...........130
APÊNDICE 5 A derivação da regra ótima ortodoxa.....................................................136
APÊNDICE 6 Função endogenia do produto potencial: uma especificação com duas
defasagens......................................................................................................................138
APÊNDICE 7 Uma possível correlação entre produto potencial e desemprego...........140
APÊNDICE 8 Uma expansão do modelo Lima & Setterfield (2008)...........................141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................144
9
INTRODUÇÃO
Durante os anos 90, países como Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Suécia,
Finlândia, Austrália, Espanha, e Brasil inclusive, optaram por um novo regime de
política monetária: o Regime de Metas de Inflação (Inflation Targeting), cujas
características principais, para Svensson (2000), são: a) adoção e anúncio explícitos de
uma meta quantitativa para o intervalo da inflação, ou para um único valor da inflação;
b) a adoção de um procedimento operacional que pode ser definido como “metas para
as expectativas de inflação”, ou seja, o uso de uma previsão condicional da inflação
como uma meta intermediária; c) incremento de transparência e prestação de contas
(accountability) ou responsabilidade, por parte do Banco Central, no alcance dos
objetivos anunciados.
Na literatura mainstream sobre o regime de Inflation Targeting (IT) existem diversas
análises que mostram motivações e argumentações a favor de flexibilização do regime.
A passagem de um “regime estrito” para um “regime flexível”, fazendo-se uso da
terminologia de Ball (1999a), pode ser justificada no caso, por exemplo, de ocorrência
de choques de oferta. Em geral, havendo alguma preferência por estabilidade do produto
e a incidência de choques de oferta, a política monetária ótima é aquela que flexibiliza,
em alguma medida, a resposta da taxa real de juros frente às pressões inflacionárias,
visto que no caso do choque de oferta a literatura convencional assume a existência de
um trade-off entre a variância da inflação e do produto no curto prazo. Isto significa
que, sob choques de oferta, a estabilização da inflação só pode ser alcançada ao custo de
maior instabilidade do produto, o que cria uma perda social e justifica uma acomodação
do choque.
Uma motivação adicional para a flexibilização do regime e aceita pelo mainstream é a
preferência pela suavização (smoothing) da taxa de juros, que pode ser verificada em
casos nos quais, por exemplo, as autoridades se preocupam com a estabilidade dos
mercados financeiros. Neste caso, a regra ótima é expandida, e a resposta da taxa de
juros passa a ser determinada também pelos valores passados da própria taxa de juros.
Adiciona-se a isto o caso, em economias abertas, no qual a sociedade dá peso
expressivo à estabilidade cambial, seja devido aos impactos negativos da volatilidade
10
cambial para o comércio exterior, seja devido aos impactos negativos sobre a atividade
econômica doméstica, quando de valorizações cambiais. Como mostra Ball (1999b), em
economias abertas o regime de metas de inflação deve ser flexibilizado, sob a ameaça
de que um regime estrito imponha a necessidade de forte volatilidade do câmbio para
que a meta de inflação seja alcançada no menor tempo possível.
Por sua vez, a literatura ortodoxa1 sobre IT também prevê impactos da incerteza
estrutural sobre a dinâmica da política monetária (Brainard, 1969; Blinder, 2006;
Clarida, Galí & Gertler, 1999). Quanto maior a incerteza em relação ao modus
operandis da economia frente à tomada de decisão do Banco Central, maior a
preferência por gradualismo na alteração da taxa de juros, pelo que a autoridade
monetária deixa de se basear no argumento exclusivo dos modelos adotados, e a taxa de
juros tende a ser ajustada em medida menor do que a justificada pela regra ótima. Em
todos esses casos, o “regime estrito” ou inflexível de IT, e sua correspondente regra
ótima de instrumento, dá lugar a um regime flexível, a uma “regra ajustada” de
instrumento e a mecanismos adicionais de tomada de decisão – tais como as “cláusulas
de escape”.
Embora a literatura ortodoxa reconheça essas justificativas teóricas para a flexibilização
do regime de IT, resta um caso potencial de flexibilização não previsto pelo
mainstream: o caso dos choques de demanda, ou mais especificamente, o caso em que a
inflação é pressionada pelo lado da demanda.
Autores como Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997), Ball (1999a) e
Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) defendem a necessidade de um combate
integral dos choques de demanda, por meio de alterações na taxa real de juros. Na visão
de autores nesta linha, o choque de demanda não impõe um trade-off entre a variância
da inflação e do produto, permitindo à política monetária estabilizar simultaneamente
ambas variáveis.
1 Obviamente, a definição do que é “ortodoxo” está imersa em discricionariedade. Para efeitos deste trabalho, toma-se o critério de Mollo (2004). Assim, sempre que se referir a algo ortodoxo, a tese se refere a algo que assume em alguma medida a neutralidade da moeda.
11
Dentro dessa concepção, quando o produto se encontra acima do produto potencial
devido a um choque, os fatores de inércia sobre a curva IS e de Phillips aumentam a
probabilidade de que a inflação venha a divergir da meta e que haja um aumento do
custo de desinflação no futuro se as expectativas forem contaminadas – o que se torna
mais provável em contexto de expectativas adaptativas e credibilidade incompleta da
política. Logo, tais autores não vêem nenhuma razão para que a autoridade seja
complacente e acomode qualquer parte do choque de demanda. Quanto maior a inércia,
maior deve ser a agressividade da resposta da taxa de juros diante do choque positivo de
demanda (Clarida, Galí & Gertler, 1999).
Aqui, faz-se uma crítica a esta tese do mainstream. E é a partir desta crítica que se busca
desenvolver a tese deste trabalho. Na verdade, por trás dessa concepção ortodoxa existe
uma peça fundamental, sem a qual o resultado de que não há perdas sociais no caso do
combate aos choques de demanda não se sustenta teoricamente. Esta hipótese
fundamental da teoria convencional é a de que prevalece a neutralidade da moeda no
longo prazo e a economia converge necessariamente para a taxa natural de desemprego,
que seria determinada de forma independente do comportamento da demanda, da
produção e da renda (Carvalho, 1995). Sendo a moeda neutra, ao menos no longo prazo,
e convergindo a economia para um produto potencial exogenamente determinado, o
choque de demanda não possui nenhum efeito permanente sobre a atividade econômica.
De fato, trata-se de uma rejeição da validade do princípio da demanda efetiva no longo
prazo e de uma dicotomia entre tendência e ciclo. Nas palavras de Carvalho (2005):
O regime de metas inflacionárias se apóia na proposição de que o impacto real da política monetária é efêmero, na melhor das hipóteses. Como argumentado aqui, isto é um erro, decorrente da visão limitada que se tem da moeda apenas como meio de pagamento e da política monetária como um simples regulador da quantidade de moeda em circulação (CARVALHO, op. cit., pp. 334).
Para Carvalho (op. cit.), a teoria convencional limita o debate sobre metas de inflação,
pois supõe que a política monetária não tem efeitos permanentes sobre a esfera real da
economia. Para os modelos ortodoxos de IT, a atividade econômica é determinada no
longo prazo pelo estoque de recursos produtivos, pelas preferências, pela tecnologia e
pelo comportamento “racional” dos agentes, não havendo correlação entre moeda e
produto potencial. Nas palavras de Sicsú (2002):
12
Os defensores da adoção de metas de inflação acreditam que a política monetária não é um instrumento que pode estimular o investimento e, conseqüentemente, reduzir o desemprego. Apóiam suas crenças na hipótese da existência da taxa natural de desemprego, na curva expectacional de Phillips e no chamado viés inflacionário. Postulam que uma política monetária que aumente a liquidez da economia (e/ou reduza os juros) objetivando estimular o crescimento somente pode causar efeitos reais passageiros e efeitos inflacionários permanentes — tal como defendem Robert Lucas, Robert Barro e David Gordon em inúmeros trabalhos. Alguns, como Finn Kydland e Edward Prescott (1994), consideram que nem sequer efeitos passageiros seriam produzidos, somente inflação seria gerada. Assim sendo, a política monetária não deve ser utilizada para apoiar o crescimento econômico de um país. Caso uma política monetária ativista fosse implementada, estaria verdadeiramente sendo inócua a curto termo e, adicionalmente, estaria dificultando o crescimento no longo termo, pois estaria gerando um ambiente de inflação (SICSÚ, 2002, pp. 24).
Esta tese opta por tentar mostrar a fragilidade de um dos resultados centrais na literatura
sobre IT – i.e. a não existência de trade-off para o BC, sob choques de demanda - a
partir da própria linguagem e técnica de modelos desenvolvidos dentro do mainstream.
Por meio dos instrumentais de análise da literatura tradicional sobre IT, busca-se
mostrar a sua própria limitação, assumindo-se que a economia se comporta de fato à la
uma economia da demanda efetiva, inclusive no longo prazo, o que significa reconhecer
que a tendência da capacidade produtiva de uma economia é determinada, dentre outros
fatores, pelas flutuações cíclicas da demanda e da renda. Trata-se de uma análise dos
impactos da histerese do produto potencial para a sistemática da política monetária no
âmbito de Inflation Targeting. O fenômeno da histerese refere-se ao processo em que a
trajetória de uma variável é função de seu próprio passado (Setterfield, 1993; 1997).
O que se buscará demonstrar é que, com uma endogenia do produto potencial pelo lado
da demanda, a política monetária deve ser flexibilizada, mesmo no caso dos choques de
demanda. A idéia de que não há trade-offs neste caso, tão cara aos autores ortodoxos
acima mencionados, pode ser contestada. Rejeita-se a “peça de resistência” para alguma
agressividade do BC sob metas de inflação no caso de pressões inflacionárias por
excesso de demanda. Em outras palavras, defende-se que o regime de IT deve ser
sempre - mesmo no caso de choques de demanda - um regime flexível, ao contrário do
que supõem os autores e criadores da teoria sobre IT.
Por flexibilização do regime não se quer dizer apenas uma acomodação de taxas
inflacionárias mais elevadas sob certas condições. Aqui, a noção de flexibilização
13
recebe um sentido amplo, significando a necessidade de que o BC não faça uso
exclusivo de regras “ótimas” (ortodoxas) de política monetária, derivadas a partir de
processos de otimização, mas também fundamente suas decisões de instrumento a partir
de mecanismos adicionais que não resultam de processos otimizadores. Neste caso, uma
sistemática ou regra ad hoc de política monetária, se amparada em uma teoria melhor
ajustada à realidade, pode originar uma performance econômica superior à resultante de
uma regra ótima, porém baseada em um modelo mal especificado.
Pode-se entender a flexibilidade também como o resultado de uma política monetária
baseada em objetivos e metas sociais mais amplos, quando comparado com uma política
monetária que tenha como única preocupação a estabilidade inflacionária no longo
prazo. Rocha & Oreiro (2008) analisam a correlação entre flexibilidade e crescimento
para economias que fazem uso do regime de metas de inflação. Os resultados
alcançados corroboram a idéia de que quanto maior o grau de flexibilidade do arranjo
institucional de IT maior a performance do crescimento econômico. No entanto, a
presente tese defenderá que apenas um regime de metas de inflação com a consciência
da endogenia do produto potencial pelo lado da demanda pode usufruir de máxima
flexibilidade e performance econômica.
De certa forma, um BC que leva em consideração a endogenia do produto potencial ao
ajustar a taxa de juros para combater a inflação é um BC que possui alguma
“consciência heterodoxa”, e que apresenta maior flexibilidade face ao que seria
observado no caso de um BC ortodoxo2, ou seja, de um BC que considere a capacidade
produtiva como uma variável sem correlação com a demanda e a produção. Isto é
importante, já que, como mostram Lima & Setterfield (2008), em uma economia pós-
keynesiana quanto mais ortodoxa for a política maiores os prejuízos para a atividade
econômica.
Logo, a introdução de elementos estranhos ao mainstream na análise de IT não exclui
necessariamente a utilidade deste regime, porém justifica uma nova resposta da política:
há uma compatibilidade entre o regime de metas de inflação e uma economia pós-
keynesiana (Lima & Setterfield, op. cit.). E isto pode ser demonstrado, inclusive, a
2 i.e. Um BC que assume a neutralidade da moeda no longo prazo ao conduzir a política monetária.
14
partir de uma análise crítica interna ao instrumental e linguagem de autores como
Svensson (1997), Ball (1999a) e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006), dentre
outros.
O ponto de divergência para com a literatura convencional surge quando da inclusão no
modelo padrão de uma função para o produto potencial, tornando-o endógeno em
relação às flutuações cíclicas do produto, assim como da expansão da regra de política
monetária de um Banco Central (heterodoxo) que tenha consciência daquela endogenia.
Isto corresponde a rejeitar a hipótese fundamental dos modelos mainstream de IT, qual
seja, a da taxa natural. Por outro lado, trata-se de aceitar o fato de que a política
monetária não é neutra no longo prazo, pois as decisões do Banco Central terão
impactos permanentes sobre atividade econômica, por meio das mudanças dinâmicas do
produto potencial. Referindo-se à não neutralidade da moeda e à trajetória dependente
da atividade econômica ao longo do tempo, Mollo (2004) afirma:
[...] as mudanças observadas na produção e, sobretudo, na capacidade produtiva, como decorrência da concretização das decisões de investir, alteram irreversivelmente a estrutura produtiva a longo prazo, impedindo que se possa conceber a não neutralidade a curto prazo e a neutralidade a longo prazo, já que este último nada mais é do que uma sucessão de curtos prazos (MOLLO, op. cit., pp. 338).
Quais são as conseqüências deste corte teórico sobre o modelo para a dinâmica de longo
prazo da economia e para a resposta da política monetária? Sob endogenia do produto
potencial, haveria um trade-off face à política monetária, quando de um enfrentamento a
um choque de demanda?
A hipótese a ser defendida é a de que o regime de metas para inflação, se apoiado em
um modelo melhor ajustado à realidade econômica, pode ser compatível com uma
performance superior àquela que seria observada sob um BC ortodoxo e mal orientado.
Neste sentido, os valores indesejáveis que, porventura, podem ser observados em
economias sob IT não são implicações do regime em si, mas de uma má especificação
do modus operandis da economia e de policymakers apegados a idéias inadequadas para
uma economia em que opere a não-neutralidade monetária no longo prazo e a trajetória
dependente (path-dependence) do produto potencial.
15
Há uma perda de produto potencial no longo prazo quando o BC combate o choque de
demanda de forma inflexível, ou seja, sem levar em consideração o fato de que a
capacidade produtiva se ajusta endogenamente ao comportamento da demanda e da
renda em quaisquer prazos. Em outras palavras, existe um tipo de custo social de
oportunidade associado a uma resposta de política monetária inadequada face a
pressões inflacionárias originadas pelo lado da demanda. Essa idéia implica a
substituição da função perda social ortodoxa por uma função perda social mais ampla,
que incorpore os efeitos da política monetária sobre a dinâmica econômica de longo
prazo.
Ademais, a presente tese buscará argumentar e demonstrar que apesar da regra de
política monetária ortodoxa ser derivada exclusivamente por um processo de
otimização, esta é feita com base em um modelo equivocado ou mal utilizado; por outro
lado, a regra de política monetária heterodoxa, que será desenvolvida, apesar de
incorporar mecanismos que não são resultados de processos otimizadores, ampara-se
em uma teoria melhor ajustada à realidade econômica, pelo que sua utilização resulta
em melhor performance quando comparada com a regra ortodoxa. Trata-se de rejeitar a
suposta racionalidade e eficiência dos processos otimizadores do mainstream na
condução da política monetária.
Para tanto, a tese está esquematizada da seguinte forma: no primeiro capítulo, são
apresentados aspectos da Nova Síntese Neoclássica, que sustenta teoricamente o regime
de IT e da literatura convencional sobre o mesmo. No segundo capítulo, busca-se
resgatar a literatura heterodoxa, buscando-se fundamentar a hipótese da endogenia do
produto potencial pelo lado da demanda. Por sua vez, no terceiro capítulo é apresentado
o modelo que servirá para a análise das implicações dinâmicas da endogeneização do
produto potencial no âmbito de IT, foco precípuo da tese.
Finalmente, o posicionamento teórico desta tese se alinha com o pensamento pós-
keynesiano, particularmente pela aceitação do princípio da demanda efetiva no longo
prazo e da não-neutralidade monetária, conceitos que estarão representados pela
hipótese de endogeneidade do produto potencial pelo lado da demanda, em especial no
capítulo terceiro.
16
CAPÍTULO 1 – Inflation Targeting e motivações ortodoxas para flexibilização
1.1– A Nova Síntese Neoclássica
O que se convencionou chamar de Nova Síntese Neoclássica (New Neoclassical
Synthesis) consiste em uma combinação do pensamento novo-keynesiano com o
pensamento e modelos novos-clássicos e dos ciclos reais de negócios (Real Business
Cycle), a partir de uma abordagem forward-looking de equilíbrio dinâmico. Pelo lado
novo-keynesiano, a Nova Síntese assume competição imperfeita e custos de
ajustamento via preços; pelo lado novo-clássico e ciclos reais de negócios, assume-se
otimização intertemporal e expectativas racionais. Goodfriend & King (1997) ratificam
a necessidade de busca por modelos quantitativos de política econômica e flutuação
econômica, assim como é feito no programa de pesquisa dos ciclos reais de negócios.
Nos modelos da Nova Síntese, dá-se papel fundamental à demanda agregada na
determinação da atividade econômica, através da hipótese de rigidezes de preços. A
política monetária recebe atenção essencial, enquanto instrumento de controle da
atividade econômica. Logo, a linha de pesquisa da Nova Síntese assume uma associação
íntima entre as flutuações econômicas e a política monetária, apesar da relevância dada
aos componentes de produtividade, política fiscal e choques de preços relativos,
oriundos dos modelos de ciclos reais, na determinação da tendência de longo prazo.
Por outro lado, a Nova Síntese vê a política monetária como necessária para que a
economia apresente boa performance, impondo grande responsabilidade para a mesma.
Assim, cria-se uma demanda por aconselhamento de políticas eficientes e, por outro
lado, busca-se suprir essa demanda, por meio de proposições e princípios práticos de
política monetária. De forma geral, os modelos da Nova Síntese oferecem os seguintes
princípios de política monetária, segundo Goodfriend & King (1997, p. 26):
17
(i) a política monetária deva respeitar os determinantes pelo lado da oferta sobre
o produto no longo prazo, apesar de seus fortes efeitos sobre a atividade econômica no
curto prazo. Isto significa que embora, período a período, o instrumento de política
tenha efeito sobre a economia real, na média a atividade econômica deve respeitar os
determinantes dos ciclos reais de negócios, tais como produtividade e preços relativos;
(ii) os efeitos da política monetária sobre a produção no curto prazo se dão a
partir do canal do chamado mark-up médio, ou seja, da diferença entre o nível de preços
e o custo marginal. Uma alteração da demanda agregada gera uma alteração do custo
marginal que, por sua vez, cria uma mudança do mark-up médio, sob contexto de
rigidez de preços. Esta mudança de mark-up médio sustenta um ajustamento de
produção e emprego, tal como ocorre quando há uma mudança de impostos nos
modelos de ciclos reais.
Com base nos trabalhos de Rotemberg & Woodford (1991) e King & Wolman (1996),
Goodfriend & King (1997) propõem uma recomendação padrão de política monetária,
qual seja, a de que o BC deve perseguir uma estabilização da trajetória de preços e/ou
de inflação que seja compatível com a minimização do mark-up médio, o que por sua
vez corresponderia a uma produção ao nível potencial da economia. Segundo
Goodfriend & King (1997), essa política seria “ativista”, no sentido de que ela deveria
controlar a demanda agregada para acomodar qualquer mudança do produto a partir do
lado da oferta, além de combater choques pelo lado da demanda.
Portanto, Goodfriend & King (1997) deduzem o princípio de que a política monetária
deve estabilizar o mark-up em um nível mínimo, consistente com uma taxa de inflação
próxima de zero, princípio esse que está em consonância com os trabalhos de Zhu
(1995) e Ireland (1996). Como conseqüência, mudanças no produto, motivadas pela
demanda, deveriam ser combatidas pelo BC, o que manteria o produto em seu nível
potencial e estabilizaria o nível de preços. Por sua vez, as mudanças de produto que
tenham origem em variações de produtividade devem ser acomodadas pelo BC, já que
neste caso estaria havendo uma alteração dos níveis de equilíbrio de emprego e produto.
Até mesmo os choques de oferta, tais como os choques de petróleo, não colocariam, na
18
visão dos autores, nenhum trade-off face à política monetária, desde que o BC utilize
como balizador um índice que exclua os preços mais voláteis3.
Essa argumentação da Nova Síntese Neoclássica, defendida em Goodfriend & King
(1997), é antagônica em relação à idéia de Taylor (1980), para quem haveria um trade-
off entre a variabilidade do produto e da inflação, pelo que a estabilização de uma das
variáveis só poderia ser levada a cabo por meio de uma maior volatilidade da outra.
Goodfriend & King (1997) defendem o que chamam de uma “política monetária
neutra”, qual seja, aquela que estabiliza o mark-up e o custo marginal real em seus
níveis ótimos, o que corresponderia a uma estabilização do produto em seu nível
potencial. Esta postura da política monetária, na visão dos autores, faria com que o
modelo da Nova Síntese se assemelhasse a um modelo de competição monopolística
dos ciclos reais de negócios.
A política monetária neutra, portanto, impõe uma estabilidade de preços (ou da inflação)
e do mark-up médio ao nível de equilíbrio, fazendo com que o produto fique em seu
nível potencial e a inflação dentro de uma meta4. Segundo Goodfriend & King (1997), a
Nova Síntese teria muito a dizer quanto à implementação do regime de metas de
inflação (Inflation Targeting): uma vez que a inflação depende das expectativas de
mark-up, a eficácia das metas para inflação dependeria do compromisso do BC com a
política monetária neutra, de modo que as expectativas inflacionárias fossem ancoradas
em níveis reduzidos (minimizados) de mark-ups esperados5. Para tanto, o BC deveria
combater choques pelo lado da demanda e acomodar choques pelo lado da oferta
(produtividade), o que requer um conhecimento preciso dos valores dos parâmetros e da
natureza, magnitude e duração dos choques.
3 “This view accords well with the keynesian emphasis on a core rather than an overall cost-of- living index, and the monetarist recommendation to stabilize a long-run price index and ignore such relative price movements as oil price shocks. When we define the measure of prices that a central bank should stabilize as a core index of sticky prices, we once again find that there is no policy trade-off between inflation and output variability”. (GOODFRIEND & KING, 1997, p. 47). 4 Para uma análise exaustiva, caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o modelo do Apêndice 1. 5 “Dynamic costly price adjustment means that firms adjust prices according to an expected distributed lead of the price level and real marginal cost, where the price level is an average of current prices and those set in the past. We showed that a forward-looking price-setting equation and a price–level expression form a price block that can be solved to express the inflation rate as a function of prices set in the past, current real marginal cost, and a distributed lead of expected real marginal cost. Since real marginal cost is the inverse of markup, the evolution of inflation depends importantly on current and expected future markups”. (GOODFRIEND & KING, 1997, pp. 50).
19
Por sua vez, Clarida, Galí & Gertler (1999) partem da idéia de que a política monetária
possui efeitos significativos sobre o nível de atividade econômica, ao menos no curto
prazo, mediante a premissa de que existem fatores transitórios de rigidez nominal de
preços. Neste sentido, o modelo básico utilizado diverge da literatura sobre ciclos reais
de negócios em termos teóricos, embora haja convergência em termos metodológicos,
dado o instrumental de equilíbrio intertemporal utilizado. Os resultados dão origem,
segundo os autores, a princípios gerais de política monetária, que poderiam ser
empregados em uma ampla gama de estados da economia. Neste sentido, poder-se-ia
falar numa “ciência da política monetária”.
O modelo básico de Clarida, Galí e Gertler (1999) parte de duas equações: uma IS e
uma curva de Phillips com componente forward-looking. Trata-se do que os autores
chamam de um modelo dinâmico de equilíbrio geral, com moeda e rigidez transitória de
preços. Essa configuração tem se tornado freqüente na literatura recente para a análise
da política monetária, como se pode deduzir pelos trabalhos Goodfriend & King (1997),
McCallum & Nelson (1997) e Walsh (2003).
No modelo, o BC consegue afetar a economia através de sua política monetária, no
curto prazo, tanto quanto no modelo IS/LM padrão. A grande diferença para com este
último seria o processo explícito de otimização pelos agentes, no qual estariam
fundamentadas as equações agregadas. Uma característica essencial do modelo é que a
trajetória corrente da economia depende diretamente das expectativas dos agentes
acerca da trajetória futura esperada da política monetária. Embora no curto prazo o
modelo apresente traços marcantes do pensamento novo-keynesiano, devido às
rigidezes de preços e salários e à concorrência monopolística, no longo prazo, com
flexibilidade perfeita, o modelo apresenta traços dos modelos de ciclos reais de
negócios, dentre os quais a neutralidade monetária e a inexistência de trade-off entre
inflação e desemprego (Clarida, Galí & Gertler, 1999).
No modelo forward-looking de Clarida, Galí & Gertler (1999), o produto (curva IS)
depende do produto esperado e da taxa de juros esperada. O consumo pode ser afetado
das seguintes formas: a) um consumo esperado maior no futuro implica aumento do
consumo corrente, devido à preferência por suavização pelos agentes; b) um aumento na
20
taxa de juros esperada para o futuro implica redução do consumo corrente, pelo
princípio de substituição intertemporal. Por outro lado, o choque de demanda reflete as
mudanças esperadas para os gastos governamentais vis-à-vis as mudanças esperadas
para o produto potencial da economia. A introdução do investimento na função IS não
altera o seu teor qualitativo: a demanda agregada continua dependendo positivamente
do produto futuro esperado e negativamente da taxa futura de juros esperada.
A curva de Phillips é gerada a partir da hipótese de concorrência monopolística, em que
as firmas ajustam seus preços com base em expectativas, na tentativa de maximizarem
lucros. Uma diferença em relação à curva padrão é a consideração da taxa de inflação
futura esperada – com iteração potencialmente infinita –, e não somente a taxa de
inflação corrente esperada. Retira-se dessa forma a inércia da inflação, esta dependendo
inteiramente de condições correntes e esperadas da economia. Em outras palavras, as
firmas ajustam seus preços baseadas nas expectativas de custos marginais futuros, tal
como na abordagem de Goodfriend & King (1997). O gap do produto implica, segundo
os autores, desvios dos custos marginais (reais) em relação à sua trajetória de equilíbrio.
Por outro lado, o choque de oferta reflete as variações na inflação que são geradas
independentemente das condições de excesso de demanda, como sugeriria o trabalho
empírico de Fuhrer & Moore (1995).
O problema e a decisão de política monetária recebem papel complexo e fundamental
no modelo de Clarida, Galí & Gertler (1999), visto que as decisões de gastos dos
agentes dependem de suas expectativas a respeito da política monetária ao longo do
tempo. Para os autores, a resolução daquele problema, ou seja, a escolha de uma
estratégia apropriada pelo BC, torna-se o cerne do debate contemporâneo sobre política
monetária.
Clarida, Galí & Gertler (1999) definem o problema de política como a escolha de uma
trajetória temporal para o instrumento de política (taxa de juros) que crie uma trajetória
temporal para as variáveis-meta (inflação e produto) que seja compatível com a
minimização da função perda social, sujeito às restrições comportamentais impostas
pelas curvas IS e de Phillips. A função perda social do BC traduz as variáveis-meta em
uma medida de bem-estar, no sentido de fornecer uma referência para a escolha de
21
política. Em geral, assume-se o gap do produto e o desvio inflacionário como as
variáveis explicativas da função perda social.
Essa concepção está em conformidade com a tradição do problema de metas e
instrumentos (Tinbergen, 1952; Theil, 1961). Em geral, como nestes autores clássicos, a
regra ótima de feed-back colocará o instrumento de política como uma função do estado
da economia. A diferença básica em relação ao problema clássico, na visão de Clarida,
Galí & Gertler (1999), seria que as variáveis-meta não dependem apenas da política
corrente, mas também das expectativas acerca da política futura: o gap do produto
depende da trajetória esperada para a taxa de juros, e a inflação depende do gap do
produto corrente, assim como dos gaps futuros esperados.
Nesse contexto forward-looking, a estratégia e a credibilidade da política monetária
recebem forte relevância, tal como apontam Kydland & Prescott (1977). Em outras
palavras, um BC que consiga sinalizar crivelmente o compromisso com uma taxa de
inflação reduzida no futuro pode colher os benefícios de um controle da inflação
corrente em troca de uma menor perda de produto, se comparada com a que seria
necessária no caso de ausência de credibilidade.
A partir dessa perspectiva, trata-se de verificar mecanismos alternativos de ganhos de
credibilidade. Na literatura tradicional, esse assunto é analisado pelo debate Regras
versus Discrição. Um BC que opera sob discrição busca uma “reotimização” a cada
período. Qualquer promessa feita no passado não restringe a política corrente. Sob
regra, por outro lado, adota-se um plano para a trajetória temporal da taxa de juros,
comprometendo-a para sempre. Existe espaço para ajustes da taxa de juros de acordo
com a evolução do estado da economia, porém o tamanho e a direção do ajuste estão
predefinidos (Clarida, Galí & Gertler, 1999).
A seguir, são enunciados e analisados alguns resultados, proposições e princípios
apresentados por Clarida, Galí & Gertler (op. cit.), o que sustentaria, segundo os
autores, uma “ciência da política monetária”:
22
(i) Quando existem choques de oferta, há um trade-off entre a variabilidade da
inflação e do produto. Quanto maior o peso dado à estabilização do produto, maior a
variabilidade da inflação, e menor a do produto, na presença de choques de oferta.
Este princípio justifica a adoção de mecanismos de acomodação dos choques de oferta,
ou seja, a adoção de “cláusulas de escape” no âmbito do regime de metas de inflação, tal
como apontam os trabalhos de Svensson (1997), Ball (1999a) e Bernanke & Mishkin
(1997). Trata-se de uma motivação para a flexibilização do regime, bem coberta pela
literatura convencional;
(ii) Sob uma política ótima, o BC adota uma meta de inflação e a política
monetária é conduzida no sentido de fazer convergir a taxa observada de inflação para a
meta de inflação ao longo do tempo. O trade-off entre a variabilidade da inflação e do
produto não existe sob choques de demanda. Neste caso, a resposta da taxa de juros
estabiliza simultaneamente ambas variáveis. Portanto, um regime de metas de inflação
que imponha uma igualdade permanente entre a taxa inflacionária observada e a meta
de inflação só é ótimo quando não há incidência de choques de oferta, ou seja, quando
não há trade-off entre a variabilidade da inflação e do produto.
Quando a economia está sob a ocorrência de choques de demanda apenas, é ótimo um
regime estrito de metas de inflação, a saber, um regime que imponha uma igualdade
constante entre a meta e a inflação corrente. No entanto, sob choques de oferta e
existindo algum peso dado à estabilização do produto pela sociedade, torna-se ótimo
impor uma convergência apenas gradual da inflação corrente para a meta de inflação
(Ball, 1999a);
(iii) Uma política ótima impõe a necessidade de alteração da taxa real de juros
para se combater integralmente os choques de demanda. Isto requer que a taxa nominal
de juros responda às variações nas expectativas de inflação, por meio de um coeficiente
de resposta maior que 1.
O resultado iii apenas reflete uma conseqüência do resultado ii . Caso a inflação esteja
acima da meta, a política monetária deve elevar a taxa real de juros para que haja
redução da demanda. Para Clarida, Galí e Gertler (1999), tal enunciado, apesar de
23
simples, fornece um guia compreensível para a avaliação da política monetária. Sugere-
se que a política monetária será eficiente se ajustar as taxas reais de juros face aos
desvios inflacionários. Neste sentido, a simples elevação das taxas nominais não indica
necessariamente um bom desempenho do BC, caso ela não seja suficiente para elevar as
taxas reais na medida necessária. Estes resultados parecem encontrar amparos nos testes
feitos por Clarida, Galí e Gertler (1998);
(iv) Enquanto o choque de demanda pede um combate integral pela política
monetária, o choque de produto potencial pede uma acomodação integral, mantendo-se
inalterada a taxa nominal de juros.
A idéia neste resultado é a de que, no caso dos choques de demanda, a resposta da
política implica estabilização simultânea da inflação e produto, não havendo trade-off
de curto prazo entre os desvios padrões de ambas variáveis; no caso do choque positivo
de produto potencial, por outro lado, existe um aumento de produtividade, que eleva
para cima o produto potencial, mas que também eleva na mesma proporção o produto
efetivo, através dos efeitos sobre a renda permanente. Logo, o gap do produto não se
altera, nem a taxa de inflação. Assim, mesmo que tenha havido aumento do produto,
não há razão para aumento na taxa de juros. Não obstante, Goodfriend & King (1997)
abrem espaço para a necessidade de resposta acomodatícia do BC sob choques de
produtividade. É possível que o produto efetivo não cresça na mesma proporção como
concebido por Clarida, Galí & Gertler (1999). Neste caso, seria necessária uma resposta
acomodatícia do BC, reduzindo-se a taxa real de juros para estimular um aumento do
produto e a eliminação do gap;
(v) Clarida, Galí & Gertler (1999), a partir de seu modelo básico, e impondo a
condição de que o BC tenha como meta um produto acima do nível potencial, chegam
ao resultado familiar na literatura de que haverá um equilíbrio sub-ótimo, no qual uma
inflação excessiva será acompanhada de ganhos nulos em termos de produto (Kydland
& Prescott, 1979; Barro & Gordon, 1983).
A implicação diz respeito às vantagens de se implantar meios de eliminar o viés
inflacionário. Mecanismos que façam o público acreditar no compromisso do BC, com a
meta de produto potencial, teriam o efeito de aumento de credibilidade, e assim
24
permitiriam um equilíbrio mais eficiente, com menor inflação (Clarida, Galí & Gertler,
1999);
(vi) Delegando-se a política monetária a diretores que possuem forte aversão à
inflação, dando-lhe um peso maior que o dado pela própria sociedade, pode-se alcançar
uma redução ou eliminação do viés inflacionário (Rogoff, 1985).
Para Clarida, Galí & Gertler (1999), a exceção deveria ser feita aos casos de choque de
oferta. Diretores muito conservadores poderiam, nesses casos, impor grande volatilidade
do produto e redução do bem-estar. Goodfriend & King (1997) resolveriam esse
problema pela sugestão do uso de um índice de preços (core index) que exclua os preços
de maior volatilidade, tais como preços de petróleo e alguns alimentos;
(vii) Uma vez que a inflação corrente seja forward-looking, ou seja, determinada
pelas expectativas sobre as condições econômicas futuras, um Banco Central que
consiga se comprometer de forma crível com uma regra lida com uma melhoria do
trade-off de curto prazo entre inflação e produto.
Na visão de Clarida, Galí & Gertler (1999), mesmo um BC que não tenha como meta
um produto superior ao potencial pode gerar resultados sub-ótimos, caso não seja
estabelecida uma regra crível de política monetária. Caso não haja credibilidade, as
expectativas de inflação podem dificultar o alcance da meta inflacionária, impondo
elevadas taxas de sacrifício do produto e perdas sociais;
(viii) Face aos choques inflacionários, a regra ótima de política monetária deve
explorar a dependência da inflação corrente em relação às condições futuras da
economia, em particular a relação para com a demanda futura.
Tomando como base o texto de Woodford (1999), Clarida, Galí & Gerlter (1999)
sugerem que uma desinflação mais rápida requer um compromisso e sinalização, por
parte do BC, de que atuará continuamente no futuro sobre a demanda agregada,
enquanto a inflação não retornar para sua meta. Sob um choque de oferta, por exemplo,
um BC discricionário reduz inicialmente o produto em t, porém deixa o produto em t+i
retornar à tendência ao longo do tempo, enquanto a inflação também retorna à meta
25
gradualmente. Sob compromisso e regra ótima, por outro lado, o BC sinaliza que
continuará a reduzir o produto em t+i, enquanto a inflação não retorne à meta. Devido à
dependência da inflação corrente em relação ao produto em t+i, pelas expectativas, essa
sinalização tem efeito direto sobre a primeira, facilitando o processo de desinflação da
economia.
De certa forma, isto concederia a possibilidade de um ajuste gradual da taxa real de
juros frente a um choque, desde que o BC consiga tornar crível o compromisso de
alterá-la ad infinitum, enquanto houver o desvio inflacionário. Neste sentido, mais
importante do que alterar a taxa real de juros hoje seria sinalizar a continuidade desse
ajuste ao longo do tempo, explorando-se assim o canal das expectativas. Isto está em
conformidade com a idéia em Woodford (2003) de que a política monetária é, acima de
tudo, uma gestão das expectativas de mercado.
Já na visão de Galí & Gertler (2007), duas questões-chave são tratadas pelos “novos
modelos macroeconômicos” que surgem na segunda metade dos anos 90, como uma
tentativa de construir uma base quantitativa e microfundamentada para a avaliação da
política monetária:
1) A eficácia da política monetária depende crucialmente das expectativas do
setor privado acerca da trajetória esperada futura da política monetária. Diferentemente
de abordagens mais remotas, como Fischer (1977) e Taylor (1980), os modelos mais
recentes consideram as expectativas da trajetória futura da taxa de juros tão ou mais
importantes do que o ajuste na taxa corrente. Uma vez que as equações estruturais dos
modelos são construídas com base em otimização forward-looking dos agentes
individuais, as expectativas estão naturalmente como parte integrante do modus
operandis da economia e determinam diretamente a capacidade do BC de interferir nos
valores correntes do produto e da inflação. Daqui surge a idéia disseminada de que a
eficácia da política monetária depende da capacidade de gestão, pelo BC, das
expectativas do mercado (Woodford, 2003);
2) Os valores naturais (de equilíbrio) do produto e da taxa real de juros não são
mais tratados como “tendências suavizadas implícitas”, como se costumava fazer nos
primeiros modelos de ciclos reais de negócios, mas são endogeneizados e modelados
26
explicitamente, podendo apresentar variações consideráveis. Os valores naturais são
aqueles valores do produto e da taxa real de juros que seriam verificados no caso de
inexistência de quaisquer rigidezes nominais. Nos novos modelos, tais valores podem
sofrer alterações por meio dos fatores reais, como mudanças nas preferências e
produtividade, ao gosto da tradição dos ciclos reais. Logo, os novos modelos
apresentam, na visão de Galí & Gertler (2007), uma nova implicação prática para a
política monetária, a saber, a necessidade de se localizar (tracking) os valores naturais
ou de referência para a tomada de decisão do BC, os quais estão em movimento próprio.
O modelo básico apresentado em Galí & Gertler (2007) 6 parte do instrumental canônico
apontado por Goodfriend & King (1997) e Clarida, Galí & Gertler (1999). Assim como
na tradição dos ciclos reais, o ponto de partida é a definição de um modelo de equilíbrio
geral dinâmico estocástico, ou seja, uma versão estocástica do modelo de crescimento
neoclássico convencional. No entanto, para que o modelo seja usado como avaliação de
política monetária, três elementos novo-keynesianos são introduzidos: moeda,
competição imperfeita e rigidez nominal.
O Banco Central controla a oferta de moeda com o objetivo de acomodar a demanda por
moeda no nível desejado de taxa de juros de curto prazo. Enquanto esta tem efeitos de
curto prazo sobre as decisões de gastar, a moeda sozinha não possui tais efeitos, visto
que o modelo abstrai a correlação entre encaixes reais e gastos. As firmas são
concebidas como price-setters ao invés de price-takers, deparando-se com uma curva de
demanda decrescente. A competição imperfeita abre espaço para a rigidez de preços no
curto prazo, pelo que a política monetária pode ser usada como ferramenta anti-cíclica.
Uma vez que os preços são ajustados apenas gradualmente, o BC pode afetar a taxa real
de juros e os gastos dos agentes, por meio do controle das taxas nominais de juros.
1.2– A perspectiva mainstream para Inflation Targeting
1.2.1 – Características práticas do regime
6 Para uma análise exaustiva do pensamento de Galí & Gertler (2007), caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o Apêndice 2.
27
Durante os anos 90, países como Nova Zelândia, Canadá, Reino Unido, Suécia,
Finlândia, Austrália, Espanha, e Brasil inclusive, optaram por um novo regime de
política monetária: o regime de metas de inflação (Inflation Targeting), cujas
características principais são: a) adoção e anúncio explícitos de uma meta quantitativa
para o intervalo da inflação, ou para um único valor da inflação. O intervalo usualmente
varia entre 1,5 a 2,5% ao ano; b) a adoção de um procedimento operacional que pode
ser definido como “metas para as expectativas de inflação”, ou seja, o uso de uma
previsão condicional da inflação como uma meta intermediária; c) incremento de
transparência e prestação de contas (accountability), ou responsabilidade por parte do
Banco Central no alcance dos objetivos anunciados (Svensson, 2000).
Um dos problemas potenciais enfrentados pelo regime de Inflation Targeting seria o
fato de que o controle da inflação corrente não pode ser feito por meio do ajuste
contemporâneo do instrumento de política (taxa de juros nominal de curto prazo). Isto
dificulta a implementação do regime. Existe uma defasagem temporal entre o manejo do
instrumento e os seus efeitos integrais sobre a taxa de inflação. Durante esse intervalo
de tempo podem ocorrer choques ou acontecimentos que modificam o cenário esperado
pelas autoridades, de modo que a inflação observada ex post se desvie da inflação que se
desejava obter ex ante no momento do ajuste dos instrumentos.
Dado que a taxa de inflação é determinada por outros fatores além e fora do controle da
política monetária, quanto maior a defasagem entre o ajuste da política e seus efeitos
sobre a inflação tanto maiores serão as dificuldades de se entregar (alcançar) uma
inflação desejada. Por outro lado, ao perceber um desvio inflacionário ex post, o BC
poderia argumentar que tal desvio foi gerado por fatores fora de seu controle,
imunizando-se ou justificando-se dos hiatos observados. Neste caso, diminui-se a
accountability por parte do BC e o regime de metas de inflação perde credibilidade.
Ao se tornar mais difícil a monitoração do regime pelo público, “o mecanismo de
compromisso” perde eficácia. Os críticos do regime de metas inflacionárias se
aproveitam dessa argumentação, e defendem que regimes de metas monetárias ou
cambiais são mais seguros para se garantir taxas de inflação reduzidas e estáveis.
28
No entanto, Svensson (1997) argumenta que existe uma solução simples, porém
poderosa para lidar com esses problemas de implementação e monitoração do regime: o
regime de metas de inflação pode ser visto como um regime de metas de expectativas de
inflação. A expectativa de inflação do BC (e do público) se torna uma meta
intermediária. A expectativa de inflação do BC é uma meta intermediária ideal, para
Svensson (op. cit.), pois é a variável corrente mais correlacionada com o objetivo da
política monetária, mais controlável que o objetivo e de observação mais fácil que o
objetivo. Svensson (op. cit.) busca demonstrar que se as expectativas de inflação são
observáveis, o melhor que o BC pode fazer sob o regime de metas de inflação é
controlar o instrumento de política de modo a eliminar os desvios expectacionais.
Devido a perturbações aleatórias dentro do intervalo de defasagem, o BC não pode
garantir que a inflação observada ex post fique dentro da meta, porém ele pode fazer
com que as expectativas de inflação, para o período de defasagem, fiquem dentro da
meta. A função ótima de reação do BC coloca a taxa de juros como função da
informação corrente relevante e impõe a condição de igualdade entre expectativas de
inflação e meta de inflação. Quando as expectativas de inflação estão acima da meta, o
BC aumenta a taxa de juros a fim de que aquelas primeiras venham a convergir para a
meta; o contrário ocorre quando as expectativas estão abaixo da meta.
Como o BC dá algum peso à estabilidade do produto, o que se faz é adotar uma meta de
curto prazo para as expectativas de inflação, que diverge provisoriamente da meta de
inflação de longo prazo, enquanto existem choques inflacionários e efeitos sobre a
inflação além do controle do BC, e enquanto existe algum peso dado à estabilização do
produto.
Portanto, para certos autores, o regime de metas não implica ajuste instantâneo das
expectativas de inflação em direção à meta (Ball, 1999). A velocidade do ajuste
depende do peso que a estabilidade do produto tem na função perda social (loss
function) do BC, além da freqüência e tamanho dos choques de oferta. Em tese, quanto
maior o peso dado à estabilização do produto, menor será a velocidade do ajuste, e mais
lenta será a convergência da expectativa de inflação para a meta de inflação.
29
Esses princípios práticos do regime estão em sintonia com o que pensam Clarida, Galí e
Gertler (1999). Para estes, a política ótima altera as taxas nominais de juros, dada a
elevação da inflação e das expectativas de inflação, a fim de que haja uma alteração
suficiente nas taxas reais de juros, no sentido de combater os desvios em relação à meta.
No entanto, para os mesmos, o BC deve acomodar os choques de oferta e levar em
consideração o peso que a sociedade dá à estabilização do produto. Na presença de
choques de oferta e havendo peso positivo para a estabilidade do produto - o que parece
ser o caso geral -, o ajuste das taxas nominais de juros (e das taxas reais) deve acomodar
em alguma medida o desvio inflacionário.
Muitos países que adotaram o regime de metas de inflação o fizeram pelo abandono de
metas monetárias. Diferentemente do que ocorre com as metas cambiais7, mas
semelhantemente ao que ocorre com a meta monetária8, o regime de metas de inflação
permite à política monetária atender a objetivos relacionados à economia doméstica e
responder aos choques (de oferta). Ademais, o regime de metas de inflação não sofre
com choques sobre a velocidade-renda da moeda, já que ele não precisa supor
estabilidade entre moeda e inflação. O regime, neste caso, utiliza toda a informação
disponível para escolher a melhor decisão de política, não ficando restrito a informações
sobre uma variável específica (moeda, por exemplo).
Segundo Mishkin (1999), uma das vantagens do regime de metas de inflação seria
reduzir as chances do problema de inconsistência temporal da política monetária à lá
Barro & Gordon (1983a; 1983b). Ao contribuir para delimitar o debate público em torno
do que o BC pode realmente fazer no longo prazo – controlar a inflação -, o regime de
metas de inflação estaria restringindo as pressões políticas por elevação do produto via
expansão inflacionária. Ao convencer gradualmente a sociedade de que no longo prazo
7 “[…] exchange-rate target results in the loss of independent monetary policy. With open capital markets, an exchange-rate target causes domestic interest rates to be closely linked to those of the anchor country. The targeting country thus loses the ability to use monetary policy to respond to domestic shocks that are independent of those hitting the anchor country. Furthermore, an exchange-rate target means that shocks to the anchor country are directly transmitted to the targeting country because changes in interest rates in the anchor country lead to a corresponding change in interest rates in the targeting country.” (MISHKIN, 1999, p. 4). 8 “A major advantage of monetary targeting over exchange-rate targeting is that it enables a central bank to adjust its monetary policy to cope with domestic considerations. It enables the central bank to choose goals for inflation that may differ from those of other countries and allows some response to output fluctuations.”(MISHIKIN, 1999, p. 12).
30
não é possível expandir o produto além de seu nível potencial via política monetária, um
regime que seja transparente e inteligível, como o regime de metas de inflação, estaria
eliminando as expectativas de viés inflacionário.
Os países que adotam o regime de metas escolhem um valor para a meta acima de zero,
ainda que o objetivo principal da política monetária seja a estabilidade de preços no
longo prazo. Em primeiro lugar, uma meta de inflação próxima de zero pode aumentar
as chances de deflação, o que traz perigos para a atividade econômica e para o sistema
financeiro. Há evidências empíricas9 de que manter a meta de inflação acima de zero –
mas não muito acima –, por longos períodos, não coloca em riscos a estabilidade de
preços e a credibilidade do Banco Central (Almeida & Goodhart, 1998; Laubach &
Posen, 1997; Bernanke et al., 1999).
Na prática, todos os países que adotam o regime de metas de inflação possuem relativa
flexibilidade para acomodar, em algum grau, políticas de curto prazo voltadas para a
estabilização do produto e emprego. Além disto, a fim de que não haja grandes perdas
do produto, o processo de desinflação tem se mostrado gradual nesses países, uma vez
que a meta de inflação escolhida tem convergido para a inflação desejável de longo
prazo apenas após algum tempo, e à medida que as expectativas de inflação são
gradualmente reduzidas. Logo, o regime de metas de inflação não está ligado
necessariamente à hipótese de expectativas racionais (ER), tão cara aos novos clássicos
e a alguns novos keynesianos, nem à hipótese de credibilidade perfeita. Autores como
King (1996), Ball (1999) e Debelle & Fischer (1994) mostram que, pelo menos durante
o período de construção de reputação e credibilidade, as expectativas têm forte
componente backward-looking (expectativas adaptativas).
No Brasil, em particular, o regime de metas de inflação foi implantado, no dia 1º de
Julho de 1999, como conseqüência do abandono da âncora cambial. Foi o arcabouço
institucional e operacional escolhido para o alcance daquele que seria o principal
objetivo de longo prazo da política monetária: a manutenção de taxas de inflação
reduzidas e estáveis. Este objetivo estaria expresso no anúncio da própria meta de
9 O foco do trabalho não é o de analisar as chamadas controvérsias empíricas acerca da eficácia de IT. No entanto, caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o Apêndice 3 para uma discussão maior sobre o assunto.
31
inflação, a qual seria a nova âncora nominal para as expectativas de inflação e decisões
de política, pelo que se esperava com isto aumentar a transparência e a comunicação da
autoridade monetária para com o público.
Ademais, esperava-se com esta nova sistemática fornecer maior informação aos policy-
makers no que respeita às relações entre as decisões de política de curto prazo e suas
conseqüências de longo prazo (Bogdanski, Tombini & Werlang, 2000, p. 10). Os
principais elementos institucionais e operacionais do regime no Brasil são:
1. As metas de inflação devem ser estabelecidas em termos de variações de
um índice de preços amplamente conhecido pelo público;
2. A meta de inflação e seu intervalo de tolerância são escolhidos pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN), com base em uma proposta do Ministro
da Fazenda;
3. Ao Banco Central é dada a responsabilidade de implementar as políticas
necessárias para o alcance da meta de inflação;
4. A meta de inflação é considerada alcançada pelo BC se a inflação
observada, acumulada entre Janeiro e Dezembro de um ano específico, estiver
dentro dos limites de tolerância definidos pelo CMN;
5. Caso a inflação observada fique fora dos limites estabelecidos, o
Presidente do BC precisa enviar uma carta ao Ministro da Fazenda explicando as
causas do desvio, as medidas que serão tomadas para fazer a inflação retornar ao
intervalo de tolerância e o tempo que será necessário para que as medidas
tenham seus efeitos previstos;
6. O BC precisa publicar a cada trimestre um relatório abordando a
performance do regime de metas de inflação, os efeitos das decisões de política
monetário e as previsões para a trajetória da inflação.
32
Bogdanski, Tombini & Werlang (2000) chamam atenção para a importância inicial de
uma meta de inflação brasileira decrescente no período 1999-2001. A elevação da
inflação experimentada pelo país ao longo de 1999 seria motivada pelo choque de
desvalorização do câmbio naquele ano, o que teria gerado uma elevação de certos
preços once-for-all. Uma vez passado o choque, a inflação não teria comportamento de
elevação. Logo, para acomodar o choque naquele ano inicial, fixou-se uma meta de
inflação maior (8%). Como as autoridades acreditavam que o bom funcionamento do
regime de metas permitiria uma trajetória declinante da inflação ao longo dos anos
seguintes, as metas também foram fixadas em níveis gradualmente menores.
Este caso de meta decrescente, nos primeiros anos do regime no Brasil, pode ser visto
como uma aplicação do princípio de King (1996), de que, em geral, uma estratégia
ótima é fixar uma meta de inflação que convirja gradualmente para a meta de longo
prazo, porém sempre fixada abaixo das expectativas de inflação e de forma decrescente.
1.2.2– O modelo de Ball sobre Inflation Targeting
O modelo desenvolvido por Ball (1999a) é similar aos de Taylor (1994), Hall &
Mankiw (1994) e Svensson (1997). Ele possui duas equações - uma equação IS
dinâmica e uma curva de Phillips aceleracionista - e enfatiza os efeitos defasados da
política monetária e a inércia da inflação. A regra ótima é definida como aquela que
minimiza uma soma ponderada das variâncias da inflação e do produto, sendo que os
pesos dessas variâncias dependem das preferências das autoridades. Uma regra eficiente
é definida como aquela que é ótima para uma dada escolha de pesos.
Ball (1999a) define o regime estrito de metas inflacionárias como o que tenta alcançar a
meta fixada o mais rápido possível sem que sejam consideradas as implicações ou
perdas para o produto: quando existe um choque que faz a inflação observada divergir
da meta, o BC altera a taxa de juros na magnitude necessária para eliminar esse hiato o
mais depressa possível.
33
Por outro lado, no regime amplo ou flexível de metas, o BC também faz a inflação
convergir para a meta, porém com menor velocidade, já que são levadas em conta as
perdas sociais em termos de produto; logo, após um choque, o ajuste deve ser gradual, e
não instantâneo. O regime estrito de metas só se torna eficiente quando as autoridades
não concedem nenhum peso à variância do produto. Em Svensson (1997), analisa-se o
regime estrito como um regime ótimo para o longo prazo, visto que estaria ausente o
trade-off entre inflação e desemprego.
No entanto, no curto prazo existem impactos da política monetária sobre o produto, de
modo que é necessária uma flexibilização do regime de metas, a fim de que a
convergência da inflação ganhe gradualismo e as perdas de produto sejam minimizadas.
Na medida em que haja preocupações com a variância do produto, deve-se buscar
alguma flexibilidade ou gradualismo no ajuste, de modo que o regime amplo de metas
se torna o recomendável e eficiente. Pode-se dizer que a política ótima de longo prazo
deve receber mecanismos adicionais que permitam sua flexibilização e maior eficiência
no curto prazo.
A economia é descrita por meio de duas equações:
(1) y = -βr-1 + λy-1 + ε
(2) π = π-1 + αy-1 + η
Onde y é o hiato do produto, r a diferença entre a taxa real de juros e a taxa de equilíbrio
e π a diferença entre inflação e inflação média; ε é um choque de demanda e η um
choque de oferta, ambos de “ruído branco” (white-noise shocks), com média igual a
zero e variância constante; α, β e λ são constantes.
Assume-se que o principal instrumento do BC seja a taxa de juros (Ball, 1999a).
Embora o controle direto seja sobre as taxas nominais, o BC altera estas com vistas a
regular a taxa real de juros. As autoridades definem a taxa de juros após observarem os
choques. No entanto, os efeitos sobre o produto só são sentidos após um período, e
sobre a inflação após dois períodos – o que é expresso pelas defasagens nas duas
34
equações. As flutuações no produto são persistentes, já que o hiato do produto defasado
entra na equação 1; a inflação é inercial: uma vez que haja aumento da inflação, ela só
se reduz com reduções no produto (Ball, op. cit.).
Uma regra de política é uma regra para ajustar a taxa de juros (Ball, 1999a). Esta afeta a
economia porque ela afeta a expectativa do produto em t+1. A equação 1 implica a
seguinte função:
(3) E[y+1] = -br + λy, sendo E[ε] = 0
Dado y, o BC pode alterar Ey+1 por meio de r. A inflação esperada é dada por E[π+1] =
π + αy. Logo, segundo Ball (1999a), pode-se pensar a expectativa do produto como
função linear da expectativa da inflação, tal que:
(4) E[y+1] = -qE[π + αy], onde q >0.
Combinando (4) e (3), chega-se a uma regra de Taylor:
(5) r = [(λ + αq)/β] y + (q/β) π
Ball (op. cit.) define o “q ótimo” como função dos parâmetros e dos pesos que as
autoridades dão às variâncias da inflação e do produto. O intervalo de q vai de zero a
1/α. Quando o BC dá mais atenção à inflação, q sobe, e os juros respondem mais
agressivamente às variações no produto e na inflação. No limite q equivale a 1/α10.
Segundo Ball (1999a), a regra de Taylor que expressa a política de juros em alguns
países, como EUA e Inglaterra, teria um coeficiente para o produto ineficiente, já que
ele estaria em 0,5, mesmo valor do coeficiente para a inflação. Com isso, as autoridades
responderiam de forma pouco expressiva às flutuações do produto. Como há uma
correlação entre o produto e o produto esperado (equação 3), se a taxa de juros não
combater adequadamente as oscilações do produto, estas são amplificadas e traduzidas
10 Ball (1999a) deriva o intervalo de q em um apêndice de seu artigo. Por motivo de objetividade, o presente trabalho não apresentará o processo por meio do qual Ball encontra tais valores, ficando a critério do leito uma análise do mesmo, caso seja de interesse.
35
em aceleração da inflação (equações 1 e 2). Logo, Ball defende um aumento do
coeficiente do produto [(λ + αq)/β] para um valor dentro da faixa (0,8;1,8). Com isto, a
taxa de juros se ajustaria mais agressivamente face a flutuações do produto, pelo que os
efeitos de y sobre Ey+1 seriam anulados, e o ciclo econômico suavizado.
A definição de um regime estrito de metas é que a política de juros minimiza a variância
da inflação em torno da meta fixada. Como afirma Svensson (1997), isto faz com que a
política leve as expectativas de desvio inflacionário a zero. Como a mudança da taxa de
juros no período t só afeta a inflação no período t+2, então:
(6) E[π+2]= 0
Este regime estrito seria ineficiente porque ele minimiza a soma ponderada das
variâncias do produto e da inflação somente quando o peso do produto é zero. Caso
contrário, a variância da inflação é minimizada, porém a variância do produto cresce,
principalmente quando são considerados os efeitos de choques de oferta, os quais
implicam um trade-off entre as variâncias do produto e da inflação, tal como salientado
por Clarida, Galí & Gertler (1999), Svensson (1997) e Bofinger, Mayer &
Wollmershaeuser (2006).
A partir de (2), tem-se:
(7) E[π+2] = E[π+1] + αE[y+1]
Substituindo (4) em (7):
(8) E[π+2] = (1 −αq) E[π+1]
Dado que q varia de 0 a 1/α, E[π+2] varia de 0 a E[π+1]. Quanto menor o valor de q, ou
seja, quanto menor a preocupação das autoridades com o desvio inflacionário, maior
será a proporção de E[π+1] que se permitirá traduzir em E[π+2]. No regime estrito, seja
qual for o valor de E[π+1], a resposta dos juros face a choques será a necessária para
levar E[π+2] a zero. Por outro lado, no regime flexível a resposta da taxa de juros é
36
gradual, e a redução das expectativas de inflação é feita gradualmente. Svensson (1997)
salienta para o fato de que na prática nenhum país adota o regime estrito. Ao permitir
uma trajetória de curto prazo para os desvios da inflação, um BC reconhece os impactos
da política monetária sobre o produto. Ball (1999a) afirma que uma regra de Taylor
eficiente é equivalente a uma meta de inflação com ajuste gradual.
1.2.3– O modelo BMW
Uma outra abordagem para o regime de metas de inflação é feita por Bofinger, Mayer &
Wollmershaeuser (2006) - cujas iniciais dão origem ao nome do modelo (BMW). Os
autores argumentam que o modelo convencional IS/LM-AS/AD tem sido criticado pela
sua incapacidade de lidar com problemas contemporâneos, tais como o uso da taxa de
juros como principal instrumento de política monetária (Romer, 2000) e a lógica do
regime de metas de inflação (Walsh, 2002). O modelo BMW, por outro lado, permitiria
lidar com essas questões, além de oferecer os principais resultados da economia novo-
keynesiana, presentes na síntese de Clarida, Galí & Gertler (1999), através de uma
estrutura simples e compreensível, além de integrar o problema da inconsistência
temporal (Barro & Gordon, 1983a,b) e lidar com a reação aos choques de demanda.
O modelo é formado por três blocos: uma curva IS, uma curva aumentada de Phillips e
uma regra de política monetária. A curva IS coloca o gap do produto (y) como função
de um componente autônomo de gastos (a), da taxa real de juros (r) - sendo b uma
constante - e de um choque de demanda (ε1):
(1) y = a – br + ε1
Tal como em Romer (2000), o gap do produto é tido como o desvio (em logaritmo) do
produto agregado de seu nível potencial; pela equação (1), pode-se ver que quando não
há choque – e o gap é zero -, a taxa real de juros está em seu nível de equilíbrio, dado
por a/b. Blinder (1998) a chama de taxa real de juros de curto prazo neutra. Pela
perspectiva novo-keynesiana, a curva IS descreve a alocação ótima de consumo das
famílias.
37
Por outro lado, Clarida, Galí & Gertler (1999) argumentam que a curva IS pode receber
a inclusão de uma função investimento, que refletiria a decisão ótima de investimento
empresarial, sem que isto resulte em mudanças qualitativas da análise. Como se sabe, a
tradição novo-keynesiana dá ênfase aos chamados microfundamentos das variáveis
macro. Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) seguem esta tradição.
O segundo bloco do modelo é uma curva aumentada de Phillips, que põe a taxa de
inflação (π) como função das expectativas de inflação(πe), do gap do produto (y) -
sendo d uma constante - e de um choque de oferta (ε2):
(2) π = πe + dy + ε2
Por simplificação, os autores supõem credibilidade do BC, pelo que as expectativas de
inflação são iguais à meta de inflação (πο). Tomando πe = πο, a equação (2) fica:
(3) π = πο + dy + ε2
Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) consideram (3) como um caso particular da
perspectiva novo-keynesiana, supondo que as expectativas são formadas racionalmente.
O terceiro bloco do modelo consiste de uma regra de política monetária. Os autores não
especificam uma função reativa de taxa real de juros, mas apenas explicitam que
seguem a tradição de que o BC responde aos choques com alteração da taxa real de
juros, por meio de mudanças suficientes na taxa nominal de juros.
Um resultado básico alcançado pela análise gráfica de Bofinger, Mayer &
Wollmershaeuser (2006) é o de que a política monetária não enfrenta um trade-off entre
produto e inflação, quando o choque a ser combatido é de demanda. Neste caso, o ajuste
da taxa de juros faz com que haja uma estabilização simultânea do produto e da
inflação. Por outro lado, os autores mostram que no caso de choques de oferta existe o
trade-off: o ajuste da taxa de juros estabiliza a inflação, porém gera volatilidade do
38
produto. Esses resultados são comuns às análises de Ball (1999a), Svensson (1999) e
Clarida, Galí & Gertler (1999).
Em seguida, Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) apresentam o regime de metas
de inflação como a mais proeminente das estratégias de política monetária, por meio de
um incremento da transparência e responsabilidade do BC para com o público. O
regime de metas é apresentado a partir de uma função perda (loss function):
(4) L = (π – πo)2 + λy2, sendo λ ≥ 0.
Pela equação (4), o BC está preocupado com a minimização dos desvios da inflação e
do produto. Quando λ > 0, o BC segue um regime flexível de metas de inflação, já que
existe algum peso dado à estabilização do produto; se λ = 0, não há preocupação com a
estabilização do produto, e o BC segue um regime estrito (“ inflation nutter”)
(Svensson, 1999; Rogoff, 1985).
Para obterem uma regra ótima de política monetária, Bofinger, Mayer &
Wollmershaeuser (2006) inserem a curva de Phillips (3) na função perda (4) e depois
minimizam a função modificada em relação a y. Chega-se a um valor ótimo de y:
(5) y = - [d/(d2 + λ)]ε2
Os autores argumentam que o modelo está em linha com a abordagem novo-keynesiana,
em que a política monetária é conduzida por uma escolha ótima de y. Substituindo (5)
em (3), encontra-se uma expressão para o desvio ótimo da inflação:
(6) π – πo = [λ/(d2 + λ)]ε2
Uma regra de instrumento coloca a taxa de juros do BC como função de toda a
informação disponível no momento da decisão. Substituindo (5) em (1), e resolvendo
para r, chega-se à seguinte regra de instrumento:
(7) ropt = a/b + (1/b) ε1 + [d/b(d2 + λ)]ε2
39
O BC combate os choques de demanda independentemente do peso dado à estabilização
do produto, porém leva em conta o valor de λ ao combater os choques de oferta, dado o
trade-off entre inflação e produto neste último caso. Quanto maior λ, menor [d/b(d2 +
λ)] e menor será a resposta da taxa de juros diante de um choque de oferta. No
equilíbrio, quando ε1= ε2 = 0, tem-se ropt = a/b que é a taxa real de juros de curto prazo
neutra.
Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006) também apresentam o regime de metas de
inflação pela abordagem das regras de metas (Svensson, 1999). Esta nada mais é do que
uma condição de minimização para a função perda social. Eliminando ε2 das equações
(5) e (6), e resolvendo o sistema entre ambas para π, chega-se à seguinte condição de
primeira ordem:
(8) π = πo - (λ/d)y
A equação (8) é uma “regra de meta”, que põe uma condição de otimização da política
monetária, impondo que uma elevação do produto deve ser compensada com uma
política monetária que reduza a inflação. Dadas as preferências do BC (λ), a estrutura da
economia e os choques sobre a mesma, a satisfação de (8) assegura a minimização da
função perda.
1.3– Motivações ortodoxas para a flexibilização do regime
Pode-se argumentar no sentido de que as motivações para a flexibilização do regime de
IT encontradas no mainstream são restritas, e estão associadas a hipóteses teóricas
específicas. Em primeiro lugar, essas motivações dizem respeito às seguintes restrições:
a) choques de oferta; b) suavização da taxa de juros (smoothing); c) considerações sobre
câmbio em economias abertas; d) incerteza estrutural.
40
No que diz respeito aos choques de oferta, os autores ortodoxos supõem a existência de
trade-off entre a variabilidade da inflação e do produto (Conferir Ball, 1999a; Svensson,
1997; Clarida, Galí & Gertler, 1999). Neste caso, se a sociedade se preocupa com o
produto, o choque de oferta deve ser acomodado em algum grau a fim de que não haja
perdas sociais decorrentes de menores níveis de produção e emprego.
No caso da suavização, o BC pode dar atenção à estabilidade da taxa de juros como
forma de evitar movimentos bruscos nos mercados financeiros. Logo, a taxa de juros é
ajustada apenas parcialmente diante de um choque, havendo grande peso dado a seu
valor passado (Woodford, 2003).
Dentro da perspectiva ortodoxa, embora a política monetária tenha como principal
objetivo a estabilização da inflação no longo prazo, é possível que no curto prazo, além
da busca por estabilização do produto, o BC se preocupe com a estabilidade da taxa de
juros. Uma função perda social (loss function) que expresse essas considerações seria:
L t = j1 (Yt - Y
p)2 + j2 (Πt - Πn)2 + j3 [(Rt - Rn)]2
A minimização da função perda social acima envolve uma política monetária que seja
capaz de minimizar as volatilidades da inflação (Πt - Πn) e do produto (Yt - Yp) ao
menor grau possível de volatilidade da taxa de juros (Rt - Rn) – sendo Πn , Yp e Rn ,
respectivamente, a meta de inflação, o produto potencial e a taxa natural de juros. Neste
caso, a resposta de política presente no instrumento ótimo deixa de ser suficiente para a
minimização da função perda, já que as variações da taxa de juros, necessárias para
estabilizar o produto e a inflação, geram perdas sociais. Uma outra especificação para a
regra de instrumento seria necessária.
Na prática, o BC americano tende a suavizar o ajuste da taxa de juros nominal, ou seja,
as variações observadas da taxa básica de juros americana tendem a ser mais suaves do
que as regras ótimas de política sugeririam (Rotemberg & Woodford, 1997; Willians,
1999). Existe um certo peso dado à inércia da taxa de juros, pelo que uma função
resposta do BC mais adequada à apresentação dos dados poderia ter a seguinte
especificação:
41
rt = c1 rt-1 + (1- c1) [c2 πt + c3 yt]
Em que c1 é o coeficiente de suavização (smoothing) da política monetária. Quanto
maior c1, maior o peso de rt-1 (taxa real de juros em t-1) na determinação de rt, e menor o
peso das demais variáveis correntes, inflação e produto (πt e yt). O caso em que c1 > 0
pode ser considerado o caso geral de análise da política, ao passo em que c1 = 0 seria um
caso particular, e que daria origem à regra de Taylor padrão.
A taxa de juros em t pode ser interpretada como uma média ponderada entre as
variáveis que determinam o estado da economia em t e a taxa de juros em t-1. Alguns
estudos sugerem que o parâmetro de suavização, na prática, esteja em torno de 0,8, pelo
que se verifica grande peso dado à estabilização da taxa de juros. Na prática, a política
monetária é muito mais suavizada do que a derivada pelos modelos padrão (Clarida,
Galí & Gertler, 1999).
A motivação para essa suavização ainda é uma questão não resolvida pela teoria
contemporânea, embora algumas pistas sejam apresentadas no debate recente11. Quando
existe incerteza acerca da distribuição de probabilidade dos parâmetros estruturais, ou
quando a atuação do BC pode interferir nessa distribuição de maneira desconhecida,
então surgem razões para uma maior suavização da resposta da política monetária diante
dos choques e/ou desvios observados (Brainard, 1967).
Uma das prováveis razões para o gradualismo da política monetária é a própria aversão
à reversão de política revelada pelas autoridades. Trata-se do “valor da opção” (Blinder,
2006). Uma vez que o BC se depara com um mundo de incertezas, e não se sabe qual
serão as mudanças ou choques enfrentados no futuro, é preferível manter a posição
corrente a mudar de posição, ou, dentro do mesmo sentido, é preferível mudar
gradualmente a taxa de juros a mudá-la de uma só vez, dado a aversão que o BC tem em
relação à reversão da política.
11 Conferir Rudebusch (2006) para maiores detalhes sobre as discussões teóricas e evidências empíricas acerca do tema da inércia na política monetária.
42
Por sua vez, em economias abertas, se o BC for inflexível e seguir um regime de metas
de inflação estrito, a taxa de juros terá de ser usada como meio de alterar a taxa de
câmbio – sendo este o caminho mais rápido para o controle inflacionário -, para que a
inflação venha a convergir rapidamente para a meta escolhida12. A volatilidade cambial
teria impactos negativos para a economia e justificaria a adoção de mecanismos de
flexibilização do regime de metas em economias abertas (Ball, 1999b).
Ainda, a incerteza estrutural retira a eficácia da regra ótima de política monetária e
também justifica o uso de mecanismos ad hoc, ou seja, uma postura mais gradual face
ao que seria sugerido pelo modelo balizador da política. O BC não possui plena certeza
sobre quais são os valores ou distribuição de valores para os parâmetros do modelo
estrutural. Diante dessa incerteza estrutural, uma regra de instrumento ótima, derivada a
partir da solução de um problema de otimização, não representa um instrumento único e
estável para a política monetária. Havendo mudança estrutural, a regra de instrumento
deve sofrer modificações (Svensson, 1997). No entanto, uma vez que haja incerteza
sobre os novos parâmetros estruturais que prevalecem, a autoridade deve se pautar por
informações e conhecimentos adicionais face à decisão de instrumento.
Em todos esses casos, a literatura convencional aceita e mesmo defende a necessidade
de se flexibilizar o regime de IT, fazendo a passagem de um regime estrito para um
regime flexível (Ball, 1999a; 1999b).
1.4– Um caso não previsto de flexibilização: choques de demanda, taxa natural e
combate integral
Há uma situação em que a economia da Nova Síntese não prevê a necessidade de
flexibilização do regime de IT: trata-se do caso em que a inflação surge como
conseqüência de pressões por excesso de demanda, ou seja, do caso dos choques de
12 Caso seja de seu interesse, o leitor pode conferir o modelo de Ball (1999b) para economias abertas, no Apêndice 4.
43
demanda. Autores como Clarida, Galí & Gertler (1999)13, Svensson (1997), Ball
(1999a) e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006)14, defendem a necessidade de
um combate e resposta integral diante de choques de demanda. Na visão de autores
nesta linha, o choque de demanda não impõe um trade-off entre a variância da inflação e
do produto, permitindo à política monetária estabilizar simultaneamente ambas
variáveis.
Dentro desta concepção, quando o produto se encontra acima do produto potencial
devido a um choque, os fatores de inércia sobre a curva IS e de Phillips aumentam a
probabilidade de que a inflação venha a divergir da meta e que haja um aumento do
custo de desinflação no futuro se as expectativas forem contaminadas – o que se torna
mais factível em contexto de expectativas adaptativas e credibilidade incompleta da
política. Logo, tais autores não vêem nenhuma razão para que a autoridade seja
complacente e acomode qualquer parte do choque de demanda. Quanto maior a inércia,
maior deve ser a agressividade da resposta da taxa de juros diante do choque de
demanda (Clarida, Galí & Gertler, 1999).
Esta tese do mainstream está associada à hipótese de que o produto potencial de uma
economia é determinado exclusivamente pelo lado da oferta, não tendo qualquer
correlação com as flutuações cíclicas da demanda. Trata-se da rejeição do princípio da
demanda efetiva e da não-neutralidade no longo prazo. Se o excesso de demanda não
possui nenhum efeito dinâmico sobre as decisões de investir e sobre a capacidade de
produção no futuro, então segue que o BC não possui qualquer motivação para
acomodar o choque inflacionário, dada a existência de algum grau de inércia para o
mesmo. Ao trazer a taxa de inflação para a meta, por meio de elevações na taxa real de
juros, o BC estabilizaria ao mesmo tempo o produto em seu nível potencial, não
havendo qualquer tipo de perda social relativa a esta política.
13 “That policy should offset demand shocks is transparent from the policy rule. Here the simple idea is that countering demand shocks pushes both output and inflation in the right direction. Demand shocks do not force a short run trade-off between output and inflation.” (CLARIDA, GALÍ & GERTLER (1999, pp. 1674,5) 14 “If the central bank lowers the real interest rate the output gap is closed, and inflation returns to its target level. Thus, the model shows that there is no trade-off between output and inflation in a situation of a demand shock.” (BOFINGER, MAYER & WOLLMERSHAUSER, 2006, pp. 100).
44
Pelo modelo de Ball (1999a), observa-se que o choque de demanda em t terá como
efeito um gap do produto em t e um desvio da inflação em t+1, o que se pode observar
pelas equações (1) e (2) do modelo desenvolvido anteriormente – seção 1.2.2.
O BC responde a esse choque de demanda por meio da regra de Taylor (equação 5),
elevando a taxa real de juros. Isto é conseqüência do fato de que, face ao choque de
demanda, há uma elevação das expectativas de inflação em t+1, sendo que estas
expectativas estão fora de controle da política monetária. O ajuste da taxa de juros em t
só afeta a inflação em t+2. Assim, o modelo estabelece que um aumento da expectativa
de inflação em t+1, no caso de um choque de demanda, deve ser combatido por meio de
uma redução das expectativas de produto em t+1 (equação 4), e de inflação em t+2,
através da elevação dos juros em t.
A resposta da taxa de juros face ao choque de demanda deve ser integral, pois o modelo
não prevê qualquer efeito dinâmico do gap do produto sobre o produto potencial ao
longo do tempo. Logo, devido à existência de inércia do produto e inflacionária, a
pressão sobre a taxa de inflação originada pelo choque de demanda só pode ser
eliminada por meio de uma redução do produto em t+1, e a conseqüente queda da
inflação em t+2. A suposta exogenia do produto potencial impõe a necessidade de um
controle inflacionário agressivo no caso do choque positivo de demanda, tanto maior
quanto for a inércia do produto e da inflação.
Neste caso, o BC não pode alterar a trajetória de longo prazo do produto potencial e
corrente da economia, pois estes são tratados pela Nova Síntese Neoclássica como
variáveis determinadas apenas por “fatores reais”, ou seja, de forma independente da
moeda e da demanda. A escolha da política se restringe à estratégia para minimizar os
desvios da inflação e do produto em torno de seus níveis ótimos. Nada se poderia fazer
em termos de emprego e produto no longo prazo.
Assim, havendo ausência de choques de oferta, melhoria do processo de estimação dos
parâmetros e diminuição do peso dado à estabilização do câmbio e da taxa de juros,
segue que o regime de IT, na visão ortodoxa, deveria ser um regime estrito ou
inflexível, já que o combate integral dos choques de demanda não suscitaria quaisquer
perdas ou custos sociais.
45
No modelo BMW, por sua vez, está presente a idéia de que a resposta da taxa de juros
diante de um choque de demanda não depende do peso social dado à estabilização do
produto (equação 7 na seção 1.2.3). Isto porque se supõe que o choque de demanda não
impõe uma troca entre inflação e produto: o BC pode reduzir a inflação para a meta e,
ao mesmo tempo, o produto para seu nível potencial, não havendo nessa política
qualquer tipo de perda social.
Obviamente, tanto no modelo de Ball (1999a) quanto no modelo BMW está presente a
idéia de uma ausência de correlação de longo prazo entre inflação e produto real, e entre
flutuações do produto e produto potencial. O gap do produto, devido a um choque de
demanda, não teria qualquer efeito sobre a tendência do sistema estudado. Seus “valores
naturais”, produto potencial e taxa natural de juros, seriam determinados por fatores
como tecnologia, disponibilidade de recursos e preferências.
Trata-se de uma exogenia desses valores de equilíbrio em relação à demanda efetiva.
Em outras palavras, trata-se da hipótese da taxa natural ortodoxa, que impõe uma
estabilidade estrutural do sistema, no sentido de que o mesmo converge necessariamente
para valores “atratores”, determinados exogenamente em relação às flutuações cíclicas.
Pode-se perceber que a economia da Nova Síntese, que ampara a teoria de IT ortodoxa,
está fundamentada na concepção da verticalização da curva de Phillips no longo prazo,
ou seja, na versão novo-keynesiana da curva de Phillips (Arestis & Sawyer, 2008). A
chamada taxa de desemprego não-aceleracionista (NAIRU), ou taxa natural de
desemprego, é inflexível em relação às flutuações do emprego corrente, de maneira que
políticas expansionistas, no longo prazo, apenas criam taxas de inflação excessivas
(Barro & Gordon, 1983a; 1983b), sem qualquer efeito em termos de produto real.
A correlação entre inflação e produto seria válida apenas no curto prazo, por meio de
algum tipo de rigidez de preços. A curva de Phillips seria negativamente inclinada no
curto prazo, porém vertical no longo prazo, no qual estariam ausentes as rigidezes e a
economia se comportaria como nos modelos de equilíbrio geral dinâmico estocástico à
lá ciclos reais de negócios.
46
É por esta razão que autores como Goodfriend & King (1997), Clarida, Galí & Gertler
(1999) e Galí & Gertler (2007) apontam a natureza híbrida da Nova Síntese entre
novos-keynesianos e novos-clássicos (ou modelos de ciclos reais). No curto prazo, em
que são analisados os choques e a dissipação dos mesmos, a economia teria caráter
novo-keynesiano, pois haveria efeitos reais da moeda; no longo prazo, quando se analisa
a tendência do sistema e sua evolução, a economia teria caráter novo-clássico ou dos
ciclos reais, pois estariam ausentes os efeitos reais da moeda e da demanda.
Obviamente, trata-se de uma reprodução de uma “economia da oferta”, sob outra
roupagem de técnicas, ferramentas e modelos, resgatando-se as idéias que nortearam
correntes e autores que, ao longo da história do pensamento econômico, negaram em
alguma medida a validade da não-neutralidade da moeda e do princípio da demanda
efetiva.
47
CAPÍTULO 2 – Elementos para uma análise heterodoxa:
fundamentando a endogenia do produto potencial pelo lado da demanda
2.1 – Críticas heterodoxas à Nova Síntese Neoclássica
2.1.1 – A crítica de Kriesler & Lavoie
Kriesler & Lavoie (2007) buscam desenvolver uma “especificação pós-keynesiana da
curva de Phillips”. A partir de Setterfield (2005), Kriesler & Lavoie (op. cit.)
apresentam inicialmente os principais aspectos da Nova Síntese Neoclássica, por meio
de um modelo analítico simples, para depois incorporarem no mesmo alguns elementos
heterodoxos. Inicialmente, os autores especificam uma curva de Phillips que seria
válida, a seu ver, tanto para a versão monetarista de Friedman quanto para os modelos
da Nova Síntese. Tem-se:
(1) ∆π = β1 (u – un) + ε1
Em que ∆π é a variação da inflação, u é o nível de utilização da capacidade produtiva
realizado, un é o nível ótimo de utilização da capacidade e ε1 é um choque não-
sistemático; sendo β1 positivo.
A equação (1) seria a base do trade-off de curto prazo entre inflação e utilização e da
curva de Phillips vertical no longo prazo. Qualquer desvio positivo do produto de seu
nível potencial, ou da utilização realizada de seu nível ótimo, implica em aceleração
inflacionária. O nível ótimo de utilização seria determinado por fatores reais e estaria
fora de controle da política monetária. Logo, não há qualquer correlação de longo prazo
entre moeda e atividade econômica.
Por outro lado, seria assumida uma correlação entre aquelas variáveis no curto prazo,
mediante uma curva IS. Tem-se:
48
(2) u = u0 − β4 r
A equação (2) expressa a relação negativa entre investimento e taxa real de juros, sendo
r a taxa real de juros, u0 um componente autônomo da demanda agregada e β4 um
parâmetro positivo. Dada a correlação entre taxa real de juros e utilização da
capacidade, haveria a necessidade de se especificar uma regra de política monetária
(Kriesler & Lavoie, 2007). Na Nova Síntese, o BC adota a taxa de juros como
instrumento de política, tal que:
(3) i = π + β5 (π – πT) + β6 (u – un) + rn
Em (3), vê-se um tipo de regra de Taylor. O BC ajusta a taxa nominal de juros com o
objetivo de combater os desvios da inflação em relação à meta (πT) e da utilização da
capacidade em relação ao nível ótimo, sendo i a taxa nominal de juros, rn a taxa natural
de juros estimada pelo BC (Taylor, 1999); β5 e β6 são positivos.
Pode-se reescrever a equação (3) em termos de gap da taxa real de juros. Já que r = i –
π, tem-se:
(4) r – rn = β7 (π – πT) + β8 (u – un)
Na Nova Síntese, a equação (4) implica no fato de que sempre quando π = πT e u = un,
haverá r = rn; β7 e β8 são positivos. Para Galí & Gertler (2007), o BC deve perseguir r
= rn em todos os períodos, e como consequência a economia estará em seu estado
estacionário, compatível com o equilíbrio dinâmico em um modelo de ciclos reais de
negócios (Goodfriend & King, 1997; Clarida, Galí & Gertler, 1999). O único desafio
para o BC seria localizar os valores naturais (de equilíbrio) da economia, que podem
sofrer alterações consideráveis no tempo (Galí & Gertler, op. cit.).
O problema com a equação (4) seria a possibilidade de uma má estimação da taxa
natural de juros (Taylor, 1999). Se, por exemplo, a taxa natural estimada for maior que a
verdadeira taxa natural de juros, a taxa de inflação de longo prazo será menor que a
meta de inflação, ainda que haja a convergência da utilização da capacidade para seu
49
nível ótimo. Neste caso, o BC precisa realizar uma nova estimação da taxa natural.
Seguindo Setterfield (2005), Kriesler & Lavoie (2007) apresentam a regra de política da
Nova Síntese em diferenças, como forma de se evitar o problema mencionado acima.
Tem-se:
(5) ∆r = β7 (π – πT) + β8 (u – un)
Ademais, substituindo (1) em (5), e fazendo o choque igual a zero, tem-se:
(6) ∆r = β7 (π – πT) + (β8 /β1)(∆π)
Pela equação (6), o BC responde elevando a taxa real de juros quando há aumento do
nível e da variação da taxa inflacionária. Há, portanto, uma punição maior face a
situações de pressões inflacionárias (Kriesler & Lavoie, 2007). Após apresentar o
modelo analítico acima, Kriesler & Lavoie (op. cit.) passam a enumerar as seguintes
críticas à Nova Síntese:
a) Não haveria uma relação negativa simples e necessária entre a taxa de juros e o
investimento, tal como representada pela curva IS no modelo da Nova Síntese. As
decisões de investir são sujeitas a múltiplas determinações, tais como ao estado de
confiança e expectativas empresariais, entre outras. Ainda que o BC consiga, por meio
de uma redução na meta de taxa de juros, induzir o sistema bancário a diminuir suas
próprias taxas de juros cobradas sobre os empréstimos a pessoas físicas e jurídicas, estas
últimas não aumentariam necessariamente a tomada de recursos e a efetuação de gastos.
Isto porque o impacto de uma diminuição no custo dos financiamentos dependerá, em
especial, das expectativas dos agentes econômicos a respeito de suas condições de renda
e pagamento no futuro.
O consumidor pode diminuir o consumo, mesmo havendo queda das taxas cobradas
sobre o crédito, caso ele esteja prevendo um provável desemprego ou perda de poder de
compra no futuro; a empresa pode retrair investimentos, caso haja contração da
eficiência marginal do capital, ainda que o sistema bancário oferte recursos a custos
menores.
50
Ademais, não é garantido que a alteração da taxa básica de juros pelo BC imponha a
necessária mudança nas taxas de juros relevantes para os gastos de consumo e
investimento (Pollin, 2003). Essas taxas relevantes dependeriam, entre outras coisas, do
comportamento bancário e de sua preferência por liquidez.
O governo pode emitir moeda para comprar títulos privados e públicos sob a posse de
bancos privados, como tentativa de induzir uma redução das taxas de juros relevantes.
No entanto, se os bancos privados estão aumentando sua preferência por liquidez, face à
forte incerteza econômica, os recursos injetados pelo Tesouro são utilizados para
compra de ativos líquidos, como moeda estrangeira e títulos. Logo, não há aumento de
liquidez disponível para empréstimos a consumidores e empresas, não havendo
diminuição de custo e/ou melhoria de condições na concessão desse tipo de crédito.
Trata-se de uma análise que concede papel primordial ao poder de criação e retração de
meios de pagamento por parte do sistema bancário privado, pelo que a política
monetária poderia enfrentar maiores dificuldades no alcance de seus objetivos. Neste
sentido, pode haver uma perda de eficácia da política de taxa de juros em certas
situações, em especial sob forte preferência por liquidez, quando as taxas de juros
relevantes estariam rígidas para baixo. Em casos como este, a política fiscal deveria ser
privilegiada como reguladora da demanda efetiva, ao injetar recursos diretamente para
classes com maior propensão marginal a consumir;
b) Em casos de pressões inflacionárias, a elevação da taxa de juros pelo BC pode
aumentar os custos financeiros dos agentes, elevando, ao invés de reduzir, a taxa
inflacionária, através do que se convencionou chamar de efeito Wright Patman (Kriesler
& Lavoie, 2007); de fato, para os pós-keynesianos a inflação possui forte e sistemático
componente de custos. Analisando essa visão, Mollo (2004) afirma:
[...] com o sistema econômico e o sistema financeiro atuais, observa-se permanente poder de grupos econômicos que impedem concorrência perfeita e garantem pressão inflacionária permanente, requerendo, para combatê-la, políticas de rendas. Visto dessa maneira, o processo inflacionário é fruto de fatores reais, embora Keynes e os pós-keynesianos reconheçam que o sistema bancário pode fornecer a liquidez necessária aos empresários para que eles, aumentando salários nominais e custo das matérias-primas sancionem a inflação. Reconhecem, todavia, que a política ortodoxa de contenção
51
monetária pode reduzir a inflação, mas, ao mesmo tempo, como a moeda não é neutra, produz uma massa enorme de desempregados. Ao tratar dos aumentos de custos que provocam inflação, os pós-keynesianos se referem, além dos aumentos salariais, a aumentos das margens de lucro, rendimentos decrescentes, custos dos produtos importados e choques de oferta. A inflação pode também ser de demanda, mas esse é um caso menos provável porque só ocorre após o pleno emprego (MOLLO, 2004, pp. 336).
c) Rejeita-se a hipótese de uma convergência necessária no longo prazo para uma
utilização ótima da capacidade produtiva, exogenamente determinada. A economia não
está sujeita a uma taxa de crescimento natural independente das flutuações da demanda
e da moeda. Trata-se de rejeitar a hipótese da taxa natural, peça fundamental no
pensamento da Nova Síntese, assumindo-se a validade do princípio da demanda efetiva
e a não-neutralidade da moeda, inclusive no longo prazo (Carvalho, 2005; Serrano,
1995; Setterfield, 2002).
Nesse caso, flutuações da moeda e da demanda, e do gap do produto corrente, poderiam
impactar, por meio de mudanças nas decisões de investir, a própria capacidade
produtiva da economia, ou seja, o produto potencial, em quaisquer períodos de análise.
A chamada taxa natural de crescimento, presente já nos modelos pioneiros de Harrod
(1938), deve ser tratada como uma variável endógena, determinada por fatores como
demanda, produção corrente e investimentos privados. De fato, para os seguidores da
Teoria Geral de Keynes (1936), os “fatores reais” são intrinsecamente monetários
(Possas, 1987);
d) Não haveria necessariamente uma aceleração da inflação na presença de aumentos da
utilização da capacidade, idéia esta próxima dos resultados de Arestis & Sawyer (2008).
Existiria uma ampla gama de níveis de utilização para a qual não estariam presentes
rendimentos decrescentes, de maneira que os produtores não seriam forçados a remarcar
preços face a qualquer aumento da utilização (Lavoie, 2004). Mecanismos de
coordenação institucional também permitiriam maior emprego dos recursos sem que
houvesse necessariamente pressões no preço dos mesmos. Um exemplo seria a
coordenação entre trabalhadores, o que tornaria sem sentido a unicidade da NAIRU
(Hein, 2002).
52
Na presença de competição imperfeita, a curva de custos médios em formato de U perde
aderência empírica. É possível que empresas busquem operar na faixa em que os custos
médios caem com o aumento da produção, dada a existência de economias de escala.
Neste caso, não haveria a relação positiva entre gap do produto e inflação sugerida pela
curva de Phillips novo-keynesiana (Arestis & Sawyer, 2008).
Quanto à crítica “d”, apresenta-se uma modificação pós-keynesiana da curva de Phillips
feita por Kriesler & Lavoie (2007). Essa modificação daria conta da existência de um
intervalo de variações na utilização da capacidade dentro do qual não haveria impactos
inflacionários, seja porque os preços dos insumos não sofreriam pressões, seja porque a
produtividade do trabalho seria constante. A troca entre inflação e desemprego só seria
verificada para níveis muito baixos de utilização da capacidade, ou para níveis muito
altos. O intervalo entre esses dois extremos seria amplo e a parte relevante de análise,
em que mudanças de atividade não levariam a maiores ou menores taxas de inflação.
Logo, ao invés de uma curva de Phillips positivamente inclinada no curto prazo dada
por (1), haveria uma curva de Phillips pós-keynesiana horizontal no curto prazo, dada
por:
(7) π = β 11 (u – um) + β 12 (u – ufc) + πn
Em que ufc é a capacidade plena de utilização, um é uma taxa mínima de utilização,
abaixo da qual a taxa de inflação se reduz e πn é a taxa de inflação compatível com o
intervalo normal de utilização, sujeito a choques de oferta. Ademais:
i) β11 = 0 para u > um e β11 > 0 para u < um;
ii) β12 = 0 para u < ufc e β12 > 0 para u > ufc.
De (7), “i” e “ii” segue que para um < u < ufc, haverá π = πn e ∆π = 0. Logo, estando o
produto abaixo de seu nível máximo, a política monetária pode ser expansionista sem
que haja pressões sobre a inflação, enquanto u < ufc. Como resultado, essa
especificação pós-keynesiana da curva de Phillips não leva a uma verticalização da
mesma no longo prazo, como o faz a especificação da Nova Síntese. Como, na primeira,
53
mudanças de produto no curto prazo, dentro do intervalo relevante, não geram aumento
da taxa de inflação, não existem impactos sobre as expectativas inflacionárias, pelo que
no longo prazo também haverá uma curva horizontal para o intervalo relevante (Kriesler
& Lavoie, 2007).
Essa especificação teórica da Curva de Phillips está em consonância com as evidências
empíricas encontradas por Filardo (1998), que mostra um intervalo aproximadamente
entre 1 ponto percentual abaixo e acima do gap do produto, dentro do qual a inflação
não sofreria mudanças. Assim, se o crescimento potencial for de 3% a.a., por exemplo,
apenas a partir de um crescimento corrente de 4% haveria aumento da taxa de inflação.
2.1.2 – A crítica de Arestis & Sawyer
2.1.2.1 – Política de juros e a questão da taxa natural de juros
Pelas equações IS, curva de Phillips e regra de Taylor, observa-se que a taxa natural de
juros representa um papel fundamental, tanto de um ponto de vista positivo quanto
normativo, para a Nova Síntese ou Novo Consenso Macroeconômico. De uma
perspectiva positiva, o modelo padrão da Nova Síntese mostra que, quando a taxa
nominal de juros de curto termo está ao nível da taxa natural de juros, o produto estará
em seu nível potencial e a inflação não sofrerá variação. Trata-se de uma situação ideal.
Por outro lado, de uma perspectiva normativa, a Nova Síntese sugere que um BC
responsável deve localizar a taxa natural de juros e persegui-la a todo tempo.
Grosso modo, a “Nova Síntese” seria, na visão de Arestis & Sawyer (2008), semelhante
à economia de Wicksell (1898). A taxa natural de juros é a taxa que permite um
equilíbrio entre oferta agregada e demanda agregada, ou entre poupança e investimento,
ao nível de pleno emprego e sem que haja alterações nos preços de mercado. Isto seria
correspondente à constância da taxa de inflação e de um gap de produto nulo nos
modelos da Nova Síntese. Adicionando-se uma forma de Lei de Say na análise, segue
que a economia converge necessariamente para o equilíbrio de pleno emprego, ou seja,
54
para a igualdade entre a taxa de juros de mercado e a taxa natural de juros. Esta seria a
única taxa de juros compatível com um equilíbrio econômico.
Obviamente, a Teoria Geral de Keynes (1936) rompe com a idéia de uma unicidade da
taxa de juros de equilíbrio, ao mostrar que para qualquer nível de emprego pode existir
uma situação de repouso (equilíbrio) na economia, a depender das expectativas e dos
gastos, e, portanto, haverá uma respectiva taxa de juros compatível com tal situação.
Não haveria apenas uma, mas sim múltiplas taxas de juros compatíveis (ou “naturais”)
com as respectivas situações de equilíbrio. Por outro lado, enquanto a taxa natural de
juros na Nova Síntese representa um fator real, que compatibiliza uma noção de
disposições à parcimônia dos consumidores com uma idéia de produtividade marginal
do capital, para Keynes e pós-keynesianos a taxa de juros, seja qual for, representa um
fator monetário, dependente da política monetária, mas também da preferência por
liquidez dos agentes15.
A taxa de juros controlada pelo BC, através da regra de Taylor, é concebida como a taxa
relevante para as decisões de gastos dos agentes econômicos, não havendo, no modelo,
a possibilidade de divergência entre aquela taxa e demais taxas sobre empréstimos
bancários. Aliás, pouca ou nenhuma referência ao comportamento bancário é feita pela
Nova Síntese (Arestis & Sawyer, 2008). Os gastos são concebidos como dependentes
exclusivamente do custo ou preço dos empréstimos, representado pela taxa de juros de
curto termo, não havendo consideração sobre a possibilidade de restrições de crédito
impostas por bancos ou de influência do estado de confiança (em um sentido pós-
keynesiano). Por outro lado, a taxa de juros controlada pelo BC é vista como o
instrumento que permite o equilíbrio macroeconômico, ao se supor a existência, e o
conhecimento, pela autoridade monetária, da taxa natural de juros. A seguir, são
enunciadas algumas críticas apresentadas por Arestis & Sawyer (op. cit.):
1 – A taxa de juros pode ter pouco poder para mover a economia para uma situação
desejada pelo BC, em especial para a situação idealizada de inflação constante e gap do
15 Não será feita neste trabalho uma análise da teoria da preferência por liquidez, dada sua ampla divulgação no meio acadêmico. Apenas ratifica-se sua relevância enquanto variável na determinação da taxa de juros em uma economia pós-keynesiana.
55
produto igual a zero. Outros fatores poder ser mais eficazes na determinação da
dinâmica econômica, como utilização da capacidade existente e lucratividade:
[…] interest rates may have very little effect on the levels of investment and savings and hence variations in the rate of interest would be ineffectual in reconciling intended savings and investment. The theoretical and empirical arguments on the ambiguity of the sign of the relationship between savings and the rate of interest are well known. The empirical literature on investment has often cast doubt on the impact of interest rates on investment and stressed the roles of profitability and capacity utilization (ARESTIS & SAWYER, op. cit., pp. 285).
2 – As decisões do sistema bancário podem caminhar em dissonância para com a
decisão do BC. Em particular, o suposto caminho de transmissão entre a taxa de juros
nominal de curto prazo, controlada pelo BC, e as decisões de gastos dos agentes pode
ser interrompido:
[…] the linkage from the key discount rate set by the Central Bank and the interest rates, which influence economic decisions, may be rather loose and uncertain. For example, the long-term rate of interest may be viewed as relevant for long-term investment decisions, and the response of the long-term rate of interest to changes in the key discount rate may be relatively slight and may vary over time. The banks could respond to a change in the discount rate by a combination of changes in the interest rate on loans and changes in the credit standards, which they set. Hence, the impact of a change in the discount rate on interest-sensitive spending decisions depends on the decisions of banks and other financial institutions (ARESTIS & SAWYER, op. cit., pp. 285).
3 – Uma crítica fundamental é feita à possibilidade efetiva de estimação confiável da
taxa natural de juros pelo BC. Como a regra de Taylor que baliza a política monetária
ortodoxa depende de valores naturais ou normais da economia (como a taxa natural de
juros e o produto potencial), uma má estimação desses valores de referência pode
exercer impactos instabilizadores sobre a atividade econômica. O BC pode perseguir
uma taxa real de juros que é diferente da verdadeira taxa de juros de equilíbrio, e desta
forma impor uma dinâmica do produto e da inflação incompatível com seus valores
normais:
56
[…] the Central Bank cannot calculate and attain the equilibrium rate of interest through reasons of lack of information, it being a moving target. It can be seen in the equations given above that the equilibrium rate depends on a0/a3 and these are parameters, which can and do vary over time. Mistakes may occur in the setting of interest rates as the Central Bank has imperfect information on the equilibrium real rate of interest […]. Any shift in fiscal policy, in investors confidence or in world trade conditions would be reflected in a change […] leading thereby to a change in the equilibrium real rate of interest. This would, of course, exacerbate the problems of securing information on the equilibrium rate and exacerbate the chances of policy mistakes. Information on the equilibrium rate is not exactly readily available, and indeed at best can only be estimated with some lag and over a period when it can be reasonably assumed the underlying parameters are stable. A significant issue arises here, namely whether the Central Bank can make systematic mistakes on its estimates of the natural rate […] (ARESTIS & SAWYER, op. cit., pp. 285,6).
Arestis & Chortareas (2007) detalham a questão das dificuldades técnicas e da incerteza
em torno das estimativas de taxa natural de juros. Ressaltam algo importante, quando
dizem que na Nova Síntese a taxa natural de juros não possui correlação com as taxas de
juros de mercado. Trata-se de uma dicotomia clássica, em que os valores de equilíbrio
não são correlacionados com os valores correntes: tendência e ciclo são tratados como
esferas de análise estanques.
Da mesma forma, concebe-se o produto potencial como independente do produto
corrente, e a taxa natural de desemprego como independente da taxa corrente de
desemprego. Em outras palavras, configura-se a hipótese da taxa natural e da
neutralidade da moeda no longo prazo.
O que aconteceria se fossem considerados os possíveis efeitos das taxas de juros de
mercado sobre a taxa natural de juros? Em primeiro lugar, quebraria-se a dicotomia
clássica presente nos modelos da Nova Síntese; em segundo lugar, estaria presente a
idéia de não-neutralidade da moeda, dado que a política monetária, ao afetar as taxas de
juros de mercado, poderia alterar a própria taxa natural de juros e, assim, a estrutura da
atividade econômica.
2.1.2.2 – Superestimação da “taxa natural de juros”
57
Arestis & Sawyer (2008) sugerem o caso particular de uma possível superestimação da
taxa natural de juros por parte do BC, resultando, caso essa taxa estimada seja
perseguida, em valores deprimidos para os investimentos, para a formação de capital e
para a produção no longo prazo. No entanto, não é levantada a questão sobre a lógica ou
as eventuais razões para essa superestimação da taxa natural de juros pelo BC. Aqui,
pode-se esboçar uma possível motivação ou racionalidade por trás de uma
superestimação da taxa natural de juros, muito embora essa hipótese não seja o foco
desta tese, e não venha, portanto, a ser desenvolvida minuciosamente e/ou testada.
Estudos futuros podem buscar esta tarefa.
A superestimação da taxa natural de juros pode surgir como uma estratégia racional do
BC em um contexto de incerteza estrutural. Seja o caso em que a taxa de inflação se
acelera autonomamente a partir de um nível, dado um gap positivo do produto. No
entanto, o BC não sabe ao certo a partir de qual nível de gap do produto a taxa de
inflação se acelera. Obviamente, como o BC possui um mandato associado ao
compromisso com o alcance de uma meta inflacionária, no âmbito de um regime de
metas de inflação, a política monetária precisa fazer com que a inflação “fuja” daquela
“zona de aceleração”, sob a pena de ter ameaçado o sucesso e a credibilidade do BC.
Por outro lado, a taxa natural de juros é aquela taxa compatível com um gap nulo, sendo
uma taxa que, se alcançada, garante a meta de inflação e impede que esta última entre
na zona de aceleração. O problema é que, em contexto de incerteza, o BC não tem
informações confiáveis sobre o valor da taxa natural de juros.
Suponha que o BC tenha a estimação de uma média de taxa real de juros nos últimos
anos, que foi compatível com o equilíbrio econômico, e tome esse cálculo como uma
metodologia para a estimação da taxa natural de juros (conferir Arestis & Chortareas,
2007, para detalhes sobre os métodos alternativos de estimação da taxa natural de
juros).
Há também uma variância em torno dessa média. Como o BC não pode confiar
perfeitamente na média calculada, devido às instabilidades dos parâmetros, ele acaba
por escolher um valor no entorno da média. O BC acaba por escolher um valor acima da
média calculada, dentro da variância superior, como forma de supostamente facilitar o
58
controle inflacionário e “pagar um tipo de seguro” pela estabilidade de preços. Uma vez
que essa taxa natural estimada seja maior que a verdadeira taxa natural, a economia
estará fadada a uma dinâmica de produto abaixo de seu verdadeiro potencial. A outra
face desse viés é a escolha de uma meta de inflação muito apertada, abaixo da meta que
seria compatível com o potencial de produção no curto e longo prazo.
Logo, a meta de inflação seria fixada em um valor menor que a inflação que resultaria
do verdadeiro produto potencial e, conseqüentemente, a economia estaria sob uma
situação sistemática de taxas reais de juros maiores que a taxa natural (verdadeira), e de
produto efetivo abaixo do (verdadeiro) produto potencial. Em outras palavras, como
conseqüência de uma postura conservadora do BC frente às incertezas ao redor das
estimações da verdadeira estrutura econômica, a economia sofreria um viés de baixo
crescimento econômico. Essa hipótese tem repercussões compatíveis com os resultados
empíricos de Libânio (2009), que verifica uma tendência de elevadas e aparentemente
injustificadas taxas de juros no Brasil recente.
2.2 – Elementos de análise: o princípio da demanda efetiva
As diferentes roupagens em que surge a “economia da oferta”, ao longo da história do
pensamento econômico, podem ser interpretadas como um regate da “lei de Say”. Esta
lei, na verdade, pode ser entendida como um princípio, expresso de diferentes formas e
sob diferentes roupagens teóricas16. Em essência, esse princípio diz que, dado um nível
qualquer de renda, os dispêndios serão ajustados de forma a se tornarem iguais à
produção global. É a produção e a renda que determinam o nível de gastos, de maneira a
permitir que haja uma equivalência contábil entre produção, renda e gastos agregados.
Tal princípio só pode ser válido se houver mecanismos que façam com que os
dispêndios agregados – que são observados ex post, no período de mercado – sejam tais
que realizem necessariamente o nível de produção – definido ex ante, no período de
produção.
16 Conferir Possas (1987) e Moreira (2005).
59
Ora, para que esse modus operandis seja satisfeito é preciso que seja válida a seguinte
hipótese: que as decisões de gasto, e todas elas, estejam restritas e determinadas pelo
nível de renda, este último conhecido ex ante (pelo estoque de recursos disponíveis).
Como dissera Keynes (1936), o grande erro da teoria clássica teria sido o de considerar
a renda como dada e constante, mesmo que houvesse uma variação de gastos em
investimento ou consumo.
Ora, tal hipótese é obviamente inconsistente com a economia monetária em que
vivemos, na qual os gastos são, em grande medida, autônomos em relação à renda,
através da disponibilidade de crédito bancário. Embora alguns gastos, como os de
consumo das parcelas da sociedade de menor poder aquisitivo, sejam, em certa medida,
dependentes da renda previamente gerada, todavia, em sua maioria, os gastos possuem
comportamento independente da renda, visto que o crédito bancário garante boa
margem de autonomia dos mesmos. O investimento privado, por exemplo, pode ser
considerado um tipo de gasto que não possui correlação necessária com o nível de
renda previamente gerada. Isto porque, no curto prazo, os investimentos dependem de
expectativas que dizem respeito à renda esperada, a qual não pode ser estimada
confiavelmente a partir das rendas geradas previamente (Davidson, 1999).
É interessante frisar que a análise da Teoria Geral de Keynes está focada no curto prazo,
muito embora o princípio da demanda efetiva possa ser estendido ao longo prazo. No
curto prazo, o crédito bancário pode descolar a demanda da oferta. Neste caso, rompe-se
com a Lei de Say, ou seja, a produção no curto prazo não cria sua própria demanda,
visto que os gastos são independentes da produção e renda correntes. No longo prazo,
por sua vez, a trajetória dinâmica da produção e da capacidade produtiva é dependente
do comportamento dos investimentos.
Por outro lado, visto que, no curto prazo, os gastos ex post não estão “presos” ao nível
de renda desejada e de produção (ex ante), é claro que o lucro desejado (ex ante) pelas
empresas pode não ser equivalente ao lucro efetivo (ex post). Este pode, de fato, ser
maior ou menor que o primeiro, uma vez que na presença de gastos autônomos, é a
agregação destes últimos que determina qual será a renda agregada realizada no período
de mercado. Isto implica uma incerteza irredutível em torno das decisões de produção e,
60
sobretudo, investimentos empresariais, dado que tais decisões criam um compromisso
de débitos temporais, mas não garantem a geração dos créditos previstos ou desejados.
Estamos no campo oposto ao do princípio da lei de Say; ou seja, estamos no campo do
princípio da demanda efetiva, em que, no agregado, são as decisões de gasto dos
agentes que determinam o nível de utilização da capacidade produtiva, ou seja, os níveis
de produção, renda e emprego. Tal relação de causalidade, de um ponto de vista
dinâmico, dá-se instantaneamente, de forma que não existe a necessidade de se analisar
o que ocorre com a “renda gerada” dentro do período estudado, ou seja, se ela será ou
não gasta com os bens produzidos pelo trabalho neste mesmo período contábil (Possas,
1987).
Na verdade, pela definição do princípio da demanda efetiva, não existe esse hiato
temporal, entre a “renda gerada” e os gastos ex post. Isto porque aquela “renda gerada”,
na verdade, não foi ainda gerada. Ou seja, trata-se de uma renda ex ante, que possui, no
mínimo, um componente apenas desejado (os lucros). Ex post, no período de mercado, é
que as vendas permitirão ou não realizar as expectativas empresariais, de maneira que a
renda efetiva será determinada ex post, pelos dispêndios.
O modelo apresentado em Serrano (2000) pode ser usado para uma ilustração do
princípio da demanda efetiva, por meio da relação entre poupança e investimento. Em
uma “economia da oferta” é a poupança que financia e limita o volume de
investimentos, ao sabor da tradição dos fundos emprestáveis, ao passo que em uma
“economia da demanda” o investimento possui a primazia e determina o nível de
poupança, sem a necessidade de rendas ou poupanças prévias, visto que o sistema
bancário pode cobrir a escassez de recursos por meio da criação de moeda bancária.
Seguindo Serrano (2000):
(1) Y + M = C + I + Gc + Gi + X
Em que Y é a produção doméstica, M as importações, C o consumo privado, I os
investimentos privados, Gc o consumo do governo, Gi os investimentos públicos e X as
exportações. Subtraindo as importações de ambos os lados, tem-se:
61
(2) Y = [C + I + Gc + Gi + X] – M
A poupança externa pode ser definida como o excedente da soma entre a renda líquida
enviada ao exterior e as importações sobre as exportações, ou seja, a poupança externa é
a contrapartida contábil do déficit em transações correntes no balanço de pagamentos.
Assim:
(3) Sx = R + M – X
A renda líquida enviada ao resto do mundo pode ser dividida nos componentes público
e privado, visto que ambos os setores têm dívida contratada no exterior (Serrano, op.
cit.). Logo:
(4) R = Rp + Rg
A seguir, tem-se a poupança privada e pública, respectivamente. A primeira (equação 5)
é o excedente da renda sobre a tributação (T), renda líquida enviada ao resto do mundo
pelo setor privado (Rp) e consumo. A última (equação 6) é o excedente da receita
tributária sobre a renda líquida enviada ao exterior pelo governo (Rg) e consumo
governamental (Gc).
(5) Sp = Y – T – Rp – C
(6) Sg = T – Rg – Gc
Finalmente, chega-se a igualdade macroeconômica entre investimento agregado e
poupança agregada, tal que:
(7) I + Gi = [Y – T – Rp – C] + [T – Rg – Gc] + [Rp + Rg + M – X]
A pergunta-chave feita por Serrano (op.cit.) é a seguinte: “a soma das poupanças
determina o investimento?”. Como foi demonstrado acima por meios de argumentos
teóricos mais gerais, e, em certa medida independentes de teorias e/ou premissas
62
teóricas específicas17, a resposta é negativa. De fato, a poupança agregada é a
contrapartida direta de um certo montante de investimento agregado, contratado num
período de tempo qualquer. Uma análise do modelo proposto por Serrano (op. cit.) é útil
para se reafirmar essa posição teórica.
No caso de uma redução do consumo nada ocorre com a poupança nem com o
investimento, uma vez que a renda é diminuída na mesma proporção que o consumo,
mantendo a poupança privada constante. Uma elevação da tributação, por outro lado,
também não possui efeitos positivos sobre o investimento, apesar de haver um
crescimento da poupança pública. Todavia, a elevação de T reduz a poupança privada
na mesma magnitude, mantendo inalterada a poupança agregada.
Uma elevação da renda líquida enviada ao exterior (aumento da poupança externa), por
sua vez, da mesma forma, não cumpre nenhum papel em estimular o investimento, visto
que quando Rp e/ou Rg aumentam, a poupança privada e/ou a poupança pública são
reduzidas em mesmo montante, pelo que a poupança agregada é mantida em mesmo
valor. Ademais, aumentos em M também fazem crescer a poupança externa, mas ao
reduzirem a renda, reduzem também a poupança privada. Resultado: a poupança
agregada não varia.
De fato, a poupança agregada, pelo que foi dito anteriormente, não pode crescer através
de qualquer “esforço de poupança” privada, pública e/ou externa. Quando uma dessas
fontes de poupança aumenta há apenas uma redistribuição da poupança agregada, o que
implica na redução das outras fontes18. A poupança agregada só pode aumentar se
houver uma elevação do investimento agregado, seja pelo setor privado e/ou público.
Isto é uma decorrência imediata do princípio da demanda efetiva e está em consonância
com a idéia de que não existe, no agregado, uma decisão de poupança em uma
economia capitalista; o que existe é uma decisão de investimento.
17 Possas (1999) apresenta o PDE como pré-teórico, no sentido de que, sendo um princípio (ou teorema), independe de uma determinada roupagem teórica. Sendo assim, o PDE não requer uma análise estritamente keynesiana ou kaleckiana. 18 Não se trata aqui de uma “teoria do bolo”, uma vez que são os gastos que determinam a renda, e esta última não é considerada dada.
63
2.3 – Elementos de análise: moeda e não-neutralidade
Uma vez que qualquer ativo durável tem a capacidade de existir ao longo do tempo,
Keynes queria mostrar que os indivíduos desejam saber qual dos ativos lhes dará o
melhor retorno prospectivo (Kregel, 1980, p. 38-41).
Keynes definiu três atributos que os diversos bens duráveis possuem: i) o retorno obtido
com o uso do ativo ao longo do tempo (q); ii) os custos de manutenção do ativo (c); iii)
o prêmio de liquidez (l), obtido com a posse do ativo, medido pelo montante que as
pessoas estão dispostas a pagar, em termos do próprio bem, pela segurança potencial
derivada de sua posse. Assim, o retorno prospectivo de qualquer ativo durável, em
termos de si mesmo, pode ser medido pela soma [(q-c) + l]19 (Keynes, 1936, p.
177,178). Os bens cujo preço de oferta é inferior ao preço de demanda tem sua oferta
elevada, uma vez que, para tais bens, o retorno prospectivo ([(q-c) + l]) mostra-se
elevado em relação ao dos demais. Todavia, Keynes notou que o retorno prospectivo
dos ativos duráveis não-monetários é inversamente relacionado com a demanda pelos
mesmos, ou seja, “à medida que aumenta o estoque de bens cuja eficiência marginal
era, a princípio, pelo menos igual a taxa de juros, essa eficiência marginal tende a
baixar “(Keynes, 1936, p. 179).
Este processo tenderia, a priori, ao ponto em que [(q-c) + l] fosse igual para todos os
bens duráveis, situação esta equivalente ao equilíbrio estável em que nenhum
investimento adicional apresenta vantagem sobre os demais. Contudo, a existência da
moeda, dadas suas características especiais, impede que aquela eqüalização das
eficiências marginais ocorra apenas no pleno emprego. Isto porque o retorno
prospectivo da moeda não está nas condições técnicas de sua oferta, mas no seu prêmio
de liquidez. Este prêmio não depende da quantidade de moeda ofertada, porém da
psicologia do público, expressa na preferência pela liquidez (Kregel, 1980, p. 41, 42).
Mesmo havendo uma elevação da oferta monetária, a taxa de juros pode permanecer
constante ou até mesmo se elevar, e isto porque a preferência pela liquidez pode fazer
19 Caso queira-se acrescentar a variação do retorno de cada bem em ralação ao valor da moeda, acrescenta-se o termo “a”, que pode ser positivo ou negativo. A soma completa fica [(q-c) + l + a] para todos os bens, com exceção, obviamente, da moeda, o próprio padrão de referência, cuja “soma” completa reduz-se à “l”, pois (q-c) para ela é nulo.
64
com que a demanda por moeda cresça tanto quanto ou mesmo acima da oferta de moeda
(Keynes, 1936, p. 184, 185).
Em uma economia onde há incerteza, a moeda surge como a reserva de valor por
excelência, dado seu prêmio de liquidez. Parte da renda gerada na produção pode ser
usada para reter moeda, ao invés de converter-se em demanda efetiva (que gera
emprego). A taxa de juros, determinada pela relação entre oferta monetária e preferência
pela liquidez, não apresenta, assim, uma tendência de queda, como propositado pela
teoria neoclássica, sempre em que o consumo presente diminua. Pelo contrário, a
redução do consumo corrente, quando gerada por maior preferência por liquidez, pode
elevar a taxa de juros, impedindo novos investimentos cuja eficiência marginal, outrora,
era ainda superior à taxa de juros vigente. Por outro lado, a retração das vendas
presentes influencia sobre as expectativas dos empresários, que passam a esperar menos
vendas futuras, também contribuindo para a diminuição dos investimentos.
Afinal, o que faz da moeda, dentre todos os ativos duráveis existentes, um ativo mais
adequado enquanto recipiente de liquidez? Para Keynes, a moeda possui duas
propriedades essenciais (Keynes, 1936, p. 180-185):
• Sua elasticidade de produção é, se não nula, muito baixa: “todos os ativos
líquidos são não produzíveis pelo uso de trabalho no setor privado” (Davidson,
1999, p. 54). Logo, o aumento da demanda por moeda não permite que os
trabalhadores desempregados sejam empregados na produção de mais moeda.
Isto ocorre mesmo havendo plena flexibilidade de preços (Davidson, op. cit.).
Desta maneira, o desemprego involuntário não estaria associado a falhas de
mercado ou à existência de rigidez de preços, tal como posto pelos teóricos
novos keynesianos. Não obstante haja perfeita flexibilidade de preços, a
existência de um ativo líquido - não produzível pelo trabalho no setor privado -,
e que sirva de “refúgio” para a renda corrente, permite a ocorrência de
desemprego involuntário de recursos produtivos;
• Sua elasticidade de substituição também, se não nula, é desprezível. Significa
que, mesmo que o valor de troca da moeda cresça, não surge qualquer tendência
para substituí-la por outro ativo produzível por trabalho. Não existe, portanto,
65
substituição bruta significativa entre ativos líquidos não produzíveis e os
produtos do trabalho na indústria (Davidson, op. cit., p. 54)
Enquanto os detentores de riqueza desejam conservá-la sob a forma de ativos líquidos
cujas elasticidades de produção e substituição são quase nulas, o equilíbrio sem pleno
emprego é possível. Em outras palavras, quando existem outras formas de se usar as
poupanças (o mero entesouramento, por exemplo), além da simples compra dos ativos
produzíveis pelo trabalho, pode haver equilíbrio estável com desemprego involuntário,
mesmo na presença de perfeita flexibilidade de preços (Davidson, op. cit., p. 55). Desta
maneira, a explicação do desemprego involuntário recai não sobre alguma forma de
rigidez de preços ou falha de mercado, mas sobre a influência monetária no processo de
produção capitalista. E é justamente isto o que caracteriza uma economia monetária de
produção (Feijó, 1999).
Se o aumento na demanda por moeda criasse os mesmos efeitos sobre o emprego que
são criados com a elevação da demanda por bens produzíveis, não haveria a refutação
plena da lei de Say, mesmo sob condições de incerteza. Ou seja, caso na presença de um
aumento no “preço” da moeda (taxa de juros) fosse possível aos empresários aumentar o
emprego para produzir mais moeda; e/ou, caso houvesse um ativo substituto produzível
próximo à moeda, de maneira que o aumento no “preço” da última aumentasse a
demanda pelo primeiro: então, como na economia “neutra”, não haveria impedimentos
ao pleno emprego (Kregel, 1980). Todavia, o fato é que a demanda pela moeda não gera
emprego (Keynes, 1936).
Dadas as propriedades essenciais da moeda, quando as expectativas dos agentes acerca
de um futuro próximo ou remoto são pessimistas, o desejo de se reter ativos líquidos é
aumentado, permitindo a ociosidade de fatores de produção (desemprego involuntário),
porque parte do estoque de riqueza corrente é mantida sob a forma de ativos líquidos,
quase-moedas ou a própria moeda. Segundo Keynes, “os homens não podem encontrar
emprego quando o objeto de seus desejos (isto é, o dinheiro) é uma coisa que não se
produz e cuja demanda não pode ser facilmente contida” (Keynes, 1936, p. 184).
66
Embora muitos autores recentemente, ligados ao mainstream, queiram restringir o
desemprego involuntário keynesiano a situações em que não há flexibilidade perfeita
dos preços, esta argumentação parece ser discutível. Em um mundo onde há incerteza, é
a existência de certos ativos líquidos (como a moeda) cujas elasticidades de produção e
substituição são muito baixas, que se constitui na causa do equilíbrio com desemprego.
E isto independe da existência de qualquer tipo de rigidez de preços (Davidson, 1996, p.
59). Ou melhor,
whenever agents believe the future is too uncertain to forecast reliably, they may, even in the long run, desire to postpone their commitment to spend earned claims on current real resources and remain liquid instead, thereby creating a long-term underemployment equilibrium even in the presence of competitive flexprice markets (DAVIDSON, 1996, p. 502).
2.4 – Elementos de análise: efeito acelerador e endogeneidade do produto potencial
2.4.1 – O modelo pioneiro de Harrod
A idéia básica nos chamados modelos de crescimento liderado pela demanda é a de que
os recursos produtivos podem ser criados pelo próprio processo de produção, de
maneira que os limites de capacidade produtiva dependem da produção corrente e da
demanda (Kaldor, 1988). Trata-se de uma posição oposta à visão dos modelos
ortodoxos de crescimento, para os quais os limites de capacidade não podem ser
ampliados pela demanda, uma vez que estariam ligados a fatores pelo lado da oferta. A
idéia de que no longo prazo a demanda cumpre papel relevante na dinâmica econômica
já estava presente, ainda que de forma incipiente e um pouco obscura, nos modelos
pioneiros de Harrod (1937, 1938, 1948).
A Equação Fundamental harrodiana corresponde ao casamento entre o princípio do
acelerador e a teoria do multiplicador. De fato, segundo Besomi (1996), Harrod seria
considerado mais tarde o precursor dos modelos de interação acelerador/multiplicador.
Seja G a taxa efetiva de crescimento da renda ou do produto, significando:
67
A) 0
01
y
yyG
−= .
Onde 0y é o produto agregado no período 0 e 1y o produto no período 1. Seja ainda
wG a taxa garantida de crescimento, entendida como aquela taxa que, se realizada,
deixaria os empresários satisfeitos por terem produzido a quantidade correta (Harrod,
1938). A taxa garantida não corresponde a um crescimento de pleno emprego, mas a um
crescimento em que, segundo as expectativas dos empresários, o investimento efetivo
torna-se igual ao investimento desejado, em cada período do tempo20. As decisões
individuais de produção, e principalmente de expansão ou contração da produção, são
determinadas pelos resultados prévios observados pelos empresários. Um aumento nas
receitas de vendas no período t acima do que era previsto, estimula o empresário a
elevar o incremento da produção no período t+1. Logo, wG representa uma taxa de
expansão que garante uma satisfação geral das expectativas empresariais, o que implica
em manutenção da taxa global de crescimento. Assim, quando G = wG , há manutenção
das expectativas de longo prazo dos agentes e wG se mantém constante no tempo.
Não obstante, Harrod (1948) deixa claro que a realização de wG não significa uma
satisfação equivalente de todos os agentes econômicos. Pode haver mesmo empresários
insatisfeitos, alterando sua produção. Todavia, supõe-se que esta alteração seja
contrabalançada por uma modificação de outro empresário, em sentido contrário, de
maneira que, no agregado, a taxa de expansão seja mantida. Ou seja, wG , de fato,
oferece um crescimento que garante uma satisfação média das expectativas. Ademais,
pode-se dizer que essa satisfação média dos empresários, que ocorre quando o produto
cresce à taxa wG , não equivale a uma maximização no sentido neoclássico (Ótimo de
Pareto21). Como dito, o crescimento à taxa wG , quando realizado, não impede que
algum agente isolado esteja insatisfeito, o que implica em um estado sub-ótimo.
20 Ao mesmo tempo, a taxa garantida constitui-se numa idealização, numa situação na qual os objetivos empresariais são satisfeitos. Todavia, em uma economia em que as empresas buscam aumentar seu poder de mercado e as decisões são feitas descentralizadamente, há pouca chance de que a coletividade dos empresários consiga realizar suas expectativas e objetivos de lucro. 21 O Ótimo de Pareto diz respeito a uma situação ideal, em que nenhum agente pode melhorar sua própria satisfação sem que piore a satisfação de um outro agente.
68
Concomitantemente, o crescimento à taxa wG não significa um crescimento de pleno
emprego dos recursos produtivos, conforme se verá mais à frente.
Kregel (1980) define a taxa garantida com base na noção do modelo de equilíbrio
estático utilizado na análise da Teoria Geral de Keynes. Deste modo, a taxa garantida,
uma vez realizada (wG = G), seria aquela que: a) manteria as expectativas de longo
prazo constantes; b) permitiria uma realização das expectativas de curto prazo –
expectativas não acerca de nível de renda, mas acerca de sua taxa de expansão; c)
permitiria um estado de expectativas de longo prazo independente das expectativas de
curto prazo. Seja s a fração da renda que os agentes escolhem manter como poupança.
Logo,
B) s = S / y
Sendo S a poupança agregada (Besomi, 1996). Esta relação pode variar ao longo do
ciclo econômico, embora ela seja considerada constante por Harrod, em um primeiro
momento, para que seja verificada teoricamente a instabilidade do equilíbrio dinâmico.
Todavia, sabe-se que, de fato, em momentos de recessão s diminui; e cresce na
expansão. Esses movimentos em s, historicamente determinados, explicariam, em
princípio, a ocorrência de turning-points na teoria harrodiana. Chama-se C o valor dos
bens de investimento requerido pela produção de uma unidade adicional de produto, ou
seja, trata-se do coeficiente requerido de capital. Assim, C = I / ∆y (Besomi, 1996). A
Equação Fundamental em sua forma mais simples torna-se:
( I ) CsGw /=
Segundo Harrod, o valor da taxa garantida seria desconhecido e dependeria de certas
“condições fundamentais”, tais como a propensão a poupar, o estado tecnológico, etc. A
dinâmica do modelo, segundo o próprio Harrod, estaria neste desconhecimento do valor
da taxa garantida de crescimento (Harrod, 1938, p. 256). Por outro lado:
( II ) pCsG /=
69
A taxa efetiva de crescimento G é dada pela relação entre a propensão a poupar (s) e o
coeficiente efetivo de capital ( pC ). O conceito de coeficiente de capital é baseado na
idéia de que a produção corrente pode ser sustentada com o estoque de capital existente
e que o incremento na produção, no longo prazo e dinamicamente, é sustentado com um
incremento naquele estoque (Harrod, 1948, p. 82).
Segundo Herscovici (2006), Harrod adotaria a hipótese de um coeficiente efetivo
constante, o que seria a base do princípio da instabilidade, impedindo o processo de
convergência encontrado na versão neoclássica do modelo de Solow (1956). No modelo
de Harrod, a constância do coeficiente efetivo de capital seria uma conseqüência da
hipótese de uma taxa de juros constante (Jones, 1979), uma vez que:
r = ∆Y/∆K
pC = ∆K/∆Y
pC = 1/r
As três equações acima dizem o seguinte: no equilíbrio, segundo a ótica neoclássica, a
taxa de juros (r) é igual à produtividade marginal do capital (∆Y/∆K). Por outro lado, o
coeficiente de capital nada mais é do que a variação do capital, dada uma variação da
renda (∆K/∆Y). Assim, o coeficiente de capital é o inverso da taxa de juros. Se a taxa de
juros é constante, o coeficiente efetivo de capital também se torna constante. Neste caso,
sob a hipótese de uma taxa de juros constante, o processo de convergência para o
crescimento equilibrado estaria impedido, já que, na presença de um desequilíbrio entre
o coeficiente efetivo e o requerido, o efetivo não poderia se ajustar a fim de que fosse
eliminado o hiato existente. A suposta rigidez da taxa de juros em Harrod impede a
ocorrência do princípio neoclássico da substitutibilidade dos fatores: como não existe
uma perfeita flexibilidade da taxa de juros, que nada mais é do que o preço no mercado
de capital, este último não consegue se equilibrar. Neste caso, markets don’t clear.
A resposta de Solow (1956) à abordagem harrodiana seria justamente rejeitar a hipótese
de qualquer tipo de rigidez nos preços de mercado, concebendo uma concorrência
perfeita na economia, o que faz com que haja plena substitutibilidade dos fatores e
flexibilidade do coeficiente de capital. Assim, existe, no modelo de Solow (1956), uma
70
convergência para o crescimento equilibrado, sendo a taxa de juros, em última instância,
o mecanismo regulador do equilíbrio macroeconômico, tal qual na Teoria do Fundos
Emprestáveis. A este respeito, afirma Herscovici,
As variações da taxa de juros explicam a variação de pC , de tal maneira que a relação
que corresponde ao crescimento de longo prazo com pleno emprego seja verificada; em outras palavras, a convergência para o crescimento equilibrado se explica a partir da flexibilidade de pC , a qual se justifica a partir das variações da taxa de juros. Nas
funções de produção neoclássicas, o princípio de substituição dos permite explicar a convergência automática para a posição de equilíbrio (HERSCOVICI, 2006, p. 19)
Harrod, todavia, ao seguir em linhas gerais o pensamento de Keynes (1936), não
poderia conceber a taxa de juros como mecanismo equilibrador da economia. De fato,
em Keynes, a taxa de juros é determinada exogenamente, no mercado monetário, e não
é a variável responsável pelo equilíbrio macroeconômico. Assim, Harrod adota
convenientemente a hipótese de uma taxa de juros exógena, fator fundamental para que
exista a instabilidade dinâmica em seu modelo canônico. Por outro lado, pode-se dizer
que, mantendo a coerência com Keynes, mesmo se fosse suposta a flexibilidade da taxa
de juros, ainda assim o coeficiente de capital poderia ser constante, já que ele também
depende da eficiência marginal do capital. Nada garante que a eficiência marginal do
capital seja aquela que permita um nível de investimentos que faça o coeficiente efetivo
convergir para o coeficiente requerido. Dado que:
pC = ∆K/∆Y = I / ∆Y = f [(e-i)/∆Y]
O coeficiente efetivo de capital (pC ) depende, em última instância, da diferença entre a
eficiência marginal do capital e a taxa de juros (e-i). Nada garante que a eficiência
marginal do capital (e) seja aquela que permita um nível de investimentos (I) que faça o
coeficiente efetivo convergir para o coeficiente requerido, independentemente de se
adotar ou não a hipótese de rigidez na taxa de juros. Com base nas equações I e II
acima, chega-se à seguinte identidade:
(III) sCGCG pw == ..
71
Quando pC é igual a C, ou seja, quando o coeficiente efetivo de capital é equivalente ao
coeficiente requerido, a taxa de crescimento observada tem sido justificada pelas
circunstâncias. Em outras palavras, o investimento realizado é igual ao investimento
desejado, não havendo variação inesperada de estoques. Assim, quando em (III) pC = C,
tem-se que G = wG , dada a taxa de poupança s. Como ressalta Harrod (1938), C é uma
variável ex ante, pois se refere ao montante de bens de capital que os produtores
produziriam se lhes fosse possível prever as condições futuras da economia, não
havendo espaço para frustrações de expectativas. Todavia, na presença de incerteza,
nada garante que C (ex ante) seja igual a pC (ex post).
A fim de que seja demonstrada a instabilidade do equilíbrio dinâmico harrodiano, faz-se
uma análise dos possíveis desequilíbrios entre G e wG . Caso a renda esteja crescendo
acima da taxa garantida, ou seja, se G > wG , os empresários perceberão uma diminuição
dos estoques e dificuldades em atender às encomendas: haverá um estímulo por maiores
investimentos a fim de incrementar a capacidade de produção da economia, o que se
expressa pelo fato de pC < C. Trata-se do funcionamento implícito da interação do
multiplicador com o acelerador, ou seja, para que haja um crescimento contínuo do
produto, supõe-se que elevações no investimento aumentem a renda, que por sua vez
implique em novas elevações no investimento.
Na expansão, os investimentos efetivos são menores que os desejados (Herscovici,
2002). Assim, aumentando os investimentos (não necessariamente em formação líquida
de capital22), os empresários aceleram o crescimento efetivo, via o mecanismo de
interação multiplicador/acelerador, permitindo uma ampliação da divergência entre G e
wG . Por sua vez, quanto maior for a diferença G - wG >0, tanto maior será o estímulo
para a acumulação de capital, elevando a diferença pC - C < 0. Isto está de acordo com
a declaração de Harrod (1938, p. 263), segundo a qual existem forças centrífugas
22 Os investimentos podem ser elevados com aumento da produção para formação de estoques. Seja a identidade Investimento = Formação líquida de capital fixo + Estoques. Logo, pode-se aumentar Investimento sem alterar a formação líquida de capital, cuja mudança requer modificações nas expectativas a longo prazo.
72
operando fora da linha de crescimento garantido, forças estas cuja magnitude varia
conforme a distância entre G e wG .
Destarte, pode-se afirmar que há um processo de causação cumulativa - para usar o
termo empregado nos trabalhos de Kaldor (1972) e Setterfield (1997, 1998) -, fazendo
com que o equilíbrio dinâmico no modelo de Harrod, expresso pela taxa garantida, seja
fortemente instável: os desequilíbrios iniciais podem ser amplificados com o tempo.
Trata-se de uma análise dinâmica que empresta um evidente caráter instável ao sistema
econômico. Em outras palavras, “o sistema dir-se-á instável se uma análise mostrar que
algumas flutuações, em vez de regredirem, se podem amplificar, invadir todo o sistema,
fazendo-o evoluir para um novo regime de funcionamento qualitativamente diferente.”
(Prigogine, 1991, p. 112).
Além das possíveis divergências entre as taxas efetiva e garantida, existe um outro tipo
de divergências a ser analisado. Para tanto, resta apresentar o que Harrod (1938, p. 264)
chamaria de taxa natural de crescimento (nG ). A taxa natural representa o máximo de
crescimento da renda ou produto permitido pelo crescimento populacional, pela
acumulação de capital, pelas melhorias tecnológicas e pelas preferências. Neste sentido,
a taxa natural é a que possibilita um crescimento de pleno emprego, ou de inexistência
de desemprego involuntário (Harrod, 1948, p. 87). Pode-se afirmar que essa taxa é
definida exogenamente e representa a variável de fechamento do modelo de Harrod. Ou
seja, a taxa natural é representativa de um dado contexto histórico e institucional
vigente.
Seja a situação em que:
(IV) G > wG > nG
Neste caso, a taxa efetiva de crescimento é superior à taxa garantida, que por sua vez é
superior à taxa natural. Por definição, trata-se de uma situação provisória ou transitória,
já que a economia está crescendo além de sua capacidade. Ou seja, a economia opera
com uma situação de sobreutilização da capacidade produtiva, ou além do produto de
pleno emprego. Em tal cenário, pode-se deduzir uma série de consequências, dentre as
73
quais a elevação de preços e custos de produção. Harrod não analisa de forma explícita
ou aprofundada a questão das conseqüências dinâmicas de uma situação como esta. No
entanto, está implícita em sua obra a consciência de que nG pode sofrer alterações por
meio de investimentos induzidos nas fases de expansão, embora a variável seja
considerada constante por motivo analítico.
É possível que uma situação como (IV) dê lugar a uma situação como G = wG = nG ,
não devido à redução de G e wG para uma taxa natural exógena em relação à demanda,
mas devido a uma elevação de nG como resultado da interação
multiplicador/acelerador. Isto dependerá, obviamente, da sensibilidade e velocidade dos
investimentos diante de uma situação como G > nG e do tempo médio de maturação
dos investimentos.
No entanto, observa-se que os modelos pioneiros da tradição Harrod-Domar apresentam
limitações, e são criticados em meio à própria heterodoxia. Possas (2002) faz a seguinte
crítica a essa família de modelos:
É claro que não se trata de um simples retorno aos modelos da família Harrod-Domar, até porque esses modelos são agregados – o que é incompatível com o enfoque multissetorial aqui proposto – e teoricamente pobres, mesmo num contexto keynesiano de análise. Por exemplo, registre-se nesses a ausência de uma teoria minimamente satisfatória do investimento, que é explicado pelo mecanismo simplista do acelerador. O desejável é preencher essa lacuna em grande medida com elementos extraídos na teoria de aplicação de capital presente no cap. 17 da Teoria Geral de Keynes, apud Minsky (1975), adicionada de elementos analíticos propostos em Kalecki (1954, cap. 9). Além disso, será essencial suprir a ausência de progresso técnico endógeno típica desses modelos com a análise schumpeteriana e em particular com a neo-schumpeteriana, como já ressaltado (POSSAS, 2002, p 138).
2.4.2 – O acelerador na literatura heterodoxa contemporânea
Alguns trabalhos podem ser representativos de uma tendência, na literatura heterodoxa,
para a consideração do efeito acelerador na dinâmica macroeconômica. Lopéz (1986)
74
apresenta a seguinte forma de determinação dos investimentos empresariais em uma
economia capitalista, seguindo a tradição de Kalecki (1954):
D = eE + r(g – g*) + B(t)
Em que D são as novas decisões de investimento, E são poupanças empresariais, g é a
taxa de lucro auferida no período passado, g* é a taxa de lucro considerada normal e
B(t) é o progresso técnico, que é função do tempo. O parâmetro e é menor que 1 e
indica a proporção da poupança empresarial que é investida; r mede a sensibilidade das
inversões em relação ao gap da taxa de lucro. O efeito acelerador está presente na
função acima por meio do componente de fluxo r(g – g*), que depende diretamente da
dinâmica da demanda, das vendas e da produção.
É interessante notar a semelhança dessa função acima com a utilizada em Oreiro (2001):
gk = f + h[u – k] + γ1Ω - γ2r
Sendo gk a taxa de crescimento do estoque de capital, f o animal spirits dos
empresários, u o grau efetivo de utilização do estoque de capital, k o grau normal de
utilização, Ω a taxa esperada de lucro e r a taxa real de juros. Todos os parâmetros são
positivos. Neste caso, a taxa real de juros pode ter seus efeitos neutralizados sobre os
investimentos e a formação de capital, dependendo do comportamento dos demais
componentes da função. Se por um lado a dinâmica dos investimentos é responsável
pela trajetória cíclica da renda e do produto, por outro lado a dinâmica da produção (u –
k), pelo acelerador, é responsável pelos novos investimentos.
Trata-se de uma abordagem muito próxima à utilizada em Oreiro & Ono (2004). Neste
trabalho, os autores seguem a tradição de Kaldor (1956), Robinson (1962), Pasinetti
(1962) e Bhaduri & Marglin (1990), supondo a seguinte determinação da taxa de
crescimento desejada do capital:
I/K = α0 + α1m + α2uσ, onde : α0>0, α1>0, α2>0
75
Sendo I/K a taxa de crescimento desejada do capital (I o investimento e K o estoque de
capital). Em que α0 é um componente autônomo, m a participação dos lucros na renda,
u a utilização do estoque de capital e σ a relação produto/capital, que dá uma medida de
produtividade do capital. A função acima, da mesma forma que em Lopéz (1986) e
Oreiro (2001), concede peso ao componente de renda e produção na determinação dos
investimentos, explicitando o efeito acelerador.
Outro trabalho que se alinha nessa tendência da literatura heterodoxa é Lima &
Meirelles (2007). Seguindo Rowthorn (1981), Dutt (1990), Kalecki (1971), Robinson
(1962) e Dutt (1994), os autores especificam a seguinte função taxa de investimento
desejada:
gd = α + βr - γi
Sendo gd a taxa desejada de investimento, ou a formação desejada de capital, r a taxa de
lucro sobre o capital existente e i a taxa de juros. Os parâmetros α, β e γ são positivos.
A taxa de lucro depende dos gastos na tradição kaleckiana; e os investimentos
dependem da taxa de lucro, ou seja, trata-se da interação multiplicador/acelerador.
Por outro lado, os componentes autônomos nessas funções mostram que a renda,
embora estimule novos investimentos, não representa um limite para os mesmos, já que
elementos como expectativas, crédito e animal spirits podem potencializar ou contrair
as inversões, independentemente do que ocorra com a renda e produção correntes.
Todos esses trabalhos ressaltam a idéia de que a demanda efetiva está determinando a
dinâmica do produto, inclusive no longo prazo, por meio da endogenia do produto
potencial ou da taxa potencial de crescimento. Rompe-se com a hipótese ortodoxa de
que os valores desejados, normais ou potenciais são valores de equilíbrio determinados
pelo lado da oferta. Além de móveis e provavelmente instáveis, esses valores são
dependentes do comportamento dos gastos, em particular da trajetória dos investimentos
privados.
76
Uma última formalização poderia ser útil com vistas à questão da endogenia do produto
potencial pelo lado da demanda. Seja a dinâmica dos investimentos dada por:
(1) I = Id + a(Y-1 – Yp) – b(R -1 – Rn)
Em que I são os investimentos privados em formação bruta de capital fixo, Id os
investimentos desejados, Y-1 o produto efetivo no período passado, Yp o produto
potencial, R-1 a taxa real de juros no período passado e Rn a taxa natural de juros
(considerada uma tendência histórica e condicional, e não um atrator exógeno); a e b
são positivos. Seja ainda:
(2) Yp – Yp-1 = I-1 + H
Em (2), a variação do produto potencial depende dos investimentos em t-1 e de um
componente de oferta (H), que expressa o comportamento da produtividade e do
crescimento populacional. Substituindo a função investimento (1) nessa equação acima
(2), e isolando Yp, tem-se:
(3) Yp = Yp-1 + Id + a(Y-2 – Yp) – b(R-2 – Rn) + H
Observa-se que o produto potencial é considerado endógeno pelo lado da demanda,
ainda que se considere um componente determinado pelo lado da oferta (H). Os
investimentos desejados (autônomos) e os induzidos, que dependem da renda, estão
determinando a dinâmica da capacidade produtiva. Verifica-se também uma influência
da política monetária sobre o produto potencial, com defasagem de dois períodos, o que
resulta na idéia de não-neutralidade da política monetária no longo prazo. A política
monetária não afeta apenas a demanda e a produção no curto prazo; afeta também as
decisões de investimento e a dinâmica temporal da formação bruta de capital fixo no
longo prazo.
Acerca da disponibilidade endógena de recursos produtivos, determinada pela demanda,
Oreiro & Nakabashi (2007) argumentam que:
77
A quantidade existente de capital num dado ponto do tempo – ou melhor, a capacidade produtiva existente na economia – é resultante das decisões passadas de investimento em capital fixo. Daqui se segue que o estoque de capital não é uma constante determinada pela “natureza”, mas depende do ritmo no qual os empresários desejam expandir o estoque de capital existente na economia. Dessa forma, o condicionante fundamental do “estoque de capital” é a decisão de investimento. O investimento, por sua vez, depende de dois conjuntos de fatores: i) o custo de oportunidade do capital (largamente influenciado pela taxa básica de juros controlada pelo Banco Central); ii) as expectativas a respeito do crescimento futuro da demanda por bens e serviços. Nesse contexto, se os empresários anteciparem um crescimento firme da demanda pelos bens e serviços produzidos pelas suas empresas – como é de se esperar no caso de uma economia que esteja apresentando um crescimento forte e sustentável ao longo do tempo – então eles irão realizar grandes investimentos na ampliação da capacidade de produção. Em outras palavras, o investimento se ajusta ao crescimento esperado da demanda, desde que seja atendida uma restrição fundamental, a saber: a taxa esperada de retorno do capital seja maior do que o custo do capital. Sendo assim, atendida a condição acima referida, a “disponibilidade de capital” não pode ser vista como um entrave ao crescimento de longo-prazo (OREIRO & NAKABASHI, 2007, pp. 3).
Nesse caso, o estoque de capital fixo existente é resultado de decisões de investimento
feitas no passado, que por sua vez dependem de uma avaliação entre a lucratividade
esperada para determinado investimento e o custo de financiamento do mesmo. Por
outro lado, Keynes (1936) reconhecia que a avaliação de lucratividade esperada seria
uma tarefa de difícil execução, dada a incerteza em torno da estimação de rendas
esperadas:
o fator de maior importância é a extrema precariedade da base do conhecimento sobre o qual temos de fazer os nossos cálculos das rendas esperadas. O nosso conhecimento dos fatores que regularão a renda de um investimento alguns anos mais tarde é, em geral, muito limitado e, freqüentemente, desprezível (KEYNES, 1936, p.125).
Assim, o empresariado acaba por adotar uma “convenção”, segundo a qual a renda
esperada é estimada de acordo com a observação da renda corrente, até que algum novo
fator force a alteração do estado dos negócios (Keynes, op. cit.). Na impossibilidade de
um cálculo confiável sobre a taxa de retorno para novos investimentos, toma-se como
referência a lucratividade observada, que por sua vez depende do comportamento da
demanda. É neste sentido que o acelerador ganha relevância. Ainda que fatores como o
impulso dos empresários (animal spirits) possam, em circunstâncias especiais,
“descolar” as decisões de investimento das observações passadas e correntes, em geral
tais decisões acompanham a trajetória da demanda e da renda.
78
Por outro lado, os investimentos não estão presos a poupanças ou rendas prévias, como
já foi salientado. O crédito bancário alavanca o potencial de investimentos, de maneira
que são esses que determinam a renda e a poupança corrente. E não apenas isto,
determinam também o estado futuro de capital fixo na economia.
Por sua vez, fatores como disponibilidade de trabalho e inovações tecnológicas seriam,
na visão ortodoxa, limitadores ao crescimento econômico e dependeriam de “fatores
reais”. Embora não seja o foco nesta tese analisar com detalhes esse assunto, frisa-se
apenas que ambos fatores podem ser concebidos como dependentes da demanda
agregada. Sobre a disponibilidade de trabalho,
[...] a taxa de participação – definida como o percentual da população economicamente ativa que faz parte da força de trabalho – pode aumentar como resposta a um forte acréscimo da demanda de trabalho (cf. Thirlwall, 2002, p.86). Com efeito, nos períodos nos quais a economia cresce rapidamente, o custo de oportunidade do lazer - medido pela renda “perdida” pelo indivíduo que “escolhe” não trabalhar (jovens, mulheres casadas e aposentados) – tende a ser muito elevado, induzindo um forte crescimento da taxa de participação. Nesse contexto, a taxa de crescimento da força de trabalho pode se acelerar em virtude do ingresso de indivíduos que, nos períodos anteriores, haviam decidido permanecer fora da força de trabalho. Por fim, devemos ressaltar que a população e a força de trabalho não são um dado do ponto de vista da economia nacional. Isso porque uma eventual escassez de força de trabalho – mesmo que seja de força de trabalho qualificada – pode ser sanada por intermédio da imigração de trabalhadores de países estrangeiros. Por exemplo, países como a Alemanha e a França puderam sustentar elevadas taxas de crescimento durante os anos 1950 e 1960 com a imigração de trabalhadores da periferia da Europa (Espanha, Portugal, Grécia, Turquia e Sul da Itália) (OREIRO & NAKABASHI, 2007, pp. 4,5).
E sobre a questão tecnológica,
Será que o ritmo de “inovatividade” da economia pode ser considerado como uma restrição ao crescimento de longo prazo? Se considerarmos o progresso tecnológico como exógeno, então certamente o crescimento será limitado pelo ritmo na qual a tecnologia é expandida. Contudo, o progresso tecnológico não é exógeno ao sistema econômico. Em primeiro lugar, o ritmo de introdução de inovações por parte das empresas é, em larga medida, determinado pelo ritmo de acumulação de capital; haja vista que a maior parte das inovações tecnológicas é “incorporada” nas máquinas e equipamentos recentemente produzidos. Dessa forma, uma aceleração da taxa de acumulação de capital – induzida, por exemplo, por uma perspectiva mais favorável de crescimento da demanda – induz um maior ritmo de progresso tecnológico e, portanto, de crescimento da produtividade do trabalho. Em segundo lugar, aquela parcela “desincorporada” do progresso tecnológico é causada por “economias dinâmicas de escala” como o “learning-by-doing”. Dessa forma,
79
se estabelece uma relação estrutural entre a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e a taxa de crescimento da produção, a qual é conhecida na literatura econômica como “lei de Kaldor-Verdoon”. Nesse contexto, um aumento da demanda agregada, ao induzir uma aceleração da taxa de crescimento da produção, acaba por acelerar o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho (OREIRO & NAKABASHI, 2007, pp. 5).
2.5 – Economia heterodoxa e Metas para Inflação?
À primeira vista, é possível que se pense em uma incompatibilidade entre uma
economia pós-keynesiana e a adoção do regime de metas de inflação, como se esse
último fosse necessariamente pernicioso para a dinâmica econômica. De fato, parece
confusa e controversa a opinião dos heterodoxos em geral no que respeita a Inflation
Targeting. No entanto, a idéia no trabalho de Lima & Setterfield (2008), por exemplo, é
a de que a performance econômica depende basicamente de um mix adequado de
política econômica, dadas as condições iniciais e os parâmetros do modelo.
Especificamente, os autores querem mostrar que o regime de metas de inflação é
compatível com uma economia pós-keynesiana, desde que sejam aplicadas as políticas
necessárias pelo Tesouro e BC. Quanto menos ortodoxa for a política, maiores seriam as
chances de estabilidade econômica, no âmbito do regime de metas de inflação, em uma
economia pós-keynesiana. Nas palavras dos autores, “[...] that the more orthodox the
policy blend becomes in a Post Keynesian economy, the more adverse are the
consequences for macroeconomic stability and the viability of inflation
targeting.”(Lima & Setterfield, op. cit., pp. 435).
Neste caso, trata-se de adotar estratégias e políticas consistentes com as premissas de
uma economia heterodoxa. O regime de metas de inflação apenas daria um objetivo de
política, entre outros possíveis. Haveria uma escolha relevante e política a ser feita, por
outro lado, no que diz respeito ao arranjo institucional e à forma de se alcançar a meta
de inflação. A escolha da meta, o tempo necessário para seu alcance, o peso dado a
outros fatores de controle da política monetária, são questões que dependeriam das
premissas da teoria por trás do modelo balizador de política monetária.
Rocha & Oreiro (2008) analisam a correlação entre flexibilidade e crescimento para
economias que fazem uso do regime de metas de inflação. Os resultados alcançados
80
corroboram a idéia de que quanto maior o grau de flexibilidade do arranjo institucional
de Inflation Targeting maior a performance do crescimento econômico. Os autores
chegam à idéia de que economias que tenham concretizado a estabilidade de preços e
ancorado as expectativas inflacionárias podem desfrutar de maior grau de flexibilidade,
como pelo alargamento da meta de intervalo inflacionário. No entanto, os autores não
lidam com a questão dos pressupostos estruturais que estão por trás da teoria ortodoxa
do regime de IT.
Um BC que tenha pressupostos míopes em relação à dinâmica econômica de longo
prazo, no âmbito de IT, estipulará uma estratégia de política monetária inconsistente
com a verdadeira estrutura econômica e, provavelmente, instabilizadora. Por outro lado,
a simples estipulação de uma meta de inflação não condena necessariamente uma
economia a apresentar resultados insatisfatórios em termos de produto e emprego; nem
seria o regime de IT necessariamente incompatível com os pressupostos teóricos de uma
economia heterodoxa. Trata-se de adequar a estratégia de disciplina monetária ao
modelo balizador do BC. De certa forma, todo Banco Central é dependente de uma
teoria, ainda que haja independência operacional e/ou formal em relação ao poder
executivo. Uma autoridade monetária que esteja sendo guiada por uma teoria e/ou
modelo mais próximo da realidade econômica, seja ela independente ou não no âmbito
institucional, terá maiores chances de viabilizar o alcance das metas inflacionárias de
forma estabilizadora.
81
CAPÍTULO 3 – Inflation Targeting sob uma perspectiva heterodoxa:
produto potencial endógeno, combate aos choques de demanda e custo social de
oportunidade
3.1 – Uma perspectiva heterodoxa sobre Inflation Targeting
Para Carvalho (2005), a teoria convencional limita o debate sobre metas de inflação, já
que supõe que a política monetária não tem efeitos permanentes sobre a esfera real da
economia. Para os modelos ortodoxos de IT, a atividade econômica é determinada no
longo prazo pelo estoque de recursos produtivos, pelas preferências, pela tecnologia e
pelo comportamento racional dos agentes, não havendo correlação entre moeda e
produto potencial.
Por outro lado, se a economia de fato opera por meio de uma não-neutralidade e
endogenia do produto potencial no longo prazo, quais seriam os impactos de um BC que
ainda persiga uma política monetária ortodoxa? A idéia fundamental desta tese é a de
que um resultado canônico sobre IT – de não existência de trade-off para o BC face a
choques de demanda – não pode ser sustentado, caso haja a adoção da noção de não-
neutralidade da moeda no longo prazo, ou seja, caso seja rejeitada a hipótese da taxa
natural.
O que se buscará demonstrar é que com uma endogenia do produto potencial a política
monetária deve ser flexibilizada, mesmo no caso dos choques de demanda. A idéia de
que não há trade-offs neste caso, tão cara aos autores ortodoxos acima mencionados,
pode ser contestada. Rejeita-se a “peça de resistência” para alguma agressividade do BC
sob metas de inflação, no caso de pressões inflacionárias por excesso de demanda. Em
outras palavras, defende-se que o regime de IT deve ser sempre - mesmo no caso de
choques de demanda - um regime flexível, ao contrário do que supõem os autores e
criadores da teoria sobre IT.
De certa forma, um BC que leva em consideração a endogenia da capacidade produtiva
pelo lado da demanda ao ajustar a taxa de juros para combater a inflação é um BC que
82
possui alguma “consciência heterodoxa”. Isto é importante, já que como mostram Lima
& Setterfield (2008), em uma economia pós-keynesiana, quanto mais ortodoxa for a
política maiores os prejuízos para a atividade econômica.
Logo, a introdução de elementos estranhos ao mainstream na análise de IT não exclui
necessariamente a utilidade deste regime, porém justifica uma nova e menos
conservadora resposta da política: há uma compatibilidade entre o regime de metas de
inflação e uma economia pós-keynesiana (Lima & Setterfield, op. cit.)23. E isto pode ser
demonstrado, inclusive, a partir de uma análise crítica interna do instrumental e
linguagem de autores como Svensson (1997), Ball (1999a) e Bofinger, Mayer &
Wollmershaeuser (2006), dentre outros.
Em linhas gerais, o modelo que será aqui desenvolvido possui elementos presentes no
próprio mainstream, tais como o uso de uma curva IS e de uma curva de Phillips24 para
descrever a estrutura básica da economia – vale dizer, essa estratégia analítica também é
usada por autores pós-keynesianos como Lima & Setterfield (2008) e Kriesler & Lavoie
(2007), embora cada trabalho apresente suas próprias particularidades de acordo com o
objeto de estudo adotado.
Ademais, a regra de resposta da taxa de juros também é determinada, até certo momento
da análise25, por um processo de otimização, tal como nos modelos convencionais.
Semelhantemente, alguns resultados previstos pelo modelo que será aqui apresentado
são também previstos pelos autores pioneiros em IT, embora tais resultados possam
receber uma abordagem original.
23 “Our results […] claim that, with the correct policy mix, it is possible to make inflation targeting fully compatible with the operation of a Post Keynesian economy. In other words, it is quite possible for the policy authorities to both set and achieve an inflation target without real costs (i.e., without thwarting the achievement of any target level of real activity set independently of the inflation target). Indeed, our results suggest that in achieving this full compatibility of inflation targeting with the structure of a Post Keynesian economy, policy makers have more latitude in the design of policy […]” (LIMA & SETTERFIELD, 2008, pp. 449). 24 Autores como Setterfield (2005) e Lima & Setterfield (2008), assim como Kriesler & Lavoie (2007) focam sua crítica e modificação do modelo a partir da curva de Phillips. Não obstante a especificação convencional da curva de Phillips que será mantida no modelo, os resultados serão heterodoxos, pois haverá a inclusão da hipótese de endogenia do produto potencial, que se configura no foco deste trabalho. 25 Como será visto, a introdução da hipótese de endogenia do produto potencial cria uma ruptura com o modelo convencional e com a regra ótima de política monetária.
83
O ponto de divergência entre a perspectiva deste trabalho e a literatura convencional
surge quando da inclusão no modelo de uma função para o produto potencial, tornando-
o endógeno. Isto corresponde a rejeitar a hipótese fundamental dos modelos mainstream
de IT, qual seja, a da taxa natural.
Embora o modelo pudesse receber especificações pós-keynesianas para a curva de
Phillips, tal como fazem Setterfield (2005), Lima & Setterfield (2008) e Kriesler &
Lavoie (2007), a presente análise tem como ênfase as conseqüências dinâmicas do
princípio da demanda efetiva no longo prazo, ou seja, a endogeneização do produto
potencial pelo lado da demanda. Neste sentido, optou-se por manter a configuração
convencional da curva de Phillips.
Quais são as conseqüências deste corte teórico sobre o modelo para a dinâmica de longo
prazo da economia e para a resposta da política monetária? Sob produto potencial
endógeno, haveria um trade-off face à política monetária, quando de um enfrentamento
a um choque de demanda?
De fato, desenvolve-se um modelo de metas de inflação para economias fechadas26, na
tradição de trabalhos como Svensson (1997), Ball (1999a), Clarida, Galí & Gertler
(1999) e Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (2006). No entanto, o modelo aqui
proposto leva em consideração os efeitos defasados da política monetária, pelo que as
equações são colocadas em diferenças finitas, ao contrário do modelo estático de
Bofinger, Mayer & Wollmershaeuser (op. cit.).
Não obstante a semelhança inicial para com o modelo padrão, há espaço e motivação
adicional para a consideração de elementos heterodoxos, em especial a inclusão da
mencionada endogenia da capacidade produtiva pelo lado da demanda e a análise de
suas conseqüências para a política monetária. Portanto, será desenvolvida e testada a
hipótese de que o princípio da demanda efetiva no longo prazo justifica uma
26 A especificação de um modelo para economias abertas, embora mais próxima da realidade das economias reais, para fins da presente análise, apenas suscitaria mais prolongamentos e exaustão. De fato, como o objeto deste trabalho é pesquisar os impactos da endogenia do produto potencial para o regime de metas de inflação, a pesquisa pode ser plenamente feita por meio de um modelo de economia fechada. Não obstante, futuras pesquisas podem estender o presente estudo para um modelo de economia aberta. Acredita-se que os resultados que serão apresentados neste trabalho não são constrangidos em um modelo de economia aberta.
84
flexibilização adicional para o regime de metas de inflação, não prevista pela literatura
convencional; a não flexibilização, por sua vez, impõe à atividade econômica um viés
de dinâmica reduzida.
Essa hipótese parece pôr de “cabeça para baixo” a idéia de autores como Barro &
Gordon (1983a,b), para os quais a autoridade monetária impõe um viés inflacionário ao
buscar um produto maior que o potencial. Este trabalho, por outro lado, tentará
demonstrar que, ao fazer uso de uma regra de instrumento ortodoxa em uma economia
de fato com endogenia da capacidade produtiva pelo lado da demanda, o BC impõe um
viés de elevadas taxas de juros e de fraqueza produtiva sobre a economia no longo
prazo, o que se traduz por menores níveis de produto potencial. Nas palavras de Arestis
& Sawyer (2008),
A significant issue arises here, namely whether the Central Bank can make systematic mistakes on its estimates of the natural rate, and in particular does the Central Bank tend to overestimate the natural rate. The interest rate set by the Central Bank will have an effect on investment decisions, and a generally too high interest rate will lead to lower investment and capital stock. In turn, the capital stock will help determine the trend level of output, and a lower capital stock could lead to a lower trend level of output (ARESTIS & SAWYER, 2008, pp. 286).
Após a apresentação do modelo e de sua análise, será feita uma simulação
computacional, com o intuito de se verificar as conseqüências dinâmicas daquela
hipótese, dada a metodologia de simulação, cuja natureza será explicada.
3.2 – Um modelo de Inflation Targeting com produto potencial endógeno pelo lado
da demanda: implicações não previstas pela literatura ortodoxa
O modelo parte das seguintes equações:
(1.1) IS: Yt = Yp + m(Yt-1 - Yp) - n(Rt-1 - R
n) + ηt, sendo m > 0 e n > 0
85
(1.2) CP: Πt = Πn + τ(Πet+1 − Πn) + ϖ(Yt-1 - Y
p) + gt, sendo ϖ > 0 e τ > 0
A equação (1.1) é uma curva IS dinâmica com um componente de tendência, dado pelo
produto potencial (Yp). O produto corrente (Yt) cresce com o hiato do produto em t-1, e
diminui com o hiato da taxa real de juros em t-1, sendo Rn a taxa natural de juros27. O
choque de demanda é captado pela perturbação η, com média igual a zero e variância
constante (ruído branco).
A equação (1.2) oferece a Curva de Phillips (CP), o lado da oferta na economia fechada.
A inflação corrente (Πt) depende do desvio das expectativas de inflação (Πet+1) para o
período t+1, em relação à meta de inflação de longo prazo (Πn)28, e do hiato do produto
em t-1, assim como de um choque de oferta (gt), definido como um processo estocástico
de média zero29 e variância constante (ruído branco).
Tal como aponta Ball (1999a)30, assume-se que o principal instrumento do BC seja a
taxa de juros. Embora o controle seja sobre as taxas nominais, o BC altera estas últimas
com vistas a regular a taxa real de juros. Isto significa que o BC está ajustando a taxa
nominal mais que proporcionalmente às variações na inflação, tal como mostram
Clarida, Galí & Gertler (1999). As autoridades definem a taxa de juros após observarem
os choques. No entanto, os efeitos sobre o produto só são sentidos após um período, e
sobre a inflação após dois períodos.
27 O foco será analisar as conseqüências dinâmicas da endogeneidade do produto potencial para a política monetária. Assim, questões relativas ao conceito de taxa natural de juros serão abstraídas nesse momento. No entanto, pode-se considerar a mesma como uma tendência histórica de taxas reais de juros compatíveis com a estabilidade macroeconômica. Logo, está implícita a idéia de que a taxa natural tem trajetória dependente e histórica, não se configurando em um valor de equilíbrio ou atrator inflexível no tempo. 28 Para Svensson (1997), a meta de política é gerar uma determinada inflação de longo prazo, e não um determinado produto de longo prazo, dado que ele adota o pressuposto de que a política monetária não afeta o produto no longo prazo. O presente trabalho, no entanto, tentará demonstrar a invalidade desse argumento ortodoxo, por meio de uma perspectiva pós-keynesiana. 29 Nesta análise, abstraem-se os conflitos de classe e distributivos que podem gerar pressões persistentes de custos, através de elevações crônicas de salários e margens de lucro. Sabe-se que tal elemento inflacionário é caro à perpectiva heterodoxa, porém ele será abstraído deste trabalho, simplesmente porque este dará ênfase à questão do produto potencial endógeno, na presença de choques de demanda, enquanto ponto de divergência teórico. Trata-se de uma delimitação do objeto de estudo. 30 “I assume that the monetary authority uses the interest rate as its policy instrument. Thus the interest rate is most realistically interpreted as an overnight rate. Policymakers set the interest rate after observing the shocks. Note I assume that policymakers set the real interest rate. In practice, the interest rates controlled directly by policymakers are nominal rates. However, policymakers can move the real interest rate to the desired level by setting the nominal rate equal to the desired real rate plus inflation.” (BALL, 1999a, pp. 67)
86
Numa economia fechada, os canais de transmissão englobam os canais da demanda e
das expectativas. Pelo canal da demanda agregada a política monetária afeta a demanda
agregada, com uma defasagem, através do ajuste das taxas reais de curto prazo - e
possivelmente pelos seus efeitos paralelos sobre a disponibilidade de crédito (Cf.
Bernanke & Gertler, 1995). Por sua vez, a demanda agregada afeta a inflação, com uma
defasagem, através de uma equação de oferta agregada (Curva de Phillips).
O canal das expectativas permite que a política monetária afete as expectativas de
inflação, as quais afetam a inflação, com uma defasagem, pelo comportamento de
remarcação de preços e salários. É possível abstrair o canal das expectativas em uma
economia fechada, considerando-se as mesmas como adaptativas. Neste caso, como em
Svensson (1997), a política monetária afeta a demanda com uma defasagem e a inflação
com duas defasagens.
Este modelo estrutural, inicialmente, possui a mesma essência dos modelos em
Svensson (1997) e Ball (1999a), exceto pelo fato de que Svensson inclui uma variável
exógena serialmente correlacionada e faz uma iteração do modelo um período à frente.
Nas versões Ball-Svensson, assim como no modelo aqui colocado, uma propriedade
importante da economia é a defasagem dos efeitos de política monetária sobre a
inflação. Logo, o mais adequado é o uso de equações em diferenças finitas, ao invés de
equações diferenciais ou de equações estáticas.
Uma outra característica estrutural salientada pelo modelo é a persistência da inflação31
e do produto, que possui forte apelo empírico, segundo Clarida, Galí & Gertler (1999).
Estes escolhem partir de uma especificação básica forward-looking, muito embora os
autores reconheçam que a versão geral do modelo é a versão com termo de persistência
do produto e da inflação. Ademais, os resultados encontrados nesta versão com termo
31 Para maiores elementos sobre a persistência inflacionária, conferir Fuhrer & Moore (1995). A questão da inércia da inflação levanta sérias divergências entre alguns autores. A suposição de inércia total supõe que a expectativa de inflação para o período t+1 seja equivalente à inflação observada no período mais próximo. Isto cria uma persistência inflacionária diante dos choques e forçaria o BC a ser agressivo no ajuste da taxa de juros. No entanto, a validade empírica desta inércia total é questionável, como mostra Fair (2000). Evidências empíricas que confirmam baixa inércia são utilizadas por críticos da política monetária ortodoxa, como justificativa para menor grau de agressividade diante de choques inflacionários. Não obstante, não se trata de aprofundar esse assunto neste espaço.
87
backward-looking não divergem qualitativamente dos encontrados com a versão básica
(forward-looking), senão pelo fato de que havendo persistência da inflação, na visão do
mainstream, o BC precisa ser mais agressivo no ajuste da taxa de juros Clarida, Galí &
Gertler (op. cit.).
Seja yt = Yt - Yp; rt = Rt - R
n; logo:
(2.1) yt = m(yt-1) - n(rt-1) + ηt
Seja πt = Πt - Πn; πet+1 = Πe
t+1 − Πn; logo:
(2.2) πt = τ(πet+1 ) + ϖ(yt-1) + gt
Em (2.1), tem-se uma forma reduzida de (1.1), em que o hiato do produto em t depende
do hiato do produto em t-1, do hiato da taxa real de juros em t-1 e do choque em t. Em
(2.2), tem-se a forma reduzida de (1.2): o desvio da inflação em t depende do desvio das
expectativas de inflação para t+1, do hiato do produto em t-1 e do choque de oferta em
t.
Fazendo uma iteração um período à frente, pela equação (2.1), vê-se que a decisão de
política monetária feita em t afeta o desvio do produto em t+1, ao passo que este, pela
equação (2.2), afeta o desvio da inflação em t+2. Assim, existe a defasagem de dois
períodos entre a mudança na taxa de juros e seus efeitos sobre a taxa de inflação. Ao
decidir sobre qual deve ser a taxa de juros em t, o BC toma como dado o desvio
esperado da taxa de inflação para t+1, já que o mesmo não poderá ser afetado pela
política monetária em t.
A seguir, coloca-se uma regra de resposta da taxa real de juros, inspirada na chamada
Regra de Taylor:
(3) rt = z1 πt + z2 yt
88
Ora, (3) relaciona o hiato dos juros reais com o hiato da inflação e do produto; z1 e z2
são positivos. A regra de instrumento do BC, equação (3), também poderia ser derivada
pela condição de primeira ordem para a minimização de uma função perda social32. Este
é o procedimento feito por Svensson (1997; 1999).
A autoridade monetária, ao decidir sobre qual deve ser a taxa real de juros a prevalecer
no período corrente, toma sua decisão de política com base no conhecimento de valores
correntes, tanto da inflação quanto do produto, assim como das metas de inflação e do
produto potencial.
Ademais, a regra de política monetária está definida em termos reais, e não em termos
nominais. Implicitamente, supõe-se que o BC altere a taxa nominal de juros na medida
necessária para que a taxa real de juros seja colocada nos níveis desejados. Trata-se do
princípio de Taylor (1993), segundo o qual o BC responde aos desvios da inflação por
meio de elevações na taxa real de juros.
Alguns autores pós-keynesianos são contrários ao uso de taxa de juros como
instrumento de controle inflacionário. Pregam que a inflação seria sobretudo uma
inflação de custos e que a taxa de juros incide sobre a demanda, logo, não tendo efeitos
sobre as causas da inflação (Sicsú, 2003). Não obstante, o objetivo aqui é o de analisar o
caso em que há choques de demanda aliado às implicações dinâmicas do produto
potencial endógeno. Assim, parte-se de uma regra de política monetária que coloque a
taxa de juros como principal instrumento de estabilização.
Grande parte da literatura ortodoxa se limita a discutir mecanismos de compromisso e
transparência do BC, a fim de que o mesmo não persiga políticas de viés inflacionário,
ou seja, políticas que tenham uma meta de produto além do produto potencial, já que
qualquer consideração sobre a economia real será baseada, no mainstream, com a
hipótese da taxa natural, que se traduz em uma meta de produto dada exogenamente
pelo produto potencial – este determinado pelo lado da oferta.
32 Conferir Apêndice 5.
89
Portanto, existe uma assimetria no que diz respeito à escolha dos níveis desejados para a
inflação e o produto no âmbito da política ortodoxa. A política monetária pode escolher
o nível da inflação, ou a meta de inflação, porém não pode escolher o nível de produto,
ou a meta de produto, já que esta é dada pela capacidade produtiva e estaria fora de
controle do BC. Neste sentido, o regime é um regime de metas de inflação e não de
metas de produto, embora haja espaço para a escolha da estabilização do produto, no
curto prazo, em torno do produto potencial.
Para a Nova Síntese Neoclássica e os defensores ortodoxos de Inflation Targeting, a
política monetária deveria ser norteada exclusivamente por metas nominais, dada a
suposição de neutralidade da moeda no longo prazo, a contragosto de Carvalho (2005).
A perspectiva mainstream do regime de metas de inflação exclui de sua análise a idéia
de uma endogenia do produto potencial pelo lado da demanda, a saber, a hipótese de
que a capacidade produtiva seja determinada endogenamente, através dos estímulos do
produto efetivo, dentre outros fatores. O que ocorreria se fossem introduzidos na análise
sobre metas de inflação os supostos efeitos da produção e renda correntes sobre o
investimento, e os efeitos deste sobre a capacidade produtiva da economia no longo
prazo? Faria sentido ainda se falar em metas de inflação? O modelo balizador de um
BC ortodoxo termina na equação 3. Como se verá, o relaxamento da hipótese da taxa
natural gera implicações para a regra de política monetária de um BC heterodoxo.
3.3 – O produto potencial endógeno pelo lado da demanda
Uma suposta endogenia do produto potencial decorre da idéia – não pouco intuitiva – de
que as decisões de investimento privado são sensíveis ao comportamento da demanda,
do produto e da renda observada. Trata-se de uma forma de histerese do produto
potencial33, ou seja, de um processo pelo qual o produto potencial corrente depende de
seus valores passados em relação ao produto efetivo passado.
33 Conferir Setterfield (1993; 1997) para uma análise detalhada do fenômeno da histerese em Economia.
90
Dessa forma, ao reduzir a taxa real de juros, a política monetária poderia impor um
estímulo positivo deliberado, por meio da elevação da demanda e do gap, para novos
investimentos privados e para maiores taxas de crescimento econômico no longo prazo.
Nas palavras de Sicsú (2002):
Aos olhos de Keynes, os resultados que poderiam ser obtidos por uma redução da taxa de juros seriam duradouros. Mais fábricas, por exemplo, seriam abertas e parte daqueles que estavam involuntariamente desempregados encontrariam trabalho. A política monetária poderia, dessa forma, estimular o crescimento econômico. A redução do desemprego, portanto, também deve ser um objetivo da política monetária, já que ela é capaz de alcançá-lo. Esse raciocínio possui nexo com a realidade, explicaria por que ministros, empresários e parlamentares desejam sempre uma redução da taxa de juros em situações de desaquecimento econômico. Se políticas monetárias expansionistas inevitavelmente sempre gerassem, ao fim e ao cabo, somente inflação, isso já teria sido aprendido por esses segmentos que não clamariam por algo que seria considerado ineficaz e prejudicial (SICSÚ, 2002, pp. 25).
Por outro lado, pode-se argumentar que os empresários não elevam seus investimentos
produtivos a partir de um simples crescimento da demanda, produção e renda. É
necessário que haja uma persistência no comportamento do emprego e da renda para
que os empresários tenham relativa segurança para alterarem seus planos de
investimento. Assim, não basta que o produto cresça para que haja um aumento dos
investimentos; é preciso que esse crescimento do produto perdure algum tempo até que
os empresários venham a acreditar que não se trata de um efeito transitório. Uma
equação de endogenia do produto potencial, que expresse essas idéias, seria34:
(4) Ypt = Yp
t-1 + υ (Yt-1 - Yp t-1)
A equação (4) mostra que o produto potencial em t será igual ao produto potencial em t-
1 somente se não houver desvios do produto em t-1. Caso contrário, o produto potencial
em t pode ser maior ou menor que seu valor em t-1, dependendo do desvio em t-1.
Supõe-se que o gap positivo decorre de uma pressão de demanda, induzindo os
empresários a aumentarem seus investimentos, acima do que era anteriormente 34 A equação de endogenia do produto potencial poderia ser especificada de outras maneiras. A idéia de que os empresários esperam a “extração de uma tendência do gap” para só então ajustarem seus investimentos poderia justificar uma especificação diferente. No entanto, por motivo de simplificação algébrica do modelo, faz-se uso daquela especificação. No entanto, o Apêndice 6 apresenta uma alternativa, ainda que a mesma não seja necessária para o presente desenvolvimento.
91
considerado adequado. Isto criará uma elevação da capacidade produtiva no período
seguinte.
O parâmetro υ é positivo. Quanto maior seu valor, maior será o ajuste do produto
potencial ao desvio em t-1, o que expressa uma maior sensibilidade do investimento
privado ao comportamento da renda observada e da capacidade produtiva em relação
aos investimentos mais recentes. Por motivo de simplificação, não se considera os
impactos dos investimentos líquidos quando o gap do produto é nulo. Assume-se a
hipótese simplificadora de que quando Yt-1 = Yp t-1, os investimentos continuam em
níveis considerados adequados tão somente para preservar ou manter a mesma
capacidade de produção (Ypt = Yp
t-1). Ou seja, os investimentos líquidos serão nulos
neste caso, havendo apenas investimentos em manutenção (depreciação).
O modelo com exogenia do produto potencial, obviamente, supõe υ igual a zero. Logo,
pode-se considerar o modelo com exogenia um caso particular do caso geral em que υ é
positivo. A teoria convencional de metas de inflação estaria restrita ao caso particular no
qual não existe uma correlação entre produto potencial e desvios do produto, ou seja, ao
caso particular em que valeria a hipótese de neutralidade da moeda no longo prazo. Se,
por outro lado, adota-se a hipótese de que a moeda não é neutra, nem mesmo no longo
prazo, a hipótese da taxa natural é rejeitada, υ é maior que zero e existe um ajuste
temporal do produto potencial ao comportamento da demanda, da produção e da renda.
Isto resulta em uma especificação heterodoxa da curva IS, já que a mesma não está
sujeita a um limite de produção inflexível ao longo do tempo e, além disto, esse limite
de produção é determinado pelo próprio comportamento da demanda e da produção.
Deve-se frisar que a endogenia do produto potencial, sua histerese e trajetória
dependente não são elementos desconsiderados pelo mainstream. No entanto, para a
ortodoxia, a endogenia do produto potencial se dá pelo lado da oferta, ou seja, suas
alterações no tempo decorrem de fatores como variação na produtividade e na
disponibilidade de fatores de produção, estes últimos também não-correlacionados com
a demanda no longo prazo.
92
Nas palavras de Kohn (2003) “assessments of the level and growth of potential GDP
must be revised frequently, and of course these variables are not under the control of
the central bank”. Esta declaração está em conformidade com a idéia de que o produto
potencial e sua dinâmica não podem ser afetados pela demanda e pela política
monetária. Na heterodoxia, ao contrário, há elementos que permitem conceber um
produto potencial endógeno pelo lado da demanda.
3.3.1 – Produto potencial endógeno e resposta aos choques positivos de
demanda
Analisa-se o caso de um BC que adota a hipótese da taxa natural e o regime de metas de
inflação, mas que atua em uma economia em que haja de fato a operação do princípio
da demanda efetiva no longo prazo, e cuja capacidade de produção seja uma função,
dentre outros fatores, da dinâmica da demanda e da renda. Portanto, a equação (4)
representa uma imposição ad hoc por parte deste trabalho e é considerada como fora do
modelo usado pelo BC no regime de metas de inflação.
Em outras palavras, o BC adota um modelo da Nova Síntese Neoclássica para escolher
a melhor resposta da taxa de juros, porém a economia é de fato uma economia pós-
keynesiana, na qual não há neutralidade de moeda, em nenhum prazo, e o produto
potencial é puxado pela demanda. Em tais circunstâncias, quais são os custos em termos
de perda social? Ao combater radical e indiscriminadamente os choques de demanda, o
BC, sob regime de IT, estaria imputando alguma forma de perda social? Haveria razões
teóricas para algum grau de flexibilidade da política monetária e do regime de metas
para inflação quando uma economia sofre pressões inflacionárias pelo lado da
demanda?
A importância de uma endogenia do produto potencial ganha destaque com a
consideração dos choques de demanda. Um choque de demanda pode fazer com que
haja um gap do produto, ainda que nos períodos passados a economia estivesse em
trajetória equilibrada. Esse gap pode persistir através do componente de inércia da
equação IS. Mesmo que o choque de demanda seja de pouca magnitude, se os
93
coeficientes de inércia (m e τ) forem muito elevados, pode existir uma forte dinâmica
inflacionária, incompatível com o alcance das metas de inflação, segundo a previsão do
modelo padrão de IT. Neste caso, o BC agirá no sentido de conter a inflação e as
expectativas de inflação por meio de elevações na taxa de juros de curto prazo e
reduções no produto.
Não é à toa que a teoria convencional vai defender a necessidade de se combater
integralmente, e o mais veloz possível, os choques de demanda. Isto porque, nesta
concepção, o choque de demanda não impõe nenhum trade-off entre a variância do
produto e da inflação, pelo que a resposta da política monetária não implicaria nenhum
custo social, ao contrário do que ocorre no caso do choque de oferta. Por outro lado, a
teoria convencional também defende esse combate imparcial aos choques de demanda
porque não se aceita nenhuma correlação entre tais choques e a tendência do produto,
dada pelo produto potencial.
Entretanto, caso o produto potencial esteja de fato se ajustando endogenamente aos
gaps, o ajuste do instrumento de política monetária poderia ser aliviado. Por outro lado,
no caso do BC não levar em consideração o princípio da demanda efetiva no longo
prazo, haverá uma resposta inadequada da taxa de juros face ao choque de demanda,
criando-se perdas desnecessárias para o lado real da economia, ao mesmo tempo em que
se perde um estímulo de aumento para o produto potencial (no caso do choque positivo
de demanda). A endogenia do produto potencial tem efeitos diretos sobre a própria
determinação do hiato do produto. Caso isso não seja levado em conta pelo BC em seu
modelo estrutural, diante de choques de demanda positivos, haverá uma superestimação
da expectativa de hiato do produto, pelo que a resposta da taxa de juros será exacerbada.
Seja:
(5) E[Ypt+1] = Yp
t + υ (Yt - Yp t)
A equação 5 é a esperança matemática de 4; seja:
(6) E[π t+2] = τE[πt+1] + ϖE[yt+1]
94
A equação 6 faz uma esperança da inflação dois períodos à frente, levando em conta as
expectativas adaptativas; substituindo as esperanças matemáticas de (2.1) e (2.2) em (6),
pode-se ainda chegar à expressão:
(7) E[π t+2] = τ[τ(πt) + ϖ(yt)] + ϖ[m(yt) - n(rt)]
A equação (7) mostra que, uma vez que o produto e a inflação em t já estão
determinados, a única forma do BC controlar a expectativa de inflação para t+2 é por
meio do ajuste da taxa de juros em t. Este resultado corresponde à idéia difundida de
que a política monetária é um processo de controle das expectativas de inflação
(Woodford, 2003). Ademais:
(8) E[π t+2] = 0
Em (8), coloca-se uma meta de expectativas de desvio inflacionário em t+2 igual a zero.
Esta seria uma meta ótima e factível para Svensson (1997)35, visto que a política
monetária feita em t tem impacto sobre a inflação apenas em t+2.
Com uma meta de gerar E[π t+2] = 0, o BC precisa ajustar a taxa de juros em t na medida
necessária para criar uma expectativa de gap do produto em t+1 compatível com a dita
meta – lembrado-se que a expectativa de inflação em t+1 está fora de controle da
política monetária em t e que a única forma de se atuar sobre a inflação em t+2 é através
de efeitos sobre o produto em t+1. Em outras palavras, a expectativa de inflação em t+1
é uma variável de estado e a expectativa de produto em t+1 é uma variável de controle.
Se o BC não considera o produto potencial endógeno, ele desconsidera o fato de que um
gap positivo do produto em t promoverá uma elevação do produto potencial em t+1, e
35 “ […] the solution to the potential problem in implementing inflation targeting consists of making the central bank’s inflation forecast an explicit intermediate target. Although this is a very straightforward result that hardly requires a model, I believe that it is best demonstrated with the help of a very simple model. […] Clearly the central bank cannot prevent deviations from the inflation target caused by disturbances occurring within the control lag. At best it can only control the deviations of the two-year forecast from the target. It can therefore be argued that the central bank should be held accountable for the forecast deviations from the target rather than the realized inflation deviations, if the forecast deviations can be observed.” (SVENSSON, 1997, pp. 1115, 1120).
95
assim uma amenização, coeteris paribus, do gap do produto neste período. Portanto,
levar em conta as equações 4 e 5 significa reduzir a agressividade da política monetária
em t face a eventuais gaps correntes do produto.
Uma possível crítica a essa idéia seria o tempo longo de defasagem entre o gap do
produto e seus efeitos sobre o produto potencial. Tal efeito poderia demorar mais a
aparecer do que o efeito do gap do produto sobre os preços. Logo, esperar o efeito do
gap sobre a capacidade produtiva seria contraproducente em termos de controle da
inflação, já que a economia teria ficado tempo significativo sob desvio inflacionário e os
componentes de inércia colocariam em risco o alcance da meta a posteriori. Não
surpreende a idéia de que quanto maior a inércia da inflação e do produto, maior deveria
ser a agressividade da resposta da taxa de juros (Clarida, Galí & Gertler, 1999). Na
verdade, a teoria convencional leva esta idéia implicitamente ao extremo, por meio da
hipótese da taxa natural, sob a qual os efeitos do gap sobre a capacidade produtiva
levariam um tempo infinito, ou seja, não existiriam de fato.
No entanto, essa crítica pode ser passível de uma contra-crítica: se é aceita a hipótese de
endogenia do produto potencial, e se o BC trabalhar com um horizonte de alcance da
meta mais longo (i.e. o período de defasagem necessário para a maturação plena dos
efeitos do gap sobre a capacidade produtiva), não há motivos para se supor uma perda
do controle inflacionário, já que o desvio da inflação será amortecido tão logo haja uma
alteração do produto potencial.
Se realmente o produto é endógeno e os agentes sabem disto, então suas expectativas
serão de uma eventual diminuição do gap do produto e da inflação. Ainda que as
expectativas mais curtas sejam de uma taxa de inflação maior, a expectativa mais longa
é de uma taxa declinante, à medida que o gap do produto exerça seus efeitos sobre a
capacidade produtiva. No modelo adotado aqui, assume-se que o produto potencial leva
apenas um período para responder aos desvios do produto efetivo. Como a política
monetária realizada em t afeta o produto em t+1, e o gap do produto em t gera uma
mudança do produto potencial em t+1, a política monetária decidida em t deve levar em
conta este amortecimento endógeno do gap a fim de que a estabilidade de preços seja
alcançada com custos mínimos para a dinâmica da atividade econômica.
96
É possível expressar esta idéia através de uma regra de taxa de juros com “consciência
heterodoxa”. Seja:
(9) rt = z1 πt + z2 yt - κE[Ypt+1] - Y
pt
A equação 9 é uma expansão da regra de instrumento dada pela equação 336. Introduz-se
o componente κE[Ypt+1] - Yp
t, sendo κ um coeficiente maior que zero, que dá a
sensibilidade da taxa de juros em relação à diferença entre a esperança para o produto
potencial em t+1 e o produto potencial observado em t – em outras palavras, trata-se de
um coeficiente de sensibilidade do BC em relação à endogenia do produto potencial.
Um BC ortodoxo, por sua vez, apresenta-se como o caso particular em que κ é zero,
expressando a indiferença em relação ao princípio da demanda efetiva no longo prazo.
Observa-se que a equação 9 não é resultado direto de um processo de otimização a
partir das equações restantes do modelo. No entanto, ela dá atenção ao componente
endógeno da eliminação do gap do produto e está de acordo com o princípio de
incerteza, segundo o qual quanto maior a incerteza estrutural, menor a utilidade da regra
ótima, e assim maior a dependência da política monetária em relação a mecanismos
tácitos e ad hoc. Substituindo 5 em 9, tem-se:
(10) rt = z1πt + ( z2 - κυ) (yt)
Observa-se que a taxa de juros responde em magnitude menor face ao gap do produto,
em relação ao que ocorre na regra original (equação 3). Esta redução na magnitude da
resposta é dada por κυ. Assim, ao se introduzir a hipótese de endogenia no modelo
estrutural do BC e supondo-se que este leve em conta essa endogenia ao ajustar a taxa
de juros, chega-se a uma regra de instrumento que responde mais parcimoniosamente
face aos choques positivos de demanda, o que seria um tipo de flexibilização da regra de
instrumento ótima originada de um modelo padrão – i.e. com a hipótese da taxa natural.
Na verdade, os modelos de Ball (1999a) e Svensson (1997), assim como os modelos
BMW (2003) e Clarida, Galí & Gertler (1999), já partem da idéia de que existem 36 A equação 9 é proposta para o caso dos choques positivos de demanda. Por motivos que serão detalhados à frente, no caso dos choques negativos de demanda uma outra especificação é necessária.
97
motivações teóricas e empíricas para a flexibilização do regime de IT. Todavia, esta
“passagem” do regime estrito para o regime flexível não é prevista no caso dos choques
de demanda, uma vez que todos esses modelos adotam a hipótese de neutralidade
monetária no longo prazo e a conseqüente convergência necessária para a taxa natural.
Por outro lado, ao se levar em consideração a não-neutralidade nos moldes de Keynes e
pós-keynesianos, pode-se demonstrar, por meio de uma análise crítica e interna aos
modelos-padrão, uma justificativa adicional para um menor conservadorismo do BC sob
o regime de IT.
Diante de um choque de demanda positivo, quando o produto efetivo está superior ao
produto potencial, a autoridade monetária pode elevar a taxa de juros em medida menor
do que a que seria justificada sob um produto potencial inflexível. Como o produto
potencial é de fato endógeno, este irá sofrer uma elevação, ajustando-se parcialmente
(ou integralmente) ao produto efetivo. Logo, o BC não precisa perseguir uma redução
muito forte do produto efetivo em t+1.
Proposição 01: Quando o Banco Central é consciente acerca da endogeneidade do
produto potencial, e introduz esta hipótese no modelo estrutural usado como balizador
da política monetária, a resposta da taxa de juros frente a um choque positivo de
demanda é menos agressiva (ou mais parcimoniosa), quando comparado com uma
resposta que não leve em conta o ajuste endógeno da capacidade produtiva.
A análise no Gráfico 1 permite visualizar o que ocorre quando o choque positivo de
demanda é enfrentado, tanto pelo BC ortodoxo quanto pelo heterodoxo. A economia se
encontra inicialmente no ponto A, em que a inflação está na meta e o produto em seu
nível potencial, com as curvas iniciais de demanda e oferta (oferta de curto prazo)
agregadas, D e S. O produto potencial inicial é dado por Yp1.
98
Gráfico 1 – O caso do choque positivo de demanda
Um choque de demanda desloca a curva de demanda para D’, e a economia migra para
a situação B, com uma inflação corrente maior que a meta, e com um produto corrente
maior que o potencial. O BC ortodoxo, pela regra de Taylor padrão, combate
integralmente o choque de demanda, pois acredita que não há ajuste do produto
potencial pelo lado da demanda. No entanto, o produto potencial se ajusta
endogenamente, por meio dos investimentos induzidos pelo gap do produto. O produto
potencial se desloca de Yp1 para Yp2. Há também um deslocamento da curva de oferta
de curto prazo, de S para S’, dada a expansão da capacidade produtiva. Contudo, a
demanda agregada retorna para D, devido à resposta integral da taxa real de juros. Logo,
a economia opera em C, com as curvas S’ e D. Em C, observa-se uma inflação abaixo
da meta e um produto abaixo do novo produto potencial Yp2. Isto resultará em
estímulos negativos para os investimentos e para o produto potencial no período
seguinte. A política monetária ortodoxa foi instabilizadora neste caso.
Por outro lado, amparado na idéia de endogeneidade do produto potencial, e com uma
regra de instrumento heterodoxa, o BC combate apenas parcialmente o choque de
demanda: há parcimônia na elevação da taxa real de juros, diante do choque positivo de
demanda. Após o choque, a curva de demanda retorna de D’ para D’’, e não para D.
Com a nova curva de oferta de curto prazo S’, com D’’, e com o novo produto potencial
Yp2, a economia opera em E, quando a inflação está na meta e o produto corrente ao seu
Πn
Π
Y
A B
C E
Yp1 Yp2
D
D’ D’’
S S’
99
novo nível potencial. Neste caso, a política monetária é estabilizadora e consistente com
uma dinâmica de elevada produção e emprego no longo prazo.
Essa proposição está em consonância com a visão de Carvalho (2005, pp. 335), para
quem “O uso da taxa de juros, em qualquer circunstância, deve ser parcimonioso,
mantendo-a dentro de certos intervalos limitados [...]”. Obviamente, ao falar em
parcimônia, Carvalho faz menção, neste trecho, às pressões inflacionárias causadas por
excesso de demanda. No entanto, como se verá a seguir, quando a economia opera
abaixo de seu nível potencial, devido a um choque negativo de demanda, ou a uma
insuficiência de demanda, faz-se necessária uma redução mais agressiva da taxa real de
juros37, ao invés da forte inércia exibida pelos bancos centrais ortodoxos.
3.3.2 – O caso dos choques negativos de demanda
Uma pergunta pode ser feita: o argumentado até aqui vale da mesma forma para o caso
dos choques negativos de demanda? Quando, devido a um choque, o produto efetivo se
encontra abaixo do produto potencial, sabendo-se da endogenia deste último, qual deve
ser a resposta da taxa de juros? Neste caso, a menor agressividade na resposta da taxa de
juros suscitará menores estímulos de recuperação do produto, forçando um ajuste para
baixo do produto potencial. Na verdade, há uma não-linearidade no que diz respeito à
velocidade de resposta mais apropriada diante de um choque negativo de demanda, o
que impõe uma restrição ao uso da regra 10 no caso deste tipo de choque. Uma regra
mais apropriada neste caso pode ser elaborada. No caso dos choques negativos de
demanda, seja a equação:
(9’) rt = z1 πt + z2 yt + κYpt - E[Yp
t+1]
A equação (9’) faz uma troca do termo -κE[Ypt+1] - Yp
t na equação 9 pelo termo
+κYpt - E[Yp
t+1]. Isto porque, diante de um choque negativo de demanda, o gap
37 Ainda que a literatura apresente controvérsias quanto à eficácia das reduções da taxa de juros como estímulo econômico.
100
negativo do produto induzirá uma redução do produto potencial e não mais um
aumento, como no caso do choque positivo. Sabe-se que:
(5) E[Ypt+1] = Yp
t + υ (Yt - Yp t)
Substituindo (5) em (9’), chega-se a:
(10’) rt = z1 πt + (z2 + κυ) (yt)
A equação (10’) é diferente da equação (10) apenas pelo fato de que o termo κυ é
adicionado, e não mais subtraído como em (10). Assim, diante de um choque negativo
de demanda, o BC heterodoxo reduz mais agressivamente a taxa real de juros, dada a
redução de yt, quando comparado com a regra (3), esta última usada por um Banco
Central ortodoxo38.
Proposição 02: Quando o Banco Central é consciente acerca da endogeneidade do
produto potencial, e introduz esta hipótese no modelo estrutural usado como balizador
da política monetária, a resposta da taxa de juros frente a um choque negativo de
demanda é mais agressiva (ou menos parcimoniosa), quando comparado com uma
resposta que não leve em conta o ajuste endógeno da capacidade produtiva.
Na prática, os Bancos Centrais ortodoxos apresentam uma resistência maior às reduções
da taxa de juros, quando a economia se encontra em desaceleração. Apesar do combate
aos choques positivos de demanda ser enérgico, por meio de elevações rápidas e
intensas da taxa real de juros, o combate aos choques negativos de demanda são mais
parcimoniosos (King, 1996)39. Uma possível explicação para isto seria um
comportamento oportunista por parte do Banco Central diante de choques negativos:
quando o produto se encontra abaixo do potencial, e a inflação abaixo da meta, o Banco
Central poderia se aproveitar dessa situação, alimentando expectativas de menores taxas
38 É possível uma análise gráfica para o caso dos choques negativos de demanda, tal como foi feito para o caso dos choques positivos. O leitor pode deduzir que haverá, também nesse caso, uma perda de produto potencial sob a regra de política ortodoxa, dado que a mesma não é suficiente para eliminar o gap negativo antes que haja uma redução do produto potencial. 39 “There is an asymmetric approach to positive and negative shocks when inflation is in the intermediate range. Positive shocks are suppressed; negative shocks are accommodated.” (KING, 1996, pp. 42).
101
de inflação no futuro. Essas expectativas poderiam facilitar o alcance da meta de
inflação, mesmo na presença de eventuais choques positivos de demanda.
De toda forma, parece existir uma assimetria ou não-linearidade na resposta da política
monetária face aos choques positivos e negativos de demanda. Mishkin (1999) aponta
para tal assimetria na condução da política monetária pelo Bundesbank, o BC alemão,
embora este a fizesse por meio de regras monetárias40.
Face ao choque negativo de demanda, pode-se dizer que quanto mais vagarosa for a
redução da taxa de juros mais lenta será a recuperação econômica, coeteris paribus.
Uma vez que existe a endogenia do produto potencial, este tende a se contrair, ou
crescer a taxas menores em se tratando de uma análise em termos de taxa de
crescimento, à medida que o gap negativo do produto se mantenha. Logo, um Banco
Central que dê peso à dinâmica de longo prazo do produto potencial tentará eliminar o
mais rápido possível o gap negativo do produto, impedindo seus efeitos deletérios sobre
as decisões de investimento dos agentes privados e sobre a trajetória temporal do
estoque de capital da economia.
Essa questão se torna ainda mais pertinente no contexto de recessões severas, em que a
persistência de níveis reduzidos de produção pode contaminar as expectativas
empresariais e contrair investimentos, a ponto de prolongar a tendência recessiva pelos
efeitos sobre a capacidade produtiva futura. Neste contexto, não se trata somente de
reduzir taxas reais de juros, mas de reduzi-las em escala suficiente para que sejam
estimulados os investimentos na economia na medida adequada. Um BC ortodoxo pode
reduzir as taxas reais de juros face à recessão, mas provavelmente as reduzirá em escala
inferior se comparado ao que faria um BC consciente e preocupado em relação à
endogenia do produto potencial pelo lado da demanda.
40
“One potentially serious criticism of German monetary targeting, however, is that, […], the Bundesbank has reacted asymmetrically to target misses, raising interest rates in response to overshooting of the money-growth target, but choosing not to lower interest rates in response to an undershooting. This suggests that the Bundesbank may not be sufficiently concerned about undershoots of its normative inflation goal. Arguably this might have caused the Bundesbank to be overly tight in its monetary policy stance in the mid 1990s when German inflation fell below the 2% normative goal, which not only led to an unnecessary increase in unemployment in Germany, but also in countries tied to the deutsche mark, such as France.”(MISHKIN, 1999, pp.16).
102
Apenas como ilustração, a postura conservadora do BC brasileiro foi criticada durante
os primeiros meses de 2009. Em meio aos indicadores de desaceleração industrial,
provocada pelos efeitos dinâmicos da crise financeira mundial, o BC brasileiro estaria
apresentando resistência à redução da taxa básica de juros. Um BC que desse maior
peso à dinâmica de longo prazo da capacidade produtiva, sabendo que suas decisões de
juros são fundamentais para tal dinâmica, com certeza seria mais agressivo na redução
da taxa de juros diante de um choque negativo de demanda. A esse respeito,
A diretoria do Banco Central não se mostrou à altura das demandas da economia brasileira e ninguém se surpreendeu com isto, que afinal vem de longe. Surpreendente seria se agissem diferentemente. Com sua lentidão paquidérmica, o Banco Central age como aquele convidado encarregado de trazer a cerveja para a festa e chega quando todos já foram embora (CARVALHO, 2009, itálico meu).
Portanto, um “Banco Central heterodoxo” – consciente da endogenia da capacidade
produtiva e da não-neutralidade monetária no longo prazo – será mais parcimonioso
face a um choque positivo de demanda, mas será mais agressivo face a um choque
negativo de demanda, visto que um de seus objetivos de longo prazo é o de manter uma
trajetória ascendente e sustentada para o produto potencial (e para o produto efetivo) da
economia, e não somente o de manter a estabilidade de preços41. Isto vai de encontro ao
comportamento de um “Banco Central ortodoxo”, o qual é mais agressivo diante de um
choque positivo de demanda, e mais parcimonioso diante de um choque negativo,
comportamento este que faz emergir uma dinâmica de baixo produto potencial no longo
prazo.
Apesar de se assumir, na literatura convencional, uma função perda social que dê a idéia
de uma certa preocupação com a estabilidade produtiva, nos trabalhos teóricos essas
preocupações estão restritas ao curto prazo e praticamente ausentes quando se observa a
prática da política monetária nas economias sob IT. Isto decorre do simples fato de que,
41 A questão da busca por maiores níveis de produto potencial no longo prazo está sempre pautada por uma motivação social. A idéia por trás é a manutenção de níveis mínimos de desemprego e/ou de desigualdades de renda entre as classes sociais no longo prazo, embora tal meta não possa ser alcançada exclusivamente via política monetária. A meta de um produto potencial superior no longo prazo está associada à hipótese implícita de que tal situação implica em menor taxa de desemprego e pobreza (conferir Apêndice 7). Obviamente, questões referentes à distribuição funcional da renda no longo prazo estão fora do escopo da presente tese.
103
ao adotar a hipótese da taxa natural, o regime de metas de inflação é automaticamente
reduzido a um sistema de metas estritamente nominais, a contragosto de Carvalho
(2005), sem espaço para metas e/ou considerações a respeito da dinâmica produtiva de
longo prazo.
De certa forma, tais proposições são compatíveis com os resultados alcançados por
Libânio (2009). O autor testa para uma natureza pro-cíclica e assimétrica (i.e. muito
apertada nas contrações, e contra-cíclica nas expansões) da política monetária no
Brasil42, durante o período 1999-2006. Os resultados do teste empírico sugerem uma
tendência de elevadas taxas de juros no Brasil, com efeitos deletérios para a demanda
agregada e para a produção. No entanto, Libânio (op. cit.) não testa as conseqüências
dessa política para a produção no longo prazo, restringindo-se ao estudo do trade-off de
curto prazo.
A presente tese teórica oferece idéias que podem servir para futuros estudos empíricos –
na linha do desenvolvido por Libânio (2009) -, que venham testar para uma tendência
de reduzidos níveis de produto potencial no longo prazo, devido a uma política
monetária alicerçada em modelos mal especificados e em preferências ortodoxas. Pode-
se testar, por exemplo, qual teria sido a tendência de crescimento de uma economia caso
a política monetária tivesse incorporado na função juros o componente de ajuste
endógeno da capacidade produtiva.
Por outro lado, Libânio (op. cit.) parece colocar um peso indevido sobre o regime de
metas de inflação, como se este fosse necessariamente nocivo para a política monetária
e para a performance econômica. Na linha de trabalhos como Lima & Setterfield
(2008), o presente trabalho defende que o regime de metas para inflação, se apoiado em
um modelo melhor ajustado à realidade econômica, pode ser compatível com uma
performance superior àquela que seria observada sob um BC ortodoxo e mal orientado.
Os valores indesejáveis que, porventura, podem ser observados em economias sob IT
não são implicações do regime em si, mas de uma má especificação do modus
42 “The results suggest that monetary policy has been procyclical and asymmetric in Brazil, so that it can be described by the expression “too tight during contractions, not so loose during expansions”. In this case, it can be argued that monetary policy under inflation targeting has been detrimental to aggregate demand and growth.” (LIBÂNIO, 2009, pp. 9).
104
operandis da economia e de policymakers apegados a idéias inadequadas para uma
economia em que opere a não-neutralidade monetária no longo prazo e a trajetória
dependente do produto potencial.
A adoção da regra (10) e (10’) nos casos de choques positivos e negativos de demanda,
respectivamente, ao invés da adoção da regra “ótima” ortodoxa (3), simula um melhor
ajustamento da política monetária à realidade econômica. Vale salientar: resultado
semelhante pode ser obtido por meio de um rearranjo e expansão no modelo de Lima &
Setterfield (2008) – conferir Apêndice 8.
No Quadro 1 abaixo, sintetiza-se a condução da política monetária por parte de um BC
ortodoxo, que faz uso exclusivo da regra ótima (3), e de um BC heterodoxo, que
combate os choques de demanda com base em uma consciência acerca da correlação de
longo prazo entre moeda, produção e produto potencial.
Quadro 1 – Condução da política monetária
Caso BC ortodoxo BC heterodoxo
Choque positivo de demanda rt = z1πt + z2 yt
rt= z1πt + ( z2 - κυ) (yt)
Choque negativo de demanda rt= z1πt + (z2+ κυ) (yt)
3.3.3 – O custo social de oportunidade de uma política ortodoxa em uma
economia da demanda efetiva
A idéia de que não há trade-offs no caso do choque de demanda pode ser contestada: a
resposta estrita da política monetária a um choque positivo de demanda diminui a
volatilidade da inflação, mas incorre em um tipo de custo (social) de oportunidade (Cy),
em termos do ganho social por meio de um impulso positivo sobre o produto potencial
que se deixa de auferir. Este custo (social) de oportunidade pode ser estimado pela
diferença entre o produto potencial que seria observado para o período, caso a política
105
monetária fosse acomodatícia (regime flexível, i.e. regra 10), e o produto potencial
efetivo sob regime estrito (i.e. regra 3). Assim, esse custo de oportunidade, associado à
não flexibilização do regime de metas inflacionárias no caso do choque de demanda,
poderia ser expresso por:
(11) Cy = E[(Y pt)
f] – (Ypt)
s
Em que Cy é o custo social de oportunidade, E[(Ypt)
f] é a esperança para o produto
potencial em t que seria observado se o BC aplicasse uma política de juros flexível face
ao choque de demanda e (Ypt)
s é o produto potencial efetivo sob regime estrito
(inflexível).
Se a sociedade dá algum peso a esse custo de oportunidade no âmbito da tomada de
decisão da autoridade monetária, a política de taxa de juros deve levar em consideração
uma troca (trade-off) entre a menor volatilidade da inflação e um custo social de
oportunidade maior, quando do combate aos choques de demanda. Uma função perda
social que dê expressão a essa concepção seria:
(12) L t = j1 (Yt - Y
p)2 + j2 (Πt - Πn)2 + j3 (Cy)2
A função perda social 12 acima mostra que o custo de oportunidade representa um tipo
de perda social, que ocorre quando o Banco Central combate o choque de demanda sem
considerar a endogeneidade do produto potencial. Em outras palavras, quando a
autoridade monetária age de forma conservadora em extremo, e a partir de um modelo
mal especificado43, a sociedade perde a oportunidade de contar com um produto
potencial melhor ajustado às flutuações da demanda e da renda. O ajustamento do
produto potencial ao produto efetivo implica uma alteração mais suave da taxa de juros
diante de um choque positivo de demanda. Portanto, por trás de uma minimização do
custo de oportunidade Cy, se o BC levar em consideração a endogeneização do produto
potencial pelo lado da demanda, há também a minimização das flutuações da taxa de
juros.
43 Um modelo que considere o produto potencial como sendo determinado de maneira independente dos movimentos da demanda e da renda.
106
Ademais, a função perda acima expressa a idéia heterodoxa de que o BC não pode ter
metas nominais apenas, como as metas de inflação (Carvalho, 2005). Uma vez que a
política monetária afeta a dinâmica de longo prazo da atividade econômica, o BC
precisa levar em consideração esses efeitos reais ao avaliar a performance na condução
do(s) instrumento(s) de política.
3.4 – Simulação computacional
O objetivo da simulação é verificar como, sob endogenia do produto potencial, a
política monetária apropriada se torna mais parcimoniosa no caso dos choques
(positivos) de demanda44, e como a não flexibilização implica perdas sociais
desnecessárias traduzidas por menores níveis de produto potencial no longo prazo.
A metodologia da simulação em computador segue, em linhas gerais, a adotada por
Oreiro & Lemos (2005), embora haja algumas divergências particulares no que diz
respeito ao objeto da simulação. Tanto aqui quanto em Oreiro & Lemos (2005) as
trajetórias dinâmicas da economia serão simuladas através do processo conhecido como
calibração, que nada mais é do que a adoção de certos valores para os parâmetros e para
as condições iniciais do sistema, a fim de que seja verificada uma convergência ou
correspondência relativa entre os resultados da simulação e alguns “fatos estilizados”45.
A diferença particular em relação ao trabalho de Oreiro & Lemos (2005) é a de que a
simulação aqui não tem como finalidade precípua gerar resultados semelhantes a “fatos
estilizados”, nem mesmo a de avaliar se o modelo proposto é “bom ou ruim”. O objetivo
aqui é o de testar computacionalmente, a partir de certos valores para parâmetros e
condições iniciais, a validade da hipótese teórica de que um Banco Central que não
leve em consideração a não-neutralidade monetária e a endogenia do produto
44 A simulação será feita apenas para o caso da resposta de política monetária face a choques positivos de demanda, e isto apenas por motivo de objetividade. Obviamente, a simulação poderia ser feita também para casos de choques negativos, com a única diferença de que, nestes casos, a regra de resposta usada por um BC heterodoxo seria a regra 10’ e não a regra 10. Absolutamente, suprimir a simulação para os choques negativos em nada interfere nos resultados gerais deste trabalho. 45 Trata-se da definição dada por Hansen & Heckman (1996) para o processo de calibração.
107
potencial persegue uma política monetária nociva para a dinâmica econômica de longo
prazo, impondo perdas sociais desnecessárias.
De certa forma, a simulação que será feita serve muito mais como uma ferramenta
analítica adicional para a verificação dos desdobramentos da mencionada hipótese
teórica para a economia no longo prazo. A validade empírica dessa hipótese, no entanto,
dependerá de futuros estudos e metodologias estatísticas que permitam sua verificação.
Tabela 1
Os valores escolhidos para ϖ, m e n são respectivamente 0,4, 0,8 e 1,0, sendo estes os
valores adotados por Ball (1999a) com base em algumas evidências empíricas. Os
demais valores de parâmetros e condições iniciais são adotados de forma ad hoc. A
única preocupação foi a de adotar valores que não dessem hipersensibilidade às relações
estruturais do modelo. A Tabela 1 apresenta todos os valores adotados. Conforme
Oreiro & Lemos (2005) esta imposição de valores faz parte do método de calibração e
não invalida necessariamente a “robustez” da simulação46.
46 No que diz respeito à adoção ad hoc de valores, conforme salienta Possas: “Entretanto, apesar da imprevisibilidade dos resultados de longo prazo, podem-se obter trajetórias por simulação a partir de hipóteses ad hoc sobre condições iniciais e mudanças nos parâmetros, em lugar de soluções matemáticas e analíticas bem definidas e generalizáveis. Este é um elemento central do programa de pesquisa
Yt-1 Yp Rt-1 R
n ΠΠΠΠt-1
700 700 5 5 4
ΠΠΠΠn ΠΠΠΠem n ττττ
4 4 0,8 1 1
ϖϖϖϖ z1 z2 υυυυ κκκκ0,4 0,5 1 0,5 0,2
ηηηηt+5 ηηηηt+18 ηηηηt+20 ηηηηt+28
20 45 500 35
Parâmetros, condições inicias e choques
108
O critério de avaliação deve se concentrar na capacidade do teste de gerar trajetórias
dinâmicas compatíveis com um bom número de “fatos estilizados”. Caso a simulação
não dê conta desses fatos estilizados, o pesquisador deve adotar outros valores para
parâmetros e condições iniciais, repetindo a simulação, até que haja resultados
satisfatórios. Embora tal metodologia possa ser criticada pela excessiva margem de
liberdade dada ao pesquisador, Oreiro & Lemos (op. cit.) argumentam que se o modelo
for de fato ruim não haverá uma compatibilidade entre as trajetórias dinâmicas
verificadas e um bom número de fatos estilizados, ainda que o pesquisador teste ad
infinitum dados diferentes.
Os passos no teste foram os seguintes:
1) fez-se uma simulação da resposta da taxa real de juros com base na hipótese da
exogenia do produto potencial (υ = 0) e no uso da regra de Taylor convencional
(equação 3), a fim de que fossem observados os valores da taxa real de juros a
partir de um BC ortodoxo;
2) aplicaram-se esses valores em uma economia com a operação da endogenia do
produto potencial (υ = 0,5), a fim de que fosse simulada a performance
econômica obtida com um BC ortodoxo que opere em uma economia da demanda
efetiva;
3) aplicou-se a regra de política heterodoxa (equação 10) em uma economia com
endogenia do produto potencial para que fosse obtida a performance com um BC
heterodoxo;
4) fez-se a comparação das dinâmicas observadas entre os regimes (2) e (3).
evolucionário neo-schumpeteriano: a realização de exercícios de simulação em computador de processos econômicos evolucionários estilizados, de forma a estudar suas propriedades, uma vez que não há razão para se esperar em princípio que soluções analíticas possam dar conta de modelos de sistemas complexos como os preconizados por essa abordagem.” (POSSAS et al., 2001, pp. 334).
109
Ao longo da simulação (198 períodos), a taxa real de juros alcançou um pico, em log, de
2,7. Isto quando a autoridade monetária faz uso de uma regra de taxa de juros que
considera o produto potencial exogenamente determinado (regra da equação 3). Este
pico foi a resposta ao choque de demanda do mesmo período, o mais longo da série, no
valor de 500 unidades monetárias. Como consequência, o produto cai para 858 unidades
monetárias, após ter alcançado 1211 no período imediatamente anterior.
O que ocorre quando a autoridade monetária faz uso da regra de taxa de juros dada pela
equação (10), que leva em conta a endogeneidade do produto potencial? Neste caso, ao
longo do período, a taxa real de juros alcança um pico, em log, de 2,65, como resposta
ao choque de demanda de 500 unidades monetárias. Assim, o produto cai para o valor
de 908, após ter alcançado 1211 no período imediatamente anterior. Utiliza-se o choque
de demanda do período t+20 (500 unidades monetárias) como representativo de uma
dinâmica geral: ao longo do período, os choques de demanda são seguidos de uma
política monetária mais agressiva quando a regra da taxa de juros não leva em
consideração a endogeneização do produto potencial. Quando, por outro lado, o BC usa
a regra dada pela equação (10) a taxa de juros se torna menos volátil.
A taxa real de juros apresenta uma somatória dos quadrados dos desvios (Σ r2) maior
sob a regra de instrumento (3), quando comparado com o observado sob a regra de
instrumento (10): no primeiro caso, o valor da somatória é de 253.875, ao passo que o
mesmo cai para 208.853 no segundo caso, o que indica a maior volatilidade da taxa real
de juros sob o regime da equação (3).
Observa-se nos dois regimes que a tendência de longo prazo para a taxa real de juros
depende do valor adotado para a taxa natural de juros. Em ambos, a taxa real de juros
apresenta uma tendência para o valor de 0,69 em log, que corresponde à taxa natural de
juros (Rn = 5). No entanto, como salientado acima, ao longo do período, no caso dos
choques de demanda, as flutuações da taxa real de juros são menores quando o BC
adota a regra de instrumento (10), ao invés da regra (3).
Da mesma forma, quando o BC faz uso daquela primeira, o produto potencial sofre
menos perdas: ele alcança o valor máximo de 966; ao passo que quando o BC faz uso da
regra (3), o produto potencial chega ao máximo de 964. Apesar de aparentemente
110
pequena, a diferença entre esses valores tende a crescer com o tamanho dos choques de
demanda.
Este resultado está em conformidade com a idéia expressa pela equação (11), ou seja, a
de que há um tipo de custo de oportunidade, quando o BC não é flexível face aos
choques de demanda, em termos das perdas de produto potencial. Para o período inteiro,
aplicando a fórmula da equação (11) às médias do produto potencial sob ambos
regimes, o custo de oportunidade médio47 seria de 31,8 unidades monetárias. Na média,
quando o BC utiliza a regra (10), o produto potencial apresenta o valor de 707,57
unidades monetárias ao longo de todo o período; ao passo que esse valor cai para 675,75
quando a regra utilizada é a da equação (3). O custo de oportunidade médio seria a
diferença entre ambos valores.
A não flexibilização da regra de instrumento pelo BC, diante dos choques de demanda,
impõe uma tendência de dinâmica produtiva reduzida à economia, o que pode ser
observado pelos menores níveis de produto potencial no longo período, através da
simulação. Ao fazer uso da “regra de instrumento heterodoxa” (equação 10), o produto
potencial se estabiliza no longo prazo no valor de 700 unidades monetárias, após
experimentar algumas flutuações devido aos choques de demanda. Por outro lado,
quando o BC faz uso da “regra de instrumento ortodoxa” (equação 3), o produto
potencial se estabiliza em 662,5 unidades monetárias, após sofrer os mesmos choques
do caso anterior. O Gráfico 2 mostra a dinâmica do produto potencial em ambos
regimes, e a Tabela 2 apresenta algumas respostas-chave da simulação sob ambos
regimes. Vale dizer, o modelo abstrai a tendência à suavização (smoothing) por parte
dos BCs. No entanto, a inclusão de uma inércia da taxa de juros nas equações 3 e 10 (e
10’) não alteraria os resultados qualitativos da simulação.
47 Trata-se do custo de oportunidade calculado a partir do produto potencial médio que seria observado se o BC fizesse uso da equação 10 e do produto potencial médio observado quando o BC faz uso da equação 3.
111
Gráfico 2 - Dinâmica do Produto Potencial sob as Regras de Instrumento 3 e 10 no
Caso dos Choques Positivos de Demanda (Unidades Monetárias)
Esta perda de produto potencial quando o BC utiliza uma regra ortodoxa implica no
mencionado custo social de oportunidade, incorrido por uma política monetária que
combata os choques de demanda sem considerar a endogeneidade do produto potencial.
Esta endogeneidade determinada pelas próprias flutuações da demanda e do produto
corrente, não prevista pela literatura convencional, faz emergir um trade-off, também
não aceito pelo mainstream: há uma perda de produto potencial no longo prazo quando
o BC combate o choque de demanda de forma inflexível, ou seja, sem levar em
consideração o fato de que a capacidade produtiva se ajusta endogenamente ao
comportamento da demanda e da renda em quaisquer prazos.
600
650
700
750
800
850
900
950
1000t-
2
t+3
t+8
t+1
3
t+1
8
t+2
3
t+2
8
t+3
3
t+3
8
t+4
3
t+4
8
t+5
3
t+5
8
t+6
3
t+6
8
t+7
3
t+7
8
Regra 10
Regra 3
112
Tabela 2
Vale dizer: apesar da regra de política monetária ortodoxa poder ser derivada
exclusivamente por um processo de otimização (Apêndice 5), esta é feita com base em
um modelo equivocado, apoiado em uma hipótese que não condiz com a economia real,
a saber a hipótese da neutralidade da moeda e da taxa natural; por sua vez, a regra de
política monetária heterodoxa, apesar de incorporar mecanismos que não são resultados
de processos otimizadores, ampara-se em uma teoria melhor ajustada à realidade
econômica, pelo que sua utilização resulta em melhor performance quando comparada
com a regra ortodoxa. Trata-se de rejeitar a suposta racionalidade e eficiência dos
processos otimizadores do mainstream na condução da política monetária moderna.
Essa Tese, inspirando-se em Keynes (1936, p. 23), mostra que “os ensinamentos
daquela teoria são ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões
aos fatos da experiência”.
3.5 – Caminhos futuros para a presente pesquisa
A priori, a presente pesquisa pode seguir os seguintes passos para seu desenvolvimento
futuro: a) o modelo desenvolvido neste capítulo cumpriu o papel suficiente para o
desenvolvimento da hipótese a que se propôs esta Tese: demonstrar que a idéia de uma
inexistência de custos sociais a partir da política monetária, face aos choques de
demanda, só faz sentido sob a hipótese da exogenia do produto potencial pelo lado da
Regra 3 Regra 10Pico da taxa de juros 2,7 (log) 2,65 (log)
Volatilidade dos juros* 253.875 208.853Pico do produto potencial 964,00 966,00Produto potencial médio 675,75 707,57
Produto potencial de longo prazo 662,50 700,00
* Somatória dos quadrados dos desvios
Respostas sob a regra 3 e 10 no caso dos choques positivos de demanda
113
demanda; no entanto, o modelo pode ser aprimorado futuramente, seja incorporando as
relações com o resto do mundo, o papel das expectativas e da confiança na
determinação dos investimentos privados, os componentes permanentes de custo na
curva de Phillips, seja incorporando o papel da política fiscal e suas relações com a
política monetária; b) pode-se pesquisar a conveniência de metas de produto real, e sua
compatibilidade com a estabilidade de preços, no âmbito da endogenia do produto
potencial; c) pode-se buscar a elaboração de uma metodologia estatística que permita a
verificação empírica de sua hipótese teórica, ainda que se reconheça, desde já, as
prováveis dificuldades que estarão à espera.
CONCLUSÕES
A utilidade do regime de metas de inflação parece ser tema de grande controvérsia.
Costuma-se pensar nesse regime como uma peça necessária de um escopo teórico
ortodoxo, ligado à hipótese de “economia da oferta” no longo prazo. De fato, esse é o
caráter da teoria convencional de Inflation Targeting. Apoiada no pensamento da
chamada Nova Síntese Neoclássica, a teoria mainstream de metas de inflação concebe a
economia, no longo prazo, como possuindo uma dinâmica de preços flexíveis, ao gosto
dos modelos de ciclos reais de negócios, em que há uma taxa natural de produção e de
desemprego determinadas exclusivamente pelos “fatores reais”.
Neste contexto, os teóricos ortodoxos chegam à conclusão de que os choques de
demanda devem ser combatidos integralmente, visto que não haveria qualquer impacto
dinâmico e permanente desses choques sobre a esfera da produção no longo prazo.
Adota-se a hipótese da taxa natural e da neutralidade da moeda, ao menos no longo
prazo, rejeitando-se para esse prazo o princípio da demanda efetiva. Os efeitos reais da
política monetária seriam apenas transitórios, durante um curto horizonte de tempo em
que a economia estaria sob rigidez de preços, à lá modelos novo-keynesianos.
Ainda que em muitos casos o mainstream reconheça a existência de trade-off associado
à resposta da política monetária, este não é o caso quando a economia sofre de um
choque de demanda. Não haveria qualquer perda social quando um BC elevasse
114
rapidamente (ou reduzisse lentamente) a taxa real de juros face a um choque positivo
(ou negativo) de demanda.
A presente tese posicionou-se contra essa concepção do mainstream, buscando
demonstrar, inclusive através de um rearranjo de um modelo padrão (crítica interna),
que a política monetária impõe custos sociais no caso do choque de demanda, caso a
economia apresente uma endogeneidade do produto potencial, ou seja, caso não seja
assumida a hipótese da taxa natural. A rejeição desta última parece ser suficiente para as
conclusões desta tese, visto que as mesmas foram alcançadas mantendo-se a
especificação convencional da curva de Phillips.
Mostrou-se que um BC que possua consciência da endogeneidade da capacidade
produtiva, em especial que reconheça a correlação entre o produto potencial e as
flutuações cíclicas do produto, incorporando esta hipótese em seu modelo balizador,
será um BC com uma regra de política monetária cujos efeitos permitirão melhor
performance econômica no longo prazo, se comparado a uma regra ortodoxa, à lá regra
de Taylor padrão, apoiada na hipótese da taxa natural.
Nesse sentido, embora a regra de política heterodoxa seja resultado de mecanismos
originados por processos não otimizadores, o BC heterodoxo alcança uma dinâmica
superior para o produto potencial no longo prazo, dado que sua regra está apoiada em
um modelo melhor ajustado à realidade. Por sua vez, a sistemática de política ortodoxa,
embora resultado de processos otimizadores, apresenta impactos econômicos negativos,
dada a má especificação do modelo balizador da política. Rejeita-se a suposta eficiência
dos mecanismos de otimização do mainstream na condução da política monetária.
O teste numérico a partir das equações do modelo de análise permitiu a validação dessa
hipótese, na medida em que a regra de política heterodoxa deu origem a resultados
superiores em relação à dinâmica do produto potencial da economia, quando
comparados com os resultados obtidos com a regra de política ortodoxa. Em certo
sentido, esse resultado sustenta a idéia de Lima & Setterfield (2008) de que em uma
economia pós-keynesiana, quanto mais ortodoxa a política, pior a performance
econômica.
115
Buscou-se mostrar que existe um tipo específico de custo social associado à postura do
BC ortodoxo sobre uma economia em que opere a endogenia do produto potencial. Viu-
se que há um custo social de oportunidade, medido pela perda dinâmica em termos de
produto potencial, como efeito de ajustes inadequados na taxa real de juros, feitos pelo
Banco Central ortodoxo, face a choques de demanda. Este tipo de custo social precisa
entrar em uma função perda social que norteie os objetivos de política de uma
autoridade monetária apoiada em um modelo melhor ajustado à realidade.
A tese é compatível com a idéia de que o regime de metas de inflação, em si mesmo,
não é deletério para a economia. Eventuais prejuízos obtidos por uma economia sob o
regime de IT podem ser resultados, principalmente, do modelo que guia a política
monetária, e não da adoção de uma meta de inflação e da busca pelo seu alcance. A
forma com que essa busca é feita é que parece importar. Ou seja, não é a mera
existência de uma meta de inflação que realmente conta em termos de performance
econômica, mas sim a forma com que o instrumento de política monetária é utilizado
para o alcance daquela meta. De fato, estratégias monetárias diferentes podem refletir
preocupações sociais distintas e se apoiarem em teorias diferentes. Mostrou-se que tanto
o BC ortodoxo quanto o BC heterodoxo possuem uma meta de inflação, porém o uso do
instrumento de política recebe uma sistemática diferente em cada BC, pois os modelos
estruturais de referência, adotados por ambos, são diferentes entre si. Logo, a
performance alcançada por ambos também difere uma da outra, ainda que os dois
enfrentem os mesmo choques no tempo.
116
APÊNDICE 1
Uma formalização do pensamento de Goodfriend & King (1997)
A formalização do pensamento da Nova Síntese, apresentado por Goodfriend & King
(1997), é feita através de um instrumental matemático árduo e rigoroso, porém
inteligível. Com o propósito de evitar a exaustão formal presente naquele instrumental,
elabora-se uma formalização alternativa, de certa forma simples, com o único intuito de
enunciar os principais fundamentos da Nova Síntese, sugeridos por Goodfriend & King
(op. cit.), clara e objetivamente.
Seja o comportamento de ajuste dos preços, por parte das firmas:
(1) P*t = E[Pt+1] + E[ψt+1 – ψ]
Em que P*t é o preço desejado pela média das firmas no período t, em contexto de
competição imperfeita e rigidez de preços. Esse preço depende da esperança matemática
para o nível geral de preços em t+1 (E[Pt+1]) e da esperança para o desvio do custo
marginal real em t+1 em relação ao custo marginal real de equilíbrio (E[ψt+1 – ψ]),
sendo ψ o custo marginal real de steady-state (equilíbrio de longo prazo). Seja o nível
geral de preços em t dado por:
(2) Pt = ωP*t
Em que Pt é o nível geral de preços observado em t, o qual pode diferir, por definição,
de P*t , porém guardando uma correlação estável com este último por meio de ω. Pela
equação (2), pode-se afirmar que:
(3) E[Pt+1] = ωΕ[P*t+1]
Seja ainda:
117
(4) (ψt – ψ) = – (µt – µ)
A expressão 4 mostra a relação recíproca entre o desvio do custo marginal real e o
desvio do mark-up médio, em contexto de rigidez de preços, sendo µ o mark-up médio
de steady-state (equilíbrio de longo prazo). A partir das expressões (3) e (4), pode-se
rearranjar (1) da seguinte forma:
(5) ωΕ[P*t+1] – Pt*= E[µt+1 – µ]
Em (5), verifica-se que, dado ω, há uma correlação positiva entre a variação esperada do
preço desejado e a variação esperada do mark-up médio. Ademais, pela perspectiva da
Nova Síntese, a condição de política monetária neutra é a de que haja estabilidade do
mark-up médio ao nível de steady-state, em todos os períodos do tempo, tal que:
(6) E[µt+1 – µ] = µt – µ = µt-1 – µ = ... = 0
Logo, satisfeita a condição (6), e a partir de (5), tem-se o seguinte resultado da política
monetária neutra:
(7) ωΕ[P*t+1] – Pt*= 0
O que implica:
(8) ωΕ[P*t+1] = Pt*
Uma solução possível é Pt* = Ε[P*t+1], e ω = 1. Trata-se de uma situação idealizada, em
que os agentes não esperam mudança dos preços desejados, dado que a política
monetária está comprometida com a estabilização do markup médio em torno de seu
valor de longo-prazo. Isto é compatível com a situação na qual as expectativas de
inflação e gap do produto para t+1 são zero48, respectivamente:
48 Neste caso, não se leva em conta a defasagem temporal entre inflação e produto como na análise de Ball (1999a).
118
(9) E[πt+1] = E[y t+1] = 0
Por outro lado, caso ω > 1, tem-se que Ε[P*t+1] > Pt*. No entanto, havendo estabilidade
do valor de ω, a variação dos preços segue um comportamento estável, ou seja, a
inflação é estabilizada em torno de uma meta. Logo, tem-se a condição de gap do
produto igual a zero e inflação equivalente à meta adotada.
119
APÊNDICE 2
O modelo de Galí & Gertler (2007)
Galí & Gertler (2007) iniciam a apresentação do modelo condensado49 pela
especificação da equação de demanda agregada. Esta é derivada a partir da soma de dois
componentes de demanda, consumo e investimento, com base no processo de
maximização de consumidores e empresas, respectivamente. Tem-se:
(1) yt = - γcσrrlt + γiηqt
Onde yt é o gap do produto, rrlt é o gap da taxa real de juros de longo termo e qt é o gap
na razão Tobin’s q50. Os parâmetros γc e γi são, respectivamente, as porcentagens do
consumo e do investimento no produto de steady-state; enquanto σ e η são,
respectivamente, a elasticidade intertemporal de substituição e a elasticidade da razão
investimento/capital em relação à razão Tobin’s q (Galí & Gertler, 2007).
Um aumento da taxa real de juros de longo termo, acima de seu valor natural, tem
impacto negativo sobre os gastos de consumo, pois os consumidores têm maiores
estímulos para aumentarem suas poupanças, dadas as condições de maximização. Para
que os efeitos da política monetária sejam mais esclarecidos, é necessário definir o gap
da taxa real de juros de curto termo:
(2) rrt = (it – Etπt+1) – rnt
Sendo rrt o gap da taxa real de juros de curto termo, it a taxa nominal de juros de curto
termo, Etπt+1 a expectativa de inflação e rnt o valor de equilíbrio da taxa real de juros de
curto termo.
49 A versão exaustiva do modelo pode ser estudada no apêndice de Galí & Gertler (2007). A versão condensada, no entanto, é suficiente para uma análise qualitativa dos principais insights do modelo. 50 A razão Tobin’s q é definida como a razão entre o valor de mercado dos ativos de uma empresa e o valor de custo (substituição) desses mesmos ativos. Um gap positivo de qt, portanto, significa uma sobrevalorização de mercado dos ativos da empresa face ao valor que seria observado sob flexibilidade de preços. Neste caso de sobrevalorização a empresa tem estímulos para aumentar seus investimentos. Na equação IS, naturalmente, a razão q está em termos agregados.
120
O modelo adota a hipótese das expectativas de estrutura a termo, segundo a qual a taxa
real de juros de longo termo é formada pela somatória das taxas esperadas de curto
termo, dentro do horizonte em consideração. Logo, dada a rigidez nominal de curto
prazo, um aumento do gap da taxa real de curto termo tem impacto direto sobre o gap
de longo termo, e assim sobre as decisões de gasto dos agentes.
Ademais, uma elevação da taxa de longo termo significa, além da redução do consumo,
um estímulo para reduções dos investimentos, visto que a razão Tobin’s q depende das
taxas de desconto sobre o valor do capital, as quais dependem, por sua vez, da trajetória
esperada das taxas reais de curto termo.
A equação de oferta agregada é fundamentada no comportamento de price-setters das
firmas, em um contexto de competição imperfeita. Em cada período um conjunto de
firmas ajusta seus respectivos preços a vigorarem em um múltiplo de períodos, em
conformidade com os trabalhos de Calvo (1983), Nakamura & Steinsson (2007) e
Alvarez (2007). O ajuste de preços é feito com base em uma média ponderada dos
custos marginais correntes e dos custos marginais esperados no futuro, e as firmas que
não estão ajustando os preços em um dado período estão ajustando as quantidades,
acomodando-as à demanda51. Logo, rigidezes nominais permitem ao produto flutuar em
torno do produto potencial (Galí & Gertler, 2007). Seja:
(3) πt = β Etπt+1+κyt + ut
Em que πt é a inflação corrente, Etπt+1 são as expectativas inflacionárias, yt é o gap do
produto e ut é um choque de oferta (cost push shock), tal como em Clarida, Galí &
Getler (1999). Por sua vez, β representa o coeficiente de sensibilidade da inflação
corrente em relação às expectativas de inflação, e κ representa a sensibilidade da
inflação corrente em relação ao gap do produto. De certa forma, κ expressa a
sensibilidade dos custos marginais em relação às flutuações do produto e a freqüência
de ajuste de preços por parte das firmas (Galí & Gertler, 2007).
51 A microfundamentação completa da equação de oferta agregada pode ser melhor estudada em Galí & Gertler (2007).
121
Na visão de Galí & Gertler (op. cit.), a equação (3) seria uma “nova” curva de Phillips e
se diferenciaria da “velha”. Enquanto esta última teria caráter backward-looking e sem
microfundamentação teórica, a nova curva de Phillips teria caráter forward-looking: a
inflação corrente depende explicitamente das expectativas de inflação e gap do produto
no futuro; além disto, para os autores, essa nova equação teria sua especificação
fundamentada no comportamento racional e otimizador das firmas.
Clarida, Galí & Gertler (1999) e Woodford (2003) apontam para uma implicação da
nova especificação da curva de Phillips, que seria chamada de “viés estabilizador”
(stabilization bias). Uma vez que a inflação corrente está ancorada nas expectativas de
inflação e produto, um BC com perfeita credibilidade poderia desfrutar de condições
ótimas de desinflação: ao sinalizar para os agentes, de forma crível, que a política
monetária está comprometida, em todos os períodos, com a estabilização inflacionária
qualquer que sejam os custos em termos de contração do produto, as expectativas de
inflação e de produto seriam tais que permitiriam a estabilização de preços corrente,
sem que fosse necessária uma contração do produto corrente abaixo de seu nível
potencial como resposta a expectativas de pressões de custos.
No entanto, na medida em que o BC não possua a credibilidade necessária, os agentes
antecipam uma inconsistência do anúncio inicial: uma vez chegado o próximo período,
o BC teria estímulos para demorar em contrair o produto. Dessa idéia surgem
motivações para o estabelecimento de mecanismos de compromisso, que melhorem a
credibilidade do BC e façam emergir condições superiores de desinflação.
A política monetária requer uma regra de feedback, através da qual o BC ajuste a taxa
nominal de juros de curto termo segundo a observação de alguns indicadores e
informações disponíveis. Tem-se:
(4) rTt = rnt + φπ πt + φy yt
Em que rTt é a meta de taxa nominal de juros de curto prazo, rnt é a taxa natural de juros,
πt é a inflação e yt o gap do produto; sendo φπ > 1, e φy 0. Assim, por (4), o BC
escolhe uma meta para a taxa nominal de juros de curto termo, de acordo com a
observação da inflação e do gap do produto, assim como da taxa natural de juros. Na
122
situação ideal em que a inflação seja zero e o produto esteja em seu nível potencial, a
taxa nominal de juros será colocada ao nível da taxa natural de juros, ou seja, rTt = rnt = it
– Etπt+1. Em outras palavras, rrt = 0.
Para fazer com que a taxa nominal de juros corrente seja igual à meta adotada, o BC
ajusta a quantidade de moeda em circulação, de acordo com o nível de demanda por
moeda corrente. Segundo Galí & Gertler (2007), essa opção por uma meta de taxa de
juros evita sua instabilidade, que decorreria de uma meta de agregado monetário.
A regra de taxa de juros (4) pode ser interpretada como uma regra de Taylor (1993). A
imposição de φπ maior que a unidade significa que o BC aumenta a taxa real de juros
sempre que houver um aumento da taxa de inflação. Essa idéia é o que se chama na
literatura por “princípio de Taylor”. Clarida, Galí & Gertler (1998) buscaram mostrar
que, durante os anos 60 e 70, as principais economias do globo conviviam com forte
instabilidade inflacionária, basicamente porque seus bancos centrais não se adequavam
ao princípio de Taylor, ou seja, não aumentavam adequadamente as taxas reais de juros
face às pressões inflacionárias. A partir dos anos 80, por outro lado, o mundo começa a
conviver com uma era de estabilidade de preços.
Os testes estatísticos realizados (Clarida, Galí & Gertler, 1998)52 demonstraram que os
bancos centrais das principais economias (EUA, Alemanha e Japão) modificam sua
postura diante das pressões inflacionárias, em comparação com os anos 60 e 70. A partir
dos anos 80, face a um aumento da taxa de inflação, esses bancos elevam de forma
evidente as respectivas taxas reais de juros, incorporando em sua política o princípio de
52 Os autores testam a significância estatística de uma regra de política monetária para países do G3 (Alemanha, Japão e EUA) e do E3 (França, Reino Unido e Itália). Esta regra de política consiste de uma versão forward-looking da regra de Taylor, ou seja, uma função reação do BC determinada pelos desvios das expectativas de inflação e produto em relação a suas metas. O período de análise se inicia em 79, e os autores querem mostrar que as taxas de juros nominais de curto prazo, em especial no G3, respondem grandemente às variações das previsões de inflação e produto, o que caracteriza um comportamento prospectivo, ao invés de retrospectivo, dos BCs nesses países. Os autores são motivados pela percepção de uma mudança de performance das principais economias do mundo, a partir de 79, no que diz respeito ao controle da inflação. Os anos 70 foram anos em que a espiral inflacionária surgia como um problema aparentemente intratável; a partir de 79, os principais Bancos Centrais do mundo conseguiram impor relativo controle das taxas de inflação, conduzindo a economia global para uma “era de estabilidade de preços”. Logo, os autores querem identificar as características do comportamento da política monetária nos principais países do mundo, a partir de 79, para se compreender como houve essa transição para uma era de estabilização inflacionária. A explicação estaria basicamente na obediência ao princípio de Taylor, demonstrada pelo G3 a partir dos anos 80.
123
Taylor. Assim, a equação (4) representaria relativamente bem a prática da política
monetária contemporânea (Galí & Gertler, 2007).
No entanto, a equação (4) não captura a tendência atual de suavização das taxas de
juros. De fato, os bancos centrais costumam ajustar as taxas de juros apenas
parcialmente, face à meta escolhida, dando evidente preferência por gradualismo na
política monetária. Uma equação que dá forma a essa suavização seria:
(5) it = (1 – ρ) rTt + ρ i t-1
Em que ρ é o coeficiente de suavização (smoothing). Estudos empíricos mostram que ρ
usualmente fica entre 0,6 e 0,9 (Galí & Gertler, op. cit). Assim, por (5), o BC ajusta a
taxa nominal de juros de curto prazo de acordo com rTt apenas parcialmente, dando peso
expressivo ao valor de it-1.
124
APÊNDICE 3
Algumas controvérsias empíricas
Existem evidências empíricas sobre a eficácia do regime de metas de inflação? A
adoção do regime por um país promove melhorias em termos de performance
econômica? Ou seja, ao adotar o regime de metas de inflação de forma consistente, uma
economia pode contar com maior estabilidade das taxas de inflação e crescimento
econômico?
Um ponto de partida para as respostas a essas questões é o trabalho de Ball & Sheridan
(2003). Os autores argumentam que parece não existir efeitos importantes sobre a
performance econômica dos países que adotaram o regime de metas, quando
comparados com países que não o adotaram, embora o estudo, segundo os mesmos, não
seja uma tese contra a adoção do regime. Eles estudam o comportamento de 20 países
da OCDE, sendo 7 sob metas (targeters) e 13 sem metas de inflação (non-targeters), a
partir do início dos anos 90, por meio de uma divisão entre um período antes da adoção
das metas e um período após a adoção das mesmas.
Mais precisamente, os autores querem medir se a adoção do regime de metas impacta
substancialmente a mudança de performance dos países, dada a performance inicial dos
mesmos. Metodologicamente, por exemplo, os autores coletam a inflação para cada
país, durante os períodos pré-adoção e pós-adoção de metas. Em seguida, eles separam a
inflação dos países targeters da dos non-targeters, e calculam a inflação média de
ambos os grupos, a fim de saberem se existe uma diferença sistemática de performance.
Ball & Sheridan (2003) argumentam que os países targeters, na amostra adotada,
tendem a apresentar elevada inflação no período pré-metas, e forte redução na taxa de
inflação após a implantação das metas. No entanto, uma vez que se introduza a inflação
inicial enquanto variável explicativa da performance, a redução da inflação parece
similar entre países targeters e non-targeters. Da mesma forma, ao controlar a regressão
para a performance inicial dos países, a taxa de crescimento do produto, assim como a
variabilidade dessa taxa no período, também não sugere benefícios com a adoção das
metas. Os testes feitos pelos autores vão na direção oposta da afirmação de Mishkin
125
(1999), segundo a qual, países que adotaram o regime de metas, após terem
desinflacionado suas economias, experimentaram forte crescimento do produto.
Para os proponentes da adoção de metas, o regime reduz permanentemente a inflação,
ao passo que eventos adversos podem reacender processos inflacionários sob políticas
“ just do it” – políticas estritamente discricionárias. Se o público acredita nesse
argumento, então as metas devem reduzir as expectativas de inflação e a incerteza
inflacionária (Ball & Sheridan, 2003). Neste caso, as taxas de juros de longo termo
deveriam sofrer reduções (King, 2002). Ball & Sheridan (op. cit.) buscam testar o
impacto da adoção de metas sobre as relações estruturais das economias estudadas. Para
tanto, eles apresentam o seguinte modelo simples:
(1.1) ∆π = a (y – y*)
(1.2) ∆π = Κ0 + b (∆pcom – πUS)
(1.3) πfore = K1 + c π(−1)
Em que y* é a tendência do produto, pcom é um índice de preços das commodities, πUS é
a inflação nos EUA e πfore é uma previsão de inflação da OCDE. Os coeficientes a, b e c
medem, respectivamente, o trade-off entre inflação e produto, a penetração dos choques
de oferta na variação da inflação e a correlação entre a inflação esperada e a inflação
passada. Para Bernanke et al. (1999), a adoção do regime de metas é uma forma de
ancorar a inflação, o que reduz c, e torna a inflação menos vulnerável a choques, o que
reduz b.
Para Corbo et al. (2002), a adoção do regime também reduz o custo de desinflação, o
que reflete uma diminuição em a. Todavia, Ball & Sheridan (2003) apresentam testes
que não corroboram com tais proposições teóricas: países targeters e non-targeters
tiveram mudanças nos parâmetros ao longo do período, contudo tais mudanças não
podem ser associadas à adoção ou não do regime.
126
Neumann & von Hagen (2002), em trabalho intitulado “Does inflation targetind
matter?”, também estudam a volatilidade da inflação, do produto e das taxas de juros,
entre grupo de países ao longo do tempo. No entanto, Neumann & von Hagen chegam à
conclusão de que, tomadas em conjunto, as evidências confirmam que as metas de
inflação têm efeitos benéficos. Eles comparam os resultados estabilizadores alcançados
pelo Bundesbank (BC alemão, e exemplo de non-targeter) com os alcançados em países
targeters. Eles associam a estabilidade alcançada por esses últimos à adoção das metas
de inflação. Assim, países instáveis convergiriam para a “estabilidade alemã” ao
adotarem o regime de metas de forma consistente.
Por sua vez, Ball & Sheridan (2003) também argumentam que existem similaridades de
performance entre países targeters e non-targeters, porém isto não seria causado pela
adoção ou não das metas de inflação. Segundo os últimos autores, a principal diferença
entre seu trabalho e o de Neumann & von Hagen (2002) pode ser o tratamento
estatístico, por meio do que chamam de “regression to the mean”. Ao controlarem os
testes para as condições iniciais das economias, efeitos espúrios são expurgados, e as
evidências não mostrariam correlação entre adotar metas e a performance das
economias.
Como se pode perceber, existem sérias controvérsias no que diz respeito às evidências
empíricas a favor ou contra os benefícios do regime de metas de inflação (Inflation
Targeting). Clifton et al. (2001) defendem que as metas tornam a curva de Phillips mais
vertical, pelo que se diminui a correlação entre moeda e produto real e as taxas de
sacrifício face ao controle inflacionário; Sheridan (2001) defende que o regime restringe
movimentos nas expectativas de inflação, ou seja, a adoção de metas de inflação
ajudaria a ancorar as expectativas de inflação.
Esse último argumento converge com a defesa de Mishkin (1999), qual seja, a de que
uma das vantagens do regime de metas seria reduzir as chances do problema de
inconsistência temporal da política monetária53. Ao contribuir para delimitar o debate
53 Trata-se da idéia de que uma política monetária discricionária, sem um aparato institucional que a force a respeitar certas regras, conduz a economia para um equilíbrio sub-ótimo, com taxa de desemprego natural e inflação excessiva. A ausência de regras e de instrumentos institucionais de compromisso é traduzida por uma busca, pelo governo, de um produto acima do nível potencial, mediante moeda em excesso.
127
público em torno do que o BC pode realmente fazer no longo prazo – i.e. controlar a
inflação -, o regime de metas de inflação estaria restringindo as pressões políticas por
elevação do produto via expansão inflacionária. Logo, sob o regime de metas as
expectativas seriam mais estáveis. Por sua vez, Corbo et al. (2002) defende que as metas
aumentam a previsibilidade da inflação.
Alguns críticos do regime de metas de inflação podem argumentar que a taxa de
inflação é uma variável de difícil controle ou previsão por parte das autoridades
(Ceccchetti, 1995). No entanto, Bernanke & Mishkin (1997) argumentam que a
imprevisibilidade empírica da inflação está associada também aos condicionantes
institucionais vigentes em cada período histórico. Até os anos 70, quando a inflação se
acelera pelos choques do petróleo e os Bancos Centrais lidavam com questões
estagflacionistas, a alta volatilidade da inflação reduz as chances de previsibilidade da
mesma. Contudo, a partir dos anos 80, com maior preocupação em manter a taxa de
inflação sob controle, os países industrializados adotam políticas monetárias mais
estáveis e coerentes com a estabilização de preços. É natural que com uma maior
estabilidade das taxas de inflação observadas haja maior previsibilidade das mesmas,
mesmo que algum grau de incerteza ainda resista.
Obviamente, a estabilidade de preços e a conseqüente previsibilidade inflacionária não
requerem necessariamente a adoção do regime de metas de inflação, embora os
“advogados” do regime busquem demonstrar que um caminho mais rápido e eficiente
para a estabilidade de preços seja a adoção de metas inflacionárias e de suas
correspondentes instituições monetárias, o que vai contra os testes de Ball & Sheridan
(2003).
Uma das razões possíveis para as divergências entre os resultados alcançados nos testes
empíricos seria a diferença metodológica ou estatística dos mesmos. Uma vez que os
testes são feitos com base em metodologias estatísticas diferentes, uma comparação de
resultados entre os mesmos perde significância; ademais, pode-se argumentar que
muitos países que não adotam o regime de metas de inflação, mas que adotam uma meta
de inflação implícita, tais como Alemanha e EUA, seguem uma regra de política
monetária muito semelhante à dos países que adotam as metas explicitamente. Para
Mankiw (2001), os EUA seriam um “covert” de inflation targeter. Desta forma,
128
comparações entre esses países não conseguem isolar os efeitos da adoção ou não
adoção do regime de metas (Ball & Sheridan, 2003).
Quanto aos efeitos da adoção do regime sobre as expectativas de inflação, segundo
Posen & Laubach (1997), não existe evidência de que a introdução do regime de metas
de inflação reduz automaticamente as expectativas inflacionárias dos agentes privados.
Estas são reduzidas gradualmente na medida em que o Banco Central demonstra
credibilidade, ou seja, na medida em que ele consegue entregar taxas de inflação em
conformidade com as metas estipuladas.
Essa também é a argumentação de Debelle & Fischer (1994). Para King (1996), a
hipótese de que as expectativas convergem imediatamente para a meta anunciada não
pode ser levada a sério em um mundo de incertezas, no qual os agentes demoram certo
tempo para aprenderem e avaliarem as reais intenções do BC na condução da política
monetária. Portanto, a melhor hipótese é a de que existe algum grau de inércia nas
expectativas, relativo a formas de aprendizagem dos agentes.
Argumentações muito favoráveis acerca da adoção do regime de metas de inflação
podem ser encontradas em King (2002). Em primeiro lugar, o autor mostra que a
inflação ao consumidor, na Inglaterra, se tornou menor e menos volátil a partir da
introdução do regime de metas, quando comparado com a taxa de inflação durante os
anos anteriores (1950 – 1992). Com efeito, de 1993 a 2002, a inflação na Inglaterra
apresentou uma taxa média de 2,49% ao ano, e um desvio-padrão de 0,24. De 1950 a
2002, a taxa média de inflação foi de 5,93% a.a., e o desvio-padrão de 1,41.
As taxas de juros de curto e longo prazos também se tornaram menores após a
introdução do regime de metas no Reino Unido, o que seria conseqüência de reduções
nas expectativas de inflação e no prêmio de risco associado à incerteza de inflação
(King, 2002). Ademais, o crescimento econômico durante a vigência do regime se
tornou maior, na média, do que o observado nos anos anteriores, com exceção do
período 60-69 que mostrou crescimento pouco superior. No entanto, após o regime, o
crescimento econômico no Reino Unido foi o menos volátil em todo o período 1950-
2002.
129
King (2002) se pergunta sobre as causas de uma contribuição do regime de metas para a
maior estabilidade econômica. E sua resposta seria a de que a política monetária teria se
tornado mais sistemática e previsível. Haveria uma ancoragem das expectativas de
inflação em torno de 2,5% ao ano na Inglaterra. Os agentes sabem que o BC vai agir no
sentido de eliminar os efeitos dos choques, levando a inflação corrente para a meta
fixada. A função-resposta do BC teria se tornado mais estável e previsível do que antes
do regime de metas, além de ter se tornado mais compreensível para o público em geral:
a política monetária não estaria mais adicionando incerteza ou instabilidade ao sistema
econômico como fazia anteriormente.
Apesar das controvérsias empíricas acerca dos benefícios de se tornar um targeter, não
se pode, argumentar definitivamente contra o regime de metas. Ball & Sheridan (2003),
por exemplo, afirmam que existem motivações políticas para a adoção do regime: a
abertura ou transparência promovida por Inflation Targeting é consistente com os
princípios de uma sociedade democrática (Bernanke et al., 1999). Por outro lado,
durante a maior parte de operação dos regimes de metas, as economias têm
experimentado anos de “calmaria”. No futuro, grandes choques como os dos anos 70 ou
fortes pressões políticas por políticas inflacionárias podem mostrar se as metas geram
maior eficácia do que políticas “just do it”. Com uma amostra temporal mais ampla e
cobrindo eventos críticos, novos estudos empíricos podem mostrar, daqui a 25 ou 50
anos, que o regime de metas melhora a performance das economias, ainda que, até os
nossos dias, não haja tais evidências (Ball & Sheridan, op. cit.).
130
APÊNDICE 4
O modelo de Ball (1999b): flexibilidade em economias abertas com IT
Um dos objetivos em Ball (1999b) é o de demonstrar que o regime de metas de inflação
precisa receber uma modificação em sua regra de instrumento quando se trata de
economias abertas. Uma vez que a política monetária afeta a economia por meio da taxa
de juros e da taxa de câmbio, em economias abertas, torna-se preciso uma nova
especificação da regra de instrumento, ou um novo processo de otimização da política
monetária. O regime estrito de metas de inflação, nas versões apresentadas em Svensson
(1997) e Ball (1999a), torna-se subótimo em economias abertas.
No entanto, é possível tornar o regime de metas eficiente através de determinadas
mudanças. Em primeiro lugar, a regra de política passa a ser uma soma ponderada da
taxa de juros e da taxa de câmbio – um “Índice de Condições Monetárias”; em segundo
lugar, a regra substitui a inflação por uma “inflação de longo prazo”, na qual estão
expurgadas as variações transitórias na taxa de câmbio (Ball, 1999b).
Utilizar um regime estrito de metas de inflação em uma economia aberta pode trazer
resultados indesejáveis, já que o canal mais rápido para se mudar a inflação é o da taxa
de câmbio. Caso seja necessário um ajuste veloz na inflação, a política monetária visará
grandes alterações na taxa de câmbio, pelo que haverá forte variação do produto, tanto
via variação cambial quanto via ajuste da taxa de juros. Neste caso, a variância do
produto é amplificada. Ou seja, segundo Ball (op. cit.), a aplicação do regime estrito de
metas de inflação amplifica a instabilidade econômica em economias abertas. Como
torná-lo apropriado e eficiente nestes casos?
O modelo parte de Ball (1999a) e Svensson (1997), expandido-o para uma economia
aberta:
(1) y = -βr-1 – δe-1 + λy-1 + ε
(2) π = π-1 + αy-1 – γ(e-1 – e-2) + η
131
(3) e = θr + ν
A equação 1 é uma equação IS dinâmica para uma economia aberta: o produto (y)
depende de seu valor em -1, da taxa real de juros (r) em -1, da taxa real de câmbio (e)
em -1 e de um choque de demanda (ε); a equação 2 é uma curva de Phillips para uma
economia aberta: a inflação (π) depende de seu valor em -1, do produto em -1, de uma
variação defasada na taxa real de câmbio (e-1 – e-2) e de um choque de oferta (η); a
equação 3 concede uma relação entre a taxa real de câmbio e a taxa real de juros: quanto
maior for a taxa real de juros, maior será a taxa real de câmbio (apreciação cambial), e
vice-versa54; por outro lado, o câmbio também é afetado por um choque (ν), que
expressa mudanças nas expectativas, na confiança do investidor e/ou nas taxas
internacionais de juros. Todas as variáveis representam desvios em relação a seus
valores médios tendências e todos os parâmetros do modelo são positivos. Neste caso,
está implícita a noção de uma tendência histórica para as variáveis do modelo.
O objetivo geral do modelo, segundo Ball (1999b), é o de capturar a sabedoria
convencional a respeito dos principais efeitos da política monetária sob uma forma
simplificada. Uma mudança na taxa de câmbio afeta diretamente a inflação (equação 2)
um período à frente, e indiretamente, através do impacto sobre o produto (equação 1 e
2), dois períodos à frente. Existem dois canais pelos quais a política monetária pode
afetar a inflação: o primeiro canal é mais rápido, através das variações na taxa de
câmbio – uma variação em r gera uma variação em e, que por sua vez vai afetar π+1; o
segundo canal, via mudança no produto, é mais lento: variações em r geram variações
em y+1, que geram variações em π+2.
Segundo Taylor (1994), uma regra de política monetária ótima é aquela que minimiza
uma soma ponderada das variâncias da inflação e do produto, sendo que os pesos
relativos dessas variáveis dependem das preferências das autoridades. Em Ball (1999a)
uma regra é “eficiente” quando ela é ótima para uma dada preferência do BC, ou
quando ela coloca a economia sobre a “fronteira variância da inflação/variância do
produto”. Ball (1999b) segue esse argumento. O autor quer chegar ao que ele chama de
54 A definição de apreciação cambial está invertida em relação à definição brasileira. Em Ball (1999b) uma apreciação significa aumento da taxa de câmbio, e depreciação significa redução da taxa de câmbio.
132
Índice de Condições Monetárias, uma regra que se constitui de uma soma ponderada da
taxa de câmbio e da taxa de juros.
Substituindo (3) em (1) para eliminar r do modelo, e colocando as equações forward
looking:
(4) y+1 = -(β/θ + δ)e + λy + ε+1 + (β/θ)ν
(5) π+1 = π + αy - γ(e – e-1) + η+1
As “variáveis de estado” do modelo são duas expressões do lado direito das equações
(4) e (5): [λy + (β/θ)ν] e [π + αy +γe-1].
A trajetória futura da economia depende dessas duas expressões, da regra para a taxa de
câmbio e dos choques futuros. Uma vez que o modelo é quadrático-linear, a regra ótima
pode ser expressa por uma equação linear das duas variáveis de estado:
(6) e = m[λy + (β/θ)ν] + n[π + αy +γe-1], sendo que m e n são constantes a serem
determinadas.
A escolha da taxa de câmbio depende do choque ν e das variáveis observáveis. Pela
equação (3), ν pode ser substituído por e - θr. Fazendo-o e rearranjando os termos:
(7) wr + (1-w)e = ay + b (π + γe-1)
Sendo w, a e b novos parâmetros, usados para simplificar a operacionalização do
modelo, e que equivalem a combinações dos demais parâmetros55.
Para Ball (1999b), a equação (7) representa uma regra ótima de política para a média
ponderada de r e e. Trata-se do Índice de Condições Monetárias.
55 Conferir Ball (1999b) para maiores detalhes.
133
A regra ótima em uma economia aberta é dada por uma regra de escolha de r e e. Por
outro lado, a inflação é substituída por uma previsão de “inflação de longo prazo” (π +
γe-1)56, a qual pode ser entendida como uma inflação expurgada dos movimentos
transitórios na taxa real de câmbio, sob a hipótese de que o produto é mantido em seu
nível natural (Ball, 1999b). De fato, está implícita a idéia de que a taxa real de câmbio
converge para seu valor de longo prazo, à medida que os choques são absorvidos e o
produto esteja em seu nível potencial.
Em uma economia aberta, a política monetária pode afetar a inflação em um período à
frente, através da taxa de câmbio. Logo, metas estritas impõem:
(8) E[π+1] = 0, sendo E o símbolo para esperança matemática.
Isso força o BC a gerar grandes variações cambiais, já que apenas essa variável pode
afetar a inflação em t+1. Substituindo (5) em (8):
(9) e = (α/γ)y + (1/γ) (π + γe-1)
Note que (9) é uma versão reduzida de (7): neste caso, o Índice de Condições
Monetárias equivale a uma regra de taxa de câmbio. O regime faz a inflação convergir
para a meta em um período, porém o choque impõe oscilações maiores na taxa de
câmbio e no produto.
Para se contornar a instabilidade imposta pelo regime estrito, mirar a inflação dois
períodos à frente seria uma idéia intuitiva. Esta regra é eficiente no modelo com
economia fechada (Ball, 1999a; Svensson, 1997). Na economia aberta, entretanto, a
inflação é alterada a todo período, por meio da taxa de câmbio.
Embora E[π+1] = 0 a todo período implique E[π+2] =0 também a todo período, existem
políticas alternativas em que E[π+2] =0, mas não necessariamente E[π+1] = 0 (Ball,
56 Numa notação brasileira, em que uma depreciação significaria aumento em e, a expressão ficaria (π - γe-1).
134
1999b). Neste caso, deve existir um outro critério para se estabelecer uma regra de
política monetária, já que existem múltiplas alternativas para a mesma.
Metas estritas de inflação de longo prazo são regras que minimizam a variância de π*
(=π + γe-1). Note que (2) pode ser reescrita como:
(10) π* = π* -1 + αy-1 + η
Elimina-se a taxa de câmbio de ambos os lados. Logo, a política afeta a inflação apenas
em dois períodos à frente, via produto, visto que 10 expurga os efeitos das variações
transitórias da taxa de câmbio sobre a inflação. Isto implica:
(11) E[π∗+2] = 0.
Já que π* não é afetada pelo câmbio, a política usa apenas o produto para afetar a
inflação, dois períodos à frente. Isto evita a ampliação da variância do câmbio e do
produto, em comparação com um regime de metas de inflação que não leve em
consideração os efeitos transitórios do câmbio sobre os preços.
Um mecanismo adicional de flexibilização do regime de metas para economias abertas
pode ser expresso pela condição:
(12) E[π∗+2] = q E[π∗+1]
Esta regra é semelhante a que é ótima para uma economia fechada com ajuste gradual
(Svensson, 1997). Ajusta-se as expectativas de inflação para t+2 segundo uma
proporção das expectativas para t+1. Quanto maior q, mais gradual é o ajuste das
expectativas de inflação pela política monetária e menor é a variância do produto, sendo
q um parâmetro que mede o peso dado à estabilização do produto pelas autoridades.
Na prática, BCs não ajustam a meta de inflação para as variações no câmbio, mas isso
pode ocorrer implicitamente. Por exemplo: quando a moeda doméstica está muito forte,
135
o BC pode manter a inflação abaixo da meta, já que se espera uma eventual depreciação
do câmbio (Ball, 1999b). Isto assemelha-se a mirar π*.
Substituindo (10) e (1) em (12):
(13) w’r + (1-w’)e = a’y + b’π∗
Sendo w’, a’ e b’ combinações de parâmetros57. Mirar π* produz resultados mais
estáveis para o produto do que mirar π. Isto ocorre mesmo quando se mira π* de forma
estrita – fazendo-se E[π∗+2] = 0 (Ball, 1999b). No entanto, mirar π* estritamente é
relativamente ineficiente. À medida que q cresce, torna-se necessário ajustar π*
gradualmente – fazendo-se E[π∗+2] = q E[π∗+1].
57 Conferir Ball (1999b).
136
APÊNDICE 5
A derivação da regra ótima ortodoxa pela minimização da função perda
(5) L t = j1 (Yt - Y
p)2 + j2 (Πt - Πn)2
A condição de mínimo para a função perda social pode ser colocada como:
(5.1) dL t/dΠt = 0
Do que se derivam as seguintes expressões:
(5.2) 2j2(Πt - Πn)( Πt’) = 0
(5.3) 2j2(Πt - Πn) = 0
(5.4) Πt = Πn
Substituindo a equação 1.2 em 5.4, tem-se:
(5.5) τ(Πet − Πn) + ϖ(Yt-1 - Y
p) + gt = 0
(5.6) τ(Πet − Πn) + ϖ[m(Y t-2 - Y
p) - n(Rt-2 - Rn) + ηt-1] + g t = 0
A forma reduzida de 5.6 dá origem – considerando-se os choques como zero:
(5.7) τ(πet) + ϖ[m(y t-2) - n(rt-2)]= 0
Substituindo as expectativas de inflação pela inflação em t-1:
(5.8) τ(πt-1) + ϖ[m(y t-2) - n(rt-2)]= 0
(5.9) τ(πt-1) + ϖm(yt-2) - ϖn(rt-2) = 0
137
Isolando a taxa de juros:
(5.10) τ(πt-1) + ϖm(yt-2) = ϖn(rt-2)
(5.11) rt-2 = (τ/ϖn) πt-1 + (m/n) yt-2
Fazendo uma iteração dois períodos à frente:
(5.12) rt = (τ/ϖn) πet+1 + (m/n) yt
Novamente, substituindo as expectativas de inflação pela inflação imediatamente
anterior, chega-se a uma regra ótima de instrumento, semelhante à obtida na equação 3:
(5.13) rt = (τ/ϖn) πt + (m/n) yt
138
APÊNDICE 6
Função endogenia do produto potencial: uma especificação com duas defasagens
Seja:
Ypt = Yp
t-1 + υ[1/2(Yt-1 - Yp t-1) + 1/2(Yt-2 - Y
p t-2)]
A equação mostra que o produto potencial em t será igual ao produto potencial em t-1
somente se não houver desvios do produto em t-1 e t-2. Caso contrário, o produto
potencial em t pode ser maior ou menor que seu valor em t-1, dependendo do desvio
médio entre t-1 e t-2. Como os empresários tentam apreender a “tendência dos desvios”
e não apenas o tamanho do desvio do produto em um único período, a equação leva em
consideração o desvio médio entre t-1 e t-2. A equação poderia levar em conta uma
maior defasagem para o desvio médio (três a quatro períodos); por motivo de
simplificação, usa-se apenas uma defasagem de dois períodos. O parâmetro υ é positivo
e menor que 1. Quanto maior seu valor, maior será o ajuste do produto potencial ao
desvio médio, o que expressa uma maior sensibilidade do investimento privado ao
comportamento da renda observada. O modelo com exogenia do produto potencial,
obviamente, supõe υ igual a zero.
139
APÊNDICE 7
Uma possível correlação entre produto potencial e desemprego natural
∆%yp = ∆ %PEA x ∆%K x ∆%PTF
Sendo ∆%yp a taxa de crescimento do produto potencial no longo prazo, ∆ %PEA a taxa
de crescimento da população economicamente ativa, ∆ %K a taxa de crescimento do
estoque de capital e ∆ %PTF a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores.
Para a concepção ortodoxa, a taxa de crescimento do produto potencial é determinada
exclusivamente pelos fatores reais, não havendo correlação entre a taxa de crescimento
do produto efetivo e ∆%yp. Numa visão heterodoxa, por outro lado, ∆%yp depende das
flutuações do produto efetivo. Seja:
∆ %K = f (∆ %y – ∆ %yp), sendo f ’ > 0.
Em que (∆ %y – ∆ %yp) é o gap do crescimento. Assim, o crescimento do estoque de
capital, por meio dos investimentos induzidos, depende do comportamento do
crescimento efetivo do produto. Seja:
µ = f (∆ %PEA/ ∆ %yp), sendo f ’ > 0.
Em que µ é a taxa de desemprego de longo prazo ou taxa natural de desemprego. Para
ortodoxos, a relação de longo prazo entre ∆ %PEA e ∆ %yp é dada e não depende da
demanda agregada. Assim, tem-se uma NAIRU inflexível. Para heterodoxos, por outro
lado, as flutuações da demanda e do produto podem alterar as decisões de investimento
e a taxa de crescimento do capital. Logo, a relação entre ∆ %PEA e ∆ %yp também
varia no tempo.
Considerando-se ∆ %PEA uma variável pouco correlacionada com a renda no longo
prazo, ou de correlação com a renda menor em relação a ∆ %K, quanto maior a taxa de
crescimento potencial, menor a taxa de desemprego natural. Portanto, uma política
140
monetária que induza maiores investimentos conduz a maiores taxas de crescimento
potencial, por meio de elevação de ∆ %K, e a menores taxas de desemprego natural, não
havendo a unicidade da NAIRU. Por outro lado, esta política expansionista não implica
necessariamente pressões inflacionárias ou aceleração da inflação no longo prazo, já que
a capacidade produtiva está se ajustando endogenamente e neutralizando efeitos
inflacionários transitórios decorrentes de ∆%y > ∆%yp. Esta desigualdade se dá no curto
prazo, porém estará gerando maiores ∆ %K e maiores ∆%yp no longo prazo, pelo que
não se pode supor a permanência de pressões de demanda.
Por outro lado, embora maiores taxas de crescimento potencial não impliquem
necessariamente taxas de crescimento efetivo superiores, pode-se dizer que, pela análise
acima, a ordem de causalidade é inversa. São as taxas de crescimento efetivas elevadas
que implicam em elevadas taxas de crescimento potencial. Trata-se da histerese do
produto, de maneira que a observação daquelas últimas está associada a taxas de
desemprego menores, dada a suposição de uma oferta de mão-de-obra mais ou menos
inelástica em relação à produção e a renda, e à suposição de um coeficiente de trabalho
constante.
141
APÊNDICE 8
Uma expansão do modelo Lima & Setterfield (2008)
A idéia no trabalho de Lima & Setterfield (2008) é a de que a performance econômica
depende basicamente de um mix adequado de política econômica, dadas as condições
iniciais e os parâmetros do modelo. Especificamente, os autores querem mostrar que o
regime de metas de inflação é compatível com uma economia pós-keynesiana, desde
que sejam aplicadas as políticas necessárias pelo governo e BC. Quanto menos ortodoxa
for a política, maiores seriam as chances de estabilidade econômica, no âmbito do
regime de metas de inflação, em uma economia pós-keynesiana. Nas palavras dos
autores, “[...] that the more orthodox the policy blend becomes in a Post Keynesian
economy, the more adverse are the consequences for macroeconomic stability and the
viability of inflation targeting.”(LIMA & SETTERFIELD, op. cit., pp. 435)
As principais diferenças em relação ao modelo padrão da Nova Síntese podem ser
destacadas: i) o processo de determinação da inflação não depende de um gap explícito
entre produto e alguma forma de nível potencial exogenamente determinado; a inflação
depende crucialmente da capacidade dos trabalhadores de reivindicarem e efetivarem
aumentos nominais de salários, pelo que existe um componente institucional irredutível
sob análise; ii) o modelo não faz referência alguma a uma taxa natural de juros – pois a
mesma não existiria, enquanto taxa única, para a abordagem pós-keynesiana; iii)
destaca-se a política de rendas como forma de mediar os conflitos de classe e facilitar o
controle inflacionário, por meio do controle do componente de custos; iv) destaca-se a
questão da coordenação das política fiscal e monetária.
O modelo é desenvolvido sob uma especificação de equações diferenciais. No entanto,
pode-se apresentar o mesmo, para fins de simplificação e análise, sob uma especificação
de equações em diferenças finitas58. Sejam as equações:
(1) yt = y0t – a1rt
58 Há autores que apontam esta metodologia como a mais adequada ao estudo dos fenômenos econômicos, uma vez que a mesma daria melhor expressão ao caráter temporal, inercial e gradual dos fenômenos estudados (Possas, 1987)
142
(2) pt = b +a2pT + a3yt + a4Zt
(3) rt – rt-1 = a5 (yt – ytT) + a6 (pt – pT)
(4) Zt – Zt-1 = - a7 (pt – pT)
Em (1), tem-se a curva de demanda agregada, sendo y o produto real, y0 a parcela não
dependente da taxa real de juros e r a taxa real de juros; em (2), vê-se a curva de Phillips
em uma especificação pós-keynesiana, sendo a taxa de inflação, a meta de inflação e Z
um indicador de capacidade de barganha dos trabalhadores por maiores salários
nominais; b é um componente autônomo ou inercial da inflação59.
Em (3), tem-se um tipo de regra de Taylor, embora não se faça menção a uma taxa
natural de juros; a taxa real de juros é aumentada pelo BC sempre que yt > ytT e/ou pt >
pT, em que ytT é uma meta de produto definida pelo governo. Aqui existe um ponto forte
de divergência para com o pensamento da Nova Síntese, pois este não aceita a idéia de
metas de produto real, dado que no longo prazo o nível de produção estaria dado pelas
forças reais ou de oferta na economia.
Por sua vez, em (4), coloca-se um tipo de regra de política de rendas, consistindo de um
conjunto de medidas institucionais formais ou não-formais que busquem amenizar os
conflitos entre trabalhadores e empregadores. Quando a inflação está acima da meta, o
governo busca reduzir a capacidade de barganha dos trabalhadores por maiores salários
nominais. Ademais, todos os parâmetros do modelo são maiores que zero.
Lima & Setterfield (2008) não entram no mérito da endogenia do produto potencial.
Todavia, uma expansão de seu modelo é possível, a fim de que seja considerada a
questão. A seguir, esboça-se uma tentativa nesse sentido. Seja a meta do produto (yT)
igual à capacidade de produção da economia. Seja um processo de endogenia dessa
capacidade, tal que:
59 De fato, Lima & Setterfield (2008) fazem pouca ou nenhuma menção a este componente.
143
(5) ytT = yt-1
T + a8 (yt-1 – yt-1T)
Ou seja, a capacidade de produção corrente da economia depende do gap do produto em
t-1, sendo a8 maior que zero. Seja a regra do BC heterodoxo, com consciência da
endogenia, diante de um choque positivo de demanda:
(6) rt – rt-1 = a5 (yt – ytT) + a6(pt – pT) – a9 (Et [yt+1
T] – ytT)
A partir de (5), sabe-se que:
(7) Et [yt+1T] = yt
T + a8 (yt – ytT)
Logo, a partir de (6) e (7), a regra de política monetária expandida do BC (heterodoxo)
diante dos choques positivos seria:
(8) rt – rt-1 = (a5 - a9a8) (yt – ytT) + a6(pt – pT)
Observe-se que, em relação à regra convencional (3) e ortodoxa, o BC diminui a
intensidade da elevação da taxa real de juros, pelo componente a9a8. Por outro lado, face
a choques negativos de demanda, tem-se:
(9) rt – rt-1 = a5 (yt – ytT) + a6(pt – pT) + a9 (yt
T - Et [yt+1T])
Por meio de (7) e (9), chega-se à regra de política monetária heterodoxa face a choques
negativos de demanda:
(10) rt – rt-1 = (a5 + a9a8) (yt – ytT) + a6(pt – pT)
Observe-se que o BC reduz a taxa real de juros mais agressivamente quando há choques
negativos, em relação ao que ocorreria sob a regra (3). Essa postura face aos choques de
demanda é compatível com a idéia de que um BC consciente do princípio da demanda
efetiva no longo prazo leva em conta os efeitos permanentes da política monetária sobre
a dinâmica produtiva, pelo que atenção é dada aos impulsos para o produto potencial no
longo prazo.
144
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