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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAO E AES AFIRMATIVAS
Autor: Sales Augusto dos Santos
Braslia, 2007
ii
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAO E AES AFIRMATIVAS
Autor: Sales Augusto dos Santos
Tese apresentada ao Departamento de
Sociologia da Universidade de
Braslia/UnB como parte dos requisitos
para a obteno do ttulo de Doutor.
Braslia, junho de 2007
iii
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA
TESE DE DOUTORADO:
MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAO E AES AFIRMATIVAS
Autor: Sales Augusto dos Santos
Orientador: Professor Doutor Sadi Dal Rosso (UnB)
Banca: Prof. Doutor Valter Roberto Silvrio(UFSCar)
Prof. Doutor Jos Jorge de Carvalho (DAN/UnB)
Prof. Doutor Mrio Thedoro Lisboa (SER/UnB)
Prof. Doutor Pedro Demo (SOL/UnB)
Prof. Doutor Arivaldo de Lima Alves (UNEB)
Braslia, 2007.
iv
ex-domstica e ex-lavadeira de roupas,
Efignia Diniz dos Santos (in memoriam), minha
me, e ao ex-operrio da construo civil, Carlos
Martins dos Santos, meu pai, por tudo que fizeram
para educar os seus sete filhos.
Ao meu filho Pedro Odeh R. dos Santos, na
esperana de um mundo melhor.
Aos ex-membros da extinta Comisso do
Negro do Partido dos Trabalhadores do DF com
quem militei durante bons anos de minha vida:
Ivonete, Marly, Ceclia, Ana Clia, Nice, Cornlia,
Joana, Pati, Virgnia, Conrada, Rosana (in
memoriam), Carmelino, Hrcules, Carlo, Adauto,
Clio, Reginaldo, Afonso Casco, Cardoso, Wilso
(in memoriam), Marcos, Lunde, Dudu, Eduardo
Mariano, Geraldo, Roberto, Henrique, Joo Bosco e
Weslei.
v
Agradecimentos
Primeiro, gostaria de dizer que escrevi toda a tese na primeira pessoa do plural,
mas aqui, nos agradecimentos, vou escrever na primeira pessoa do singular enfatizando-me.
Segundo, quero fazer um pequeno esclarecimento. Apesar de ter mudado muito o meu
pensamento desde a finalizao da minha dissertao de mestrado at a presente data, ainda
compartilho alguns pensamentos com o meu pensar anterior, o que me leva a praticamente
repetir a estrutura dos agradecimentos que fiz na minha dissertao. Feito isto, vamos aos
agradecimentos.
Realizar esta tese, com certeza, no seria possvel sem a solidariedade, a
cooperao, a colaborao, o estmulo, os apoios material, intelectual, sentimental e espiritual
de vrias pessoas e algumas instituies. Assim, mais uma vez sou grato a todas as pessoas
que direta ou indiretamente me ajudaram a realiz-la. E foram vrias pessoas que no posso
deixar de citar, e espero no esquecer ningum.
Gostaria de iniciar agradecendo mais uma vez ao povo brasileiro. Foi ele
(especialmente os brasileiros de mais baixa renda que tm sido marginalizados e excludos
do ensino pblico superior) que pagou os meus estudos ao me permitir estudar de graa numa
das melhores universidades pblicas brasileiras sem me exigir nenhuma contrapartida. A esta
parte da populao brasileira manifesto os mais sinceros agradecimentos. Espero de alguma
forma dar algum retorno a esta parte da populao que financia pesadamente o ensino pblico
superior, mas no tem acesso coletivamente a ele. Tambm gostaria de agradecer quelas
pessoas que geralmente esquecemos ao fazer agradecimentos de nossas teses ou dissertaes.
E quem so elas seno os nossos amigos de infncia e adolescncia. Todos eles, como as
vi
demais pessoas citadas aqui, contriburam de algum modo na elaborao desta tese e com o
meu pensar. Mais ainda, o que penso hoje resultado da minha formao acadmica, mas
tambm da minha interao com os meus amigos de infncia e adolescncia. Alguns deles j
faleceram, mas a maioria est viva e ainda nos encontramos e mantemos contatos. A vida
vivida com eles, no meio deles, contra e a favor deles tornou-me o ser que sou e o que no
sou. Assim, sou grato ao Spock, Pink, Litinho, Zezinho, Vav, Paulo, Canuto, Patinhas,
Banana, Ferrel, Gum, Takamasa, Moacir, Jnior (Mongo), Divino, Bidu, Nenem, Domiro,
Fad, Demi, Joo, Joo Galinha, Gariba, Betola, Rubo, Josimar, Alvimar, Manu, Tilebra,
Boi, Te, Jair, Chiquinho, Demtrio, Diano, Gilmar, Gilberto, Tuca, Genivaldo, Rubens (Ti),
Vando, Joo Canhoto, Nego Flor, Nego Binha, Nego Teo, Nego Diu, Nego Jel, Bart, Aurio,
Solnio, Silvano, Touzinha, Wellington, Hugo, Limo, Ricardo Muniz, Pedro, Jaime,
Pacheco, Cezinha, Cebinha, Fil, Z Lus, Lus Zepellin, Soninha, Lindalva, L, Tetinha,
Branca, Esterzinha, Cida, Mariinha, Tutica, Miriam, Marcelo, Mariza, Tininha, Penelope,
Rosngela, Renan, Celita, Janete, entre tantos outros amigos de infncia e adolescncia.
Tambm sou grato:
ao meu orientador, Professor Dr. Sadi Dal Rosso, pelo estmulo constante,
confiana, orientaes, pela prudncia, pela leitura crtica e fecunda desta tese, pacincia,
apoio e carinho para comigo. E no poderia deixar de agradecer tambm Saida, pela
gentileza, ternura e carinho. A vocs dois, muito obrigado por tudo;
aos membros da banca examinadora desta tese, professores Valter Roberto
Silvrio, Jos Jorge de Carvalho, Mrio Theodoro Lisboa, Pedro Demo e Ari Lima, que
aceitaram participar desse ritual acadmico;
ao meu co-orientador, Professor Dr. Luis Ferreira Makl, pelos debates, leituras
atentas, argies rigorosas mas elegantes, pela amizade, disponibilidade e sacrifcio,
generosidade e solidariedade;
vii
aos membros do Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UnB,
professores Nelson Olokof Inocncio, Luis Ferreira Makl, Paula Villas e Dionsio Baro,
pelos debates, discusses, solidariedade, apoio, lutas incansveis, sorrisos e sonhos;
a todas as pessoas que ajudaram a localizar os meus entrevistados, os documentos
e os livros e artigos, ou participaram das vrias entrevistas que realizei para elaborar esta tese,
bem como s pessoas que contriburam para a realizao das pesquisas contidas aqui e sempre
me incentivaram e apoiaram: Jos Otvio Praxedes, Cleide de Oliveira Lemos, Ivonete Nunes
Rodrigues dos Santos, Clia Oliveira Sousa, Llia Charlene, Tatiane Tollentino e os
pesquisadores da Socius, Lia Maria Santos, Ana Luza Flauzina, Maria das Graas Santos
(Graa), Vanderlei, Wilsinho, Ivonete Lopes, Ricardo Barbosa, Mrcia Arajo, Dijaci David
de Oliveira, Tnia Tosta, Tnia Siqueira, Andra Mesquista, Rita Shimabuko, Lunde Braguini
Jnior, Nilma Bentes, Mnica Oliveira, Carlos Eduardo Pini Leito e Edileuza Penha de
Souza. Aos professores e professoras Ari Lima, Marly Silveira, Jos Jorge de Carvalho, Rita
Laura Segato, Valter Roberto Silvrio, Carlos Benedito Rodrigues Silva, Gevanilda Santos,
Maria Palmira da Silva, Luiza Bairros, Joaze Bernardino, Eliane Borges, Denise Botelho,
Paulino de Jesus Francisco Cardoso, Ldia Nunes Cunha, Henrique Cunha Junior, Regina
Pahim Pinto, Petronilha Beatriz Gonalves e Silva, Nilma Lino Gomes, Lus Ferreira Makl,
Ivanilde Guedes de Mattos, Wilson Roberto de Mattos, Lcia Regina Brito Pereira,
Alecsandro Jos P. Ratts, Moises Santana, Deborah Silva Santos, Nelson Olokof Inocncio,
Angela Gilliam, Ivair Augusto Alves dos Santos, Zlia Amador de Deus e Renato Emerson
dos Santos;
aos membros do EnegreSer, especialmente Lia Maria Santos e Ana Luza;
aos funcionrios do Departamento de Sociologia (SOL), especialmente Evaldo
Amorim, Ablio Maia e Edilva Silva Tavares, pelo apoio constante, pacincia, solidariedade e
generosidade;
viii
professora Maria Stella Grossi (SOL), pelo apoio e estmulo constante, bem
como pelos sorriso e carinho sinceros;
professora Ana Maria Fernandes (CEPPAC), por ter despertado em mim o
interesse pela ps-graduao, e pelo carinho;
professora Mireya Surez (CEPPAC), pelo acolhimento, carinho e
solidariedade. Mas tambm pelos apoios material, espiritual e intelectual, alm dos dilogos e
debates francos, abertos e profundamente estimulantes;
professora Angela Gilliam (The Evergreen State College), pelo carinho,
gentileza, estmulos intelectual e militante;
aos professores Jos Jorge de Carvalho (DAN) e Rita Laura Segato (DAN), pelos
debates constantes, francos, sinceros, abertos e profundamente estimulantes; pelos carinho,
solidariedade, apoio, luta, sorrisos e sonhos.
aos professores Brasilmar Ferreira Nunes (SOL), Christiane Girard (SOL), Carlos
Benedito Martins (SOL), Danilo Nolasco (SOL), Lourdes Bandeira (SOL), Arthur T.
Maranho (SOL), Wivian Weller (FE), pelos apoios e solidariedade;
aos professores tutores do 2 Concurso Negro e Educao , especialmente s
professoras Regina Pahim Pinto, Petronilha Beatriz Gonalves e Silva, Iolanda de Oliveira,
Nilda Alves, Henrique Cunha Junior e Luiz Alberto Gonalves, pelo acolhimento, incentivo,
apoio e solidariedade. Tambm sou grato ao apoio financeiro desse concurso, que foi
fundamental para a realizao da minha pesquisa de campo;
aos meus inesquecveis amigos da ps: Jos Geraldo, Maurcio Fleury, Srgio
Rosa, Carlos Henrique, Ricardo Barbosa de Lima, Dijaci David de Oliveira, Tnia L. Tosta,
Tnia Siqueira, Almira Rodrigues, Daniella Naves, Fernanda Bittencourt, Enamar, Berenice,
Pedro Paulo, Tony e Josenilson Arajo, pelos dilogos, debates, sorrisos e sonhos. Mas
principalmente pela amizade e companheirismo construdos ao longo dos anos;
ix
aos amigos da Howard University: Edvan Brito, Luis Henrique, Juliana Maria,
Okezi Otovo e Amelia Otovo, pelo apoio, solidariedade, acolhimento, gentileza e amizade.
ao Chiquinho, amigo e livreiro atento ao tema;
aos colegas e amigos do Tribunal Superior do Trabalho, Lzaro Pereira, Agnelo
Ferreira, Eudes, Antnio Mariano e Joel Alvarenga, pelos incentivo permanente, carinho,
gentileza, sorrisos, solidariedade e amizade diria; no poderia deixar externar aqui a minha
gratido ao diretor e ao subdiretor da Coordenadoria onde trabalho, respectivamente, Ricardo
Alfredo de Sousa e vila e Aldenor Cordeiro Dutra, pelo apoio e incentivo constante.
Tambm gostaria de agradecer ao Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, pelo carinho e
apoio. Jamais poderia deixar de agradecer aos amigos Alessandra Costa, Rita Shimabuko e ao
Joo Carmelino dos Santos Filho, pelo carinho, incentivo permanente, solidariedade,
companheirismo e amizade sem restries;
ao Hrcules Ribeiro, pela amizade irrestrita e pelo dilogo sempre fecundo e
elucidante;
aos meus irmos e irms, Dalva Aparecida, Jos Carlos, Antonio Martins,
Francisco de Assis, Maria Efignia e Isabel Cristina dos Santos, pela f e esperana
depositadas em mim;
aos meus pais, Efignia Diniz dos Santos (in memoriam) e Carlos Martins dos
Santos, por tudo;
ao Pedro Odeh Rodrigues dos Santos, meu filho, pela pacincia, sacrifcio e
carinho.
x
Resumo
Nesta tese o autor se prope a discutir por que renomados cientistas sociais da rea de estudos
e pesquisas sobre as relaes raciais brasileiras brancos em sua maioria absoluta, de acordo
com a classificao do IBGE , so contra a implementao de cotas para os estudantes
negros nos vestibulares das universidades pblicas brasileiras. Para responder a essa questo,
o autor busca sustentar a hiptese de que a poltica de cotas para negros no ensino superior
pblico brasileiro extrapola o seu objetivo imediato, qual seja, a incluso de estudantes negros
no ensino pblico superior. Ela tem um potencial transformador para alm da sua funo
manifesta, na medida em que demonstra para a sociedade brasileira que possvel redistribuir
polticas pblicas de boa qualidade e, adicionalmente, questionar a ideologia racial brasileira.
E mais, possibilita se aspirar a mudanas na composio das elites dirigentes brasileiras.
Todavia, no processo de verificao dessa hiptese apareceram dois novos problemas. O
primeiro deles, qual tem sido o papel dos Movimentos Sociais Negros (MSN) no processo de
implementao das aes afirmativas? Para respond-lo buscou-se conhecer se havia
significativa reivindicao por educao nas lutas desses movimentos. Ou seja, levantou-se a
hiptese de que a bandeira por educao pblica muito antiga na histria dos MSN e que a
luta por essa poltica pblica pde formar a base para as atuais reivindicaes por aes
afirmativas para os estudantes negros ingressarem no ensino pblico superior brasileiro. O
segundo problema, como ou por que foi possvel a aprovao do sistema de cotas para
estudantes negros no vestibular da UnB numa conjuntura to adversa e hostil a esse tipo de
poltica pblica? A resposta a esta ltima questo est imbricada com a resposta questo
anterior, sobre o papel dos MSN no processo de implementao do sistema de cotas.
Em suma, esta tese discute o que est sob disputa na sociedade brasileira com a
implementao da poltica de ao afirmativa de cotas para os estudantes negros ingressarem
nas universidades pblicas. Conseqentemente, discute tambm a luta dos MSN brasileiros
por educao pblica de boa qualidade em todos os nveis de ensino, ou seja, do fundamental
ao superior.
Palavras-chave: Movimentos Negros, Educao, Ensino Superior, Ao afirmativa, Sistema
de Cotas.
xi
Abstract
In this thesis, the author discusses why renowned social scientists on Brazilian racial relations
studies and research almost all of them white, according to the IBGE (Brazilian Institute of
Geography and Statistics) classification , are against the implementation of the system of
quotas for black students at the entrance examination for the Brazilian public universities. To
answer this question, the author supports the hypothesis that the quota policy for black
students in Brazilians state and federal universities goes beyond its immediate purpose: to
promote the inclusion of black people in public higher education. It has a transforming
potential which exceeds its manifest function as it demonstrates to the Brazilian society that it
is possible to redistribute quality public policies and to question the Brazilian racial ideology.
Moreover, it allows the longing for changes in the composition of the Brazilian leading elites.
However, the process of verification of this hypothesis incited two new problems. The first
one would be: what has been the role of the Black Social Movements in the process of
implementation of affirmative actions? To answer such a question, the author investigates if
there was a significant demand for education in these organizations struggles. In other words,
it is assumed that there is a long agenda for public education in the history of the Black Social
Movements and the struggle for this policy forms the basis of the present demands of
affirmative actions for the admission of black students in Brazilian public universities. The
second question could be stated as follows: how or why was it possible to approve the quota
system for black students in the entrance examination for the University of Braslia in such an
adverse and hostile conjuncture for this type of policy? The answer to this question is linked
to the answer to the former question on the role of the Black Social Movements in the process
of implementation of the quota system.
Briefly, this thesis investigates what underlies the dispute in Brazilian society concerning the
implementation of the quota affirmative action policy for the admission of black students in
public universities. Consequently, it also discusses the struggle undertaken by the Brazilian
Black Social Movements for high quality public education in every level, from primary
school to higher education.
Keywords: Black Movements, Education, Higher Education, Affirmative Actions, Quota
System.
xii
Rsum
Dans cette thse, lauteur se propose discuter pourquoi des renomms intellectuels des
sciences sociales du domaine dtudes et recherches sur les rapports raciaux brsiliens
blancs dans sa majorit absolue, selon la classification de lIBGE , sont contre
limplmentation de cotes pour les tudiants noirs dans les examens daccs aux universits
publiques brsiliennes. Pour rpondre cette question, lauteur cherche soutenir lhypothse
que la politique de cotes pour les noirs dans lenseignement public brsilien extrapole son
objectif immdiat, quelque soit, linclusion dtudiants noirs dans lenseignement public
suprieur. Elle a un potentiel transformateur outre sa fonction manifeste la mesure o elle
dmontre la socit brsilienne quil est possible de redistribuer les politiques publiques de
bonne qualit et, en plus, questionner lidologie raciale brsilienne. En plus, il permet de
songer avec des changements dans la composition des lites dirigeantes brsiliennes.
Cependant, dans le processus de vrification de cette hypothse apparaissent deux nouveaux
questionnements. Le premier de deux, quel a t le rle des Mouvements Sociaux Noirs dans
le processus dimplmentation des Actions affirmatives? Pour la rpondre, on a essay de
connatre sil y avait revendication significative pour lducation dans les luttes de ces
mouvements. Ou soit, on a mis en question lhypothse que le drapeau pour lducation
publique est beaucoup plus ancienne dans lhistoire des Mouvements Sociaux Noirs et que la
lutte pour cette politique publique a pu former la base pour les actuelles revendications par les
actions affirmatives pour que les tudiants noirs entrent dans lenseignement public suprieur
brsilien. Le deuxime questionnement, comment ou pourquoi a t possible lapprobation du
systme de cotes pour les tudiants noirs dans lexamen de UnB dans une conjoncture si
diverse et hostile ce genre de politique publique? La rponse cette dernire question est
imbrique avec la rponse la question prcdente, sur le rle des Mouvements Sociaux
Noirs dans le processus dimplmentation du systme de cotes.
En substance, cette thse discute ce qui est sous la dispute dans la socit brsilienne avec
limplmentation de la politique daction affirmative de cotes pour les tudiants noirs accder
les universits publiques. Par consquent, on dbat aussi la lutte des Mouvements Sociaux
Noirs brsiliens pour lducation publique de bonne qualit dans tous les niveaux de
lenseignement, ou soit, du fondamental au suprieur.
Mots Cls: Mouvements Noirs, Education, Enseignement Suprieur, Action affirmative,
Systme de Cotes.
xiii
Lista de tabelas
TABELA 1 EVOLUO DO NMERO DE PESQUISADORES NEGROS PARTICIPANTES DO COPENE ........................ 235 TABELA 2 - DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN SEGUNDO O SEXO ................................................................. 237 TABELA 3 DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN SEGUNDO A ORIGEM SOCIAL ............................................... 238 TABELA 4 TIPO DE ESCOLA ONDE DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN CONCLURAM O ENSINO MDIO ..... 238 TABELA 5 TRABALHOU DURANTE O ENSINO MDIO ........................................................................................... 239 TABELA 6 NVEL DE PS-GRADUAO DOS DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN ........................................ 240 TABELA 7 ESCOLARIDADE DAS MES DOS DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN .......................................... 240 TABELA 8 ESCOLARIDADE DOS PAIS DOS DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN ............................................ 241 TABELA 9 TIPO DE UNIVERSIDADE ONDE DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN CONCLURAM A GRADUAO 241 TABELA 10 TRABALHOU DURANTE A TRAJETRIA ACADMICA ........................................................................ 242 TABELA 11 TIPO DE UNIVERSIDADE ONDE DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN OBTIVERAM O PRINCIPAL
TTULO DE PS- GRADUAO ...................................................................................................................... 242 TABELA 12 J FOI OU AINDA MILITANTE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS ............................................... 245 TABELA 13 POPULAO RESIDENTE POR COR OU RAA NO BRASIL, EM 2000 ................................................... 262 TABELA 14 PROFESSORES DA UNB POR COR, SEGUNDO A CLASSIFICAO DO IBGE. ....................................... 262 TABELA 15 PROFESSORES DA UNB POR SEXO ................................................................................................... 262 TABELA 16 PROFESSORES DA UNB POR SEXO SEGUNDO A COR ......................................................................... 264 TABELA 17 PROFESSORES DA UNB POR REA SEGUNDO A COR. ........................................................................ 265 TABELA 18 - PROFESSORES DA UNB POR CATEGORIA .......................................................................................... 266 TABELA 19 PROFESSORES DA UNB POR CATEGORIA SEGUNDO A COR ............................................................... 269 TABELA 20 PASES ONDE OS PROFESSORES DA UNB OBTIVERAM SUA PRINCIPAL TITULAO ........................... 272 TABELA 21 OPINIO DOS PROFESSORES DA UNB SOBRE A EXISTNCIA DE DISCRIMINAO RACIAL CONTRA OS
NEGROS ( PRETOS E PARDOS) NO BRASIL ................................................................................................... 273 TABELA 22 O BRASIL UM PAS INJUSTO COM OS GRUPOS SOCIALMENTE SEGREGADOS ................................... 274 TABELA 23 ALGUM DIA HAVER IGUALDADE RACIAL NO BRASIL ..................................................................... 275 TABELA 24 CONCORDNCIA COM A IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS PARA PROMOVER O ACESSO
PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ......................................................................... 277 TABELA 25 MOTIVOS PELOS QUAIS 56,2% DOS PROFESSORES ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE AES
AFIRMATIVAS PARA PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ....... 279 TABELA 26 MOTIVOS PELOS QUAIS 34,8% DOS PROFESSORES ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE AES
AFIRMATIVAS PARA PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ....... 280 TABELA 27 TIPOS DE AES AFIRMATIVAS QUE 34,8% DOS PROFESSORES DEFENDIAM PARA PROMOVER O ACESSO
PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ............................................................................. 282 TABELA 28 - CONCORDNCIA DOS PROFESSORES COM A IMPLEMENTAO DE RESERVA DE COTAS PARA OS NEGROS
NO VESTIBULAR DA UNB ............................................................................................................................ 285 TABELA 29 MOTIVOS PELOS QUAIS 28,7% DOS PROFESSORES ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE COTAS
PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB................................................................................................. 286 TABELA 30 MOTIVOS PELOS QUAIS 61,8% DOS PROFESSORES ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE COTAS
PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB................................................................................................. 288 TABELA 31 CONCORDNCIA COM A LEI 10.173/2001 ....................................................................................... 292 TABELA 32 CONCORDNCIA COM A APOSENTADORIA MAIS CEDO PARA AS MULHERES ..................................... 293 TABELA 33 CONCORDNCIA COM O USO DA IDADE E DO TEMPO DE SERVIO PBLICO PARA DESEMPATE NOS
CONCURSOS PBLICOS ................................................................................................................................ 293 TABELA 34 CONCORDNCIA COM A RESERVA DE COTAS PARA OS PORTADORES DE DEFICINCIA FSICA NOS
CONCURSOS PBLICOS ................................................................................................................................ 294 TABELA 35 CONCORDNCIA DOS PROFESSORES COM A IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS PARA FAVORECER OU
PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB, SEGUNDO A COR........ 296 TABELA 36 CONCORDNCIA DOS PROFESSORES COM A IMPLEMENTAO DE RESERVA DE COTAS PARA FAVORECER OU
PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB, SEGUNDO A COR. ............ 298 TABELA 37 DISTRIBUIO DOS PS-GRADUANDOS SEGUNDO CLASSES DE RENDIMENTO MENSAL 2002 ........ 299 TABELA 38 TIPO DE ESCOLA ONDE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM O ENSINO MDIO ........................ 300 TABELA 39 TIPO DE CURSO QUE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM NO ENSINO MDIO .......................... 301 TABELA 40 TURNO EM QUE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM O ENSINO MDIO ............................. 302
xiv
TABELA 41 INSTITUIO DE ENSINO SUPERIOR ONDE OS PS-GRADUANDOS DA UNB ENTREVISTADOS
CONCLURAM A GRADUAO ...................................................................................................................... 303 TABELA 42 ESCOLARIDADE DAS MES DOS PS-GRADUANDOS DA UNB ENTREVISTADOS ............................... 304 TABELA 43 PS-GRADUANDOS DA UNB POR COR SEGUNDO A CLASSIFICAO DO IBGE ................................. 305 TABELA 44 PS-GRADUANDOS DA UNB POR SEXO ............................................................................................ 315 TABELA 45 PS-GRADUANDOS DA UNB POR SEXO SEGUNDO A COR ................................................................. 316 TABELA 46 PS-GRADUANDOS DA UNB POR REA DO CURSO SEGUNDO A COR ................................................ 318 TABELA 47 DISCENTES DA UNB POR NVEL DE PS-GRADUAO SEGUNDO A COR .......................................... 319 TABELA 48 OPINIO DOS PS-GRADUANDOS DA UNB SOBRE A EXISTNCIA DE DISCRIMINAO RACIAL CONTRA
OS NEGROS ( PRETOS E PARDOS) NO BRASIL .............................................................................................. 323 TABELA 49 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS DA UNB DE QUE ALGUM DIA HAVER IGUALDADE RACIAL
NO BRASIL .................................................................................................................................................. 323 TABELA 50 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS DA UNB COM A IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS PARA
FAVORECER OU PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO .................... 324 TABELA 51 MOTIVOS PELOS QUAIS 55,4% DOS PS-GRADUANDOS ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS
PARA FAVORECER OU PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB. ............................. 326 TABELA 52 - MOTIVOS PELOS QUAIS 38,6% DOS PS-GRADUANDOS ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS
PARA FAVORECER OU PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB ................... 328 TABELA 53 - TIPOS DE AES AFIRMATIVAS QUE 38,6% DOS PS-GRADUANDOS DEFENDIAM PARA FAVORECER OU
PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB ........................ 329 TABELA 54 - CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A IMPLEMENTAO DE RESERVA DE COTAS PARA OS
NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB ............................................................................................................... 331 TABELA 55 MOTIVOS PELOS QUAIS 25,7% DOS PS-GRADUANDOS ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE
COTAS PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB. .................................................................................... 332 TABELA 56 MOTIVOS PELOS QUAIS 68,3% DOS PS-GRADUANDOS ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE
COTAS PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB. .................................................................................... 333 TABELA 57 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM O USO DA IDADE E DO TEMPO DE SERVIO PBLICO
PARA DESEMPATE NOS CONCURSOS PBLICOS ............................................................................................ 335 TABELA 58 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A LEI 10.173/2001 ................................................. 335 TABELA 59 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A APOSENTADORIA MAIS CEDO PARA AS MULHERES ............... 336 TABELA 60 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A RESERVA DE COTAS PARA OS PORTADORES DE
DEFICINCIA FSICA NOS CONCURSOS PBLICOS ......................................................................................... 336 TABELA 61 INSTITUIO DE ENSINO SUPERIOR ONDE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM A
GRADUAO ............................................................................................................................................... 356 TABELA 62 LOCAL DE CONCLUSO DO 2 GRAU (ATUAL ENSINO MDIO) DOS PS-GRADUANDOS, SEGUNDO A COR
DOS DISCENTES (EM %) ............................................................................................................................... 357 TABELA 63NVEL DE INSTRUO DAS MES DOS PS-GRADUANDOS, SEGUNDO A COR DOS DISCENTES (EM %) 358 TABELA 64 CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SEGUNDO O SEXO ......................................... 491 TABELA 65 OPINIO DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SOBRE APOSENTADORIA MAIS
CEDO PARA AS MULHERES .......................................................................................................................... 491 TABELA 66 OPINIO DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SOBRE APOSENTADORIA MAIS
CEDO PARA AS MULHERES SEGUNDO O SEXO DOS CONSULTORES .............................................................. 492 TABELA 67 - CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SEGUNDO A COR ........................................... 492 TABELA 68 CONCORDNCIA DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL COM A PROPOSTA DE
COTAS PARA NEGROS NOS VESTIBULARES DAS UNIVERSIDADES ................................................................ 493 TABELA 69 CONCORDNCIA DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL COM A PROPOSTA DE
COTAS PARA NEGROS SEGUNDO A COR DOS CONSULTORES ........................................................................ 493 TABELA 70 CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SEGUNDO O NVEL DE ESCOLARIDADE ......... 495 TABELA 71 TIPO DE UNIVERSIDADE ONDE OS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL CONCLURAM
A GRADUO .............................................................................................................................................. 496
xv
Lista de abreviaturas e siglas
IIICMCRDRXIC - III Conferncia Mundial contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e
Intolerncia Correlata AA - Ao Afirmativa
ABPN - Associao Brasileira de Pesquisadores Negros
Acacab - Associao Casa de Arte de Cultura Afro-Brasileira
ADIN - Ao Direta de Inconstitucionalidade
AF - Anemia Falciforme
AFL-CIO - American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations
AGB - Associao dos Gegrafos Brasileiros
AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome (ou Sndrome da Imunodeficincia Adquirida)
ANC - African National Congress
ANPEd - Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao
APN - Agentes de Pastoral Negros
Atabaque - Centro de Cultura e Teologia Negra
Banespa - Banco do Estado de So Paulo
CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CCJ - Comisso de Constituio e Justia
CEAP - Centro de Articulao de Populaes Marginalizadas
Cecan - Centro de Cultura e Arte Negra
Cedenpa - Centro de Estudos e Defesa do Negro do Par
CEERT - Centro de Estudos das Relaes do Trabalho e Desigualdade
CEN - Coordenadoria Especial do Negro
CEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extenso
CF - Comisso de Finanas
CLDF - Cmara Legislativa do Distrito Federal
CLT - CLT - Consolidao das Leis do Trabalho - Decreto-Lei 5.452 de 1 de maio de 1943
CNE - Conselho Nacional de Educao
COC - Casa de Oswaldo Cruz
Codene - Conselho de Participao e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul
CONE - Coordenadoria dos Assuntos da Populao Negra
CONFENEN - Confederao Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
COPENE - Congresso de Pesquisadores Negros Brasileiros
CTLS - Comisso de Trabalho e Legislao Social
CUT - Central nica dos Trabalhadores
DAN (UnB) - Departamento de Antropologia
DEX - Decanato de Extenso
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos
DST - Doena Sexualmente Transmissvel
Educafro - Educao e Cidadania para os Afro-descendentes e Carentes
EnegreSer - Coletivo Negro do DF e Entorno
ENEN - Encontro Nacional das Entidades Negras
ENMZ - Executiva Nacional da Marcha Zumbi
ENSP - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca
ESCS/DF - Escola Superior de Cincias da Sade do Distrito Federal
EUA - Estados Unidos da Amrica
FCP - Fundao Cultural Palmares
FEBEM - Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor
xvi
Feconezu - Festival Comunitrio Negro Zumbi
FFLCH (USP) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
FGV - Fundao GetulioVargas
Fiocruz - Fundao Oswaldo Cruz
FNB - Frente Negra Brasileira
GT - Grupo de Trabalho
GTEDEO - Grupo de Trabalho para a Eliminao da Discriminao no Emprego e na Ocupao
GTI - Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizao da Populao Negra
IBGE - Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IEA - Instituto de Estudos Avanados da USP
IFCS - Instituto de Filosofia e Cincias Sociais da UFRJ
INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
INSPIR - Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
IPCN - Instituto de Pesquisa das Culturas Negras
IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
Ipeafro - Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MABEC - Movimento Afro-Brasileiro de Educao e Cultura
MDA - Ministrio do Desesnvolvimento Agrrio
MEC - Ministrio da Educao
MJ - Ministrio da Justia
MNU - Movimento Negro Unificado
MNUCDR - Movimento Negro Unificado Contra a Discriminao Racial
MP - Medida Provisria
MSU - Movimento dos Sem Universidade
MUCDR - Movimento Unificado Contra a Discriminao Racial
NEAB - Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros
Neafro (PUC-SP) - Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros
Neinb (USP) - Ncleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro
NEN - Ncleo de Estudos do Negro
OIT - Organizao Internacional do Trabalho
OMS - Organizao Mundial da Sade
ONG - Organizao No Governamental
PCB - Partido Comunista do Brasil
PDT - Partido Democrtico Trabalhista
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PET - Programa Especial de Treinamento
PFL - Partido da Frente Liberal
PL - Projeto de Lei
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNDH - Plano Nacional de Direitos Humanos
PPGAS (UnB) - Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social
PROUNI - Programa Universidade para Todos
PSD - Partido Social Democrtico
PT - Partido dos Trabalhadores
PUC - Pontifcia Universidade Catlica
PVNC - Pr-Vestibular para Negros e Carentes
SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia
SCLS - Setor de Comrcio Local Sul
Sedepron - Secretaria Extraordinria de Defesa e Promoo das Populaes Negras
Seppir - Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial
SEPROMI - Secretaria de Promoo da Igualdade
xvii
SESU - Secretaria de Educao Superior
Sinba - Sociedade de Intercmbio Brasil-frica
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justia
TEN - Teatro Experimental do Negro
TST - Tribunal Superior do Trabalho
UCLA - Universidade da Califrnia em Los Angeles
UDN - Unio Democrtica Nacional
UEA - Universidade do Estado do Amazonas
UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana
UEG - Universidade Estadual de Gois
UEL - Universidade Estadual de Londrina
UEMG - Universidade do Estado do Estado de Minas Gerais
UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense
UEPB - Universidade Estadual da Paraba
UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa
UERGS - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz
UEZO - Centro Universitrio Estadual da Zona Oeste do Rio de Janeiro
UFABC - Universidade Federal do ABC
UFAL - Universidade Federal de Alagoas
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UFCE - Universidade Federal do Cear
UFES - Universidade Federal do Esprito Santo
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFG - Universidade Federal de Gois
UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora
UFMA - Universidade Federal do Maranho
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
UFPA - Universidade Federal do Par
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UFPI - Universidade Federal do Piau
UFPR - Universidade Federal do Paran
UFRA - Universidade Federal Rural da Amaznia
UFRB - Universidade Federal do Recncavo da Bahia
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSCar - Universidade Federal de So Carlos
UFT - Universidade Federal do Tocantins
UnB - Universidade de Braslia
UNEB - Universidade do Estado da Bahia
Unemat - Universidade do Estado do Mato Grosso
Unesco - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura)
Unicamp - Universidade Estadual de Campinas
Unifesp - Universidade Federal de So Paulo
Unimontes - Universidade Estadual de Montes Claros
UPE - Universidade do Estado de Pernambuco
URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
USP - Universidade de So Paulo
xviii
Sumrio
AGRADECIMENTOS ......................................................................................................................................... V
RESUMO .............................................................................................................................................................. X
ABSTRACT ......................................................................................................................................................... XI
RSUM ............................................................................................................................................................ XII
LISTA DE TABELAS ...................................................................................................................................... XIII
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ...................................................................................................... XV
SUMRIO ...................................................................................................................................................... XVIII
INTRODUO ................................................................................................................................................... 20
CAPTULO 1. AS FORMAS DE LUTA DOS AFRO-BRASILEIROS CONTRA O RACISMO AT MEADOS DA DCADA DE SETENTA DO SCULO XX ............................................................................ 48
1.1. INTRODUO ...................................................................................................................................... 48 1.2. ALGUMAS FORMAS DE LUTA DOS NEGROS CONTRA O RACISMO NO SISTEMA ESCRAVISTA BRASILEIRO ............... 50
1.2.1. A luta no centro do sistema escravista ....................................................................................................... 50 1.2.2. A luta s margens do sistema escravista .................................................................................................... 56
1.3. A LUTA DOS AFRO-BRASILEIROS CONTRA O RACISMO NO PS-ESCRAVISMO: 118 ANOS REIVINDICANDO EDUCAO FORMAL .......................................................................................................................................... 63
1.3.1. Os Movimentos Sociais Negros em So Paulo no incio do sculo XX: a Imprensa Negra e a Frente Negra Brasileira ........................................................................................................................................................ 67 1.3.2. O Teatro Experimental do Negro (TEN): usando o palco como instrumento de alfabetizao da populao negra ................................................................................................................................................................... 87
CAPTULO 2. A LUTA AFRO-BRASILEIRA NOS LTIMOS 25 ANOS DO SCULO XX ......... 116
2.1. DCADAS DE 70 E 80: REVIGORAMENTO E EXPANSO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS BRASILEIROS.................................................................................................................................................... 116 2.2. MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS NA DCADA DE NOVENTA DO SCULO XX: EDUCAO E AO AFIRMATIVA .................................................................................................................................................... 161
CAPTULO 3. INCIO DO SCULO XXI: A CONSOLIDAO DAS LUTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS POR EDUCAO FORMAL ......................................................... 188
3.1. INCLUINDO A QUESTO RACIAL NA AGENDA POLTICA BRASILEIRA .................................................. 188 3.2. NOVAS FORMAS DE LUTA CONTRA O RACISMO .................................................................................. 217
3.2.1. As ONGs de cunho racial ........................................................................................................................ 217 3.2.2. De militantes e intelectuais negros a negros intelectuais: a interao da tica da convico anti-racismo com a tica acadmico-cientfica. ............................................................................................................................ 225
CAPTULO 4. A OPINIO DOS DOCENTES DA UNB SOBRE A IMPLEMENTAO DO SISTEMA DE COTAS NA UNB ...................................................................................................................... 256
4.1. O PERFIL DOS PROFESSORES E SUA OPINIO SOBRE AES AFIRMATIVAS PARA OS NEGROS INGRESSAREM NOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB. .................................................................................... 259
CAPTULO 5. A OPINIO DOS ALUNOS DE PS-GRADUAO SOBRE A IMPLEMENTAO DO SISTEMA DE COTAS NA UNB ............................................................................................................... 299
CAPTULO 6. POR QUE AS COTAS FORAM APROVADAS NA UNB, NUMA CONJUNTURA HOSTIL A ESSE TIPO DE POLTICA PBLICA PARA OS NEGROS? ................................................ 363
xix
CAPTULO 7. AES AFIRMATIVAS E A QUEDA DO VU IDEOLGICO .............................. 420
7.1. AES AFIRMATIVAS: DISCUTINDO O CONCEITO ............................................................................... 424 7.2. O NO-RECONHECIMENTO DO REFERENCIAL TERICO SOBRE AES AFIRMATIVAS ......................... 443 7.3. OS CENRIOS NO FUTURO, MISTURA BIOLGICA E CULTURAL E RACIALIZAO COMO ARGUMENTOS ................... 459 7.4. O QUE EST SOB DISPUTA COM A IMPLEMENTAO DE COTAS NAS UNIVERSIDADES PARA OS NEGROS? ................ 485
CONCLUSO ................................................................................................................................................... 505
REFERNCIAS ................................................................................................................................................ 523
ANEXOS ............................................................................................................................................................ 551
ANEXO 1: UNIDADES ACADMICAS DA UNB ................................................................................................ 551
Introduo
Esta tese discute o que est sob disputa com a implementao da poltica de ao
afirmativa de cotas para os estudantes negros ingressarem nas universidades pblicas
brasileiras. Conseqentemente, discute tambm a luta dos Movimentos Sociais Negros
brasileiros por educao pblica de boa qualidade em todos os nveis de ensino, ou seja, do
fundamental ao superior, bem como por que o sistema cotas foi aprovado na UnB numa
conjuntura to adversa e hostil a esse tipo de ao afirmativa para negros. Mas antes de
entrarmos no assunto estrito da tese pensamos ser necessrio definir quem so os negros no
Brasil.
Aps a introduo do debate sobre aes afirmativas para esse grupo racial, no
espao pblico brasileiro, em 1995-1996, comeou-se a questionar no Brasil quem so os
negros brasileiros. Tal indagao foi feita inclusive por intelectuais da rea de estudos e
pesquisas sobre relaes raciais brasileiras que afirmavam haver discriminao racial no
Brasil (contra os pretos e pardos ou no-brancos) e que agora no conseguem mais
identificar o objeto de suas pesquisas (os negros), tornando-se, ao que parece, mopes ou
crticos acrticos das relaes raciais brasileiras, pois chegam a duvidar da existncia do
objeto de suas pesquisas aps anos e anos de estudos demonstrando o quanto os negros so
discriminados racialmente no Brasil. Esses intelectuais criticam e negam a suposta
democracia racial brasileira, mas no conseguem identificar mais as vtimas do racismo no
Brasil, conforme analisou Santos (2006).
Mas enfim, quem so os negros nesta tese? Para ns, como para tcnicos do
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) (Cf. Henriques, 2001; Soares, 2000) e do
21
Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos (DIEESE) (Cf.
DIEESE/IFL CIO/INSPIR, 1999), bem como para vrios cientistas sociais ou pesquisadores
da rea de relaes raciais brasileiras, como Carvalho (2005), Guimares (2002, 1999, 1998 e
1997), Paixo (2006 e 2002), Santos e Silva (2006), Silvrio (2005, 2003a, 2003, 2002a,
2002, 2001 e 1999) entre outros, no h diferena significativa em ser classificado como preto
ou pardo no Brasil em termos de obteno de bnus ou de nus sociais. Ambos os grupos so
discriminados racialmente com uma intensidade bem semelhante, no tendo o mulato (ou
pardo) um tratamento privilegiado neste pas conforme afirmava o historiador estadunidense
Carl Degler (1976).
Ante esse fato, entendemos ser plausvel agregar as categorias preto e pardo da
classificao do quesito cor/raa estabelecida pela Fundao Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatstica (IBGE), formando dessa forma a categoria racial negros. Portanto, o motivo
pelo qual agregamos os pardos e os pretos, formando uma nova categoria de classificao
racial, os negros, no poltico como visou estabelecer o Movimento Negro Unificado
(MNU, 1998) ou como tm argumentado criticamente alguns intelectuais, entre os quais
Fbio Wanderley Reis (1997).
No temos o objetivo de colocar tinta em ningum, menos ainda de criarmos
uma identidade negra, como argumentam muitos crticos da implementao de aes
afirmativas para os negros ingressarem no ensino superior pblico, entre os quais Peter Fry
(2005). O argumento para associarmos os pardos aos pretos , segundo o nosso entendimento,
tcnico, visto que estatisticamente no h diferenas raciais significativas entre a situao
socioeconmica dos pretos e dos pardos conforme indicam as pesquisas sobre desigualdades
raciais (Cf. DIEESE/IFL-CIO/INSPIR, 1999; Henriques, 2001; Paixo, 2006 e 2002; Santos e
Silva, 2006; Soares, 2000). Estatisticamente s se percebem diferenas raciais significativas
quando comparamos esses dois grupos raciais com o grupo racial branco. Isto , de um lado,
22
pretos e pardos esto muito prximos em termos de obteno ou excluso de direitos
legtimos e constitucionalmente garantidos e, de outro lado, esto bem distantes dos direitos e
vantagens auferidos pelos brancos no Brasil. Diante disso juntamos aquelas duas categorias e
formamos o grupo racial negros, visto que para ns h um denominador comum entre
pardos e pretos: a discriminao racial que ambos sofrem no plano sociolgico. Ou seja,
so as dificuldades comuns proporcionadas pelo racismo s populaes pretas e pardas que
possibilitam e justificam unirmos as categorias preto e pardo da taxonomia racial estabelecida
pela IBGE, formando o grupo racial negros.
Definido quem so os negros, pensamos ser necessrio tambm informar qual o
conceito de raa que estamos utilizando para que no haja mal-entendidos e erros de
compreenso e anlises sobre a presente tese. O termo raa no deve ser entendido como um
conceito biolgico que designa tipos humanos distintos fsica e mentalmente, visto que a
cincia nega esse conceito (Cf. Guimares, 1999). Por conseguinte, raa no uma
realidade natural, no estabelece hierarquias naturais entre os seres humanos, bem como as
caractersticas biolgicas de um determinado ser humano no determinam as suas
caractersticas culturais, sociais, polticas e psicolgicas/intelectuais, entre outras. Assim, no
existem raas no plural, visto que a
diversidade gentica no interior dos grupos sociais no difere
significativamente, em termos estatsticos, daquela encontrada em outros
grupos distintos. (...) Desse modo, nenhum padro sistemtico de traos
humanos pode ser atribudo a diferenas biolgicas (Guimares, 1999: 22).
O que importante ressaltar aqui que o conceito de raa no existe
biologicamente. No entanto, as pessoas fazem uso de classificaes sociais e raciais no seu
dia-a-dia. Embora o conceito biolgico de raa tenha sido desconstrudo no incio do sculo
XX pela prpria cincia que o construiu, esse conceito, ou melhor, a idia de raa j havia
transcendido a cincia ou o campo cientfico, instaurando-se socialmente. Ela passou a ser
23
uma idia aceita e reproduzida pelo senso comum, tornando-se uma categoria de uso popular
muito poderosa. As pessoas passaram a crer que existiam ou existem raas diferentes (como
por exemplo: a branca, a preta, a parda, a amarela e a indgena, que so as classificaes
utilizadas oficialmente pelo Estado brasileiro, por meio do IBGE) e, mais do que isso,
desiguais, at mesmo porque conseguiam fazer uso descritivo dessa palavra valendo-se do
fentipo das pessoas, entre outras distines reais ou imaginrias.
O que devemos ressaltar que embora a raa no exista cientificamente ela existe
socialmente. E s neste sentido, isto , socialmente, que podemos dizer que h raas. Ou
seja, o termo raa no deve ser entendido como um conceito biolgico que designa espcies
distintas (ou desiguais) fsica e mentalmente de seres humanos. Raa um termo que deve ser
entendido aqui como
um conceito que no corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao
contrrio, de um conceito que denota to somente uma forma de
classificao social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos
sociais, e informada por uma noo especfica de natureza, como algo
endodeterminado. A realidade das raas limita-se, portanto, ao mundo social.
(Guimares, 1999: 9).
A essa definio de Guimares (1999), adendamos que esta classificao social
tambm pode comportar uma atitude positiva. Por exemplo, no somente os negros podem ser
classificados como inferiores, como os brancos podem ser classificados como superiores
numa determinada sociedade e vice-versa. Finalizando, Raa uma construo social e no
um conceito biolgico ou uma realidade natural (Cf. Guimares, 2003a e 1999).
Feitos esses prvios esclarecimentos passamos introduo de fato desta tese.
Passados mais de cem anos da abolio da escravido e mais de vinte anos da
redemocratizao poltica do Brasil, a populao negra brasileira continuou (e continua)
sendo discriminada racialmente, marginalizada e excluda dos bnus sociais que este pas tem
produzido, inclusive de algumas polticas pblicas universais de boa qualidade, como, por
24
exemplo, o acesso s universidades pblicas brasileiras. Estudos antigos e recentes vm
comprovando as discriminaes e desigualdades raciais que h muito tempo os Movimentos
Sociais Negros vm denunciando, conforme se pode observar em Carvalho (2005), Carvalho
e Segato (2002), Cavalleiro (2000a), DIEESE, (1999), DIEESE/IFL-CIO/INSPIR (1999),
Fernandes (1978, 1976 e 1972), Gonalves (1985), Guimares (2002, 1999, 1998 e 1997),
Hasenbalg (1996, 1995, 1987 e 1979), Henriques (2002 e 2001), MNU (1988), Paixo (2006 e
2002), Rosemberg (2000 e 1991), Santos (2006 e 2005b), Santos e Silva (2006), Silva (2004,
1999, 1996 e 1987), Silva e Hasenbalg (1992), Soares (2000), Turra e Venturi (1995), entre
outros.
Cansados de promessas no realizadas para acabar ou, no mnimo, diminuir as
desigualdades raciais brasileiras, e decididos a no esperar mais por promessas de melhorias
no futuro, os Movimentos Sociais Negros brasileiros resolveram realizar, em 20 de novembro
de 1995, a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, em
Braslia, capital do Brasil, para reafirmar a luta dos afro-brasileiros contra o racismo, as
desigualdades raciais e exigir polticas pblicas para os negros. Essa Marcha, simbolizada
no heri negro Zumbi dos Palmares, morto em combate h trezentos anos, em 1695, lutando
por liberdade e igualdade racial, foi um sucesso de pblico participante, contando com a
presena de mais de trinta mil militantes e simpatizantes anti-racistas (Cf. Santos, 2006;
Cardoso, 2002; ENMZ, 1996).
Como foi um dos eventos dos movimentos sociais nacionais mais importantes do
final do sculo passado, os organizadores dessa marcha foram recebidos, nesse mesmo dia,
pelo ento Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso. Nesse encontro forado,
mais uma vez as lideranas dos Movimentos Sociais Negros denunciaram ao governo
brasileiro a discriminao racial, bem como condenaram o racismo contra os negros no Brasil.
Mais do que isto, os ativistas negros no ficaram apenas nas e com as denncias, eles tambm
25
entregaram ao chefe de Estado brasileiro o Programa de Superao do Racismo e da
Desigualdade Racial, que continha vrias propostas de combate ao racismo que mesclavam
propostas de polticas pblicas universais com polticas valorizativas e polticas especficas
para a populao negra, entre as quais: a) Recuperao, fortalecimento e ampliao da escola
pblica, garantia de boa qualidade; b) Implementao da Conveno sobre Eliminao da
Discriminao Racial no Ensino; c) Monitoramento dos livros didticos, manuais escolares e
programas educativos controlados pela Unio; d) Desenvolvimento de programas
permanentes de treinamento de professores e educadores que os habilitem a lidar
adequadamente com a diversidade racial, identificar as prticas discriminatrias presentes na
escola e o impacto destas na evaso e repetncia das crianas negras; e) Desenvolvimento de
programa educacional de emergncia para a eliminao do analfabetismo. Concesso de
bolsas remuneradas para adolescentes negros de baixa renda para o acesso e concluso do
primeiro e segundo graus [atuais ensinos fundamental e mdio, respectivamente]; e f)
Desenvolvimento de aes afirmativas para acesso dos negros aos cursos
profissionalizantes, universidade e s reas de tecnologia de ponta.
Em realidade, os Movimentos Sociais Negros comearam a exercer forte impacto
na vida brasileira a partir da dcada de oitenta do sculo XX (Cf. Andrews, 1998 e 1991),
quando se iniciou o processo de redemocratizao do Brasil. Esse impacto possibilitou uma
crescente politizao da questo racial no Brasil, j percebida explicitamente em 1988, ano do
centenrio da abolio da escravatura, quando o governo do Presidente Jos Sarney quis
celebrar e afirmar a ideologia da democracia brasileira e os Movimentos Sociais Negros, ao
contrrio, protestaram enfaticamente contra o racismo neste pas (Cf. Andrews, 1998 e 1991;
Veja, 1988). Essa politizao no deixou de crescer desde 1978 e a marcha supracitada, bem
como as propostas dos Movimentos Sociais Negros contra o racismo entregues ao Presidente
26
da Repblica, em 20 de novembro de 1995, foram outros exemplos concretos dessa crescente
politizao.
O governo Fernando Henrique Cardoso no tardou a dar respostas s presses e
reivindicaes dos Movimentos Sociais Negros. Por exemplo, no dia 20 de novembro de
1995, ao receber os lderes da Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela
Cidadania e a Vida, o Presidente da Repblica criou, por meio de Decreto, o Grupo de
Trabalho Interministerial para a Valorizao da Populao Negra (GTI), que, entre outros
objetivos, visava discusso, elaborao e implementao de polticas pblicas direcionadas
populao negra, bem como incluir a questo racial na agenda nacional (Cf. GTI, 1998).
Outro grupo de trabalho que tambm surgiu em virtude da presso desses movimentos pela
promoo da igualdade racial no Brasil foi o Grupo de Trabalho para a Eliminao da
Discriminao no Emprego e na Ocupao (GTEDEO), criado por meio de outro Decreto, de
20 de maro de 1996, no mbito do Ministrio do Trabalho.
A criao desses grupos de trabalho, entre outros fatores, possibilitou o incio da
discusso da questo racial e, conseqentemente, das desigualdades raciais brasileiras, no
interior do poder executivo, bem como possibilitou o incio da discusso sobre a necessidade
de polticas pblicas para acabar com essas desigualdades. Desse modo, e como uma das
respostas do governo brasileiro da poca s presses dos Movimentos Sociais Negros, o
governo federal, por meio da Secretaria dos Direitos da Cidadania do Ministrio da Justia,
realizou em julho de 1996, no campus da Universidade de Braslia (UnB), o seminrio
internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da ao afirmativa nos Estados
democrticos contemporneos. Esse evento tambm contou com a participao do Presidente
da Repblica. Visava-se a debater o racismo no pas, bem como pensar a formulao de
polticas pblicas de combate discriminao e desigualdade raciais, entre as quais polticas
de aes afirmativas (Cf. Souza, 1997).
27
Mas as respostas s presses dos Movimentos Sociais Negros por igualdade racial
de direito e de fato j podiam ser vistas antes desse seminrio, quando do lanamento do
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 13 de maio de 1996. Muito do que
constava em termos de propostas de aes afirmativas no PNDH para beneficiar os negros era
praticamente uma cpia das propostas dos Movimentos Sociais Negros que estavam no
Programa de Superao do Racismo e da Desigualdade Racial (PSRDR), que havia sido
entregue ao ento Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de novembro de 1995, pelas
lideranas negras. Por exemplo, a proposta de ao afirmativa para os negros terem acesso
educao superior e ao ensino profissionalizante do PNDH praticamente uma transcrio
textual do que est escrito na ltima reivindicao do item Educao, do PSRDR.
Entendemos que tais fatos ou acontecimentos demonstram o impacto das presses
dos Movimentos Sociais Negros por igualdade racial e fim do racismo, tanto no governo
como na vida dos brasileiros. Demonstram tambm o quanto a educao tem sido
reivindicada pelos Movimentos Sociais Negros e o quanto ela um valor para esses
movimentos, visto que foram eles que comearam a exigir educao pblica de boa qualidade
em todos os nveis de ensino, bem como a fazer constar da agenda poltica do Estado
brasileiro a necessidade de incluso dos negros no ensino superior pblico por meio de aes
afirmativas.
Todavia, e ao que tudo indica, a incluso da questo racial brasileira na agenda
poltica nacional s se consolidou aps a III Conferncia Mundial contra o Racismo,
Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia Correlata, realizada de 30 de agosto a 7 de
setembro de 2001, na cidade sul-africana de Durban (Cf. Santos, 2005b). As lutas e as
presses internas dos Movimentos Sociais Negros brasileiros por igualdade racial e fim do
racismo, associadas conjuntura internacional de luta contra o racismo manifestada nessa
conferncia, fortaleceram, no Brasil, as discusses sobre a necessidade de implementao de
28
aes afirmativas para os negros terem acesso preferencial ao ensino superior pblico. Assim,
a questo racial foi includa nas agendas e propostas de vrios candidatos a Presidente da
Repblica, em 2002 (Cf. Santos, 2005b).
O Presidente eleito na poca, Luiz Incio Lula da Silva, aps investir-se no cargo
de Presidente da Repblica brasileira, criou, em 21 de maro de 2003, a Secretaria Especial de
Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir). No discurso de instalao da Seppir, o
Presidente Lula ratificou oficialmente o que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) j havia explicitado, em julho de 1996, no seminrio internacional
Multiculturalismo e racismo: o papel da ao afirmativa nos Estados democrticos
contemporneos. O Presidente Lula tambm reconheceu oficialmente que h discriminaes
raciais contra os negros no Brasil. Desse modo o Presidente Luiz Incio Lula da Silva deu
continuidade ao rompimento com o antigo discurso oficial de que o Brasil uma democracia
racial.
Por outro lado, sob presso dos Movimentos Sociais Negros o Presidente Lula no
s criou a Seppir, como tambm enviou ao Congresso Nacional brasileiro o Projeto de Lei n
3.627, de 20 de maio de 2004, que institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para
estudantes egressos de escolas pblicas, em especial negros e indgenas, nas instituies
pblicas federais de educao superior e d outras providncias. Esse projeto e outros
projetos correlatos esto tramitando no Congresso Nacional e tm sido motivo de grandes
discusses, debates e disputas acadmico-polticas (Cf. Folha de S. Paulo, de 4 de julho de
2006), visando a sua aprovao ou rejeio. Como se ver nesta tese, a proposta de reserva de
vagas para estudantes negros nos vestibulares das universidades federais brasileiras (proposta
originria dos Movimentos Sociais Negros que foi endossada pelo governo federal), de um
lado, tem sido apoiada e defendida pelos negros intelectuais filiados Associao Brasileira
de Pesquisadores Negros (ABPN) e, de outro lado, ela tem sido rejeitada pela maioria
29
absoluta dos intelectuais brancos da rea de estudos e pesquisas sobre relaes raciais
brasileiras.
Em realidade, antes mesmo da aprovao ou rejeio no Congresso Nacional
brasileiro do Projeto de Lei n 3.627, de 20 de maio de 2004, que institui as cotas para
estudantes de escolas pblicas, bem como para os estudantes negros e indgenas, 33
universidades pblicas brasileiras dezoito estaduais e quinze federais j aprovaram e
implementaram ou esto em fase de implementao do sistema de cotas nos seus vestibulares
para esses grupos scio-tnico-raciais. Algo que os intelectuais mais otimistas da rea de
estudos e pesquisas sobre relaes raciais, e favorveis s cotas para negros, no imaginavam
que iria acontecer em menos de dez anos aps o seminrio supracitado. Segundo o professor
Antnio Srgio A. Guimares
Em julho de 1996, durante o governo Fernando Henrique, quando o
Ministrio da Justia reuniu, em Braslia, um grupo de intelectuais
brasileiros e norte-americanos, lideranas e ativistas negros, para discutir
Aes afirmativas e multiculturalismo (Souza, 1997), ningum
acreditava que, em pouco mais de cinco anos, seria implementada a
primeira reserva de vagas para negros numa universidade pblica e
que, antes de completar o dcimo aniversrio daquele evento, tal poltica
fosse se transformar numa diretriz do Ministrio da Educao. Parecia a
todos ns, participantes daquela reunio, aos que defendiam ou se opunham
s aes afirmativas para negros, que o seminrio fora convocado
simplesmente para dar uma satisfao e transmitir uma sensao de incluso
militncia negra, bastante ativa quela altura nos fruns partidrios, em
alguns escales do governo federal e muito bem articulada
internacionalmente rede de ONGs de advocacia civil e luta pelos direitos
humanos. Era essa a impresso que me ficou das apresentaes e debates que
travvamos no plenrio e das opinies que trocvamos fora dele, no saguo
ou restaurante do hotel, ou na van que nos conduzia do local do seminrio
para o hotel, ou vice-versa (Guimares, 2005: 1, grifo nosso).
Ao que tudo indica, havia, de um lado, uma descrena da e na atuao e fora
polticas dos Movimentos Sociais Negros por parte dos intelectuais que apoiavam as aes
afirmativas para o ingresso de estudantes negros nas universidades pblicas brasileiras e, de
outro lado, uma desconsiderao a essa atuao e fora de parte significativa dos intelectuais
30
que se opunham a esse tipo de poltica pblica. Conforme declararam os antroplogos
Yvonne Maggie e Peter Fry (2004: 68-69, grifo nosso), que so contrrios ao sistema de cotas
para negros nos vestibulares das universidades pblicas brasileiras, eles mesmo subestimaram
o avano em certas reas-chave e foram surpreendidos.
Ao desconsiderarem os Movimentos Sociais Negros como agentes sociais
importantes no espao pblico brasileiro, os intelectuais que so contrrios s cotas no os
estudaram, pesquisaram nem analisaram a atuao e fora polticas desses movimentos,
especialmente a ao acadmico-poltica dos negros intelectuais no e para o processo de
implementao de aes afirmativas para os estudantes negros ingressarem nas universidades
pblicas, como se ver nesta tese. Assim, os Movimentos Sociais Negros, por meio dos seus
intelectuais orgnicos (os negros intelectuais), se articularam externamente e atuaram latente e
manifestamente no interior de vrias universidades pblicas, tecendo redes acadmico-
intelectuais de apoio s aes afirmativas para os estudantes negros ingressarem nessas
universidades. Desse modo, conquistaram aliados e convenceram das mais variadas formas
outros tantos acadmicos, sensibilizaram coraes e mentes, mesmo que momentaneamente,
em prol das polticas de cotas. Mudando e alinhando marcos em prol da incluso nas
universidades pblicas de estudantes negros, indgenas, entre outros grupos sociais brasileiros,
inicia-se assim o processo de implementao do sistema de cotas nessas universidades.
At fevereiro de 2007, trinta e trs universidades pblicas j haviam aprovado o
sistema de cotas em seus vestibulares1. Algumas aprovaram cotas somente para estudantes de
escolas pblicas, outras somente para indgenas, outras somente para os negros (pretos e
pardos) e outras para todas essas categorias de alunos simultaneamente. Por exemplo, a
1 A informao sobre a quantidade de universidades pblicas federais e estaduais que aprovaram e
implementaram ou vo implementar o sistema de reserva de vagas em seus vestibulares para estudandes negros,
indgenas, de escolas pblicas e portadores de deficincia fsica nos foi fornecida pela professora Deborah Silva
Santos, Consultora para Gnero e Raa da UNESCO, que at fevereiro de 2007 era assessora na Secretaria de
Educao Superior (SESU), do Ministrio da Educao (MEC), a quem somos muito grato. Vide tambm
Silvrio (2005).
31
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade do Estado do Mato Grosso
(UNEMAT), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e a Universidade Federal do Par
(UFPA) aprovaram cotas somente para os estudantes negros. A Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul (UEMS), a Universidade Braslia (UnB) e a Universidade Federal de So
Paulo (UNIFESP) aprovaram cotas para estudantes negros e indgenas. A Universidade
Federal do Tocantins (UFT) aprovou cotas somente para estudantes indgenas. A
Universidade do Estado do Amazonas (UEA) aprovou cotas para estudantes indgenas e
alunos de escolas pblicas. A Escola Superior de Cincias da Sade do Distrito Federal
(ESCS/DF), a Universidade do Estado de Pernambuco (UPE), a Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul (UERGS), a Universidade Estadual da Paraba (UEPB), a Universidade
Federal do Piau (UFPI) e a Universidade Federal Rural da Amaznia (UFRA) aprovaram
cotas somente para alunos que estudaram em escolas pblicas. A Universidade Estadual de
Londrina (UEL), a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a Universidade Federal
do ABC (UFABC), a Universidade Federal do Maranho (UFMA) e a Universidade Federal
de So Carlos (UFSCar) aprovaram cotas para estudantes negros e de escolas pblicas. A
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), a Universidade Federal do Recncavo da Bahia (UFRB) e a Universidade Federal do
Esprito Santo (UFES) aprovaram cotas para estudantes negros, indgenas e de escolas
pblicas. Finalmente, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade do
Estado do Estado de Minas Gerais (UEMG), a Universidade Estadual de Montes Claros
(UNIMONTES), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), o Centro
Universitrio Estadual da Zona Oeste (UEZO) do Rio de Janeiro, a Universidade Estadual de
Gois (UEG) e a Universidade Federal do Paran (UFPR) aprovaram cotas para estudandes
negros, indgenas, de escolas pblicas e portadores de deficincia fsica (Cf. Santos, 2007a).
32
A Universidade de Braslia (UnB) foi no s a primeira instituio federal de
ensino superior brasileira onde se comeou a discutir polticas de ao afirmativa para negros,
quando hospedou o seminrio internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da ao
afirmativa nos Estados democrticos contemporneos, em julho de 1996, como tambm foi a
primeira instituio federal de ensino superior brasileira a aprovar o sistema de cotas para
negros em seu vestibular, em 6 de junho de 2003, como se ver nesta tese. Desse modo, serviu
como modelo inspirador e incentivador para aprovao desse tipo de poltica de ao
afirmativa em outras universidades federais. Conforme o ento Secretrio de Educao
Superior do Ministrio da Educao (MEC), treze universidades brasileiras tinham
implementado o sistema de cotas raciais at a data 20 de novembro de 2004 (Cf. Maculan,
2004). No ano seguinte, 2005, esse nmero aumentou. Segundo o pesquisador e professor
Valter Roberto Silvrio (2005:148-149), sete universidades federais e nove universidades
estaduais haviam implementado o sistema de reserva de vagas para negros e indgenas, at
setembro de 2005. Por outro lado, de setembro de 2005 a agosto de 2006 o nmero de
universidades que aprovaram o sistema de cotas j havia aumentado significativamente.
Segundo o caderno informativo do seminrio Experincias de Polticas Afirmativas para
Incluso Racial no Ensino Superior, realizado nos dias 21 e 22 de agosto de 2006, na
Universidade de Braslia, at essa data, agosto de 2006, j havia 22 instituies pblicas de
ensino superior (estaduais e federais) com reserva de vagas socioeconmicas e tnico-raciais
para alunos de escolas pblicas, negros e indgenas (UnB, 2006b: 11). Hoje, como foi visto
acima, j so 33 as universidades pblicas brasileiras que implementaram cotas scio-tnico-
raciais (Cf. Santos, 2007a).
Porm, antes e aps aprovar este tipo de poltica pblica a UnB e as demais
universidades pblicas que a implementaram foram e continuam sendo duramente criticadas
por intelectuais de todas a reas de pesquisa e estudo, por formadores de opinio, autoridades
33
pblicas, polticos, pela grande imprensa escrita e televisiva, entre outros indivduos, grupos e
instituies sociais que tm voz ativa no espao pblico brasileiro, em especial, a maioria
absoluta de intelectuais e pesquisadores brancos da rea de estudos e pesquisas sobre as
relaes raciais brasileiras.
E aqui entramos no problema de pesquisa abordado nesta tese, qual seja, por que
renomados cientistas sociais da rea de estudos e pesquisas sobre as relaes raciais
brasileiras, em sua maioria absoluta classificados como brancos de acordo com a
classificao do IBGE, so contra a implementao de cotas para os estudantes negros
nos vestibulares das universidades pblicas brasileiras? Ou ainda, o que est sob disputa
com a implementao dessa poltica de ao afirmativa para os estudantes negros
ingressarem nas universidades pblicas brasileiras?
Aparentemente a pergunta parece no fazer sentido, visto que intelectuais
renomados como Peter Fry, Yvonne Maggie, Lilia Schwarcz, Marcos Chor Maio, Ricardo
Ventura Santos, Clia Maria Marinho de Azevedo, Monica Grin, entre outros, j teriam
apresentado seus argumentos contra o sistema cotas para negros nos vestibulares das
universidades pblicas, quanto se manifestam sobre este tipo de poltica de ao afirmativa.
Tais argumentos seriam: a) implementao de cotas para os negros nos vestibulares das
universidades pblicas inconstitucional, pois implica a quebra da igualdade de todos perante
a lei, conforme estabelece a Constituio Brasileira; b) a sociedade brasileira misturada
cultural e biologicamente, tornando a sua classificao racial ambgua, o que impossibilitaria
saber quem negro e quem branco; c) sustenta-se tambm, que o mrito individual deve
prevalecer no processo de seleo para ingresso nas universidades, bem como as cotas geraro
uma excluso de pobres qualificados, visto que privilegia a classe mdia negra; d) que ser
uma discriminao contra os brancos pobres, bem como a criao de privilgios para os
negros. Mais ainda, que a implementao das cotas: e) levar racializao da sociedade
34
brasileira; f) implicar a criao de tenses raciais; g) aumentar o preconceito racial contra
os prprios negros; h) que as cotas no resolvem o problema da excluso dos negros do
ensino superior; i) que a questo econmica, ou seja, que a excluso dos negros do ensino
superior se deve ao fato de os negros serem em geral de baixa renda e no poderem pagar
ensino de boa qualidade; j) conseqentemente, afirma-se tambm que o problema a falta de
ensino pblico (fundamental e mdio) de qualidade no Brasil. Ou seja, considera-se que o
no-ingresso dos negros nas universidades pblicas deve-se falta de ensino pblico de
qualidade no Brasil e no discriminao racial; h) argumenta-se tambm que as polticas de
ao afirmativa para negros uma cpia de uma poltica pblica estadunidense que no faz
sentido em nossa sociedade, entre outros argumentos.
Pensamos que os argumentos supracitados no explicavam de maneira
convincente ou satisfatria a oposio intransigente s cotas para os negros, manifestada por
esses intelectuais, at mesmo porque esses intelectuais no discordavam de que os negros so
discriminados racialmente no Brasil. Ora essa concordncia o que fundamenta a necessidade
de implementao de aes afirmativas (Cf. Gomes, 2001, 2002 e 2005; Guimares, 1997;
Medeiros, 2005 e 2004; Santos, 2002, 2003 e 2005b; Silva, 2001; Silvrio; 2002, 2005 e
2006; e Wedderburn, 2005). Desse modo, os seus argumentos nos pareciam frgeis uma vez
que eram e (ainda so) fundamentados mais em argumentos de autoridade que na autoridade
do argumento (Cf. Demo, 2005), como ficou demonstrado e se ver, especialmente, nos
captulos 4 e 5 desta tese.
A nossa primeira hiptese para responder questo supracitada era de que esses
intelectuais eram contra as cotas para os negros porque essas implicavam, mantendo-se o
mesmo nmero de vagas nas universidades, necessariamente uma redistribuio de vagas das
universidades pblicas, que historicamente tm sido apropriadas pelos brasileiros mais ricos.
Tal redistribuio implicaria um confronto de cunho poltico (Cf. Demo, 2003) e, por isso,
35
explicitava-se uma certa intransigncia desses renomados intelectuais brancos da rea de
estudos e pesquisas sobre relaes raciais brasileiras, que so contra as cotas. A priori esta era
a hiptese mais plausvel se vssemos esses intelectuais como defensores do status quo, uma
vez que, conhecedores e conscientes da excluso dos estudantes negros das universidades
pblicas, bem como dos estudantes pobres (independentemente das suas cores/raas), at
ento esses intelectuais no tinham apresentado nenhuma proposta concreta de incluso de
parte da populao negra no ensino superior pblico ou mesmo de parte da populao de
baixa renda sem distino de cor/raa.
Porm, essa era uma hiptese que responderia de forma limitada ao nosso
problema de pesquisa se no a associssemos a outras, que, em conjunto ou interconectadas
forneceriam uma explicao mais plausvel para o mesmo. Assim, levantamos outra hiptese,
esta considerada diretriz, de que a poltica de cotas para negros no ensino pblico brasileiro
superior extrapola o seu objetivo imediato, qual seja, a incluso de estudantes negros no
ensino pblico superior, e tem um potencial transformador para alm da sua funo manifesta,
na medida em que demonstra para a sociedade brasileira como um todo que possvel no s
redistribuir polticas pblicas de boa qualidade, como tambm questionar profundamente a
ideologia racial brasileira, bem como possibilita aspirar-se a mudanas na composio das
elites estatais dirigentes brasileiras.
Desta hiptese diretriz derivamos duas outras hipteses. Na primeira, sustenta-se
que com a implementao do sistema de cotas para negros nos vestibulares das universidades
pblicas, o que est em questo para os cientistas sociais contrrios a esse tipo de ao
afirmativa no somente o acesso diferenciado para negros ao ensino superior pblico, mas,
tambm, o questionamento do modelo hegemnico de compreenso e explicao das relaes
raciais brasileiras. Ou seja, a implementao das cotas implica uma luta terico-racial entre
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negros intelectuais e alguns renomados intelectuais brancos da rea de estudos e pesquisas
sobre as relaes raciais brasileiras.
A maioria dos renomados cientistas sociais brancos dessa rea de estudos e
pesquisas, apesar de reconhecer que h discriminaes raciais contra os negros, sustenta que
as misturas biolgica e cultural brasileiras levaro, no futuro, concretizao do ideal de
democracia racial, uma vez que essas misturas tornam ambguas as fronteiras e classificaes
raciais, produzindo um gradiente de cores/raas e embotando a idia de raa e,
conseqentemente, a prtica do racismo. Em realidade, no subtexto dessa argumentao, ou
latentemente, est, de um lado, a suposio de que a sociedade brasileira no racializada. De
outro lado, h a um dos principais fundamentos para se afirmar que no h racismo no Brasil,
qual seja, a mistura racial brasileira. Esta foi e ainda um dos fortes ingredientes pelo qual se
tenta sustentar o mito da democracia racial brasileira (Cf Hasenbalg, 1979). Conforme o
socilogo Carlos A. Hasenbalg,
um dos componentes do mito racial, tanto na sua verso forte, a brasileira,
como na verso fraca, no resto da Amrica Latina, a reconstruo idlica do
passado escravista. (...) Outro forte ingrediente desse mito racial a
nfase na miscigenao, tida como indicadora de tolerncia racial, e a
apologia da mestiagem (Hasenbalg, 1997: 237, grifo nosso).
E ainda segundo o socilogo Hasenbalg,
a noo de mito para qualificar a democracia racial aqui usada no sentido
de iluso ou engano e destina-se a apontar para a distncia entre
representao e realidade, a existncia de preconceito, discriminao e
desigualdades raciais e sua negao no plano discursivo (Hasenbalg, 1997:
237).
Noo que endossamos e utilizamos nesta tese como sinnimo de ideologia da
democracia racial brasileira.
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Todavia, a proposta de ao afirmativa, por meio do sistema de cotas nos
vestibulares, para os estudantes afro-brasileiros fundamenta-se no princpio de que a
populao negra brasileira discriminada racialmente. Sendo isto um fato concreto, no se
pode negar que a sociedade brasileira utiliza a cor ou a raa (como uma categoria socialmente
construda Cf. Guimares, 2003a e 1999) como critrio de distribuio de bnus e nus
sociais. Portanto, essa uma sociedade tacitamente racializada e racialmente excludente para
os negros. Disso no decorre que se possa negar as misturas defendidas pelos intelectuais que
so contrrios s cotas, mas se exige tambm a mistura no plano sociolgico em sentido
amplo. Ou seja, no sentido de que os negros estejam presentes em todas as esferas, estratos e
espaos, quer sociais, econmicos, tecnoburocrticos, polticos, educacionais, culturais, entre
outros.
Por outro lado, os negros intelectuais que esto frente da implantao e
implementao dessa proposta de ao afirmativa no vem a sociedade brasileira to
ambgua em termos de classificao racial como a maioria dos renomados cientistas sociais
brancos desta rea de estudos e pesquisas, visto que essa sociedade classifica pretos, pardos,
amarelos, brancos e indgenas tanto para inclu-los quanto para exclu-los de seus direitos.
Basta se verificar os dados das desigualdades raciais conforme demonstram Carvalho (2005),
Carvalho e Segato (2002), Cavalleiro (2000a), DIEESE, (1999), DIEESE/IFL-CIO/INSPIR
(1999), Fernandes (1978, 1976 e 1972), Gonalves (1985), Guimares (2002, 1999, 1998 e
1997), Hasenbalg (1996, 1995, 1987 e 1979), Henriques (2002 e 2001), MNU (1988), Paixo
(2006 3 2002), Rosemberg (2000 e 1991), Santos e Silva (2006), Silva (2004, 1999, 1996 e
1987), Silva e Hasenbalg (1992), Soares (2000), Turra e Venturi (1995), entre outros.
Assim, explicita-se tambm uma disputa entre modelos de compreenso e
explicao das relaes raciais brasileiras. Desse modo, os negros intelectuais passam a
questionar profundamente o modelo utilizado por alguns renomados intelectuais brancos desta
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rea de estudos e pesquisas. Mais do que isto, com a defesa da proposta de aes afirmativas
para os estudantes negros ingressarem nas universidades brasileiras, os negros intelectuais
passam a propor tambm um outro modelo de compreenso e explicao das relaes raciais
brasileiras, no qual parte-se do princpio de que esta sociedade racializada. Portanto, um
modelo de compreenso e explicao das relaes raciais brasileiras que, se no pe fim
ideologia da democracia racial vigente no Brasil, a questiona profundamente. Este modelo
implica tambm o questionamento da suposta neutralidade da produo do conhecimento
cientfico na rea de estudos e pesquisas sobre relaes raciais, pois admite-se e exige-se, a
partir dos diagnsticos possibilitados por estudos e pesquisas, que so necessrias
intervenes, especialmente do Estado brasileiro, para que as desigualdades raciais sejam
superadas ou no mnimo reduzidas. Logo, esse um modelo de compreenso e explicao das
relaes raciais que confronta abertamente o modelo defendido pela maioria absoluta dos
renomados cientistas sociais brancos dessa rea de estudos e pesquisas.
A segunda hiptese derivada da hiptese diretriz de que a implementao das
cotas para os negros, indgenas e at mesmo estudantes de escolas pblicas, nos vestibulares
das universidades brasileiras pode possibilitar a formao de uma elite dirigente brasileira
mais heterognea no s entre os quadros intelectuais do pas, mas entre os seus principais
quadros tecnoburocrticos. Estes ltimos no determinam, mas de certa forma condicionam a
elaborao e implementao das polticas pblicas brasileiras. Portanto, so agentes sociais
fundamentais para o destino social de milhes de brasileiros. Ou seja, a generalizao da
poltica afirmativa de cotas raciais, e at mesmo sociais (de classe), no ensino superior
pblico brasileiro poderia desracializar parte das elites intelectuais e burocrticas brasileiras,
tornando-as menos homogneas quanto sua cor/raa e classe social, tanto na academia
quanto nos principais cargos pblicos da burocracia brasileira. Mais do que isto, poderia
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possibilitar mudanas na concepo, distribuio, redistribuio, entre outras mudanas, das
polticas pblicas brasileiras.
Todavia, no processo de verificao das nossas hipteses ou, se se quiser, no
processo de construo de argumentos com grau satisfatrio de plausibilidade dessas,
apareceram dois novos problemas, que no nos furtamos a responder. O primeiro deles, qual
tem sido o papel dos Movimentos Sociais Negros no processo de implementao das aes
afirmativas? Esses movimentos sociais so agentes sociais ativos, protagonistas, ou so
apenas expectadores, agentes que tm papis secundrios nesse processo? Dessa forma,
buscamos conhecer por meio das lutas histricas desses movimentos contra o racismo se
havia significativa reivindicao por educao, visto que suspeitvamos que esta fizesse parte
constante da agenda desses movimentos. Ou seja, suspeitvamos que a bandeira por educao
pblica muito antiga na histria dos Movimentos Sociais Negros e que a luta por essa
poltica pblica pode formar a base para as atuais reivindicaes por aes afirmativas para os
estudantes negros ingress