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1 Página 02 OS TESOUROS ESCONDIDOS O MODO JUDAICO DO PRIMEIRO SÉCULO DE ENTENDIMENTO DAS ESCRITURAS Joseph Shulam Netivyah Bible Instruction Ministry Jerusalem, Israel 2008 Página 03 Netivyah Bible Instruction Ministry NETIVYAH P.O. Box 8043 Jerusalem, 91080 ISRAEL NETIVYAH U.S.A. P.O. Box 1387 Mt. Juliet, TN 37121 U.S.A. [email protected] www.netivyah.org ISBN (978-0-9818730-0-8) Os Tesouros Escondidos: O Modo Judaico do Primeiro Século de Entendimento das Escrituras, por Joseph Shulam Editores: Elizabeth Wakefield, Rittie Katz 2008 Netivyah Bible Instruction Ministry. Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, inteiro ou em partes, de forma alguma (além do permitido pela lei dos direitos Autorais) sem a permissão do editor original. Impresso em Israel Página 04 Eu dedico este livro à Marcia minha esposa há quarenta anos. Marcia é a mulher do meu lado e a minha inspiração!

Tesouros-Escondidos (Primeira Metade)

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OS TESOUROS ESCONDIDOS

O MODO JUDAICO DO PRIMEIRO SÉCULO DE ENTENDIMENTO DAS ESCRITURAS

Joseph Shulam

Netivyah Bible Instruction Ministry

Jerusalem, Israel

2008

Página 03 Netivyah Bible Instruction Ministry

NETIVYAHP.O. Box 8043Jerusalem, 91080ISRAEL

NETIVYAH U.S.A.P.O. Box 1387Mt. Juliet, TN 37121U.S.A.

[email protected]

ISBN (978-0-9818730-0-8)

Os Tesouros Escondidos: O Modo Judaico do Primeiro Século de Entendimento das Escrituras, por Joseph Shulam

Editores: Elizabeth Wakefield, Rittie Katz

2008 Netivyah Bible Instruction Ministry. Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, inteiro ou em partes, de forma alguma (além do permitido pela lei dos direitos Autorais) sem a permissão do editor original.

Impresso em Israel

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Eu dedico este livro à Marcia minha esposa há quarenta anos.Marcia é a mulher do meu lado e a minha inspiração!

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Joseph Shulam

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Introdução.................................................................................................. 9

Considerações do Escritor.......................................................................... 11

Primeira Parte:Métodos Interpretativos Judaicos para os Textos Sagrados

Capítulo 1: Uma Introdução à Hermenêutica............................................ 17

Capítulo 2: As Principais Regras Judaicas de Interpretação das Escrituras no Primeiro Século................................................. 48

Capítulo 3: Hekkesh................................................................................... 65

Segunda Parte:Os Desafios Contemporâneos para o Judaísmo Messiânico

Capítulo 4: Hermenêutica Judaico Messiânica.......................................... 74

Capítulo 5: A Questão da Mitzvot.............................................................. 86

Capítulo 6: A Halacha Judaico Messiânica..................................................... 97

Capítulo 7: Os Princípios da Educação Judaica...........................................107

Apêndice: Os 13 Princípios do Rabino Ishmael.........................................127

Bibliografia Selecionada.............................................................................130

Introdução (Pag. 9)

O Ministério de Instrução Bíblica Netivyah está localizado no centro de Jerusalem. Um olhar superficial à cidade hoje pode dar a impressão correta de uma metrópole cosmopolita próspera, repleta de casas com telhado vermelho e o indispensável celular para cada pessoa. Olhar para Jerusalem só hoje, porém, seria perder a camada sobre camada, de civilização, conflito, esperança, sonhos, perda, aspirações, e orações que têm sido parte da vida da cidade desde o início. Jerusalem foi conquistada pelo Rei Davi e transformada na capital religiosa e política do povo Judeu. Jerusalem é a casa do primeiro Templo construído pelo Rei Salomão, como também do segundo Templo. Jerusalem foi destruída por guerras civis, conquistada pelos Babilônios, Romanos, Cruzados, Mulçumanos, Britânicos, e muitos outros. Ela foi dividida no início do moderno Estado de Israel

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e re-unida in 1967. Jerusalem é agora uma pulsante e vibrante metrópole. É o lar das três maiores religiões do mundo e o palco sobre o qual o Senhor Yeshua mudou e continuará a mudar a história. Nenhuma cidade no mundo inteiro é mais bonita e mais mergulhada em controvérsia do que Jerusalem. Ignorar as implicações cultural, religiosa, histórica, e profética de Jerusalém é perder o coração e a essência da história da salvação. Semelhantemente, ler a Bíblia e nos contentar somente com o entendimento teológico Cristão tradicional, é talvez, perder a raiz e essência da revelação de Deus nas próprias Escrituras. O modo tradicional que os Cristãos têm entendido a Bíblia trouxe divisão e sectarismo ao mundo. Neste livro, Joseph Shulam oferece ao leitor ferramentas com as quais cavar profundamente nas bases do Primeiro Século das Escrituras. Este livro vai permitir ao leitor juntar as camadas ocultas e significados contidos nos textos sagrados.

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Este livro é dividido em duas partes. A primeira seção oferece uma introdução básica aos temas de Hermenêutica e Interpretação Bíblica, e explica como a interpretação Judaica nos ajuda a compreender melhor o texto do Novo Testamento. O livro tem capítulos que explicam os princípios exegéticos do Rabino Hillel, um famoso Rabino do Primeiro Século que era presidente do Sinédrio.Ele também explica o conceito de midrash e os quatro níveis Rabínicos de interpretação. Este volume irá fornecer ao leitor ferramentas úteis para o estudo pessoal, trabalhos acadêmicos e exegese Bíblica. O leitor encontrará muitos exemplos de como os autores do Novo Testamento usaram métodos exegéticos Judaicos tradicionais para construir seus argumentos da Torá, dos Profetas, e dos Salmos. A segunda seção contém artigos sobre importantes questões contemporâneas para discípulos de Yeshua. Alguns desses tópicos incluem como podemos restaurar uma hermenêutica Messiânica singularmente. Muitos problemas que afligem os teólogos Cristãos podem encontrar sua solução vendo o Novo Testamento como um livro Judaico. O problema de equilibrar o cumprimento dos mandamentos de Deus com a graça que temos em Yeshua o Messias pode ser resolvido lendo as cartas de Paulo no contexto de sua base Rabínica Judaica. Finalmente, há um capítulo sobre a importância da educação contínua na vida Judaica. O título deste livro vem de Isaías 45:3, que diz, “dar-te-ei os tesouros escondidos e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome.” Seja enriquecido e fortalecido ao embarcar nesta viagem de descoberta. – Os Editores

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Exposição do Autor

A Bíblia é uma coleção de literatura antiga. Ela foi escrita durante um período de mil anos por muitos escritores diferentes sob muitas circunstâncias diferentes. Naturalmente, se um documento tão antigo caísse nas mãos de um leitor moderno, ele encontraria dificuldade para decifrar,ler ou compreender. Para

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poder compreender a Bíblia, a ciência da hemenêutica desenvolveu-se tanto em Cristianismo como em Judaísmo. O Novo Testamento foi escrito quase exclusivamente por Judeus em um contexto histórico Judaico, e reflete as idéias e os conceitos do povo Judeu durante o Século Primeiro depois de Yeshua.

Este livro, embora pequeno em volume, é uma coleção de artigos que espero lhe permitirá dar um passo significativo na promoção da sua compreensão da Bíblia e dá-lhe ferramentas para compreender melhor a Palavra de Deus, como os próprios escritores pretendiam que fosse compreendida.

Em certo sentido, estes oito capítulos são uma síntese dos ensinamentos e palestras ministrados em círculos leigos ao longo dos últimos anos. O Rabino Paulo afirma em 2 Timóteo 2:15, nós devemos manejar corretamente a Palavra da Verdade. O que isto significa? Se eu colocar a declaração de Paulo “manejar corretamente a Palavra da Verdade” em termos simples, significa ler a Palavra de Deus sem fazer uma salada dela. Isto quer dizer que temos que discernir a diferença entre poesia e narrativas na Bíblia. Isto significa que devemos colocar as coisas em sua configuração histórica da melhor forma possível, antes de produzir doutrinas que dividem o corpo de crentes com base em opiniões ignorantes. Isto significa que devemos discernir entre as coisas que são eternas e as coisas que são ad-hoc, e apenas para uma ocasião específica.

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O Apóstolo Paulo declara no Novo Testamento: “Qual é, pois, a vantagem do Judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos Judeus foram confiados os oráculos de Deus.” (Romanos 3:1-2) Acredito que compreender o modo no qual o povo Judeu se relacionava com, e, interpretava a Bíblia, assim como o contexto histórico e cultural no qual ela foi escrita, aumentará sua consciência dos métodos que foram usados pelos escritores das Escrituras.

Muitos de nós temos, literalmente, apostado nossas vidas no que está escrito na Bíblia. Especialmente em Israel, temos sido marginalizados, rejeitados, perseguidos, e difamados. Compete-nos, portanto, verdadeiramente compreender os preceitos dentro das Escrituras, e naquilo que formos perguntados, dar uma resposta sobre a esperança que está dentro de nós.

O Rabino Paulo estudou com o grande professor Gamaliel que era o neto de Hillel. Os primeiros princípios de hermenêutica (interpretação Bíblica) em Judaísmo contidos neste livro foram codificados pelo Rabino Hillel. As regras de interpretação que foram usadas pelos escritores do Novo Testamento são as mesmas regras que foram usadas por todos os intérpretes Judaicos da Torá e dos Profetas. Por essa razão, devemos fazer um esforço especial para entender essas regras e utilizá-las, a fim de compreender melhor a Palavra de Deus.

A atitude dos Rabinos para com a Torá (A Lei de Moisés) e os mandamentos parece ser sempre questionada por Cristãos e Judeus. Como parte desta “exposição”, gostaria de apresentar a você uma midrash interessante que vai levar você ao mundo dos Rabinos e demonstrar o espírito da Torá e uma certa maneira única de lidar com as Escrituras.

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O Senhor ponderava como Ele poderia saber qual dos Seus servos O servia por temor e qual deles O servia por amor. Ele desenvolveu um método que iria descobrir este conhecimento. Ele construiu um quarto de quatro por quatro, um

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quarto quadrangular, com apenas um pequeno buraco de quatro por quatro vãos. O Senhor colocou todos os Seus servos dentro deste quarto. Aqueles servos que O serviam por temor estavam naquele quarto quatro por quatro e diziam: “se o Senhor quisesse que nos libertássemos deste quarto Ele não o teria construído e nos colocado dentro dele.” Os servos que amavam o Senhor diziam, “queremos nos libertar deste quarto e juntar-nos ao Senhor lá fora em espaços abertos.” No entanto, o pequeno olho mágico era minúsculo, e eles tinham que se fazer sofrer e perder muito peso para serem capazes de caber no pequeno olho mágico da porta e juntar-se ao Senhor nos espaços abertos. Eles amavam tanto o Senhor que não poderiam ficar fechados no quarto “quatro por quatro” mesmo sabendo que o Senhor o construiu e os colocou lá. Eles queriam romper por força e violência o quarto “quatro por quatro” e juntar-se ao Senhor que estava sentado no Seu trono nos espaços abertos.

Esta midrash é muito interessante em muitos aspectos. A primeira verdade importante desta midrash é que ela é baseada no texto de Miquéias 2:12-13, “Certamente, te ajuntarei todo, ó Jacó; certamente, congregarei o restante de Israel; pô-los-ei todos juntos, como ovelhas no aprisco, como rebanho no meio do seu pasto; farão grande ruído, por causa da multidão dos homens. Subirá diante deles o que abre caminho; eles romperão, entrarão pela porta e sairão por ela; e o seu Rei irá adiante deles; sim, o SENHOR, à sua frente.” O uso da palavra “transgressor” ou “poretz” em Hebraico, que também significa “homem violento”, nos leva às palavras de Yeshua no Evangelho de Mateus 11:12, “Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele.”

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O profeta Miquéias diz que Deus colocará Israel no “aprisco de ovelhas.” Então “aquele que abrir caminho” “sairá,” e “o seu Rei irá adiante deles; sim, o SENHOR, à sua frente.” Toda a história da midrash está aqui nas palavras do profeta Miquéias. Yeshua captura a história, descrevendo a entrada no Reino de Deus como um ato forçado e violento de sair e entrar no reino onde o rei está, fora do aprisco. Aquí, portanto, temos um uso Rabínico do texto de Miquéias no âmbito de uma “parábola” que demonstra as palavras do Profeta em relação ao Rei e Senhor que sai à frente de toda a multidão.

Este texto da Midrash de Tana Debi Eliyahu é uma boa demonstração de dois grandes temas: 1) Deus não é legalista. Aqueles que O amam são os que querem estar com Ele nos espaços abertos muito mais do que estar sob a proteção legal dos limites dos Mandamentos da Torá. 2) É de maior importância amar a Deus to que estar delimitado pela Halacha (sistema jurídico) da Torá.

O estudo de “como entender e interpretar as Escrituras” é um desafio para todo sério estudante das Escrituras. Este livro foi escrito para ajudar o leitor a compreender e mergulhar no mundo de Yeshua e nos métodos do Primeiro Século da compreensão dos Oráculos de Deus.

Que Deus possa fortalecer a sua fé, sua compreensão, sua sabedoria e sua coragem enquanto você se esforça para conhecer ao Senhor de maneira mais profunda e servi-LO em espírito e em verdade.

-Joseph Shulam

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Primeira Parte:

Métodos de Interpretação Judaica dos Textos Sagrados

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Capítulo 1:

Uma Introdução à Hermenêutica

O tema da hermenêutica é muito importante, pois determina a forma como entendemos a Bíblia. Ela poderia ser classificada tanto como uma arte e uma ciência, mas de qualquer forma ela se refere aos métodos que usamos para estudar e compreender um texto. De acordo com o Anchor Bible Dictionare (Dicionário Bíblico Âncora), a hermenêutica é a “arte de compreender... Ela pode se referir às condições que tornam possível a compreensão e até mesmo ao processo de compreensão como um todo.”

Toda vez que lemos as palavras que outra pessoa escreveu, temos de “traduzi-las” dentro de nosso próprio cérebro, para que possamos compreender o seu significado. Qualquer tipo de “tradução” naturalmente também exige interpretação, assim sendo, bons métodos de hermenêutica devem permitir-nos compreender um significado mais próximo possível da intenção original do autor. Este processo se torna muito mais difícil com a Bíblia porque temos de tentar discernir as intenções de ambos os autores, Divino e humano, no contexto original, e aplicar o texto às nossas vidas em nosso contexto moderno também.

A maneira como uma pessoa compreende a Bíblia é geralmente muito influenciada por sua cultura e formação religiosa. A forma como um Judeu compreende a Bíblia não é a mesma que um Cristão interpretaria o mesmo texto. O período em que vivem as pessoas tem um impacto sobre a sua interpretação da Palavra de Deus. Mesmo com todas as dificuldades envolvidas na tentativa de interpretar corretamente as partes da Bíblia que às vezes são difíceis de entender, devemos ser muito gratos por termos essa facilidade de acesso à Palavra escrita de Deus para que a orientação e a ajuda Dele estejam “na ponta de nossos dedos” em uma base diária.

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Nos tempos do Antigo Testamento, alguém que queria saber a vontade de Deus tinha que fazer muito mais do que simplesmente abrir uma Bíblia. As pessoas não tinham os pergaminhos da Torá em suas casas, então elas tinham que ir aos seus profetas e sacerdotes que eram o meio de comunicação entre Deus e o povo e o povo e Deus. Elas não tinham um texto. Ou o profeta lhes dava a resposta de Deus, ou o sacerdote usava os instrumentos do Urim e Tumim para lhes dizer “sim” ou “não”. Havia também uma maneira de usar o peitoral do sacerdote com as doze pedras preciosas para obter a resposta de Deus às suas perguntas.

Eu moro em uma colina fora de Jerusalém, e logo abaixo a minha casa uma fonte natural emerge da terra. Esta é exatamente a mesma fonte de Ramá dos tempos bíblicos, onde Saul e seus servos foram procurar os seus jumentos perdidos em 1 Samuel 9. O versículo 6 daquele capítulo diz que após procurando inutilmente por algum tempo, o servo de Saul lhe disse: “Nesta

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cidade há um homem de Deus, e ele é muito estimado; tudo quanto ele diz sucede; vamo-nos, agora, lá; mostrar-nos-á, porventura, o caminho que devemos seguir.” Este é um exemplo de pessoas indo ao profeta quando precisavam de ajuda sobrenatural com seus problemas. O Tanach nunca diz em lugar algum, “qualquer que quiser conhecer a vontade de Deus deve ler o texto da Bíblia.”

Os discípulos de Yeshua hoje são influenciados por uma visão de mundo muito Protestante. Martinho Lutero e a Reforma Protestante mudaram a maneira que olhamos para a comunicação com Deus. Como os Fariseus do Primeiro Século AEC e EC (=AD), a Reforma Protestante realmente se concentrou na comunicação com Deus através do texto da Palavra de Deus. Isto geralmente não é

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Verdade para as pessoas da persuasão Católica. A comunicação principal nas igrejas históricas (Católica e Ortodoxa) do povo com Deus é através da agência do Sacerdote. Esta posição está mudando e sendo modificado o tempo todo, mesmo na Igreja Católica. O Concílio Vaticano II inverteu o ditado da Igreja anterior que recomendava as pessoas a não lêem a Bíblia. Em muitas partes do mundo Católico, no entanto, muitas pessoas ainda dependem de seus sacerdotes para dizer-lhes a vontade de Deus. Na verdade, a leitura da Palavra de Deus não é considerada uma forma de discernir a vontade de Deus para o público em geral.

Pode vir como uma surpresa para muitos estudantes da Bíblia que o primeiro grupo de pessoas que começaram a estudar o texto das Escrituras, para saber a vontade de Deus foram os Fariseus em Jerusalém. Eles criaram uma revolução na compreensão da vontade de Deus porque disseram que a Bíblia era para todos e não apenas para os profetas e sacerdotes. O conceito de um indivíduo ser capaz de ler a Bíblia e descobrir a vontade de Deus analisando o texto com a sua mente, com lógica, e com uma ênfase na gramática e língua, foi uma grande e fantástica revolução que os Fariseus criaram.

Hoje quase todo mundo tem Bíblias, e a maioria das línguas até têm várias traduções diferentes também. Nos tempos Bíblicos, no entanto, as pessoas não tinham os livros da Bíblia, nem mesmo a Torá, em sua possessão. A Torá ficava dentro do Templo, e somente os sacerdotes a estudavam. O agricultor médio da Galiléia nunca tinha visto um rolo da Torá. Apenas os sacerdotes e os membros da escola dos profetas podiam estudar a Palavra de Deus, e a maioria deles provavelmente nem mesmo tinha o texto inteiro da Bíblia à sua disposição. Foi somente após a revolta dos Macabeus contra os Gregos e a primeira Chanukah no Século Segundo AEC que os Fariseus tiveram a idéia revolucionária que “a Bíblia é para todos!”

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Alguém pode perguntar por que a interpretação pessoal e estudo da Bíblia e a formação de midrash tornou-se popular exatamente naquele momento e não antes. O Professor Michael Fishbane da Universidade de Chicago explica da seguinte maneira: “O fechamento do cânon das escrituras (até o início da era comum) muda fundamentalmente as questões. É um evento de transformação, pois com este fechamento não pode haver novas inclusões ou complementações ao texto bíblico de fora... O resultado é que o longo (mas limitado) discurso das

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Escrituras é remodelado como as multiformes expressões da revelação divina- começando com as letras individuais de suas palavras, e incluindo todas as frases e sentenças das Escrituras. Todos estes se tornam os componentes de possibilidade na abertura das Escrituras de dentro delas.”III

Desde o Terceiro Século AEC, tem havido uma tradição de interpretação Bíblica. Todo mundo tem uma tradição para entender a Bíblia, quer tenha aprendido formalmente de um professor ou não. Esta rica tradição de interpretação pode ser muito útil quando se depara com um texto difícil, mas também pode fechar a mente de uma pessoa para a possibilidade de uma interpretação alternativa que ela simplesmente nunca ouviu antes.

O Método de PARDES

Não importa o que as origens de um texto são, cada um deles tem muitas opções para a interpretação. Por exemplo, quando a maioria das pessoas lê um jornal, elas entendem o seu significado simples. O que ele diz é normalmente o que significa, e a maioria das pessoas não tenta ler as entrelinhas de uma simples notícia. Por outro lado, qualquer um que conhece os escritores

III Fishbane, Michael. “A Midrash e Significado da Escritura.” A Interpretação da Bíblia: Simpósio Internacional na Eslovênia. Ed. Joe Krasovec. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, p.552.

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pessoalmente, ou que experimentou pessoalmente os eventos por trás da história escrita entende o que não é dito no texto. Ele pode entender o que é apenas insinuado no texto. Cada texto tem o sentido claro e o sentido oculto e insinuado, que às vezes só pode ser discernido nas entrelinhas. Os advogados são peritos nesta área. Eles vêem o sentido oculto que a pessoa comum que não entende os textos legais não pode apreender na primeira leitura. As pessoas comuns têm que se concentrar e ler os textos muitas vezes para compreender as nuances. Cada texto tem o sentido claro e óbvio, como também o oculto e o significado insinuado.

Alguns textos têm até mesmo mensagens secretas embutidas neles. Um de meus primos costumava ser um advogado na Bulgária. Embora eu não tivesse tido contato com ele por quatro ou cinco anos, uma noite recebi um telefonema da Bulgária. Ele disse: “Eu faço aniversário em breve, e gostaria que você me comprasse um presente. Você pode comprar um avião de plástico ou um barco de plástico.” Tenho certeza de que a KGB o estava escutando, e ele também sabia que a KGB o estava escutando! Imediatamente entendi o que ele quis dizer, então perguntei se ele queria celebrar o seu aniversário em um restaurante Italiano ou Grego. Visto que eu o conhecia e sabia quando era o seu verdadeiro aniversário, entendi o que ele quis dizer nesta conversa. Ele estava me dizendo que queria sair da Bulgária, então o perguntei se ele queria fugir pela Itália ou Grécia. A conversa toda foi codificada, por isso quem não o conhecia pessoalmente não poderia ter entendido o que estávamos falando.

Até agora examinamos três métodos de interpretação. Um método estuda o texto Bíblico usando o sentido claro, gramatical das palavras, e este método é chamado “p´shat,” que significa

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“simples ou literário”. Em segundo lugar, há o sentido em que os textos fazem alusão, embora não esteja declarado obviamente. Este método indireto é chamado “remez” em Hebraico. Então, em terceiro lugar, pode também haver um sentido secreto que somente os iniciados podem compreender. O Hebraico se refere a isto como “sod,” que significa “secreto.” Há também um quarto tipo de entendimento chamado “drash,” que quer dizer “associação.” Este nível de entendimento não é exatamente o que está escrito, nem o sentido secreto, nem o sentido insinuado. É sim, o que o texto faz uma pessoa lembrar quando ele é lido. O método drash não examina somente o texto principal que está sendo estudado ou interpretado, mas também, quaisquer outros textos secretos que são associados ao texto principal. Quando se associa estes textos juntos, pode-se aprender algo que não se entendeu anteriormente. O Drash é o método mais difícil de conceituar, pois exige a compreensão da conexão entre os dois textos.

Aqui está uma ilustração deste quarto método. Quando Yeshua nasceu em Belém, e Herodes ouviu a notícia, ele queria eliminar a possibilidade de qualquer outro rei reinar em Israel. Portanto, ele ordenou que todos os bebês até dois anos de idade fossem mortos em Belém. Um anjo apareceu a José em um sonho e o advertiu sobre este perigo, então José e Maria tomaram Yeshua e fugiram para o Egito. Alguns anos mais tarde um anjo lhes disse que Herodes havia morrido e que eles deviam voltar para Israel. Quando Mateus descreve este evento, ele diz que isso aconteceu para cumprir um texto em Oséias que diz, “Do Egito chamei o meu filho.” Muitos intérpretes têm intrigado com este problema por muito tempo, porque o texto original em Oséias 11 tem absolutamente nada a ver com Yeshua. Na verdade, o texto tem um contexto muito negativo quando ele é usado em Oséias. O que aconteceu aqui foi que Yeshua foi chamado do Egito, e os filhos de Israel que também são referidos

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como “filhos de Deus” foram chamados do Egito também. Mateus associou um acontecimento com as palavras do outro texto referindo-se a um acontecimento anterior e fez a midrash usando a lógica associativa. Relacionar “saindo do Egito” com o texto em Oséias que tem as mesmas palavras é útil para conectar os dois acontecimentos históricos e seus paralelos.

Um teste psicológico comum é dar palavras aos pacientes e perguntá-los o que eles associam com estas palavras. Eles testam as associações que as pessoas fazem com emoções diferentes. Todo mundo usa lógica associativa por que desencadeadores diferentes causam associações diferentes em cada mente individual. A mesma coisa acontece com os textos. Cada texto Bíblico contém certos elementos que desencadeiam associações em nós. Por exemplo, quando eu leio a respeito de Elias o profeta comer gafanhotos, imediatamente me lembro de todos os momentos maravilhosos que eu tive quando comia gafanhotos. É uma saborosa comida kosher, e me lembra certos acontecimentos em minha vida. Quando leio sobre a circuncisão de João Batista, me lembro de quando circuncidei meu filho. Não há apenas associações experienciais, no entanto; há também associações textuais em que uma palavra em um texto lembra o leitor outro texto.

Portanto, existem quatro níveis de base hermenêutica Judaica, que juntos são chamados “pardes” “pomar.” O “P” é de “pshat,” o “R” é de “remez,” “D” é de “drash,” e “S” é de “sod.”Este termo é a base da hermenêutica Judaica e

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cada texto, se aparece no jornal, em um romance, ou na Bíblia, consiste nestes elementos.

Associação e Interpretação Alegórica

Os seminários Cristãos normalmente ensinam apenas a hermenêutica Protestante, que se concentra exclusivamente no entendimento literal e simples do texto. Às vezes eles usam também um método Grego, no qual eles espiritualizam o texto e fazem dele uma alegoria. Ao fazê-lo, o texto perde o seu

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sentido histórico e significado, e se torna um copo vazio para ser enchido com o que o professor/intérprete quiser. Nesse ponto o texto se torna uma homilia de associações que são totalmente externas ao texto.

Por exemplo, quando os Judeus falam de “cruzar o Rio Jordão,” isto simplesmente significa que nós realmente atravessamos de um lado de um rio físico para o outro, como nos dias de Josué filho Nun. Esta frase tem associações com a entrada dos filhos de Israel na Terra Prometida. Por outro lado, muitos Cristãos cantam sobre o cruzamento do Jordão e “ir para a Terra Prometida” como uma metáfora para a morte. Esta associação não vem da Bíblia, mas de uma mitologia Grega pagã que diz que uma pessoa morta tem que atravessar o Rio e “chegar ao outro lado.” Associando o texto Bíblico com um mito pagão externo, eles fizeram uma alegoria associativa que nada tem a ver com a travessia do Rio Jordão.

Uma vez, quando eu estava no ensino médio nos Estados Unidos, um professor perguntou aos alunos na capela, “O que Jesus significa para vocês?” Foi uma pergunta muito boa, e diferentes alunos deram respostas diferentes. Um aluno levantou sua mão e disse, “Jesus significa para mim o meu cachorro Rover,” Todos começaram a rir! No entanto, muitos anos mais tarde quando pensei sobre este acontecimento, entendi que o aluno foi muito sincero. Ele amava seu cachorro, e o cachorro o consolava. Quando ele pensou em Yeshua e como Yeshua o consola ou se relaciona com ele, ele associa esse relacionamento com o que ele tinha com seu amado cão Rover. Aquela foi a sua associação pessoal e particular, e nada há de errado com isso.

O problema inicia quando as pessoas começam a associar sem regras porque então isto pode se tornar um exercício ilimitado. Esta idéia de associação, a parte “drash,” tem que ter regras e razões. Não se pode saí por aí e tirar as coisas fora do contexto para fazer um texto dizer o que se quer.

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Alguns anos atrás eu falei em uma igreja, e depois da palestra, fomos para a casa do Pastor com todos os anciãos para café e bolo. Fiquei bastante chocado quando um dos anciãos disse, “estou tão feliz que Israel é a esposa de Deus e que a Igreja é a esposa de Yeshua.”

Eu não sabia como reagir, então disse: “Essa é uma idéia interessante, mas isto significa que não podemos ser irmãos! Nós dois cremos em Yeshua, mas se temos mães e pais diferentes podemos apenas ser primos.”

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Então ele abriu sua Bíblia e leu um texto do livro de Levítico e disse: “Veja aqui, havia dois bolos de cevada ungidos com óleo oferecidos no dia de Shabat. Um é Israel e um é a igreja.”

Eu o perguntei: “Como você tirou isso deste texto? Onde é que diz que um bolo é Israel, e outro é a Igreja?”

O ancião calmamente respondeu: “Somente as pessoas espirituais podem compreender as coisas espirituais.”

Este tipo de problema acontece o tempo todo, e as pessoas querem falar sobre o “sentido espiritual” do texto. Na verdade, usar os níveis de PARDES pode levar a boas conclusões e interpretações “espirituais,” mas, elas têm que fazer sentido com o significado textual literal também. Existem quatro tipos de compreensão, mas eles não podem ser aplicados freneticamente ou sem regras.

A Mentalidade Judaica do Novo TestamentoEm Romanos 3:1-2, Paulo pergunta, “Qual é, pois, a vantagem do Judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus.” Mesmo hoje as Escrituras pertencem a Israel porque tanto o Antigo como o Novo Testamento são textos Judaicos. Se o Espírito Santo, falando através de Paulo, diz: “Deus deu a eles

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os textos, “é hora da Igreja aprender as Escrituras sob a ótica do povo Judeu, através do contexto histórico no qual as Escrituras foram criadas, e em sua língua original. A linguagem do Novo Testamento é Judaica! Quando o povo Judeu lê os evangelhos, eles acham que eles são escritos num Grego terrível. Muito do Grego koine do Novo Testamento contém expressões Hebraicas que simplesmente foram escritas na língua Grega. É a linguagem Grega com uma mente Hebraica.

Existem frases nos Evangelhos que não fazem sentido em Grego porque elas procedem do Hebraico. Lucas 9:51 diz, por exemplo, “Yeshua virou o rosto em direção a Jerusalém.” Esta não é de forma alguma uma expressão Grega, e uma pessoa de língua Grega poderia perder totalmente o significado disso porque em Grego literalmente diz, “Ele tomou o seu rosto e virou-o em direção a Jerusalem.” Isso soa como se Yeshua torceu o seu pescoço e virou o rosto para Jerusalem para que pudesse olhar naquela direção. Esta expressão é na verdade o que é chamado um “Hebraísmo” conquanto, significa, Ele começou a ir em direção a Jerusalem. Somente aplicando a hermenêutica Judaica a estes textos Judaicos é possível explicar alguns de seus problemas textuais.

Inspiração e EscrituraMais um conceito que tem que ser abordado aqui é um dos mais complicados e controversos, e esta é a idéia de “inspiração.” 1 Timóteo 3:16 diz sem hesitação, “Toada escritura é inspirada por Deus...”Claramente o texto é inspirado, mas então pergunta-se, “O que significa “inspirado”, e como ele foi inspirado? A visão fundamentalista tradicional tanto no Judaísmo como no Cristianismo é que Deus ditou o texto aos escritores. Esta visão de inspiração altamente conservadora diz que toda palavra na Bíblia vem de Deus.

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Isto cria um problema porque os manuscritos originais não existem mais. Ninguém que está vivo hoje viu o texto que Moisés escreveu ou qualquer coisa com a letra original de Isaías ou a carta original de Paulo aos Coríntios. Aqueles que crêem na teoria do ditado têm que acreditar que o texto inspirado final é o “autógrafo original” que os escritores receberam de Deus. O problema é que nenhum dos textos antigos foi escrito em Inglês, Alemão ou Português, assim a Bíblia que a maioria das pessoas lê em sua língua nativa não pode ser “inspirada” de acordo com esse entendimento. A maioria das línguas tem várias traduções da Bíblia, sendo assim qual delas foi inspirada por Deus? Isso cria uma dificuldade.

Em outras palavras, toda a teoria do ditado é problemática porque ninguém tem aqueles pergaminhos, lápides ou papiros originais. Ninguém os tem; ninguém os viu. Não há com o quê compará-los.

O que realmente aconteceu na escrita da Bíblia é completamente diferente. O que temos hoje é um registro dos acontecimentos inspirados. Havia testemunhas oculares confiáveis que viram o que aconteceu e relataram tudo. Em 2 Pedro 1:16-18 diz: “Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Yeshua o Messias seguindo fábulas engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da Sua majestade... Ora, esta voz, vinda do céu, nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo.”

A Bíblia é um registro inspirado por várias razões. Em primeiro lugar, os próprios eventos foram inspirados por Deus. Eles são o registro das obras que Deus realizou entre os homens. Deus realizou essas obras, e os homens as testemunharam. Então aqueles homens as escreveram corretamente, de acordo com a sua visão do que eles viram e o que eles vivenciaram. Quando eles as escreveram, o Espírito Santo deu-lhes o “selo de aprovação” por assim dizer, permitindo a Igreja confirmar e usar estes registros como oficiais /autorizados.

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Em minha opinião, é assim que a inspiração funciona.Isto é importante porque não podemos ignorar o fato de que há uma série

de problemas nos textos Bíblicos. A Bíblia contém quatro evangelhos, por isso é importante perguntar-nos por quê.Um evangelho seria suficiente, e, três deles são sinóticos, o que significa que eles contam basicamente a mesma história. Todavia, estes três evangelhos sinóticos às vezes diferem um do outro nos detalhes que eles contam e as palavras que eles usam. Cada um conta a história do seu próprio ângulo. Para aumentar a confusão, o Evangelho de João tem todas as histórias em uma ordem completamente diferente e com uma ênfase totalmente diferente. Se eles foram ditados por Deus, então Deus deve ter ditado uma história, simples e verdadeira, e não causado toda esta confusão.

A visão fundamentalista de inspiração simplesmente não é lógica. É muito mais lógico acreditar que a Bíblia é um registro de eventos inspirados por Deus que foram registrados por homens honestos, verdadeiros, e inspirados. Esta é uma abordagem muito diferente. O Deus de Israel trabalha na história entre os seres humanos e ajudou a serem registrados aqueles eventos para a posteridade. Visto que Ele trabalhou através de seres humanos, cada pessoa

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pode, no entanto, testemunhar e registrar o mesmo evento de uma maneira diferente. Quando alguém relata um caso, ele o interpreta do seu ponto de vista.

Eu sei como isso funciona pelo meu relacionamento com minha esposa. Nós podemos ir aos mesmos lugares e ter a mesma experiência. Podemos comer no mesmo restaurante e falar com as mesmas pessoas, mas quando ela conta a história, soa completamente diferente de quando eu conto. Quando eu conto a história, ela sempre me corrige, pois somos pessoas diferentes. Cada um de nós traz sua própria bagagem para aquele evento, e aspectos diferentes do que aconteceu lá são mais importantes para mim do que os pontos que se destacaram para ela.

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Esta é a razão pela qual existem quatro evangelhos no Novo Testamento. O “problema sinótico” não existe apenas no Novo Testamento. O Tanach também contém vários livros sinóticos.Por exemplo, os livros de Êxodo, Levítico, e Números são sinóticos com o livro de Deuteronômio. Os Livros de Samuel e Reis são paralelos aos Livros de Crônicas. Isaías capítulos 6-37 são paralelos a II Reis do capítulo 8 até o fim. Existem muitos outros exemplos de relatos sinóticos na Bíblia. Este princípio não se aplica apenas aos livros históricos, mas também às visões e sonhos que os profetas tiveram. Quando um profeta diz, “Eu tive uma visão na qual o Senhor me disse...,” Eu aceito que sua citação do Senhor na visão é um ditado. À vezes, no entanto, mesmo casos como esse podem ser proferidos como textos sinóticos. Por exemplo, Isaías 2 é paralelo a Miquéias 4, mas ainda há algumas diferenças. Deus falou com Isaías, e Ele falou com Miquéias. Quase todas as palavras nestes textos são as mesmas.

Um exemplo particularmente interessante de textos sinóticos vem até mesmo do texto mais inspirado que Deus falou e todo mundo ouviu. Todo o povo de Israel ouviu os Dez Mandamentos. Deus falou com eles da montanha, e todos escutaram. Ainda assim, existem dois registros sinóticos dos Dez Mandamentos na Torá, um em Êxodo 20 e o outro em Deuteronômio 5. A ilustração clássica aqui vem do mandamento concernente ao Shabat que aparece em Êxodo 20:8 e em Deuteronômio 5:12. Em Êxodo diz, “Lembra-te do Shabat para o santificar,” enquanto em Deuteronômio diz, “Guarde o Shabat para o santificar.” Lembrar não é o mesmo que guardar, então o que Deus realmente disse? Este é o texto mais ditado de todos os textos na Bíblia. Ele começa com

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as palavras, “Estas são as palavras que Deus falou.” Algumas pessoas diriam que pode ser que Moisés envelheceu um pouco e esqueceu exatamente o que Deus disse, enquanto outras diriam que uma pessoa totalmente diferente em um período bem posterior escreveu Deuteronômio. Uma tradicional solução Judaica para este problema é dizer que Deus milagrosamente disse “lembre” e “guarde” exatamente ao mesmo tempo, o que é uma razão para se acender duas velas no Erev Shabat – uma para “lembrar” e outra para “guardar.”

Se alguém continua a examinar ambos os textos, o mandamento do Shabat no livro de Deuteronômio é mais longo do que no livro de Êxodo. Além disso, as razões para guardar o Shabat são diferentes. Deuteronômio diz que a razão para guardar o Shabat é porque os Israelitas foram escravos no Egito, mas Êxodo de modo algum diz isto. O que Deus disse realmente?

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Não importa como se resolve essas perguntas, não se pode negar que estas são questões muito graves. Nós baseamos nossa vida no que está escrito na Bíblia. As pessoas querem me matar em Israel por causa do que está escrito na Bíblia! Tenho sofrido muito porque eu acredito que Yeshua é o Messias por causa do que está escrito na Bíblia! Muitos dias e horas de nossas vidas são gastos em estudo, ensino, louvor, canções, e orações por causa disso. Portanto, nós temos que levar a Bíblia muito a sério.

Esses tipos de problemas provam que a inspiração não é um ditado, mas sim um registro. Deus não usou os profetas como robôs ou máquinas de escrever, mas quando Deus falou eles repetiram o que Ele disse dentro do caráter do profeta individual, de acordo com seus próprios estilos e pontos de vista. Deus expressou Seus sentimentos, e a Bíblia é a expressão correta de Seus sentimentos e opiniões. Esta é uma das diferenças entre as definições Gregas e do Oriente Médio e perspectivas da verdade. Na visão Ocidental ou Grega, a verdade é apenas os fatos, mas a definição Bíblica e do

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Oriente Médio da verdade não inclui somente os fatos, mas também os sentimentos. Os Sentimentos são tão verdade quanto os fatos. Eis aqui uma demonstração:

“Há duas semanas eu tive um acidente de carro exatamente à 1:25 da manhã. Eu estava dirigindo meu carro descendo a colina da Rua Gaza. Eu parei no sinal vermelho, e ia virar a esquerda.Um carro veio do outro lado em minha direção a 80 quilômetros por hora. Ele bateu atrás do meu carro e quebrou o eixo traseiro. Havia duas crianças no carro e um amigo Americano sentado ao meu lado. O carro rodou, e parou no meio da rua.”

Isto realmente aconteceu, e esses são os fatos. É assim que foi registrado para o relatório de seguros, mas isso não era toda a verdade. Aquele relatório não diz como eu me senti, ou, que emoções experimentei, durante aquele acontecimento.

Se eu contasse a mesma história como um típico Israelita, soaria assim: “Eu estava dirigindo tranquilamente para casa e levando algumas crianças de volta da congregação para as suas casas após o culto. Eu estava cuidando da minha vida. Parei no sinal vermelho, e então, quando o semáforo ficou verde, comecei a dirigir em direção à casa de meus amigos. De repente, como um demônio, como um diabo, esse cara disparou vindo do outro lado em minha direção. Ele não olhou ou viu coisa alguma! Ele não se importou se me matava! Ele veio para cima de mim! O carro virou, e eu não sabia se estava indo para a direita ou para a esquerda, porque ele veio para cima de mim inesperadamente. O próprio diabo me atacou!”

Esta é a mesma história, exceto que na primeira versão eu usei o modelo de um engenheiro alemão, e na segunda, eu era um típico Judeu do Oriente Médio. Qual deles comunicou mais?

Os fatos são verdadeiros, mas há mais do que fatos no texto Bíblico. A Palavra de Deus deve evocar sentimentos em nós. Para isso, às vezes ela usa técnicas diferentes.

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A linguagem do Oriente Médio às vezes soa como um exagero. “Toda a Galiléia veio para ouvi-Lo” não é rigorosamente verdade; é um exagero. Provavelmente houve pelo menos uma avó idosa que não veio para ouvi-Lo. Se houve pelo menos uma pessoa que não veio, então não foi toda a Galiléia que veio para ouvir Yeshua. A Bíblia é um documento Judaico do Oriente Médio. Portanto, deve ser compreendida naqueles termos. “Toda” não significa sempre “cada pessoa”. Significa a maioria representativa. Há muitos destes exemplos, e isso se tornará mais claro.

Mais uma vez, a definição de “inspiração” segundo o entendimento Judaico é “O registro dos eventos inspirados de Deus, registrados por homens inspirados.” Isto ajuda no confronto com um problema no texto porque significa que cada pequena questão não tem que agitar uma pessoa e fazê-la perder sua fé.

Um dos melhores exemplos é Estevão. Ele era um homem inspirado que estava perto de Deus. Ele era um servo de Deus e um dos diáconos que foi nomeado para alimentar os órfãos e viúvas Judeus Helenistas. Ele era um homem cheio do Espírito Santo, mas ele cometeu erros. Por exemplo, em seu discurso em Atos 7:16, ele disse que Abraão comprou uma caverna para enterrar seu morto em Siquém. No entanto, o texto de Gêneses diz claramente que Abraão comprou uma caverna em Hebrom, não em Siquém, e eles não são o mesmo lugar. Então, este texto é inspirado ou não?Ele foi inspirado! Ele registrou as palavras de Estevão. O Espírito Santo registrou o que ele disse através dos ouvidos daqueles que o ouviram, e eles registraram a verdade. Estevão cometeu um erro, mas o registro é verdadeiro. Este é um ponto muito importante.

Atos 7:14 registra outro erro cometido por Estevão em seu discurso. Ele disse que 75 almas desceram ao Egito, mas Êxodo 1:5 diz que 70 pessoas foram para o Egito. Isso é o que Estevão disse

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na verdade, e um homem inspirado deu um registro verdadeiro do que ele disse. O que é inspirado aqui é o registro do discurso de Estevão e como ele o declarou.

Quando os Evangelhos ou Os Livros de Crônicas e Reis registram dois relatos diferentes do mesmo evento, um não tem que pressupor um “problema sinótico.” Pessoas diferentes escreveram sobre o que viram e ouviram de seus diferentes pontos de vista, o que é um fenômeno perfeitamente natural do ser humano. O propósito de Deus permitindo que ambos os textos existam é ensinar coisas que não estão escritas no p´shat através da comparação dos dois textos, o método drash. Associar os dois textos permite uma compreensão de algo novo que não está explicitamente escrito em qualquer um dos textos. Juntar todos esses elementos é como tomar a farinha, água, ovos, e manteiga e ajuntá-los todos para fazer um bolo. Embora todos esses ingredientes possam ser comidos separadamente, eles não terão um sabor tão bom quanto o de um bolo. Usar somente o P´shat é um pouco como comer a manteiga por si só, mas Deus permitiu que todos os textos sinóticos e os problemas encontrados neles existissem para que o leitor pudesse fazer um “bolo” interpretativo com um sabor muito bom juntando todos os “ingredientes”.

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Características Textuais Raras como um Catalisador para Midrash Uma questão inevitável quando se discute os relatos sinóticos é o problema de “erros” aparentes e características estranhas no texto, mas todos eles têm uma razão para estar lá.Números 10:35 registra as palavras que os Israelitas costumavam dizer sempre que a Arca da Aliança iria viajar. Hoje Judeus em todo o mundo dizem essas mesmas palavras sempre que o rolo da Torá é tirado da arca de cada sinagoga cada vez que ele é lido publicamente. “Levante-Te, Senhor, e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam diante de Ti os que Te odeiam.” O que é incomum sobre este versículo, de qualquer modo, só pode ser identificado examinando o próprio texto de Hebreus.

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Quando alguém lê esse versículo tanto em uma Bíblia Hebraica ou em um rolo da Torá, uma característica se destaca imediatamente. O texto contém duas freiras, “nuns” em Inglês, de cabeça para baixo, (o equivalente à letra “n” em Hebraico), que são maiores do que todas as outras letras. Estas freiras emolduram o versículo, mas não estão ligadas a qualquer palavra. As perguntas surgem, obviamente, de como se poderia traduzir esse estranho fenômeno e porque ele está ali.

Qualquer engenheiro Alemão que vê isso diria que é um erro por que é o que parece na superfície, e não tem um objetivo claro. Por outro lado, um rabino que vê a mesma característica diria, “O que Deus quer nos ensinar com esta coisa estranha? Tudo tem uma razão.” Os escribas copiaram esse texto à mão por milhares de anos com essas freiras de cabeça para baixo e não tomaram para si “corrigir o erro” ali porque a existência daquelas freiras é simplesmente um convite para uma midrash. Para um rabino, qualquer “problema” textual é um convite para uma midrash.

Esses tipos de oportunidades midráshicas são tomadas também pelos escritores do Novo Testamento quando eles estão interagindo com os textos da Torá. Em Hebreus 11:4 diz, “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala.” Como é que o escritor de Hebreus sabia disso? De acordo com *Gênesis 4:8, “Disse Caim a Abel, seu irmão; e aconteceu, quando eles estavam no campo, que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou.” Este versículo, da forma como está no texto Masorético, está faltando alguma coisa por que nunca registra o que Caim disse a Abel. Essa informação em falta é um convite para uma midrash porque normalmente o texto indica o que foi falado entre os dois irmãos. Esta lacuna levou muitos comentaristas Judeus a especular sobre o que foi a conversa deles.

*Traduzido do texto original em Hebraico.

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Filo de Alexandria disse que eles tiveram uma discussão filosófica, e outros intérpretes Judeus disseram que eles discutiram sobre a quem pertenciam a

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terra e o céu. Outra interpretação rabínica diz que Caim e Abel discutiram sobre qual sacrifício era melhor, o que parece ser a visão que Hebreus traz.

Há por vezes problemas mecânicos com as letras do texto, também, que parecem saltar para fora e dizer: “Explique isto.” Se há pontos incomuns sobre as letras ou letras que são impressas maiores do que outras, um bom rabino diz que não é um erro, mas sim uma parte da inspiração do texto. Deus deu estas tradições como símbolos para que pudéssemos pensar profundamente sobre o que Ele realmente está nos dizendo. Estes são o tipo de coisas que fazem uma midrash acontecer.

Outra anormalidade textual interessante ocorre em Isaías 9:6-7, na famosa passagem sobre o nascimento do Messias. Ela diz, “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: ‘Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; ’ para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de David e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isto.”

O que é estranho aqui em Isaías 9 é que a palavra “l’marbeh” (para o aumento) contém um mem final, (o equivalente à letra “m” em Hebraico), embora o mem ocorra no meio da palavra e não no fim. IV Para descobrir porque há um mem final ou fechado nesta palavra, os rabinos tentaram examinar o contexto da passagem, que está claramente falando sobre O Messias e a redenção.

IV Uma coisa que é essencial para a compreensão deste conceito é a regra de que em Hebraico há dois tipos de mems, um que é “aberto” e pode ocorrer no começo ou no final da palavra, e outro que é “fechado” e ocorre somente no final das palavras.

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O Radak (Rabino David Kimchi) escreveu comparando este mem fechado no meio da palavra com um lugar em Esdras-Neemias 2:13 onde há um mem aberto no final de uma palavra em uma passagem falando sobre os muros de Jerusalém sendo derrubados. Ele disse, “Lamarbeh há-misrah- Para o aumento do seu poder : o mem é escrito fechado, embora deve ser lido como um mem aberto. O oposto acontece em Esdras-[Neemias] no mem de lahem p’rutzim, (eles foram analisados), no qual o mem no final da palavra está escrito aberto. Há uma drash nesta questão que quando os muros de Jerusalém que foram derrubados durante todo o tempo do Exílio forem reerguidos, então, no tempo da salvação os lugares derrubados serão reerguidos e o poder que tinha sido fechado será aberto para o Rei Messias."

A explicação rabínica para este mem fechado no meio de uma palavra, o qual ocorre somente uma vez em toda a Bíblia, ensina que em vez de um erro de impressão, este texto acaba por conter uma midrash. Na verdade, são os “problemas” do texto que motivam a midrash acontecer. Na visão Judaica de

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inspiração, Deus usa continuamente a Bíblia, com todas as suas anormalidades, para nos fazer entender a Sua revelação.

Famílias Textuais

Uma causa potencial de alguma dessa confusão é a existência de famílias de textos. Os textos foram copiados à mão por centenas de anos, e cada família textual tinha tradições um pouco diferentes de como copiar o texto. O menor tratado talmúdico Soferim 37b conta uma história sobre encontrar três pergaminhos da Torá com leituras variantes menores no Templo e o que os sábios fizeram com aquelas leituras. “Três pergaminhos da Torá foram encontrados no pátio do Templo:

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O pergaminho Ma’on, o pergaminho Za’atutey, e o pergaminho Hu. Em um desses eles encontraram a expressão ‘ma’on,’ e nos outros dois estava escrito, ‘o Deus Eterno é me’onah (um lugar de habitação),’ então eles adotaram a leitura dos dois pergaminhos e descartaram a de um. Em outro dos pergaminhos, eles encontraram escrito, ‘E ele enviou os za’atutey (nobres) dos filhos de Israel’, e nos outros dois acharam escrito ‘e ele enviou na’arey (os jovens dos) filhos de Israel’, então eles conservaram a leitura de dois e abandonaram aquela do outro. Em um dos rolos, ‘hu’ (ele) estava escrito onze vezes, mas nos outros dois, ‘hi’ (ela) estava escrito onze vezes, então eles adotaram a leitura dos dois e descartaram aquela do outro.” VI Embora todas essas diferenças textuais fossem menores, os sábios ainda tinham que decidir que rolos tinham a leitura “correta” e “oficial”.

Em alguns casos, iria acontecer que um desses escribas encontrou uma palavra diferente e a escreveu à margem, ou outras vezes, o escriba iria errar uma palavra e escrevê-la à margem ou num minúsculo espaço entre as linhas do texto. Então quando outro escriba estava copiando aquele pergaminho centenas de anos mais tarde, ele tinha que decidir se colocava aquelas palavras de volta no texto onde ele achava que elas deveriam estar ou se as mantinha nas margens. Qualquer um que olhar as cópias originais dos Manuscritos do Mar Morto pode ver que este problema aconteceu com muita freqüência. Os textos dos Manuscritos do Mar Morto freqüentemente provam ser originados numa família de textos diferente daquela dos textos da Septuaginta ou dos Masoréticos, (o texto Bíblico aceito oficialmente dentro do Judaismo e da maioria do Cristianismo também). O manuscrito mais antigo de um texto Masorético que é conhecido hoje é apenas do Século Dez da Era Comum.

VI Tradução Inglesa dos Menores Tratados do Talmude. Ed.Rev. Dr. A. Cohen. Socino Press, 1971.

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Essas diferenças dentro das famílias textuais às vezes causam variantes textuais interessantes como a seguinte: Amós 9:11-12, diz: “Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o Senhor, que faz estas coisas.”

Por outro lado, o texto em Atos 15:16-18, cita estes versos, e diz: “ ‘Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e , levantando-0 de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, ’ diz o Senhor, que faz todas estas coisas.” *

O texto Masorético de Amós (MSS) diz “o remanescente de Edom,” mas na citação de Tiago no livro de Atos diz: “ os demais homens.” O motivo pelo qual isto ocorreu é que os sinais vogais só foram adicionados ao texto Bíblico muito mais tarde pelos Masoretas após o Século Sete da EC (Era Comum). Sem os pontos vogais, a palavra poderia tanto ser lida como “adam” (humanidade) ou “Edom”, então ninguém cometeu erro aqui. Uma vez que o texto deixou uma porta aberta para ambigüidade, Tiago achou que ele poderia aprovar os Gentios entrarem em comunhão com os santos sem se converterem oficialmente ao Judaísmo e serem circuncidados porque esta era a promessa profética de Deus. Exatamente o oposto da leitura de Tiago, os Rabinos mais tarde leram o texto dizendo Edom em vez de Adam porque eles usavam Edom como uma palavra código para representar o maligno império Cristão dominante sobre eles a partir de Roma. Eles não podiam falar abertamente contra Roma, então eles fizeram uma midrash deste texto que se referiu ao eventual domínio dos Judeus sobre Edom, (o império Romano).

*Tradução de acordo com a versão RA de João Ferreira de Almeida: “que faz estas coisas conhecidas desde séculos.”

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A propósito, o motivo de “Edom” referir-se ao Cristianismo na literatura Rabínica é porque o nome Esaú ( ) em Hebraico contém as mesmas letras que a palavra Yeshua em Hebraico ( ). Ambos contêm as letras Hebraicas “ = ayin”, “ = shin”, e “ = vav”, mas em Esaú está faltando a letra “ = yud”, que simboliza Deus/Senhor e é a primeira letra do “Tetragrama”. Portanto, quando os Rabinos leram sobre a restauração do tabernáculo de Davi, eles tentaram atacar ou mencionar a Igreja chamando-a “Edom”.

Por outro lado, Tiago citou a passagem de Amós em um contexto completamente diferente. Tinha havido uma discussão sobre se os Gentios tinham que se converter ao Judaísmo antes de se tornarem seguidores de Yeshua ou não, e Paulo veio da Ásia Menor a Jerusalém para representar os

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Gentios. Pedro e Tiago já estavam em Jerusalém com os outros líderes, e eles começaram a discutir. Ao contrário do que é ensinado na maioria das universidades e seminários, um exame atento do texto realmente mostra que Pedro ficou do lado de Paulo. É comum caracterizar Pedro e Paulo como lutando constantemente um contra o outro, mas o que Pedro disse em Atos 15:10 foi muito sensato. Ele disse: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós?” Na verdade, Em Atos mostra que Paulo se manteve completamente em silêncio durante esta discussão.

Tiago queria basear a decisão do conselho em uma passagem dos Profetas, então, ele citou esta passagem de Amós, que diz: “Mais tarde Eu restaurarei o tabernáculo derrubado de Davi, e reconstruirei suas ruínas.” Em seguida o versículo 12 dá o motivo para Deus fazer esta promessa como uma maneira de ajuntar e restaurar o resto da humanidade. O versículo 13 explica isto melhor. O tabernáculo de Davi seria restaurado para que todas as nações pudessem receber a salvação. Esta profecia não é somente para Israel, mas também para o mundo. Tiago defendeu seu

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ponto fazendo uma midrash de acordo com a sua compreensão de Amós. O seu raciocínio é o seguinte: visto que os profetas prometeram que a reconstrução do tabernáculo de Davi incluirá os Gentios (as nações), não vamos forçar os Gentios agora a tomar sobre si a Lei de Moisés porque isto já foi prometido pelos profetas. Deus já tomou a responsabilidade de incluí-los em Sua aliança, então vamos pedir aos Gentios para fazer o mínimo e guardar as quatro leis dadas a Noé antes da entrega da Torá no Monte Sinai. Estas leis Noéticas dizem para abster-se da idolatria, imoralidade sexual, derramamento de sangue, e de comer sangue. Uma vez que Deus ordenou a Noé e seus filhos a respeito destas coisas, elas se aplicam a toda humanidade porque todos os humanos descendem de Noé. Tiago obteve seu parecer usando seu raciocínio para interpretar a passagem em Amós.

O método de Tiago em Atos é chamado midrash halachic, “midrash legal”, do qual se pode tirar leis. Há outro tipo de midrash chamada midrash aggada, a qual é baseada em histórias, não em material legal, e de onde se tira ensino teológico. Enquanto halacha quer dizer “andar”, ou o resultado prático da nossa fé, aggada é uma história ou declaração.

Para resumir o que acabei de explicar, o texto do Tanach foi transmitido por diferentes famílias de tradições dos escribas. Apenas três destas famílias textuais sobreviveram. Em primeiro lugar, os Rabinos transmitiram o texto Masorético, que é o texto padrão Biblico no mundo Judaico hoje. Em segundo lugar, o mundo de língua Grega transmitiu o texto Biblico, traduzindo a

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Septuaginta Grega, do Hebraico, e tanto as Biblias Siríaca e a Vulgata Latina e os seus derivados são baseados nesta tradição textual Grega. A terceira tradição textual só foi descoberta recentemente quando os Manuscritos do Mar Morto foram encontrados em 1948. Há também outra família textual dentro da tradição Samaritana, mas eles têm somente a Torá e não o restante da Bíblia. Cada

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uma destas tradições tem alguns lugares onde eles lêem melhor do que outros. A leitura de Amós na Septuaginta é melhor do que a leitura no texto Masorético, mas o texto Masorético é melhor em alguns lugares como os Salmos 8, 16, e 22. Qumran é tão novo ainda que a maioria das pessoas não está familiarizada com qualquer leitura alternada dos Manuscritos do Mar Morto.

Ordens e Exemplos

Hoje nós todos somos parte da revolução Farisaica que diz que podemos descobrir a vontade de Deus a partir do texto da Bíblia. No entanto, o texto da Bíblia contém diferentes graus de revelação prática. Por exemplo, “amai uns aos outros” é uma ordem direta, e não há pergunta alguma sobre se devemos obedecê-la ou não. Yeshua ordenou a seus discípulos: “Ide por todas as nações e fazei discípulos, ensinando-os a obedecer tudo que Eu vos tenho ordenado.” Esta também é uma ordem sobre a qual não pode haver dúvida. Comandos diretos normalmente não requerem um sod, um remez, ou uma midrash para se compreender o que eles querem dizer.

Há, no entanto, outras formas que Deus se comunica conosco pela Sua Palavra. Ás vezes Ele se comunica através de exemplos positivos e negativos. Lendo sobre o que fizeram os primeiros crentes, nós podemos aprender alguns princípios importantes para hoje. Ananias e Safira são exemplos negativos em Atos que nos mostram como não nos comportarmos, enquanto Dorcas é um exemplo positivo da importância de ajudar o pobre e como Deus recompensa aqueles que cuidam dos necessitados.

Um caso de aprendizagem pelo exemplo positivo é a questão do dízimo. Não há lugar algum em toda a Bíblia que ordena o dízimo para uma congregação, no entanto, a maioria dos crentes está firmemente convencida que somos obrigados a entregar o dízimo.

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No Tanach Deus ordenou o povo a dar o dízimo para o Templo em Jerusalém para sustentar os sacerdotes e Levitas que serviam no Templo. Talvez alguém justificadamente pergunte como este mandamento está relacionado a uma igreja moderna ou sinagoga. O Templo não existe mais, e o pastor não é o Sumo Sacerdote. Que direito têm os pastores modernos de tomar algo que tinha sido designado para o povo Judeu no contexto dos sacerdotes e Levitas em Jerusalém e aplicar isto às suas congregações locais? Como é que sabemos que devemos pagar o pastor, o pregador, ou o evangelista um salário?

Paulo resolveu este problema em 1 Timóteo 5:17-18 fazendo uma midrash a partir da Torá.

Ele disse: “Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na Palavra e no ensino. Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi, quando pisa o trigo. E ainda: O trabalhador é digno do seu salário.” Seu primeiro texto de prova é de Deuteronômio 25:4, e o seu segundo vem de outros versículos em Deuteronômio que dizem que um empregador não deve reter o salário dos seus funcionários. Esta é uma midrash clássica. Paulo tomou os versículos de um contexto agrícola e aplicou-os a alguém trabalhando no Corpo do Messias. Em outras palavras, tomamos as necessidades que a congregação tem, e nós fazemos uma inferência necessária. Nós aprendemos pelos métodos midráshicos a justificar os meios e as ações. Há muitos exemplos disto, então vamos complicar um pouco.

Quando as pessoas hoje dão dinheiro para a sua congregação, para quem ele vai? No Tanach, se alguém tivesse um cordeiro e quisesse dar um presente ao Senhor, ele o levaria ao sacerdote e o queimaria sobre o altar. O sacerdote tomava o seu pedaço, e o que sobrava era queimado. Todavia, o cordeiro era dado ao Senhor. No Novo Testamento, Paulo disse que ele estava coletando dinheiro para os crentes pobres em Jerusalém.

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Ele nunca disse que era para ser uma oferta para o Senhor. No entanto, na Torá, quando as pessoas davam dinheiro para o pobre, isto ainda era considerado um presente ao Senhor. A Torá ordenou o povo a trazer os sacrifícios e a dar vários diferentes tipos de dízimos. Eles tinham um dízimo para os sacerdotes e Levitas, e eles também tinham que deixar algumas de suas colheitas no campo para alimentar o pobre. Os Israelitas antigos tinham diferentes tipos de doação, mas o Novo Testamento nunca ordena dar o dízimo. Portanto, para que um pastor hoje possa pedir o dízimo, ele deve formar halacha de um exemplo, em vez do próprio mandamento. Lembre-se que halacha significa “andar,” e nós queremos saber como andar pela nossa fé em nossas vidas diárias.

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Além do exemplo dos Israelitas doando dinheiro para o Templo, há exemplos de doações no Novo Testamento que podem ser usados para sustentar o conceito do dízimo. Romanos 15:27 diz: “Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são devedores; porque, se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais dos Judeus, devem também servi-los com bens materiais.” Este versículo essencialmente diz que os crentes não Judeus devem ser tão gratos pela bênção espiritual de conhecer o Messias Judeu que eles são motivados a “devolver” financeiramente aos pobres entre o povo Judeu. 1 Coríntios 16:1-2 diz: “Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.” Estes dois exemplos lidam com o mesmo contexto em que Paulo estava levantando dinheiro de suas congregações para ajudar os pobres em Jerusalém. A única autoridade, portanto, pela qual os pastores de hoje coletam dízimos é tomando um exemplo do que os primeiros crentes fizeram e aplicando-o à situação de hoje.

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Há muitas coisas que tanto a Igreja como o povo Judeu faz, que não foi ordenado diretamente, mas que foi tirado de um exemplo nas Escrituras. Um exemplo é a reunião no fim de semana. O Novo Testamento nunca ordena a igreja a se reunir todo Domingo. Há apenas exemplos de crentes se reunindo aos Sábados. Em Atos 20:7, vemos que os discípulos se ajuntavam para se reunirem nas noites de Sábado: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite.” A partir daí, os Cristãos desenvolveram uma tradição de se reunirem no primeiro dia da semana Ocidental, que é Domingo. Hebreus 10:25 nos instrui a não negligenciarmos as nossas reuniões mas nunca especifica com que freqüência estas reuniões devem acontecer. Os homens Judeus Ortodoxos se reúnem para orar duas ou três vezes todo dia baseados no exemplo de haver três ofertas diariamente no Templo. Por outro lado, os Cristãos, baseiam a idéia de uma reunião semanal aos Domingos no exemplo desta passagem de Atos 20.

Outra prática atual que nós tomamos de exemplos Bíblicos é a questão do que fazemos quando nos reunimos. Em Atos 2:42,46 diz: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações...

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Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração.” Baseados nesta passagem nós oramos, temos comunhão, partimos pão, e estudamos juntos as palavras dos apóstolos quando nos encontramos. Não jogamos bingo ou temos loterias porque não temos qualquer ordem ou exemplo desses. A grande moda de hoje de se ter louvou e adoração com música, bandas, bailarinos, e tamborins não vem do Novo Testamento. Na verdade, o Novo

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Testamento nos diz apenas para cantar e de forma alguma menciona qualquer coisa sobre instrumentos. A moda de hoje de usar instrumentos é tirada de exemplos de textos no Antigo Testamento.

Outra coisa que fazemos pelo exemplo é comungarmos juntos. Yeshua ordenou aos Seus discípulos na noite da Páscoa e disse: “Fazei isto em memória de mim,” referindo-se ao partir o pão. Ele nunca disse com que freqüência se deve fazer isto, mas nós sabemos que devemos fazer porque Ele ordenou. É por isso que algumas igrejas hoje têm comunhão todo dia, algumas uma vez por semana, algumas uma vez por mês, e outras apenas uma ou duas vezes ao ano. Tudo que nós temos são exemplos do modo como a Igreja do primeiro século operava. Os exemplos interpretam o mandamento. Os exemplos constituem uma midrash simples.

A dificuldade surge hoje porque nós vivemos no Século XXI em uma cultura diferente, e temos necessidades diferentes das que eles tinham no Primeiro Século. Nós temos de continuar fazendo midrashes e usando exemplos Bíblicos para atender às necessidades de nosso próprio contexto cultural. Para fazer isto corretamente, nós não podemos ignorar a Torá. Muitas pessoas que se opõem à fé Messiânica e dizem: “Nós não precisamos da Torá,” deveriam parar de pedir o dízimo para o seu povo porque o único lugar que fala sobre dízimos está no Antigo Testamento. Se uma pessoa rejeita a Torá, então ela teria que rejeitar também o princípio de entregar o dízimo. Porque tantos Cristãos tomam louvor e adoração, dízimos, e prosperidade do Antigo Testamento quando eles rejeitam o resto? É hipocrisia dizer, “A Torá já acabou e não se aplica a nós,” e tirar e escolher o que queremos Dela antes de jogar fora o resto. Quando os Judeus vêem o que os Cristãos tiram e escolhem, isto não nos impressiona.

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Midrash Aggada

Vamos agora examinar o conceito de midrash aggada, a midrash que conta uma história em grande profundidade. Em Hebreus 11, o famoso capítulo da fé que conta as histórias dos fiéis filhos de Deus, é todo baseado na midrash aggada. Um exemplo clássico vem dos versículos 8 a 10. “Pela fé, Abraão, quando

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chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador.” O que fez o autor de Hebreus achar que Abraão não quis herdar Jerusalém, Hebrom, e Siquém da maneira que Deus instruiu? Deus disse a ele, “Vá para a terra que Eu te mostrarei, e Eu te darei a terra! Aonde você pisar será seu!” Conseqüentemente, é surpreendente quando de repente, de acordo com Hebreus, Abraão não estava nem mesmo interessado na terra de Israel de forma alguma. O escritor de Hebreus fez uma midrash que Abraão estava interessado em outro país totalmente baseado em suas palavras aos filhos de Hete em Gênesis 23:4, quando ele queria sepultar Sarah em Hebrom. Ele disse: “Sou estrangeiro e morador entre vós” e deixou claro que ele não estava interessado em possuir qualquer terra em Israel exceto pela caverna na qual ele queria sepultar sua esposa. O que o autor de Hebreus diz não está explicitamente declarado na Torá, mas ele obtém esta idéia de conceitos não explicados que estão escritos na Torá.

Este capítulo tem dado algumas informações com relação ao conceito de hermenêutica e a importância da utilização de métodos de interpretação Judaicos para a compreensão de textos difíceis. Nós usamos muitas ilustrações e exemplos de como as pessoas usam níveis diferentes de

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interpretação o tempo todo, explicamos a visão Judaica de inspiração, e mostramos que os relatos sinópticos não têm que ser um “problema”. Nós discutimos também o conceito de midrash e como tanto os Rabinos como os escritores do Novo Testamento utilizaram esta importante ferramenta de interpretação. O restante deste livro vai lidar mais especificamente com as regras exegéticas Judaicas e concentrar em métodos de interpretação específicos e princípios em mais detalhes.

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Capítulo 2:

As Maiores Regras Judaicas de Interpretação da Escritura no Primeiro Século

Há aqueles que dizem que “acreditam somente na Bíblia e nada mais.” O problema com esta idéia, porém, é que a Bíblia é um livro, e só pode ser compreendido através da aplicação das regras normais da lógica e da linguagem que são aplicáveis à interpretação de qualquer literatura. A verdade é que a Bíblia contém muitos tipos diferentes de literatura, e cada gênero tem suas próprias regras de interpretação. Não se lê um jornal como se lê uma poesia.

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Não se lê um livro de direito como se leria uma carta pessoal ou uma novela. Tempo, lugar e circunstâncias afetam a forma com que todos os textos escritos são lidos e compreendidos.

A Bíblia foi escrita ao longo de um período de aproximadamente 1000 anos, e ela contém palavras e partes escritas em várias línguas diferentes do Oriente Médio. Cerca de quarenta autores diferentes participaram da redação do texto Bíblico. Todos estes temas complicam a questão da interpretação.

No tempo de Yeshua, o mundo Judaico interpretava as Escrituras usando sete regras importantes formuladas por Hillel VII o ancião (60 AEC – 20 EC). Aqui está um pequeno resumo destas sete regras com alguns exemplos tanto do Tanach como do Novo Testamento:

VII Hillel foi o presidente do Sinédrio em Jerusalém no último ano do primeiro século AEC e durante o Ano 16 da EC. Seu parceiro nesta posição foi Shamai. Estes dois grandes homens argumentaram muito sobre tudo, mas juntos eles deixaram uma marca profunda no mundo de Yeshua. Na verdade, o que é chamado “A Regra de Ouro” (Mateus 7:12) foi realmente formulado primeiro por Hillel, que disse: “O que é odioso para você, não faça ao próximo. Esta é toda a Torá e os mandamentos.” (bShabbat 31 a) Hillel passou seu cargo ao seu filho Gamaliel que foi o professor do Apóstolo Paulo (Atos 5:34-39; 22:3).

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1.

Kal Vahomer

(Leves e Pesados ou a fortiori)

Vamos começar com o primeiro princípio hermenêutico, conhecido como kal va-homer, um argumento descrito em Latim como a fortiori, ou em Inglês como “do menor para o maior.” Embora à primeira vista, este pode parecer um conceito confuso, ele se tornará mais claro quando o examinarmos de perto. As Escrituras estão repletas deste princípio, então cabe a nós compreendê-lo.

Uma conclusão prática que pode ser tirada do uso de kal va-homer em geral é o fato de que há diferentes níveis de pecado. Este conceito tem sido muito mal interpretado, mas a Torá ensina a diferença entre pecados “grandes” e “pequenos”. É claro, Deus em Sua santidade completa não pode fazer vista grossa a nenhum pecado, mas a Torá ensina quais pecados são mais graves, baseado no castigo imposto pela sua violação. Se a punição é a morte, então cometeu-se um pecado muito grave. Cometer um pecado que requer a pena de morte, obviamente é muito grave do que cometer um para o qual a pena é simplesmente o sacrifício de dois pombos.

Por exemplo, muitos Judeus e não-Judeus igualmente têm a impressão equivocada de que se um Judeu come porco, ele cometeu um pecado muito grave. A razão dos Judeus modernos considerarem o comer porco como algo tão grave é por que isto se tornou uma marca de identidade para os membros da

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comunidade Judaica durante os tempos de perseguição. Por outro lado, embora a Torá isto, a única punição por violar esta proibição é lavar-se as roupas e permanecer impuro até a tarde, o que impedia a pessoa de adorar no Templo ou Tabernáculo naquele dia em particular.

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Não existe sacrifício ou pagamento exigido, e na manhã seguinte a pessoa estava pura novamente. Portanto, a Torá ensina que comer a comida impura não era um pecado tão grave, comparado com muitas outras proibições.

Yeshua, na verdade, também ensina que alguns pecados são mais graves que outros, assim como diz que alguns mandamentos são mais pesados do que outros. Em Mateus 5:17-20, Yeshua diz: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.” Esta passagem prova que existem mandamentos menores e maiores e pecados menores e maiores. O mesmo princípio aplica-se à compreensão do conceito de midrash. Aprendemos sobre as coisas grandes com as coisas pequenas.

A passagem seguinte demonstra melhor como kal va-homer funciona. Em Matheus 6:25-33 diz: “...Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vosso vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles

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não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas, pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas. Buscai , pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.”

Esta passagem inteira é um exemplo clássico de kal va-homer. Se Deus cuida dos pássaros (o menor), quanto mais cuidará Ele do ser humano (o maior)? As pessoas são muito mais importantes para Deus do que os pássaros, assim, se Deus alimenta os pássaros e veste as flores do campo, então pode-se deduzir através de midrash que Ele certamente cuidará da humanidade. Do mesmo modo, não devemos nos preocupar com o que vestirmos. Se olharmos para a

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forma como Deus cuida da natureza, Ele certamente cuidará do homem porque o homem é a coroa da natureza!

A essência de kal va-homer é que se este mandamento menor ou princípio é verdade, então é óbvio (quanto mais?!), o princípio mais importante ou mandamento ligado a ele vai ser verdade, também. Yeshua usou esta forma de midrash repetidamente em Seu ensino. Vamos examinar como Yeshua usa este princípio em outros lugares.

Em Lucas 23:28-31, “Porém Yeshua, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes, por vós mesmas e por vossos filhos! Porque dias virão em que se dirá: “Bem aventuradas as estéreis, que não geraram, nem amamentaram.” Nesses dias, dirão aos montes: Caí sobre nós! E aos outeiros: Cobri-nos! Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco?”

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A parte deste exemplo que se encaixa no método de kal va-homer é a frase, “Se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco?” Embora a frase exata quanto mais, não aparece aqui, a lógica está presente na comparação entre os dois tipos de lenho. Se coisas terríveis ocorrem em meio à paz e prosperidade, quanto mais elas acontecerão durante os tempos de tumulto e guerra? Algo pequeno é comparado a algo grande, e conclusões são tiradas da coisa que é pequena para a coisa que é grande.

Yeshua também está dizendo às jovens mulheres de Jerusalém para não chorar por Ele, mas ao invés, chorar por elas próprias e por Jerusalém. Quanto mais sofrerão elas se Ele está sofrendo? A “árvore verde” é um símbolo de uma pessoa justa. No Salmo 1:3, vemos o exemplo que o homem piedoso “será como uma árvore plantada junto a ribeiros de água.” No Salmo 92:12 também diz, “O justo florescerá como uma palmeira.” Em outras palavras, o justo é equiparado com a árvore verde. Yeshua tirou Sua analogia sobre a destruição das árvores verde e das secas de Ezequiel 20:47, “Eis que acenderei em ti um fogo que consumirá em ti toda árvore verde e toda árvore seca; não se apagará a chama flamejante;...”Se Eu, como uma pessoa justa devo sofrer, quanto mais sofrerão todos vocês pessoas más que estão vivendo em pecado nesta cidade de Jerusalém?”

2 Pedro 2:4-9 faz uma observação semelhante: “Ora, se Deus não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou a abismos de trevas..., é porque o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia do Juízo.” A implicação é que se Deus pode punir até mesmo os anjos, que são maiores em força e poder do que

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os seres humanos, então Ele certamente punirá os malfeitores entre os homens, que são até mesmo piores do que os anjos. (Pedro semelhantemente indica que o piedoso pode esperar livramento da tentação por causa da fidelidade de Deus; assim como Ele é fiel para punir, Ele é fiel também para recompensar).

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Dentro da tradição Judaica, o uso de kal va-homer para interpretar os mandamentos da Torá resultou na importante decisão haláhica que um Judeu que morre é enterrado no mesmo dia se possível. O sepultamento acontece o mais rápido possível por causa de uma interpretação de kal va-homer de Deuteronômio 21:22-23. “Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas, certamente, o enterrarás no mesmo dia; porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus.” Vemos nesta passagem que um criminoso que tenha sido executado por enforcamento o seu corpo não deve ser deixado na árvore durante a noite. Ele deve ser enterrado no mesmo dia. Os sábios mantiveram kal va-homer: se a um criminoso, uma pessoa má, não é permitido ser profanada e permanecer pendurada durante a noite sem um sepultamento adequado, então quanto mais alguém que é justo e que não é um criminoso, merece ser sepultado rápida e honradamente? Esta halachah é a razão pela qual Yeshua foi sepultado no mesmo dia de Sua morte e não permitido permanecer pendurado na cruz durante a noite. Este é um caso clássico de utilização do kal va-homer para fazer uma decisão judicial a partir de uma midrash.

O princípio de kal va-homer é muito importante na sociedade Ocidental também, embora possamos não ter tido conhecimento de sua origem. Em especial, os advogados usam isto quando precisam fazer um ponto forte no tribunal. É também um princípio muito significativo da hermenêutica para a compreensão da mecânica da midrash.

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2.

G´zerah Shavah

(Expressões equívocas – Lit. “corte igual”)

G´zerah Shavah é “a aplicação a um tema de uma norma já conhecida para aplicar a outro, sobre a força de uma expressão muito usada em conexão com os dois nas Escrituras.” VIII Em outras palavras, uma vez que se encontra uma palavra, frase, ou raiz similar em duas passagens diferentes, uma analogia pode ser feita entre elas. Fazer esta analogia permite ao intérprete aplicar os mesmos princípios, conclusões, e aplicações a ambas, dos textos e situações. G´zerah shavah é especialmente útil para fazer halacha se a situação em um dos textos é muito clara, mas não no outro. A mesma halacha será então aplicada a ambas as situações baseada nas palavras e expressões semelhantes. Até mesmo uma olhada superficial no Tamude revela inúmeras discussões em que o Rabino usa g´zerah shavah para estabelecer a halacha em situações incertas.

No livro de Hebreus 3:6-4:13, o autor compara expressões equívocas no Salmo 95:7-11 e Gênesis 2:2 para fazer seu ponto. Estas expressões semelhantes são as palavras “obras”, “descanso”, e “dia”/”hoje”, e o fato de que ambas as passagens contêm estas frases significa que as idéias dentro dos versículos podem ser aplicadas uma à outra. O autor de Hebreus usa g´zerah shavah para chamar a atenção para o padrão da obra da criação de Deus e a história. A analogia toda é baseada no uso da palavra “dia” ou “hoje” ( ). “...Pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do

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pecado. Porque nos temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos. Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a Sua voz,

VIII O Talmude Babilônico: Glossário. Ed. 1. Epstein. Index Volume. London: Socino Press, 1952, p.734.

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não endureçais o vosso coração, como foi na provocação.” (Heb. 3:13-15). (Este é um pequeno trecho da passagem, porém uma leitura completa dos capítulos 3 e 4 de Hebreus é recomendada para uma melhor compreensão). O autor insinua que “hoje” leva duas implicações significativas, que são um começo e um fim. Pelo esboço do Salmo 95 e da história da Criação, ele conclui que há um futuro Shabbat o qual todos nós aguardamos. Este conceito, que é encontrado também em escritos Rabínicos e em outros livros Judaicos do período do Segundo Templo, é que a história vai ser de 6000 anos de duração, e o sétimo milênio será um “Ano Sabático” – A era Messiânica. Portanto, nós devemos aproveitar a oportunidade agora enquanto é “hoje” para nos arrepender e andar na fidelidade e na obediência a Yeshua.

Outro exemplo que freqüentemente é mencionado é a citação de Oséias, o profeta que Mateus usa na narrativa do nascimento: “Do Egito chamei o meu filho” (Oséias 11:1). Visto que “Egito” é mencionado em ambos os casos, há uma conexão e uma similaridade entre o Êxodo do Egito e a saída de Yeshua do Egito com José e Maria, após a morte de Herodes.

3.

Binyan av mikatuv echad

(Constituindo uma “família” de um texto)

O significado essencial de binyan av mikatuv echad é que quando uma idéia é encontrada em várias passagens diferentes, pode-se concluir a partir do efeito cumulativo de colocá-los juntos.

Risto Santala explica este princípio como a “classificação de versículos, opiniões, e fatos em uma família. Na literatura midráshica, pode haver um capítulo como muitas centenas de passagens

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Bíblicas diferentes. Era suficiente alguém mencionar apenas o começo do versículo e a palavra ‘va-gomer’, que é, ‘e continua’, e cada pessoa repetia o versículo inteiro em sua mente... Além disso, era permitido tomar emprestado apenas a idéia principal do versículo ou combinar no nome de um profeta idéias pertencentes à mesma ‘família’, ligeiramente modificada em sua própria unidade.” IX Não se pode combinar versículos usando este método baseado no

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fato de que ambos contêm uma palavra comum como “então” ou “matar” por exemplo, e a palavra ou frase que conecta a “família” de textos deve ser a principal idéia em todos aqueles versículos.

Por exemplo, Hebreus 9:11-12 aplica as idéias de “sangue” dos contextos de sacrifício e de aliança na Torá (tais como Êxodo 24:6-8, Lev. 8:15-19, 17:11, 16:14-16, e Num. 19:4-18 entre outros) e a idéia de “aliança” em Jeremias 31:31-34 à sua discussão de como a morte de Yeshua expiou nossos pecados. O autor do livro de Hebreus conecta o sangue dos sacrifícios com o estabelecimento de um pacto através do sangue que Yeshua derramou. Ele então conecta toda a questão do sangue com a Nova Aliança.

“Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue [esta é uma clara kal va-homer] de Cristo, que pelo Espírito eterno, a Si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso mesmo, Ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido

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chamados. Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador; pois um testamento só é confirmado no caso de mortos; visto que de maneira nenhuma tem força de lei enquanto vive o testador. Pelo que nem a primeira aliança foi sancionada sem sangue; porque, havendo Moisés proclamado todos os mandamentos segundo a lei a todo o povo, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, e lã tinta de escarlate, e hissopo e aspergiu não o próprio livro, como também sobre todo o povo, dizendo: Este é o sangue da aliança, a qual Deus prescreveu para vós outros. Igualmente também aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os utensílios do serviço sagrado. Com efeito, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e, sem derramento de sangue, não há remissão.” (Heb. 9:13-22)

A conclusão do autor da combinação de todos estes textos juntos é que “Sem derramento de sangue não há perdão” na relação de aliança entre Deus e o povo e que, portanto, o sacrifício de Yeshua de Si mesmo permitiu serem perdoados os nossos pecados e a entrarmos na Nova Aliança. Não há lugar algum no Tanach que diz realmente que pecados são perdoados apenas com sangue de sacrifícios. Em vez disso, esta idéia é a conclusão do autor que ele tirou da aplicação de um lugar que fala do sangue como expiação numa situação de aliança para outros lugares que falam do sangue. Este é um claro exemplo de como uma “família” é constituída de um texto com ênfase em uma ou duas palavras.

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4.

Binyan av mish´nei ketuvim

(Constituindo uma “família” de dois ou mais textos)

Isso é semelhante ao princípio anterior de binyan av mikatuv echad. A diferença é que a aplicação vem da combinação de dois textos diferentes, em seguida aplicar os conceitos de ambos a uma “família” de outras passagens.

Vamos usar outra passagem de Hebreus como um exemplo de como isto funciona, embora há muitos outros lugares no Novo Testamento que usam isto também. Hebreus 1:5-14 usa este princípio para provar que o Messias é maior do os anjos. Ele combina os textos de Salmo 2:7 e 2 Samuel 7:14 e depois coloca-os juntos com muitos outros salmos com um contexto Messiânico.

“Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei? [Salmo 2:7] E outra vez: ‘Eu lhe serei por Pai, e ele me será Filho’? [2 Samuel 7:14] E, novamente, ao introduzir o Primogênito no mundo, diz: ‘E todos os anjos de Deus O adorem.’ [Salmo 97:7] Ainda quanto aos anjos, diz: ‘Aquele que a seus anjos faz ventos, e a seus ministros, labareda de fogo.” [Salmo 104:4] Mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; e: Cetro de eqüidade é o cetro do seu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniqüidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria como a nenhum dos teus companheiros.’ [Salmo 45:6-7] Ainda: ‘No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obras das Tuas mãos; eles perecerão; Tu, porém, permaneces; sim, todos eles envelhecerão qual veste; também, qual manto, os enrolarás, e, como vestes, serão igualmente mudados; Tu, porém, és o mesmo, e os teus anos jamais terão fim.’ [Salmo 102:25-2]

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Ora, a qual dos anjos jamais disse: ‘Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés? [Salmo 110:1] Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação? ”

Nesta cadeia de textos em Hebreus 1, o autor usa ambos, binyan av mikatuv echad e binyan av mish´nei ketuvim numa forma útil para identificar princípios Bíblicos e provar que Yeshua é superior aos anjos. O autor faz muitos versículos que nada têm a ver um com o outro relevantes para a sua situação através da aplicação do princípio de “filho” a todos os textos que falam de Deus e anjos que ele lista para fazer seu ponto. Os professores da Bíblia usam este princípio o tempo todo quando eles constroem um sermão e conectam textos diferentes associando uma frase ou princípio que aparece no texto principal aos outros textos e depois tira uma conclusão.

5.

K’lal Uf’rat

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(do geral para o particular)

Em k’lal uf’rat, um princípio importante é declarado, e em seguida, expandido e listado abaixo em maiores detalhes. Às vezes este princípio funciona no sentido oposto também, significando que se raciocina do particular para o geral. Nesta segunda opção, (frat uk’lal), inicialmente se tem os detalhes e então no final, cria-se um princípio dos detalhes.

Em 2 Cor. 6:14-16 diz: “Não vos ponhais em jogo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de D-us e os ídolos? Porque nós somos santuário do D-us vivente, como Ele próprio disse:

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Habitarei, e andarei entre eles; serei o seu D-us, e eles serão o meu povo.”

“Não estejais em jugo desigual com os incrédulos” é o princípio geral. Então Paulo expande e detalha este princípio num conjunto de explicações sobre o que o princípio implica no resto do parágrafo.

A Torá também usa este método na lista das festas de Israel em Levítico 23:2ss. Nos versículos de 2-6 diz: “Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: ‘As festas fixas do SENHOR, que proclamareis, serão santas convocações; são estas as minhas festas. Seis dias trabalhareis, mas o sétimo será o sábado do descanso solene, santa convocação; nenhuma obra fareis; é sábado do SENHOR em todas as vossas moradas. São estas as festas fixas do SENHOR, as santas convocações, que proclamareis no seu tempo determinado: no mês primeiro, aos catorze do mês, no crepúsculo da tarde, é a Pascoa do SENHOR. E aos quinze dias deste mês é a Festa dos Pães Asmos do SENHOR; sete dias comereis pães asmos...’”

O princípio geral nesta passagem é a frase, “As festas do SENHOR, que proclamareis para ser santas convocações, estas são Minhas festas.” Então, debaixo deste princípio geral segue uma lista da festa, e como cada um deles deveria ser observado.

6.

Kayotzei bo mimakom acher

(Analogia feita de outra passagem)

Neste princípio, o expositor compara duas passagens que parecem contradizer uma à outra com uma terceira passagem que contém algumas das mesmas idéias gerais para resolver contradições

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aparentes. Aqui estão alguns exemplos:

Há um desacordo numérico entre 2 Samuel 24:9 e 1 Crônicas 21:5 e seus relatos sobre o censo de David. 2 Samuel diz, “...e havia em Israel 800.000 (oitocentos mil) homens de guerra, que puxavam da espada, e em Judá eram 500.000 (quinhentos mil) homens.” Por outro lado, no relato do mesmo censo em 1 Crônicas 21, diz, “...e havia em Israel 1;100.000 (um milhão e cem mil) homens que puxavam da espada; e em Judá eram 470.000 (quatrocentos e setenta mil) homens que puxavam da espada..” Alguns críticos poderiam considerar a incongruência entre os dois textos ser muito séria porque mesmo que não se espera que os números em um texto antigo sejam exatos, espera-se que os relatos de um censo sejam um tanto coerentes entre si. É somente lendo de perto 1 Crônicas 27:1-22, no entanto, que se pode explicar esta discordância numérica. Esta passagem explica que duas das tribos (Gade e Issacar) nem sequer foram contadas neste chamado “censo.” Provavelmente, o número em 2 Samuel não inclui aquelas tribos, mas elas estão incluídas no total em 1 Crônicas 21. É somente através da análise do terceiro texto que a contradição entre os números pode ser resolvida.

Os Rabinos usam este princípio no Talmude com grande freqüência para resolver contradições aparentes na Torá, e o Novo Testamento também faz a mesma coisa. 1 Pedro 2:4-8

Explica a aparente contradição entre duas passagens no Tanach que falam sobre o Messias como “a pedra angular.” Por um lado, Isaías 28:16 parece dizer que a “pedra angular” será amplamente acreditada e aceita, mas por outro lado, no Salmo 118:22 diz que a pedra angular será rejeitada. Pedro resolve esta contradição inserindo outra passagem de Isaías 8:13-15 que menciona os desobedientes “tropeçando” sobre uma pedra mas os justos servindo a D-us fielmente.

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Aqui está a passagem: [1 Pedro 2:4-8] “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com D-us eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a D-us por intermédio de Yeshua o Messias. Pois isso está na Escritura: ‘Eis que ponho em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem Nela crer não será, de modo algum, envergonhado.’ [Isaías 28:16] Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade; mas para os descrentes, ‘a pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular,’ [Salmo 118:22] e, ‘Pedra de tropeço e rocha de ofensa.’ [Isaías 8:14] São estes os que tropeçam na Palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos.”

7.

Davar há-nilmad me-inyano

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(Explicação obtida do contexto)

Esta é realmente uma das regras mais fundamentais de interpretação Bíblica. Um texto deve ser examinado dentro do seu contexto todo para ser bem compreendido. Grande parte do ensino de Paulo em particular, é tanto incompreensível, como sujeita a interpretações muito erradas, a menos que o contexto geral também seja considerado. O livro de Gálatas é um grande exemplo da importância do contexto para a compreensão dos escritos dos Apóstolos.

Outro exemple é Romanos 14:14, que diz: “Eu sei e estou persuadido, no Senhor Yeshua, de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é impura.” Se ignorar-se o contexto geral da carta de Paulo, pode-se chegar à conclusão de que ele

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anulou todas as leis alimentares da Torá. Quando o contexto da própria vida de Paulo e da unidade entre Judeus e não-Judeus crentes nas congregações com as quais ele está lidando, é levado em conta, então, se torna claro que o significado deste versículo não é tão simples. Olhando o restante do contexto de Romanos, vemos que Paulo ensina que nada é intrinsecamente “impuro”, mas, sim que as coisas só são “impuras” porque D-us as chama de “impuras” na Torá. Cada crente tem de que decidir, de acordo com sua própria consciência, pela direção do Espírito Santo, e das Escrituras, o que é puro para si.

A segunda questão contextual levantada por Paulo é existe “liberdade de crítica” nas questões de alimentação, dias sagrados, e estilo de vida porque a essência do “Reino de D-us” não é realmente sobre essas questões menores. Estas são também as questões menores na própria Torá, e elas certamente são secundárias para a salvação dos Gentios e dos Judeus. O que comemos não deveria se tornar um empecilho para a salvação daqueles que nos cercam. O contexto define claramente o problema e defende o que Paulo diz em Romanos 3:30-31: “Visto que D-us é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso. Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei.”

Em minha opinião, o sétimo de todos estes princípios de Hillel é o mais importante porque é o mais ignorado e mal usado na maioria das vezes. O contexto da matéria é a principal ferramenta para a compreensão das questões e dos princípios que o autor pretendia que nós compreendamos. Se ignorarmos o contexto, nós realmente tornamos a Palavra de D-us em vão porque poderia ser usada para dizer qualquer coisa, para justificar qualquer coisa, para ser torcida naquilo que quisermos. Na verdade, ela poderia se tornar a ferramenta mais horrível do mal, como infelizmente se tornou nas mãos daqueles que a têm usado impropriamente ao longo dos séculos.

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Deve-se ter em mente que nem toda passagem pode ser interpretada com todas estas sete regras, e pode até haver algumas passagens que não deveriam ser interpretadas por qualquer uma delas. Se bem compreendidos e usados, no entanto, estes princípios ou midot podem se tornar uma grande ferramenta no Corpo do Messias para interpretar e expor as Escrituras de acordo com o seu contexto Judaico original. Hermenêutica, ou a forma como compreendemos a Palavra de D-us, é uma das chaves tanto para a saúde espiritual como para a unidade do povo de D-us. Se somos capazes de usar as mesmas ferramentas, deveríamos ter os mesmos resultados e chegarmos a uma compreensão comum do que D-us planejou para nós aprendermos e sabermos sobre Si mesmo e Seu povo.

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Capítulo 3

Hekkesh

Embora não esteja incluído na lista de princípios exegéticos tanto do Rabino Ishmael como do Rabino Hillel, um importante método Rabínico de interpretação é chamado hekkesh . Hekkesh é uma “analogia provando a lei em relação a uma coisa que se aplica também a outra, seja porque ambas têm algumas características em comum ou haja uma intimação Bíblica para o efeito.” X

Hekkesh literalmente significa “pegar duas pedras e batê-las juntas,” que é uma metáfora para comparar dois versículos que têm uma linguagem similar a fim de aprender alguma coisa que não se conhecia previamente.Embora esta técnica seja ligeiramente técnica e complicada, ela se presta a algumas lindas midrashim e é usada extensivamente nas Escrituras.

Hekkesh é diferente de gezerah shavah (analogia) porque desta forma, um versículo é aplicado a outro. Aprendemos alguma coisa em um versículo e a aplicamos a outro versículo. Em hekkesh, no entanto, são examinados dois versículos que têm as mesmas palavras, mas surge com uma doutrina completamente nova que não é indicada por qualquer um dos versículos sozinho.

Um exemplo do uso de hekkesh no Novo Testamento ocorre em Mateus 5:27-28, onde Yeshua diz: “Ouvistes que foi dito: ‘Não adulterarás’. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela.” Como Yeshua poderia dizer que se um homem olha para uma mulher com intenção de imoralidade sexual, ele já cometeu adultério?

X O Talmude Babilônico: Glossário. Ed. 1. Epstein. Index Volume.London: Socino Press, 1952, p. 736.

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Na verdade, há muitas passagens Rabínicas que proíbem a luxúria exatamente nos mesmos princípios. O que é único então, sobre a equação de Yeshua, da luxúria e do adultério aqui, é que Ele apoiou esta decisão halachic pelo uso de

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hekkesh. Ele combinou dois dos Dez Mandamentos “Não cometerás adultério” e “Não cobiçarás” de Êxodo 20 e juntou-os para fazer a conclusão de que a proibição da Torá sobre adultério também inclui pecados mais amplos do que simplesmente o ato físico de ter relação sexual com a esposa de outro homem.

Yeshua pode combinar estes dois mandamentos porque a palavra da Septuaginta para “cobiçar” nos 10 mandamentos é o mesmo verbo Grego (epithymeo) que Yeshua usa em Mateus 5 para “luxúria.”XI “Em outras palavras, Jesus lê o humanamente inexecutável décimo mandamento como se ele importa tanto quanto os outros mandamentos, mais humanamente executáveis. Na ética de Mateus, se alguém guarda os outros mandamentos, mas não guarda um deles, esse alguém é culpado.”XII

Yeshua, na realidade, toma dois versículos, bate um contra o outro, compara-os, e faz um hekkesh. Assim fazendo, Ele ensina alguma coisa completamente nova disso – que adultério não é apenas o ato físico, mas também a intenção. Ele conclui que o mandamento, “Não cometerás adultério” não significa apenas o ato em si, mas também a intenção que surge no coração e é cometida com os olhos.

Todo o Sermão da Montanha, no qual Yeshua diz: “Ouvistes o que foi dito..., Eu, porém, vos digo...” é baseado neste princípio de hekkesh. Alguns crentes equivocadamente pensam que o ensino de Yeshua no Sermão da Montanha pretendia anular a Torá. Na verdade, a frase, “Ouvistes o que foi dito... Eu, porém, vos digo...” aparece na literatura Rabínica também. Isto significa, “ que pode-se pensar que isto se aplica apenas literalmente ao simples (p’shat), mas eu vos digo, que não deveria ser tomado apenas literalmente porque tem muitos aspectos mais do que isto.” Estes outros aspectos incluem coisas que se pode aprender através de interpretações dos elementos remez, drash, e sod de um texto. Só se pode fazer estes tipos de conclusões estudiosamente comparando os textos.

Aqui está outro exemplo de como Yeshua usou o hekkesh. Mateus 5:38-42 diz: “Ouvistes o que foi dito, ‘Olho por olho e dente por dente.’ Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes.” Para descobrir a base deste parecer de Yeshua, nós precisamos examinar os textos dos quais Ele fez o hekkesh.

A Torá diz: “Olho por olho e dente por dente...” mas deixa-nos a tarefa de decidir qual é a implicação desta lei. Normalmente falando, se alguém deliberadamente arranca o olho de outra pessoa, a vítima estaria inclinada a matar o agressor. Esta é uma reação humana normal. No entanto, ao contrário de nossas tendências naturais, a Torá ensina que mesmo a vítima de tão terrível crime não deve se vingar ou retaliar de uma forma violenta. A vítima tem o direito de ir ao tribunal e receber a indenização pela perda. A tora não ensina que é permitido matar a pessoa. Se ele tirou um olho, ele pagará por um olho. Se ele tirou um dente, ele pagará por um dente. Se ele

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XI Allison, Dale C. O Sermão da Montanha. New York: Crossroad Publishing Company, 1999, p. 72

XII Keener, Craig S. Comentário do Evangelho de Mateus. Grand Rapids: Eerdman´s, 1999, p. 187

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queima alguém, ele pagará pela queima. Este mandamento na Torá significa que aquele que fez uma vítima perder um olho ou um dente pagará o preço de um olho, ou o preço de um dente, etc. Se alguém causa danos a um indivíduo, acidentalmente, a lei é aplicada, e o tribunal determina o valor do olho. Olhos diferentes têm preços diferentes, dependendo da idade, profissão, etc...da pessoa.

A razão pela qual sabemos que a Torá literalmente não ensina arrancar o olho do agressor vem de outro versículo que explica como este princípio deve ser interpretado. Êxodo 21:22-25 aplica o princípio de “olho por olho” a uma situação particular e o interpreta para dizer que o agressor deve pagar uma compensação financeira.” “Se homens brigarem, e ferirem mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém sem maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem. Mas, se houver dano grave, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe.”

Entretanto, há outro texto na Torá que parece tomar este princípio muito literalmente. Levítico 24:19 diz: “Se alguém causar defeito em seu próximo, como ele fez, assim lhe será feito.” Está claramente afirmado neste versículo que se alguém arranca o dente de seu próximo, ele deveria ter o seu dente arrancado também. Este é um resultado jurídico completamente diferente.

Yeshua viu que havia uma contradição legal na Torá. Em um lugar, diz que se deve pagar de acordo com o julgamento determinado pelos tribunais. Em outro lugar, diz que o olho do homem culpado deve ser arrancado como recompensa pelo olho perdido da vítima. Para aumentar a complicação,

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vamos examinar agora um terceiro texto em Lamentações 3:30, que diz alguma coisa completamente diferente. “Dê a face ao que te fere; farte-se de afronta.”

Nós temos aqui uma situação em que três textos inspirados diferentes, todos dão instruções completamente diferentes. Um diz que se alguém causar a perda de um olho do seu próximo, então eles deverão ir ao tribunal para determinar as indenizações, e que será a multa monetária do agressor. O outro diz que devemos nos vingar na mesma proporção. Se alguém faz alguma coisa a outra pessoa, exatamente a mesma coisa deveria ser feita ao ofensor. E ainda outro versículo diz que se alguém bater, deve se virar a outra face! Como podem todos estes textos ser inspirados pelo mesmo D-us? A única maneira de

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compreender estes versículos é usar o hekkesh, ou seja, “bater um contra o outro” e fazer uma idéia completamente nova.

Para entender porque Yeshua disse para virar a outra face, nós também precisamos lembrar em qual contexto cultural Ele estava falando. Durante o tempo em que o Evangelho foi escrito, a Terra de Israel e o povo Judeu, sofreu sob a ocupação Romana. Yeshua viveu toda a sua vida sob a ocupação Romana e o governo corrupto de Herodes e sua família. Os Romanos basicamente fizeram o que quiseram com o povo de Israel. Eles tinham leis que diziam que qualquer soldado Romanao poderia tomar o casaco, a camisa, o jumento, e o equipamento de qualquer Israelita a qualquer momento, e até mesmo levá-lo como um servo por 24 horas! Entretanto, após 24 horas ele tinha que ser liberado. A lei em Israel ainda é mais ou menos a mesma. Se o militar, precisa de um carro, eles têm o direito de levá-lo. Se eles precisam de uma casa, eles têm o direito de tomá-la, assim como era a situação no tempo dos Ramanos.

Agora que nós examinamos todos os três textos em seus contextos, vejamos como Yeshua fez um hekkesh com eles no Sermão da Montanha. Yeshua não está falando sobre um caso de

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mutilação por acidente. A pessoa que bate deseja humilhar. Yeshua diz que quando alguém intensionalmente nos fere ou nos envergonha, não devemos responder o mau com o mau. Permitir aquela pessoa “nos bater na outra face” é a coisa forte, não a coisa fraca, a fazer. Se alguém pretende nos envergonhar batendo-nos publicamente na face, não devemos ceder à sua maldade e responder com a mesma moeda porque isto o mostraria que ele nos afetou. Em vez disso, devemos prová-lo que ele não pode nos afetar. Devemos mostrá-lo que somos orgulhosos e fortes o suficiente para suportar outra batida na face. Yeshua ensina isto tomando os dois versículos da Torá e batendo-os junto com o versículo de Lamentações.

Portanto, “Virando a outro face” e “Caminhando a segunda milha” não é uma lei nova selvagem que cancela a Torá. Em vez disso, Yeshua expôs a Torá usando os princípios midrashic e hekkesh. Ele tomou vários versículos que lidavam com o mesmo assunto, analisou-os, fez uma analogia, “bateu-os um contra o outro,” e fez uma nova conclusão para impedir a contradição de um versículo com o outro.

Agora vejamos como é possível usar o princípio de hekkesh em nossos dias para compreender a Bíblia. A primeira vez que encontramos Bezalel Bem Uri é em Êxodo 31:2-3. O texto diz: “Eis que chamei pelo nome a Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de D-us, de habilidade, de inteligência e de conhecimento, em todo artifício...” Este versículo menciona quatro atributos ou dons concedidos a Bezalel: sabedoria, entendimento, conhecimento, e todos os tipos de obra. Êxodo 35:31 usa exatamente as mesmas palavras usadas para descrever Bezalel. “E o Espírito de D-us o encheu de habilidade, inteligência e conhecimento em todo artifício...”

Êxodo 36:1 descreve Bezalel usando outro termo interessante, que em Hebraico

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literalmente significa “um coração sábio.” No pensamento Rabínico tradicional, a sabedoria vem da cabeça, e as emoções originam-se no coração. De acordo com Nachmanides, (o Ramban), estas coisas são opostas, mas Rashi soluciona a aparente contradição fazendo um clássico hekkesh. Ele disse que o “conhecimento” era, na verdade, o Espírito Santo ou Ruach há-Kodesh.XIII

De acordo com o Novo Testamento, o propósito do Espírito Santo é “nos guiar em toda verdade”, como em João 6:13 diz: “...quando Ele, o Espírito Santo, vier, Ele vos guiará em toda verdade.” A palavra verdade em Hebraico é “emet”, da qual a primeira, meio, e última letras são a primeira, meio, e última letras do alfabeto Hebraico. Em outras palavras, o Espírito Santo nos dá a capacidade de sintetizar, e neste clássico hekkesh, nós somos capazes de chegar a duas coisas distintas e compreender uma terceira. Os ocidentais que ouvem os orientais falarem muitas vezes acham que nós estamos exagerando, porém a verdade inclui também as emoções que a acompanham. Este conceito lança luz sobre o que Paulo diz em 2 Coríntios 3:6 a respeito de como D-us nos deu capacidade para sermos ministros da Nova Aliança “não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito dá vida.” Este exemplo, como as duas passagens que analisamos do Sermão da Montanha, também é um hekkesh.

É claro, o hekkesh precisa ser usado com cuidado e pela direção do Espírito Santo porque quaisquer novas conclusões que fazemos de “bater um versículo contra outro” não deve contradizer a letra ou o Espírito da Palavra de D-us. Nossa compreensão e uso deste importante conceito é uma grande ferramenta para interpretar e explicar a Bíblia de acordo com o seu contexto Judaico original.

XIII Ben Isaiah, Abraham and Benjamin Sharfman. The Pentateuch with Rashi´s Commentary: A Linear Translation into English. Vol. 2. Exoduas. Brooklyn: S.S. & R. Publishing Company. 1949, p. 394.

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Segunda Parte:

Desafios Contemporâneos para o Judaísmo Messiânico

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Capítulo 4

Hermenêutica Judaico Messiânica

Embora seja possível e fácil falar sobre a hermenêutica da Igreja primitiva ou do Judaísmo do período do Segundo Templo, nunca houve um sistema totalmente desenvolvido e articulado de interpretação Bíblica que seja Messiânico e Judaico.

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Este capítulo irá discutir a necessidade de hermenêutica, rever algumas contribuições Judaicas importantes, e em seguida propor algumas orientações iniciais para a interpretação Bíblica dentro da comunidade Judaica Messiânica.

A hermenêutica tem sido chamada uma ciência e uma arte. Existem leis e regras para a compreensão de um texto que devem levar o tempo, o lugar, o orador, a audiência, e o contexto religioso e cultural em consideração. Os textos não flutuam no amplo espaço do nada. Eles sempre existem dentro do contexto de alguma configuração, tempo, e dos eventos históricos que levaram à sua criação. A tendência do início do século XX era dar um toque existencial à interpretação da Bíblia. Isto tirou a Palavra de D-us de seu contexto histórico e cultural e deu-a um sentido filosófico. É minha intenção restaurar o entendimento das formas em que a Bíblia tem sido historicamente interpretada, a fim de equipar aqueles que são estudantes sérios a aprofundar na perplexidade e relevância para nossa vida diária.

Para fins de clareza, vamos definir a hermenêutica. De acordo com o Dicionário Oxford da Igreja Cristã, hermenêutica vem de uma palavra grega que significa “interpretar.” Ela é descrita como “a ciência dos métodos de exegese.

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Enquanto a exegese é normalmente o ato de explicar um texto, muitas vezes no caso da literatura sagrada de acordo com as regras formalmente prescritas, a hermenêutica é a ciência (ou arte) pela qual os procedimentos são concebidos.” XIV A hermenêutica é o caminho pelo qual estabelecemos regras para interpretar textos, a fim de que os leitores possam compreender a cosmovisão e a mensagem pretendida do autor.

Não se pode “ler” a Bíblia sem interpretá-la simultaneamente, percebamos isto, ou não, no momento. A idéia Protestante de sola Scriptura sem qualquer acompanhamento de tradições interpretativas ou orientações pode parecer atraente, mas é, de fato, impossível. Todos nós nos aproximamos do texto coma as nossas próprias idéias preconcebidas sobre o que ele significa baseados no que temos sido ensinados por outros. Em muitos casos, estes entendimentos anteriores podem ser úteis para orientar a nossa interpretação, mas nunca devemos confiar apenas no que nós pensamos que o texto “deve” dizer. Em vez disso, precisamos usar os princípios interpretativos da hermenêutica para descobrir o que o texto significava em seu contexto cultural original e só então procurar aplicá-lo às nossas próprias circunstâncias. A atitude Judaica para com o texto Bíblico é que cada afirmação tem setenta entendimentos e interpretações possíveis. Na prática este princípio permite uma ampla gama de possibilidades para a compreensão do mesmo texto sem quebrar o consenso. Isso não significa que tudo é permitido, mas quer dizer que há um lugar para avaliar e examinar diferentes possibilidades e opções para a interpretação do mesmo texto.

Embora à primeira vista pode parecer que os rabinos interpretaram a Bíblia sem rima ou razão, há, na verdade, regras muito específicas para a formação de midrash e para exegese dentro da tradição Judaica. O Rabino Hillel, que viveu no Século I AC tinha sete

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XIV “Hermenêutica.” Dicionário Oxford da Igreja Cristã. Ed. F. L. Cross.

Oxford University Press, 1983, p. 641.

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regras para interpretar textos sagrados. É preciso lembrar que esses métodos hermenêuticos não excluem o p´shat, o significado claro e literário.

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