30
Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas 877 39 Distúrbios de Linguagem em Crianças Pequenas Considerações sobre o Desenvolvimento, Avaliação e Terapia da Linguagem Jaime Luiz Zorzi Este capítulo tem por objetivo abordar os distúrbios da lingua- gem que afetam o desenvolvimento de crianças ainda pequenas que, por algumas razões, não estão conseguindo desenvolver a linguagem de uma forma adequada. Embora nossa temática esteja centrada nestas crianças que apresentam dificuldades quanto ao processo de aquisição de linguagem, iniciaremos abordando a evolução das demais crianças que, também por uma série de razões, estão tendo sucesso em desenvolver suas habilidades lingüísticas. A análise do chamado desenvolvimento normal se faz necessária porque pode nos fornecer elementos para uma melhor compreensão dos distúrbios da linguagem e, conseqüentemente, possibilitar a elaboração de um plano tera- pêutico mais eficaz. Falamos em crianças pequenas e em intervenção precoce. Sabemos que, realmente, quanto mais cedo os problemas pude- rem ser detectados e tratados, maiores serão as possibilidades de superação dos mesmos. Porém, infelizmente, temos visto crian- ças que só procuram um atendimento fonoaudiológico quando já estão com 3 ou 4 anos de idade. Ora, também sabemos que o período esperado para a aquisição de linguagem vai de 1 a 2 anos de idade. É difícil compreender como, tendo tais crianças ultrapas- sado os 2 anos sem adquirirem linguagem, chegando aos 3 ou até

Tex to Zorzi

  • Upload
    anacfe

  • View
    272

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 877

    39

    Distrbios de Linguagem emCrianas Pequenas

    Consideraes sobre o Desenvolvimento, Avaliao eTerapia da Linguagem

    Jaime Luiz Zorzi

    INTRODUO

    Este captulo tem por objetivo abordar os distrbios da lingua-gem que afetam o desenvolvimento de crianas ainda pequenasque, por algumas razes, no esto conseguindo desenvolver alinguagem de uma forma adequada. Embora nossa temticaesteja centrada nestas crianas que apresentam dificuldadesquanto ao processo de aquisio de linguagem, iniciaremosabordando a evoluo das demais crianas que, tambm por umasrie de razes, esto tendo sucesso em desenvolver suashabilidades lingsticas. A anlise do chamado desenvolvimentonormal se faz necessria porque pode nos fornecer elementospara uma melhor compreenso dos distrbios da linguagem e,conseqentemente, possibilitar a elaborao de um plano tera-putico mais eficaz.

    Falamos em crianas pequenas e em interveno precoce.Sabemos que, realmente, quanto mais cedo os problemas pude-rem ser detectados e tratados, maiores sero as possibilidades desuperao dos mesmos. Porm, infelizmente, temos visto crian-as que s procuram um atendimento fonoaudiolgico quando jesto com 3 ou 4 anos de idade. Ora, tambm sabemos que operodo esperado para a aquisio de linguagem vai de 1 a 2 anosde idade. difcil compreender como, tendo tais crianas ultrapas-sado os 2 anos sem adquirirem linguagem, chegando aos 3 ou at

  • 878 Fonoaudiologia Prtica

    mesmo aos 4 anos sem terem desenvolvido as habilidadeslingsticas esperadas, no tenham sido encaminhadas para umexame ou tratamento fonoaudiolgico. Pediatras e demais profis-sionais que tm oportunidade de acompanhar a evoluo decrianas deveriam estar muito atentos quanto s etapas deaquisio da linguagem para poder agir adequadamente quandosuspeitam de problemas neste sentido.

    Creio que o trabalho fonoaudiolgico junto aos bebs conside-rados de alto risco e o acompanhamento evolutivo que elesnecessitam possam ajudar o fonoaudilogo a ampliar a possibili-dade de iniciar, de fato, tratamentos precoces para o desenvolvi-mento da comunicao quando detectarem que tais bebs apre-sentam riscos ou indcios de atrasos.

    Podemos nos perguntar que fatores esto presentes nestegrupo numeroso de crianas para as quais adquirir linguagem nose mostra problemtico, por mais complexa que esta aquisiopossa ser. Elas so capazes de desenvolver linguagem de umaforma to rpida e natural que suas capacidades de aprendiza-gem at surpreendem os adultos. Provavelmente, a maior partedestes pais no saibam nos dizer nem como, nem quando e,talvez, nem o porqu. Mas sabem que esta aquisio acontecere assim esperam. E tambm sabem que o surgimento da lingua-gem um sinal de que seus filhos esto se desenvolvendo bem.

    Muitas crianas, por volta do primeiro aniversrio, comeam aensaiar suas primeiras palavras. Porm, antes de chegarem aesta forma verbal de linguagem, desenvolveram uma srie dehabilidades comunicativas mais gerais num plano pr-lingstico.Para que esse desenvolvimento comunicativo anterior ao uso daspalavras ocorresse e fosse garantindo o aparecimento de formaslingsticas mais evoludas, algumas condies se fizeram neces-srias. Vamos apontar seis destes fatores determinantes dodesenvolvimento da comunicao infantil:

    1. A criana necessita ter uma razo ou motivo para secomunicar: uma inteno.

    2. H necessidade de se ter algo para comunicar: um contedo.3. tambm necessrio um meio de comunicao: uma

    forma.4. H necessidade de se ter pessoas com quem se comuni-

    car: um parceiro.5. H que se ter condies favorveis para a interao: uma

    situao ou contexto.6. A criana tambm necessita ter capacidades cognitivas

    favorveis para atuar sobre o mundo e compreend-lo.

    Temos, assim esboados, seis importantes fatores que, com-binados, asseguram ou criam condies favorveis para o desen-volvimento de capacidades comunicativas. Como podemos notar,a comunicao tem, em sua origem, uma funo nitidamente

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 879

    social. A criana, interagindo com as pessoas e com as coisas,organiza experincias, constri conhecimentos, sente desejos, ouseja, elabora os contedos de sua atividade mental e isto graas sua atividade cognitiva. So estes contedos que ir comunicar,por alguma razo: porque deseja um objeto que no est ao seualcance e quer expressar este desejo para que possa ter acessoao objeto; porque quer chamar a ateno para algo que estvendo acontecer e quer partilhar com o adulto ou, ainda, porquequer chamar ateno sobre si mesma.

    Para que tudo isto seja possvel, isto , a fim de que suasintenes, experincias ou desejos sejam expressos, a criananecessita lanar mo de alguma forma de comunicao que podeser um meio verbal, ou no-verbal, dependendo de suas possibi-lidades. A pessoa ou parceiro com quem a criana quer secomunicar pode ser algum que est prximo a ela. Mas no bastasimplesmente a criana ter uma razo para se comunicar e tomara iniciativa. O adulto deve estar receptivo, atento, tem que estarsensvel aos esforos comunicativos que a criana est fazendo,tem que ser capaz de atribuir significao aos mesmos e isto fazparte das condies favorveis para a interao.

    Antes de ser capaz de empregar recursos lingsticos para acomunicao, a criana desenvolve meios no-verbais e istoacontece gradativamente graas s experincias interativas quevai tendo com os outros. Desde seu nascimento, ela tem oportu-nidades de tomar parte de eventos que possuem um cartercomunicativo, que implicam em relaes com as pessoas queesto ao seu lado. Como conseqncia de tais vivncias interativase comunicativas, a criana vai adquirindo formas de manifestarseus contedos mentais, assim como tambm vai desenvolvendoestratgias para compreender os desejos e as intenes dosoutros.

    DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAO PR-VERBAL

    Compreender o processo evolutivo da comunicao, que seorganiza inicialmente em formas no-verbais para chegar a for-mas verbais ou lingsticas, de fundamental importncia para oentendimento das alteraes da linguagem que podem atingir odesenvolvimento infantil.

    De acordo com estudos voltados para a anlise dos processosinterativos, o desenvolvimento da comunicao pr-verbal podeser dividido em quatro nveis:

    Nvel I Comunicao no-intencional

    comportamentos reativos

    Este primeiro nvel de desenvolvimento da comunicao cor-responde, aproximadamente, aos dois primeiros meses de vidado beb. Nesta fase, seus comportamentos esto caracterizados

  • 880 Fonoaudiologia Prtica

    por reaes determinadas por uma organizao nervosa reflexa.Em poucas palavras, o beb mais reage ao mundo do que agesobre ele, uma vez que recursos que permitam aes voluntriasno esto ainda suficientemente constitudos.

    Nesta fase inicial da evoluo, o beb ainda no capaz defazer uma diferenciao entre ele mesmo e os outros que ocercam. Dito de outra forma, ele ainda no se constituiu comosujeito. Comunicao implica em interao social entre parceirosdiferenciados que buscam meios que possibilitem a relao entreeles. Apesar de tais limitaes, isto , da criana desta fase aindano ter alcanado tais distines, pode-se falar em comunicao,porm no intencional.

    O beb olha, movimenta o corpo, mostra interesse pelaspessoas e objetos, procura seguir trajetrias, vocaliza, chora,agarra objetos que so colocados em sua mo, reage a sons e avozes familiares e assim por diante. Embora tais comportamentossejam ainda elementares e resultem desta interao indiferencia-da da criana consigo mesma e com os fatos do mundo, os adultostendem a interpretar tais reaes como comportamentos ou atoscomunicativos. Determinadas vocalizaes e movimentos podemser interpretados como sensaes de conforto e prazer, enquantooutros comportamentos do mesmo tipo podem ser tidos comocomunicao de desconforto, de desprazer. A ateno visual dobeb pode ser tomada como uma tentativa de comunicar.

    Embora a criana ainda no tenha condies de comunicaralgo intencionalmente, a tendncia dos adultos de atriburem a elatal capacidade constitui-se um fator relevante para o desenvolvi-mento posterior na medida em que a criana, aos poucos vaipodendo perceber que sua expressividade vocal, corporal, temum efeito sobre o outro at que chegar um dia em que ela, demodo proposital, ir empregar tais recursos com fins comunica-tivos.

    Nvel II Comunicao no-intencional

    comportamentos ativos

    Em termos cronolgicos, o segundo nvel de desenvolvimentoda comunicao abrange, aproximadamente, dos 2 aos 8 mesesde idade. Se observarmos, neste intervalo de tempo, todas asaquisies ou novas aprendizagens que vo ocorrendo na vida dobeb, constataremos que ele se torna cada vez mais ativo, ouseja, cada vez mais capaz de organizar procedimentos paraexplorar o mundo ao seu redor.

    Passada a fase inicial das reaes reflexas e, principalmenteaps uma srie de coordenaes sensoriomotoras, como a coor-denao mo-boca, a coordenao viso-audio e, principal-mente, a coordenao da atividade manual com a atividade visual,os bebs vo demonstrando um interesse crescente acerca detudo o que est ao alcance. As coisas que so vistas despertam

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 881

    o desejo de pegar, as coisas que so pegas tambm devem servistas, ouvidas e sentidas pela boca e assim por diante. A crianaest receptiva para o mundo e quer experiment-lo, atuar sobreele de todas as formas.

    Pessoas e coisas tornam-se centros de grande interesse deexplorao e de conhecimento para a criana. Podemos acres-centar ainda que os progressos de ordem motora, como conseguirvirar o corpo, permanecer sentado, aproximar o corpo de objetos,deslocar-se pelo cho arrastando-se ou engatinhando, permitemuma expanso da rea de ao da criana.

    Maior interesse pelos objetos e pessoas, maiores recursospara interagir e maior domnio motor compem caractersticasimportantes desta etapa. Porm, apesar de todas estas habilida-des, a criana no se mostra capaz de organizar procedimentoscomunicativos intencionais, uma vez que tambm a diferenciaodela mesma como sujeito ainda no est consolidada.

    Por outro lado, apesar de tais limitaes, vai ficando cada vezmais facilitado para o adulto o papel de atribuir valores comunica-tivos aos comportamentos dos bebs, na medida em que elestentam sistematicamente atuar sobre a realidade. No difcilpara um adulto, por exemplo, ao presenciar seu filho sentado nocho, esticando o brao com a mo aberta, dobrando o corpo paraa frente e olhando atentamente para objeto que est um poucodistante de seu campo de preenso, concluir que seu filho desejao objeto. O adulto, ento, pega o objeto e d para a crianadizendo Quer a bolinha? Toma a bolinha.

    A criana queria pegar o objeto diretamente. No era suainteno mostrar para o adulto qual era o seu desejo. Porm, oadulto foi capaz de atribuir um significado comunicativo ao seucomportamento e agir de acordo com sua suposio. Podemosimaginar que fatos como este, ocorrendo de forma regular,repetitiva, vo criando na criana expectativas de que certoscomportamentos produzem determinados resultados. Ela podecomear a prever resultados e a descoberta de suas potencialida-des expressivas pode resultar, mais tarde na comunicao inten-cional, usando recursos gestuais e vocais.

    Nvel III Comunicao pr-lingstica

    intencional elementar

    Este terceiro nvel de comunicao pr-verbal est caracteri-zado pelo aparecimento de condutas comunicativas novas e querevelam a intencionalidade da criana. Isto , motivada poralguma razo, a criana busca meios de comunicar alguma coisapara algum. Comportamentos deste tipo comeam a ser obser-vados a partir dos 8 meses de idade, sendo que tal fase seprolonga at aproximadamente os 12 meses.

    A criana dirige comportamentos comunicativos intencionaisa outras pessoas tendo a noo de que pode us-las como

  • 882 Fonoaudiologia Prtica

    agentes para atuar sobre as coisas. Para tanto, emprega algunsrecursos ainda elementares para poder agir sobre o outro. Porexemplo, a criana pode ficar olhando alternadamente para oobjeto que deseja e para o adulto que est prximo, procurandodesta forma deliberada expressar seu desejo de ter acesso aoobjeto; pode esticar a mo em direo quilo que quer e ficarolhando alternadamente para o adulto e para o objeto; podemanipular fisicamente o adulto empurrando sua mo na direodo objeto que deseja e assim por diante. Tais comportamentostendem, muitas vezes, a ser acompanhados de vocalizao medida que a criana tambm vai compreendendo suas possibi-lidades de utilizar recursos vocais na comunicao e verificar osefeitos que elas produzem em suas tentativas de comunicar.

    Como pode ser observado, o incio da intencionalidade marcado por alguns indcios: a criana dirige atitudes comunica-tivas aos outros procurando dar incio interao ou respondendos tentativas dos outros; persiste no comportamento comunicati-vo at que o adulto responda e fica aguardando que o outroresponda aos seus esforos.

    Algumas funes tm sido atribudas s atitudes comunicati-vas das crianas:

    1. Comportamentos com funo regulatria, ou seja, compor-tamentos que tm por objetivo a obteno de algo ou a satisfaode uma necessidade. A criana pode estar solicitando uma aoou um objeto por parte do adulto, assim como pode estar querendoevidenciar que deseja encerrar uma ao.

    2. Comportamentos ou atitudes comunicativas que tm umafuno social, ou seja, cujo objetivo atrair a ateno do outrosobre si mesmo, ou manter tal ateno. Fazem parte destacategoria comportamentos exibicionistas e, mais tarde, atitudesdestinadas a solicitar permisso e cumprimentar as pessoas.

    3. Atitudes comunicativas cuja funo a de garantir umfoco de ateno conjunta, isto , o objetivo da criana o dechamar a ateno do outro para algo que desperta sua prpriaateno, buscando partilhar tal experincia. como se a crianaestivesse fazendo um comentrio da situao, embora pormeios no-verbais. A atitude de pedir informaes sobre ascoisas, que surge mais tarde, tambm faz parte desta funo deobter ateno conjunta. Desenvolver habilidades no sentido deentrar em sintonia com as outras pessoas e, juntamente comelas, focalizar a ateno sobre um mesmo objeto ou situaosobre a qual iro agir alternando aes de um modo coordena-do, corresponde a padres de interao social primrios. Dificul-dades de ateno, poucos recursos para interao com osobjetos e dificuldades na realizao de aes conjuntas sofatores que se apresentam como agravantes dos atrasos nodesenvolvimento da comunicao.

    Estes avanos no plano do desenvolvimento comunicativono ocorrem isoladamente. Paralelamente a tais progressos e

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 883

    interligando-se aos mesmos podemos observar tambm progres-sos significativos no aspecto cognitivo. A esta faixa etria, emtermos da formao da inteligncia da criana, corresponde quarta fase sensoriomotora.

    A quarta fase do desenvolvimento sensoriomotor est ca-racterizada pelo aparecimento das chamadas condutas inteli-gentes ou instrumentais, ou seja, a criana procura meiosadequados para atingir objetivos que no podem ser diretamen-te alcanados. Tendo, por exemplo, interesse em pegar umobjeto que est fora do seu alcance, mas compreendendo queele est sobre seu cobertor, a criana puxa o cobertor paratrazer o objeto para perto de si. Ou, observando que umbrinquedo caiu e rolou para debaixo de uma almofada, batenesta almofada, afastando-a, para poder ter acesso ao brinque-do desejado. H, nestes casos, uma coordenao bem elabora-da de aes: para chegar a um determinado objetivo, a crianasabe que deve agir de determinadas formas.

    Em termos de comunicao intencional, podemos observar quetal capacidade de coordenar aes passa a ser aplicada tambm noplano das relaes pessoais, o que fica evidente principalmentequando a criana usa a comunicao com uma funo regulatria.Em outras palavras, desejando um objeto que no consegue pegarou, desejando que o adulto aja sobre um objeto para que ele semovimente ou ainda, desejando por fim a uma ao, a crianaorganizar procedimentos comunicativos que serviro como meiopara atuar sobre o adulto que, por sua vez, servir tambm comomeio para que ela tenha acesso ao objeto, veja o objeto semovimentando ou presencie o fim de uma ao.

    Para chegar a este ponto, a criana necessita desenvolveralguns conhecimentos que implicam a noo de sujeito, de aoe de objeto: de algum, capaz de agir sobre os objetos epessoas e produzir resultados Quanto noo de sujeito, estafase marcada por uma grau mais evoludo de diferenciaoque a criana faz entre ela mesma e os outros. Ou seja, aconstruo da noo de eu, de sujeito, est mais consolidadanesta fase, o que significa que a contraparte, isto , a noo dooutro tambm se firme. A formao desta noo permite que acriana atribua aos outros o papel de sujeito, isto , de pessoasque tm a capacidade de atuar sobre o meio e que podemdesempenhar o papel de intermedirios entre ela, criana, eseus desejos. Mas para que o outro possa desempenhar estepapel, a criana precisa tomar a iniciativa da interao e comu-nicar, de alguma forma, seus desejos ou intenes.

    Como foi apontado, a criana tambm precisa consolidar anoo de objeto. Construir a noo de objeto significa que ela agora capaz no s de diferenciar-se dos outros como tambm capaz de diferenciar-se dos objetos. O mundo se torna ummundo de pessoas e de coisas, sendo a criana uma pessoadentre as demais. Uma mostra de que a criana apresenta tal

  • 884 Fonoaudiologia Prtica

    noo pode ser vista quando ela comea a procurar objetos quedesapareceram de seu campo de percepo. Anteriormente construo da noo de objeto, toda vez que pessoas ou objetosdeixavam de ser vistos, tocados ou ouvidos, como se tivessemdeixado tambm de existir. Porm, nesta fase, os comporta-mentos da criana, principalmente no sentido de procurar pelosobjetos desaparecidos, revelam que agora, para ela, o mundocontinua existindo, independente dela estar vendo as coisas ouno.

    Nesta fase, a capacidade de imitar tambm mostra um grandedesenvolvimento. As crianas comeam a se interessar por mo-delos novos, isto , sons e movimentos que elas ainda no sabiamproduzir. Comeam a se interessar tambm por imitar movimen-tos que no so visveis no prprio corpo, como os que envolvemmovimentos na regio da face: abrir e fechar a boca, pr a lnguapara fora, segurar a orelha, tocar o dedo no nariz e assim pordiante. O interesse pelas coisas novas vindas dos outros ajuda acriana a fazer correspondncias entre o prprio corpo e o corpodos outros e a descobrir possibilidades de expresso que seroempregadas com fins de comunicao.

    Nvel IV Comunicao pr-lingstica

    intencional convencional

    Este nvel de desenvolvimento da comunicao corresponde aum desdobramento da fase anterior. J sendo capaz de organizaratitudes comunicativas intencionais, mas de modo ainda elementar,a criana comea a incorporar novas formas ou atos comunicativosque tm carter convencional. Ou seja, a criana, a partir dasobservaes que vai fazendo acerca dos comportamentos comuni-cativos dos outros, passa a usar os mesmos gestos e expresses.Deste modo, comea a utilizar atitudes comunicativas que sode uso comum entre as pessoas, o que garante o aspecto deconvencionalidade. O gesto de apontar comea a ser usado siste-maticamente; balanar a cabea para expressar negao; movi-mentar a cabea para expressar afirmao; fazer movimento dechamar com as mos; gesto de bater, fazer tchau, etc. Estescomportamentos comeam a ser observados aproximadamente apartir dos 12 meses, idade que tambm corresponde ao incio daquinta fase sensoriomotora e que vai at os 18 meses.

    A inteligncia dos bebs, nesta etapa, est caracterizadapor um grande interesse que eles manifestam pelas coisasnovas e por levar adiante formas diversificadas de manipulaodos objetos. Estas atitudes levam o nome de experimentaesativas e revelam o prazer muito grande que eles encontram aoexplorar os objetos de vrias maneiras e estudar o que acon-tece com os mesmos. Por exemplo, bater um objeto em outrosvariando batidas fortes e fracas, colocar os objetos uns dentrodos outros, empilhar e assim por diante.

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 885

    O comportamento imitativo, como foi apontado, segue amesma tendncia. O interesse pelas novidades intenso e ascrianas querem imitar tudo o que vem. As crianas parecemquerer espelhar o que os outros fazem, imitando-os. Estatendncia imitativa acaba por despertar nas crianas tambmum interesse na imitao de novos sons que observam aspessoas produzindo. Inclusive palavras. Alm de comearem aimitar gestos e expresses convencionais que os outros empre-gam na comunicao, passam tambm a mostrar tentativas deimitar o uso de palavras. As crianas parecem que, de fato,adquiriram a capacidade de identificao e isto implica emquerer ser igual ao outro e, ser igual significa agir da mesmamaneira, inclusive falando.

    Muitas crianas iniciam o uso da linguagem nesta fase dedesenvolvimento (12 a 18 meses), inaugurando a primeira etapado desenvolvimento lingstico propriamente dito, que correspon-de fase dos enunciados de uma s palavra. O uso de comunica-o, agora tambm verbal, acaba se mesclando com as formasno-verbais de comunicao e enriquecendo-as. A criana au-menta seu poder de comunicar.

    Porm, embora a linguagem seja uma conduta simblica,isto , se caracterize pelo uso de smbolos verbais, ou signifi-cantes, que representam realidades ausentes, ou significados,nesta fase de desenvolvimento ela ainda no atingiu um grau desimbolismo propriamente dito. A linguagem, neste momentoinicial, est ligada situao presente, dependendo daquilo queainda est no campo da percepo da criana. Ela pode dizerpapai, quando v o pai chegando em casa, quando o ouve abrira porta; ela pode dizer au au quando ouve ou v um cachorrolatindo. Mas, apesar de estar usando palavras, ainda est nadependncia de indcios concretos para poder utiliz-las: falasobre o imediato, sobre o que est de algum modo presente. Alinguagem comear a configurar-se como uma conduta verda-deiramente simblica medida que vai se consolidando acapacidade representativa mais geral que anuncia o trmino doperodo sensoriomotor.

    A FORMAO DAS CONDUTAS SIMBLICAS

    A ltima fase do perodo sensoriomotor, que vai aproximada-mente de 18 a 24 meses de idade, marcada pelo surgimentode condutas representativas que revelam o incio da formao deuma nova capacidade conhecida como funo simblica ourepresentativa. Em outras palavras, a criana desenvolve a pos-sibilidade de lidar com realidades ausentes, simbolizando-as dealguma forma. Tal capacidade manifesta-se nas condutas comu-nicativas, na forma como a criana brinca ou manipula os objetose no modo como passa a realizar as imitaes.

  • 886 Fonoaudiologia Prtica

    Brinquedo simblico

    No que diz respeito ao modo de brincar, a novidade que,agora, a criana passa a usar os objetos simbolicamente. Osbrinquedos so utilizados para representar situaes vividasrotineiramente pela criana, como o caso do dormir, do alimen-tar-se, do banho: ela faz de conta que est preparando comidausando uma panelinha e uma colherinha; esfrega uma esponja noprprio corpo como se estivesse tomando banho; encosta suacabea numa miniatura de cama como se fosse dormir e assim pordiante.

    Formao hierrquica do simbolismo no

    brinquedo

    Condutas de transio1. Uso convencional dos objetos2. Esquemas simblicos3. Aplicao em outros

    Condutas simblicas4. Sistematizao da aplicao em outros5. Seqncias de aes simblicas6. Uso de smbolos

    Uso convencional dos objetos

    Aproximadamente, a partir dos 12 ou 13 meses de idade, osbebs comeam a demonstrar um interesse crescente em usar umasrie de objetos de uma forma convencional, isto , do mesmo modoque observa as demais pessoas fazendo. Uma esponja de banho esfregada pelo corpo, o pente passado na cabea, uma colherinhafica sendo mexida dentro de uma xcara e assim por diante. Por meiode condutas imitativas, ou seja, querendo agir da maneira que asoutras pessoas agem, a criana vai desenvolvendo novas aes edescobrindo a finalidade dos objetos.

    Esquemas simblicos

    Estas condutas marcam o aparecimento de um simbolismo,ainda elementar, no brincar infantil. Corresponde reproduofictcia, pela criana, daquelas aes que so rotina em sua vida. Acriana faz de conta que come, que toma banho, que dorme, etc.Todo o simbolismo est ainda centrado no prprio corpo da criana.

    Aplicao das aes em outros

    A criana comea a brincar de faz-de-conta com outrosparceiros, que podem ser os adultos ou bonecos. Estes parceiroscomeam a participar, esporadicamente, do brinquedo sendoento banhados, alimentados, etc.

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 887

    Sistematizao da aplicao de aes em outros

    As aes eventuais de atribuir aos adultos e aos bonecos opapel de participantes ou atores do brinquedo simblico tornam-se, agora, sistemticas. Este acontecimento evidencia progres-sos na formao do simbolismo. medida que a criana atribuiaos outros uma capacidade de agir anloga sua, ocorre umdesligamento ou descentrao da atividade simblica em relaoa si mesma.

    Seqncias de aes simblicas

    As aes simblicas comeam a se coordenar na forma deseqncias. Situaes rotineiras, at ento representadas isola-damente passam a se combinar em seqncias mais complexase mais prximas da realidade. H uma espcie de planejamentoe antecipao das aes. Em vez de colocar diretamente umboneco na sua caminha, a criana primeiro coloca o colcho,depois o travesseiro, coloca em seguida o boneco e, depois detudo, ainda procura um pano para cobri-lo. Chegando a esteponto, onde capaz de organizar seqncias, a criana tende aaumentar seu tempo de manipulao dos objetos com os quaisest brincando.

    Uso de smbolos

    A criana comea a usar substitutos simblicos dos objetoscriados por ela mesma. Ela se mostra capaz de transformar umobjeto no representante de outro. Ao invs de ficar limitada a usarminiaturas como smbolos dos objetos reais, a criana cria, elamesma, novos smbolos. Por exemplo, pondo seus bonecos paradeitar em miniaturas de camas, constata que um deles ficou semcama. Para resolver tal problema, recorre, por exemplo, a umapea de bloco de construo retangular e a utiliza como se fossea cama faltante para deitar seu boneco. tambm comumobservar, neste ponto, o uso das palavras para simbolizar objetosausentes. Por exemplo, pegando um boneco a criana diz vaitom banho e, com sua mo, faz o gesto de abrir uma torneiradizendo lig chuveru.

    Imitao

    Quanto imitao, ao invs de limitar-se a imitar aquilo queest presenciando diretamente, ou seja, modelos perceptveis,a criana comea tambm a imitar pessoas ou situaes ausen-tes, isto , coisas que j ocorreram e que, para serem imitadas,dependem de uma possibilidade de evocao. Desta forma, porexemplo, tendo presenciado uma cena qualquer pela manh e,sem t-la reproduzido nesta situao, s vem a imitar a mesmacena pela noite, parecendo evocar, via imitao, o fato jpassado.

  • 888 Fonoaudiologia Prtica

    Esta capacidade simblica geral tem um efeito marcantesobre o desenvolvimento da comunicao. Por um lado, a lingua-gem verbal comea a desempenhar uma funo representativapropriamente dita. A criana comea a usar a linguagem paradescrever aes que est realizando ou que est vendo aconte-cer. Da mesma forma, passa tambm a usar a linguagem parafazer referncias a um passado e a um presente imediatos,relatando fatos recm-finalizados assim como fatos que ir reali-zar em seguida. Por exemplo, brincando de dar banho em umboneco, a criana diz banho, descrevendo a ao que estrealizando. Em seguida, antes de colocar o boneco deitado emuma miniatura de cama, diz vai nan e, pouco tempo depois deter colocado o boneco deitado, retira-o da cama dizendo nano.Esta capacidade da linguagem representar no s o momentopresente, mas comear a fazer referncia ao passado e aopresente tende a aumentar progressivamente. Principalmenteaps os 2 anos de idade, comum assistirmos cenas nas quais acriana relata, verbalmente, algo que aconteceu com ela numasituao passada como, por exemplo, quando conta para o pai,que estava ausente, que tinha cado e batido a cabea.

    Comunicao simblica

    Tambm a comunicao no-verbal comea a incorporaratitudes simblicas.

    Gestos simblicos, que representam aes ou objetos, soincorporados s formas mais elementares de comunicao no-verbal, at ento limitadas a gestos indicativos. A criana pode,por exemplo, solicitar algo para tomar fazendo o gesto de beber,pode solicitar uma boneca fazendo o gesto de ninar e assim pordiante.

    O surgimento das condutas simblicas por volta dos 2 anosde idade marca o trmino do perodo sensoriomotor e o incio deuma nova etapa de desenvolvimento denominada perodo re-presentativo que, como o prprio nome sugere, marcado pelacapacidade que a criana vai adquirindo de lidar com realidadesausentes.

    AVALIANDO CRIANAS PEQUENAS

    No incio deste artigo, foram apontadas algumas condiesfundamentais para a aquisio da linguagem a partir do desenvol-vimento pr-lingstico: alguma razo para comunicar; algo a sercomunicado; uma forma de comunicao; parceiros; contextoadequado e uma capacidade simblica para dar conta da forma-o de conhecimentos a serem comunicados e do domnio dosmeios de comunicao.

    Podemos ilustrar estas condies, integrando-as em trsgrandes reas, da seguinte forma:

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 889

    Aspectos a serem avaliados

    Trs grandes aspectos ou reas de desenvolvimento mos-tram-se como importantes para serem avaliadas. No estaremosnos limitando a uma avaliao de linguagem, propriamente dita,pois poderemos estar lidando com crianas que ainda no chega-ram a um nvel lingstico de desenvolvimento. Parece maisapropriado falarmos em uma avaliao global de processosligados ao desenvolvimento:

    capacidades cognitivas; habilidades sociais; nveis de comunicao.

    Material empregado na avaliao

    Crianas pequenas interessam-se, principalmente, por mate-riais tridimensionais como miniaturas, recipientes com tampas,canecas de encaixe e blocos de construo. este tipo dematerial que deve ser oferecido para que as crianas manipuleme que servem de contexto para nossa interao com elas:

    miniaturas: objetos da casa como cadeira, mesa, cama,privada, panela, televiso, sof, colher, mamadeira, prato,armrio, caixa de fsforos vazia, etc.;

    canecas de encaixe e recipientes com tampas; objetos sem uso definido: pedao de papel, pedao de pano,

    bloquinhos de madeira ou plstico; bonecos e bichinhos; blocos de madeira para jogos de construo.

    Situao de avaliao

    Primeiramente, o fonoaudilogo pode oferecer os brinquedospara que a criana os manipule. Sem assumir uma atitude diretiva,

    LINGUAGEM

    cognio

    comunicaopr-verbal

    interaosocial

  • 890 Fonoaudiologia Prtica

    o examinador deve incentivar a criana a explorar os objetos e aassumir atitudes comunicativas. O examinador deve adotar umapostura de observador, ouvinte e de aguardo de manifestao deatos comunicativos por parte da criana, devendo responder demaneira natural a tais comportamentos.

    Num segundo momento, ou at mesmo inicialmente, se ne-cessrio, o fonoaudilogo pode pedir aos pais, ou ao acompa-nhante, que brinque com a criana. Os pais devem ser orientadosno sentido de que brinquem com ela do modo como estoacostumados a fazer, procurando agir de forma natural, comoprocedem em casa nas ocasies em que esto interagindo comseus filhos.

    Avaliando aspectos cognitivos

    Quando observamos as crianas manipulando os objetos, po-demos obter indcios importantes acerca de como elas conseguemorganizar sua atividade para explorar as caractersticas dos objetos(se produzem sons, se pulam, qual a consistncia, perspectivasespaciais, etc.), que tipos de significaes est atribuindo aosmesmos e que tipos de relaes est estabelecendo entre eles.

    As crianas pequenas tendem a manipular objetos um a um:reviram na mo, afastam e aproximam dos olhos, chupam, apal-pam, batem, esfregam, arranham, puxam as partes, balanam eassim por diante. Por volta de 11 ou 12 meses, comeam amanipular dois ou mais objetos ao mesmo tempo: batem um nooutro; esfregam um no outro; utilizam um objeto para afastar ouaproximar outro; empilham objetos; escondem debaixo de outros;pem e tiram partes dos objetos; pem um objeto dentro do outro,etc. Nestes casos, dizemos que os significados que as crianasatribuem aos objetos so prticos, ou seja, utilizam os objetos deacordo com funes que elas prprias atribuem aos mesmos.

    No decorrer do segundo ano, como j foi apontado, ao ladodestas aes sensoriomotoras ou prticas, comeam a surgirformas novas de manipular os objetos e a atribuio de novassignificaes a eles. Quando as crianas passam a usar os objetosda mesma forma que vem as demais pessoas fazendo, estoatribuindo aos mesmos significados convencionais. Quando come-am a us-los de modo representativo, como na brincadeira de faz-de-conta, esto atribuindo significados simblicos aos mesmos.

    Observar:

    a) Como a criana manipula e interage com os objetos

    Esquemas de interao explora os objetos um a um: que tipos de aes realiza com

    eles; atua sobre 2 ou mais objetos ao mesmo tempo relacionan-

    do-os: que tipos de aes e que tipos de relaes; interesse pelos objetos;

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 891

    persistncia ou no na atividade quando encontra algumobstculo;

    explora os objetos de modo diversificado, agindo de diferen-tes maneiras sobre eles;

    explora os objetos a partir de poucas aes, de modo rpidoe superficial.

    Nvel de desenvolvimento do simbolismo uso convencional dos objetos; esquemas simblicos; uso de bonecos no brinquedo simblico; aes simblicas em seqncia; uso de objetos substitutos.Atribuio de significados prticos; convencionais; simblicos.

    b) Habilidades de imitao vocal e motora

    Imitao vocal/sonora som de tosse; som de raspar a garganta (rrr); pa pa; ta ta ta ta; ca ca ca; mame; nen; au au; papai; abrir e fechar a boca estalando os lbios.Imitao de movimentos no visveis no prprio corpo tocar na orelha com uma das mos; pr a mo na testa; segurar o cabelo; tocar com o dedo indicador na ponta da lngua; tocar nas faces alternadamente com o dedo indicador.Imitao de aes com os objetos tampar e destampar alternadamente uma caixa; cobrir um objeto com um leno; balanar um objeto amarrado a um barbante; empilhar um bloco de madeira sobre outro e derrubar.Solicitao de reproduo de modelos ou situaes ausentes como faz para comer? como faz para dormir? como faz para pentear o cabelo? como a mame faz quando fica brava?

    A avaliao destes itens permite caracterizar que recursos ascrianas esto utilizando para interagir com os objetos paramelhor conhec-los, assim como quais so as habilidades deimitao que j desenvolveram. Desta forma, podemos ter ind-cios a respeito de que fase de desenvolvimento cognitivo elaspodem estar atravessando: sensoriomotoras (Fases I a V); fasede transio entre o perodo sensoriomotor e o perodo represen-tativo (Fase VI) ou se j atingiram caractersticas tpicas doperodo representativo propriamente dito.

  • 892 Fonoaudiologia Prtica

    Avaliando habilidades interativas/sociais

    a) Verificar se h presena de indcios de

    comportamentos interativos intencionais

    dirige comportamentos aos outros, no-verbais ou verbais,com a finalidade de iniciar interaes ou mesmo pararesponder s tentativas de interao dos outros;

    continua insistindo nos comportamentos comunicativos quandoos outros no reagem de imediato s suas tentativas de interao;

    adota uma postura ou comportamento de quem espera umaresposta do outro s suas atitudes comunicativas.

    b) Identificar as funes dos comportamentos

    comunicativos

    funo regulatriasolicita objetos;solicita aes;protesta (solicita encerramento de uma ao).

    funo de atrair ou manter a ateno sobre si mesma; funo de garantir a ateno conjunta.

    Caracterizando o grau de desenvolvimento da

    comunicao

    a) Nveis de desenvolvimento

    nvel I atitudes comunicativas no-intencionais reativas; nvel II atitudes comunicativas no-intencionais compor-

    tamentos ativos; nvel III atitudes comunicativas intencionais elementares; nvel IV atitudes comunicativas intencionais convencio-

    nais ; faz uso de comunicao lingstica caracterizar a fase de

    desenvolvimento de linguagem; faz uso de comunicao simblica no-verbal.

    b) Recursos expressivos empregados na comunicao

    gestuais no-simblicos; vocais no-simblicos (vocalizaes que no tm o carter

    de palavras); gestuais simblicos; vocais simblicos (principalmente onomatopias); verbais.

    Observando as atitudes comunicativas dos pais

    a) Atitudes diretivas controladoras

    adulto prope temas e situaes; mantm o controle e a direo da interao;

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 893

    linguagem diretiva: grande nmero de imperativos e pergun-tas a fim de verificar capacidades ou ensinar coisas;

    trunca ou quebra a interao com sucessivos julgamentosde valor: no assim; parabns; muito bem, etc.;

    iniciam a maior parte dos tpicos de interao; falam em excesso; no sabem aguardar ou limitam as possibilidades de respos-

    tas espontneas das crianas; tendem a ignorar ou a no aproveitar adequadamente as

    iniciativas das crianas; no conseguem compreender ou responder aos esforos

    comunicativos que as crianas fazem.

    b) Atitudes no-diretivas facilitadoras

    aguardam iniciativas por parte das crianas; procuram adequar seu nvel de linguagem ao nvel da criana; buscam proximidade fsica para facilitar interao; interpretam atos no-intencionais como se fossem intencio-

    nais; esto atentos aos esforos comunicativos por parte das

    crianas; do oportunidades de ao para as crianas; imitam comportamentos das crianas; ficam aguardando respostas por parte das crianas.

    DISTRBIOS DE LINGUAGEM

    A denominao distrbios de linguagem diz respeito a com-prometimentos no curso evolutivo da aquisio da linguagem. Osdistrbios que mais comumente afetam o desenvolvimento dacriana pequena so os chamados retardos de aquisio dalinguagem.

    Crianas apresentando condies evolutivas favorveis ten-dem a adquirir linguagem no decorrer do segundo ano de vida,entre 1 e 2 anos de idade. Algumas crianas j comeam a ensaiaras primeiras palavras por volta do primeiro aniversrio. Outrascomeam mais tarde.

    Podemos observar, portanto, diferenas quanto poca emque as crianas comeam a utilizar a linguagem. H uma srie defatores que podem ser apontados como determinantes de taisdiferenas: ritmo de desenvolvimento de cada um, estimulaoem geral e mais especificamente, de linguagem, condies emo-cionais e maturidade social, hereditariedade, doenas e outrosfatores que possam afetar o tempo de aquisio.

    Um dos parmetros que podem ser utilizados para a caracte-rizao dos retardos de linguagem diz respeito idade. Crianasque chegam faixa etria dos 2 anos sem terem adquiridolinguagem merecem uma ateno especial, pois podem estar

  • 894 Fonoaudiologia Prtica

    revelando dificuldades quanto ao desenvolvimento lingstico.Neste caso, o critrio que est sendo empregado refere-se prpria linguagem, ou seja, um possvel atraso s estar sendoconsiderado depois de ter sido ultrapassada a idade em quecomumente as crianas adquirem linguagem.

    Porm, podemos falar tambm em retardos de desenvolvimen-to da comunicao, atingindo a evoluo de nveis pr-lingsticosantes de se manifestar em nveis verbais. O diagnstico, nestescasos pode ser feito atravs da observao e anlise dos nveis dedesenvolvimento pr-lingstico, social e cognitivo do beb aindapequeno. Estas so condies mais ideais para diagnstico etratamento dos distrbios da comunicao em crianas.

    Classificando os retardos de linguagem

    A classificao dos retardos de aquisio da linguagem podeser feita tomando-se como referncia as dificuldades encontradase sua abrangncia. Podemos dividir os retardos em dois grandesgrupos, sempre considerando que, embora possam estar sendoclassificadas num mesmo grupo, as crianas divergem entre siquanto ao grau de dificuldades e extenso das mesmas. Estaclassificao leva em conta a existncia de dificuldades especfi-cas quanto aquisio da linguagem ou dificuldades globais dedesenvolvimento e se aplica a crianas que no adquiriramlinguagem na idade esperada.

    Grupo I Retardo de linguagem fazendo parte

    de atraso global do desenvolvimento

    Subgrupo A Crianas apresentando ausncia de condu-tas simblicas, com comportamentos organizados a nvelsensoriomotor.

    Esquemas de interao com os objetos

    modo de manipulao de objetos tipicamente sensoriomotor; ausncia de condutas simblicas; conjunto de aes pouco evoludas tendendo repetio

    sem variao; poucas formas de explorar e manipular os objetos; dificuldades de ateno e tempo de concentrao reduzi-

    dos; ausncia de atividade construtiva elaborada; ausncia de brincadeira de contedo simblico.

    Imitao

    dificuldades maiores, em geral, para imitar sons e movimen-tos no-visveis no prprio corpo;

    dificuldades para imitar aes com os objetos; no conseguem imitar modelos ausentes.

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 895

    Habilidades interativas / sociais

    crianas com atrasos mais importantes podem no apresentar,ainda, comportamentos intencionais para garantir a interao;

    quando presentes, a funo dos comportamentos comuni-cativos tende a ser predominantemente regulatria;

    dificuldades para manter ateno conjunta;

    Graus de desenvolvimento da comunicao

    crianas com atrasos mais acentuados podem ainda noestar apresentando comportamentos comunicativos inten-cionais Nveis I e II;

    no fazem uso de comunicao lingstica; no apresentam outras formas de comunicao simblica,

    mesmo no verbais; podem apresentar comportamentos comunicativos tpicos

    dos Nveis III e IV; recursos expressivos empregados na comunicao limita-

    dos a gestos e vocalizaes no-simblicos.

    Atitudes comunicativas dos pais

    tendem a ser diretivas e pouco adequadas, de forma geral.

    Subgrupo B Crianas com atraso global do desenvolvimen-to e que j apresentam algum grau de simbolismo em suascondutas que, apesar de presentes, esto defasadas em relaoao esperado para a idade.

    Esquemas de interao com os objetos

    manipulam os objetos alternando entre formas sensoriomo-toras e simblicas, tendendo a um predomnio da explora-o sensoriomotora;

    atribuem significados prticos, convencionais e simblicosaos objetos;

    brinquedo simblico presente, elementar, com graus vari-veis de simbolismo podendo ser constatados;

    manipulao dos objetos tende a ser breve e superficial; tempo de ateno curto; tendem a desistir com facilidade quando surge algum obs-

    tculo na manipulao; atividade construtiva pouco desenvolvida.

    Imitao

    dificuldades para imitar sons em geral e movimentos novisveis no prprio corpo;

    imitao de modelos ausentes ocorrendo de forma elemen-tar, pouco precisa;

    maior facilidade para imitar aes sobre objetos.

  • 896 Fonoaudiologia Prtica

    Habilidades interativas / sociais

    apresentam comportamentos intencionais para garantir ainterao;

    a funo dos comportamentos comunicativos tende a serprincipalmente regulatria;

    dificuldades para manter ateno conjunta e alternar aesnuma atividade a dois.

    Graus de desenvolvimento da comunicao

    apresentam algum domnio de linguagem, estando pormdefasados em relao ao esperado para a idade cronolgica;

    podem apresentar formas de comunicao simblica no-verbais;

    podem estar empregando recursos simblicos na comuni-cao, que tendem a ser mais elementares.

    Atitudes comunicativas dos pais

    tendem a ser diretivas e pouco adequadas s caractersticasdas crianas.

    Grupo II Retardo simples de linguagem

    A prtica clnica tem demonstrado ser comum encontrarmoscrianas apresentando dificuldades ou impedimentos mais acen-tuados no que diz respeito aquisio da linguagem. O problemaconfigura-se como mais especfico, sendo que outros aspectos dodesenvolvimento esto menos comprometidos, ou seja, estoevoluindo dentro dos limites do que considerado normalidade.

    Este tipo de problema encontrado, por exemplo, em crianascom deficincia auditiva que, devido a um impedimento fsico, tmum comprometimento quanto ao domnio da linguagem. Porm,tal tipo de problema no est restrito ao deficiente auditivo.Crianas sem distrbios da audio podem tambm apresentar taltipo de defasagem.

    No caso de crianas ouvintes possvel considerarmos esteproblema como um retardo especfico, ou simples, de linguagem.Correspondem a um grupo de crianas que, embora j possamestar revelando um desenvolvimento mais avanado em condu-tas simblicas, como o brinquedo de faz-de-conta e a imitaodiferida, no apresentam uma evoluo correspondente no planoda linguagem. Embora possam revelar uma boa compreenso delinguagem, a capacidade expressiva pode estar ausente, ou emfases mais elementares do que a esperada para a idade e odesenvolvimento geral que a criana apresenta.

    Um dos fatores que podem estar agravando ou interferindoneste tipo de atraso diz respeito vivncia, por parte da criana,de situaes ou ambientes pouco favorveis para o desenvolvi-mento da linguagem e at mesmo de habilidades comunicativas

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 897

    mais gerais. Sabemos que o domnio da linguagem pela criana altamente dependente da qualidade das situaes de interaocom os outros. Habilidades sociais, habilidades comunicativas eestilos de interao dos adultos devem ficar bem caracterizadosna avaliao.

    Caractersticas gerais comumente encontradas

    nas crianas com atrasos simples de linguagem

    Esquemas de interao com os objetos

    desenvolvimento sensoriomotor sem alteraes; habilidades para jogos de construo podem estar bem-

    desenvolvidas; brinquedo simblico revela que a criana tem capacidade

    para lidar com smbolos, que consegue representar conhe-cimentos e experincias atravs de brinquedos e gestos, omesmo no acontecendo com a linguagem;

    significados convencionais e simblicos so atribudos aosobjetos;

    tendem a apresentar formas variadas de manipulao dosobjetos e tempo mais prolongado de explorao.

    Imitao

    podem no apresentar dificuldades para reproduzir movi-mentos no-visveis no prprio corpo;

    em geral, no apresentam dificuldades para reproduziraes realizadas com objetos;

    podem no apresentar problemas para imitar modelos au-sentes;

    tendem a apresentar maior dificuldade, ou at mesmodesinteresse, na imitao de sons e palavras.

    Habilidades interativas/sociais

    algumas crianas podem apresentar dificuldades para orga-nizar comportamentos comunicativos intencionais;

    algumas crianas tendem a atuar diretamente sobre o meio,buscando a interao com os outros de modo pouco siste-mtico;

    a funo dos comportamentos comunicativos tende a serprincipalmente regulatria;

    tendem a apresentar pouca habilidade para garantir a aten-o conjunta e desenvolver atividades com outros.

    Graus de desenvolvimento da comunicao

    podem apresentar algum domnio de linguagem, estando,porm, defasados em relao ao esperado para a idadecronolgica;

  • 898 Fonoaudiologia Prtica

    podem apresentar formas de comunicao simblica no-verbais gestos simblicos;

    podem estar empregando formas de comunicao vocais egestuais no-simblicas;

    apesar de j apresentarem uma capacidade para lidar comsmbolos, a comunicao pode estar limitada a formas nosimblicas como as encontradas nos Nveis III e IV dacomunicao pr-lingstica.

    Atitudes comunicativas dos pais

    tendem a ser diretivas e pouco adequadas s caractersticasdas crianas.

    PLANEJANDO UM TRABALHO DE INTERVENO

    FONOAUDIOLGICA

    A pergunta que sempre nos fazemos diz respeito a como tratarcrianas com retardos de aquisio da linguagem. Porm, como possvel constatar, no podemos falar de uma maneira nica oude um procedimento padro para trabalhar do ponto de vistafonoaudiolgico. Na realidade, falamos em retardos de aquisioda linguagem, o que implica em configuraes diversificadas, comproblemas variando em termos de profundidade e graus deextenso. Isto significa que devemos adequar o trabalhofonoterpico ao perfil de desenvolvimento de cada criana.

    Atuarmos com uma criana que apresenta um atraso globalde desenvolvimento e ausncia de condutas simblicas poderequerer um tipo de trabalho e estimulao distinto da crianaque esteja apresentando um retardo simples de linguagem.Uma atividade que pode ser bastante til e eficiente para umacriana pode ser completamente ineficaz ou intil para a outra.Foi por esta razo que este artigo comeou abordando questesligadas ao desenvolvimento normal da comunicao e suasrelaes com o desenvolvimento de capacidades cognitivas esociais. Precisamos, antes de mais nada, compreender o tipo deretardo que a criana apresenta, quais aspectos de seu desen-volvimento esto mais prejudicados, quais aspectos esto me-lhor preservados, assim como em que nvel evolutivo se encon-tram. Um dos preceitos bsicos da interveno teraputica dizrespeito a entrar em sintonia com a criana para poder desen-volver nela habilidades interativas e isto implica em sermossensveis aos seus interesses e capacidades, em sermos capa-zes de acompanhar detalhes de seu desenvolvimento.

    Apontamos trs reas que atuam como determinantes do desen-volvimento da linguagem: cognio, capacidades comunicativaspr-verbais e habilidades para interao social. Avaliando aspectosligados a estas reas, pudemos categorizar dois grandes grupos deretardos de aquisio de linguagem. O primeiro grupo apresenta no

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 899

    somente um atraso no desenvolvimento da comunicao, mastambm problemas quanto aos aspectos cognitivos e sociais. Nesteprimeiro grupo foram apontados dois subgrupos diferenciados pelofato da criana apresentar ou no condutas de carter simblico. Astrs reas de desenvolvimento esto prejudicadas. Obviamente, otrabalho teraputico deve ser levado a cabo no sentido de estimularo desenvolvimento comunicativo, social e cognitivo uma vez quetodos estes aspectos encontram-se com problemas.

    O segundo grupo, das crianas consideradas como apresentan-do um retardo simples de linguagem, evidencia dificuldades maiscentradas no desenvolvimento de habilidades sociais e comunica-tivas. A criana pode at ter condies cognitivas e representativaspara adquirir linguagem mas, ao que tudo indica, a funo comuni-cativa da linguagem est pouco desenvolvida.

    Apesar das diferenas, as crianas dos dois grandes gruposde retardos de aquisio de linguagem evidenciam, de modogeral, dificuldades no plano do desenvolvimento de capacidadescomunicativas e sociais. Recursos interativos pobres produzemum efeito negativo sobre a comunicao uma vez que esta umaatividade que implica em relaes sociais. Em razo de taisdficits, estas crianas muito podem se beneficiar de situaesque busquem dar a elas melhores condies para uma sintoniamais afinada com as outras pessoas a fim de que consigammanter um foco de ateno comum e possam agir e se comunicarde modo coordenado e sincronizado com seus parceiros.

    Algumas estratgias facilitadoras para

    terapeutas e pais interagirem com crianas

    apresentando atrasos no desenvolvimento da

    linguagem

    Aguardar, observar e ouvir tudo o que a criana tem paramanifestar: gestos, vocalizaes e olhares.

    No atuar de forma diretiva e controladora, dando oportuni-dades para a criana manifestar seus desejos, interesses enecessidades.

    Fornecer oportunidades que favoream a comunicao esaber aguardar uma resposta.

    Propiciar situaes de interao com equilbrio de turnoscomunicativos.

    Usar linguagem compatvel com as possibilidades de com-preenso pela criana.

    Interpretar atos no-intencionais como se fossem atos co-municativos intencionais.

    No dar automaticamente as coisas para a criana: aguar-dar que ela tome iniciativas para solicitar os objetos.

    Conhecer as capacidades comunicativas tpicas de cadacriana e saber que com este recurso que se pode contarno momento da interao com elas.

  • 900 Fonoaudiologia Prtica

    Solicitar pouco de suas capacidades ou exigir acima do queela pode responder significa possvel quebra da interaopor falta de sintonia entre os interlocutores.

    Garantir a proximidade fsica e o contato face a face: aproximidade facilita o intercmbio comunicativo.

    Imitar sistematicamente o que a criana faz uma formaeficiente de chegar ao seu nvel: como sintonizar namesma estao em que ela opera.

    Dar nome s coisas, de modo natural. Nomear sistematica-mente objetos e aes aumenta a possibilidade de compreen-so assim como conduz ao uso de palavras novas.

    As situaes do dia a dia devem ser adaptadas de modo quelevem a criana a usar a linguagem como um meio privile-giado de ao.

    Criar pequenos problemas cujas solues impliquem ematos comunicativos: por exemplo, dar a mamadeira vazia nahora de tomar o leite; apresentar uma caixa sem o contedoque habitualmente a criana encontra dentro dela e assimpor diante. Aguardar as atitudes da criana para resolversituaes como esta.

    ATENO Quando as necessidades das crianas so atendidas sem

    ser preciso qualquer esforo de comunicao por partedelas, ou quando o ambiente est estruturado para queconsigam diretamente tudo o que pretendem, encontramossituaes pouco favorveis para que elas iniciem comunica-o e compreendam suas funes.

    Crianas com dificuldades de linguagem tm, em geral,pouca iniciativa e desistem com facilidade quando surgealgum obstculo s suas tentativas de ao. Quandoterapeutas e pais respondem prontamente a tais tentativaspodem estar dando-lhes mais confiana e aumentando suainiciativa na medida em que elas sentem que podem secomunicar.

    IMPORTANTE Aprender a observar e dar sentido aos comportamentos das

    crianas um dos pontos fundamentais de uma propostateraputica.

    Aprender a observar e analisar os prprios comportamentosao interagir com as crianas um segundo ponto-chave dotrabalho fonoaudiolgico.

    O fonoaudilogo deve ser preparado adequadamente a fimde promover estratgias favorveis para o desenvolvimentodas capacidades comunicativas de crianas com problemasde linguagem. Curiosamente, as atitudes inadequadas quecomumente observamos nos pais ao interagirem com seusfilhos com dificuldades de comunicao tambm podemos

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 901

    observar em nossas terapias de linguagem. Nossa tendn-cia, em geral, de dirigir e controlar. Mas no este tipo deatitude que pode beneficiar estas crianas. Elas necessitamde atitudes facilitadoras.

    EVITAR Tomar sistematicamente a iniciativa da comunicao. Ficar testando as capacidades das crianas com ordens e

    perguntas. Ficar dirigindo a ao da criana dizendo como ela deve agir

    ou proceder. Interromper os silncios que correspondem ao tempo de es-

    pera que se deve dar para que a criana tome a iniciativa dacomunicao.

    Ficar falando no lugar da criana. Falar em excesso sem dar tempo para a criana responder

    ou tomar a iniciativa. Muitas das crianas que j atingiram nveis simblicos de

    comunicao podem at ser capazes de responder pergun-tas ou seguir instrues mas, em geral, no so capazes deusar a linguagem para fins de comunicao espontnea.No este o objetivo da terapia fonoaudiolgica.

    Situaes desfavorveis para uma comunicao eficaz tmpor efeito afastar a criana da linguagem. Quando no temoportunidades para iniciar comunicao, ou quando seusesforos para conseguir a interao no tm efeito, a crianano tem oportunidades de experimentar suas capacidadesde comunicar.

    O que enfatizar no trabalho teraputico:

    diretrizes gerais

    O objetivo, neste momento, o de apresentar uma srie desituaes que, em virtude do nvel de desenvolvimento alcan-ado por cada criana, podem despertar a ateno dasmesmas e motiv-las para a ao sobre o meio. Estas situa-es podem servir de contexto para as interaes e trocascomunicativas entre o terapeuta e a criana, seguindo os prin-cpios apontados anteriormente e, ao mesmo tempo, estimularsua atividade cognitiva.

    A) Crianas apresentando um retardo de aquisio de

    linguagem como parte de um atraso global do

    desenvolvimento: comportamento tipicamente em nvel

    sensoriomotor, com ausncia de condutas simblicas

    Estimular a atividade de explorao sensoriomotora: ointeresse deste grupo de crianas est centrado em nvelsensoriomotor com atribuio de significados prticos (at

  • 902 Fonoaudiologia Prtica

    a Fase IV sensoriomotora) e convencionais (a partir daFase V) aos objetos. A ateno est mais voltada amanipular os objetos a fim de conhecer suas propriedadesfsicas (apalpar, puxar, balanar, esfregar, bater, por naboca) e, no caso de crianas que j atingiram a Fase IV,estabelecer relaes entre eles (empilhar, encaixar, baterum objeto no outro, etc.)

    Desenvolver condutas imitativas ligadas a:movimentos visveis no prprio corpo;movimentos no visveis no prprio corpo (a partir daFase IV);vocalizaes;aes diversas sobre os objetos, tomando como modeloinicial as aes que a criana j realiza com os objetos.

    Facilitar o desenvolvimento de procedimentos comunicati-vosestimular o surgimento de condutas comunicativas intencio-nais, caso ainda no estejam presentes;favorecer o aparecimento de condutas comunicativas con-vencionais caso a criana j apresente comportamentoscomunicativos elementares (a imitao um importantemeio para que isto acontea);favorecer o desenvolvimento de condutas verbais paraaquelas crianas que j chegaram ao uso de gestos conven-cionais e que esto apresentando condies de imitar mo-delos sonoros.

    B) Crianas apresentando um retardo de aquisio de

    linguagem como parte de um atraso global do

    desenvolvimento presena de condutas simblicas

    Propiciar atividades sensoriomotoras: principalmente ex-plorao de relaes espaciais entre os objetos e jogos deconstruo.

    Estimular comportamentos imitativosmovimentos visveis no prprio corpo;movimentos no-visveis no prprio corpo;aes diversas sobre os objetos;vocalizaes, onomatopias e palavras;imitao de modelos ausentes.

    Brinquedo simblico. Atitudes comunicativas

    uso de linguagem verbal;uso de formas simblicas no-verbais de comunicao.

    C) Crianas apresentando atrasos simples de

    linguagem

    Estimular situaes propcias ao brinquedo simblico. Estimular atividades ligadas a jogos de construo.

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 903

    Estimular o desenvolvimento de comportamentos imitativosvocalizaes em geral, onomatopias e palavras;imitao de movimentos no-visveis no prprio corpo;imitao de modelos ausentes;imitao de aes diversas sobre os objetos.

    Comportamentos comunicativosuso de linguagem;uso de formas simblicas no-verbais.

    Como j foi apontado anteriormente, a imitao desempenhaum papel fundamental no desenvolvimento infantil, tanto do pontode vista social e comunicativo quanto do ponto de vista cognitivo.Criar condies que promovam a evoluo do comportamentoimitativo de primordial importncia para a obteno de progres-sos na criana. Alguns procedimentos para tornar a imitao umaconduta facilitada e sistemtica podem ser:

    1. Imitar sistematicamente os comportamentos da criana afim de estabelecer uma identidade de aes e o reconhe-cimento de que o outro um parceiro que se comporta demodo familiar, reconhecvel.

    2. Fazer da imitao uma forma sistemtica de garantir inte-raes com a criana.

    3. Fazer com que a imitao se torne uma conduta recproca:a criana imita o outro assim como prope modelos paraserem imitados.

    4. Fazer com que a imitao possa ser um meio que promovauma maior diversificao de modos de agir da criana:

    inicialmente imitar, de modo idntico, aes que a crianarealiza com os objetos a fim de comear a obter sua atenopara a ao que estamos reproduzindo;

    medida que a criana comece a ficar atenta e a seinteressar pela imitao que estamos fazendo, por reconhec-la como familiar, comear a propor mudanas para queagora a criana imite o que estamos dando como modelo:promover variaes sobre a mesma ao que a crianaestava realizando: por exemplo, bater fraco, bater comfora, bater uma vez, bater vrias vezes;manter a ao que a criana estava realizando e fazer variaros objetos: por exemplo, bater no cho, bater numa caixa,bater na barriga e assim por diante;manter o objeto sobre o qual a criana agia e fazer variar asaes a serem aplicadas sobre o mesmo: por exemplo, se elaestava sacudindo um chocalho, propor outras aes como esfre-g-lo no cho, bat-lo numa caixa, apalp-lo, escond-lo, etc.

    Como podemos considerar o sucesso na

    terapia?

    Para finalizar este artigo creio ser de fundamental importnciaabordar a questo do que o sucesso da terapia de crianas com

  • 904 Fonoaudiologia Prtica

    retardos de aquisio de linguagem. O sucesso, para muitos,pode corresponder a atingir o objetivo de fazer a criana falar, isto, usar a linguagem oral. De fato, esta deve ser nossa meta que,s vezes, pode estar prxima de ser atingida. Porm, comocostuma acontecer com muita freqncia, tal meta pode estarlonge do alcance imediato da criana e isto significa que se tornarum objetivo, que, se possvel, poder ser atingido a mdio oulongo prazo.

    Quando no conhecemos de perto os caminhos do desenvol-vimento infantil e as etapas que ele deve percorrer, no consegui-mos pensar a mdio e longo prazo. Queremos resultados imedia-tos. Uma boa terapia criana falando e um bom terapeuta aquele que faz a criana falar. Mas, apesar de todos os nossosesforos, o tempo pode passar e a criana no desenvolver alinguagem. Vem a ansiedade: no somos bons terapeutas. Acen-tua-se nossa tendncia diretiva e controladora. Precisamos fazercom que ela aprenda, precisamos provar nossa competncia.Acabamos falando pela criana, o tempo todo. E vem a sensaode insucesso que, muito provavelmente, no ser s nossa. Estasensao, seguramente, poder estar sendo partilhada pelaprpria criana que no viu seus esforos comunicativos, por maissimples ou elementares que fossem, terem qualquer efeito sobreo outro. Acrescente-se a isso tudo a sensao de que noconsegue agradar ao outro porque no corresponde aos seusdesejos ou expectativas. O outro, nestes casos, podemos ser nsmesmos realizando, na realidade, uma antiterapia.

    Qualquer meta s pode ser atingida quando se percorre umcaminho para chegar at ela. O sucesso da terapia fonoaudiol-gica composto de pequenos sucessos que representam peque-nos passos em direo a comportamentos mais elaborados oucomplexos. O objetivo da terapia deve ser sempre um prximopasso, por menor que seja ou por mais elementar que possaparecer. Uma criana que no estava apresentando atitudescomunicativas intencionais e que passa a ser capaz de organizarcomportamentos comunicativos intencionais elementares est,efetivamente, obtendo um grande sucesso em seu desenvolvi-mento. Quando comear a variar suas formas de comunicardescobrindo, por exemplo, as possibilidades de utilizarvocalizaes, estar obtendo mais sucessos. Chegar ao uso degestos convencionais para comunicar-se representar mais su-cessos. Portanto, devemos considerar como sucesso, ou pro-gresso na terapia, toda e qualquer mudana que implique noaparecimento de novas condutas que possibilitem formas maiseficazes de comunicao.

    Leitura recomendada

    CANTWELL, D. & BAKER, L. Developmental Speech and LanguageDisorders. Guilford Press, 1987.

  • Distrbios de Linguagem em Crianas Pequenas 905

    EDWARDS, B.B. Developmental Disorders of Language. WhurrPublishers, 1989.

    HAGE, S. R. V. Investigando a linguagem na ausncia da oralidade. In:MARCHESAN, I. Q. et al.(org.). Tpicos em Fonoaudiologia. Vol. III.Editora Lovise, 1996.

    HULIT, L.M. & HOWARD, M.R. Born to Talk. Macmillan Publishing,1993.

    HANSON, M.J. & LYNCH, E. Early Intervention. PRO-ED, 1995.LIMONGI, S.C.O. Da ao a expresso oral: subsdios para avaliao

    da linguagem pelo psicopedagogo. In: OLIVEIRA, V. B. & BOSSA,N. A. Avaliao Psicopedaggica da Criana de Zero a Seis Anos.Editora Vozes, 1994.

    LURIA, A.R. & YODOVICH, F.I. Linguagem e Desenvolvimento Intelec-tual na Criana. Artes Mdicas, 1985.

    MANOLSON, A. Falar: Um Jogo a Dois. Edies Afrontamento, 1985.PENNER, A. P. Communication, cognition, and social interaction in the

    Angelman syndrome. American Journal of Medical Genetics, 46:34-39, 1993.

    PENNER, A. P. Habilidades de interao social de estudantes comretardo mental severo durante interaes com adultos conhecidos.In: MARCHESAN, I. Q. et al. Tpicos em Fonoaudiologia. Vol. III.Editora Lovise, 1996.

    PIAGET, J. O Nascimento da Inteligncia na Criana. 3 ed., Zahar,1978.

    VENEZIANO, E. Developpement normal et processus dacquisitiondes caracteristiques de base du langage. In: KREMIN, A. & LECLECQ,M. Approche Neuropsychologic de lEnfant. Ed. de la Soc. DeNeuropsychologie, 1992.

    VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. Antdoto, 1979.WARREN, F. S. & REICHLE, J. Causes and Effects in Communication

    and Language Intervention. Vol. 1. Paul Brookes Publishing, 1992.ZORZI, J.L. Aquisio da Linguagem Infantil Desenvolvimento,

    Alteraes e Terapia. Editora Pancast, 1993.ZORZI, J.L. Linguagem e Desenvolvimento Cognitivo A Evoluo do

    Simbolismo na Criana. Editora Pancast, 1994.

  • Deficincia Auditiva 1