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A EXISTÊNCIA DE DEUS DO PONTO DE VISTA BUDISTA Matéria da Reunião de Palestra de Agosto 22 DE JULHO DE 2000 — EDIÇÃO Nº 1565 Na SGI, o mês de agosto é marcado pelo aniversário de conversão do presidente Ikeda ao Budismo de Nitiren Daishonin. Foi em 14 de agosto de 1947 que Daisaku Ikeda, a convite de dois amigos, participou pela primeira vez de uma reunião de palestra. Nessa ocasião, conheceu Jossei Toda e travou um sincero diálogo numa sessão de perguntas e respostas. Impressionado com Toda, Daisaku decidiu naquele mesmo dia segui-lo e, após dez dias, em 24 de agosto, converteu-se ao budismo. Naquele 14 de agosto, manifestando sua curiosidade, Daisaku formulou três questões: (1) Como seria uma existência humana correta?, (2) Como se define um verdadeiro patriota? e (3) Como Jossei Toda encarava a figura do imperador? Toda respondeu prontamente, demonstrando grande sabedoria quanto às dúvidas de Daisaku. Da mesma forma, quando conhecem o Budismo de Nitiren Daishonin, muitos ficam curiosos quanto à prática e aos princípios da filosofia budista. E uma das dúvidas mais comuns é com relação ao conceito de Deus. Alguns perguntam: “Existe Deus no Budismo?”, “Vocês acreditam em Deus?” ou “Como o budismo define a existência de Deus?”. No livro Valores Humanos num Mundo em Mutação, o presidente Ikeda comenta: “As tradições judaico- cristã e islâmica postulam um deus antropomórfico e absoluto como última instância ao qual é subserviente todo o Universo e que exibe os mesmos tipos de emoções que os seres humanos. Em contraste, o budismo baseia-se na crença em uma lei saturante, universal, abstrata e pura. A lei nem recompensa nem castiga da mesma maneira que o Deus judaico-cristão. Os seres humanos vivem em melhor ou em pior situação conforme a observem ou não. Além do mais, é acessível igualmente a todos e não tem um chamado ‘povo eleito’ por quem manifeste preferência nem acena com uma terra prometida específica.” (Editora Record, pág. 19.) Bryan Wilson afirma nesse mesmo livro: “O Deus antropomórfico da tradição judaico-cristã e islâmica é uma concepção altamente concreta do sobrenatural, retroagindo a uma era anterior ao desenvolvimento da capacidade de pensamento abstrato no Oriente Médio. O ser supostamente poderoso que os antigos israelitas consideravam como Deus, e que supostamente orientaria o destino de seu povo, foi concebido à imagem do homem. Em conseqüência, foram-lhe conferidos atributos humanos e, acima de tudo, emoções humanas.” (Ibidem.) Quando se estuda esses conceitos, uma das primeiras preocupações é encontrar um ponto em comum capaz de identificar e conceituar a existência de Deus com base em filosofias aparentemente tão diferentes. Porém, independentemente das diferentes visões, todas procuram identificar uma entidade essencial, absoluta e suprema. Enquanto a maioria das pessoas acredita num Deus absoluto ao qual foi atribuído todo tipo de emoção, assim como os próprios seres humanos, o budismo acredita numa Lei universal pura, a qual podemos considerar como essencial ou suprema, identificada pelo Buda Original Nitiren Daishonin como o Nam-

[Texto] A Existência de Deus do Ponto de Vista Budista

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Page 1: [Texto] A Existência de Deus do Ponto de Vista Budista

A EXISTÊNCIA DE DEUS DO PONTO DE VISTA BUDISTA

Matéria da Reunião de Palestra de Agosto

22 DE JULHO DE 2000 — EDIÇÃO Nº 1565

Na SGI, o mês de agosto é marcado pelo aniversário de conversão do presidente Ikeda ao Budismo de

Nitiren Daishonin. Foi em 14 de agosto de 1947 que Daisaku Ikeda, a convite de dois amigos, participou

pela primeira vez de uma reunião de palestra. Nessa ocasião, conheceu Jossei Toda e travou um sincero

diálogo numa sessão de perguntas e respostas. Impressionado com Toda, Daisaku decidiu naquele mesmo

dia segui-lo e, após dez dias, em 24 de agosto, converteu-se ao budismo.

Naquele 14 de agosto, manifestando sua curiosidade, Daisaku formulou três questões: (1) Como seria

uma existência humana correta?, (2) Como se define um verdadeiro patriota? e (3) Como Jossei Toda

encarava a figura do imperador? Toda respondeu prontamente, demonstrando grande sabedoria quanto

às dúvidas de Daisaku.

Da mesma forma, quando conhecem o Budismo de Nitiren Daishonin, muitos ficam curiosos quanto à

prática e aos princípios da filosofia budista. E uma das dúvidas mais comuns é com relação ao conceito

de Deus. Alguns perguntam: “Existe Deus no Budismo?”, “Vocês acreditam em Deus?” ou “Como o

budismo define a existência de Deus?”.

No livro Valores Humanos num Mundo em Mutação, o presidente Ikeda comenta: “As tradições judaico-

cristã e islâmica postulam um deus antropomórfico e absoluto como última instância ao qual é

subserviente todo o Universo e que exibe os mesmos tipos de emoções que os seres humanos. Em

contraste, o budismo baseia-se na crença em uma lei saturante, universal, abstrata e pura. A lei

nem recompensa nem castiga da mesma maneira que o Deus judaico-cristão. Os seres humanos

vivem em melhor ou em pior situação conforme a observem ou não. Além do mais, é acessível

igualmente a todos e não tem um chamado ‘povo eleito’ por quem manifeste preferência nem acena

com uma terra prometida específica.” (Editora Record, pág. 19.)

Bryan Wilson afirma nesse mesmo livro: “O Deus antropomórfico da tradição judaico-cristã e islâmica é

uma concepção altamente concreta do sobrenatural, retroagindo a uma era anterior ao desenvolvimento

da capacidade de pensamento abstrato no Oriente Médio. O ser supostamente poderoso que os antigos

israelitas consideravam como Deus, e que supostamente orientaria o destino de seu povo, foi concebido

à imagem do homem. Em conseqüência, foram-lhe conferidos atributos humanos e, acima de tudo,

emoções humanas.” (Ibidem.)

Quando se estuda esses conceitos, uma das primeiras preocupações é encontrar um ponto em comum

capaz de identificar e conceituar a existência de Deus com base em filosofias aparentemente tão

diferentes. Porém, independentemente das diferentes visões, todas procuram identificar uma entidade

essencial, absoluta e suprema.

Enquanto a maioria das pessoas acredita num Deus absoluto ao qual foi atribuído todo tipo de emoção,

assim como os próprios seres humanos, o budismo acredita numa Lei universal pura, a qual podemos

considerar como essencial ou suprema, identificada pelo Buda Original Nitiren Daishonin como o Nam-

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myoho-rengue-kyo, e que capacita o indivíduo a manifestar suas potencialidades e sua máxima

sabedoria.

Partindo dessas premissas e fazendo uma comparação, podemos afirmar que a crença em um deus

equivale no budismo à crença no Nam-myoho-rengue-kyo. Ou seja, para os budistas, a essência de todos

os fenômenos é o Nam-myoho-rengue-kyo. No budismo, aprendemos também que todas as entidades ou

divindades mencionadas nas escrituras budistas são funções da natureza e, como tais, diferentes

manifestações da Lei suprema do Universo, o Nam-myoho-rengue-kyo.

Por fim, com o estudo e a prática do Budismo de Nitiren Daishonin, aprendemos a nos aprimorar como

autênticos seres humanos, tornando-nos pessoas indispensáveis e que influenciam na transformação das

condições e circunstâncias ao nosso redor por meio de uma dedicação assídua visando ao Kossen-rufu.

Porém, esse auto-aprimoramento e seus benefícios decorrentes não “caem do céu”. Como o presidente

Ikeda orienta: “Apesar de afirmarmos que ‘as orações são respondidas’ no Budismo de Nitiren Daishonin,

a concretização de nossas orações não é algo mágico ou oculto; não tem nada a ver com algum ser

misteriosamente iluminado ou um deus que habita um mundo distante e que, por ter piedade de nós,

satisfaz nossos desejos. Assim como existem leis físicas tais como as que controlam a eletricidade, que

os seres humanos habilidosamente descobriram como fazer uso, o budismo investigou e revelou a Lei da

vida e do Universo. Assim como a luz elétrica foi inventada baseada nas leis da eletricidade, Nitiren

Daishonin inscreveu o Gohonzon para nós com base na suprema Lei do Budismo.” (Brasil Seikyo, edição

nº 1.516, 24 de julho de 1999, pág. 3.)

Nosso modo de vida e as demais religiões

03 DE ABRIL DE 1999 — EDIÇÃO Nº 1502

A maioria dos brasileiros praticantes do Budismo de Nitiren Daishonin foi de outras religiões. Por isso,

várias dúvidas surgem no transcorrer da prática, principalmente por tentarem compreender os

ensinamentos budistas com base nas teorias dessas religiões. Isso é impossível.

Cada religião tem uma base filosófica e suas teorias são decorrentes dessa base.

Por exemplo, quem já não ouviu a seguinte questão: Quem é Deus no budismo?

Vamos utilizar o dicionário Aurélio para esclarecer aonde queremos chegar. Nele há os seguintes

significados da palavra Deus: 1. Princípio supremo considerado pelas religiões como superior à natureza;

2. Ser infinito, perfeito, criador do Universo; 3. Nas religiões politeístas, divindade de personificação

masculina, superior aos homens, e à qual se atribui influência especial, benéfica ou maléfica, nos

destinos do Universo etc.

A teoria budista prega a existência de deuses budistas que são funções do Universo que agem a favor dos

praticantes. E que o ser humano é uno com o Universo. Diz também que a Lei Mística permeia o

Universo e rege a vida.

São teorias e conceitos diferentes, e devem ser respeitados individualmente, sem nunca tentar explicar

uma tendo outra como base.

Outras questões são: Pode-se participar de casamento realizado por outras religiões? Pode-se ser

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padrinho? Pode-se estudar em colégio de outras religiões? etc.

De acordo com os ensinos budistas, todos os atos feitos no presente, sejam eles bons ou maus, são

causas de felicidade ou infelicidade no futuro. Para julgar se esses atos são bons ou maus, podemos

verificá-los sob dois pontos de vista: o primeiro são seus efeitos e o segundo, o sentimento.

No budismo, o sentimento é o mais importantes, e o tomamos como base para este texto.

A história do rei Asoka é freqüentemente citada como um exemplo que mostra as boas causas. Quando

Sakyamuni caminhava próximo a um rio, na Índia, um menino fez um bolo de lama e ofereceu-o ao

Buda, pois era tudo o que possuía. Sentindo a sinceridade com que ele fez o oferecimento, o Buda

predisse que o menino nasceria como rei de um grande império em sua vida posterior. Dessa forma,

nasceu o rei Asoka. Isso enfatiza a importância do puro sentimento do oferecimento em oposição ao

valor daquilo que é oferecido.

Em sua carta ao Lorde Matsuno, Nitiren Daishonin enumerou as catorze calúnias: arrogância,

negligência, julgamento egoístico, julgamento superficial, avareza, recusa à compreensão, descrença,

recusa a ouvir, dúvida errônea, calúnia, desrespeito aos seguidores, ódio aos seguidores, desconfiança

dos seguidores, inveja dos seguidos.

Essas catorze calúnias não se referem ao ato em si, mas às más causas e ao sentimento distorcido

desenvolvido pela pessoa.

Entre todas as calúnias, a de maior intensidade é a de caluniar o Verdadeiro Budismo e seus seguidores.

Segundo o Sutra de Lótus, aquele que comete calúnia cria a causa para cair no “inferno de incessantes

sofrimentos”.

Algumas pessoas, expandindo esse conceito, consideram calúnia ter fé em outras religiões, porém,

depende de cada caso.

Se as pessoas que crêem numa outra religião não têm o menor conhecimento da existência do

Verdadeiro Budismo, não se pode afirmar que elas estejam cometendo calúnia. Entretanto, se a religião

foi criada devido a um sentimento hostil ao Verdadeiro Budismo, os seus seguidores serão

involuntariamente levados a caluniar. Assim sendo, as pessoas que professam a fé nessa seita são

consideradas como caluniadoras do Verdadeiro Budismo. Mas, se uma religião foi fundada sem o mínimo

conhecimento da existência do Verdadeiro Budismo, não se aplica o conceito de calúnia, pois o erro

deve-se à ignorância e não existe uma intenção maléfica.

Isso mostra que o sentimento, ou a intenção, com que se faz um determinado ato é essencial no

budismo. Isso é o que determina se é calúnia ou não.

Assim, ao assistirmos a um casamento ou batismo, por exemplo, estamos lá por consideração a um

amigo, a um parente etc. e não para louvar a religião. No entanto, se somos convidados a ser padrinho,

isso já é uma outra história, pois o padrinho está na realidade testemunhando. (É bom saber, que a

palavra “padrinho” vem do latim patrinu, diminutivo de pater, “pai”.)

O significado de testemunhar são, segundo o Aurélio: “1. Pessoa que é chamada a assistir a certos atos

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autênticos e solenes; 2. Pessoa que viu ou ouviu alguma coisa, ou que é chamada para depor sobre

aquilo que viu ou ouviu; 3. Coisa que atesta a verdade de algum fato; prova, testemunho” etc.

Então, assumir a posição de padrinho é na realidade assumir o papel de “pai” e testemunhar que aquela

pessoa será protegida por aquela crença e por ele. No livro Nova Revolução Humana, há a seguinte

passagem:

— Meu filho está freqüentando uma escola cristã. Será que estou cometendo algum ato de heresia? O

fato é que não existe uma outra escola adequada nas imediações...

— Não há nenhum problema — disse Shin-iti —, seu filho não está nessa escola para seguir o cristianismo;

ele está lá para aprofundar-se em seus estudos. Sendo assim, não existe problema algum.

Shin-iti Yamamoto respondeu objetivamente. Percebeu-se ao mesmo tempo um ar de alívio no rosto da

senhora.

— Verdade?! Puxa, que bom! Como pago mensalidade, estava preocupada se isso não equivaleria a fazer

doação para essa religião.

Ela havia aprendido no Japão sobre a importância de discernir a veracidade ou a falsidade entre as

religiões e isso fez com que ficasse muito ressentida pelo fato de seu filho freqüentar uma escola cristã.

— O pagamento que a senhora está fazendo para a escola é destinado à mensalidade das aulas e isso não

constitui um ato de doação ao cristianismo. Como seu filho está recebendo instruções sobre várias

disciplinas, é muito natural que a senhora efetue uma remuneração.

O fundamental na nossa prática da fé é acreditar e orar ao Gohonzon revelado por Nitiren Daishonin.

Não falhando nesse ponto básico, é desnecessário se preocupar demasiadamente com outras questões.

Para os membros que viviam na sociedade americana, de profunda influência cristã, cada pequeno

detalhe era motivo de séria preocupação. Shin-iti sentiu a necessidade de falar um pouco mais a fundo

sobre esse assunto.

— A nossa cultura ou modo de vida está sempre relacionado com alguma religião. Por exemplo, o fato de

quase todas as empresas não trabalharem aos domingos tem origem no cristianismo, que estabeleceu o

domingo como um dia de descanso. Mas, se por causa disso ficarmos falando que descansar aos

domingos é uma heresia, não será mais possível viver em sociedade. Além disso, muitas músicas e

pinturas receberam uma forte influência religiosa. Entretanto, apreciar a arte é diferente de crer num

determinado ensino religioso. Por esta razão, não é necessário ficar pensando que é heresia apreciar

certas pinturas ou músicas. Se o fato de professar a prática da fé constituir-se num impedimento para

apreciar a arte, isso será como negar a própria natureza humana.

Algumas religiões existem para o bem das pessoas, outras para o interesse próprio.

A religião pela religião degenera-se no dogmatismo, acorrenta as pessoas em nome dela e tenta

manipulá-la como suas escravas. Como resultado, as pessoas têm sua liberdade de espírito tolhida e o

bom senso e sua natureza humana são simplesmente negados, criando-se ao mesmo tempo uma

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profunda ruptura com a sociedade.

O Budismo de Nitiren Daishonin é uma religião que existe em prol das pessoas, e seu propósito maior é

despertar nelas sua verdadeira natureza humana. Um líder religioso que, professando este budismo,

qualifica a arte e a cultura como heresias, deveria ser denominado de dogmatista pernicioso e ordinário

que pisoteia o espírito de Nitiren Daishonin. Esse ato nada mais é que uma ação maligna que distorce o

budismo e obstrui o caminho do Kossen-rufu mundial.

(Nova Revolução Humana, Editora Brasil Seikyo, vol. I, págs. 35–37.)

Portanto, para assumirmos algo que envolva religião, devemos estudar a doutrina que professamos para

discernirmos o correto caminho a seguir quando estivermos num impasse.