Tese - Sandra Cardoso

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  • 7/26/2019 Tese - Sandra Cardoso

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    SANDRA PAULA DUARTE CARDOSO

    CAUSAS DE RENNCIA DE CES E GATOS NOS

    CONCELHOS DE CASCAIS E SINTRA

    Orientador:Professor Doutor Pedro FascaCo-Orientador:Mestre Gonalo da Graa Pereira

    Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    Faculdade de Medicina Veterinria

    Lisboa2013

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    SANDRA PAULA DUARTE CARDOSO

    CAUSAS DE RENNCIA DE CES E GATOS NOS

    CONCELHOS DE CASCAIS E SINTRA

    Dissertao apresentada para a obteno do Grau deMestre em Medicina Veterinria no curso de MestradoIntegrado em Medicina Veterinria conferido pelaUniversidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias.

    Orientador: Professor Doutor Pedro FascaCo-Orientador: Mestre Gonalo da Graa Pereira

    Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    Faculdade de Medicina Veterinria

    Lisboa2013

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    EPGRAFE

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    DEDICATRIA

    Aos animais que sofrem sozinhos nas

    ruas, com fome, com medo, com sede,com dores... s mes que veem as suascrias padecerem aos seus olhos, sem quenada possam fazer, sem perceber

    porqu...Aos animais que um dia tiveram umacasa, amarras a um humano, e que soabandonados nas ruas, nos centros derecolha oficiais, e sozinhos antes deencontrar a morte, pensam... porqu? quefiz eu? onde errei? sem que nenhumtenha rancor ou dio de quem o

    abandona ou de quem o sentenciou morte...A todos os ces e gatos que morreram,morrem e sofrem pela incompreenso,desinformao, inrcia, maldade eincompetncia humana... mas que nosensinam a maior das lies, amorincondicional...A ti Tristo, co do meu corao, quesempre soubeste partilhar o que tinhas eno tiveste que aprender por saber o queera no ter...Aos que nunca souberam o que ter umcarinho... por eles, por ns, por todos...

    por um mundo melhor, mais justo, paratodos os seres sencientes, livres de toda equalquer forma de tortura, explorao emaltrato para ser algum!

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    AGRADECIMENTOS

    Comeo por agradecer aos animais, foram e so eles que me tornam melhor todos osdias. E foi por eles que quis ser Mdica Veterinria e ingressar em mais esta aventura naminha vida. Por tudo de maravilhoso, grandioso e generoso que j me mostraram,ensinaram e partilharam, OBRIGADA. Qualquer coisa que possa fazer, nunca ser o

    suficiente para retribuir tamanho amor, dedicao e sofrimento que todos os diaspassam por ns, em nome da medicina, da alimentao, da experimentao, da falta decultura e no da cultura, do vesturio e de tantas reas que os exploram, agridem,maltratam e esquecem que so, vidas e seres sencientes.

    Um agradecimento muito especial ao Professor Gonalo da Graa Pereira, por semprepuxar por mim, por exigir, e ter encontrado uma tese que realizei com prazer, ummrito seu, o meu muito obrigado, por isto e por ser como .

    Ao Professor Doutor Pedro Fasca, Dra. Sara Fragoso e a todos os Professores que dealguma forma contriburam para esta tese, o meu muito obrigado.

    Professora Doutora Laurentina Pedroso, por me inspirar a querer mais da classe que

    vou abraar com a certeza de que, no com inrcia, comodismo e resignao que semuda o que est errado ou menos correto dentro do grupo que designamos de colegas.

    A todos os meus Professores, em especial ao Professor Fausto Brando obrigada, porme inspiraram a gostar de Medicina, e tambm aos que me inspiraram a ser melhor, eno mais uma, mesmo pelos maus exemplos... e pela confiana na minha misso.

    A estes Senhores Professores, que me ensinaram entre tantas outras coisas, que para seser Professor, ou um bom Professor, no basta querer ensinar, h que tambm quereraprender. A eles o meu muito obrigado.

    Agradeo minha famlia, onde se inserem os meus animais, por tudo, no mudavanada! Nem o difcil, nem o que di, porque o que no nos verga torna-nos mais fortes e prova de tudo. Afinal somos o que vivemos. Mas, agradeo em especial ao Senhormeu Pai, que instigou em mim, fazer mais, melhor, maior! E pelo amor, carinho,compreenso e total f. Sou feliz Pai, afinal abenoado o que faz o que gosta!Embora, sofra, chore, grite, onde sinto, no mais profundo do meu ser, que devo estar.Obrigada por tanto amor incondicional.

    Ao meu melhor amigo, Lus Manica, que est sempre perto, e que nunca me faltou, eque at aqui esteve presente, obrigada. No existem palavras que descrevam o que sinto

    por ti, amizade pequena, obrigada curto... ter-te sempre perto to fundamentalcomo respirar... mas tu sabes disso, como sabes o quanto s para mim.

    Aos meus restantes amigos, colegas de curso, em especial a quem sempre meacompanhou, minha equipa da SOS Animal Grupo de Socorro Animal de Portugal,que me fazem acreditar que podemos fazer a diferena, e por tudo o que recentemente

    passamos, somos fortes! A ti Clarisse Cerdeira que me fizeste voltar acreditar, a ti PedroPinto que s a definio de lealdade, e a si Tia Paula Alves de Sousa, que nos defendecomo ningum, contra tudo e contra todos, um orgulho estar ao vosso lado!

    Ao meu doce Marido,... as cartas de amor no so ridculas... e o amor antes dequalquer coisa cuidar, compreender, ter pacincias at para estatstica... proteger, e terorgulho em quem amamos... por isso, no posso me sentir mais amada... Obrigada portanto amor, por tantos anos de tudo o que qualquer mulher pode sonhar de um prncipeencantado...

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    RESUMO

    CARDOSO, Sandra Paula Duarte. Causas de abandono de ces e gatos nos concelhosde Cascais e Sintra. Lisboa, 2013, 79 fls. Dissertao de Mestrado Integrado emMedicina Veterinria na Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias de

    Lisboa.

    Em Portugal, tanto quanto se sabe, um estudo indito e pretende contribuir com dadoscientficos, recolhidos ao longo de 7 meses, de forma a identificar as principais causasde abandono ou renncias1dos ces e gatos e, desta forma, conseguir ferramentas detrabalho para se encontrar solues para o flagelo do abandono de animais decompanhia no nosso pas.

    A adoo dos ces e gatos como animais domsticos pelos humanos tem, pelo menos,10 mil anos, sendo um fenmeno escala planetria e comum grande parte dasdiversas sociedades que j habitaram o mundo, sendo reportados intensos vnculos entreestas espcies. Acredita-se mesmo que uma das relaes mais fortes entre espcies to

    diferentes com impactos diversos ao nvel da estrutura social humana e sobre a sadepblica e animal.

    O presente estudo tem como objetivo identificar as principais causas de renncia deces e gatos nos concelhos de Sintra e de Cascais, do Distrito de Lisboa que soentregues nos centros de recolha oficiais e nas associaes zofilas.

    Neste sentido, foi elaborado um questionrio e colocado nos CROs e nas associaeszofilas aderentes durante 7 meses, tendo-se posteriormente tratado as respostas obtidasde 67 questionrios vlidos.

    Dos principais resultados salienta-se que foram as mulheres na faixa etria dos 25 aos40 anos no proprietrias dos animais que mais entregaram animais, bem como pessoascom escolaridade entre o 8. e 12. ano e com os rendimentos mais baixos (abaixo dos 6mil euros anuais) e que os animais entregues eram sobretudo nocastrados/esterilizados. O motivo mais alegado para a entrega ou renncia de animaisfoi a emigrao, seguido de problemas financeiros, doena do animal e alergias nafamlia.

    Palavras-chave: Ces, gatos, abandono, causas, renncia.

    1Renncia: desistir, abdicar dos seus deveres e direitos legais e emocionais para com um animal que seencontra de forma permanente ou temporria sua guarda.

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    ABSTRACT

    CARDOSO, Sandra Paula Duarte.Reasons for the abandonment of dogs and cats inCascais and Sintra municipalities. Lisboa, 2013, 79 p. Dissertation for Masters degreein Veterinary Medicine (ULHT).

    In Portugal, as far as we know, it is an original study and intends to contribute withscientific data, collected over seven months, in order to identify the main causes ofabandonment or relinquishment of dogs and cats and thus identify tools to find solutionsto the scourge of abandoned dogs and cats in our country.

    The adoption of dogs and cats as pets by humans has at least 10,000 years, being aphenomenon on a global scale and the most common practice of the various societiesthat once inhabited the world, being reported intense links between these species. It iseven believed that it is one of the strongest relationships among species as different,with distinct impacts in terms of human social structure and on animal and public

    health.This study aims to identify the main causes of relinquishment of dogs and cats in themunicipalities of Sintra and Cascais, of Lisbon District.

    In this context, a questionnaire was prepared and placed in adherent official collectioncentres and animal associations during seven months, having subsequently analysed theresponses to 67 valid questionnaires.

    Of the main results we highlight that the women aged 25 to 40 years that do not own theanimals were the group that most relinquished animals as well as people with schooling

    between 8th and 12th grade and with the lowest incomes (below of 6000 euros per year)and that the animals were delivered mainly neutered / spayed. The reason most oftengiven for the relinquishment of animals was emigration, followed by financial

    problems, animal diseases and allergies in the family.

    Keywords: Dogs, cats, abandonment, causes, relinquishment.

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    LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS

    AAA: ......... .. Atividade Assistida por Animais

    ADN: ............ cido Desoxirribonucleico

    CRO: ......... ... Centro de Recolha Oficial

    DGAV: ........ Direo-Geral de Alimentao e Veterinria

    FAO: ......... .. Organizao das Naes Unidas para a Agricultura

    INE: .......... .... Instituto Nacional de Estatstica

    ICAM: .........International Companion Animal Management Coalition

    MVM: ......... Mdico Veterinrio Municipal

    OIE: ......... ... Organizao Mundial para Sade Animal

    OMS: .. ......... Organizao Mundial de Sade

    ONG: .. ......... Organizaes No Governamentais

    RSPCA: .......Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals

    SICAFE: ..... Sistema de Identificao de Caninos e Felinos

    SIRA: ........ .. Sistema de Identificao e Registro de Animais

    SNMV: ........ Sindicato Nacional dos Mdicos Veterinrios

    TAA: ......... .. Terapia Assistida com Animais

    WSPA: ........ World Society for the Protection of Animals

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    NDICE GERAL

    1. Introduo ........................................................................................................................................... 10

    1.1. Enquadramento legal histrico internacional dos direitos dos animais.............. 101.2. Enquadramento legal Nacional dos Direitos dos Animais de Companhia........ 15

    1.3. O animal de companhia no passado ................................................................................. 22

    1.3.1. Gatos ................................................................................................................................... 22

    1.3.2. Ces ..................................................................................................................................... 23

    1.4. O co e o gato na sociedade atual ..................................................................................... 27

    1.5. Papel do mdico veterinrio municipal e do clnico privado.................................. 34

    1.6. Causas de abandono ou renncia de ces e gatos ....................................................... 37

    2. Material e mtodos .......................................................................................................................... 43

    2.1. Metodologia da recolha de dados ...................................................................................... 43

    2.2. Questionrio proposto............................................................................................................ 43

    2.3. Anlise estatstica .................................................................................................................... 44

    2.4. Resultados .................................................................................................................................. 44

    2.4.1. Caracterizao da amostra .......................................................................................... 44

    2.4.2. Caracterizao do inquirido ....................................................................................... 45

    2.4.3. Caracterizao do animal entregue pelo inquirido ............................................ 50

    2.4.4. Razes para a renncia apresentadas pelo inquirido......................................... 56

    3. Discusso ............................................................................................................................................ 614. Concluso ........................................................................................................................................... 68

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    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1. Top 3 da sade e questes pessoais citados para abandonar ces e gatos. 39Tabela 2. Dez razes amplamente classificadas como questes de sade e pessoais.40

    Tabela 3. Dez razes mais apontadas para o abandono de ces e gatos (NCPPSP). . 41Tabela 4. Frequncia de respostas selecionadas como motivos alegados pelos

    inquiridos no proprietrios para a renncia do animal. ........ ........... ........ 56Tabela 5. Frequncia das outras razes alegadas pelos inquiridos no proprietrios

    para a entrega/renncia do animal resposta livre. ......... ........... ......... ..... 57

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    NDICE DE GRFICOS

    Grfico 1. Nmero de questionrios vlidos recolhidos por local. ......... ............ ....... 45

    Grfico 2. Nmero de animais entregues em funo do sexo do inquirido............. ... 46Grfico 3. Nmero de animais entregues por inquiridos do sexo feminino em funoda relao com o animal (detentor ou no detentor). ......... .......... .......... ... 46

    Grfico 4. Nmero de animais entregues por inquiridos do sexo masculino em funoda relao com o animal (detentor ou no detentor). ......... .......... .......... ... 47

    Grfico 5. Nmero de animais entregues, discriminados por gnero do inquirido queentrega, pelo facto de este ser detentor ou no do animal e por espcie. .. 47

    Grfico 6. Distribuio do nmero de inquiridos que entregaram/abandonaramanimais por faixa etria ........................................................................... 48

    Grfico 7. Caracterizao dos inquiridos que entregaram animais em funo daescolaridade. ........................................................................................... 49

    Grfico 8. Caracterizao dos inquiridos que entregaram animais em funo dorendimento anual. ................................................................................... 50Grfico 9. Identificao dos animais entregues em funo da espcie. ......... .......... .. 50Grfico 10. Raas dos gatos entregues. ...................................................................... 51Grfico 11. Raas dos ces entregues. ....................................................................... 51Grfico 12.Nmero de animais entregues, discriminados por gnero e por espcie. .. 52Grfico 13. Nmero de animais entregues com proprietrio, discriminados por gnero

    e por espcie. .......................................................................................... 53Grfico 14. Nmero de animais entregues sem proprietrio, discriminados por gnero

    e por espcie. .......................................................................................... 53Grfico 15. Caracterizao do nmero de animais entregues em funo do estado

    reprodutivo ............................................................................................. 54Grfico 16. Caracterizao do nmero de animais entregues em funo do estado

    reprodutivo e da espcie. ......................................................................... 54Grfico 17. Caracterizao do nmero de animais entregues por proprietrios em

    funo do estado reprodutivo e da espcie. .......... .......... ......... .......... ....... 55Grfico 18. Caracterizao do nmero de animais entregues por no proprietrios em

    funo do estado reprodutivo e da espcie. .......... .......... ......... .......... ....... 56Grfico 19. Motivos alegados pelos proprietrios dos animais entregues para a

    renncia do animal opes sugeridas. .......... .......... .......... ......... ........... . 58Grfico 20.Nmero de meses durante o qual o proprietrio teve o animal em causa. . 59Grfico 21.Nmero de proprietrios que entregaram o primeiro animal. ........... ........ 59

    Grfico 22.Nmero de proprietrios que pretendem, ou no, vir a ter um outro animal.60

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    1. Introduo

    1.1. Enquadramento legal histrico internacional dos direitos dosanimais

    Direito ou direitos , por definio, um sistema de normas de conduta imposto por

    um conjunto de instituies para regular as relaes sociais (Lima, 1986).

    Os romanos, de acordo com o seu direito e estrutura social, rotulavam os seus

    animais de acordo com o seu valor econmico, classificando assim como res-mancipi os

    animais domsticos, de trao e carga, que eram passveis de serem usados para fins

    econmicos e socioculturais, e osnec mancipi, que era aplicado aos animais selvagens, que

    neste caso no eram passveis de apropriao (Alves, 1999).

    J no Imprio Bizantino, mas ainda sob a herana da tradio judicial Romana, surge

    uma alterao do estatuto atribudo aos animais, passando estes a serem considerados bens

    mveis (res mobiles) os de interesse econmico e social, e fora desta esfera, passam a res

    nullius, como o caso dos animais selvagens. A novidade surge na denominao para os

    animais que eram abandonados pelos seus proprietrios, surgindo agora para os mesmos a

    denominao de res derelicta. Esta alterao est documentada na Constitutiode Justiniano

    do ano de 531 D.C. Esta alterao pensa-se ter sido introduzida para poder ser possvel aos

    animais que eram abandonados serem adquiridos por novos proprietrios de forma legal.

    Estas alteraes perduraram por sculos (Alves, 1999).

    Com a Idade Mdia, no s o Imprio Romano se desmorona, como a conceo do

    direito perante o animal se redefine de forma abrupta, uma vez que este adquire direito como

    sujeito de direito na relao processual, e -lhe atribuda capacidade processual, condio

    de parte, detentores e, frequentemente, qualidade de r, mas no lhes era reconhecida a

    igualdade processual. Assim animais so condenados juntamente com os seus detentores ou

    isoladamente, por as mais diversas prticas, acontecimentos, pragas e crenas religiosas da

    altura (Lossouarn, 1905).

    Em 1641, j nos Estados Unidos da Amrica (EUA), na colnia Inglesa da Amrica

    do Norte de Massachussets Bay, aps sculos sem qualquer referncia sobre os direitos dos

    animais, d-se o primeiro pequeno passo no sentido da proteo dos animais, com a criao

    do cdigo legal da colnia que previa a punio contra atos de crueldade a animais

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    domsticos (Francione, 1994). A Frana o primeiro pas a ter uma lei especfica nacional de

    proteo dos animais, fruto da revoluo social e poltica da revoluo francesa. Em 1791,

    atravs da alterao do cdigo penal, Frana insere diversos regulamentos e decretos-lei que

    preveem dispositivos jurdico penais para situaes como envenenamentos a animais com

    proprietrio, probe atentados de qualquer espcie a bestas e ces de guarda que estejam na

    propriedade alheia. Em 1850 esses diplomas evoluem e aprovada a promulgao da Lei

    Grammont que a primeira lei especfica nacional que prev a proibio de maus tratos a

    qualquer animal na via pblica (Antunes, 2005).

    a Gr-Bretanha, em 1822, que cria a primeira lei de proteo dos animais,

    proibindo qualquer tipo de maus tratos a animais com proprietrio. Antes da aprovao desta

    legislao, vrios projetos-lei sofreram rejeies parlamentares: no ano de 1800, onde se

    pretendia impedir as lutas entre ces e, novamente, em 1821 sobre os maus tratos a equdeos.

    Mas com persistncia e com a criao da Royal Society for the Prevention of Cruelty to

    Animals (RSPCA), em 1821, com a misso de proteger os animais e criar e fazer cumprir

    legislao para a sua proteo e com fundadores de peso na sociedade da poca

    nomeadamente, o Coronel Richard Martin, William Wilberforce (poltico de renome na

    sociedade fortemente conhecido pelo seu papel na luta pelo abolio da escravatura) e o

    Reverendo Arthur Broome, em 1822 alcanam a meta pretendida e promulgam a lei

    (Francione, 1994). Em 1854 os ingleses voltam a inovar nesta rea quando promulgam a lei

    de proteo aos ces e comeam a inspirar a Europa a introduzir estas alteraes jurdicas de

    forma a proteger os animais (Santana & Oliveira, 2004).

    Em 1855, a ustria introduz legislao de proteo animal punindo quem maltratasse

    animais em pblico, seguindo-se a Hungria, em 1879, com a promulgao da Lei

    Fundamental XI que previa a coima e priso do sujeito que maltratasse animal algum

    (Santana & Oliveira, 2004).

    A Sua o primeiro pas europeu a proteger constitucionalmente os animais,

    inserindo na sua constituio, em 1893, esta preocupao, sendo ainda nos dias de hoje um

    dos pases com a legislao mais avanada no mundo no que concerne a proteo animal,tendo previsto a proibio de abate de animais sem anestesia (Silva, 2009).

    Em 1891, a Argentina reconhece a primeira legislao de proteo animal no

    continente sul-americano, com a promulgao da lei 2.786. Em Espanha, como em Portugal,

    a legislao chegou tardiamente e s em 1896, Espanha concede uma lei de proteo s aves

    que, posteriormente, atravs da ordem real, adaptada a outros animais domsticos, mas

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    apenas em 1925 (Santana & Oliveira, 2004).

    Em 1906 a Inglaterra entra no sculo XX com mais uma lei pioneira na proteo

    animal, abolindo ces e gatos da experimentao cientfica. O avano sociocultural e

    legislativo nesta matria na Inglaterra tal que, no incio do sculo XX, mostram j

    conscincia e preocupaes em questes bioticas, quando 100 anos depois, muitos pases

    ainda no tm qualquer sensibilidade ou legislao para estas matrias (Santana & Oliveira,

    2004).

    Ainda Reino da Itlia, em 1913, e no seguimento das alteraes que floresciam

    tutela penal da fauna, os italianos acrescentam dispositivos legais ao cdigo penal italiano

    para proteo da mesma. A Repblica Libanesa, em 1925, a primeira nao Asitica a

    proteger os animais contra maus tratos (Santana & Oliveira, 2004).

    Em 1929, na Blgica promulgada a lei que sanciona a crueldade e maus tratos

    contra pssaros, cantores, cegos, trabalhos dolorosos e superiores s foras dos animais, lutas

    com recurso a animais e vivisseco. No mesmo ano, promulgado tambm o artigo 557, 6.,

    do Cdigo Penal Belga, que regula sobre matar com maldade e ferir animais e o decreto-real

    que dispe sobre transporte e abate de animais e sobre a proteo dos pssaros insectvoros.

    Mais tarde, em 1931, promulgado o decreto-real que dispe sobre o uso de equinos para

    puxar carruagens ferrovirias, ainda muito em uso na poca (Levai, 2004).

    A Europa Ocidental, na segunda metade do sculo XX, na sua grande maioria j

    possua legislao de proteo aos animais, mas Frana era o pas que mais se destacava uma

    vez que tinha uma lei especfica, a Lei n. 71-1017, de 22 de dezembro de 1971, alterada

    posteriormente pela Lei n. 75-282, de 21 de abril de 1975, que regulamentava a compra e

    venda de pequenos animais e definia as obrigaes dos tutores dos animais, algo que ainda

    hoje muitas das legislaes no tm previsto (Santana & Oliveira, 2004).

    A este respeito destaca-se que a Declarao Universal dos Direitos Animais (Anexo

    I), que foi proclamada em assembleia, pela UNESCO a 27 de janeiro de 1978, em Bruxelas,

    no entanto condenada pelos defensores dos direitos dos animais, nomeadamente pelo artigo

    7., onde afirma que animais destinados ao abate devem s-lo sem sofrer ansiedade nemdor, porque permite mais uma vez a violao de um direito bsico (o direito integridade

    fsica) para fins humanos (Guither, 1997).

    A Conveno Europeia para a Proteo dos Animais de Companhia assinada a 13

    de novembro de 1987, em Estrasburgo (Frana), em Conselho de Europa, no esprito da

    avanada legislao que este pas possua j no que diz respeito proteo jurdica dos

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    animais de companhia, a qual reconhece que o homem tem uma obrigao moral de respeitar

    todas as criaturas vivas, os laos particulares existentes entre o homem e os animais de

    companhia e a visvel e crescente importncia dos animais de companhia na sociedade

    (Arajo, 2003).

    So ento definidas importantes diretrizes para o Direito Ambiental da Fauna

    Europeia e so estabelecidas polticas pblicas para os animais abandonados. A Conveno

    Europeia para a proteo dos Animais de Companhia consagra dois princpios fundamentais

    para o bem-estar animal, estatuindo o dever de no causar inutilmente dor, sofrimento ou

    angstia e de no abandonar um animal de companhia (cfr. n.s 1 e 2 do artigo 3.) (Real,

    2012).

    Em 1989 surge a Proclamao dos Direitos dos Animais (Anexo II), pelo Partido

    Verde Alemo, que marca o Direito Ambiental da Fauna do sculo XXI, e que no suporte

    textual jurdico j comporta a proteo dos animais em relao ao homem, vedao de

    taxionomias discriminatrias, utilizao de meios considerados cruis para com os animais no

    meio cientfico ou em exibies em espetculos pblicos (Silva, 2010).

    Em 1992, a Constituio da Sua reconheceu, no artigo 24., a dignidade da

    criatura (Wrde der Kreatur), a qual deve ser respeitada notadamente no mbito da

    legislao sobre engenharia gentica (Silva, 2009).

    Em 1994, a Costa Rica, na Amrica Latina, promulga um diploma legal que

    regulamenta o bem-estar dos animais, a 17 de novembro, com a Lei n. 7451, sendo um passo

    importante para o avano jurdico da proteo dos animais e para extinguir o complexo que

    existia nesta rea na salvaguarda da proteo e defesa dos animais, na comunidade em geral e

    mesmo na comunidade jurdica. Existia um forte complexo econmico-social dos pases

    rotulados de terceiro mundo, que muitas vezes associavam estas questes ambientais e

    animais a secundrias, por entenderem que apenas os pases mais evoludos e com mais

    capacidade econmica deveriam estar capacitados e encarregues destes assuntos. A Costa

    Rica foi ainda pioneira ao ter um Decreto Presidencial que regulava a guarda responsvel dos

    animais de companhia em 2004 (Santana & Oliveira, 2004).A 21 de junho de 2002, na sequncia da reforma da Constituio Alem, esta inclui a

    proteo da dignidade dos animais num pargrafo da sua constituio, tornando a Alemanha o

    primeiro pas do mundo a reconhecer o direito dos animais vida, indo mais alm ao

    preservar a sua integridade fsica e moral na Lei Fundamental (GrundGesetz), no seu artigo

    20a, que inclui a expresso e os animais (die Tiere) ao se referir sobre os titulares de

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    proteo daquele Estado, e torna-se um marco na histria dos Direitos dos Animais. Aps

    uma luta de 10 anos no parlamento alemo, 542 deputados votaram a favor da incluso de

    uma finalidade de proteo dos animais na Constituio Alem. Johannes Caspar e Martin

    Geissen transmitem assim que a insero de uma finalidade de proteo dos animais na

    Constituio evidncia a obrigao do Estado de concretizar este objetivo. O direito dos

    animais ganha uma posio importante no sistema jurdico alemo, visto que esta norma passa

    a ser, para o legislador, uma obrigao governamental de desenvolver polticas de proteo

    para com os animais. Assim, o legislador passou a ter a obrigao de promover a proteo dos

    animais da forma mais eficaz possvel (Bolliger, 2007).

    A Sua, novamente mostra a sua evoluo com a Lei de 4 de outubro de 2002, que

    entrou em vigor no dia 1 de abril de 2003. No s leva a cabo a alterao concetual e

    lingustica no sentido de os animais deixarem de ser considerados juscivilisticamente coisas

    (cfr. artigo 641a do cdigo civil suo), mas tambm se do grandes modificaes

    substantivas no direito das obrigaes, no direito das sucesses, nos direitos reais e no

    processo executivo. Segundo o artigo 43, 1bis, do Cdigo das Obrigaes suo, o dono ou os

    seus familiares tm direito a uma indemnizao pelo valor de afeio adequado no caso de

    ferimento ou morte do animal de companhia, e ainda estabelecida a impenhorabilidade

    destes animais no mbito do processo executivo (artigo 92, 1 1 Bundesgesetz ber

    Schuldbetreibung). Segundo Johanna Filip-Frschl, neste ordenamento jurdico existem pela

    primeira vez preceitos meramente em favor do animal. Assim acontece, quando a

    jurisprudncia, em sede de processo executivo, considera os custos de alimentao do animal

    como alimentos necessrios limitando assim os direitos do exequente. E quando, no direito

    das sucesses, o artigo 482 (4) do Cdigo Civil estabelece que Sendo um animal beneficirio

    duma disposio mortis causa, esta disposio considera-se como nus de cuidar do animal.

    Tambm em relao aos animais achados so introduzidos novos preceitos que visam

    proteger diretamente os animais: a pessoa que encontra um animal tem que informar o

    proprietrio e, se no o conhece, deve declarar a instituies pblicas a sua descoberta

    (Pereira, 2005).Em 2004, na ustria, uma nova lei semelhante Alem aprovada (Austrian animal

    Welfare law), criando padres generalizados para a proteo animal. Na lei, esto previstas

    proibies como a de coleiras eltricas em animais de companhia, lutas entre animais por

    estmulo humano, maus tratos ou sofrimento a animais por uso em produo udio visual, etc.

    (Silva, 2009).

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    15

    1.2.

    Enquadramento legal Nacional dos Direitos dos Animais deCompanhia

    Apenas em 1886, Portugal faz a primeira alterao do Cdigo Penal Portugus, onde

    prev a punio penal de quem matasse ou ferisse animais, com a incluso dos artigos 478. a481.. Durante a poca colonial surgiram alguma normas de proteo fauna, mas o objetivo

    era impor o monoplio do Reino de Portugal sobre os bens ou coisas de outrem, tal como os

    animais eram considerados, e no proteger os animais, como seres sencientes. Era comum

    existir leis de extrema crueldade no Reinado Portugus. A ttulo de exemplo refira-se a carta

    Rgia de 1791, de um monarca Portugus, Governador no Brasil, que autorizava o extermnio

    de burros e mulas fosse qual fosse o mtodo ou forma, com o objetivo de beneficiar os

    comerciantes de equinos (Santana & Oliveira, 2004).

    Os Estados-Membros do Conselho da Europa, em 13 de novembro de 1987

    (Decreto-Lei n. 13/93, de 13 de abril), reconhecem que o homem tem uma obrigao moral

    de respeitar todas as criaturas vivas, e reconhecem os laos particulares existentes entre o

    homem e os animais de companhia, deixando assim fixado que crescente e assumido o

    respeito e interesse pelos animais de companhia pela sociedade Europeia, onde Portugal

    participa.

    Nos termos do n. 2 do artigo 8. da Constituio da Repblica Portuguesa, as

    normas constantes de convenes internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas

    vigoram na ordem interna aps a sua publicao oficial e enquanto vincularem

    internacionalmente o Estado Portugus, o que significa que as normas decorrentes da

    Conveno, que impem o respeito pelo bem-estar animal, a proibio do abandono e dever

    especial de os Estados-Membros salvaguardarem os direitos dos animais, vigoram

    diretamente no ordenamento jurdico Portugus, como se de uma lei interna se tratasse.

    Para alm da Conveno, tambm no mbito do Protocolo Anexo ao Tratado de

    Amesterdo, o qual institui a Comunidade Europeia, foi definido um objetivo comum aos

    pases da Comunidade Europeia, que o de garantir uma proteo reforada e um maior

    respeito pelo bem-estar dos animais, enquanto seres dotados de sensibilidade. A Conveno

    Europeia para a proteo dos Animais de Companhia consagra dois princpios fundamentais

    para o bem-estar animal, estatuindo o dever de no causar inutilmente dor, sofrimento ou

    angstia a um animal de companhia e de no abandonar um animal de companhia (cfr. n.s 1 e

    2 do artigo 3.). Tal Conveno impe ainda aos Estados-Membros a adoo de medidas de

    reduo do nmero de animais errantes que contemplem mtodos que no causem dor,

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    sofrimento ou angstia, encorajando a reduo da reproduo no planificada e estabelecendo

    regras para a captura, deteno e abate (cfr. artigo 12. e 13.). Perante a ratificao de tal

    instrumento legislativo, os Estados-Membros comprometeram-se ainda a promover

    programas de informao e educao (cfr. artigo 14.), o que, lamentavelmente, no tem

    sucedido, constituindo as entidades pblicas que adotam tais iniciativas uma exceo. Estes

    princpios so igualmente adotados pela legislao interna, em particular pela Lei n. 92/95,

    de 12 de setembro (Proteo dos Animais), que no seu artigo 1. probe expressamente todas

    as violncias injustificadas contra animais (que conduzam sua morte, sofrimento cruel e

    prolongado ou graves leses) e o abandono.

    A par da Lei de Proteo Animal, encontra-se em vigor no nosso ordenamento

    jurdico o Decreto-Lei n. 276/2001, de 17 de outubro, que estabelece medidas

    complementares s disposies da Conveno Europeia para Proteo dos Animais de

    Companhia. No mbito de aplicao de tal decreto-lei esto algumas normas de suma

    importncia, como, por exemplo, a consagrao de que nenhum animal deve ser detido como

    animal de companhia se no estiverem asseguradas as devidas condies de deteno e

    alojamento e a proibio de todas as violncias contra animais - actos consistentes em, sem

    necessidade, se infligir a morte, o sofrimento ou leses a um animal (cfr. artigo 7. do

    Decreto-Lei n. 276/2001, de 17 de outubro).

    No entanto, verifica-se uma incapacidade do Estado Portugus em cumprir a sua

    prpria legislao, por ausncia de fiscalizao e por entropia das entidades pblicas, que no

    estabelecem onde e como devem fiscalizar e no colocam em prtica os meios que a

    legislao disponibiliza, alegando muitas vezes ausncia de meios (Real, 2012).

    Segundo o prembulo do Decreto-Lei n. 312/2003, promulgado a 17 de dezembro

    de 2003, o Decreto-Lei n. 276/2001, de 17 de outubro, veio consignar as regras de proteo

    dos animais de companhia e, concomitantemente, previu o regime para a posse daqueles que,

    pelas suas caractersticas fisiolgicas ou comportamentais, viessem a ser enquadrados como

    animais potencialmente perigosos. Entre os pr-requisitos para poder deter estes animais

    passou a constar nomeadamente: regras especficas para a circulao, alojamento ecomercializao dos mesmos, com possibilidade de obrigatoriedade de esterilizao de ces

    de algumas raas, bem como a necessidade de manuteno de um seguro de responsabilidade

    civil pelos detentores de animais perigosos ou potencialmente perigosos. Foi ainda previsto,

    no Decreto-Lei n. 313/2003, de 17 de dezembro, a obrigatoriedade de identificao eletrnica

    de todos os animais perigosos e potencialmente perigosos.

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    No entanto, a populao portuguesa ainda no ano de 2008 apresentava um forte

    desconhecimento relativo esterilizao dos animais. Segundo Rodrigues (2008) mais de

    48% da populao no tinha qualquer conhecimento sobre o tema e mais de 40,5% da

    populao que tinha conhecimento no concordava com a interveno cirrgica, por motivos

    to distintos como ser antinatural. Por estes motivos, e com vista ao sucesso da implantao

    de um programa de controlo reprodutivo em Portugal, o investigador sugere que se ter de

    inicialmente elaborar uma sensibilizao para esta temtica, uma vez que o reconhecimento

    da necessidade e das vantagens da esterilizao no aceite pela maioria da populao

    detentora de animais. Significa isto que, para se atingir o patamar de outros pases que

    erradicaram o abandono de animais, necessrio esclarecer, ensinar e mudar mentalidades,

    devendo o Estado intervir com ajudas financeiras esterilizao dos animais e,

    simultaneamente, sensibilizar as pessoas que a no compreendem nem a aceitam em primeiro

    lugar. Sugere ainda que a esterilizao, como medida de escolha para o controlo reprodutivo,

    deve ser feita maioria ou totalidade dos animais errantes e privados, devendo ser incentivada

    de uma forma ativa, permitindo alertar os cidados em geral para esta temtica, avanando

    adicionalmente com incentivos econmicos e sociais realizao da mesma. No entanto, para

    esta medida ser possvel de aplicar e ter sucesso, a populao deve primeiramente entender as

    suas vantagens em termos de benefcios para a sade do prprio animal, controlo de

    natalidade e sade pblica (Rodrigues, 2008).

    A 17 de dezembro de 2003 promulgado tambm o Decreto-Lei n. 313/20032, com

    a seguinte fundamentao:

    A identificao dos animais de companhia essencial nos domnios sanitrio,

    zootcnico, jurdico e humanitrio, pois visa tanto a defesa da sade pblica como animal,

    bem como o controlo da criao, comrcio e utilizao (...). (...) Por outro lado, a

    problemtica do abandono de animais de companhia tem vindo a assumir relevncia

    crescente, no se afigurando suficiente e eficaz o quadro legal existente para o controlo desta

    situao. Tambm os aspectos de natureza econmica assumem importncia significativa no

    contexto da valorizao individual dos animais de companhia, sendo exigvel um melhorcontrolo da respetiva comercializao. Importa, por estas razes, instituir medidas atualizadas

    de identificao dos ces e gatos..

    Existem duas bases de dados de identificao eletrnica de animais em Portugal. O

    Sistema de Identificao de Caninos e Felinos (SICAFE), gerido pela Direo-Geral de

    2Dirio da Repblica I Srie-A N. 290 17 de dezembro de 2003.

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    Alimentao e Veterinria (DGAV) e o Sistema de Identificao e Registro de Animais

    (SIRA), gerida pelo Sindicato Nacional dos Mdicos Veterinrios (SNMV). Este ltimo

    sistema foi a primeira base de dados de identificao eletrnica a existir no pas e a primeira a

    ter acesso de consulta via eletrnica. O facto de, num pas da dimenso de Portugal, existirem

    duas bases de dados para o mesmo efeito e com duas gestes de entidades distintas, que no

    cruzam dados, tem gerado complicaes e no agiliza o objetivo para o qual foram criadas

    (Lusa, 2011; JN, 2011).

    O Decreto-Lei n. 314/2003, de 17 de dezembro3 refere que devido a zoonoses de

    risco que podem ser transmitidas ao ser humano pelos carnvoros domsticos, necessrio

    alargar e fomentar a identificao e licenciamento dos candeos. Ainda segundo aquele

    Decreto-Lei:

    O Decreto-Lei n. 91/2001, de 23 de maro, e respetiva regulamentao, que revogaram o

    Decreto-Lei n. 317/85, de 2 de agosto, adotando embora o regime institudo por aquele diplomarelativamente ao registo e licenciamento dos candeos nas juntas de freguesia, veio ainda permitir oalargamento do mbito de ao do Programa Nacional de Luta e Vigilncia Epidemiolgica da RaivaAnimal tambm a outras zoonoses.

    O perodo de aplicao j decorrido veio demonstrar que o sistema criado pelo Decreto-Lein. 91/2001, de 23 de maro, no que se refere aos registos e licenciamentos, s por si, no suficientepara alcanar os objetivos que se propunha, dado o decrscimo dos registos e licenciamentos decandeos que se continua a observar.

    Para se atingirem os resultados desejados, para alm do aumento do valor das coimasaplicveis omisso de registo e licenciamento, impe-se ainda adaptar o sistema at agora vigente legislao comunitria e necessidade de proceder ao estabelecimento de identificao eletrnica decaninos e felinos de forma a levar a um melhor conhecimento e controlo destas populaes tendo emvista a manuteno da indemnidade do Pas relativamente raiva.

    Para a prossecuo daquele objetivo e do controlo de outras zoonoses, torna-se aindanecessria a regulamentao das diversas atividades ldicas e comerciais relacionadas com aquelasespcies, de forma a permitir o controlo da sua sade estabelecendo-se as regras que devem reger ocomrcio de animais de companhia e as exposies, bem como a entrada de ces, gatos e outrosanimais de companhia suscetveis raiva em territrio nacional.

    No entanto at data, 10 anos depois, pode-se consultar a seguinte informao no

    stio eletrnico da DGAV: A obrigao da identificao eletrnica dos gatos ainda no se

    encontra regulamentada, no sendo ainda uma exigncia legal, exceto nos animais que

    transitem para o espao comunitrio ou para um pas terceiro, se este o exigir. Porm, se oanimal estiver identificado, o detentor dever ir Junta pedir o seu registo no SICAFE., Os

    Ces so obrigados a estarem identificados entre os 3 e os 6 meses de idade se pertencerem a

    um destes grupos: a. Ces potencialmente perigosos [] ou perigosos []; b. Ces utilizados

    em ato venatrio (Ces de caa); c. Ces de exposio, concursos ou provas funcionais;

    3Dirio da Repblica I Srie-A N. 290 17 de dezembro de 2003.

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    utilizados em fins comerciais ou lucrativos; colocados em estabelecimentos de venda, locais

    de criao ou feiras; usados em publicidade ou fins similares; d. Terem nascido aps 01 de

    julho de 2008. (DGVA, consultado em 24.05.2013).

    O relevo jurdico encontra-se em diversos elementos no Direito da Unio Europeia

    que aconselham uma nova abordagem sobre esta matria. J no protocolo n. 31 ao Tratado de

    Amesterdo, em 1997, se previa a necessidade de ponderar o bem-estar animal, passando o

    Tratado de Lisboa a prever, desde 2007, no artigo 13. do Tratado sobre o Funcionamento da

    Unio Europeia, que a conceo de polticas da Unio deve ponderar as exigncias em

    matria de bem-estar dos animais enquanto seres sencientes (Tratado de Lisboa; Arajo,

    2003).

    Em 2008, na sequncia de trabalhos realizados pelo Ministrio da Justia no quadro

    do XVII Governo Constitucional, foi colocada em discusso pblica junto das associaes de

    proteo dos animais um anteprojeto de proposta de lei de alterao do Cdigo Civil em

    sentido semelhante ao dos exemplos de direito comparado j referidos, no tendo depois

    chegado a ser agendada em sede parlamentar. A questo tem tambm vindo a ser discutida na

    Assembleia da Repblica, destacando-se, j na atual legislatura, a petio n. 138/XI, que

    reuniu mais de 8300 assinaturas e mereceu, no respetivo debate em plenrio, amplo consenso

    parlamentar em torno da alterao legislativa requerida pelos peticionrios (DAR II srie B

    N. 16/XII/1 06.08.2011 (pg. 2-3)).

    Mais recentemente, a Petio n. 80/XII, com mais de 12 mil signatrios, vem

    novamente peticionar ao parlamento o reconhecimento do especial estatuto dos seres

    sencientes, atravs da alterao ao Cdigo Civil (DAR II srie B N. 173/XII/1 17.03.2012

    (pg. 10-12)).

    Neste esprito, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou um projeto de

    lei que clarifica que os animais no devem ser reconduzidos integralmente ao estatuto jurdico

    das coisas, salvaguardando, no entanto, os casos de aplicao subsidiria por ausncia de

    legislao especial de proteo, modificando em conformidade outras disposies do Cdigo

    Civil e alguma da sua arrumao sistemtica. So especificadas regras prprias para adefinio do montante indemnizatrio em caso de morte de animal de companhia (novo artigo

    496.-A) e definidos os deveres do proprietrio dos animais no que toca ao seu bem-estar e a

    necessidade de respeito por estes da legislao especial aplicvel deteno e proteo dos

    animais, nomeadamente as respeitantes identificao, licenciamento, tratamento sanitrio e

    salvaguarda de espcies em risco, sempre que exigveis. especificado tambm que o direito

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    de propriedade de um animal no contempla a possibilidade de infligir maus-tratos, atos

    cruis, formas de treino no adequadas ou outros atos que resultem em sofrimento

    injustificado, abandono, nem de destruio, ressalvada a legislao especial existente. ainda

    sugerida a alterao dos preceitos relativos ao achamento de animais perdidos, bem como a

    terminologia constante do artigo 1321., abandonando o conceito de animal malfico, que j

    no se ajusta ao esprito e ao conhecimento atual sobre a matria. Por fim, no plano das

    relaes patrimoniais entre cnjuges, esse projeto de lei especifica que os animais de

    companhia no integram a comunho geral de bens, e a necessidade de regulao do destino

    dos animais de companhia em caso de divrcio, considerando, nomeadamente, os interesses

    de cada um dos cnjuges e dos filhos do casal, e tambm a acomodao e tratamento do

    animal. No entanto, esta proposta de alterao regressou s comisses, uma vez que se

    encontrava incompleta e faltava-lhe as normas relativas criminalizao do mau trato,

    conforme peticionado (DAR II srie A N. 123/XII/1 17.02.2012 (pg. 6-11), DAR I srie

    91/XII/1 31.03.2012 (pg. 36)).

    A ordem jurdica, embora lenta, quando comparada com o direito internacional de

    pases como Sua, Alemanha e Inglaterra, tenta especificar salvaguardas contra o sofrimento

    dos animais de companhia, que so sem dvidas os mais acarinhados, mas os mais expostos

    ao abandono, devido a sua antropizao do efeito mimtico induzido pela simbiose da

    domesticao (Arajo, 2003).

    A Conveno Europeia para a Proteo dos Animais de 13 de novembro de 1987, j

    reconhecia que o homem tem uma obrigao moral de respeitar todas as criaturas vivas,

    mas no prprio documento logo reconhecido os direitos antropocntricos dos tutores, aqui

    reconhecidos como detentores, encarando os animais de companhia como um contributo para

    a qualidade de vida do detentor, e no como sujeito senciente. Neste documento condenado,

    j em 1987, o abandono de animais de companhia e a proibio de causar dor, sofrimento ou

    angstia aos mesmos, mas apenas se se verificar a inutilidade da circunstncia causal (Arajo,

    2003).

    J num plano menos fctico, mas mais normativo, importante referir que oProtocolo Anexo ao Tratado de Amesterdo, o qual institui a Comunidade Europeia, dispe

    que um objetivo comum aos pases da Comunidade Europeia garantir uma proteo

    reforada e um maior respeito pelo bem-estar dos animais, enquanto seres dotados de

    sensibilidade sendo ainda de realar as diversas polticas comunitrias que, em concreto, tm

    por intuito promover uma conduta responsvel por parte dos proprietrios de animais de

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    companhia. No plano da ordem jurdica nacional importa destacar que, as alteraes

    introduzidas nos ltimos anos tm vindo a atribuir mais competncias s Cmaras Municipais

    na rea do bem-estar animal, controlo de zoonoses e controlo de animais errantes. Neste

    mbito de salientar que, face ao alarme social provocado por diversos e dramticos casos

    ocorridos com ces perigosos, o legislador elaborou a Lei n. 49/2007, de 31 de agosto, a qual

    alterou o regime jurdico de deteno de animais perigosos e potencialmente perigosos e

    estabeleceu um quadro normativo mais estrito, com um regime sancionatrio mais exigente

    para os prevaricadores (Regulamento de Animais do Municpio de Sintra, 2009).

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    1.3.

    O animal de companhia no passado

    Os ces e os gatos convivem com humanos h, pelo menos, 10 mil anos no caso dos

    gatos (Stefoff, 2004) e 12 a 13 mil anos no caso dos ces (Wayne et al., 2010).

    importante compreender o processo de domesticao destes animais e o seu

    percurso de animal selvagem a animal domstico, para melhor se perceber a dependncia e

    proximidade que hoje em dia estas duas espcies tm do Homem (Lima & Luna, 2012).

    1.3.1. Gatos

    Os gatos domsticos que iniciaram o seu processo de domesticao h cerca de 10

    mil anos, expandiram-se a partir da frica subsariana at alcanarem as terras do atual Egipto

    (Stefoff, 2004), onde adquiriram um estatuto, no s de animal de companhia, mas tambm de

    figura da mitologia, como por exemplo a da deusa da fertilidade e do amor, Bastet,

    representada com cabea de gato. Os gatos chegaram a ter honras de embalsamento. As suas

    mmias esto entre ns at hoje e podem ser visitadas em museus, como o Museu do Cairo

    (Clutton-Brock, 1993).

    Legenda: Deus Bastet e mmias de gatos.

    Fonte: myth-age.blogspot.com & pt.wikipedia.org.

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    Avanos no estudo do ADN permitiram aos cientistas construir a primeira rvore

    genealgica da famlia dos feldeos, o que demonstrou que os grandes felinos rugidores

    (panteras) foram os primeiros a se ramificar, seguidos por sete linhagens e, medida que o

    nvel dos oceanos subia e descia, migravam para novos continentes, dando origem a novas

    espcies, at surgir o pequeno gato selvagem domesticado entre 8 a 10 mil anos (Menotti-

    Raymond et al., 2008).

    Segundo um estudo feito por Driscoll et al. (2007), da Universidade de Oxford, o

    gato foi domesticado em diferentes ocasies, todas entre 8 mil e 10 mil, na regio do nordeste

    da frica, medida que pequenas populaes humanas nmadas comearam a se reunir em

    pequenas povoaes com cultivo agrcola, essencialmente trigo e cevada. Pensa-se que estes

    felinos, atrados pela grande quantidade de roedores que tambm eles eram atrados pelos

    cereais humanos, iniciaram uma espcie de troca de servios, afastando e consumindo os

    roedores beneficiando, em troca, da proteo e abrigo por parte dos humanos. Esta simbiose

    fez com que a proliferao dos gatos selvagens fosse crescente, unindo a sua existncia dos

    humanos.

    Depois de domesticados, os gatos j Felis catus, proliferaram e chegaram a todos os

    continentes a p, ou mesmo com recurso aos barcos, e mais tarde atravs de comboios e

    transportes que os humanos usavam nas suas viagens, exploraes e aventuras (Clutton-

    Brock, 1993; Driscoll et al., 2007).

    Em Portugal, pensa-se que a introduo do gato domstico dever-se- aos Fencios

    (Antunes, 1995). Em investigaes arqueolgicas realizadas em Silves foram descobertos

    esqueletos de gatos que remontam ao sculo VIII (Gomes, 2002), que indicam que os gatos

    tinham j um lugar de animal domstico.

    O interesse pelos gatos e a sua gradual transformao em animais de companhia

    continuaram nos sculos seguintes, apreciando-se cada vez mais as suas qualidades de suposta

    independncia e de utilidade para o Homem (Driscoll et al., 2007).

    1.3.2.

    Ces

    So crescentes os estudos que apontam para uma grande diversidade de ambientes e

    datao dos fsseis levando a diversas teorias sobre a origem do co. Segundo (Vil et al.,

    1997) e (Wayne et al., 2010), devido a esta diversidade de estudos, autores e dissertaes

    sobre como surgiu o co domstico (Canis familiaris), torna-o um tema controverso.

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    Uma das teorias, onde (Vil et al., 1997) e (Tsuda et al., 1997) defendem que o co

    domstico surge, no com o processo de domesticao do lobo h cerca de 10 a 12 mil anos,

    mas anteriormente a este processo, apresentando a separao do lobo cinzento (Canis lupus) e

    do co h cerca de 135 mil anos como sendo a origem do co domstico.

    Noutros estudos mais recentes (Wayne et al., 2010) defendem que o material

    gentico dos lobos e ces diferem apenas 1% e que, efetivamente, se separaram a 135 mil

    anos, mas sugerem tambm que durante muito tempo a diferena gentica entre as duas

    espcies era demasiado pequena para se conseguir comprovar nos fsseis. Facto que, segundo

    essa mesma pesquisa, aponta para uma domesticao mais recente (h cerca de 10 mil a 12

    mil anos).

    Existem outras teorias sobre a origem dos ces, baseadas principalmente em

    semelhanas fsicas que referem que o co tem origem num dos vrios membros do gnero

    Canis: lobos, coiotes ou chacais, ces selvagens como o dingo australiano ou um cruzamento

    entre estas raas. No entanto, estudos genticos mais recentes no sustentam esta teoria: ao

    que tudo indica, at ao momento, apenas um animal contribuiu decisivamente para a origem

    do co domstico e esse animal o lobo cinzento (Vil et al., 1997; Savolainen et al., 2002;

    Wayneet al., 2010).

    Sobre o processo de domesticao existem tambm diversas teorias. Uma delas

    defende que esta relao, que conduziu ao processo de domesticao, surge no seguimento da

    procura, por parte de lobos, de restos de comida ou carcaas deixadas como resduos pelos

    caadores-coletores junto aos acampamentos e que permitiu assim, segundo (Coppinger &

    Smith, 1983), reduzir a distncia de fuga ao homem e iniciar comportamentos sociais com

    estes.

    Como as espcies do gnero Canis so animais gregrios, com comunidades sociais

    extremamente complexas, o que aumenta a eficincia destes carnvoros predadores na busca

    de alimento, estas caractersticas tero favorecido uma aproximao e associao simbitica

    que advm desta relao homem-lobo-co (Velden, 2009).

    J outra teoria sugere que pela adoo de crias rfos de lobos mortos devido aataques s populaes humanas que surge a domesticao, uma vez que estes rfos, sozinhos

    e atrados pelos odores dos mantimentos humanos, aproximavam-se destes e acabavam por

    ficar j com uma relao de proximidade e necessidade de alimentao (Filho, 2010).

    No livro The lost history of the canine race, Mary Elizabeth Thurston, baseada em

    bibliografia e pesquisas na rea de zooarquelogia e antropologia, defende que foram as

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    mulheres, a ponte para o processo de domesticao desta espcie, atravs da adoo de crias

    rfo com a sua alimentao por restos de alimentos dos acampamentos humanos, e

    amamentando-os com o mesmo leite que alimentavam os seus prprios filhos, conseguindo

    assim uma aproximao e harmonizao dos animais ao grupo clere e douradora (Thurston,

    1997).

    A investigadora teve evidncias desta teoria a partir do sculo XIX nos povos

    indgenas em vrias partes do mundo (Thurston, 1997).

    Legenda: exemplos de amamentao humana a outras espcies.

    Fonte: http://muralanimal.blogspot.pt.

    H ainda a vertente que defende que foram os prprios animais que se

    autodomesticaram, sem que os humanos tivessem uma parte ativa no processo. Segundo

    (Larson, 2011), os primeiros animais domesticados foram os ces, seguindo-se os sunos e

    caprinos, que tiverem um longo perodo inicial de maneio no intencional por parte dos seres

    humanos, o que provavelmente introduziu alteraes nas espcies, aumentando a sua

    propenso para a domesticao.

    Com o sedentarismo, devido a alterao da organizao das sociedades e ao

    desenvolvimento da agricultura, os humanos deram um novo passo na sua relao com os

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    candeos. Eventualmente, algumas crias foram efetivamente adotadas, uma vez rfs, e

    levadas para os acampamentos na tentativa de serem amansadas (Thurston, 1997).

    Estas crias, ao atingirem a fase adulta, se no aceitassem a presena humana ou

    manifestassem agressividade eram descartadas ou impedidas de acasalar, havendo assim, ao

    longo do tempo, uma seleo de animais dceis, tolerantes e obedientes aos humanos que, em

    adultos, se tornavam de grande utilidade, auxiliando na caa e na guarda (Johns, 2008). Este

    processo gradual, baseado em tentativas e erros, levou eventualmente criao dos ces

    domsticos que eram na altura auxiliares no trabalho, caa, pastoreio, vigilncia, etc. (Fogle,

    2009).

    Ao longo da Histria Mundial, so muitas as referncias aos ces na sociedade

    humana (Tedford & Wang, 2010), mas apenas no Renascimento que aparecem referncias

    ao facto de a nobreza, na sua maioria, ter apreo pelos animais domsticos, principalmente

    ces e cavalos (Wilson & Reeder, 2005). Durante este perodo, os ces eram utilizados para a

    caa desportiva e criados com cuidado dentro dos canis de cada castelo. Com as famlias

    livres para desenvolverem as suas prprias raas, as variedades de cada regio comearam a

    surgir. Estas novas raas eram consideradas tesouros no encontrados em nenhum outro lugar

    do mundo e, por isso, oferecidas como presente entre a nobreza, por representarem grande

    sinal de riqueza. Esta moda ajudou a difundir ainda mais a variedade e a preservar

    determinadas raas, quando em muitos casos estavam praticamente extintas (Wilson &

    Reeder, 2005).

    Os ces ganham um estatuto de nobreza na Europa, e so acarinhados por reis e

    rainhas, de tal forma que em 1822 surge a primeira lei especfica nacional na Gr-Bretanha

    para proteo dos animais domsticos, visando impedir as lutas entre touros e ces (Santana

    & Oliveira, 2004).

    Na era moderna, apesar de fazer parte da histria humana, desde membro da matilha

    de caa, imagem divina e a soldados nas guerras, o co tornou-se um animal de companhia

    apenas no sculo XX (Fogle, 2009).

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    1.4.

    O co e o gato na sociedade atual

    O modo de pensar, de sentir e de agir foi sendo construdo ao longo da existncia do

    ser humano, ao ponto de cada um ser chamado hoje de sujeito. Este processo, denominado de

    subjetivao, materializou-se tambm graas interao com os animais, numa construo

    que se arrasta desde a pr-histria (Delarissa, 2003). A cincia estuda este fenmeno para

    desvendar as razes destes laos que j duram h pelo menos 12 mil anos (Teixeira, 2007).

    Os ces e os gatos so hoje em dia os animais de companhia de eleio dos humanos.

    O Brasil a segunda maior nao canina do planeta, com cerca de 23 milhes de indivduos

    (Kostman, 2003). O gato o animal de companhia de eleio na Amrica do Norte e na

    Europa (Faraco, 2009). O nmero de proprietrios de gatos aumenta de dia para dia no mundo

    todo, e em alguns pases Europeus a populao de gatos ultrapassou a populao canina

    (Marchand & Moore, 1991).

    Segundo um estudo feito pelaAmerican Pet Products Manufactures Association, em

    2003 existiam cerca de 64 milhes de proprietrios de ces nos EUA, o que correspondia a

    um aumento na populao de 10 milhes de indivduos, comparando com a dcada anterior.

    Dados do setor econmico estimam que existam valores de faturao superiores a 31 bilhes

    de dlares s nos EUA, com gastos em produtospete que superam os gastos com brinquedos

    ou doces, no mesmo ano (Faraco, 2009; Silva, 2011).

    Hoje em dia milhares de ces e gatos vivem como animais de estimao nos mais

    diversos lares, por todo o planeta, e desempenham funes to diversas, que podem passar por

    serem ornamentais, smbolo de status, membros da famlia, para terem como objetivo serem

    tratados e estimados ou para eles prprios tratarem e cuidarem os humanos com fins

    teraputicos diversos (como terapia fsica, motora, psquica, ou mesmo emocional, ou ento

    como meio e fim para serem objetos de emoes, recetores de carinho e muitas vezes de

    fortes ligaes). Em diversos estudos recentes compara-se a importncia dos animais de

    estimao com a dos demais membros humanos da famlia. Hoje, mais frequentemente em

    centros urbanos, os animais de estimao so considerados membros da famlia. Este facto

    sugere uma forma de existncia de sistema familiar composto por membros humanos e por

    animais, surgindo assim novas configuraes que intrigam investigadores por todo o mundo

    (Faraco, 2009).

    Vrios estudos, nomeadamente, o Anthropomorphism and Anthropomorphic

    Selection, Beyond the Cute Response, de James A. Serpell, tm-se debruado sobre este

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    tema para entender as repercusses deste vnculo. Esta nova estrutura familiar tem levado a

    um crescente nmero de pesquisas que mostram que estes animais podem ser, at mesmo,

    mais significativos do que membros humanos da famlia e representar diferentes papis, entre

    outros, o de filho (Bowen, 1978; Cain, 1993; Beck & Katcher, 1996).

    J no ano de 1699 surgiram relatos de animais que desempenhavam a funo de

    socializao de crianas, atravs das suas relaes e laos com estes. Era atravs de tarefas

    que o animal trazia s vidas das crianas que estas apreendiam noes bsicas de

    responsabilidade, como a de alimentar e cuidar do animal (Dotti, 2005).

    O primeiro registo de utilizao de animais para fins teraputicos encontra-se no

    sculo IX, em Gheel, na Blgica, onde pessoas com necessidades especiais foram autorizadas

    pela primeira vez a cuidar de ces e gatos. A origem da Terapia Assistida com Animais

    (TAA) nasce em Inglaterra. A TAA, no final do sculo XVIII, foi aplicada numa instituio

    de distrbios mentais. A terapia consistia em permitir aos pacientes internados participarem

    num programa alternativo de comportamento, onde cuidavam de animais de quinta como

    reforo positivo. Nos anos 60, o psiclogo infantil americano Boris Levinson ressuscita a

    terapia baseada em animais (Peixoto et al., 2009).

    A zooterapia consiste num fenmeno transcultural historicamente antigo e

    geograficamente disseminado, ainda que relativamente pouco investigado (Silva, 2009).

    Zooterapia, Atividade Assistida por Animais (AAA), a TAA e ainda a Pet Therapy

    so denominaes para diferentes tipos de assistncia humana onde os animais so utilizados

    como coterapeutas e coeducadores. Funcionam como facilitadores do ensino e aprendizagem

    e ainda como estimuladores de atividades fsicas e teraputicas (Silva, 2009).

    A Delta Society, entidade dos Estados Unidos que regula os programas com recurso

    a utilizao de animais, definiu em 2005 que: a TAA, trata-se de uma interveno dirigida a

    um objectivo, na qual o encontro entre o animal e humano torna-se parte integrante do

    processo de tratamento; dirigida por um profissional da rea da sade e est desenhada

    fundamentalmente para promover melhorias nas reas fsica, emocional e social, respeitando

    o funcionamento cognitivo das pessoas. Pode levar-se a cabo desde uma ampla variedade deenquadramentos e pode realizar-se de forma individual ou em grupo. Todo o processo de

    tratamento deve ter uma avaliao e um registo do mesmo (Silva, 2011).

    Nos nossos dias, os princpios da terapia mediada por animais so utilizados no

    mundo todo. Esta terapia desempenhada com o recurso a ces, gatos, cavalos, golfinhos,

    peixes, tartarugas, coelhos e burros e realizada em hospitais e escolas especializadas no

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    tratamento de pessoas com disfunes psicolgicas e na reabilitao de portadores de

    deficincias mltiplas. O vnculo afetivo que o paciente estabelece com muita facilidade com

    o animal o primeiro passo para o sucesso da terapia, permitindo desta forma que a

    comunicao com o terapeuta seja fluda e possvel. Pode ser feita em vrias faixas etrias

    sem proporcionar-lhes perigo (Flres, 2009; Kobayashi et al., 2009).

    No Brasil, o primeiro trabalho de que h registo com recurso a animais para fins

    teraputicos foi o da psiquiatra Junguiana Nise da Silveira, que realizou a sua terapia nos

    pacientes com esquizofrenia atravs de mtodos com recurso a ces e gatos num hospital a

    partir de 1955. Esta abordagem foi estendida somente at dcada de 60, uma vez que o seu

    trabalho como um todo no era reconhecido e o seu recurso a animais era uma das suas

    maiores dificuldades no centro onde exercia a atividade, uma vez que a interao entre

    animais e paciente foi uma forte fonte de controvrsia e preconceito na altura (Klein, 2007).

    Em Portugal, a TAA comea a ser uma terapia credvel e recorrente com adeso por

    parte da comunidade cientfica, aplicada com frequncia e tem provas dadas,

    nomeadamente, em crianas com autismo ou sndrome de Down, e em menos recorrncia no

    acompanhamento a seniores e adultos jovens com problemas diversos, quer funcionais,

    psicolgicos, ou que sofram de solido, estes em programas ainda muito embrionrios e em

    fase de experimentao e com poucos apoio governamentais. Outra vertente de aplicao

    deste tipo de terapia so os programas de reabilitao de reclusos, identificando-se a ttulo de

    exemplo a priso de Monsanto em Lisboa (Porto & Cassol, 2007).

    Ces com treino especfico auxiliam profissionais da rea da sade a trabalhar a fala,

    equilbrio, expresso de sentimentos e motivao. Este tipo de terapias conta com ces

    treinados por um profissional da rea e com o auxlio de psiclogos, fisioterapeutas, mdicos

    e mdicos veterinrios, onde os ces realizam exerccios procurando estimular o paciente,

    tanto fisicamente como psicologicamente, beneficiando assim o paciente e permitindo abrir

    novas oportunidades para este obter crescimento pessoal, baseado em benefcios

    educacionais, ldicos ou motivacionais a partir do contacto com o animal (Oliveira, 2005).

    O co guia tem j o seu estatuto e reconhecimento na sociedade cientfica e em geral.Apesar do desenvolvimento tecnolgico o co guia tem o seu trabalho reconhecido e

    apreciado e muito estimado especialmente pelos deficientes visuais. O co de alerta que tem

    como funo avisar as pessoas, por exemplo, com epilepsia, da proximidade da ocorrncia de

    um ataque , embora menos conhecido, o co de servio especialmente treinado para estas

    tarefas e tambm muito importante para pessoas que padeam desta patologia, salvando

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    muitas vidas. Outro tipo de co de trabalho especfico o que auxilia indivduos com

    problemas motores, que estejam acamados ou confinados a cadeiras de rodas, e desta forma

    comprovaram o quanto a companhia de um animal pode ser benfica em termos emocionais.

    Neste caso, estes ces so treinados para apanhar objetos do cho ou ir buscar objetos, fechar

    portas, apagar luzes e, muito importante, dar o alerta quando existem alteraes do estado de

    sade do humano em questo. Os detentores destes ces sentem-se extremamente apoiados e

    seguros pelos mesmos (Anderline, 2009).

    Recentemente na Europa e Estados Unidos foi comprovado que as famlias com

    animais de estimao tm menos despesas com a sua prpria sade do que as famlias sem

    animais, uma vez que a convivncia com animais pode contribuir para melhorar a autoestima,

    diminuir problemas cardiovasculares, auxiliar a famlia na diminuio do stress, no

    desequilbrio da presso sangunea em hipertensos e, principalmente, de melhorar a interao

    social (Pletsch, 2010).

    Apesar desta interao com os animais e toda a histria do relacionamento entre

    humanos e animais de estimao, o abandono um importante problema de sade pblica e

    de bem-estar animal. Este apresenta diversas causas que passam por fatores religiosos,

    culturais e socioeconmicos, aspetos demogrficos, ecolgicos e biolgicos e tambm est

    muito relacionado com o grau de desenvolvimento dos pases. Esta ltima causa tem um

    grande impacto na gravidade e tratamento da forma como os diversos pases gerem a

    problemtica. Juntam-se ainda as questes sociais, legais, financeiras e ticas que influenciam

    as estratgias utilizadas pelos governos para o maneio das populaes de animais

    abandonados (Acha & Szyfres, 1980).

    Estima-se que existam milhes de animais errantes, fruto da m gesto da relao

    dos humanos com os animais. E ao contrrio do que se pode julgar, os animais que hoje se

    encontram nas ruas muito provavelmente tiveram a sua origem num lar humano (Macpherson

    et al., 2000).

    As razes para o abandono so to diversas como o maneio inadequado, falta de

    conhecimento das necessidades fisiolgicas e psicolgicas, por parte dos detentores dosanimais, entre muitas outras (Garcia et al., 2012).

    Outro dos grandes fatores que contribui para o descontrolo da natalidade de ces e

    gatos, e que contribui para a sobrepopulao, o comrcio dos mesmos. A escassa legislao

    nos pases da Amrica Latina, da Europa Mediterrnica e de Leste, e de grande parte da sia,

    entre outros, deixa espao para que as condies de comrcio, alojamento transporte e

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    manuteno no dignifiquem nem protejam minimamente os animais, uma vez que na

    legislao no esto previstas normas e regulamentaes no que concerne sequer sua

    identificao eletrnica, plano vacinal e profiltico, esterilizao, e mesmo no que respeita

    sua manuteno em habitao urbana ou rural. Tambm no existem regras de nmero

    mximo de animal por habitao ou normas bsicas de sade pblica, estando os animais

    frequentemente desprotegidos e merc da vontade humana, que nem sempre est

    devidamente formada e informada das necessidades fisiolgicas dos animais, estando mais

    exposto a reproduo descontrolada (Lima & Luna, 2012).

    As organizaes e polticas pblicas mundiais identificam os animais como possveis

    portadores de doenas, sendo a sua principal preocupao o seu controlo para combater a

    disseminao de doenas e evitar acidentes provocados pelos animais. Em 1973, a

    Organizao Mundial de Sade (OMS), baseada no 6. Relatrio do Comit de Especialistas

    em Raiva da OMS, decidiu que por motivos de sade pblica se devia proceder captura e

    extermnio dos animais errantes que no fossem reclamados, recorrendo a mtodos aprovados

    pelo comit, que passava por tiro de pistola com mbolo cativo, eletrocusso, cmara de

    descompresso rpida, drogas inalantes ou no inalantes, como: monxido de carbono, ter e

    clorofrmio em cmara de vapor, dixido de carbono, nitrognio (estes inalantes) ou o

    recurso a pentobarbital sdico, tiopental, acepromazina, cloreto de potssio, sulfato de

    magnsio (injetveis) (WHO, 1973).

    Este mtodo no resolveu o problema da sobrepopulao e, a partir de 1984, com a

    concluso de que a sobrepopulao de ces e gatos ocorre devido ao excesso de nascimentos,

    as autoridades mundiais perceberam que na natalidade descontrolada que reside o problema.

    Ento, a OMS recomenda a preveno ao abandono e, em 1990, publica o primeiro guia de

    orientao de maneio populacional canino (WHO, 1990).

    Assim a tendncia mundial passou a ser, em vez da habitual prtica de extermnio

    dos ces e gatos errantes, as prticas recomendadas pela OMS e pela World Society for the

    Protection of Animals (WSPA), nomeadamente:

    (a)

    controlo da populao atravs da esterilizao;(b)

    promoo de protocolos vacinais obrigatrios;

    (c)

    incentivo de educao ambiental orientada para a adoo e responsabilizao

    de deteno de animais;

    (d)

    elaborao e efetiva implementao de legislao especfica;

    (e)

    controlo do comrcio de animais;

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    32

    (f)

    identificao eletrnica e registo dos animais;

    (g)

    recolha seletiva dos animais errantes (WHO, 1990; WHO, 1992).

    Em 2007, a organizao International Companion Animal Management Coalition

    (ICAM) redigiu um guia que inclui estratgias de cuidados e tambm orienta sobre a

    sustentabilidade dos programas de maneio de animais comunitrios de forma a desenvolver a

    responsabilidade social local, monitorizao e avaliao constantes (WHO, 2005).

    Em 2009, a Organizao Mundial para Sade Animal (OIE) indicou as seguintes

    medidas para o controlo populacional de ces e gatos:

    (a) educao e legislao para a deteno responsvel;

    (b)

    registo e identificao dos animais;

    (c)

    controlo reprodutivo;

    (d)

    recolha e maneio de ces de rua capturados;

    (e) controlo das fontes de alimento e abrigo;

    (f)

    restrio do movimento;

    (g)

    educao para a reduo dos ataques e mordeduras e, consequentemente, da

    eutansia dos animais.

    Identificou ainda elementos para serem monitorizados, como a amostra

    populacional, a prevalncia de doenas e o nvel de deteno responsvel (OIE, 2010).

    Em 2010, a Organizao das Naes Unidas para a Agricultura (FAO) realizou uma

    consulta via eletrnica, para obter informaes sobre o estado do maneio populacional

    animal. Como resultado desta consulta, a concluso obtida resulta em: 1) persistncia de

    animais nas ruas; 2) ausncia de polticas pblicas, em muitos pases; 3) ausncia ou mau

    maneio ambiental; 4) ausncia ou deficiente identificao de animais com tutor; 5) ausncia

    ou deficientes cuidados e consciencializao sobre a tutela responsvel e 6) elevada taxa de

    persistncia e sobrevivncia de animais na rua, em pases da Amrica latina, Europa

    Mediterrnica (Portugal e Espanha includos), Europa de Leste e em alguns pases Asiticos e

    Africanos (ICAM, 2007).

    A ausncia de uma avaliao sistemtica das estratgias utilizadas torna osprogramas vulnerveis e impossibilita a retroalimentao de informaes, a avaliao do

    impacto das medidas e a melhoria das mesmas. O delineamento de um programa genrico e

    universal de maneio populacional de ces e gatos em reas urbanas e onde o excesso de

    populao impera, seria extremamente til para auxiliar os governos na escolha das

    estratgias aplicveis a sua realidade (Garcia et al., 2012).

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    As recomendaes das entidades pblicas mundiais tm produzido importantes

    avanos por todo o planeta, atravs de iniciativas governamentais ou no governamentais. As

    no-governamentais foram levadas a cabo por Organizaes No Governamentais (ONG) que

    se dedicam proteo dos animais. Iniciativas como campanhas de esterilizao em massa,

    aes de sensibilizao e formaes, entre outras, tm tido como objetivo

    primordial promover o controlo populacional dos ces e gatos, mas tambm promover a

    adoo e deteno de animais de forma responsvel e o bem-estar animal. No entanto, em

    muitos pases continua a ser insuficiente (Garcia et al., 2012).

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    1.5.

    Papel do mdico veterinrio municipal e do clnico privado

    O exerccio do poder de autoridade sanitria veterinria concelhia exercido pelo

    Mdico Veterinrio Municipal (MVM) traduz-se na competncia de, sem dependncia

    hierrquica, tomar qualquer deciso, por necessidade tcnica ou cientfica, que entenda

    indispensvel ou relevante para a preveno e correo de fatores ou situaes suscetveis de

    causarem prejuzos graves sade pblica, bem como nas competncias relativas garantia

    da salubridade e segurana alimentar dos produtos de origem animal (n. 4 do artigo 2. do

    DL n. 116/98, de 5 de maio).

    Acresce entre outras competncias do MVM a de notificar de imediato as doenas de

    declarao obrigatria e adotar prontamente as medidas de profilaxia determinadas pela

    autoridade sanitria veterinria nacional sempre que sejam detetados casos de doenas de

    carcter epizotico, salvaguardando desta forma a sade pblica, (alnea d) do artigo 3. do

    DL n. 116/98, de 5 de maio), bem como determinadas no Programa Nacional de Luta e de

    Vigilncia Epidemiolgica da Raiva Animal, de excecional importncia para a sade pblica

    e bem-estar animal (DL n. 317/85, de 2 de agosto de 1985.) Portugal tem estado indemne da

    zoonose raiva, devendo-se, por consequncia, aos programas implementados e ao papel do

    mdico veterinrio bem como toda a formao e informao nesta temtica. O problema da

    sade pblica e das zoonoses, est to intimamente ligado ao abandono de animais que est

    previsto, no referido decreto-lei, uma contraordenao relativa ao abandono voluntrio de

    ces e gatos que, alm de constituir medida importante na preveno de aes que, a

    generalizarem-se, facilitam a propagao da raiva, no caso de surtos desta zoonose constitui,

    simultaneamente, a primeira de uma srie de disposies que, semelhana do que vem

    sucedendo noutros pases, sero oportunamente publicadas com vista a assegurar a proteo

    dos animais contra os maus tratos, atos de crueldade e sevcias graves (DL n. 317/85, de 2 de

    agosto de 1985).

    Em 2010 foi publicado na Revista Electrnica Novo Enfoque, um estudo (Silvano

    et al., 2010) realizado no Brasil que abrangeu o bem-estar animal e a sua relao com a

    guarda responsvel de animais de companhia, demonstrando a histrica interao homem-

    animal, bem como a importncia do mdico veterinrio para a promoo do bem-estar animal

    e a difuso dos princpios da guarda responsvel. Os resultados desse estudo demonstraram

    uma elevao nos padres de bem-estar dos animais envolvidos, consciencializao da guarda

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    responsvel e reconhecimento da extenso veterinria como um valioso e efetivo meio para

    difuso de informao, sobretudo, nas comunidades mais desfavorecidas.

    Segundo o mesmo estudo, para estimular a guarda responsvel e o no abandono dos

    animais, compete aos mdicos veterinrios efetuar os seguintes passos:

    (a)

    Definir pontos fundamentais em relao alimentao caracterstica da

    espcie, suprimindo necessidades metablicas especficas, conforme defendido

    por Cunninghan (2004).

    (b)

    Orientar sobre padres comportamentais da espcie, para que comportamentos

    normais no sejam interpretados de forma errada pelos proprietrios, como

    disfunes dos animais, referido por Landsberg et al.(2005).

    (c)

    Orientar sobre os cuidados bsicos de sanidade animal, que so de extrema

    importncia, uma vez que envolvem a preveno de doenas por meio de

    vacinao, desparasitao; e em relao higiene e maneio, evitando a

    ocorrncia de zoonoses, de acordo com Nelson & Couto (2006).

    (d)

    Difundir e praticar a esterilizao, quando a reproduo no desejada e para

    fins de controlo populacional, segundo Thornton (1992), bem como quando

    so detetados distrbios de herdabilidade gentica para futuras geraes e

    preveno de distrbios j reconhecidos como de origem hormonal

    reprodutiva, nomeadamente, neoplasias mamrias e hiperplasia prosttica,

    conforme Fossum (2002).

    (e)

    Reestabelecer, em linha com o defendido por Birchard & Scherding (2003) a

    homeostase orgnica, quando a mesma interrompida, atravs de teraputica

    medicamentosa e cirrgica, promovendo a longevidade dos animais.

    (f)

    Indicar a prtica da eutansia quando a mesma justificada como forma de

    evitar o sofrimento, em pacientes terminais, ou para salvaguarda de quaisquer

    riscos sanitrios para as pessoas ou outros animais, podendo mesmo ser

    decidido o abate do animal pelo mdico veterinrio, atravs de mtodo que no

    implique dor ou sofrimento, entenda-se eutansia (Decreto-Lei n. 314/2003).(g)

    Implementar formas de identificao, como implantao de microchip, tal

    como recomenda Holmes (2005).

    Em Portugal a identificao eletrnica, segundo o Decreto-Lei n. 312/2003, de 17 de

    dezembro de 2003 passou a ser obrigatria, a partir de julho de 2004, para as raas

    consideradas perigosas ou potencialmente perigosas. A partir de julho de 2008, todos os ces

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    tm de ser identificados eletronicamente. A data a partir da qual obrigatrio identificar os

    gatos ser posteriormente definida por despacho do Ministrio da Agricultura, no tendo

    ainda sido definida (DGAV, consultado em 24.05.2013). H outras questes que levam as

    pessoas a desistir dos seus animais: as pessoas tm, muitas vezes, expectativas irreais para

    com os animais, e quando estas no so atendidas, muitas vezes desistem dos mesmos. Saber

    por que algumas relaes humano-animal no foram bem-sucedidas o primeiro passo para a

    preveno destas relaes. A educao deve ser implementada durante o exame mdico

    veterinrio inicial na prpria clnica veterinria assistente ou no ato da aquisio do animal.

    Aqui equvocos podem ser esclarecidas, treinos de obedincia e mtodos de ensino adequados

    podem ser recomendados e possveis problemas de comportamento podem ser identificados

    e/ou discutidos com os profissionais, mas sobretudo prevenidos. Poucos minutos de tempo do

    mdico veterinrio na sua prtica clnica podem resultar num relacionamento duradouro e

    bem-sucedido com um animal de companhia (Salman et al., 1998).

    Os mdicos veterinrios so fundamentais para informar os tutores dos animais e

    incentiv-los a utilizar as informaes construindo relaes humano-animal bem-sucedidas

    (Salman et al., 1998).

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    1.6.

    Causas de abandono ou renncia de ces e gatos

    A companhia de ces e gatos nos lares humanos um fenmeno crescente e global.

    No entretanto, apesar da simbiose positiva entre humanos, ces e gatos, o abandono destes

    animais constitui, tambm, um fenmeno global. Neste cenrio, as razes comportamentais,

    ou seja, os comportamentos exibidos pelos ces e gatos, e julgados como inaceitveis pelos

    seus tutores, esto entre as principais causas do abandono (Salman et al., 2000).

    Segundo (Salman et al., 2000; Cruz, 2012), os problemas comportamentais em ces e

    gatos so uma das principais causas de abandono e eutansia destes animais, uma vez que

    afetam diretamente a sua qualidade de vida e de quem convive com eles. Alm destes

    problemas, foram identificadas tambm as mudanas de residncias (New et al., 1999),

    questes de sade e questes pessoais dos proprietrios (Scarlett et al., 1999), como razes

    especficas da renncia ou abandono. No entanto, estes estudos foram focados em animais

    que foram entregues em abrigos direcionados para a adoo. A eutansia ou abandono dos

    animais de companhia est, na maioria dos casos, associada a problemas de agressividade ou

    comportamentos destrutivos em ambas as espcies. S nos EUA, cerca de vinte milhes de

    animais de estimao so abandonados, por ano, em abrigos e pelo menos metade destes so

    abatidos por causa de problemas de comportamento (Seksel, 1997).

    Em Portugal, segundo um estudo elaborado por Jos Pedro Salema4, com dados do

    Instituto Nacional de Estatstica (INE), da Direo Geral de Veterinria e da Sociedade

    Protetora de Animais, foi estimado que, em 2005, foram abandonados 10 milhes de ces e

    gatos em Portugal (Salema, 2005).

    Neste estudo, apresentaram-se as seguintes causas principais de abandono:

    (1)

    Frias dos tutores;

    (2) Os caadores so tambm determinantes para este crescimento;

    (3)

    Doenas graves e dispendiosas dos animais;

    (4)

    Doena ou morte do tutor;

    (5)

    Divrcio de conjugue;

    (6)

    Condomnios que no permitem animais.

    O mdico veterinrio municipal Fernando Costa Rodrigues, na sua tese de mestrado

    em sade pblica (Estudo prvio para a implantao de um programa de controlo de

    reproduo em candeos), realizou inquritos populao que frequentou a campanha oficial

    4http://www2.fcsh.unl.pt/cadeiras/web2/carla/trabalhos/1animais.pdf.

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    de vacinao antirrbica, com uma adeso de 1.416 questionrios validados, cujos resultados

    no foram animadores, verificando-se uma reduzida taxa de animais esterilizados (4,9% no

    global, sendo de 1% nos machos e 10,5% nas fmeas). No mesmo estudo refere que os fatores

    de risco para a subsistncia e o aumento do nmero de animais abandonados, tais como a

    alimentao de animais vadios e a falta do uso da trela pelos proprietrios, persistem na

    populao detentora de animais com uma percentagem de 15,6% e 42,2%, respetivamente. O

    facto de os animais errantes constiturem um perigo para a sade pblica implica que estes

    sejam sistematicamente recolhidos da rua pelas autarquias. Entregues aos milhares todos os

    anos nos seus centros de recolha oficial (antigos canis municipais), no existe posteriormente

    outra soluo que no a sua eutansia (Rodrigues, 2008).

    O abandono de ces e gatos um importante problema de sade pblica e de bem-

    estar animal, com causas mltiplas, relacionadas com fatores religiosos, culturais e

    socioeconmicos, aspetos demogrficos, ecolgicos e biolgicos. Est ainda dependente do

    grau de desenvolvimento dos pases (Ferreira, 2009).

    Entender a relao do ser humano com ces e gatos, bem como a demografia e a

    dinmica das populaes de ces e gatos, fundamental, nomeadamente para a proposta de

    aes de sade pblica, no mbito do equilbrio populacional e a promoo da sade da

    famlia e da comunidade (Garcia & Vieira, 2007).

    A biologia destas espcies, o seu alto potencial reprodutivo, a falta de conhecimento

    e de formao dos tutores dos animais sobre as suas necessidades fsicas, mentais e naturais, o

    maneio inadequado, a cultura local, as condies socioeconmicas da comunidade, as

    caractersticas familiares e a falta de polticas pblicas efetivas para o equilbrio populacional

    contribuem significativamente para os riscos que os animais possam representar. Os

    problemas de sade pblica envolvem, por exemplo, mais de cem zoonoses transmitidas por

    estes animais (Acha & Szyfres, 1980), danos ambientais relativos destruio da fauna

    selvagem (Sweeney et al., 1971; Patronek, 1998; Cleaveland et al., 2000), contaminao

    ambiental (Spirn, 1984); acidentes de trnsito (Garcia, 2009), agresses a seres humanos

    (Sacks et al., 1996; Garcia, 2009), abandono animal como um problema que agrava a sadehumana (Coman & Robinson, 1989; Garcia, 2009), prejuzos ao prprio bem-estar animal

    (Thornton, 1992), incluindo mortes ou sofrimento por atropelamentos que, consequentemente,

    podem trazer sofrimento e danos aos humanos e perdas econmicas (Childs & Ross, 1986),

    poluio sonora, problemas entre vizinhos, entre outros (Murray & Speare, 1995; Stafford,

    2007; Garcia, 2009).

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    Segundo Ana Alegria Rocha (2010), na sua dissertao de mestrado Eutansia em

    candeos e feldeos, as principais causas de eutansia dos candeos e feldeos em estudo, por

    ordem decrescente, foram as se