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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAÇÃO E AÇÕES AFIRMATIVAS Autor: Sales Augusto dos Santos Brasília, 2007

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

    MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAO E AES AFIRMATIVAS

    Autor: Sales Augusto dos Santos

    Braslia, 2007

  • ii

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

    MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAO E AES AFIRMATIVAS

    Autor: Sales Augusto dos Santos

    Tese apresentada ao Departamento de

    Sociologia da Universidade de

    Braslia/UnB como parte dos requisitos

    para a obteno do ttulo de Doutor.

    Braslia, junho de 2007

  • iii

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    TESE DE DOUTORADO:

    MOVIMENTOS NEGROS, EDUCAO E AES AFIRMATIVAS

    Autor: Sales Augusto dos Santos

    Orientador: Professor Doutor Sadi Dal Rosso (UnB)

    Banca: Prof. Doutor Valter Roberto Silvrio(UFSCar)

    Prof. Doutor Jos Jorge de Carvalho (DAN/UnB)

    Prof. Doutor Mrio Thedoro Lisboa (SER/UnB)

    Prof. Doutor Pedro Demo (SOL/UnB)

    Prof. Doutor Arivaldo de Lima Alves (UNEB)

    Braslia, 2007.

  • iv

    ex-domstica e ex-lavadeira de roupas,

    Efignia Diniz dos Santos (in memoriam), minha

    me, e ao ex-operrio da construo civil, Carlos

    Martins dos Santos, meu pai, por tudo que fizeram

    para educar os seus sete filhos.

    Ao meu filho Pedro Odeh R. dos Santos, na

    esperana de um mundo melhor.

    Aos ex-membros da extinta Comisso do

    Negro do Partido dos Trabalhadores do DF com

    quem militei durante bons anos de minha vida:

    Ivonete, Marly, Ceclia, Ana Clia, Nice, Cornlia,

    Joana, Pati, Virgnia, Conrada, Rosana (in

    memoriam), Carmelino, Hrcules, Carlo, Adauto,

    Clio, Reginaldo, Afonso Casco, Cardoso, Wilso

    (in memoriam), Marcos, Lunde, Dudu, Eduardo

    Mariano, Geraldo, Roberto, Henrique, Joo Bosco e

    Weslei.

  • v

    Agradecimentos

    Primeiro, gostaria de dizer que escrevi toda a tese na primeira pessoa do plural,

    mas aqui, nos agradecimentos, vou escrever na primeira pessoa do singular enfatizando-me.

    Segundo, quero fazer um pequeno esclarecimento. Apesar de ter mudado muito o meu

    pensamento desde a finalizao da minha dissertao de mestrado at a presente data, ainda

    compartilho alguns pensamentos com o meu pensar anterior, o que me leva a praticamente

    repetir a estrutura dos agradecimentos que fiz na minha dissertao. Feito isto, vamos aos

    agradecimentos.

    Realizar esta tese, com certeza, no seria possvel sem a solidariedade, a

    cooperao, a colaborao, o estmulo, os apoios material, intelectual, sentimental e espiritual

    de vrias pessoas e algumas instituies. Assim, mais uma vez sou grato a todas as pessoas

    que direta ou indiretamente me ajudaram a realiz-la. E foram vrias pessoas que no posso

    deixar de citar, e espero no esquecer ningum.

    Gostaria de iniciar agradecendo mais uma vez ao povo brasileiro. Foi ele

    (especialmente os brasileiros de mais baixa renda que tm sido marginalizados e excludos

    do ensino pblico superior) que pagou os meus estudos ao me permitir estudar de graa numa

    das melhores universidades pblicas brasileiras sem me exigir nenhuma contrapartida. A esta

    parte da populao brasileira manifesto os mais sinceros agradecimentos. Espero de alguma

    forma dar algum retorno a esta parte da populao que financia pesadamente o ensino pblico

    superior, mas no tem acesso coletivamente a ele. Tambm gostaria de agradecer quelas

    pessoas que geralmente esquecemos ao fazer agradecimentos de nossas teses ou dissertaes.

    E quem so elas seno os nossos amigos de infncia e adolescncia. Todos eles, como as

  • vi

    demais pessoas citadas aqui, contriburam de algum modo na elaborao desta tese e com o

    meu pensar. Mais ainda, o que penso hoje resultado da minha formao acadmica, mas

    tambm da minha interao com os meus amigos de infncia e adolescncia. Alguns deles j

    faleceram, mas a maioria est viva e ainda nos encontramos e mantemos contatos. A vida

    vivida com eles, no meio deles, contra e a favor deles tornou-me o ser que sou e o que no

    sou. Assim, sou grato ao Spock, Pink, Litinho, Zezinho, Vav, Paulo, Canuto, Patinhas,

    Banana, Ferrel, Gum, Takamasa, Moacir, Jnior (Mongo), Divino, Bidu, Nenem, Domiro,

    Fad, Demi, Joo, Joo Galinha, Gariba, Betola, Rubo, Josimar, Alvimar, Manu, Tilebra,

    Boi, Te, Jair, Chiquinho, Demtrio, Diano, Gilmar, Gilberto, Tuca, Genivaldo, Rubens (Ti),

    Vando, Joo Canhoto, Nego Flor, Nego Binha, Nego Teo, Nego Diu, Nego Jel, Bart, Aurio,

    Solnio, Silvano, Touzinha, Wellington, Hugo, Limo, Ricardo Muniz, Pedro, Jaime,

    Pacheco, Cezinha, Cebinha, Fil, Z Lus, Lus Zepellin, Soninha, Lindalva, L, Tetinha,

    Branca, Esterzinha, Cida, Mariinha, Tutica, Miriam, Marcelo, Mariza, Tininha, Penelope,

    Rosngela, Renan, Celita, Janete, entre tantos outros amigos de infncia e adolescncia.

    Tambm sou grato:

    ao meu orientador, Professor Dr. Sadi Dal Rosso, pelo estmulo constante,

    confiana, orientaes, pela prudncia, pela leitura crtica e fecunda desta tese, pacincia,

    apoio e carinho para comigo. E no poderia deixar de agradecer tambm Saida, pela

    gentileza, ternura e carinho. A vocs dois, muito obrigado por tudo;

    aos membros da banca examinadora desta tese, professores Valter Roberto

    Silvrio, Jos Jorge de Carvalho, Mrio Theodoro Lisboa, Pedro Demo e Ari Lima, que

    aceitaram participar desse ritual acadmico;

    ao meu co-orientador, Professor Dr. Luis Ferreira Makl, pelos debates, leituras

    atentas, argies rigorosas mas elegantes, pela amizade, disponibilidade e sacrifcio,

    generosidade e solidariedade;

  • vii

    aos membros do Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UnB,

    professores Nelson Olokof Inocncio, Luis Ferreira Makl, Paula Villas e Dionsio Baro,

    pelos debates, discusses, solidariedade, apoio, lutas incansveis, sorrisos e sonhos;

    a todas as pessoas que ajudaram a localizar os meus entrevistados, os documentos

    e os livros e artigos, ou participaram das vrias entrevistas que realizei para elaborar esta tese,

    bem como s pessoas que contriburam para a realizao das pesquisas contidas aqui e sempre

    me incentivaram e apoiaram: Jos Otvio Praxedes, Cleide de Oliveira Lemos, Ivonete Nunes

    Rodrigues dos Santos, Clia Oliveira Sousa, Llia Charlene, Tatiane Tollentino e os

    pesquisadores da Socius, Lia Maria Santos, Ana Luza Flauzina, Maria das Graas Santos

    (Graa), Vanderlei, Wilsinho, Ivonete Lopes, Ricardo Barbosa, Mrcia Arajo, Dijaci David

    de Oliveira, Tnia Tosta, Tnia Siqueira, Andra Mesquista, Rita Shimabuko, Lunde Braguini

    Jnior, Nilma Bentes, Mnica Oliveira, Carlos Eduardo Pini Leito e Edileuza Penha de

    Souza. Aos professores e professoras Ari Lima, Marly Silveira, Jos Jorge de Carvalho, Rita

    Laura Segato, Valter Roberto Silvrio, Carlos Benedito Rodrigues Silva, Gevanilda Santos,

    Maria Palmira da Silva, Luiza Bairros, Joaze Bernardino, Eliane Borges, Denise Botelho,

    Paulino de Jesus Francisco Cardoso, Ldia Nunes Cunha, Henrique Cunha Junior, Regina

    Pahim Pinto, Petronilha Beatriz Gonalves e Silva, Nilma Lino Gomes, Lus Ferreira Makl,

    Ivanilde Guedes de Mattos, Wilson Roberto de Mattos, Lcia Regina Brito Pereira,

    Alecsandro Jos P. Ratts, Moises Santana, Deborah Silva Santos, Nelson Olokof Inocncio,

    Angela Gilliam, Ivair Augusto Alves dos Santos, Zlia Amador de Deus e Renato Emerson

    dos Santos;

    aos membros do EnegreSer, especialmente Lia Maria Santos e Ana Luza;

    aos funcionrios do Departamento de Sociologia (SOL), especialmente Evaldo

    Amorim, Ablio Maia e Edilva Silva Tavares, pelo apoio constante, pacincia, solidariedade e

    generosidade;

  • viii

    professora Maria Stella Grossi (SOL), pelo apoio e estmulo constante, bem

    como pelos sorriso e carinho sinceros;

    professora Ana Maria Fernandes (CEPPAC), por ter despertado em mim o

    interesse pela ps-graduao, e pelo carinho;

    professora Mireya Surez (CEPPAC), pelo acolhimento, carinho e

    solidariedade. Mas tambm pelos apoios material, espiritual e intelectual, alm dos dilogos e

    debates francos, abertos e profundamente estimulantes;

    professora Angela Gilliam (The Evergreen State College), pelo carinho,

    gentileza, estmulos intelectual e militante;

    aos professores Jos Jorge de Carvalho (DAN) e Rita Laura Segato (DAN), pelos

    debates constantes, francos, sinceros, abertos e profundamente estimulantes; pelos carinho,

    solidariedade, apoio, luta, sorrisos e sonhos.

    aos professores Brasilmar Ferreira Nunes (SOL), Christiane Girard (SOL), Carlos

    Benedito Martins (SOL), Danilo Nolasco (SOL), Lourdes Bandeira (SOL), Arthur T.

    Maranho (SOL), Wivian Weller (FE), pelos apoios e solidariedade;

    aos professores tutores do 2 Concurso Negro e Educao , especialmente s

    professoras Regina Pahim Pinto, Petronilha Beatriz Gonalves e Silva, Iolanda de Oliveira,

    Nilda Alves, Henrique Cunha Junior e Luiz Alberto Gonalves, pelo acolhimento, incentivo,

    apoio e solidariedade. Tambm sou grato ao apoio financeiro desse concurso, que foi

    fundamental para a realizao da minha pesquisa de campo;

    aos meus inesquecveis amigos da ps: Jos Geraldo, Maurcio Fleury, Srgio

    Rosa, Carlos Henrique, Ricardo Barbosa de Lima, Dijaci David de Oliveira, Tnia L. Tosta,

    Tnia Siqueira, Almira Rodrigues, Daniella Naves, Fernanda Bittencourt, Enamar, Berenice,

    Pedro Paulo, Tony e Josenilson Arajo, pelos dilogos, debates, sorrisos e sonhos. Mas

    principalmente pela amizade e companheirismo construdos ao longo dos anos;

  • ix

    aos amigos da Howard University: Edvan Brito, Luis Henrique, Juliana Maria,

    Okezi Otovo e Amelia Otovo, pelo apoio, solidariedade, acolhimento, gentileza e amizade.

    ao Chiquinho, amigo e livreiro atento ao tema;

    aos colegas e amigos do Tribunal Superior do Trabalho, Lzaro Pereira, Agnelo

    Ferreira, Eudes, Antnio Mariano e Joel Alvarenga, pelos incentivo permanente, carinho,

    gentileza, sorrisos, solidariedade e amizade diria; no poderia deixar externar aqui a minha

    gratido ao diretor e ao subdiretor da Coordenadoria onde trabalho, respectivamente, Ricardo

    Alfredo de Sousa e vila e Aldenor Cordeiro Dutra, pelo apoio e incentivo constante.

    Tambm gostaria de agradecer ao Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, pelo carinho e

    apoio. Jamais poderia deixar de agradecer aos amigos Alessandra Costa, Rita Shimabuko e ao

    Joo Carmelino dos Santos Filho, pelo carinho, incentivo permanente, solidariedade,

    companheirismo e amizade sem restries;

    ao Hrcules Ribeiro, pela amizade irrestrita e pelo dilogo sempre fecundo e

    elucidante;

    aos meus irmos e irms, Dalva Aparecida, Jos Carlos, Antonio Martins,

    Francisco de Assis, Maria Efignia e Isabel Cristina dos Santos, pela f e esperana

    depositadas em mim;

    aos meus pais, Efignia Diniz dos Santos (in memoriam) e Carlos Martins dos

    Santos, por tudo;

    ao Pedro Odeh Rodrigues dos Santos, meu filho, pela pacincia, sacrifcio e

    carinho.

  • x

    Resumo

    Nesta tese o autor se prope a discutir por que renomados cientistas sociais da rea de estudos

    e pesquisas sobre as relaes raciais brasileiras brancos em sua maioria absoluta, de acordo

    com a classificao do IBGE , so contra a implementao de cotas para os estudantes

    negros nos vestibulares das universidades pblicas brasileiras. Para responder a essa questo,

    o autor busca sustentar a hiptese de que a poltica de cotas para negros no ensino superior

    pblico brasileiro extrapola o seu objetivo imediato, qual seja, a incluso de estudantes negros

    no ensino pblico superior. Ela tem um potencial transformador para alm da sua funo

    manifesta, na medida em que demonstra para a sociedade brasileira que possvel redistribuir

    polticas pblicas de boa qualidade e, adicionalmente, questionar a ideologia racial brasileira.

    E mais, possibilita se aspirar a mudanas na composio das elites dirigentes brasileiras.

    Todavia, no processo de verificao dessa hiptese apareceram dois novos problemas. O

    primeiro deles, qual tem sido o papel dos Movimentos Sociais Negros (MSN) no processo de

    implementao das aes afirmativas? Para respond-lo buscou-se conhecer se havia

    significativa reivindicao por educao nas lutas desses movimentos. Ou seja, levantou-se a

    hiptese de que a bandeira por educao pblica muito antiga na histria dos MSN e que a

    luta por essa poltica pblica pde formar a base para as atuais reivindicaes por aes

    afirmativas para os estudantes negros ingressarem no ensino pblico superior brasileiro. O

    segundo problema, como ou por que foi possvel a aprovao do sistema de cotas para

    estudantes negros no vestibular da UnB numa conjuntura to adversa e hostil a esse tipo de

    poltica pblica? A resposta a esta ltima questo est imbricada com a resposta questo

    anterior, sobre o papel dos MSN no processo de implementao do sistema de cotas.

    Em suma, esta tese discute o que est sob disputa na sociedade brasileira com a

    implementao da poltica de ao afirmativa de cotas para os estudantes negros ingressarem

    nas universidades pblicas. Conseqentemente, discute tambm a luta dos MSN brasileiros

    por educao pblica de boa qualidade em todos os nveis de ensino, ou seja, do fundamental

    ao superior.

    Palavras-chave: Movimentos Negros, Educao, Ensino Superior, Ao afirmativa, Sistema

    de Cotas.

  • xi

    Abstract

    In this thesis, the author discusses why renowned social scientists on Brazilian racial relations

    studies and research almost all of them white, according to the IBGE (Brazilian Institute of

    Geography and Statistics) classification , are against the implementation of the system of

    quotas for black students at the entrance examination for the Brazilian public universities. To

    answer this question, the author supports the hypothesis that the quota policy for black

    students in Brazilians state and federal universities goes beyond its immediate purpose: to

    promote the inclusion of black people in public higher education. It has a transforming

    potential which exceeds its manifest function as it demonstrates to the Brazilian society that it

    is possible to redistribute quality public policies and to question the Brazilian racial ideology.

    Moreover, it allows the longing for changes in the composition of the Brazilian leading elites.

    However, the process of verification of this hypothesis incited two new problems. The first

    one would be: what has been the role of the Black Social Movements in the process of

    implementation of affirmative actions? To answer such a question, the author investigates if

    there was a significant demand for education in these organizations struggles. In other words,

    it is assumed that there is a long agenda for public education in the history of the Black Social

    Movements and the struggle for this policy forms the basis of the present demands of

    affirmative actions for the admission of black students in Brazilian public universities. The

    second question could be stated as follows: how or why was it possible to approve the quota

    system for black students in the entrance examination for the University of Braslia in such an

    adverse and hostile conjuncture for this type of policy? The answer to this question is linked

    to the answer to the former question on the role of the Black Social Movements in the process

    of implementation of the quota system.

    Briefly, this thesis investigates what underlies the dispute in Brazilian society concerning the

    implementation of the quota affirmative action policy for the admission of black students in

    public universities. Consequently, it also discusses the struggle undertaken by the Brazilian

    Black Social Movements for high quality public education in every level, from primary

    school to higher education.

    Keywords: Black Movements, Education, Higher Education, Affirmative Actions, Quota

    System.

  • xii

    Rsum

    Dans cette thse, lauteur se propose discuter pourquoi des renomms intellectuels des

    sciences sociales du domaine dtudes et recherches sur les rapports raciaux brsiliens

    blancs dans sa majorit absolue, selon la classification de lIBGE , sont contre

    limplmentation de cotes pour les tudiants noirs dans les examens daccs aux universits

    publiques brsiliennes. Pour rpondre cette question, lauteur cherche soutenir lhypothse

    que la politique de cotes pour les noirs dans lenseignement public brsilien extrapole son

    objectif immdiat, quelque soit, linclusion dtudiants noirs dans lenseignement public

    suprieur. Elle a un potentiel transformateur outre sa fonction manifeste la mesure o elle

    dmontre la socit brsilienne quil est possible de redistribuer les politiques publiques de

    bonne qualit et, en plus, questionner lidologie raciale brsilienne. En plus, il permet de

    songer avec des changements dans la composition des lites dirigeantes brsiliennes.

    Cependant, dans le processus de vrification de cette hypothse apparaissent deux nouveaux

    questionnements. Le premier de deux, quel a t le rle des Mouvements Sociaux Noirs dans

    le processus dimplmentation des Actions affirmatives? Pour la rpondre, on a essay de

    connatre sil y avait revendication significative pour lducation dans les luttes de ces

    mouvements. Ou soit, on a mis en question lhypothse que le drapeau pour lducation

    publique est beaucoup plus ancienne dans lhistoire des Mouvements Sociaux Noirs et que la

    lutte pour cette politique publique a pu former la base pour les actuelles revendications par les

    actions affirmatives pour que les tudiants noirs entrent dans lenseignement public suprieur

    brsilien. Le deuxime questionnement, comment ou pourquoi a t possible lapprobation du

    systme de cotes pour les tudiants noirs dans lexamen de UnB dans une conjoncture si

    diverse et hostile ce genre de politique publique? La rponse cette dernire question est

    imbrique avec la rponse la question prcdente, sur le rle des Mouvements Sociaux

    Noirs dans le processus dimplmentation du systme de cotes.

    En substance, cette thse discute ce qui est sous la dispute dans la socit brsilienne avec

    limplmentation de la politique daction affirmative de cotes pour les tudiants noirs accder

    les universits publiques. Par consquent, on dbat aussi la lutte des Mouvements Sociaux

    Noirs brsiliens pour lducation publique de bonne qualit dans tous les niveaux de

    lenseignement, ou soit, du fondamental au suprieur.

    Mots Cls: Mouvements Noirs, Education, Enseignement Suprieur, Action affirmative,

    Systme de Cotes.

  • xiii

    Lista de tabelas

    TABELA 1 EVOLUO DO NMERO DE PESQUISADORES NEGROS PARTICIPANTES DO COPENE ........................ 235 TABELA 2 - DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN SEGUNDO O SEXO ................................................................. 237 TABELA 3 DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN SEGUNDO A ORIGEM SOCIAL ............................................... 238 TABELA 4 TIPO DE ESCOLA ONDE DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN CONCLURAM O ENSINO MDIO ..... 238 TABELA 5 TRABALHOU DURANTE O ENSINO MDIO ........................................................................................... 239 TABELA 6 NVEL DE PS-GRADUAO DOS DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN ........................................ 240 TABELA 7 ESCOLARIDADE DAS MES DOS DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN .......................................... 240 TABELA 8 ESCOLARIDADE DOS PAIS DOS DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN ............................................ 241 TABELA 9 TIPO DE UNIVERSIDADE ONDE DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN CONCLURAM A GRADUAO 241 TABELA 10 TRABALHOU DURANTE A TRAJETRIA ACADMICA ........................................................................ 242 TABELA 11 TIPO DE UNIVERSIDADE ONDE DIRETORES E EX-DIRETORES DA ABPN OBTIVERAM O PRINCIPAL

    TTULO DE PS- GRADUAO ...................................................................................................................... 242 TABELA 12 J FOI OU AINDA MILITANTE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS ............................................... 245 TABELA 13 POPULAO RESIDENTE POR COR OU RAA NO BRASIL, EM 2000 ................................................... 262 TABELA 14 PROFESSORES DA UNB POR COR, SEGUNDO A CLASSIFICAO DO IBGE. ....................................... 262 TABELA 15 PROFESSORES DA UNB POR SEXO ................................................................................................... 262 TABELA 16 PROFESSORES DA UNB POR SEXO SEGUNDO A COR ......................................................................... 264 TABELA 17 PROFESSORES DA UNB POR REA SEGUNDO A COR. ........................................................................ 265 TABELA 18 - PROFESSORES DA UNB POR CATEGORIA .......................................................................................... 266 TABELA 19 PROFESSORES DA UNB POR CATEGORIA SEGUNDO A COR ............................................................... 269 TABELA 20 PASES ONDE OS PROFESSORES DA UNB OBTIVERAM SUA PRINCIPAL TITULAO ........................... 272 TABELA 21 OPINIO DOS PROFESSORES DA UNB SOBRE A EXISTNCIA DE DISCRIMINAO RACIAL CONTRA OS

    NEGROS ( PRETOS E PARDOS) NO BRASIL ................................................................................................... 273 TABELA 22 O BRASIL UM PAS INJUSTO COM OS GRUPOS SOCIALMENTE SEGREGADOS ................................... 274 TABELA 23 ALGUM DIA HAVER IGUALDADE RACIAL NO BRASIL ..................................................................... 275 TABELA 24 CONCORDNCIA COM A IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS PARA PROMOVER O ACESSO

    PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ......................................................................... 277 TABELA 25 MOTIVOS PELOS QUAIS 56,2% DOS PROFESSORES ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE AES

    AFIRMATIVAS PARA PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ....... 279 TABELA 26 MOTIVOS PELOS QUAIS 34,8% DOS PROFESSORES ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE AES

    AFIRMATIVAS PARA PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ....... 280 TABELA 27 TIPOS DE AES AFIRMATIVAS QUE 34,8% DOS PROFESSORES DEFENDIAM PARA PROMOVER O ACESSO

    PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO ............................................................................. 282 TABELA 28 - CONCORDNCIA DOS PROFESSORES COM A IMPLEMENTAO DE RESERVA DE COTAS PARA OS NEGROS

    NO VESTIBULAR DA UNB ............................................................................................................................ 285 TABELA 29 MOTIVOS PELOS QUAIS 28,7% DOS PROFESSORES ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE COTAS

    PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB................................................................................................. 286 TABELA 30 MOTIVOS PELOS QUAIS 61,8% DOS PROFESSORES ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE COTAS

    PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB................................................................................................. 288 TABELA 31 CONCORDNCIA COM A LEI 10.173/2001 ....................................................................................... 292 TABELA 32 CONCORDNCIA COM A APOSENTADORIA MAIS CEDO PARA AS MULHERES ..................................... 293 TABELA 33 CONCORDNCIA COM O USO DA IDADE E DO TEMPO DE SERVIO PBLICO PARA DESEMPATE NOS

    CONCURSOS PBLICOS ................................................................................................................................ 293 TABELA 34 CONCORDNCIA COM A RESERVA DE COTAS PARA OS PORTADORES DE DEFICINCIA FSICA NOS

    CONCURSOS PBLICOS ................................................................................................................................ 294 TABELA 35 CONCORDNCIA DOS PROFESSORES COM A IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS PARA FAVORECER OU

    PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB, SEGUNDO A COR........ 296 TABELA 36 CONCORDNCIA DOS PROFESSORES COM A IMPLEMENTAO DE RESERVA DE COTAS PARA FAVORECER OU

    PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB, SEGUNDO A COR. ............ 298 TABELA 37 DISTRIBUIO DOS PS-GRADUANDOS SEGUNDO CLASSES DE RENDIMENTO MENSAL 2002 ........ 299 TABELA 38 TIPO DE ESCOLA ONDE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM O ENSINO MDIO ........................ 300 TABELA 39 TIPO DE CURSO QUE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM NO ENSINO MDIO .......................... 301 TABELA 40 TURNO EM QUE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM O ENSINO MDIO ............................. 302

  • xiv

    TABELA 41 INSTITUIO DE ENSINO SUPERIOR ONDE OS PS-GRADUANDOS DA UNB ENTREVISTADOS

    CONCLURAM A GRADUAO ...................................................................................................................... 303 TABELA 42 ESCOLARIDADE DAS MES DOS PS-GRADUANDOS DA UNB ENTREVISTADOS ............................... 304 TABELA 43 PS-GRADUANDOS DA UNB POR COR SEGUNDO A CLASSIFICAO DO IBGE ................................. 305 TABELA 44 PS-GRADUANDOS DA UNB POR SEXO ............................................................................................ 315 TABELA 45 PS-GRADUANDOS DA UNB POR SEXO SEGUNDO A COR ................................................................. 316 TABELA 46 PS-GRADUANDOS DA UNB POR REA DO CURSO SEGUNDO A COR ................................................ 318 TABELA 47 DISCENTES DA UNB POR NVEL DE PS-GRADUAO SEGUNDO A COR .......................................... 319 TABELA 48 OPINIO DOS PS-GRADUANDOS DA UNB SOBRE A EXISTNCIA DE DISCRIMINAO RACIAL CONTRA

    OS NEGROS ( PRETOS E PARDOS) NO BRASIL .............................................................................................. 323 TABELA 49 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS DA UNB DE QUE ALGUM DIA HAVER IGUALDADE RACIAL

    NO BRASIL .................................................................................................................................................. 323 TABELA 50 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS DA UNB COM A IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS PARA

    FAVORECER OU PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO .................... 324 TABELA 51 MOTIVOS PELOS QUAIS 55,4% DOS PS-GRADUANDOS ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS

    PARA FAVORECER OU PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB. ............................. 326 TABELA 52 - MOTIVOS PELOS QUAIS 38,6% DOS PS-GRADUANDOS ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE AES AFIRMATIVAS

    PARA FAVORECER OU PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB ................... 328 TABELA 53 - TIPOS DE AES AFIRMATIVAS QUE 38,6% DOS PS-GRADUANDOS DEFENDIAM PARA FAVORECER OU

    PROMOVER O ACESSO PREFERENCIAL DOS NEGROS AOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB ........................ 329 TABELA 54 - CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A IMPLEMENTAO DE RESERVA DE COTAS PARA OS

    NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB ............................................................................................................... 331 TABELA 55 MOTIVOS PELOS QUAIS 25,7% DOS PS-GRADUANDOS ERAM FAVORVEIS IMPLEMENTAO DE

    COTAS PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB. .................................................................................... 332 TABELA 56 MOTIVOS PELOS QUAIS 68,3% DOS PS-GRADUANDOS ERAM CONTRRIOS IMPLEMENTAO DE

    COTAS PARA OS NEGROS NO VESTIBULAR DA UNB. .................................................................................... 333 TABELA 57 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM O USO DA IDADE E DO TEMPO DE SERVIO PBLICO

    PARA DESEMPATE NOS CONCURSOS PBLICOS ............................................................................................ 335 TABELA 58 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A LEI 10.173/2001 ................................................. 335 TABELA 59 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A APOSENTADORIA MAIS CEDO PARA AS MULHERES ............... 336 TABELA 60 CONCORDNCIA DOS PS-GRADUANDOS COM A RESERVA DE COTAS PARA OS PORTADORES DE

    DEFICINCIA FSICA NOS CONCURSOS PBLICOS ......................................................................................... 336 TABELA 61 INSTITUIO DE ENSINO SUPERIOR ONDE OS PS-GRADUANDOS DA UNB CONCLURAM A

    GRADUAO ............................................................................................................................................... 356 TABELA 62 LOCAL DE CONCLUSO DO 2 GRAU (ATUAL ENSINO MDIO) DOS PS-GRADUANDOS, SEGUNDO A COR

    DOS DISCENTES (EM %) ............................................................................................................................... 357 TABELA 63NVEL DE INSTRUO DAS MES DOS PS-GRADUANDOS, SEGUNDO A COR DOS DISCENTES (EM %) 358 TABELA 64 CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SEGUNDO O SEXO ......................................... 491 TABELA 65 OPINIO DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SOBRE APOSENTADORIA MAIS

    CEDO PARA AS MULHERES .......................................................................................................................... 491 TABELA 66 OPINIO DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SOBRE APOSENTADORIA MAIS

    CEDO PARA AS MULHERES SEGUNDO O SEXO DOS CONSULTORES .............................................................. 492 TABELA 67 - CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SEGUNDO A COR ........................................... 492 TABELA 68 CONCORDNCIA DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL COM A PROPOSTA DE

    COTAS PARA NEGROS NOS VESTIBULARES DAS UNIVERSIDADES ................................................................ 493 TABELA 69 CONCORDNCIA DOS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL COM A PROPOSTA DE

    COTAS PARA NEGROS SEGUNDO A COR DOS CONSULTORES ........................................................................ 493 TABELA 70 CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL SEGUNDO O NVEL DE ESCOLARIDADE ......... 495 TABELA 71 TIPO DE UNIVERSIDADE ONDE OS CONSULTORES LEGISLATIVOS DO SENADO FEDERAL CONCLURAM

    A GRADUO .............................................................................................................................................. 496

  • xv

    Lista de abreviaturas e siglas

    IIICMCRDRXIC - III Conferncia Mundial contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e

    Intolerncia Correlata AA - Ao Afirmativa

    ABPN - Associao Brasileira de Pesquisadores Negros

    Acacab - Associao Casa de Arte de Cultura Afro-Brasileira

    ADIN - Ao Direta de Inconstitucionalidade

    AF - Anemia Falciforme

    AFL-CIO - American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations

    AGB - Associao dos Gegrafos Brasileiros

    AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome (ou Sndrome da Imunodeficincia Adquirida)

    ANC - African National Congress

    ANPEd - Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    APN - Agentes de Pastoral Negros

    Atabaque - Centro de Cultura e Teologia Negra

    Banespa - Banco do Estado de So Paulo

    CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CCJ - Comisso de Constituio e Justia

    CEAP - Centro de Articulao de Populaes Marginalizadas

    Cecan - Centro de Cultura e Arte Negra

    Cedenpa - Centro de Estudos e Defesa do Negro do Par

    CEERT - Centro de Estudos das Relaes do Trabalho e Desigualdade

    CEN - Coordenadoria Especial do Negro

    CEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extenso

    CF - Comisso de Finanas

    CLDF - Cmara Legislativa do Distrito Federal

    CLT - CLT - Consolidao das Leis do Trabalho - Decreto-Lei 5.452 de 1 de maio de 1943

    CNE - Conselho Nacional de Educao

    COC - Casa de Oswaldo Cruz

    Codene - Conselho de Participao e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul

    CONE - Coordenadoria dos Assuntos da Populao Negra

    CONFENEN - Confederao Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

    COPENE - Congresso de Pesquisadores Negros Brasileiros

    CTLS - Comisso de Trabalho e Legislao Social

    CUT - Central nica dos Trabalhadores

    DAN (UnB) - Departamento de Antropologia

    DEX - Decanato de Extenso

    DIEESE - Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos

    DST - Doena Sexualmente Transmissvel

    Educafro - Educao e Cidadania para os Afro-descendentes e Carentes

    EnegreSer - Coletivo Negro do DF e Entorno

    ENEN - Encontro Nacional das Entidades Negras

    ENMZ - Executiva Nacional da Marcha Zumbi

    ENSP - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    ESCS/DF - Escola Superior de Cincias da Sade do Distrito Federal

    EUA - Estados Unidos da Amrica

    FCP - Fundao Cultural Palmares

    FEBEM - Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor

  • xvi

    Feconezu - Festival Comunitrio Negro Zumbi

    FFLCH (USP) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    FGV - Fundao GetulioVargas

    Fiocruz - Fundao Oswaldo Cruz

    FNB - Frente Negra Brasileira

    GT - Grupo de Trabalho

    GTEDEO - Grupo de Trabalho para a Eliminao da Discriminao no Emprego e na Ocupao

    GTI - Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizao da Populao Negra

    IBGE - Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IEA - Instituto de Estudos Avanados da USP

    IFCS - Instituto de Filosofia e Cincias Sociais da UFRJ

    INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

    INSPIR - Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial

    INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

    IPCN - Instituto de Pesquisa das Culturas Negras

    IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    Ipeafro - Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros

    ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros

    MABEC - Movimento Afro-Brasileiro de Educao e Cultura

    MDA - Ministrio do Desesnvolvimento Agrrio

    MEC - Ministrio da Educao

    MJ - Ministrio da Justia

    MNU - Movimento Negro Unificado

    MNUCDR - Movimento Negro Unificado Contra a Discriminao Racial

    MP - Medida Provisria

    MSU - Movimento dos Sem Universidade

    MUCDR - Movimento Unificado Contra a Discriminao Racial

    NEAB - Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros

    Neafro (PUC-SP) - Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros

    Neinb (USP) - Ncleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro

    NEN - Ncleo de Estudos do Negro

    OIT - Organizao Internacional do Trabalho

    OMS - Organizao Mundial da Sade

    ONG - Organizao No Governamental

    PCB - Partido Comunista do Brasil

    PDT - Partido Democrtico Trabalhista

    PEC - Proposta de Emenda Constitucional

    PET - Programa Especial de Treinamento

    PFL - Partido da Frente Liberal

    PL - Projeto de Lei

    PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

    PNDH - Plano Nacional de Direitos Humanos

    PPGAS (UnB) - Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social

    PROUNI - Programa Universidade para Todos

    PSD - Partido Social Democrtico

    PT - Partido dos Trabalhadores

    PUC - Pontifcia Universidade Catlica

    PVNC - Pr-Vestibular para Negros e Carentes

    SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

    SCLS - Setor de Comrcio Local Sul

    Sedepron - Secretaria Extraordinria de Defesa e Promoo das Populaes Negras

    Seppir - Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial

    SEPROMI - Secretaria de Promoo da Igualdade

  • xvii

    SESU - Secretaria de Educao Superior

    Sinba - Sociedade de Intercmbio Brasil-frica

    STF - Supremo Tribunal Federal

    STJ - Superior Tribunal de Justia

    TEN - Teatro Experimental do Negro

    TST - Tribunal Superior do Trabalho

    UCLA - Universidade da Califrnia em Los Angeles

    UDN - Unio Democrtica Nacional

    UEA - Universidade do Estado do Amazonas

    UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana

    UEG - Universidade Estadual de Gois

    UEL - Universidade Estadual de Londrina

    UEMG - Universidade do Estado do Estado de Minas Gerais

    UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

    UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense

    UEPB - Universidade Estadual da Paraba

    UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa

    UERGS - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

    UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz

    UEZO - Centro Universitrio Estadual da Zona Oeste do Rio de Janeiro

    UFABC - Universidade Federal do ABC

    UFAL - Universidade Federal de Alagoas

    UFBA - Universidade Federal da Bahia

    UFCE - Universidade Federal do Cear

    UFES - Universidade Federal do Esprito Santo

    UFF - Universidade Federal Fluminense

    UFG - Universidade Federal de Gois

    UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora

    UFMA - Universidade Federal do Maranho

    UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

    UFPA - Universidade Federal do Par

    UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

    UFPI - Universidade Federal do Piau

    UFPR - Universidade Federal do Paran

    UFRA - Universidade Federal Rural da Amaznia

    UFRB - Universidade Federal do Recncavo da Bahia

    UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFSCar - Universidade Federal de So Carlos

    UFT - Universidade Federal do Tocantins

    UnB - Universidade de Braslia

    UNEB - Universidade do Estado da Bahia

    Unemat - Universidade do Estado do Mato Grosso

    Unesco - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura)

    Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

    Unifesp - Universidade Federal de So Paulo

    Unimontes - Universidade Estadual de Montes Claros

    UPE - Universidade do Estado de Pernambuco

    URSS - Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    USP - Universidade de So Paulo

  • xviii

    Sumrio

    AGRADECIMENTOS ......................................................................................................................................... V

    RESUMO .............................................................................................................................................................. X

    ABSTRACT ......................................................................................................................................................... XI

    RSUM ............................................................................................................................................................ XII

    LISTA DE TABELAS ...................................................................................................................................... XIII

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ...................................................................................................... XV

    SUMRIO ...................................................................................................................................................... XVIII

    INTRODUO ................................................................................................................................................... 20

    CAPTULO 1. AS FORMAS DE LUTA DOS AFRO-BRASILEIROS CONTRA O RACISMO AT MEADOS DA DCADA DE SETENTA DO SCULO XX ............................................................................ 48

    1.1. INTRODUO ...................................................................................................................................... 48 1.2. ALGUMAS FORMAS DE LUTA DOS NEGROS CONTRA O RACISMO NO SISTEMA ESCRAVISTA BRASILEIRO ............... 50

    1.2.1. A luta no centro do sistema escravista ....................................................................................................... 50 1.2.2. A luta s margens do sistema escravista .................................................................................................... 56

    1.3. A LUTA DOS AFRO-BRASILEIROS CONTRA O RACISMO NO PS-ESCRAVISMO: 118 ANOS REIVINDICANDO EDUCAO FORMAL .......................................................................................................................................... 63

    1.3.1. Os Movimentos Sociais Negros em So Paulo no incio do sculo XX: a Imprensa Negra e a Frente Negra Brasileira ........................................................................................................................................................ 67 1.3.2. O Teatro Experimental do Negro (TEN): usando o palco como instrumento de alfabetizao da populao negra ................................................................................................................................................................... 87

    CAPTULO 2. A LUTA AFRO-BRASILEIRA NOS LTIMOS 25 ANOS DO SCULO XX ......... 116

    2.1. DCADAS DE 70 E 80: REVIGORAMENTO E EXPANSO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS BRASILEIROS.................................................................................................................................................... 116 2.2. MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS NA DCADA DE NOVENTA DO SCULO XX: EDUCAO E AO AFIRMATIVA .................................................................................................................................................... 161

    CAPTULO 3. INCIO DO SCULO XXI: A CONSOLIDAO DAS LUTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS POR EDUCAO FORMAL ......................................................... 188

    3.1. INCLUINDO A QUESTO RACIAL NA AGENDA POLTICA BRASILEIRA .................................................. 188 3.2. NOVAS FORMAS DE LUTA CONTRA O RACISMO .................................................................................. 217

    3.2.1. As ONGs de cunho racial ........................................................................................................................ 217 3.2.2. De militantes e intelectuais negros a negros intelectuais: a interao da tica da convico anti-racismo com a tica acadmico-cientfica. ............................................................................................................................ 225

    CAPTULO 4. A OPINIO DOS DOCENTES DA UNB SOBRE A IMPLEMENTAO DO SISTEMA DE COTAS NA UNB ...................................................................................................................... 256

    4.1. O PERFIL DOS PROFESSORES E SUA OPINIO SOBRE AES AFIRMATIVAS PARA OS NEGROS INGRESSAREM NOS CURSOS DE GRADUAO DA UNB. .................................................................................... 259

    CAPTULO 5. A OPINIO DOS ALUNOS DE PS-GRADUAO SOBRE A IMPLEMENTAO DO SISTEMA DE COTAS NA UNB ............................................................................................................... 299

    CAPTULO 6. POR QUE AS COTAS FORAM APROVADAS NA UNB, NUMA CONJUNTURA HOSTIL A ESSE TIPO DE POLTICA PBLICA PARA OS NEGROS? ................................................ 363

  • xix

    CAPTULO 7. AES AFIRMATIVAS E A QUEDA DO VU IDEOLGICO .............................. 420

    7.1. AES AFIRMATIVAS: DISCUTINDO O CONCEITO ............................................................................... 424 7.2. O NO-RECONHECIMENTO DO REFERENCIAL TERICO SOBRE AES AFIRMATIVAS ......................... 443 7.3. OS CENRIOS NO FUTURO, MISTURA BIOLGICA E CULTURAL E RACIALIZAO COMO ARGUMENTOS ................... 459 7.4. O QUE EST SOB DISPUTA COM A IMPLEMENTAO DE COTAS NAS UNIVERSIDADES PARA OS NEGROS? ................ 485

    CONCLUSO ................................................................................................................................................... 505

    REFERNCIAS ................................................................................................................................................ 523

    ANEXOS ............................................................................................................................................................ 551

    ANEXO 1: UNIDADES ACADMICAS DA UNB ................................................................................................ 551

  • Introduo

    Esta tese discute o que est sob disputa com a implementao da poltica de ao

    afirmativa de cotas para os estudantes negros ingressarem nas universidades pblicas

    brasileiras. Conseqentemente, discute tambm a luta dos Movimentos Sociais Negros

    brasileiros por educao pblica de boa qualidade em todos os nveis de ensino, ou seja, do

    fundamental ao superior, bem como por que o sistema cotas foi aprovado na UnB numa

    conjuntura to adversa e hostil a esse tipo de ao afirmativa para negros. Mas antes de

    entrarmos no assunto estrito da tese pensamos ser necessrio definir quem so os negros no

    Brasil.

    Aps a introduo do debate sobre aes afirmativas para esse grupo racial, no

    espao pblico brasileiro, em 1995-1996, comeou-se a questionar no Brasil quem so os

    negros brasileiros. Tal indagao foi feita inclusive por intelectuais da rea de estudos e

    pesquisas sobre relaes raciais brasileiras que afirmavam haver discriminao racial no

    Brasil (contra os pretos e pardos ou no-brancos) e que agora no conseguem mais

    identificar o objeto de suas pesquisas (os negros), tornando-se, ao que parece, mopes ou

    crticos acrticos das relaes raciais brasileiras, pois chegam a duvidar da existncia do

    objeto de suas pesquisas aps anos e anos de estudos demonstrando o quanto os negros so

    discriminados racialmente no Brasil. Esses intelectuais criticam e negam a suposta

    democracia racial brasileira, mas no conseguem identificar mais as vtimas do racismo no

    Brasil, conforme analisou Santos (2006).

    Mas enfim, quem so os negros nesta tese? Para ns, como para tcnicos do

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) (Cf. Henriques, 2001; Soares, 2000) e do

  • 21

    Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos (DIEESE) (Cf.

    DIEESE/IFL CIO/INSPIR, 1999), bem como para vrios cientistas sociais ou pesquisadores

    da rea de relaes raciais brasileiras, como Carvalho (2005), Guimares (2002, 1999, 1998 e

    1997), Paixo (2006 e 2002), Santos e Silva (2006), Silvrio (2005, 2003a, 2003, 2002a,

    2002, 2001 e 1999) entre outros, no h diferena significativa em ser classificado como preto

    ou pardo no Brasil em termos de obteno de bnus ou de nus sociais. Ambos os grupos so

    discriminados racialmente com uma intensidade bem semelhante, no tendo o mulato (ou

    pardo) um tratamento privilegiado neste pas conforme afirmava o historiador estadunidense

    Carl Degler (1976).

    Ante esse fato, entendemos ser plausvel agregar as categorias preto e pardo da

    classificao do quesito cor/raa estabelecida pela Fundao Instituto Brasileiro de Geografia

    e Estatstica (IBGE), formando dessa forma a categoria racial negros. Portanto, o motivo

    pelo qual agregamos os pardos e os pretos, formando uma nova categoria de classificao

    racial, os negros, no poltico como visou estabelecer o Movimento Negro Unificado

    (MNU, 1998) ou como tm argumentado criticamente alguns intelectuais, entre os quais

    Fbio Wanderley Reis (1997).

    No temos o objetivo de colocar tinta em ningum, menos ainda de criarmos

    uma identidade negra, como argumentam muitos crticos da implementao de aes

    afirmativas para os negros ingressarem no ensino superior pblico, entre os quais Peter Fry

    (2005). O argumento para associarmos os pardos aos pretos , segundo o nosso entendimento,

    tcnico, visto que estatisticamente no h diferenas raciais significativas entre a situao

    socioeconmica dos pretos e dos pardos conforme indicam as pesquisas sobre desigualdades

    raciais (Cf. DIEESE/IFL-CIO/INSPIR, 1999; Henriques, 2001; Paixo, 2006 e 2002; Santos e

    Silva, 2006; Soares, 2000). Estatisticamente s se percebem diferenas raciais significativas

    quando comparamos esses dois grupos raciais com o grupo racial branco. Isto , de um lado,

  • 22

    pretos e pardos esto muito prximos em termos de obteno ou excluso de direitos

    legtimos e constitucionalmente garantidos e, de outro lado, esto bem distantes dos direitos e

    vantagens auferidos pelos brancos no Brasil. Diante disso juntamos aquelas duas categorias e

    formamos o grupo racial negros, visto que para ns h um denominador comum entre

    pardos e pretos: a discriminao racial que ambos sofrem no plano sociolgico. Ou seja,

    so as dificuldades comuns proporcionadas pelo racismo s populaes pretas e pardas que

    possibilitam e justificam unirmos as categorias preto e pardo da taxonomia racial estabelecida

    pela IBGE, formando o grupo racial negros.

    Definido quem so os negros, pensamos ser necessrio tambm informar qual o

    conceito de raa que estamos utilizando para que no haja mal-entendidos e erros de

    compreenso e anlises sobre a presente tese. O termo raa no deve ser entendido como um

    conceito biolgico que designa tipos humanos distintos fsica e mentalmente, visto que a

    cincia nega esse conceito (Cf. Guimares, 1999). Por conseguinte, raa no uma

    realidade natural, no estabelece hierarquias naturais entre os seres humanos, bem como as

    caractersticas biolgicas de um determinado ser humano no determinam as suas

    caractersticas culturais, sociais, polticas e psicolgicas/intelectuais, entre outras. Assim, no

    existem raas no plural, visto que a

    diversidade gentica no interior dos grupos sociais no difere

    significativamente, em termos estatsticos, daquela encontrada em outros

    grupos distintos. (...) Desse modo, nenhum padro sistemtico de traos

    humanos pode ser atribudo a diferenas biolgicas (Guimares, 1999: 22).

    O que importante ressaltar aqui que o conceito de raa no existe

    biologicamente. No entanto, as pessoas fazem uso de classificaes sociais e raciais no seu

    dia-a-dia. Embora o conceito biolgico de raa tenha sido desconstrudo no incio do sculo

    XX pela prpria cincia que o construiu, esse conceito, ou melhor, a idia de raa j havia

    transcendido a cincia ou o campo cientfico, instaurando-se socialmente. Ela passou a ser

  • 23

    uma idia aceita e reproduzida pelo senso comum, tornando-se uma categoria de uso popular

    muito poderosa. As pessoas passaram a crer que existiam ou existem raas diferentes (como

    por exemplo: a branca, a preta, a parda, a amarela e a indgena, que so as classificaes

    utilizadas oficialmente pelo Estado brasileiro, por meio do IBGE) e, mais do que isso,

    desiguais, at mesmo porque conseguiam fazer uso descritivo dessa palavra valendo-se do

    fentipo das pessoas, entre outras distines reais ou imaginrias.

    O que devemos ressaltar que embora a raa no exista cientificamente ela existe

    socialmente. E s neste sentido, isto , socialmente, que podemos dizer que h raas. Ou

    seja, o termo raa no deve ser entendido como um conceito biolgico que designa espcies

    distintas (ou desiguais) fsica e mentalmente de seres humanos. Raa um termo que deve ser

    entendido aqui como

    um conceito que no corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao

    contrrio, de um conceito que denota to somente uma forma de

    classificao social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos

    sociais, e informada por uma noo especfica de natureza, como algo

    endodeterminado. A realidade das raas limita-se, portanto, ao mundo social.

    (Guimares, 1999: 9).

    A essa definio de Guimares (1999), adendamos que esta classificao social

    tambm pode comportar uma atitude positiva. Por exemplo, no somente os negros podem ser

    classificados como inferiores, como os brancos podem ser classificados como superiores

    numa determinada sociedade e vice-versa. Finalizando, Raa uma construo social e no

    um conceito biolgico ou uma realidade natural (Cf. Guimares, 2003a e 1999).

    Feitos esses prvios esclarecimentos passamos introduo de fato desta tese.

    Passados mais de cem anos da abolio da escravido e mais de vinte anos da

    redemocratizao poltica do Brasil, a populao negra brasileira continuou (e continua)

    sendo discriminada racialmente, marginalizada e excluda dos bnus sociais que este pas tem

    produzido, inclusive de algumas polticas pblicas universais de boa qualidade, como, por

  • 24

    exemplo, o acesso s universidades pblicas brasileiras. Estudos antigos e recentes vm

    comprovando as discriminaes e desigualdades raciais que h muito tempo os Movimentos

    Sociais Negros vm denunciando, conforme se pode observar em Carvalho (2005), Carvalho

    e Segato (2002), Cavalleiro (2000a), DIEESE, (1999), DIEESE/IFL-CIO/INSPIR (1999),

    Fernandes (1978, 1976 e 1972), Gonalves (1985), Guimares (2002, 1999, 1998 e 1997),

    Hasenbalg (1996, 1995, 1987 e 1979), Henriques (2002 e 2001), MNU (1988), Paixo (2006 e

    2002), Rosemberg (2000 e 1991), Santos (2006 e 2005b), Santos e Silva (2006), Silva (2004,

    1999, 1996 e 1987), Silva e Hasenbalg (1992), Soares (2000), Turra e Venturi (1995), entre

    outros.

    Cansados de promessas no realizadas para acabar ou, no mnimo, diminuir as

    desigualdades raciais brasileiras, e decididos a no esperar mais por promessas de melhorias

    no futuro, os Movimentos Sociais Negros brasileiros resolveram realizar, em 20 de novembro

    de 1995, a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, em

    Braslia, capital do Brasil, para reafirmar a luta dos afro-brasileiros contra o racismo, as

    desigualdades raciais e exigir polticas pblicas para os negros. Essa Marcha, simbolizada

    no heri negro Zumbi dos Palmares, morto em combate h trezentos anos, em 1695, lutando

    por liberdade e igualdade racial, foi um sucesso de pblico participante, contando com a

    presena de mais de trinta mil militantes e simpatizantes anti-racistas (Cf. Santos, 2006;

    Cardoso, 2002; ENMZ, 1996).

    Como foi um dos eventos dos movimentos sociais nacionais mais importantes do

    final do sculo passado, os organizadores dessa marcha foram recebidos, nesse mesmo dia,

    pelo ento Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso. Nesse encontro forado,

    mais uma vez as lideranas dos Movimentos Sociais Negros denunciaram ao governo

    brasileiro a discriminao racial, bem como condenaram o racismo contra os negros no Brasil.

    Mais do que isto, os ativistas negros no ficaram apenas nas e com as denncias, eles tambm

  • 25

    entregaram ao chefe de Estado brasileiro o Programa de Superao do Racismo e da

    Desigualdade Racial, que continha vrias propostas de combate ao racismo que mesclavam

    propostas de polticas pblicas universais com polticas valorizativas e polticas especficas

    para a populao negra, entre as quais: a) Recuperao, fortalecimento e ampliao da escola

    pblica, garantia de boa qualidade; b) Implementao da Conveno sobre Eliminao da

    Discriminao Racial no Ensino; c) Monitoramento dos livros didticos, manuais escolares e

    programas educativos controlados pela Unio; d) Desenvolvimento de programas

    permanentes de treinamento de professores e educadores que os habilitem a lidar

    adequadamente com a diversidade racial, identificar as prticas discriminatrias presentes na

    escola e o impacto destas na evaso e repetncia das crianas negras; e) Desenvolvimento de

    programa educacional de emergncia para a eliminao do analfabetismo. Concesso de

    bolsas remuneradas para adolescentes negros de baixa renda para o acesso e concluso do

    primeiro e segundo graus [atuais ensinos fundamental e mdio, respectivamente]; e f)

    Desenvolvimento de aes afirmativas para acesso dos negros aos cursos

    profissionalizantes, universidade e s reas de tecnologia de ponta.

    Em realidade, os Movimentos Sociais Negros comearam a exercer forte impacto

    na vida brasileira a partir da dcada de oitenta do sculo XX (Cf. Andrews, 1998 e 1991),

    quando se iniciou o processo de redemocratizao do Brasil. Esse impacto possibilitou uma

    crescente politizao da questo racial no Brasil, j percebida explicitamente em 1988, ano do

    centenrio da abolio da escravatura, quando o governo do Presidente Jos Sarney quis

    celebrar e afirmar a ideologia da democracia brasileira e os Movimentos Sociais Negros, ao

    contrrio, protestaram enfaticamente contra o racismo neste pas (Cf. Andrews, 1998 e 1991;

    Veja, 1988). Essa politizao no deixou de crescer desde 1978 e a marcha supracitada, bem

    como as propostas dos Movimentos Sociais Negros contra o racismo entregues ao Presidente

  • 26

    da Repblica, em 20 de novembro de 1995, foram outros exemplos concretos dessa crescente

    politizao.

    O governo Fernando Henrique Cardoso no tardou a dar respostas s presses e

    reivindicaes dos Movimentos Sociais Negros. Por exemplo, no dia 20 de novembro de

    1995, ao receber os lderes da Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela

    Cidadania e a Vida, o Presidente da Repblica criou, por meio de Decreto, o Grupo de

    Trabalho Interministerial para a Valorizao da Populao Negra (GTI), que, entre outros

    objetivos, visava discusso, elaborao e implementao de polticas pblicas direcionadas

    populao negra, bem como incluir a questo racial na agenda nacional (Cf. GTI, 1998).

    Outro grupo de trabalho que tambm surgiu em virtude da presso desses movimentos pela

    promoo da igualdade racial no Brasil foi o Grupo de Trabalho para a Eliminao da

    Discriminao no Emprego e na Ocupao (GTEDEO), criado por meio de outro Decreto, de

    20 de maro de 1996, no mbito do Ministrio do Trabalho.

    A criao desses grupos de trabalho, entre outros fatores, possibilitou o incio da

    discusso da questo racial e, conseqentemente, das desigualdades raciais brasileiras, no

    interior do poder executivo, bem como possibilitou o incio da discusso sobre a necessidade

    de polticas pblicas para acabar com essas desigualdades. Desse modo, e como uma das

    respostas do governo brasileiro da poca s presses dos Movimentos Sociais Negros, o

    governo federal, por meio da Secretaria dos Direitos da Cidadania do Ministrio da Justia,

    realizou em julho de 1996, no campus da Universidade de Braslia (UnB), o seminrio

    internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da ao afirmativa nos Estados

    democrticos contemporneos. Esse evento tambm contou com a participao do Presidente

    da Repblica. Visava-se a debater o racismo no pas, bem como pensar a formulao de

    polticas pblicas de combate discriminao e desigualdade raciais, entre as quais polticas

    de aes afirmativas (Cf. Souza, 1997).

  • 27

    Mas as respostas s presses dos Movimentos Sociais Negros por igualdade racial

    de direito e de fato j podiam ser vistas antes desse seminrio, quando do lanamento do

    Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 13 de maio de 1996. Muito do que

    constava em termos de propostas de aes afirmativas no PNDH para beneficiar os negros era

    praticamente uma cpia das propostas dos Movimentos Sociais Negros que estavam no

    Programa de Superao do Racismo e da Desigualdade Racial (PSRDR), que havia sido

    entregue ao ento Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de novembro de 1995, pelas

    lideranas negras. Por exemplo, a proposta de ao afirmativa para os negros terem acesso

    educao superior e ao ensino profissionalizante do PNDH praticamente uma transcrio

    textual do que est escrito na ltima reivindicao do item Educao, do PSRDR.

    Entendemos que tais fatos ou acontecimentos demonstram o impacto das presses

    dos Movimentos Sociais Negros por igualdade racial e fim do racismo, tanto no governo

    como na vida dos brasileiros. Demonstram tambm o quanto a educao tem sido

    reivindicada pelos Movimentos Sociais Negros e o quanto ela um valor para esses

    movimentos, visto que foram eles que comearam a exigir educao pblica de boa qualidade

    em todos os nveis de ensino, bem como a fazer constar da agenda poltica do Estado

    brasileiro a necessidade de incluso dos negros no ensino superior pblico por meio de aes

    afirmativas.

    Todavia, e ao que tudo indica, a incluso da questo racial brasileira na agenda

    poltica nacional s se consolidou aps a III Conferncia Mundial contra o Racismo,

    Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia Correlata, realizada de 30 de agosto a 7 de

    setembro de 2001, na cidade sul-africana de Durban (Cf. Santos, 2005b). As lutas e as

    presses internas dos Movimentos Sociais Negros brasileiros por igualdade racial e fim do

    racismo, associadas conjuntura internacional de luta contra o racismo manifestada nessa

    conferncia, fortaleceram, no Brasil, as discusses sobre a necessidade de implementao de

  • 28

    aes afirmativas para os negros terem acesso preferencial ao ensino superior pblico. Assim,

    a questo racial foi includa nas agendas e propostas de vrios candidatos a Presidente da

    Repblica, em 2002 (Cf. Santos, 2005b).

    O Presidente eleito na poca, Luiz Incio Lula da Silva, aps investir-se no cargo

    de Presidente da Repblica brasileira, criou, em 21 de maro de 2003, a Secretaria Especial de

    Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir). No discurso de instalao da Seppir, o

    Presidente Lula ratificou oficialmente o que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso

    (1995-2002) j havia explicitado, em julho de 1996, no seminrio internacional

    Multiculturalismo e racismo: o papel da ao afirmativa nos Estados democrticos

    contemporneos. O Presidente Lula tambm reconheceu oficialmente que h discriminaes

    raciais contra os negros no Brasil. Desse modo o Presidente Luiz Incio Lula da Silva deu

    continuidade ao rompimento com o antigo discurso oficial de que o Brasil uma democracia

    racial.

    Por outro lado, sob presso dos Movimentos Sociais Negros o Presidente Lula no

    s criou a Seppir, como tambm enviou ao Congresso Nacional brasileiro o Projeto de Lei n

    3.627, de 20 de maio de 2004, que institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para

    estudantes egressos de escolas pblicas, em especial negros e indgenas, nas instituies

    pblicas federais de educao superior e d outras providncias. Esse projeto e outros

    projetos correlatos esto tramitando no Congresso Nacional e tm sido motivo de grandes

    discusses, debates e disputas acadmico-polticas (Cf. Folha de S. Paulo, de 4 de julho de

    2006), visando a sua aprovao ou rejeio. Como se ver nesta tese, a proposta de reserva de

    vagas para estudantes negros nos vestibulares das universidades federais brasileiras (proposta

    originria dos Movimentos Sociais Negros que foi endossada pelo governo federal), de um

    lado, tem sido apoiada e defendida pelos negros intelectuais filiados Associao Brasileira

    de Pesquisadores Negros (ABPN) e, de outro lado, ela tem sido rejeitada pela maioria

  • 29

    absoluta dos intelectuais brancos da rea de estudos e pesquisas sobre relaes raciais

    brasileiras.

    Em realidade, antes mesmo da aprovao ou rejeio no Congresso Nacional

    brasileiro do Projeto de Lei n 3.627, de 20 de maio de 2004, que institui as cotas para

    estudantes de escolas pblicas, bem como para os estudantes negros e indgenas, 33

    universidades pblicas brasileiras dezoito estaduais e quinze federais j aprovaram e

    implementaram ou esto em fase de implementao do sistema de cotas nos seus vestibulares

    para esses grupos scio-tnico-raciais. Algo que os intelectuais mais otimistas da rea de

    estudos e pesquisas sobre relaes raciais, e favorveis s cotas para negros, no imaginavam

    que iria acontecer em menos de dez anos aps o seminrio supracitado. Segundo o professor

    Antnio Srgio A. Guimares

    Em julho de 1996, durante o governo Fernando Henrique, quando o

    Ministrio da Justia reuniu, em Braslia, um grupo de intelectuais

    brasileiros e norte-americanos, lideranas e ativistas negros, para discutir

    Aes afirmativas e multiculturalismo (Souza, 1997), ningum

    acreditava que, em pouco mais de cinco anos, seria implementada a

    primeira reserva de vagas para negros numa universidade pblica e

    que, antes de completar o dcimo aniversrio daquele evento, tal poltica

    fosse se transformar numa diretriz do Ministrio da Educao. Parecia a

    todos ns, participantes daquela reunio, aos que defendiam ou se opunham

    s aes afirmativas para negros, que o seminrio fora convocado

    simplesmente para dar uma satisfao e transmitir uma sensao de incluso

    militncia negra, bastante ativa quela altura nos fruns partidrios, em

    alguns escales do governo federal e muito bem articulada

    internacionalmente rede de ONGs de advocacia civil e luta pelos direitos

    humanos. Era essa a impresso que me ficou das apresentaes e debates que

    travvamos no plenrio e das opinies que trocvamos fora dele, no saguo

    ou restaurante do hotel, ou na van que nos conduzia do local do seminrio

    para o hotel, ou vice-versa (Guimares, 2005: 1, grifo nosso).

    Ao que tudo indica, havia, de um lado, uma descrena da e na atuao e fora

    polticas dos Movimentos Sociais Negros por parte dos intelectuais que apoiavam as aes

    afirmativas para o ingresso de estudantes negros nas universidades pblicas brasileiras e, de

    outro lado, uma desconsiderao a essa atuao e fora de parte significativa dos intelectuais

  • 30

    que se opunham a esse tipo de poltica pblica. Conforme declararam os antroplogos

    Yvonne Maggie e Peter Fry (2004: 68-69, grifo nosso), que so contrrios ao sistema de cotas

    para negros nos vestibulares das universidades pblicas brasileiras, eles mesmo subestimaram

    o avano em certas reas-chave e foram surpreendidos.

    Ao desconsiderarem os Movimentos Sociais Negros como agentes sociais

    importantes no espao pblico brasileiro, os intelectuais que so contrrios s cotas no os

    estudaram, pesquisaram nem analisaram a atuao e fora polticas desses movimentos,

    especialmente a ao acadmico-poltica dos negros intelectuais no e para o processo de

    implementao de aes afirmativas para os estudantes negros ingressarem nas universidades

    pblicas, como se ver nesta tese. Assim, os Movimentos Sociais Negros, por meio dos seus

    intelectuais orgnicos (os negros intelectuais), se articularam externamente e atuaram latente e

    manifestamente no interior de vrias universidades pblicas, tecendo redes acadmico-

    intelectuais de apoio s aes afirmativas para os estudantes negros ingressarem nessas

    universidades. Desse modo, conquistaram aliados e convenceram das mais variadas formas

    outros tantos acadmicos, sensibilizaram coraes e mentes, mesmo que momentaneamente,

    em prol das polticas de cotas. Mudando e alinhando marcos em prol da incluso nas

    universidades pblicas de estudantes negros, indgenas, entre outros grupos sociais brasileiros,

    inicia-se assim o processo de implementao do sistema de cotas nessas universidades.

    At fevereiro de 2007, trinta e trs universidades pblicas j haviam aprovado o

    sistema de cotas em seus vestibulares1. Algumas aprovaram cotas somente para estudantes de

    escolas pblicas, outras somente para indgenas, outras somente para os negros (pretos e

    pardos) e outras para todas essas categorias de alunos simultaneamente. Por exemplo, a

    1 A informao sobre a quantidade de universidades pblicas federais e estaduais que aprovaram e

    implementaram ou vo implementar o sistema de reserva de vagas em seus vestibulares para estudandes negros,

    indgenas, de escolas pblicas e portadores de deficincia fsica nos foi fornecida pela professora Deborah Silva

    Santos, Consultora para Gnero e Raa da UNESCO, que at fevereiro de 2007 era assessora na Secretaria de

    Educao Superior (SESU), do Ministrio da Educao (MEC), a quem somos muito grato. Vide tambm

    Silvrio (2005).

  • 31

    Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade do Estado do Mato Grosso

    (UNEMAT), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e a Universidade Federal do Par

    (UFPA) aprovaram cotas somente para os estudantes negros. A Universidade Estadual de

    Mato Grosso do Sul (UEMS), a Universidade Braslia (UnB) e a Universidade Federal de So

    Paulo (UNIFESP) aprovaram cotas para estudantes negros e indgenas. A Universidade

    Federal do Tocantins (UFT) aprovou cotas somente para estudantes indgenas. A

    Universidade do Estado do Amazonas (UEA) aprovou cotas para estudantes indgenas e

    alunos de escolas pblicas. A Escola Superior de Cincias da Sade do Distrito Federal

    (ESCS/DF), a Universidade do Estado de Pernambuco (UPE), a Universidade Estadual do Rio

    Grande do Sul (UERGS), a Universidade Estadual da Paraba (UEPB), a Universidade

    Federal do Piau (UFPI) e a Universidade Federal Rural da Amaznia (UFRA) aprovaram

    cotas somente para alunos que estudaram em escolas pblicas. A Universidade Estadual de

    Londrina (UEL), a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a Universidade Federal

    do ABC (UFABC), a Universidade Federal do Maranho (UFMA) e a Universidade Federal

    de So Carlos (UFSCar) aprovaram cotas para estudantes negros e de escolas pblicas. A

    Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a Universidade Estadual de Santa Cruz

    (UESC), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal de Juiz de Fora

    (UFJF), a Universidade Federal do Recncavo da Bahia (UFRB) e a Universidade Federal do

    Esprito Santo (UFES) aprovaram cotas para estudantes negros, indgenas e de escolas

    pblicas. Finalmente, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade do

    Estado do Estado de Minas Gerais (UEMG), a Universidade Estadual de Montes Claros

    (UNIMONTES), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), o Centro

    Universitrio Estadual da Zona Oeste (UEZO) do Rio de Janeiro, a Universidade Estadual de

    Gois (UEG) e a Universidade Federal do Paran (UFPR) aprovaram cotas para estudandes

    negros, indgenas, de escolas pblicas e portadores de deficincia fsica (Cf. Santos, 2007a).

  • 32

    A Universidade de Braslia (UnB) foi no s a primeira instituio federal de

    ensino superior brasileira onde se comeou a discutir polticas de ao afirmativa para negros,

    quando hospedou o seminrio internacional Multiculturalismo e racismo: o papel da ao

    afirmativa nos Estados democrticos contemporneos, em julho de 1996, como tambm foi a

    primeira instituio federal de ensino superior brasileira a aprovar o sistema de cotas para

    negros em seu vestibular, em 6 de junho de 2003, como se ver nesta tese. Desse modo, serviu

    como modelo inspirador e incentivador para aprovao desse tipo de poltica de ao

    afirmativa em outras universidades federais. Conforme o ento Secretrio de Educao

    Superior do Ministrio da Educao (MEC), treze universidades brasileiras tinham

    implementado o sistema de cotas raciais at a data 20 de novembro de 2004 (Cf. Maculan,

    2004). No ano seguinte, 2005, esse nmero aumentou. Segundo o pesquisador e professor

    Valter Roberto Silvrio (2005:148-149), sete universidades federais e nove universidades

    estaduais haviam implementado o sistema de reserva de vagas para negros e indgenas, at

    setembro de 2005. Por outro lado, de setembro de 2005 a agosto de 2006 o nmero de

    universidades que aprovaram o sistema de cotas j havia aumentado significativamente.

    Segundo o caderno informativo do seminrio Experincias de Polticas Afirmativas para

    Incluso Racial no Ensino Superior, realizado nos dias 21 e 22 de agosto de 2006, na

    Universidade de Braslia, at essa data, agosto de 2006, j havia 22 instituies pblicas de

    ensino superior (estaduais e federais) com reserva de vagas socioeconmicas e tnico-raciais

    para alunos de escolas pblicas, negros e indgenas (UnB, 2006b: 11). Hoje, como foi visto

    acima, j so 33 as universidades pblicas brasileiras que implementaram cotas scio-tnico-

    raciais (Cf. Santos, 2007a).

    Porm, antes e aps aprovar este tipo de poltica pblica a UnB e as demais

    universidades pblicas que a implementaram foram e continuam sendo duramente criticadas

    por intelectuais de todas a reas de pesquisa e estudo, por formadores de opinio, autoridades

  • 33

    pblicas, polticos, pela grande imprensa escrita e televisiva, entre outros indivduos, grupos e

    instituies sociais que tm voz ativa no espao pblico brasileiro, em especial, a maioria

    absoluta de intelectuais e pesquisadores brancos da rea de estudos e pesquisas sobre as

    relaes raciais brasileiras.

    E aqui entramos no problema de pesquisa abordado nesta tese, qual seja, por que

    renomados cientistas sociais da rea de estudos e pesquisas sobre as relaes raciais

    brasileiras, em sua maioria absoluta classificados como brancos de acordo com a

    classificao do IBGE, so contra a implementao de cotas para os estudantes negros

    nos vestibulares das universidades pblicas brasileiras? Ou ainda, o que est sob disputa

    com a implementao dessa poltica de ao afirmativa para os estudantes negros

    ingressarem nas universidades pblicas brasileiras?

    Aparentemente a pergunta parece no fazer sentido, visto que intelectuais

    renomados como Peter Fry, Yvonne Maggie, Lilia Schwarcz, Marcos Chor Maio, Ricardo

    Ventura Santos, Clia Maria Marinho de Azevedo, Monica Grin, entre outros, j teriam

    apresentado seus argumentos contra o sistema cotas para negros nos vestibulares das

    universidades pblicas, quanto se manifestam sobre este tipo de poltica de ao afirmativa.

    Tais argumentos seriam: a) implementao de cotas para os negros nos vestibulares das

    universidades pblicas inconstitucional, pois implica a quebra da igualdade de todos perante

    a lei, conforme estabelece a Constituio Brasileira; b) a sociedade brasileira misturada

    cultural e biologicamente, tornando a sua classificao racial ambgua, o que impossibilitaria

    saber quem negro e quem branco; c) sustenta-se tambm, que o mrito individual deve

    prevalecer no processo de seleo para ingresso nas universidades, bem como as cotas geraro

    uma excluso de pobres qualificados, visto que privilegia a classe mdia negra; d) que ser

    uma discriminao contra os brancos pobres, bem como a criao de privilgios para os

    negros. Mais ainda, que a implementao das cotas: e) levar racializao da sociedade

  • 34

    brasileira; f) implicar a criao de tenses raciais; g) aumentar o preconceito racial contra

    os prprios negros; h) que as cotas no resolvem o problema da excluso dos negros do

    ensino superior; i) que a questo econmica, ou seja, que a excluso dos negros do ensino

    superior se deve ao fato de os negros serem em geral de baixa renda e no poderem pagar

    ensino de boa qualidade; j) conseqentemente, afirma-se tambm que o problema a falta de

    ensino pblico (fundamental e mdio) de qualidade no Brasil. Ou seja, considera-se que o

    no-ingresso dos negros nas universidades pblicas deve-se falta de ensino pblico de

    qualidade no Brasil e no discriminao racial; h) argumenta-se tambm que as polticas de

    ao afirmativa para negros uma cpia de uma poltica pblica estadunidense que no faz

    sentido em nossa sociedade, entre outros argumentos.

    Pensamos que os argumentos supracitados no explicavam de maneira

    convincente ou satisfatria a oposio intransigente s cotas para os negros, manifestada por

    esses intelectuais, at mesmo porque esses intelectuais no discordavam de que os negros so

    discriminados racialmente no Brasil. Ora essa concordncia o que fundamenta a necessidade

    de implementao de aes afirmativas (Cf. Gomes, 2001, 2002 e 2005; Guimares, 1997;

    Medeiros, 2005 e 2004; Santos, 2002, 2003 e 2005b; Silva, 2001; Silvrio; 2002, 2005 e

    2006; e Wedderburn, 2005). Desse modo, os seus argumentos nos pareciam frgeis uma vez

    que eram e (ainda so) fundamentados mais em argumentos de autoridade que na autoridade

    do argumento (Cf. Demo, 2005), como ficou demonstrado e se ver, especialmente, nos

    captulos 4 e 5 desta tese.

    A nossa primeira hiptese para responder questo supracitada era de que esses

    intelectuais eram contra as cotas para os negros porque essas implicavam, mantendo-se o

    mesmo nmero de vagas nas universidades, necessariamente uma redistribuio de vagas das

    universidades pblicas, que historicamente tm sido apropriadas pelos brasileiros mais ricos.

    Tal redistribuio implicaria um confronto de cunho poltico (Cf. Demo, 2003) e, por isso,

  • 35

    explicitava-se uma certa intransigncia desses renomados intelectuais brancos da rea de

    estudos e pesquisas sobre relaes raciais brasileiras, que so contra as cotas. A priori esta era

    a hiptese mais plausvel se vssemos esses intelectuais como defensores do status quo, uma

    vez que, conhecedores e conscientes da excluso dos estudantes negros das universidades

    pblicas, bem como dos estudantes pobres (independentemente das suas cores/raas), at

    ento esses intelectuais no tinham apresentado nenhuma proposta concreta de incluso de

    parte da populao negra no ensino superior pblico ou mesmo de parte da populao de

    baixa renda sem distino de cor/raa.

    Porm, essa era uma hiptese que responderia de forma limitada ao nosso

    problema de pesquisa se no a associssemos a outras, que, em conjunto ou interconectadas

    forneceriam uma explicao mais plausvel para o mesmo. Assim, levantamos outra hiptese,

    esta considerada diretriz, de que a poltica de cotas para negros no ensino pblico brasileiro

    superior extrapola o seu objetivo imediato, qual seja, a incluso de estudantes negros no

    ensino pblico superior, e tem um potencial transformador para alm da sua funo manifesta,

    na medida em que demonstra para a sociedade brasileira como um todo que possvel no s

    redistribuir polticas pblicas de boa qualidade, como tambm questionar profundamente a

    ideologia racial brasileira, bem como possibilita aspirar-se a mudanas na composio das

    elites estatais dirigentes brasileiras.

    Desta hiptese diretriz derivamos duas outras hipteses. Na primeira, sustenta-se

    que com a implementao do sistema de cotas para negros nos vestibulares das universidades

    pblicas, o que est em questo para os cientistas sociais contrrios a esse tipo de ao

    afirmativa no somente o acesso diferenciado para negros ao ensino superior pblico, mas,

    tambm, o questionamento do modelo hegemnico de compreenso e explicao das relaes

    raciais brasileiras. Ou seja, a implementao das cotas implica uma luta terico-racial entre

  • 36

    negros intelectuais e alguns renomados intelectuais brancos da rea de estudos e pesquisas

    sobre as relaes raciais brasileiras.

    A maioria dos renomados cientistas sociais brancos dessa rea de estudos e

    pesquisas, apesar de reconhecer que h discriminaes raciais contra os negros, sustenta que

    as misturas biolgica e cultural brasileiras levaro, no futuro, concretizao do ideal de

    democracia racial, uma vez que essas misturas tornam ambguas as fronteiras e classificaes

    raciais, produzindo um gradiente de cores/raas e embotando a idia de raa e,

    conseqentemente, a prtica do racismo. Em realidade, no subtexto dessa argumentao, ou

    latentemente, est, de um lado, a suposio de que a sociedade brasileira no racializada. De

    outro lado, h a um dos principais fundamentos para se afirmar que no h racismo no Brasil,

    qual seja, a mistura racial brasileira. Esta foi e ainda um dos fortes ingredientes pelo qual se

    tenta sustentar o mito da democracia racial brasileira (Cf Hasenbalg, 1979). Conforme o

    socilogo Carlos A. Hasenbalg,

    um dos componentes do mito racial, tanto na sua verso forte, a brasileira,

    como na verso fraca, no resto da Amrica Latina, a reconstruo idlica do

    passado escravista. (...) Outro forte ingrediente desse mito racial a

    nfase na miscigenao, tida como indicadora de tolerncia racial, e a

    apologia da mestiagem (Hasenbalg, 1997: 237, grifo nosso).

    E ainda segundo o socilogo Hasenbalg,

    a noo de mito para qualificar a democracia racial aqui usada no sentido

    de iluso ou engano e destina-se a apontar para a distncia entre

    representao e realidade, a existncia de preconceito, discriminao e

    desigualdades raciais e sua negao no plano discursivo (Hasenbalg, 1997:

    237).

    Noo que endossamos e utilizamos nesta tese como sinnimo de ideologia da

    democracia racial brasileira.

  • 37

    Todavia, a proposta de ao afirmativa, por meio do sistema de cotas nos

    vestibulares, para os estudantes afro-brasileiros fundamenta-se no princpio de que a

    populao negra brasileira discriminada racialmente. Sendo isto um fato concreto, no se

    pode negar que a sociedade brasileira utiliza a cor ou a raa (como uma categoria socialmente

    construda Cf. Guimares, 2003a e 1999) como critrio de distribuio de bnus e nus

    sociais. Portanto, essa uma sociedade tacitamente racializada e racialmente excludente para

    os negros. Disso no decorre que se possa negar as misturas defendidas pelos intelectuais que

    so contrrios s cotas, mas se exige tambm a mistura no plano sociolgico em sentido

    amplo. Ou seja, no sentido de que os negros estejam presentes em todas as esferas, estratos e

    espaos, quer sociais, econmicos, tecnoburocrticos, polticos, educacionais, culturais, entre

    outros.

    Por outro lado, os negros intelectuais que esto frente da implantao e

    implementao dessa proposta de ao afirmativa no vem a sociedade brasileira to

    ambgua em termos de classificao racial como a maioria dos renomados cientistas sociais

    brancos desta rea de estudos e pesquisas, visto que essa sociedade classifica pretos, pardos,

    amarelos, brancos e indgenas tanto para inclu-los quanto para exclu-los de seus direitos.

    Basta se verificar os dados das desigualdades raciais conforme demonstram Carvalho (2005),

    Carvalho e Segato (2002), Cavalleiro (2000a), DIEESE, (1999), DIEESE/IFL-CIO/INSPIR

    (1999), Fernandes (1978, 1976 e 1972), Gonalves (1985), Guimares (2002, 1999, 1998 e

    1997), Hasenbalg (1996, 1995, 1987 e 1979), Henriques (2002 e 2001), MNU (1988), Paixo

    (2006 3 2002), Rosemberg (2000 e 1991), Santos e Silva (2006), Silva (2004, 1999, 1996 e

    1987), Silva e Hasenbalg (1992), Soares (2000), Turra e Venturi (1995), entre outros.

    Assim, explicita-se tambm uma disputa entre modelos de compreenso e

    explicao das relaes raciais brasileiras. Desse modo, os negros intelectuais passam a

    questionar profundamente o modelo utilizado por alguns renomados intelectuais brancos desta

  • 38

    rea de estudos e pesquisas. Mais do que isto, com a defesa da proposta de aes afirmativas

    para os estudantes negros ingressarem nas universidades brasileiras, os negros intelectuais

    passam a propor tambm um outro modelo de compreenso e explicao das relaes raciais

    brasileiras, no qual parte-se do princpio de que esta sociedade racializada. Portanto, um

    modelo de compreenso e explicao das relaes raciais brasileiras que, se no pe fim

    ideologia da democracia racial vigente no Brasil, a questiona profundamente. Este modelo

    implica tambm o questionamento da suposta neutralidade da produo do conhecimento

    cientfico na rea de estudos e pesquisas sobre relaes raciais, pois admite-se e exige-se, a

    partir dos diagnsticos possibilitados por estudos e pesquisas, que so necessrias

    intervenes, especialmente do Estado brasileiro, para que as desigualdades raciais sejam

    superadas ou no mnimo reduzidas. Logo, esse um modelo de compreenso e explicao das

    relaes raciais que confronta abertamente o modelo defendido pela maioria absoluta dos

    renomados cientistas sociais brancos dessa rea de estudos e pesquisas.

    A segunda hiptese derivada da hiptese diretriz de que a implementao das

    cotas para os negros, indgenas e at mesmo estudantes de escolas pblicas, nos vestibulares

    das universidades brasileiras pode possibilitar a formao de uma elite dirigente brasileira

    mais heterognea no s entre os quadros intelectuais do pas, mas entre os seus principais

    quadros tecnoburocrticos. Estes ltimos no determinam, mas de certa forma condicionam a

    elaborao e implementao das polticas pblicas brasileiras. Portanto, so agentes sociais

    fundamentais para o destino social de milhes de brasileiros. Ou seja, a generalizao da

    poltica afirmativa de cotas raciais, e at mesmo sociais (de classe), no ensino superior

    pblico brasileiro poderia desracializar parte das elites intelectuais e burocrticas brasileiras,

    tornando-as menos homogneas quanto sua cor/raa e classe social, tanto na academia

    quanto nos principais cargos pblicos da burocracia brasileira. Mais do que isto, poderia

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    possibilitar mudanas na concepo, distribuio, redistribuio, entre outras mudanas, das

    polticas pblicas brasileiras.

    Todavia, no processo de verificao das nossas hipteses ou, se se quiser, no

    processo de construo de argumentos com grau satisfatrio de plausibilidade dessas,

    apareceram dois novos problemas, que no nos furtamos a responder. O primeiro deles, qual

    tem sido o papel dos Movimentos Sociais Negros no processo de implementao das aes

    afirmativas? Esses movimentos sociais so agentes sociais ativos, protagonistas, ou so

    apenas expectadores, agentes que tm papis secundrios nesse processo? Dessa forma,

    buscamos conhecer por meio das lutas histricas desses movimentos contra o racismo se

    havia significativa reivindicao por educao, visto que suspeitvamos que esta fizesse parte

    constante da agenda desses movimentos. Ou seja, suspeitvamos que a bandeira por educao

    pblica muito antiga na histria dos Movimentos Sociais Negros e que a luta por essa

    poltica pblica pode formar a base para as atuais reivindicaes por aes afirmativas para os

    estudantes negros ingress