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INTRODUO A eleio de Tasso Jereissati ao Governo do Estado do Cear, em 1986, deu inicio a um ciclo poltico que lhe garantiria dar as cartas na poltica estadual durante duas dcadas. Tal hegemonia caracterizou-se, sobremaneira, pela centralidade em torno de sua persona, pelo reconhecimento inconteste do capital poltico ligado ao seu nome e por um crescente aumento de vitrias eleitorais queles que foram aproximando-se do seu legado, constituindo um longo perodo de eleies no-competitivas ao Governo Estadual, ao Senado e Assembleia Legislativa do Cear. Inclua-se como devedora de seu capital poltico a eleio de Ciro Gomes Prefeitura Municipal de Fortaleza, na eleio de 1988.

Como membro de um projeto poltico coletivo, iniciado com as discusses dentro dos quadros do Centro Industrial do Cear durante a renovao de seus quadros dirigentes, no final da dcada de 70 do sculo passado e inicio dos anos 80 -, logo cedo Tasso Jereissati firmar-se-ia como uma liderana poltica devendo a si mesmo sua capilaridade eleitoral e poltica em seu Estado de origem. Filho do ex-senador Carlos Jereissati, reuniria os elementos aprendidos pela prtica poltica do pai com os ensinamentos da universidade, onde apreendera a necessidade da modernizao das prticas gerenciais e do quanto uma tal racionalizao seria de grande valia para os negcios pblicos. assim que entra para os quadros dirigentes do CIC e, na mobilizao de entidade pela redemocratizao do pas e pela luta contra a misria no Cear, chega a presidir a entidade, iniciando, assim, o acmulo de capital que lhe garantia a centralidade da cena poltica cearense durantes os anos posteriores. Seu projeto poltico de modernizao transforma-se, assim, num projeto governamental que concretizou idias e propostas polticas quando da realizao de seus governos (1986-1990, 1995-1998, 1999-2002) e do governo de Ciro Gomes (1991-1994). Na medida em que destacava-se como empresrio e consolidava-se no poder estatal, Tasso Jereissati se qualificava como a maior liderana da elite empresarial, projetando-se assim, tambm, no cenrio poltico nacional, chegando a presidir o partido pelo qual exerceria a maior parte de seus mandatos, o PSDB, por duas vezes (1993-1994, 2006-2008). Sua atuao no partido, desde os momentos de constituio inicial do mesmo, conferiu visibilidade ao PSDB uma maior visibilidade no Congresso Nacional, projetando polticos cearenses no somente no Estado mas a nvel nacional. Alm disso, sua atuao partidria e o capital poltico conquistado ao longo de seus governos proporcionou-lhe ter seu nome lembrado, vrias vezes, como opo de escolha do partido para concorrer Presidncia da Repblica, embora nunca tenha conseguido sacralizar-se como tal, saiu duramente ferido na ltima delas (em 2001), quando disputou a indicao com o paulista Jos Serra. Quando deixou pela ltima vez o Governo do Cear, em 2002, elegeu-se senador e cumpriu papel de destaque na oposio ao governo Lula, acumulando legitimidade junto aos setores de oposio e elite empresarial, mas colocando-se em oposio a um projeto poltico hegemnico a nvel nacional o de Luis Incio Lula da Silva e viu sua ferrenha atuao opositora ser invocada, durante a eleio de 2010 (em que disputava a reeleio para o cargo de senador) como o principal motivo para negar-se o seu pedido, ao eleitor cearense, de ter seu nome como um dos dois escolhidos para mais 8 anos de atuao no Senado Federal. Percebe-se, pois, que ao utilizarmos aqui a noo de capital poltico estamos nos referindo capilaridade eleitoral de Tasso Jereissati representada por suas histricas vitrias ao Governo Estadual do Cear, as vitrias dos dois aliados que apoiou abertamente em suas sucesses (Ciro Gomes, em 1990, e Lcio Alcntara, em 2002), a composio da Assembleia Legislativa ao longo de seus governos e sua eleio para o Senado, em 2002. Estamos com isso dizendo que o capital poltico percebido em momentos eleitorais e em como esses momentos eleitorais conferem a Tasso uma importncia nacional a partir dos quadros do PSDB. Assim que a pesquisa Constituio, consolidao e ocaso do capital poltico: uma compreenso sociolgica da Era Tasso no Cear teve como objetivo geral compreender os diversos momentos pelos quais passou o capital poltico de Tasso Jereissati, no que se refere s eleies estaduais no Cear. Como compreender as diversas fases, ou os diversos movimentos, de seu capital poltico? Como ele constituiu-se, a partir de uma coletividade: o CIC? Como esta coletividade delegou-lhe o capital por ela acumulado? Como Tasso separa-se dessa coletividade, incorpora o capital e desautoriza (elimina) outras lideranas que poderiam, igualmente, serem delgadas pela coletividade? Como consegue delegar seu capital a Ciro Gomes em duas eleies consecutivas? Como constri uma slida base de sustentao na Assembleia Legislativa? Como se do os primeiros sinais de ocaso desse capital? E, finalmente: possvel tratarmos os resultados de sua derrota eleitoral, em 2010, como o ocaso de seu capital? Chegar a essas perguntas, e formulao da pesquisa com esses objetivos, no foi um caminho dado de pronto. Uma senda longa desenhou-se. Inicialmente nosso interesse consistia em compreender como, ao longo da era Tasso, outras lideranas que guardavam uma forte identificao poltica a nvel estadual (Amarilio Macedo, Sergio Machado, Lucio Alcntara dentre outras) haviam sido, sistematicamente, desautorizadas pelo grupo poltico de Tasso Jereissati no exato instante em que colocavam suas pretenses eleitorais s claras, pondo-se em franca oposio aos desgnios tassistas. Fomos verificando, contudo, que o projeto exigia demais para o calendrio acadmico disponvel. Mas, s percebemos isso depois de leituras, muitas leituras, realizadas, algumas entrevistas, cpias de material filmco etc. At que chegamos qualificao e vimos, junto com a banca, que o projeto era, sim, salutar, mas que exigia um tempo maior de pesquisa e maturao, ou seja, era um projeto a ser desenvolvido num doutorado. Necessitava-se, portanto, dar um foco mais preciso. E este foi dado: decidimos, ento, pelo recorte que aqui consta. No trataramos der vrios personagens dentro do ciclo tassista (o que requeria, alm de tratar dos personagens selecionados, tratar do prprio Tasso), mas apenas do personagem maior, do ator, daquele que, dada sua importncia, havia nomeado uma era: Era Tasso (CARVALHO, 2008). Decidido o foco da pesquisa, tratamos de: a) definir os cenrios eleitorais a serem considerados pela pesquisa: as eleies para o governo estadual do Cear de 1986, 1990 (quando, revelia do projeto coletivo do Pr-mudanas, Tasso escolhe o deputado estadual Ciro Gomes como seu candidato ao governo estadual), 1994 (quando elege-se novamente governador e atua para afastar do espectro poltico estadual as duas principais lideranas polticas, Lcio Alcntara e Sergio Machado, mobilizando o grupo para a vitoriosa campanha ao Senado Federal dos dois e sendo reconduzido ao poder estadual), 1998 (quando consagra-se novamente governador do em primeiro turno e elege Luis Pontes, primo de sua esposa, para o Senado) e em candidatar-se sua sucesso), 2002 (quando so dados os primeiros sinais de ocaso de seu capital poltico com a escolha de um sucessor bastante distinto de si), 2006 (quando a esquerda partidria, sua ferrenha opositora, chega ao poder com Cid Gomes, criando assim as bases para sua vindoura derrota) e 2010 (quando derrota em sua campanha de reeleio ao Senado); b) observar o nmero de eleitos para os cargos estaduais que foram auxiliados pela aproximao a seu capital; c) compreender os embates engendrados com outras lideranas que sinalizavam como portadoras de capital poltico em ascenso na cena poltica estadual. Ao darmos foco aos momentos eleitorais (mais precisamente, s vitrias eleitorais ocorridas durante esses momentos), sabamos que estes so, por excelncia, formas particulares de exerccio poltico na contemporaneidade, uma vez que realizam a necessidade de nossos dirigentes polticos confrontarem-se diretamente com a vontade popular, na busca de convenc-la na superioridade de suas idias e de suas propostas administrativas, medindo assim o volume da legitimidade e da receptividade de seu capital poltico. Uma vez que tomamos como referncia terica maior para a realizao dessa pesquisa a sociologia poltica do francs Pierre Bourdieu, compreendemos o mundo como um espao simblico em que a poltica uma realidade igualmente simblica, um campo de significaes e de representaes. Assim, quando mencionamos a dimenso simblica da escolha eleitoral, estamos nos referindo a uma escolha que feita tendo em vista imagens (SILVEIRA, 2000, p. 132), que so ou no legitimadas (ou que continuam ou deixam de ser legitimadas) a partir do capital poltico em questo, do que est em jogo no contexto considerado. Os procedimentos tomados para a realizao da mesma foram os seguintes: Pesquisa Bibliogrfica sobre a era Tasso, fortemente produzido nos quadros da Universidade Federal do Cear, por docentes e discentes a ela ligados. Tais estudos esclarecem muito sobre alguns aspectos desse ciclo de poder, contribuindo para uma melhor caracterizao do capital poltico de Tasso Jereissati: a constituio de seu capital na esteira do declnio e substituio dos coronis; a ascenso da elite empresarial cena poltica estadual; a utilizao de padres miditicos nas campanhas eleitorais; e os recursos simblicos utilizados para acionar a consolidao do seu poder. Alm do resgate da produo acadmica sobre a era Tasso, tambm procedemos com um resgate da teoria poltica de Pierre Bourdieu, em especial suas noes de campo, campo poltico e capital poltico. Pesquisa documental, junto aos acervos de jornais locais (O Povo e Dirio do Nordeste), onde colhemos matrias e que foram nos apresentando fatos importantes e que necessitavam de uma elucidao por parte dos atores envolvidos no campo; nos acervos do Laboratrio de Estudos de Processo Eleitorais e Mdia (LEPEM) da Universidade Federal do Cear, onde copiamos alguns programas eleitorais do HGPE das eleies consideradas e onde conversamos vrias vezes com alguns dos seus pesquisadores; aos dados eleitorais do TRE/CE, sistematizando as informaes ora em tabelas ora em textos que permitem visualizar a consolidao e o ocaso do capital poltico de Tasso Jereissati ao longo dos anos considerados.

Das entrevistas realizadas ainda quando os interesses da pesquisa eram outros, conforme salientamos mais acima, aquelas que continuaram de grande valia foram as seguintes: Lcio Alcntara, Adahil Barreto (ex-deputado estadual e lder do governo na gesto de Lcio Alcntara), Raimundo Vianna (expresidente do PSDB), Beto Almeida e um secretrio de governo que pediu para no ser identificado. Vrias foram as tentativas de entrevistas com Tasso Jereissati, Srgio Machado, Luis Pontes dentre outros, sem obteno de xito.

Realizando assim nossa investigao, fomos produzindo anlises que consubstanciaram as descobertas que aqui apresentamos nessa dissertao na expectativa de surgirem novas vias de estudo. A exposio dos dados da pesquisa seguiu uma estruturao em quatro captulos. Diante deste cenrio, a presente pesquisa de dissertao de mestrado est estruturada em quatro captulos: No captulo I, A compreenso sociolgica da poltica como um campo: a contribuio de Pierre Bourdieu, apresentamos as principais idias do socilogo francs, destacando seus conceitos-chaves (campo, habitus, capital, espao social), com nfase nos conceitos mais pertinentes anlise da poltica (jogo, investimento, estratgias, capital poltico). Tambm nesse captulo apresentamos o conceito de ciclo poltico, trabalhado pela professora da UFC, Dra, Rejane Carvalho, a nosso ver a mais importante referncia sobre a era Tasso. No capitulo II, A construo e a delegao do capital poltico: o CIC no cenrio poltico estadual e a vitria eleitoral de Tasso Jereissati ao governo do Cear em 1986, recuperamos a histria do Centro Industrial do Ceara (CIC) e sua insero na cena poltica estadual, a partir de 1978, e os desdobramentos desse fato para a poltica cearense. Tomamos como fio condutor a delegao do capital poltico do CIC a Tasso para a compreenso dos desdobramentos que acarretaram em sua vitria na eleio estadual de 1986. No captulo III, O capital poltico incorporado e personificado: as vitrias eleitorais de Ciro Gomes (1988 e 1990) e as recondues de Tasso Jereissati ao governo estadual (1994 e 1998), partimos da noo de capital poltico incorporado para compreendermos os primeiros rompimentos polticos de Tasso no interior do grupo do CIC e os passos iniciais da personalizao de sua liderana: a escolha de Ciro Gomes como candidato Prefeitura de Fortaleza (1988) e ao Governo do Cear (1990), revelia dos desejos de outras lideranas. Tambm veremos como Tasso vai detendo o capital poltico em eleies facilmente vencida por ele e por seus apoiados na cena poltica estadual. No captulo IV, O capital poltico em ocaso: as eleies estaduais de 2002 e de 2006 e disputa senatorial de 2010, analisamos o ocaso de seu capital poltico, que observou-se durante a eleio de 2002 (quando obriga-se a escolher um candidato sua sucesso que fosse o mesmo possvel identificado a si e v a primeira eleio estadual a ser decidida em segundo turno e vencida por seu candidato por uma pequena diferena) e claramente constatado com sua derrota na campanha pela reeleio ao Senado Federal em 2010, que implicou em diversas enunciaes suas a decretar o fim de sua carreira poltica. Ao fim, durante as consideraes finais, apresentamos as concluses que nos levaram a perceber o histrico do capital poltico de Tasso na poltica estadual como algo agora em ocaso, no mais dando as cartas na poltica estadual, dependendo, isso sim, do prestgio e da notoriedade de outros sujeitos polticos. Mais do que isso, encerramos com declaraes do prprio Tasso atestando o fim de sua carreira poltica ou, ao menos, eleitoral.

CAPTULO I

A COMPREENSO SOCIOLGICA DA POLTICA COMO UM CAMPO: A CONTRIBUIO DE PIERRE BOURDIEU medida em que as sociedades vo se complexificando, as atividades do corpo social assumem uma importncia maior na vida das pessoas, o que acarreta uma maior dedicao de estudos e pesquisas por parte dos cientistas sociais. Nesse sentido, podemos compreender o exerccio da poltica como uma das atividades que vo acompanhando as mudanas sociais, que vo mais e mais tecendo o cotidiano das pessoas e, por isso mesmo, interessando aos socilogos como objeto de estudo. Seja como cincia, seja como arte, ou mesmo como prtica do social sobre o social, no terreno da poltica que se desenrolam os debates e os projetos que cada vez mais vo permitindo, ou no, aos homens sua insero na vida social de uma maneira mais atuante, protagonizando, em certa medida, seus prprios destinos. Estar no mundo com outros homens o que torna possvel falar-se de uma existncia de indivduos enquanto homens, partilhando com outros espaos fsicos, territrios, crenas, valores, cooperaes e concorrncias. O homem, ento, inscrito na ordem social, vai perseguindo objetivos que, com outros, passam a concorrer e/ou cooperar, fazendo assim com que o mundo social transforme-se num espao poltico, um espao de encontro, de debate, discusso e de mediao de interesses conflitantes. Por isso mesmo, podemos falar da poltica como uma gesto comum daquilo que tido por coletivo, aquilo que diz respeito ao mundo da polis, do espao pblico, da deciso pblica e coletiva. Mas, como analisar esse espao de deciso e de enfrentamentos, como utilizar-se de instrumentos metodolgicos prprios s Cincias Sociais para melhor compreenso desse universo poltico? Uma vez que, desde mile Durkheim, o mtodo sociolgico proposto passa a ter como principal fundamento a explicao do social pelo social, a sua no reduo explicaes individuais e psicologizantes (na busca de uma compreenso menos reducionista possvel daquilo que no se pode reduzir, o social); ou mesmo quando o prprio Marx j havia afirmado que a sociedade, objeto por excelncia da cincia sociolgica, deve ser encarada como uma soma de relaes, condies, etc em que os indivduos esto envolvidos, por sua pertena ao corpo social, e que envolve uma srie de trocas orgnicas que independem das suas vontades particulares; como escolher uma corrente de pensamento e de elaboraes tericas para analisar o universo poltico proposto nessa dissertao? A sociologia pretende explicar o social pelo social. A ns pareceu mais justificvel tomar a posio terica de Pierre Bourdieu numa perspectiva da poltica como um campo. Ao considerarmos, nesse espao, a pertinncia do referido autor para auxiliar-nos em nossa argumentao, sabemos ser indispensvel uma breve considerao sobre suas conceituaes tericas, com nfase naquelas que dizem respeito diretamente ao universo de pesquisa aqui considerado. 1.1- A Sociologia de Pierre Bourdieu: o mundo social como um campo e seus agentes No conjunto de sua obra, a posio intelectual tomada por Bourdieu a de considerar a cincia enquanto prtica social, fugindo compreenses desse universo como um mero espetculo (onde inexistem as aes dos sujeitos) ou como uma mera experincia limitada pela existncia individual. Sua proposta de cincia , pois, permeada pela insistncia no pensar relacionalmente, apresentando mesmo essa forma de pensar por ele proposta como a marca distintiva da cincia moderna. No mundo social considerado pelo autor, portanto, o que existe uma teia de relaes objetivas, muito mais do que interaes ou laos entre indivduos. Assim,A realidade social da qual falava Durkheim um conjunto de relaes invisveis, aquelas mesmas relaes que constituem um espao de posies exteriores umas s outras, definidas umas em relao s outras, no s pela proximidade, pela vizinhana ou pela distncia, mas tambm pela posio relativa acima ou abaixo ou ainda entre, no meio. (BOURDIEU, 1990, p. 152). Mas essa realidade social a qual Bourdieu refere-se, segundo ele mesmo, no pode vir a ser compreendida em si mesma, como algo sui generis (num rompimento frontal com parte da sociologia durhkheimiana que sustentava a afirmao da sociedade como um organismo com vida prpria, independente dos indivduos, a quem Bourdieu vai tratar como agentes), independente da realidade considerada pelo estudo sociolgico levado a cabo pelo pesquisador; se importa ao pesquisador pensar relacionalmente porque o espao social exige, em sua compreenso, uma pesquisa inseparavelmente terica e emprica, em que os usos dos instrumentos metodolgicos e dos conceitos acumulados pelo saber sociolgico respondam a um controle prtico (BOURDIEU, 2011, p.57), a uma devida ao de situar-se o universo considerado pela pesquisa posta em prtica. O prprio autor expe assim sua metodologia:De fato, todo o meu empreendimento cientfico se inspira na convico de que no podemos capturar a lgica mais profunda do mundo social a no ser submergindo na particularidade de uma realidade emprica, historicamente situada e datada, para constru-la, porm, como caso particular do possvel, conforme a expresso de Gaston Bachelard, isto , como uma figura em um universo de configuraes possveis. (IDEM, 1988, p.15). Essa realidade social a que a cincia sociolgica deve devotar sua prtica organiza-se, segundo o autor, como um campo a partir de trs dimenses principais: os agentes so distribudos de acordo com o volume global do capital possudo (capital cultural, capital simblico, capital social, capital econmico); o peso relativo do capital possudo pelo agente dentro do espao considerado; e a evoluo do volume e da estrutura do capital. O espao em considerao, assim, passa a ser compreendido como uma estrutura de posies distintas, diferenciadas e diferenciadoras dos agentes, auxiliando na definio do espao social como um campo, ou seja, como um conjunto de[...] espaos estruturados de posies (ou de postos) cujas propriedades dependem das posies nestes espaos, podendo ser analisadas independentemente das caractersticas de seus ocupantes (em parte determinadas por elas). (IDEM, 1983, p.89). O campo pode ser entendido como uma srie de relaes objetivas entre posies ocupadas por alguns agentes, posies estas que no so definidas por seus ocupantes, mas por determinaes impostas pelo prprio campo. Atravs da situao atual de um determinado agente ou instituio frente ao capital que comanda o acesso aos benefcios do campo em questo que os agentes sero definidos em posies de dominado, dominante ou de homologia. Pensar a sociedade como um conjunto de campos significa que as relaes tm uma primazia sobre os indivduos, que o campo quem deve constar como o objeto das investigaes e no os sujeitos. Estes devem ser considerados somente enquanto agentes do campo, importando a posio por eles a ocupada. Outra coisa a se destacar que a noo de campo nos incita a observar as diferentes foras que atuam no campo, pondo-se em luta na constituio dinmica que o define. Uma vez compreendendo a sociedade como um espao de relaes, o objeto da sociologia no ser nem o indivduo tomado isoladamente nem grupos compreendidos como conjuntos de indivduos concretos, mas sim o campo. Em sua obra, os homens no so considerados enquanto indivduos particulares, mas sim enquanto pertencentes a um determinado espao. O conceito de campo seria empregado por Bourdieu para representar o modo de pensamento relacional. A noo de campo implicaria em uma tcnica relacional de anlise dos dados, que uma tcnica que pensa em termos de relaes. Seria possvel afirmar que existem homologias estruturais e funcionais entre todos os campos, leis de funcionamento invariantes, e a comprovao desta hiptese deveria ser realizada por aplicaes prticas repetidas desse mtodo. Assim, cada vez que se estuda um novo campo, alm de descobrir as propriedades especficas, possvel avanar no conhecimento dos mecanismos universais dos campos. Isso levaria a um nvel mais elevado de generalidade e formalizao dos princpios tericos envolvidos no estudo emprico dos diferentes universos. Os campos podem ser definidos, portanto, como espaos sociais estruturados de relaes objetivas entre posies. Nesse sentido, cada campo seria definido a partir da definio dos objetos de disputa e dos interesses especficos a esse campo (que so sempre irredutveis aos objetos de disputa e aos interesses dos outros campos). Uma primeira concluso a se considerar do conceito tal como definido pelo autor e de sua operacionalidade para a pesquisa que este considera como objeto as posies relativas que os agentes ocupam no interior de um determinado campo, e somente dentro dos limites desse campo. Isso porque a ao do campo no se faz sentir para alm de seus limites, obedecendo a uma regra que faz com que todos os diferentes campos tenham uma tendncia para o fechamento, uma vez que a competncia ou o capital especfico exercido num determinado campo fecha-se em seus limites, configurando, desse modo, sua autonomia. Tais limites, segundo o autor, so exatamente o que nos fazem perceber, enquanto estudiosos, os prprios limites dos efeitos das tomadas de posio em seu interior, qual o tamanho dos efeitos do referido campo na vida social em seu conjunto, qual o simbolismo da existncia desse espao na sociedade. Mas sabe-se que em cada campo se encontrar uma luta, da qual se deve, cada vez, procurar as formas especficas, entre o novo que est entrando e que tenta forar o direito de entrada e o dominante que tenta defender o monoplio e excluir a concorrncia. Um campo se define, dentre outras coisas, atravs da definio dos objetos de disputas e dos interesses especficos que so irredutveis aos objetos de disputa e aos interesses prprios de outros campos (no se poderia motivar um filsofo com questes prprias do gegrafo) e que no so percebidas por quem no foi formado para entrar nesse campo. (BOURDIEU, op.cit., p.90). Os limites do campo, logo, so dados pelo prprio campo. Seja o campo artstico, literrio, religioso ou econmico, seus limites so inscritos pelos prprios limites do capital em reconhecimento no interior de cada um deles. Um campo compreendido, ento, como um espao social em que exercido um efeito de campo, (ou seja, o campo religioso, por exemplo, um espao no qual se tem um feito de campo religioso, de discursos e prticas religiosas, em que o em disputa o capital religioso, fazendo-nos concluir, ento, que os limites do campo so dados no ponto em que os efeitos daquilo que produzido nele cessam). Um edital de contratao de empresas para a construo de um metr, por exemplo, no se influencia pela lista de autores mais vendidos em uma determinada rea de saber; logo, os limites ao campo intelectual so dados pelo raio de sua ao. Um agente, pois, faz parte de um campo na medida em que, e somente na medida em que, sofre ou produz efeitos naquele campo. A existncia de um campo, assim, configura-se como a existncia de uma disputa, uma luta, uma vez que todo e qualquer campo um espao de lutas. Em cada campo observa-se uma luta porque prprio do campo portar a existncia de objetos em disputa (o capital que lhe especfico) e pessoas disponveis a disput-los segundo algumas regras que fazem o campo funcionar como um jogo. Todo capital se define em funo de um campo, sobre os instrumentos materiais ou incorporados de produo e de reproduo cuja distribuio constitui a prpria estrutura do campo e sobre as regularidades e disposies que vo definindo o seu funcionamento ordinrio. Como tal, possui regras s quais os agentes devem obedecer se quiserem dele participar. A estrutura do campo um estado de relao de fora entre os agentes ou as instituies engajadas na luta ou, se preferirmos, da distribuio do capital especfico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratgias ulteriores. (BOURDIEU, op. cit., p. 86). De acordo com Bourdieu, as relaes objetivas caractersticas dos campos so relaes entre posies que impem aos seus ocupantes determinaes relativas ao seu lugar na estrutura da distribuio das diferentes espcies de poder (capital). A posse desses poderes (os capitais) comandaria, por sua vez, o acesso aos benefcios que esto em jogo no campo e os tipos de relaes objetivas entre as diferentes posies: dominao, subordinao etc. Na tentativa de esclarecer a definio desse conceito, Bourdieu faz uma comparao entre o campo e um jogo.

Existiria assim, no campo, uma constante competio entre os jogadores (que tem como objeto, entre vrias coisas, aquilo que define a prpria entrada no jogo) e existiria um investimento no jogo: os jogadores se prenderiam ao jogo porque concordam nele, por terem uma crena comum, um reconhecimento que est alm da entrada em questo, os jogadores aceitam o jogo por participarem dele e no por um contrato. Essa concordncia, outra caracterstica elementar dos campos, seria a base a partir da qual se estabelecem as disputas e os conflitos. A estrutura do campo se define, pelo estado da relao de fora entre os jogadores. As estratgias de um jogador e o que define seu jogo dependem no s do volume e da estrutura do capital no momento considerado, mas tambm da evoluo no tempo do volume e da estrutura desse seu capital. Os indivduos que participam do campo podem jogar para aumentar ou conservar o seu capital, de acordo com as regras do jogo, ou podem trabalhar para transformar, parcial ou totalmente, as regras imanentes do jogo, para mudar, por exemplo, o valor relativo das diferentes espcies de capital, por estratgias que visam desvalorizar a subespcie de capital que fundamenta a fora de seus adversrios e a valorizar a espcie de capital que eles detm particularmente. Os participantes de um campo trabalhariam para se diferenciar de seus rivais mais prximos (a fim de reduzir a concorrncia) e para excluir do campo uma parte dos participantes atuais ou potenciais, dificultando a entrada ou impondo um certo critrio para definio da competncia especfica ao campo. O campo o lugar de relaes de fora e de lutas para transform-las e , portanto, o lugar de transformao permanente. Isso porque existe nele uma constante contestao e resistncia dos dominados. A luta primordial desenrolada em seu interior se d entre aqueles que monopolizam (mais ou menos completamente) o capital especfico, fundamento ou poder da autoridade especfica caracterstica de um campo, que exatamente pelo fato de monopolizarem o capital em questo tendem a encetar aes que conservem seu monoplio, e entre os que possuem menos capital, que encetam aes que visam subverso. Tais aes so definidas a partir das posies ocupadas pelos agentes ou pelas instituies, fazendo com que os campos nunca sejam alvos de transformaes radicais, permitindo ao pesquisador observar apenas mudanas parciais no seu interior, mas no nas regras do jogo que o constitui. O motor do campo, poderamos dizer, a prpria luta interna e permanente, existindo entre aes de ortodoxia e heterodoxia. A disputa ininterrupta opera uma constante reestruturao do mesmo e define sua dinmica, elucidando ao pesquisador o sistema de relaes nele presente. Essas lutas, longe de configurarem-se como elementos de possveis destruies do campo, vo legitimando sua existncia enquanto campo de disputa. Isso porque os que participam da luta contribuem para a reproduo do jogo contribuindo para reproduzir a crena no valor do que est sendo disputado (BOURDIEU, op. cit., p. 88). Aqui faz-se necessrio considerar uma outra idia do autor sobre a lgica dos campos. A forma constitutiva por excelncia que transforma um indivduo em um agente de um determinado campo a crena, o interesse, que o autor traduz em termos de illusio. Com essa expresso, Bourdieu refere-se a um investimento no jogo que prprio ao campo considerado. Em vez de utilizar o termo interesse, que traria elementos do campo da economia, Bourdieu fala de illusio, que traduz-se como interesses que so produzidos no funcionamento do campo, e somente nele, sendo esses interesses historicamente delimitados. O prprio autor adverte sobre as possibilidades de confuso metodolgica que uma sua utilizao do termo interesse em vez de illusio poderia acarretar:A palavra interesse, que empreguei muitas vezes, tambm muito perigosa porque se arrisca a evocar um utilitarismo que o grau zero da sociologia. Dito isso, a sociologia no pode ignorar o axioma do interesse, entendido como investimento especfico nos processos de luta (illusio), que ao mesmo tempo a condio e o produto da vinculao a um campo. (BOURDIEU, 2010, p. 93). Cada campo, dessa forma, convoca e ativa uma forma especfica de illusio, configurando-se essa como um reconhecimento tcito do valor dos enjeux empenhados no jogo (IDEM, 1989, p.68). Esse envolvimento no jogo, essa pertena ao campo vai fazer gerar, em cada agente, um mecanismo de externalidade incorporada dos elementos prprios ao campo que o autor denominou de habitus, definido por ele como um sistema de disposies durveis e transponveis, princpios geradores e organizadores de prticas e representaes, sistemas de disposies que se foram adquirindo atravs da interiorizao de determinados tipos de condies sociais que foram formando uma trajetria especfica, mas que guarda sua especificidade no campo e no no indivduo. O habitus aparece como o produto da pertena a um determinado campo, como produto da incorporao das necessidades e dos valores desse campo, contribuindo para constituir o campo como mundo significante, dotado de sentido e de valor, no qual vale a pena investir sua energia (IDEM, op. cit., p.60). Para o autor, as estruturas constitutivas de um tipo particular de ambiente socialmente estruturado (o campo) produziriam habitus, ou seja, sistemas de disposies duradouras (no sentido de uma propenso, de uma predisposio). O habitus pode ser entendido como estrutura estruturada, no sentido de que formado a partir da interiorizao das estruturas do ambiente, que estaria predisposta a funcionar como princpio de gerao e de estruturao de prticas e de representaes dos indivduos. nesse sentido que Bourdieu define o habitus como interiorizao da exterioridade e exteriorizao da interioridade, como estrutura estruturada e estrutura estruturante. na dinmica entre aquilo que externo, regular, estrutural e o indivduo com suas prticas, suas decises, que se constitui o elemento fundamental da noo de habitus. Ainda que o mundo seja estruturado e constante, ele atualizado no indivduo que responsvel pela manuteno dessa ordem. Este incorporaria as estruturas sociais sob a forma de estruturas de disposies e, por isso, adquiriria um conhecimento prtico do espao social no qual ele est inscrito e implicado. O que determinaria as tomadas de posio do indivduo, ou seja, suas opinies e representaes do mundo social , assim como no campo, a posio que ele ocupa nesse espao social, definido pela distino e diferenciao das posies sociais que o constituem; e os agentes sociais encontram-se situados em um lugar desse espao social que pode ser caracterizado pela posio relativa que ocupa em relao a outros lugares e pela distncia que o separa deles. Logo, a relao entre campo e habitus uma relao de conhecimento e de condicionamento, configurando-se este ltimo como o social feito corpo. O habitus como sistema de disposies de ser e de fazer constitui uma potencialidade, um desejo de ser que, de certo modo, busca criar as condies de sua realizao, portanto, impor as condies mais favorveis ao que ele . O agente faz o que est em seu alcance para tornar possvel a atualizao das potencialidades inscritas em seu corpo sob a forma de capacidades e de disposies moldadas por condies de existncia. Segundo Bourdieu, somente existe ao, histria, conservao ou transformao de estruturas porque existem agentes irredutveis noo de indivduo, e que, enquanto corpos socializados, so dotados de um conjunto de disposies contendo ao mesmo tempo a propenso e a aptido para entrar no jogo e a jog-lo com maior ou menor xito.

1.2- A poltica como um campo: habitus, capital, agentes e lutas Antes de mais nada, preciso considerar que o campo poltico, em Bourdieu, considerado como um domnio especfico da realidade social e que, por isso mesmo, dever ser diferenciado de trs elementos com os quais corremos o risco de confundi-lo: o campo poltico no se iguala ao campo de poder, nem ao campo social e nem ao Estado. Ao diferenciar o campo poltico do campo de poder, Bourdieu define este ltimo como aquele campo em que as relaes de fora entre as posies sociais que asseguram aos seus ocupantes um quantum suficiente de fora social que os coloca em grande probabilidade de entrarem na luta pelo monoplio do poder (BOURDIEU, 1988, p.112). O poder, portanto, relaciona-se com a posse de capitais sociais, e diz respeito s relaes de fora entre os diferentes capitais com os quais os agentes esto providos e que, com eles, podem ou no dominar o campo em que se encontram. Assim, uma vez que um capital possudo confere sempre um poder, o campo do poder diz respeito s diferentes espcies de capital existentes na sociedade. Mas, o campo poltico tambm no pode ser confundido com o campo social. Em Bourdieu, o espao social o espao caracterizado como o lugar dos modos de vida, onde os agentes esto em aes relacionais, ocupando posies relativas num espao de relaes (IDEM, 1988, p. 54). Mas, o que vem a ser um espao social? Nada mais do que a estrutura de distribuio dos diferentes capitais no universo social considerado, sendo, portanto, uma definio que recobre o espao das diferenciaes sociais: uma rede de relaes, de conhecimentos e de reconhecimentos, de somas de capitais e de poderes em que as lutas simblicas vo sendo travadas na busca de vantagens legtimas, buscando sempre, ao final de tudo, um capital de reconhecimento, sendo este bastante amplo e que excede em muito o campo da poltica. Mas, tambm no se deve confundir a poltica com o Estado. Sabendo que o poder est em toda parte, e no s no Estado, Bourdieu no desconsidera que este funciona como um lugar central de seu exerccio, mas em meio a tantos outros locais centrais espalhados pelo mundo social. Assim que o autor no deixa de considerar que grande parte das lutas travadas no campo do poder visam apoderar-se de um poder sobre o Estado, uma vez que esse, como detentor do monoplio da violncia simblica legtima (parafraseando Max Weber), exerce um poder sobre todos os jogos de lutas que fazem funcionar os mais diversos campos. O Estado regula a existncia dos campos, no s do campo poltico, mas de todos os que existem, exercendo um poder sobre todas as espcies de capital. Dados os seus recursos, o Estado tem a possibilidade real de regular o funcionamento de todos os campos, atravs seja de uma interveno econmica ou de intervenes jurdicas e legitimadoras. Ento, como definir a poltica em termos de um campo poltico? Que vantagens so dadas as socilogo ao tratar da poltica enquanto um campo? Segundo Bourdieu, a noo de campo poltico[...] permite construir de maneira rigorosa essa realidade que a poltica ou o jogo poltico. Ela permite, em seguida, comparar essa realidade construda com outras realidades como o campo religioso, o campo artstico... e, como todos sabem, nas cincias sociais, a comparao um dos instrumentos mais eficazes, ao mesmo tempo de construo e de anlise. (BOURDIEU, 2010, p.194). Metodologicamente, tratar a poltica como um campo permite uma compreenso desta tendo em vista outras realidades que, assim como esta, funcionam em termos de campo, mobilizando capital, agentes, lutas, conservao, mudanas e habitus. o mtodo par excellence da sociologia, o comparativo, quem entra em ao. Assim acontece porqueFalar de campo poltico dizer que o campo poltico um microcosmo, isto , um pequeno mundo social relativamente autnomo no interior do grande mundo social. Nele se encontrar um grande nmero de propriedades, relaes, aes e processos que se encontram no mundo global, mas esses processos, esse fenmenos, se revestem a de uma forma particular. isso o que est contido na noo de autonomia: um campo um microcosmo autnomo no interior do macrocosmo social. (IDEM, op.cit., p.195). A realidade social, o mundo social, um universo macro formado a partir de universos micros, o que nos permite concluir que a poltica, como um dos elementos constituintes da realidade social, apresenta-se em uma relao de colaborao com os outros campos, mas resguardando, como estes, sua autonomia, revestindo os elementos que dentro de si renem-se com propriedades que lhe so prprias enquanto campo. A poltica, pois, tem suas leis, seu nomos, seus princpios geradores e seu funcionamento, suas prprias formas de avaliao, tudo isso servindo apenas dentro de seus limites. Assim, faz-se necessrio que os agentes, uma vez adentrando ao campo da poltica, passem por uma converso s suas regras estruturais, sob o risco de, transgredindo-as, sofrerem sanes e at mesmo excluso. Bourdieu define o campo poltico como sendo ao mesmo tempo campo de foras e como campo das lutas (BOURDIEU, 1989, p.163). No entanto, podemos dizer que essa caracterstica de certa forma comum a todos os campos. O que define esse campo, ou seja, o que lhe especfico, sua relao com o mundo externo a ele. Assim, ainda que o campo poltico seja um microcosmo, um mundo separado e fechado em si mesmo, ele jamais pode ser totalmente fechado, pois isso tornaria a vida poltica impossvel. Como os polticos so periodicamente julgados pelos eleitores e como seu poder, de certa maneira, um poder que foi a eles delegado por um grupo, preciso ter esse fato sempre em conta. O campo poltico seria definido tambm como [...] o lugar em que se geram, na concorrncia entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos polticos, problemas, programas, anlises, comentrios, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidados comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores, devem escolher, com probabilidades de mal-entendidos tanto maiores quanto mais afastados esto do lugar de produo. (IDEM, op.cit., p.164). Funcionando como um campo, a poltica repousa sobre uma separao entre os profissionais e os profanos. Os meios de acesso participao poltica esto desigualmente distribudos na vida social, fazendo com que existam condies para a constituio da competncia poltica, para a competncia de participao e deliberaes nesse campo. Assim como nos demais campos (econmico, religioso, intelectual etc), a concentrao de capital (aqui, no caso, o poltico) nas mos de um pequeno grupo (os profissionais), que tm a legitimidade de produo daquilo que ser consumido pelos despossudos de capital, vai exercendo uma censura ao universo do discurso poltico, definindo o que pode ou no ser pensvel politicamente, estabelecendo assim os limites da problemtica poltica. O que legitimamente atuante torna-se um monoplio dos profissionais da poltica, constituindo estes os modos de pensar e de agir como os nicos politicamente corretos. Para Bourdieu, a vida poltica pode ser descrita, portanto, pela lgica da oferta e da procura, conseqncia mais elementar da separao entre produtores e consumidores de produtos polticos, entre profissionais e profanos, preciso ter como fundamento, em toda a anlise de luta poltica, os determinantes sociais e econmicos da diviso do trabalho poltico. Mostra, assim, a necessidade de no naturalizar os mecanismos sociais que produzem e reproduzem a separao entre agentes politicamente ativos e agentes politicamente passivos. Existiriam para ele obstculos objetivos para o governo direto como, por exemplo, o nmero de cidados. Mas Bourdieu aponta que esses obstculos so agravados com o desapossamento cultural e econmico, pois a concentrao de capital poltico na mo de alguns seria tanto menos contestada quanto menos instrumentos culturais e materiais para a participao ativa na poltica tem a maioria dos governados. importante ressaltar ainda que, apesar do campo poltico ter como especificidade o fato de ser constantemente influenciado pelas foras externas a ele (em especial na democracia), a excluso dos profanos uma caracterstica constitutiva desse campo. Mostra-se um pressuposto tcito da ordem poltica o fato dos profanos estarem excludos dela: os polticos veriam com maus olhos a intruso dos profanos no seu crculo. A afirmao de que somente os polticos tm a competncia para falar de poltica e que essa lhes pertence, um pressuposto fundamental, um dos consensos do campo poltico. Assim, ainda que esse seja um campo muito influenciado pelos que esto fora dele, essa separao fundante do campo. Sem a separao entre profissionais e profanos o campo no existiria. A separao elaborada pelo autor do campo poltico em profissionais e profanos inscreve-se, em certa medida, na tradio sociolgica. Max Weber havia estabelecido a diviso dos cidados em elementos politicamente ativos e elementos politicamente passivos. Os problemas considerados importantes na poltica acabam por ser aqueles problemas que so assumidos como importantes pelos profissionais da poltica, o que faz com que o jogo poltico desenrole-se dentro do campo dos profissionais, envolvendo aos agentes que nele atuam numa luta para o controle da poltica e, assim, para terem garantido o acesso ao controle da mquina estatal. Se existem condies de acesso poltica (BOURDIEU, 2010, p.195), uma delas assenta-se na aceitao tcita de que aqueles que nela ingressam ocupam posies distintas a partir do volume de capital possudo. A excluso, portanto, como nos referimos acima, algo prprio lgica do campo. importante saber que o universo poltico repousa sobre uma excluso, um desapossamento. Quanto mais o campo poltico se constitui, mais ele se autonomiza, mais se profissionaliza, mais os profissionais tendem a ver os profanos com uma espcie de comiserao. (IDEM, ibidem).

Essa constatao de capacidade desigual ao acesso do campo poltico extremamente importante para evitar naturalizar as desigualdades polticas (uma das grandes tarefas permanentes da sociologia a de recolocar a histria no princpio de diferenas que, espontaneamente, so tratados como diferenas naturais). (IDEM, op.cit., p.193)

[...] dizer que h um campo poltico lembrar que as pessoas que ai se encontram podem dizer ou fazer coisas que so determinadas no pela relao direta com os eleitores, mas pela relao com os outros membros do campo. Ele diz o que diz por exemplo, uma tomada de posio a propsito da segurana ou da delinqncia... no para responder s expectativas da populao em geral, ou mesmo da categoria que lhe deu voz, que o designou como mandatrio, mas por referncia ao que outros no campo dizem ou no dizem, fazem ou no fazem, para diferenciar-se ou, ao contrrio, apropriar-se de posies que possam ameaar a aparncia de representao que ele possa ter. (IDEM, op.cit., p. 199). A excluso do campo poltico alimenta e alimenta-se de alguns elementos elencados pelo autor, tais como o monoplio da produo, os constrangimentos frente s opes de escolha dos profanos, a fidelidade indiscutida aos representantes e a competncia social para a poltica advinda dos discursos e atos polticos; tudo isso fazendo o autor concluir que o mercado da poltica, sem dvida, um dos menos livres (IDEM, 1999, p.166). Importa destacar que a competncia poltica no apresenta-se como algo inato, mas como um conjunto de elementos produzidos a partir de uma preparao especial. Essa preparao vai ser a responsvel pela constituio do habitus poltico, definido pelo autor nesses termos:, em primeiro lugar, toda a aprendizagem necessria para adquirir o corpus de saberes especficos (teorias, problemticas, conceitos, tradies histricas, dados econmicos, etc) produzidos e acumulados pelo trabalho poltico dos profissionais do presente e do passado ou das capacidades mais gerais tais como o domnio de uma certa linguagem e de uma certa retrica poltica, a do tribuno, indispensvel nas relaes como os profanos, ou a do debater, necessria nas relaes entre profissionais. Mas tambm e sobretudo esta espcie de iniciao, com as suas provas e os seus ritos de passagem, que tendem a inculcar o domnio prtico da lgica imanente do campo poltico e a impor uma submisso de fato aos valores, s hierarquias e s censuras inerentes a este campo [...] (BOURDIEU, 1989, pp.169-170, grifos do autor). Ao considerar o campo poltico como um lugar que requer uma preparao especial, uma vez ser ele o espao de uma necessria competncia especfica que gerar o habitus que lhe prprio, Bourdieu analisa-o a partir do funcionamento da aquisio de saberes (posto haver nesse campo uma importncia destacada do papel da crena e das verdades anunciadas pelos profissionais) que foram acumulados por agentes predecessores do momento considerado, o que faz com que os profissionais localizem-se nessa linhagem portadora de uma certa legitimidade; aquisio, tambm, de uma linguagem prpria do campo poltico (depois voltaremos a essa questo ao tratarmos do discurso poltico), que exige do profissional uma habilidade em conhecer os problemas polticos (ou politizveis) bem mais do que os problemas sociais, e conhec-los na exata medida em que conseguem apresent-los aos profanos por meio da exposio em uma plataforma discursiva (da a capacidade de tribuno) e aos concorrentes polticos a partir de uma defesa de suas idias, que expressa-se na capacidade de debater. Assim, o agente poltico deve mostrar a legitimidade e o volume de seu capital num movimento duplo: para dentro, frente aos demais agentes do campo, e para fora, frente aos eleitores, aos despossudos de capital poltico, aos consumidores, uma vez que o que est em disputa no campo poltico o monoplio da capacidade de fazer ver e de fazer crer de uma maneira ou de outra (IDEM, 2010, p. 200). Isso acontece porque o espao da poltica configura-se como o lugar de uma concorrncia pelo poder que se faz por intermdio de uma concorrncia pelos profanos ou, melhor, pelo monoplio do direito de falar e de agir em nome de uma parte da totalidade dos profanos (BOURDIEU, 1989, p.185). Ao falar em nome destes, o agente busca mobilizar, por suas palavras, idias e valores que sejam reconhecidos pelo grupo (que lhes d fora) e que no possam ser desmentidas pelos adversrios no campo. A poltica, ento, ser um espao onde dizer fazer, em que a palavra empenha totalmente o autor, por ser ela enunciada a partir de um responsvel poltico, seja o agente, o partido poltico ou o grupo. Portanto, a promessa ou o diagnstico apresentado sero tidos como verdadeiros dependendo da autoridade daquele que os pronuncia, o que significa tambm dizer que depende de uma capacidade de fazer crer na sua veracidade e na sua autoridade. Submetendo-se aos valores do campo, os agentes vo dando continuidade a ele, fazendo da luta, do envolvimento, da adeso a prpria conditio sine qua non de existncia do campo.Nada h que seja exigido de modo mais absoluto pelo jogo poltico do que esta adeso fundamental ao prprio jogo, illusio, involvement, commitment, investimento no jogo que produto do jogo ao mesmo tempo que a condio do funcionamento do jogo: todos os que tm o privilgio de investir no jogo (em vez de serem reduzidos indiferena e apatia do apolitismo), para no correrem o risco de se verem excludos do jogo e dos ganhos que nele se adquirem, quer se trate do simples prazer de jogar, quer se trate de todas as vantagens materiais ou simblicas associadas posse de um capital simblico, aceitam o contrato tcito que est implicado no fato de participar do jogo, de o reconhecer deste modo como valendo a pena ser jogado, e que os une a todos os outros participantes por uma espcie de conluio originrio bem mais poderoso do que todos os acordos abertos ou secretos. (IDEM, op.cit.,, pp.172-173, grifos do autor). Assim, na perspectiva de Bourdieu, nada exigido de modo mais absoluto pelo jogo poltico do que esta adeso fundamental ao prprio jogo (ao mesmo tempo produto e condio do funcionamento do jogo), para os participantes no se verem excludos deste e dos ganhos que nele se adquirem. A participao no jogo e o reconhecimento de que vale a pena jog-lo estabelecem uma solidariedade entre todos os iniciados que esto ligados a ele pela adeso. Aceitas as regras do jogo, incorporado o habitus prprio ao campo e dando a adeso fundamental e fundante a esse espao, temos a formao, acmulo e utilizao do capital poltico, crdito firmado na crena e no reconhecimento, ou mesmo nas inmeras operaes de crdito pelas quais os agentes (em sua maioria, os profanos) concedem a uma pessoa ou a um grupo. O homem poltico, diz-nos Bourdieu, retira a sua fora poltica da confiana que um grupo pe nele, funcionando sua fora, assim, como uma construo social, respondendo a uma estrutura determinada e confiada socialmente. Por isso mesmo, um capital detido e controlado pela instituio e s por ela. O grupo d a ele um crdito, um carisma, uma delegao. Por isso mesmo o autor considera o capital poltico como algo em termos de investidura do grupo sobre o agente. A investidura compreendia por Bourdieu como um ato propriamente mgico de instituio pelo qual o grupo consagra oficialmente o agente para uma eleio, como um candidato. A lei que rege as permutas entre os agentes e as instituies pode enunciar-se assim: a instituio d tudo, a comear pelo poder sobre a instituio, queles que tudo deram instituio, mas porque fora da instituio e sem a instituio eles nada seriam, e porque no podem negar a instituio sem se negarem a si mesmos pura e simplesmente privando-se de tudo o que eles so pela instituio e para a instituio qual tudo devem. Em resumo, a instituio investe aqueles que investiram na instituio. (BOURDIEU, op. cit., p.192, grifo do autor). Mas a notoriedade do capital depende, consideravelmente, do peso poltico do partido poltico ou do grupo em questo, configurando-se como algo no campo da reputao, como algo intrinsecamente ligado forma como se conhecido. Esse capital de notoriedade, firmado no fato de ser conhecido e reconhecido, apresenta-se como produto de uma acumulao lenta e contnua que leva uma vida inteira para estruturar-se. Tal propriedade do capital poltico pe os agentes em constantes situaes de vigilncia quanto a essa notoriedade, uma vez que so constantes as aes, advindas de seus concorrentes, para operarem o descrdito frente a eles; isso porque o homem poltico, como homem de honra, especialmente vulnervel s suspeitas, s calnias e a tudo o que possa ameaar a crena, a confiana (IDEM, op.cit., p.189). Opera-se, assim, incessantemente, uma ao por parte dos agentes no sentido de acumular o crdito e tambm de evitar o descrdito, ao essa que requer todos os silncios, todas as dissimulaes que so impostas queles que pautam sua ao pelas regras do jogo do campo, aderindo a elas pelo envolvimento. Este , pois, o espao em que se operam as disputas pelas mais legtimas formas de notoriedade dentro do campo poltico. Bourdieu chama a ateno para a dimenso das tomadas de posio em concorrncia propostas no campo, ou seja, o que define as disputas do campo, o que distingue os jogadores. O autor afirma que o poltico avisado aquele que tem o conhecimento prtico sobre as tomadas de posio atuais e potenciais e o princpio destas tomadas de posio, ou seja, sobre o espao das posies objetivas e a atitude de seus ocupantes no campo. Este sentido do jogo poltico que permite que os polticos prevejam as tomadas de posio dos outros polticos, e tambm o que os torna previsveis para os outros polticos. Previsveis, portanto, responsveis, no sentido do ingls responsible, quer dizer, competentes, srios, dignos de confiana, em suma, prontos para desempenhar com constncia e sem surpresas nem traies o papel que lhes cabe na estrutura do espao do jogo. (BOURDIEU, 1989, p.172). Uma ltima questo interessante sobre campo poltico discutida por Bourdieu a da objetivao do capital poltico, apresentada por eles nos seguintes termos:A delegao do capital poltico pressupe a objetivao desta espcie de capital em instituies permanentes, a sua materializao em mquinas polticas, em postos e instrumentos de mobilizao e a sua reproduo contnua por mecanismos e estratgias [...] quanto mais avanado o processo de institucionalizao do capital poltico, tanto mais tende a conquista do esprito a subordinar-se conquista dos postos [...]. (IDEM, op.cit., pp. 194-195). Em sua compreenso, medida que a poltica se profissionaliza e que os partidos se burocratizam, a luta pelo poder poltico tenderia a cada vez mais se tornar uma competio entre profissionais pelo poder sobre o aparelho que decidir quem entra na luta pela conquista dos profanos e dos postos de comando do Estado. Ele aponta ainda que a delegao do capital poltico pressupe a objetivao desse capital em instituies permanente ou, mais especificamente, em postos e instrumentos de mobilizao e a sua reproduo contnua. A objetivao do capital poltico permitiria uma independncia relativa perante a sano eleitoral, pois possvel se manter nos postos (no partido principalmente). Quanto mais avanado o processo de institucionalizao do capital poltico (burocratizao) formando postos, maiores so as vantagens de entrar no aparelho. Bourdieu aponta com isso que com a profissionalizao da poltica a conquista dos cargos institucionais na poltica passa a ser um fim em si mesmo. Por isso que[...] os interesses polticos especficos tornam-se cada vez mais ligados ao pertencimento a um partido e, ao mesmo tempo, reproduo de um partido e reproduo assegurada pelo partido. Uma grande parte das aes realizadas pelos polticos no tm outra funo que a de reproduzir o aparelho e de reproduzir os polticos ao reproduzir o aparelho que lhes assegura a reproduo. [...] uma parte importante das condutas polticas inspirada por uma preocupao com a reproduo do aparelho que garante a existncia poltica de seus membros. (BOURDIEU, 2010, p.206).

Ao tomarmos a teoria sociolgica de Pierre Bourdieu como referencial terico para a compreenso da poltica enquanto campo, em que se mobilizam as estruturas, os agentes, o habitus prprio, o capital, as lutas pela conservao ou pela manuteno das posies e das disposies durveis nele atuantes, escolhemos tambm um autor que, na mesma linha de pensamento compreende o objeto de estudo das cincias humanas como um campo simblico, apresentando sua proposta metodolgica, um referencial mais apropriado aos estudo das aes dos homens enquanto inseridos que esto no mundo social. 1.3- A temporalidade da poltica: a formao de ciclos sob a denominao de Era A possibilidade de permanncia de lideranas polticas (sejam pessoas, partidos ou grupos) por tempos considerveis no poder, em contextos democrticos, tem sido considerada digna de reflexo por parte de alguns estudiosos da cena poltica contempornea. Ora, se a permanncia temporal alongada no poder ( e nos seus aparelhos) poderia servir como caracterizao de regimes no-democrticos e autoritrios, como conceituar essas mesmas permanncias em contextos de democracia e de eleies diretas e peridicas? Como consultas temporrias ao eleitorado acabam por legitimar a permanncia de lideranas nos aparelhos de poder? Para ajudar-nos na reflexo sobre essa temtica e na realizao de nossa pesquisa, lanamos mo do conceito de ciclos polticos tal como definido por Rejane Carvalho, destacada pesquisadora do campo poltico cearense. Segundo a autora, a redemocratizao do Brasil (1985 em diante) trouxe como conseqncia imprevista a tendncia de ciclos polticos relativamente longos (CARVALHO, 2008, p.22), algo at ento pensado somente quando se fazia referncia aos perodos no-democrticos, e que, em tempos redemocratizados, mesmo com eleies permanentes, grandes eram as chances de pessoas, partidos ou grupos manterem-se a frente do poder executivo (municipal, estadual ou federal) por mais de um mandato. Esta tendncia, segundo a autora, teria sido intensificada com a aprovao do estatuto da reeleio, em 1998, que j anunciava a existncia de reeleies virtuais, ocorridas em pleitos em que, por impedimentos legais, no se podia votar num gestor bem avaliado mas votava-se em seus candidatos como se nele estivessem votando. a essa possibilidade de longevidade, e sua efetivao, que a autora nomeia de ciclo poltico. Em sua definio, configuram-se como novas formas de poder [...] em que a possibilidade de continuidade determinada pelo poder de seduo de uma persona poltica (indivduo, grupo ou partido), capaz de fundar-se no imaginrio poltico popular, instaurando uma temporalidade simblica que a mdia consagra como Era. A hegemonia inconteste em um territrio estadual ou nacional afirmada em ciclos de campanhas no competitivas. Uma temporalidade poltica que exige uma mstica simblica forte que a sustente. (IDEM, op. cit., p. 23). Nos termos em que a autora apresenta sua definio, precisamos destacar alguns elementos. Antes de tudo, em se tratando de um espao simblico monopolizado por profissionais que agem mobilizando a crena, poder de fazer ver e de fazer crer (como Bourdieu j nos havia pontuado), o ciclo poltico formatado e sustentado pelo poder de seduo. Diramos ns, por uma argumentao bem sucedida de forma bastante longeva, com um capital de notoriedade bastante estendido, vigoroso, firmado numa crena bem estruturada pela lgica do campo poltico em que se exerce o monoplio. Esse espao simblico de seduo alicerado nas qualidades, no capital institucionalizado em pessoas, grupos ou partidos polticos, que investem aqueles dignos de crdito como portadores da seduo que lhes prpria, na verdade, investem-nos da notoriedade que portam. Mas, uma vez que o ambiente democrtico contemporneo , em muito, devedor do poder miditico, a seduo da persona poltica depende, em grande parte, do trabalho de exposio da mdia, pois esta, na definio da autora, quem consagra essa temporalidade em termos de Era, dentre as quais podemos destacar: Era FHC, Era Lula, Era Tasso. A hegemonia do ciclo poltico, assim, tambm seria caracterizada por uma outra problemtica: a existncia de uma srie de campanhas, para o cargo dominado pelo ciclo, pouco competitivas, uma vez que os imaginrios scio-discursivos que alimentariam essa Era (as retricas das quais falamos mais acima) circulariam com mais vigor nos momentos de disputa pelos cargos pblicos. Para constatar-se essa hegemonia poltica no Cear, campo de nossa pesquisa, basta apresentar os seguintes dados: o campo poltico liderado por Tasso Jereissati tem sua origem na eleio por este vencida para o Governo do Cear no ano de 1986, apoiado em sua campanha eleitoral por uma ampla coligao de partidos inclusive os partidos de esquerda, como o PCdoB e por amplos setores da sociedade civil organizada, com destaque para o Centro Industrial do Cear (CIC), capitaneando as mudanas esperadas na cena poltica nos que se seguiam aos desgastes do Regime Militar (1964-1985). Essa vitria eleitoral garantiria um papel hegemnico sua figura: primeiro, por inaugurar um tempo de disputas eleitorais no-competitivas para o Governo do Estado, perodo esse que s foi interrompido em 2002, quando Lcio Alcntara disputa sua sucesso; em todas as eleies que se seguiram a de 1986, Tasso Jereissati saiu-se vencedor em primeiro turno (1994 e 1998); segundo, por conseguir eleger seu sucessor, nas duas ocasies em que no poderia mais disputar a reeleio (Ciro Gomes em 1990 e Lucio em 2002), conseguindo emplacar Ciro Gomes como seu candidato em desarmonia com os candidatos postos pelo grupo, mostrando a centralidade das decises poltica em torno de si; terceiro, por sempre eleger senadores que consigo estavam coligados e que recebiam seu apoio (Mauro Benevides e Cid Carvalho em 1986, Beni Veras em 1990, Lcio e Srgio Machado em 1994, Luis Pontes em 1998, Patrcia Sabia e ele mesmo, em 2002). Assim, a liderana de Tasso Jereissati constitui um outro ciclo de poder poltico no Estado do Cear, onde existe uma base ideolgica forte de legitimao e que se configura politicamente forte (PARENTE, 1999:179). Para ilustrar sua definio, Carvalho vale-se do caso do Cear, em particular da Era constituda a partir da vitria eleitoral de Tasso Jereissati ao governo estadual, e que transcrevemos por completo abaixo por ser exatamente o objeto de nosso estudo aqui apresentado:No Cear, a ascenso de Tasso Jereissati ao governo do Estado, em 1986, deu incio nomeada Era das Mudanas, contraposta ao que foi consagrado como Era dos Coronis. A simblica da modernizao da poltica cearense, efetivada por um personagem jovem, assentava-se em um imaginrio poltico de racionalidade da gesto empresarial, que tinha como contraponto a poltica clientelista dos coronis. O ciclo poltico inaugurado em 1986 ganhou nomeaes que no deixam dvida sobre a centralidade atribuda ao seu fundador (tassismo, era Tasso).

A escolha do local para a sede do novo poder est impregnada de significado simblico: o Centro Administrativo, consagrado popularmente como Cambeba, serviu para designar toda a gerao de polticos ligados a Tasso Jereissati. (CARVALHO, op.cit., p.23)). CAPTULO II

A CONSTRUO E A DELEGAO DO CAPITAL POLTICO: O CIC NO CENRIO POLTICO ESTADUAL E A VITRIA ELEITORAL DE TASSO JEREISSATI AO GOVERNO DO CEAR EM 1986 As consideraes tericas do captulo anterior permitem-nos, agora, lanarmos um olhar sobre a formao e a consolidao do ciclo poltico liderado por Tasso Jereissati na poltica cearense a partir de sua vitria na eleio estadual de 1986. Para tanto, ser nosso intuito partirmos de uma contextualizao do cenrio scio-poltico do Cear, no final da dcada de 70 e em meados da dcada de 80, destacando a atuao poltica do Centro Industrial do Cear (CIC), de onde Tasso emergir como importante liderana poltica e de quem far-se- representante de um projeto poltico coletivo, aos moldes do que Patrick Charaudeau (2006, p. 117) nomeia de Eu Coletivo: uma identidade que emana na relao do sujeito com um grupo. Entendemos, assim, que tal vitria eleitoral no pode ser pensada ou analisada como um fenmeno meramente circunstancial, posto ela proporcionar uma compreenso mais elucidativa da poltica cearense nas ltimas trs dcadas, uma vez que essa eleio inaugura um ciclo de hegemonia bastante complexo. O cenrio em que a vitria de Tasso Jereissati ao Governo do Estado do Cear acontece evidencia as inmeras mudanas que estavam ocorrendo nas elites polticas, inclusive as do Cear, com a intensificao da luta pela redemocratizao do Brasil, o que significou por toda parte movimentos que poriam fim ao ciclo dos coronis (Cesar Cals, Adauto Bezerra e Virgilio tavora) e preparavam um novo ciclo de hegemonia poltica a ser protagonizado por novos segmentos do empresariado cearense que, neste cenrio, expressavam suas demandas e interesses. Logo, para compreendermos os processos polticos ocorridos no Cear na dcada de 80, que levaram vitria eleitoral de Tasso Jereissati em 1986, devemos proceder com uma apresentao, ainda que sucinta, do projeto poltico de modernizao conservadora (NOBRE, 2008) capitaneado pela nova formao do CIC, que toma posse em 1978, e que vai distinguindo-se de outros setores do empresariado cearense e, em especial, caminhando numa contnua e aberta discordncia com as lideranas polticas de ento, em especial com o grupo que estava no poder estadual. H, portanto, um papel significativamente ocupado pelo CIC no contexto das mudanas polticas e econmicas que viabilizaram a formao de um ciclo poltico duradouro a partir da acolhida de seu projeto por parte da populao cearense.2.1- A emergncia do CIC no cenrio estadual: um projeto com ares de coletividade/modernidade O contexto de redemocratizao iniciado em meados da dcada de 80 criou a possibilidade do aparecimento de novos sujeitos polticos que engendravam novas lutas, assim como a expresso legtima de interesses os mais diversos na sociedade. Isso porque a maior presso por mudanas sociais refletiu diretamente nos processos eleitorais, ao mesmo tempo em que a crise do regime militar, bem como sua derrocada, provocou inmeros desgastes dentro dos setores das elites locais que sustentavam-no, identificadas e beneficiadas que eram com o projeto poltico-autoritrio iniciado em 1964. Aqueles, portanto, que se alinhavam s lutas por mudanas sociais e pela redemocratizao ganharam reconhecimento por parte da sociedade (capital social, aos moldes de Bourdieu) por postarem-se ao lado da democracia e da renovao, o que faria com que tal reconhecimento, no caso do Cear, logo convertesse-se em capital poltico, em crdito. Assim que, por seu engajamento no processo de redemocratizao, os empresrios do CIC aglutinaram fora poltica junto aos movimentos sociais, aos setores da intelectualidade cearense, aos extratos urbanos das classes mdias e aos espectros da poltica mais esquerda. Representando uma novidade em meio a um cenrio vido por mudanas estruturais profundas, o grupo de empresrios do CIC mostrava-se sintonizado com os processos eleitorais que se voltavam para as grandes massas urbanas, o que fazia com que as lideranas polticas com bases rurais fragilizassem-se, perdendo o controle do eleitorado at ento posto sob o seu comando; isso exigia novas estratgias polticas para a obteno do apoio eleitoral, o que seria muito bem levado a cabo pelos empresrios do CIC. Mas, como o CIC constituiu-se enquanto ator poltico? Quais os passos seguidos na constituio de seu papel inovador na cena poltica cearense? Passemos a tratar dessas questes agora.

Uma importante temporalizao do CIC feito por MARTIN (1993): a primeira fase aquela que vai da sua fundao, em 1919, at a chegada dos novos empresrios, em 1978. Segundo a autora, um dos fatores que proporcionaram a criao do Centro Industrial do Cear foi o surto industrial que espalhou-se pelo Brasil nos anos que se seguiram I Guerra Mundial (1914-1918). Certo que, desde o sculo XIX, o Cear havia assistido a vrias tentativas de juno dos industriais em entidades representativas da classe. Mas, somente no sculo XX que tal empreendimento sair-se-ia vitorioso. Isso porque nesse sculo que a campanha pelo fortalecimento do empresariado local, em certa medida, auxiliada tanto pelo impulso do processo de industrializao quanto pelo fortalecimento do movimento operrio (inclusive com a realizao de uma greve geral, em 1919, que levou as lideranas empresariais a porem na ordem do dia a necessidade de criao de um rgo representativo). De sua fundao at 1978 o CIC foi presidido por empresrios dos mais diversos ramos (comrcio, salinas, madeireiro, tecelagem, fiao), o que levou a entidade a colocar-se, pouco a pouco, sob o comando da Federao das Indstrias do Cear (FIEC), em especial a partir da presidncia de Lus Gonzaga Flvio da Silva, em 1959. Sob sua direo, o CIC passou a ser, administrativa e gerencialmente, tutelado pela FIEC, uma vez que o presidente desta tambm ocupava, automaticamente, a presidncia daquele. As coisas comeam a mudar com a eleio de Benedito Clayton Veras Alcntara, o Beni Veras com conhecido no Cear, em 1978. Esse ano considerado por muitos como o grande divisor de guas do CIC, em especial por ser a partir da que o Cear ganharia alguns espaos na imprensa nacional ao constar como um estado vanguardista nas discusses e nos debates sobre a democracia e a necessria melhoria na distribuio de renda populao mais pobre, como veremos mais adiante. Segundo a autora:Quando Benedito Clayton Veras Alcntara, o mais velho entre os jovens empresrios, teve seu nome consensualmente apontado para assumir a presidncia do CIC, em 1978 [...] diz-se do CIC que ele transformou-se em um frum de debates sobre temas do setor scio-econmico no contexto regional e acabou como uma entidade essencialmente poltica, a despeito de ter sido criado como rgo tcnico para resolver questes como o surgimento de matria-prima e a comercializao.

Atravs do Centro Industrial, uma elite empresarial jovem com propostas visando mudana dos indicadores socioeconmicos e da estrutura poltica do Cear foi projetada aqui e fora do Estado. Os jovens empresrios patrocinados inicialmente pela FIEC mentalizaram um projeto que antes de meados da dcada de 1980 foi tornando mais claramente o formato de um projeto poltico-adminsitrativo para gerenciar o Estado a partir do poder institucional (MARTIN, op.cit., p.36). Convm destacar a importncia de Jos Flvio Costa Lima, presidente da entidade entre os anos de 1977-1980, para o momento de renovao e soerguimento do CIC. Sua gesto pautou-se pela busca de debates, dentro da entidade, sobre os problemas nacionais, o que fez com que o CIC incorporasse em seus quadros a intelligentsia representada por empresrios que, apesar de constarem nessa condio por serem herdeiros de famlias consideravelmente ricas, haviam sido formados em cursos de nvel superior, fazendo deles portadores de considervel capital cultural a contrapor-se ao baixo nvel intelectual dos velhos empresrios. Mas, quem eram esses jovens empresrios? Antes de tudo, eram jovens por contarem, poca em que assumiram a presidncia do CIC, com idades entre 35 e 45 anos e por no alinharem-se a um certo tradicionalismo da velha elite empresarial do Cear, como veremos adiante. A composio da diretoria eleita em 1978 ficou assim dividida:

Presidncia: Benedito Clayton Veras Alcntara (grupo Guararapes); vice-presidncia: lvaro de Castro (Mercesa), Airton Jos Vidal de Queiroz (Grupo Edson Queiroz), Assis Machado (Construtora Mota Machado), Pedro Philomeno Ferreira Gomes (Redes Philomeno), Byron Costa de Quieroz (Grupo Ivan Bezerra), Hermane de Holanda Farias (DISCON), Jos Airton Argelim (Junta Comercial), lber Garcia Quinder (Cimaipinto automveis), Jos Srgio de Oliveira Machado (Vilejack), dson Queiroz Filho (Grupo Edson Queiroz), Tasso Ribeiro Jereissati (Grupo Jereissati), Amarlio Macedo (Grupo J. Macedo). Empossada a nova diretoria, o relacionamento cordial entre o novo grupo dirigente do CIC e a FIEC comea a desfazer-se exatamente pela reinvindicao do novo pelos ento recm-empossados. Ao perceberem que Costa Lima, apesar de ter sido o grande incentivador da renovao dos quadros dirigentes do CIC, pretendia que a entidade, mesmo sob a presidncia de Beni Veras, continuasse submissa FIEC, os jovens empresrios comeam a distanciarem-se desta reivindicando para si o papel de desobedientes e inconformados, papis esses que logo circulariam na imprensa nacional:[...] um grupo de jovens empresrios cearenses assumiu a direo do sexagenrio e inexpressivo Centro Industrial do Cear (CIC) e transformou o que no passava de um agradvel local de encontros vespertinos, fortemente submisso Federao da Indstria do Estado do Cear (FIEC) em um frum de debates. (ISTO , 10 de setembro de 1980, grifos nossos).

Observe-se que desde o incio a nova direo do CIC conta com a enunciao da mdia a qualifica-la como novidade: eles so os jovens empresrios que contrapem-se a uma elite sexagenria que ocupa-se somente de encontros vespertinos. A utilizao, pois, da expresso jovens empresrios operaria, tambm, uma diviso simblica da elite empresaria que colocaria estes na vanguarda triunfante e modernizante do Cear e do Brasil, conforme pode ser visto na seguintes manchetes:

Empresrios jovens se dispem a soerguer o Centro Industrial (O Povo, 21/01/1978).

Industriais jovens tm encontro para esta noite (IDEM, ibidem).

Centro Industrial do Cear empossa nova diretoria sabe-se que pelo menos todos os executivos da ala jovem foram convidados (Jornal do Brasil, 08/03/1978).

Vemos, pois, como o uso da expresso jovens empresrios vai operando a linha de demarcao e de diferenciao entres estes e os antigos dirigentes, e isso por meio de quem, a nosso ver, naquele momento portava as condies de operar tais distines, uma vez constituir-se como importante instrumento de expresso legitimada da fala poltica ou da fala competente, a imprensa Bourdieu analisa bem essa questo ao falar de como as condies sociais de acesso poltica esto cada vez mais delimitadas e limitadas por rgos que creem-se como exclusivamente competentes para tal ao, dos quais destaca a mdia, que vai portando-se como detentora por excelncia da competncia especfica por excelncia (BOURDIEU, 2010, p. 197). Tambm podemos observar que

A juventude, no caso, no designa uma etapa da evoluo biolgica, mas a seiva viva de uma nova mentalidade poltica que se consubstancia em uma entidade de classe: o CIC. Termos como renascimento, revitalizao, so assim associados histria da posse que assume o estatuto de rito de iniciao na vida pblica [...] o ato de posse do CIC assim semantizado como recusa de um legado tradicional, ruptura com o passado, abandono da casa paterna. (CARVALHO, 1999, p. 180, grifos da autora).

A renovao e a juventude dos novos dirigentes expressava-se, alm disso, por uma ao transformadora contraposta aes inexpressivas de uma elite fortemente submissa, fazendo com que a entidade agora passasse a ter um movimento prprio e ininterrupto, transformando-se em um frum de debates. Promovendo grandes eventos, com presenas de grandes nomes da intelectualidade e do empresariado brasileiro (Maria da Conceio Tavares, Jos Mindlin, Bresser Pereira, Celso Furtado, Ablio Diniz, Leonel Brizola dentre outros), os jovens empresrios foram atraindo uma numerosa quantidade de pessoas que lhes demonstravam simpatia e que compartilhavam suas idias, o que acabou por colaborar com as crises entre a entidade e a FIEC, sendo a maior delas a recusa em aceitar a incorporao do CIC FIEC, tal como sugerida por Costa Lima. o qu sugere a afirmao de Amarlio Macedo:

As nossas pretenses no processo de discusso eram to destemidas, que a a gente saiu para transformar rapidamente o CIC num frum de debates, no de Fortaleza e no de assunto do Cear, mas de assunto do Brasil no Cear. Ento, foi a que a gente desencandeou um processo de atrair cabeas de ponta daquela poca do cenrio nacional que eram um dos maiores questionadores do governo e questionadores sobre mltiplos aspectos: tanto econmico, como poltico, cultural, como filosfico. (IDEM, op.cit., p.182)

Tencionando autonomia, o CIC lanou-se numa campanha, logo legitimada pela sociedade, de crtica do casamento incestuoso de empresrios com o Governo Federal que produzia misria, colocando-se assim, de uma vez por todos, do lado contrrio ao da FIEC, que via-se assim como anti-ethos primordial do discurso levado a efeito pelo CIC. Iniciava-se, assim uma guerrilha retrica (MARTIN, op. cit., 46), ou uma luta pelo monoplio da competncia legtima, que levava os jovens empresrios a colocarem-se como herticos primeiramente no campo econmico e, depois e sobretudo, no campo poltico. Em que consistia essa heresia? Qual era o status quo a ser denunciado e combatido, na economia e, depois, na poltica? Antes de mais nada, a bandeira da justia social foi a primeira a ser levantada e a formular o discurso hertico dos novos dirigentes do CIC, que enfatizavam o fosso existente na distribuio de riquezas entre os mais pobres e os mais favorecidos. sobretudo na gesto de Amarlio Macedo (1980-1981), em especial por ocasio do seminrio O Nordeste no Brasil: avaliao e perspectivas, que as divergncias se afunilam e os discursos vo tornando-se cada vez mais combativos. J no discurso de posse, conforme assinala MARTIN (op.cit., p.46), Amarlio deixa clara a inteno de formular, a partir do CIC, um pacto contra a pobreza como a meta por excelncia de sua gesto, pacto esse que fazia com que os empresrios do CIC sentissem-se diretamente responsveis pelas polticas vigentes, caso contrrio, sem sua atuao, seriam tragados pela misria. No projeto de renovao da entidade classista do empresariado cearense estava clara a convico de que a distribuio de riquezas, outro nome dado justia social, era imprescindvel para sua manuteno enquanto tal, exigindo uma mudana de mentalidade poltica e social da classe. Uma das causas dessa m distribuio de riqueza e, portanto, um dos empecilhos para a efetivao da justia social, era exatamente a m remunerao dos empregados da iniciativa privada, o que exigia, como j salientado, uma mudana de mentalidade por parte do empresariado. Em artigo publicado no Jornal O Povo, em 9 de maro de 1978, Amarlio Macedo enftico:

Em qualquer de nossas empresas a diferena entre a base e o topo da pirmide vai de 40 vezes ou mais. No que uns ganhem demais, mas sim que a grande massa, por razes diversas, no foi capaz de influir adequadamente em nossa poltica econmica.

Claro estava, portanto, o rumo a ser apontado e perseguido pelo novo empresariado: a nfase na participao coletiva nas decises, inclusive no mbito da esfera privada da economia. Isso, conforme veremos mais adiante, ser o norte da campanha de Tasso Jereissati ao governo estadual em 1986 e a razo de sua ruptura com Amarlio Macedo. Conferindo grau de importncia indispensvel participao, os novos dirigentes do CIC entravam em conflito com as instituies que estavam acomodadas sob a tutela do Estado, o que fazia com que o quadro de m distribuio de renda no mbito da iniciativa privada era reflexo do quadro de misria e excluso produzida pelo Governo. O papel do CIC passava a ser, assim, o de questionar a forma como os recursos pblicos eram geridos pelos chefes polticos, direcionando-os de forma clientelista para dar suporte aos empresrios comprometidos com o Governo e causando srios prejuzos a um Estado permanentemente em crise, ocasionando a formao deum empresariado constantemente convidado a ser maneiroso, conservador e oportunista (CARVALHO, op.cit., p. 182). De uma vez s buscava-se profanar duas vozes autorizadas: a classe empresarial e o Governo, ambos responsveis pelo quadro de concentrao de renda ento vigentes. Havia, de um lado, um setor privado que deixara-se tutelar, proteger e regulamentar-se pelo Governo em troca de crditos, concesses e informaes privilegiadas; de outro, um Governo com apoio incondicional de empresrios, que hauriam lucros volumosos com os crditos assegurados pelo Governo. O questionamento dessa relao custou aos jovens empresrios o adjetivo de comunistas (MARTIN, op.cit., p.48), uma vez que denunciavam os exorbitantes lucros das empresas como produtores da concentrao de renda e do enorme dficit social por parte do Governo. Na poltica tradicional predominava uma posio, por parte do empresariado, de defesa individual de seus prprios interesses, o que ser questionado pela nova elite empresarial empossada no CIC. Buscando construir uma nova viso, mais prospectiva, da relao do empresariado com o Governo, por meio das polticas pblicas de incentivo ao desenvolvimento econmico do Cear, os jovens empresrios contrariavam os interesses daqueles que permaneciam como favorecidos pelas prticas ento denunciadas como excludentes e produtoras de injustias sociais. Como herticos, postavam-se como vanguarda a combater o rano tradicional que pautava as prticas do empresariado cearense. Era comum, no contexto poltico regional, a intermediao dos governos locais para a aprovao de projetos econmicos, via fundo pblicos, para a expanso da indstria por meio de polticas clientelistas (LEMENHE, 1997, p.66), o que fazia com que a luta do novo empresariado fosse exatamente de encontro a essas polticas que, dentre outras coisas, ocasionavam escassez aos cofres pblicos, inclusive para o combate s desigualdades sociais. Se havia uma reinvindicao na sua empresa, relata Sergio Machado (um dos diretores do CIC, como mostrado mais acima, e um importante quadro poltico do Era Tasso), recorria-se ao Governo (MARTIN, op. cit., p. 107). A continuao de sua fala elucidativa:

A viso que os empresrios tinham era corporativa. Voc tinha que ter o Governo como aliado para resolver os seus problemas. Voc no podia ter problema com o Governo. Ns precisvamos enfrentar o Governo, para poder mudar a relao maior. Porque se no mudasse a relao maior, ns no tnhamos futuro. No adiantava ter um governo amigo. Adiantava ter um governo com compromisso social.

Contudo, o que podemos perceber, com a distncia do tempo, que o esforo do CIC era para que se construssem condies para que a economia cearense pudesse vir a competir no mercado internacional, o que implicava uma redistribuio de renda que transformasse o maior nmero de cearenses em consumidores. Assim, a modernizao industrial, iniciada nos anos 70 com o apoio estatal, precisava agora abrir-se em ouras direes, o que logo levaria o CIC tecer severas crticas conduo da poltica econmica por parte do Governo Federal, em grande medida sem transparncia e impermevel a questionamentos. Portanto, na medida em que o grupo de jovens empresrios passou a militar no CIC, constituiu-se nele uma conscincia que levava-os busca e luta por um novo modus operandi do Estado no que diz respeito sua interveno nos negcios econmicos, ou seja, nas relaes deste com a iniciativa privada representada pelo CIC e pela FIEC. E ser exatamente por portar-se como crtica do Governo Federal (o que queria dizer que tambm portava-se como crtica do regime militar, j ento em desgaste) que a nova formao do CIC constaria como irmanada aos posicionamentos dos industriais das regies mais desenvolvidas do pas (que mostravam-se tambm descontentes com os rumos da economia) e daqueles que lutavam por uma profunda mudana poltica ou, em outros termos, que lutavam pela redemocratizao, uma vez que defendiam o retorno do Brasil ao sistema democrtico e a construo de uma nova forma de governar que, antes de tudo, afinava-se mais racionalidade empresarial. Isso posto, encontramos precisamente a elementos importantssimos para a compreenso do acmulo de capital poltico no cenrio estadual e, em alguns momentos, servindo mesmo de exemplo para o quadro nacional, uma vez que, como nos referimos anteriormente, os empresrios do CIC chegaram mesmo a constar entre a vanguarda nacional. Importa ressaltar que, segundo Patrick Charaudeau, as relaes entre poltica, economia e modernidade (ou vanguarda), d-se por meio de relaes intrnsecas que fazem com que a economia desgarre-se do simples economicismo, fazendo com que passe a constituir como o modo de uma sociedade representa para si a legitimidade das maneiras de gerir a vida coletiva, tanto do ponto de vista da produo, como do ponto de vista da distribuio de riquezas (CHARAUDEAU, 2006, p.218). Ao questionar, pois, as relaes entre o Governo do Cear e os empresrios, no era somente essas relaes que os jovens empresrios direcionavam suas crticas, mas s formas legitimadas de gerir-se os negcios pblicos que o CIC pretendia denunciar e combater, promovendo a partir de suas enunciaes as mudanas almejadas. Nesse sentido que o CIC forma os primeiros comits de apoio s lutas pelas eleies diretas e candidatura de Tancredo Neves para a Presidncia da Repblica, que opunha-se Paulo Maluf, candidato do regime militar e, tambm, dos coronis que hegemonizavam o controle da poltica cearense (Adauto Bezerra, Cesar Cals e Virgilio Tvora) e, assim fazendo, tambm contrapunham-se FIEC, entidade da qual despontaram para a cena poltica estadual. Beni Veras assim resume a entrada definitiva do CIC na poltica:

Eu reuni o grupo, no era mais nem presidente [...] Vou formar um grupo empresarial para se portar contra o Maluf [...] fizemos o primeiro comit Pr-Tancredo [...] a o CIC j era uma entidade poltica [...] a essa altura ficvamos senhores da poltica do Cear (MATOS, 1999, p.92). A iniciativa de criao do comit pr-diretas aglutinou partidos polticos de oposio, intelectuais e diversas entidades da sociedade civil em torno do CIC, que aos poucos constitua-se como importante ator poltico, acumulando um capital poltico institucional que logo depois transformar-se-ia no principal tonificador da candidatura de Tasso Jereissati. Os jovens empresrios elaboraram e distriburam uma nota oficial da entidade em que manifestavam o irrestrito apoio s eleies diretas para a Presidncia da Repblica e enderearam tal nota ao gabinete de cada um dos parlamentares cearenses, assinada pelo ento presidente do CIC, o empresrio Sergio Machado. O movimento de apoio s eleies diretas acabou por desembocar, inevitavelmente, no apoio candidatura de Tancredo Neves, que contou com a mobilizao do mesmo aparato do CIC colocado a favor da campanha pelas diretas. Contudo, observou-se um certo recuo da entidade ante as presses do Governo Federal que, buscando conter os movimentos a favor de Tancredo, havia ameaado a classe empresarial com a no-liberao de recursos advindos da Caixa Econmica Federal, o que neutralizou o ento presidente do CIC, Amarlio Macdo. o que diz Sergio Machado:Um dos pontos bsicos era resolver a democracia e a a gente entrou no movimento de diretas j, eleio do Tancredo e isso arcando com todo o nus porque ns soframos ameaa de corte de crdito em bancos. [...] O Tasso tinha muitos interesses naquele momento na Caixa Econmica, porque estava construindo o shopping [...] o Tasso foi muito prejudicado na Caixa Econmica por causa disso.

P: Verbas cortadas?

S.M.: Crdito no liberado.

P:O senhor sofreu ameaas semelhantes?

S.M.: Todos ns. Fazia parte de um processo. Principalmente na poca do movimento Pr-Tancredo. (MARTIN, op. cit., p. 110).

Esses episdios, que configuraram-se como importantes campanhas no processo de redemocratizao do Brasil, confeririam ao CIC o acirramento dos conflitos iniciados com os setores mais conservadores da elite cearense, contando a a FIEC, bem como um maior protagonismo na poltica local, uma vez j ter a entidade alcanado uma certa relevncia no cenrio nacional, conforme j salientado anteriormente, credenciando-se junto a importantes setores da sociedade, engendrando assim as condies para se consolidar em um projeto de poder. Assim, podemos verificar como a simples corrente de idias no se torna num movimento poltico seno quando as idias propostas so reconhecidas no exterior no crculo dos profissionais (BOURDIEU, 1999, p. 183).

Quando Vrgilio Tvora decide-se pela reconstruo do Cear a partir do planejamento e da poltica de industrializao, centrando foras nas secretarias de Planejamento e Indstria e Comrcio, nomeando o economista e tcnico de carreira do BNB, Gonzaga Mota, como secretrio de planejamento e depois apoiado como candidato da situao ao Governo do Cear, o momento em que os empresrios do CIC vislumbram uma oportunidade de ditarem melhor os rumos da poltica