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TESOURO DA DO PORTO D. Domingos de Pinho Brandão

TESOURO DA SÉ DO PORTO

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Artigo escrito por D. Domingos de Pinho Brandão, Bispo do Porto, sobre o Retábulo e algumas pratas que fazem parte do Tesouro da Sé do Porto.

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TESOURO DA SÉ DO PORTO

D. Domingos de Pinho Brandão

No decorrer do tempo, roubos e desvios empobreceram o Tesouro da Sé do Porto. Apesar disso, conta ainda com algumas peças de valor. Tentaremos enumerar as de maior interesse. Delas apresentaremos uma descrição sumária.

I - O retábulo de prata da Sé do Porto

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É um precioso trabalho o retábulo de prata da capela do Santíssimo Sacramento da Sé do Porto. Obra de diversos artistas, o conjunto é formado pelo sacrário em trono com quatro corpos ou andares, a banqueta, o emolduramento que envolve o sacrário e forra o fundo livre da capela com a sanefa-baldaquino cujos pendentes são de prata, e, ainda o belo frontal, igualmente de prata. O sacrário foi contratado em 31 de Maio de 1,632. Pela confraria do Santíssimo da Sé, intervieram os mordomos João de Figueira Pinto e Baltasar Pinto Aranha. Comprometeram-se a fazê-lo os ourives Manuel Guedes e seu sogro, Manuel Teixeira, ambos de Lamego. A execução da obra prolongou-se até 1651, ano em que foi entregue o último corpo do sacrário. Diversas vicissitudes explicam a longa demora de 19 anos. Além dos dois ourives mencionados, intervieram na sua execução outros artistas. Assim, em 6 de Agosto de 1645, aparece Miguel Pereira que se comprometeu com a Confraria a continuá-lo (terceira corpo), na conformidade dos dois corpos já feitos devendo trabalhar na companhia

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de Manuel Guedes. Em 29 de Outubro de 1648, vem juntar-se a Manuel Guedes o ourives de prata Bartolomeu Nunes: ambos se comprometem a continuar e completar o sacrário, isto é, a fazer o seu quarto e último andar. Este corpo ou andar foi entregue à Confraria em 6 de Junho de 1651. O sacrário sobe, pois, em quatro andares. Remata com a imagem do Salvador sobre uma pequena peanha envolvido por uma auréola radiada. Os andares constam de três faces que decrescem à medida que vão subindo. As faces ou painéis são ladeados por colunas, com excepção do último andar em que as colunas são substituídas por pilastras, e descrevem em baixos e meios relevos cenas do Antigo e do Novo Testamento. Os diversos basamentos dos andares estão ornados com episódios bíblicos, a figuração dos sete sacramentos, cabeças de anjos alados, e ornatos barrocos. O terço inferior das colunas está igualmente trabalhado com alegorias e ornatos. O conjunto do sacrário é um trabalho de muita qualidade que revela o alto nível dos artistas que o conceberam e executaram. Nas varandas ou balaústradas dos três primeiros andares trabalharam de 1669 a 1671 os ourives Sebastião Nunes e Manuel Sousa Amaral. Nestas balaústradas erguiam-se, no primeiro andar, os evangelistas, S. João, S. Lucas, S. Mateus e S. Marcos; no segundo andar, S. Paulo, S. Pedro, S. Tiago e S. André, e no terceiro, S. Simão, S. Filipe, S. Bartolomeu e S. Tomé. Estas imagens foram executadas pelo ourives Manuel Barbosa. Infelizmente, balaústradas e imagens foram roubadas posteriormente e substituidas pelas actuais feitas de 1872 a 1875 na Companhia Aurifícia, do Porto. Desapareceram, também, algumas peças feitas para adorno do sacrário. Assim, em 1664 Manuel Sousa Amaral executou as imagens de Enoch e Noé, e em 1665, as de Moisés e Aarão; e, além disso, o ourives João Teixeira fez quatro tocheiras de prata. Toda esta última obra desapareceu. O frontal foi contratado em 28 de Maio de 1676 pelos ourives Pedro Francisco e Manuel de Sousa Amaral. Reza-se nesse contrato que o frontal seria "de meio relevo lavrado de flores e a modo estrangeiro e suas figaras também de meio relevo nas partes que se lhe apontarem, na qual obra não entrará cousa usada, salvo se for de necessidade, e as chapas feitas de proporcionada grossura e o dará bem acabado, cingido de uma moldura

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Fig. 1 - Sé do Porto: retábulo de prata.

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sendo necessano de chapa lavrada, tudo a contento de pessoas que melhor o entenderem". Em 29 de Dezembro de 1678 estava concluído o frontal que foi, nessa data, entregue à Confraria. É um trabalho primoroso. Divide-se em quatro secções ou painéis, no meio dos quais se representam em medalhões os quatro Evangelistas; a parte superior está ornamentada com cenas do Novo Testamento, e nas franjas laterais vêem­-se representadas as virtudes da Esperança e da Caridade. A banqueta foi contratada pelo ourives Pedro Francisco em 7 de junho de 1679 que juntamente contratou a feitura de uns anjos candelabros. Os anjos foram entregues à Confraria em 29 de Setembro de 1681. A banqueta ficou concluída no ano seguinte e foi entregue à Confraria em 25 de julho. É igualmente um belíssimo trabalho com a figuração de cenas da Paixão de Cristo. Nas abas laterais surgem motivos alusivos à mesma Paixão: pregos, turquês, escada e martelo. O emolduramento à volta do trono e sobre parte do fundo da capela do Santíssimo é obra mais tardia e de vários artistas. Em 10 de julho de 1739, o ourives Domingos de Sousa Coelho arrematou «a grande obra de prata», comprometendo-se a dar a obra concluída no prazo de dois anos. Foi esta a primeira fase do emolduramento. Não concluiu, porém, esta obra. No dia 1 de Agosto de 1740, trespassou o acabamento desta empreitada ao mestre ourives Sebastião Lopes Carrão. Os trabalhos ficaram concluídos em 1742, pois vê-se gravada na parte inferior da pilastra, do lado direito do sacrário, a data: - ANO DOMINI MDCCXLlI. Posteriormente, a Confraria decidiu continuar a obra do retábulo de prata. Por escritura de 16 de julho de 1751, o ourives Manuel Cardoso da Costa ajustou a continuação do retábulo. Cumpriu a tarefa que se impôs e em Agosto de 1753 lavrou-se o respectivo documento de distrate. Novo contrato se ajustou em 4 de Julho de 1755 para continuação da obra do mesmo retábulo. O mestre ourives Domingos de Sousa Coelho comprometeu-se nessa data, a "fazer uma obra de prata lisa e lavrada para continuar a que já se acha por cima do retábulo dourado da capela do Senhor em volta do sacrário". Trata-se das tabelas laterais e do remate superior, isto é, da arcatura e da superfície que se lhe sobrepõe. Foi Nasoni quem fez o desenho para esta última empreitada, como explicitamente diz a escritura do contrato: - «a qual (obra) será feita pela planta e risco que para isso lhe foi apresentada, feita pelo arquitecto e

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Fig. 1 - Sé do Porto: retábulo e altar de prata

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Fig. 3 - Sé do Porto: retábulo de prata - punção do contraste Domingos de Sousa Coelho e marca do

ourives José Coelho Sampaio.

pintor Nicolau Nasoni». Neste contrato, um dos fiadores foi João Coelho de Sampaio. Não sabemos se Domingos de Sousa Coelho terá executado parte deste trabalho. É que nas tabelas laterais aparece a marca do ourives João Coelho de Sampaio, a quem, certamente, se ficaram a dever. A decoração destas tabelas laterais é de execução perfeitíssima: concheados ou vieiras, volutas, flores e folhagem. Todo o conjunto do retábulo de Prata da Sé do Porto, dos séculos XVII e XVIII, é uma obra valiosíssima de ourivesaria que muito dignifica a cidade do Porto (1).

(1) Para outros pormenores sobe o retábulo de prata da Sé do Porto, consultar, especialmente: CARLOS DE PASSOS - O retábulo de prata da Portuense , " Boletim Cultural" da Câmara Munici pal do Porto, XVI, pp. 301-342; D. DE PINHO BRANDÃO - Trabalhos de Nasoni ainda desconhecidos. sep. de " Boletim Cultural", cit. , XXVII, pp. 11-16; e MARIA DA GLÓRIA MAGALHÃES DE SOUSA RAMOS - Os Coelho Sampaio e a sua Arte, " Museu", 2.a série, n. 12 1969), pp. 26-46. A. DE MAGALHÃES BASTO -Apontamentos para um dicionário de artistas e artífices ... " Documentos e memórias para a história do Porto - XXXIII", s.v. Amaral (Manuel de Sousa), Barbosa (Manuel), Costa (Manuel Cardoso da) Guedes (Manuel).

Nunes (Bartolomeu) e outros nomes indicados no texto; B. XAVIER COUTINHO - O urivesaria no Porto

(1500-1640) - " História da Cidade do Porto - II ", pp. 403 e segs.

Fig. 4 - Busto-Rel icá rio de Prata Dourada - Séc. XV (Catá!. n.O 352).

II - Cofre-Relicário de S. Pantalião

Foi mandado fazer por D. João II e D. Manuel para guardar as relíquias de S. Pantalião, da Sé do Porto. Era obra do século XV e foi desenhado pelo Arq . Pantalião Dias. Foi reformado em 1631 . Desapareceu misteriosamente em 1841. Um inventário de 1589 refere-se a esta caixa­-cofre nos seguintes termos: - "Hüa arca grande forrada toda de prata em q. esta o corpo do martyr são Pantalião, E suas Reliquias que estaa em o altar mor toda dourada a qual por ser grande se não pesou" . Apesar de ter desaparecido, deixa-se aqui uma referência a esta valiosa peça.

III - Cabeça-relicário de S. Pantalião

Relicário conhecido vulgarmente por Cabeça de s. Pantalião. Conserva o osso frontal do Santo. É obra do século XV. Foi consertada e enriquecida em 1548 pelo ourives Brás Afonso. Conserva-se, hoje, no Museu Nacional de Soares dos Reis.

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122 -IV - Custódia de D. Diogo de Sousa

Foi oferecida à Sé do Porto pelo Arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, que anteriormente (1496-1505) tinha sido Bispo do Porto. Informa D. Rodrigo da Cunha, no seu Catálogo dos Bispos do Porto, a propósito desta oferta.: - "No ano de 1517, aos sete de Agosto, mandou a esta Sé [do Porto] numa custódia dourada que lhe custou então noventa e seis mil réis, mostrando-se agradecido à Igreja, em que fora Prelado". Foi levemente restaurada durante o episcopado de D. António Barroso. De estilo gotico, é uma peça elegantíssima. Mede de altura 64,6 cm.

V - Cruz-Relicário

De prata dou rada. Pé de planta sextavada, com placa brasonada, de esmaltes. Cruz flordelisada com rubis e safiras. Do século XV-XVI. Altura: 39 cm.

VI - Relicário de S. Tomás de Aquino

Do século XVI.

VII - Relicário de Santa Apolónia

A base é de metal; o ostensório é de prata dourada com pingentes. Do século XVI.

VIII - Sen hora da Assu nção

Com a legenda: PIA DEI MATER I MALA NOSTRA PELLE I BONA CVNCTA POSCE II. Altura com a base 45 cm.

123 -IX - Encadernações de Missais

1 - Linda e rica encadernação de um missal. Foi aproveitada de um missal anterior. O missal foi impresso em Lisboa em 1860. A encadernação é dos fins do século XVII ou dos princípios do século XVIII. Ao centro, em oval, a cena da Anunciação, numa das faces; na outra, a imagem da Senhora da Conceição. A ornamentação é constituída por aves, de que destaca o pelicano, folhagens, flores, tulipas e cabeças de anjos tem punção de contraste do Porto - P orlado de pérolas -, e a marca de ourives LO com um R sobreposto. Mede 36 x 25 cm. A estante do missal é igualmente coberta de prata.

2 - Outro missal que foi impresso em Antuérpia no ano de 1682. A encadernação é dos fins do século XVII. Ao centro, nas duas faces, a imagem da Senhora da Conceição, em oval. A prata cobre inteiramente as superfícies das capas. Estante do missal, igualmente revestida de prata. Sem punção de contraste, nem marca de ourives. Dimensões da encadernação: 34x25 cm.

3 - Há outros missais com aplicações de prata na encadernação.

X - Cálices:

1 - Dois cálices de prata lisa datados de 1744: um com a legenda //CALlS • DOS BENEFISIADOS: DA SEE • DO PORTO - 1744//; outro com a legenda //CALlS • DOS CONIGOS DA SEE DO PORTO • 1744//. Medem de altura 27 cm e ostentam o brasão do Bispo do Porto, D. José Maria da Fonseca e Évora (1741-1752).

2 - Cálice de prata dourada, com concheados, flores e cabeças de anjo. Sabor nasoniano. Século XVIII. Mede de altura 263.mm.

124 -XI - Bacias:

1 - Bacia funda. Tem a legenda FABRICA DA SE DO PORTO. Diâmetro: 495 mm. Tem punção de contraste do Porto, e marca do ourives de fabrico M-S em nexo. Anexa a esta bacia anda uma bilha com igual legenda, com punção do Porto, diferente do anterior e com a marca do ourives LAC em nexo: Luis António Teixeira Coelho, da parte final do século XVIII. Altura da bilha: 40 cm.

2 - Outra bacia funda com contraste do Porto e iniciais do ourives. Mede de diâmetro 46 cm. Tem gravado um brasão episcopal.

XII - Cofre de esmolas

Este pequeno cofre de esmolas tem punção de contraste do Porto e a marca do ourives João Coelho de Sampaio, célebre ourives do Porto. É um trabalho notável, já da segunda metade do século XVIII, desenhado provavelmente por Nicolau Nasoni. Mede de comprimento 315 mm.

XIII - Custódia de D. Rafael Mendonça

Custódia com brasão de D. João Rafael de Mendonça, Bispo do Porto (1771-1793). Mede de altura 78 cm.

XIV - Tinteiro

A bandeja triangular e curvilínea do tinteiro da Sé do Porto assenta em três pés alados. O conjunto consta de dois tinteiros e um areeiro. Ao centro, o castiçal. Tem contraste do Porto - P com oval de pérolas - e a marca do ourives MP, em nexo. Dos meados do século XVIII.

125 -xv - Bandeja

Preciosa bandeja com decoração de tulipas. Do século XVII. Diâmetro: 44 cm.

XVI - Outras peças:

1 - Píxide do século XVIII a que faltam pingentes.

2 - Banquetas do altar-mor, cruz e seis tocheiras. Tem punção de contraste do Porto e a marca JM do ourives;

3 - Sacrário do altar-mor. Hoje recolhido. Trabalho elaborado, relativamente recente, que aproveitou peças do século XVII, vindas do convento de Monchique.

4 - Caldeirinha de água benta. Tem contraste do Porto e marca de ourives AS. Século XIX.

5 - Campainha com punção do Porto e marca do ourives M-P em nexo.

6 - Políptico em forma de livro, com placas de marfim e capas de prata. Na face: S. Miguel e motivos concheados. Do século XVIII (rocaille) .