Texto Apoio Psicologia do Desenvolvimento

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    Sebenta de Textos dePsicologia do Desenvolvimento

    Celeste Duque 10-05-2011 1

    Psicologia do Desenvolvimento Celeste Duque1, 2004([email protected])

    1.INTRODUOO presente texto tem como objectivo fornecer aos alunos do Curso de Teraputica da Fala, da Universidadedo Algarve, da ESSaF, uma forma sinttica de estudar as Teorias da Personalidade consideradas maisadequadas no enquandramento do programa da disiciplina da Psicologia do Desenvolvimento. Por maislongo que possa parecer o desenvolvimento das mesmas, muito mais haveria a dizer sobre o assunto, peloque se recomenda a leitura das obras originais que constam da bibliografia ao aluno interessado emaprofundar um pouco mais os diversos conceitos.

    Aconselha-se igualmente a presena nas aulas, quer tericas quer terico-prticas j que nestas, e apesar dese fornecer o texto sntese da teoria apresentada, so referidos inmeros exemplos e a verbalizaoutilizada vai sempre de encontro s necessidades, dvidas e interesses dos alunos presentes, pelo que so

    nicas e irrepetveis. Fornecendo toda uma informao que no est escrita em nenhum livro, nem mesmonos apontamentos da disciplina, j que a se tem o cuidado de relacionarem conceitos do mbito daPsicologia do Desenvolvimento apresentando uma contextualizao histrica, e scio-cultural, socorrendo-se igualmente de outras reas de saber sempre que isso se mostre relevante para a melhor explicao eintegrao do conceito, por parte dos alunos.

    Posto isto passamos a apresentar uma sntese terica elaborada em 2001, e que foi totalmente revista paramelhor se adaptar ao Curso de Teraputica da Fala do ESSaF.

    Recomenda-se ainda a consulta dos apontamentos (Textos de Apoio) fornecidos na disciplina deIntroduo Psicologia2, em 2003-2004.

    2.TEORIAS DA PERSONALIDADEAntes de se abordarem as Teorias da Personalidade, propriamente ditas necessrio definir-se o que seentende por personalidade.

    2.1. Personalidade

    So padres ou elementos relativamente constantes, duradouros e permanentes de percepcionar, pensar,sentir e comportar-se que atribuem ou parecem atribuir aos sujeitos identidades separadas. Personalidade um constructo sumrio que inclui pensamentos, motivos, emoes, interesses, atitudes, capacidades eoutros fenmenos semelhantes.

    2.2. Instrumentos de estudo e metodologias

    Os diferentes autores que se debruam sobre o estudo da personalidade tentam compreender a sua naturezageral e, assim, explicar as diferenas inter-individuais.

    Para o estudo da personalidade de sujeitos especficos existem diversos instrumentos e metodologias. Nos primeiros inclumos as entrevistas e os testes de personalidade (testes objectivos e projectivos). Nossegundos, os mtodos clnico e experimental e a observao controlada (ver Texto de Apoio da disciplinade Introduo Psicologia).

    1Psicloga Clnica; Formadora; Executive Coach; Student Mentor & Coach.2 Sobre Metodologia em Psicologia e em Sade, bem como os textos referentes Personalidade (Teorias daPersonalidade e a Perspectiva Psicanaltica).

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    As pginas que se seguem so tradues mais ou menos livres de escritos de Sigmund Freud, de MargaretMahler e colaboradores. igualmente utilizado o Vocabulrio de Psicanlise, da autoria de Laplanche ePontalis, para maior clarificao de alguns dos conceitos psicanalticos aqui abordados.

    3.TEORIA PSICANALTICA DE SIGMUND FREUD

    3.1. Primeira Tpica do Aparelho Psquico (1 Tpica)

    A diviso da vida psquica em consciente e inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanlise,sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patolgicos, to frequentes e graves, da vida

    psquica e de os fazer entrar no quadro da cincia. Mais uma vez, e por outras palavras: a psicanliserecusa-se a considerar o consciente como constituindo a verdadeira essncia da vida psquica, mas v noconsciente uma qualidade simples desta ltima, podendo coexistir com outras qualidades, ou no surgir detodo.

    Estar consciente antes de mais uma expresso puramente descritiva e relaciona-se com a percepo

    mais imediata e segura. Mas a experincia mostra-nos que um elemento psquico (uma representao, porexemplo) nunca consciente de forma permanente. O que caracteriza melhor os elementos psquicos odesaparecimento rpido do seu estado consciente. Uma representao, consciente num dado momento, noo mais no momento seguinte, mas pode retomar ao consciente sob certas condies, fceis decompreender. No intervalo ignoramos o que ela . Podemos dizer que est latente, entendendo com istoque capaz de se tornar consciente a qualquer momento. Dizendo que uma representao ficou, nointervalo, inconsciente formulamos ainda uma definio correcta: este estado inconsciente coincide como estado latente e a capacidade de retornar ao consciente.

    Obtivemos o termo ou a noo de inconsciente utilizando experincias vividas em que intervm odinamismo psquico. Relembremo-nos que a teoria psicanaltica declara que se h algumasrepresentaes que so incapazes de se tomarem conscientes isto se deve a uma determinada fora que selhes ope. Sem essa fora elas poderiam tomar-se conscientes, o que nos permite constatar a reduzidadiferena com outros elementos psquicos oficialmente reconhecidos como tais. O que toma esta teoriairrefutvel que ela encontrou na tcnica psicanaltica um meio que permite vencer a fora de oposio ede trazer ao consciente estas representaes inconscientes. Ao estado em que estas representaes seencontram, antes de voltarem ao consciente, damos o nome de recalcamento. E quanto fora que

    produz e mantm o recalcamento dizemos que a sentimos, durante o trabalho analtico (teraputico), sob aforma de resistncia.

    A noo de recalcamento deduz-se, deste modo, da teoria do recalcamento. O que recalcado o prottipodo inconsciente. Sabemos entretanto que existem duas variedades de inconsciente: os factos psquicoslatentes, mas susceptveis de se tomarem conscientes, e os factos psquicos recalcados que, como tal,entregues a si mesmos, so incapazes de chegarem ao consciente. Esta maneira de encarar o dinamismo

    psquico no pode deixar de influenciar a terminologia e a descrio. Assim, dizemos que os factos psquicos latentes, isto , inconscientes ao nvel descritivo mas no ao nvel dinmico, so factos pr-conscientes. E reservamos a palavra inconsciente para os factos psquicos recalcados, isto ,dinamicamente inconscientes. Deste modo, estamos na posse de trs termos: consciente,pr-consciente einconsciente, em que o significado no mais puramente descritivo.

    Estes trs termos (consciente, pr-consciente e inconsciente) so fceis de manipular e do-nos uma grandeliberdade de movimentos, sob a condio de no esquecermos que, se do ponto de vista descritivo h duasvariedades de inconsciente, s h uma do ponto de vista dinmico. Nalguns casos podemos fazer umaexposio negligenciando estas distines mas noutros ela indispensvel. Seja como for, estamossuficientemente acostumados a este duplo significado de inconsciente.

    3.2. Segunda Tpica do Aparelho Psquico (2 Tpica)

    Mas as pesquisas posteriores mostraram que estas distines eram, elas tambm, insuficientes einsatisfatrias.

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    Admitimos que a vida psquica funo dum aparelho ao qual atribumos uma extenso espacial e quesupomos formado por diversas partes, Vemo-lo como uma espcie de telescpio, de microscpio ou algodo gnero. A construo e o acabamento duma tal concepo so uma novidade cientfica, apesar dastentativas anlogas que j foram feitas.

    Foi o estudo da evoluo dos indivduos que permitiu o conhecimento deste aparelho psquico. maisarcaica das instncias psquicas constituintes deste aparelho damos o nome de Id. O seu contedo abrangetudo o que o ser traz consigo ao nascer, tudo o que constitucionalmente determinado, isto e antes demais, as pulses emanadas da organizao somtica e que encontram no Id, sob formas que nos sodesconhecidas, um primeiro modo de expresso psquica. Todo o material que se encontra no Id est sob aforma inconsciente. No Id encontram-se quer as pulses de auto-conservao quer as pulses dedestruio.

    Sob influncia do mundo exterior real que nos cerca, uma fraco do Id sofre uma evoluo particular. Apartir da camada cortical original, fornecida com rgos aptos a percepcionar os estmulos assim como a se proteger contra eles, estabelece-se uma organizao especial que, desde logo, vai servir de intermedirioentre o Id e o exterior, a esta fraco do nosso psiquismo que damos o nome deEgo.

    3.2.1. Principais caractersticas do Ego

    No seguimento das relaes j estabelecidas entre a percepo sensorial e as aces musculares, o Egodispe do controlo dos movimentos voluntrios. Assegura a auto-conservao e, no que diz respeito aoexterior, assegura a sua tarefa aprendendo a conhecer os estmulos, acumulando (na memria) asexperincias que eles lhe fornecem, evitando os estmulos demasiado fortes (pela fuga), acomodando-seaos estmulos moderados &ela adaptao) e, por fim, chegando a modificar de forma apropriada e para seu

    prprio proveito o mundo exterior (atravs da actividade). No interior, dirige uma aco contra o Id,adquirindo o controlo das exigncias pulsionais e decidindo se elas podem ser satisfeitas ou se convmadiar esta satisfao at ao momento mais favorvel, ou ainda se necessrio simplesmente sufoc-lascompletamente. Na sua actividade, o Ego guia-se pela tomada em considerao das tenses provocadas

    pelos estmulos de dentro e de fora. Um acrscimo de tenso provoca geralmente o desprazere a suadiminuio gera oprazer.

    De qualquer modo, o prazer e o desprazer no dependem provavelmente do grau absoluto das tenses masmais do ritmo das variaes destas ltimas. O Ego tende para o prazer e a evitar o desprazer. A todo oaumento esperado (previsto) de desprazer corresponde umsinal deangstia, e o que dispara este sinal, dedentro ou de fora, denomina-seperigo. De tempos a tempos o Ego, quebrando os laos que o unem aomundo exterior, retira-se para o sono, onde modifica notavelmente a sua organizao. O estado de sono

    permite constatar que este modo de organizao consiste numa certa repartio particular de energiapsquica.

    Durante o longo perodo de infncia que o indivduo atravessa e durante o qual depende dos seus pais oindivduo em curso de evoluo v formar-se no seu Ego, como que por uma espcie de precipitado, uma

    instncia particular atravs da qual se prolonga a influncia parental. Esta instncia o Super-Ego. Namedida em que se destaca do Ego ou se ope a ele, o Super-Ego constitui um terceiro poder que o Ego obrigado a ter em conta.

    considerado como correcto todo o comportamento do Ego que satisfaz em simultneo as exigncias doId, do Super-Ego e da realidade, que se produz quando o Ego consegue conciliar estas diversas exigncias.Sempre e seja qual for o contexto social, as particularidades das relaes entre o Ego e o Super-Egotomam-se melhor compreensveis se as relacionarmos com as relaes da criana com os pais. evidenteque no s a personalidade dos pais que age sobre a criana mas, transmitidas atravs deles, a influnciadas tradies familiares, raciais e nacionais, assim como as exigncias do meio social imediato que elesrepresentam. Ao longo da sua evoluo, o Super-Ego dum sujeito modela-se tambm pelos sucessores ousubstitutos dos pais (certos educadores ou personalidades que representam no seio da sociedade ideais

    respeitados, por exemplo). Vemos que, apesar da sua diferena funcional, o Id e o Super-Ego tm umponto em comum: ambos representam o papel do passado. O Id, o papel da hereditariedade. O Super-Ego,o papel que pediu emprestado a outros. Pelo seu lado, o Ego sobretudo determinado pelo que oindivduo viveu, isto , o acidental, o actual.

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    Segundo Freud, h dois princpios que regem o funcionamento mental: o princpio do prazer e o princpioda realidade. Segundo o princpio do prazer, a actividade psquica no seu conjunto tem por objectivo evitaro desprazer e proporcionar o prazer. Na medida em que o desprazer est ligado ao aumento dasquantidades de excitao e o prazer sua reduo, o princpio do prazer um princpio econmico, O

    princpio da realidade forma par com o princpio do prazer e modifica-o. Na medida em que o princpio darealidade se consegue impor como princpio regulador, a procura da satisfao j no se efectua peloscaminhos mais curtos, mas toma por desvios e adia o seu resultado em funo das condies impostas pelomundo exterior.

    3.3. A Evoluo Psicossexual

    A expresso relao de objecto prpria da psicanlise e pode desorientar um pouco aqueles nofamiliarizados com os textos psicanalticos. Objecto deve ser neles tomado no sentido especfico que

    possui em psicanlise em expresses como escolha de objecto ou amor de objecto. sabido que uma pessoa, na medida em que visada pelas pulses, qualificada de objecto. Isto nada tem de pejorativo,nada em especial que implique que a qualidade de sujeito seja por esse facto recusada pessoa em causa.

    Relao deve ser tomado na plena acepo da palavra: trata-se de facto de uma inter-relao, isto , noapenas da forma como o sujeito constitui os seus objectos, mas tambm da forma como estes modelam asua actividade.

    O de (que est onde poderamos esperar um com o) vem acentuar esta inter-relao. Efectivamente, falarde relao com o objecto ou com os objectos implicaria que estes preexistem relao do sujeito com elese, simetricamente, que o sujeito est j constitudo.

    sabido que Freud, numa preocupao de anlise do conceito de pulso, distinguiu a fonte, o objecto e oalvo pulsionais. A fonte a zona ou aparelho somtico sede da excitao sexual; a sua importncia aosolhos de Freud demonstrada pelo facto das diversas fases da evoluo libidinal serem designadas pelonome da zona ergena predominante (Laplanche & Pontalis, 1990, pp. 577-578).

    As fases pr-genitais da evoluo libidinal apoiam-se inicialmente em actividades directamenterelacionadas com as pulses de auto-conservao.

    A primeira fase da evoluo libidinal a fase oral: o prazer sexual est ento ligado de formapredominante excitao da cavidade bucal e dos lbios que acompanha a alimentao. A actividade denutrio fornece as significaes electivas pelas quais se exprime e se organiza a relao de objecto. Porexemplo, a relao de amor com a me ser marcada pelas seguintes significaes: comer e ser comido. Aactividade de chupar assume a partir da poca de amamentao um valor exemplar, que permite a Freudmostrar como a pulso sexual (que a princpio se satisfaz apoiada numa funo vital) adquire autonomia ese satisfaz de forma auto-ertica (auto-satisfao das necessidades sexuais).

    A segunda fase da evoluo libidinal, segundo Freud, a fase anal-sdica que podemos situaraproximadamente entre os 2 e os 4 anos. Esta fase caracterizada por uma organizao da lbido sob o

    primado da zona ergena anal; a relao de objecto est impregnada de significaes ligadas funo dedefeco (expulso-reteno) e ao valor simblico das fezes.

    A fase flica a fase da organizao da lbido que vem depois das fases oral e anal, e e caracterizada poruma unificao das pulses parciais sob o primado dos orgos genitais. Mas, o que j no ser o caso daorganizao genital pubertria, a criana (de sexo masculino ou de sexo feminino) s conhece um nicorgo genital, o rgo masculino, e a oposio dos sexos equivalente oposio flico-castrado. A faseflica corresponde ao momento culminante e ao declnio do complexo de dipo. O complexo de castrao aqui dominante.

    Por fim, a fase genital a fase do desenvolvimento psicossexual caracterizada pela organizao das pulses parciais sob o primado das zonas genitais. Esta fase compreende dois perodos, separados pelo

    perodo de latncia: o perodo flico (ou organizao genital infantil fase flica) e a organizao genital,propriamente dita, que se institui na puberdade.

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    Em termos do desenvolvimento psicossexual, e caso o sujeito se fixe numa das fases pr-genitais acimadescritas (fixao libidinal), ele fica marcado por experincias infantis, mantm-se ligado de forma mais oumenos disfarada a modos arcaicos de satisfao, a tipos arcaicos de objecto ou de relao. A fixao liga-se teoria da lbido e define-se pela persistncia, particularmente manifesta nas perverses, decaractersticas anacrnicas de sexualidade: o indivduo exerce certos tipos de actividade ou ento

    permanece ligado a algumas caractersticas do objecto cuja origem se pode encontrar em certo edeterminado momento da vida sexual infantil.

    Com o desenvolvimento da teoria das fases pr-genitais do desenvolvimento psicossexual (fases oral, anal-sdica e flica) a noo de fixao assume nova extenso: pode no incidir apenas sobre um alvo ou umobjecto libidinal parcial, mas tambm sobre toda a estrutura da actividade caracterstica de uma dada fase.Assim, a fixao na fase anal est na origem da neurose obsessiva e de certo tipo de carcter. A fixaolibidinal desempenha um papel predominante na etiologia dos diversos distrbios psquicos, o que levou adeterminar a sua funo nos mecanismos neurticos. A fixao est na origem do recalcamento e podemesmo ser considerada como o primeiro momento do recalcamento tomado no sentido lato.

    4.MARGARET MAHLER

    4.1. Nascimento psicolgico do ser humano

    O momento do nascimento biolgico do recm-nascido e o momento do nascimento psicolgico doindivduo no coincidem. O primeiro um acontecimento dramtico, observvel e bem circunscrito. Osegundo um processo intra-psquico que se desenvolve lentamente.

    O adulto normal, ou quase normal, considera como um dom inato, como sendo natural, a experincia quetem de si mesmo como de um ser ao mesmo tempo e bem separado do mundo exterior. Ele oscila, commais ou menos facilidade e segundo diferentes ritmos de alternncia e de simultaneidade, entre aconscincia de si e a receptividade sem tomada de conscincia de si. Mas, tambm aqui, estamos face a um

    processo que se desenvolve lentamente.

    Chamamos ao nascimento psicolgico do indivduo o processo de separao-individuao: face a ummundo de realidade, a aquisio do sentimento, em simultneo, de estar separado e em relao, sobretudono que diz respeito aoseu prprio corpo e ao objecto de amor primrio, que o principal representante douniverso tal como ele experimentado pelo recm-nascido, Como todos os processos intrapsquicos,

    possui repercusses ao longo de toda a vida. No tem fim e est sempre activo: as novas fases do ciclo davida so ocasies para novas derivaes dos primeiros processos sempre em construo. Mas asrealizaes psicolgicas principais deste processo completam-se ao longo do perodo que vai do 4-5 msat ao 35-36 ms de vida. Este perodo designa-se porfase de separaco-individuao.

    Desde o incio a criana forma-se e desenvolve-se na matriz de unidade dual me-beb. Sejam quais forem

    as adaptaes ao seu beb que a me possa realizar, quer ela seja sensitiva e emptica quer no,continuamos firmemente, convencidos que a capacidade de adaptao da criana, nova e flexvel, e a suanecessidade de adaptao (tendo em vista a obteno da satisfao), ultrapassam largamente ascapacidades da me, cuja personalidade, com todos os seus padres de carcter e de defesa, est finalizadae estabelecida, e muitas vezes rgida. O beb modula-se em harmonia e em contraponto maneira e aoestilo da me (representando ela mesmo, para uma tal adaptao, um objecto so ou patolgico).

    De um ponto de vista metapsicolgico, o aspecto dinmico o conflito entre pulso e defesa revela-semuito menos importante nos primeiros meses de vida do que mais tarde, pois que a estruturao da

    personalidade criar conflitos intra e intersistmicos de primeira importncia. A tenso, a angstiatraumtica, a fome biolgica, o aparelho do Ego e a homeostasia so conceitos quase biolgicos,

    pertinentes nos primeiros meses e precursores, respectivamente, da angstia de contedo psicolgico, do

    sinal de angstia, das pulses orais e outras, das funes do Ego e dos mecanismos de regulao interna(defesa e traos do carcter), O ponto de vista da adaptao dos mais pertinentes na primeira infncia obeb nascendo da prpria convergncia das exigncias de adaptao a que submetido. Felizmente, estasexigncias encontram no beb, com personalidade flexvel pois ainda no est formada, uma capacidade de

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    se deixar modelar pelo e a se conformar ao seu ambiente. Esta capacidade do beb se conformar aoselementos do seu ambiente encontra-se j presente desde a primeira infncia.

    O trabalho desenvolvido por Margaret Mahler trata essencialmente da realizao cognitivoafectiva daconscincia de ser separado (condio essencial a uma verdadeira relao de objecto) e do papel dos

    aparelhos do Ego por exemplo, a motilidade, a memria e a percepo) e de funes do Ego maiscomplexas (a prova da realidade, por exemplo) no acesso a um tal consciente. Mahler tenta mostrar como arelao de objecto se desenvolve depois do narcisismo infantil, simbitico ou primrio, e em paralelo coma realizao da separao e da individuao, Como o funcionamento do Ego e o narcisismo secundrionascem na relao com a me, de incio narcsica e depois objectal.

    Antes de mais, emprega-se o termoseparao ou sentimento de estar separado em referncia realizaointra-psquica dum sentimento de estar separado da me e, deste modo, do universo no seu conjunto. Estesentimento de estar separado leva gradualmente a representaes intra-psquicas claras do Eu distinto dasrepresentaes do mundo objectal. Naturalmente, no curso normal dos acontecimentos que marcam odesenvolvimento (as separaes fsicas reais da me de rotina ou outras por exemplo) so, para acriana, contribuies importantes para o seu sentimento de ser uma pessoa separada. Mas o objecto dos

    estudos de Margaret Mahler o sentimento de ser um indivduo separado e no o facto de estar fisicamenteseparado de algum. (Com efeito, nalgumas condies anormais o facto fsico da separao pode conduzira uma negao com cada vez maior pnico ao facto de estar separado e ao delrio de unio simbitica).

    Em segundo lugar, e de modo semelhante, recorre-se ao termosimbiose para designar uma condio intra- pessoal e no um comportamento. Este estado fruto duma deduo, pois est para alm da observaodirecta.

    Em terceiro lugar, descrevem-se o autismo infantil e a psicose simbitica como dois distrbios extremos dapersonalidade. O termo identidade empregue no sentido da primeira conscincia dum sentimento de ser,de entidade sentimento que compreende em parte um investimento de energia libidinal dirigida para ocorpo. O que est em jogo no o sentimento de quem eu sou mas o sentimento de ser. E por isso o

    primeiro passo dum processo de desenvolvimento da individualidade.

    Qual a maneira normal de vir a ser um indivduo separado, a que as crianas psicticas no tm acesso?A que se parece o processo de ecloso no beb normal? Como compreender ao pormenor ascontribuies da me para este processo como catalisadora, iniciadora, organizadora?

    4.1.1. Fases anteriores ao Processo de separao-individuao

    Nas semanas que antecedem a evoluo para a simbiose, o recm-nascido conhece mais correntemente osestados prximos do sono que os estados de viglia. Estes estados lembram o estado arcaico de distribuiolibidinal que predomina ao longo da vida intra-uterina sob o modelo dum sistema mondico fechado,autosuficiente na satisfao alucinatria do desejo.

    Na fase autistica normal, temos uma ausncia relativa de investimento dos estmulos exteriores(especialmente da percepo distncia). o perodo onde aparece mais claramente a barreira de

    proteco contra os estmulos, a tendncia inata do beb a no responder aos estmulos exteriores, O bebpassa a maior parte do seu dia num estado meio acordado, meio a dormir: acorda sobretudo quando a fomeou outras tenses o levam a gritar, para de seguida cair de novo no sono quando est saciado, isto ,quando h um alvio da sobrecarga de tenses. So os fenmenos fisiolgicos, mais que os psicolgicos,que predominam e a funo deste perodo concebe-se melhor em termos fisiolgicos. O beb encontra-se

    protegido contra as estimulaes extremas, numa situao prxima do estado pr-natal, tendo em vistafacilitar o seu crescimento fisiolgico.

    Conceptualizando metaforicamente este estado sensorial, utilizamos a expresso autismo normal paracaracterizar as primeiras semanas de vida. So os prprios cuidados maternais que fazem com que o bebefectue gradualmente a passagem duma tendncia inata regresso vegetativa para uma conscincia

    sensorial acrescida do meio envolvente e um melhor contacto com ele. Em termos de energia ou deinvestimento libidinal, isto pode traduzir-se pela necessidade de operar um deslocamento da lbido desde ointerior do corpo particularmente dos rgos abdominais) para a sua periferia.

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    Ao autismo normalsegue-se uma etapa de conscincia difusa para o beb de que no pode satisfazer assuas prprias necessidades, que esta satisfao vem de alguma parte exterior a si. E isto designa-se pornarcisismo primrio da fase simbitica nascente.

    A vida acordada do recm-nascido concentra-se em tomo dos seus esforos incessantes para realizar a

    homeostasia. O beb no consegue nem isolar os efeitos dos cuidados matemos, que lhe reduzem a fome,nem os diferenciar dos seus esforos para reduzir a tenso pelos seus prprios meios, tal como urinar,defecar, tossir, arrotar, vomitar meios pelos quais a criana tenta desfazer-se de uma tenso desagradvel.O efeito destes fenmenos de expulso, tanto como a gratificao obtida pelos cuidados matemos, ajudamo beb, no momento oportuno, a diferenciar uma qualidade de experincia boa/agradvel de uma outram/dolorosa. A partir do 2 ms, uma conscincia difusa do objecto de satisfao das necessidadesmarca o comeo da fase de simbiose normal, na qual o beb se comporta e funciona como se a sua me eele formassem um sistema omnipotente uma unidade dual no interior dum s limite comum. nestemomento que comea a haver falhas na barreira quase slida (negativa porque no investida) de protecocontra os estmulos a concha autstica que parava os estmulos exteriores, Graas ao deslocamento doinvestimento para a periferia sensrio-perceptiva, comea-se a formar um pra-excitaes, protector mastambm receptivo e selectivo, investido positivamente, que comea a envolver a esfera simbitica daunidade dual me-criana.

    evidente que se o beb depende de maneira absoluta do parceiro simbitico, a simbiose toma um sentidodiferente para o parceiro adulto da unidade dual. A necessidade que o beb tem da sua me absoluta; anecessidade que a me tem do seu beb relativa. Neste contexto, o termo simbiose uma metfora. Nodescreve, como o conceito biolgico de simbiose, o que se passa realmente numa relao mtua benficaentre dois indivduos separados de espcies diferentes. Descreve antes um estado de indiferenciao, defuso com a me, no qual o eu no se diferencia ainda do no-eu e onde o dentro e o fora s vmgradualmente a serem sentidos como diferentes. Toda a percepo desagradvel, interna ou externa,

    projectada para l do limite comum do meio interior simbitico que inclui a gestalt do parceiro adultodurante os cuidados maternos. E somente de maneira passageira que o beb parece receber os estmulos

    provenientes do exterior do meio simbitico. O investimento libidinal fixado na esfera simbitica substitui

    a barreira inata de proteco contra os estmulos e protege o Ego rudimentar de toda a tenso prematura eno adaptada, de todo o traumatismo de tenso. O carcter essencial da simbiose uma fuso somato-

    psquica omnipotente, alucinatria ou delirante, representao da me e, em particular, ideia delirantedum limite comum entre dois indivduos fisicamente separados. E a este mecanismo que regride o Ego noscasos mais graves de individuao e de desorganizao psictica, descritos como psicose simbitica dacriana.

    A funo e os meios de auto-conservao esto atrofiados na espcie humana. O Ego rudimentar (aindano funcional) do recm-nascido e do jovem beb deve receber em complemento o apoio emocional doscuidados atentos da me, espcie de simbiose social. no seio desta dependncia fisiolgica e scio-

    biolgica da me que se opera a diferenciao estrutural que conduz organizao adaptativa do indivduo:o Ego no seu conjunto de funes. O autismo normale asimbiose normalso os dois primeiros estdios de

    no indiferenciao, o primeiro an-objectal, o segundo pr-objectal. Ambos aparecem antes dadiferenciao da matriz indiferenciada, isto , antes que sejam produzidas a separao e a individuao e aemergncia do Ego rudimentar como estrutural funcional. Afase simbitica normalcaracteriza-se no beb

    por um acrscimo do investimento preceptivo e afectivo de estmulos que definimos como provenientes domundo exterior, mas que o beb, segundo a nossa concepo, no reconhece claramente a origem exterior.O beb comea por estabelecer ilhotas mnsicas mas no ainda uma diferenciao entre o interior e oexterior, o Eu e o outro. O mundo torna-se cada vez mais investido, sobretudo a pessoa da me, mas comounidade dual, com um Eu ainda no claramente demarcado, nem cercado de fronteiras, nemexperimentado. O investimento na me representa a principal realizao psicolgica desta fase. Mas h,ainda, continuidade com o que se passar de seguida.

    Sabemos que o beb responde de modo diferenciado aos estmulos provenientes do interior e aos do

    exterior (a luz, por exemplo, ser objecto duma experincia diferente da fome). Mas, se no queremospostular a existncia de representaes inatas, temos boas razes para presumir que a criana no tem nemconceito nem esquema de si e do outro ao qual atribuir e assimilar essas diferenas de estmulos. Pensamosque a experincia do interior e do exterior se encontra ainda vaga: o objecto mais investido, a me, ainda

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    um objecto parcial. Os cuidados matemos e o jogo com a criana (segur-la, apoi-la, peg-la ao colo,sustent-la, limp-la, mexer nela...) so essenciais para a demarcao do Eu corporal no interior da matrizsimbitica. Estas representaes constituem o esquema corporal. A partir deste momento, asrepresentaes do corpo que fazem parte do Ego rudimentar formam uma ligao entre as percepesinternas e externas. Isto corresponde ideia de Freud que o Ego se modela pelo impacto da realidade, porum lado, e pelas pulses, por outro, O Eu corporal compreende dois tipos de representaes de si: umncleo interno do esquema corporal, em que o limite se volta para o interior do corpo e o separar do Ego; eum envelope externo de engramas sensrio-perceptivos, que contribuem para os limites do corpo prprio.

    As sensaes internas do beb constituem o ncleo do Eu. Elas permanecem o ponto central, cristalizadas,do sentimento de si em tomo do qual se estabelecer um sentimento de identidade, O rgo sensrio-

    perceptivo (o envelope externo do Ego Freud) contribui essencialmente para delimitar oEu do mundoobjectal. As duas espcies de estruturas intrapsquicas formam em conjunto o quadro de auto-orientao.

    No seio da esfera simbitica comum, pode-se dizer que os dois parceiros ou plos da diade polarizam os processos de organizao e de estruturao. As estruturas derivadas deste duplo quadro de refernciarepresentam uma base qual todas as experincias devero ser associadas antes de se tornarem no Egorepresentaes claras e unificadas do Eu e do mundo objectal. Spitz diz que a me o Ego auxiliar do

    beb. Do mesmo modo, o comportamento de apoio do parceiro materno, a sua preocupao maternaprimria o organizador simbitico, a parteira da individuao, do nascimento psicolgico.

    4.1.2. Processo de separao-individuao

    O processo de separao-individuao ocorre em quatro sub-fases. Numa primeira sub-fase verifica-se adiferenciao e desenvolvimento corporal. Na segunda sub-fase sinnimo de ensaios. Ao nvel daterceira sub-fase verifica-se a procura da reaproximao em relao me ou aos objectos. E, por fim, naquarta sub-fase observa-se a consolidao da individualidade e incio da permanncia do objectoemocional

    4.1.2.1. 1 Subfase: Diferenciao e desenvolvimento do esquema corporal

    Por altura do 4 ou 5 ms, no momento culminante da simbiose, os fenmenos do comportamentoparecem indicar o comeo da primeira subfase da separao-individuao, isto , a diferenciao. Ao longodos meses de simbiose, o beb familiarizou-se com a metade ma terna do seu Eu simbitico, tal comoindica o sorriso no especfico e social. Esse sorriso toma-se gradualmente a resposta especfica

    preferencial do sorriso da me, sinal decisivo que um lao especfico se estabeleceu entre o beb e a suame.

    Freud sublinha o facto de que as percepes interiores so mais fundamentais e mais elementares que aspercepes exteriores. Estas percepes interiores so respostas do corpo a si mesmo e aos rgos internos,Greenacre sustenta que os estados de troca entre a tenso e a relaxao parecem... constituir uma espciede ncleo duma conscincia difusa do corpo.

    Os padres do que constitui o ncleo no so acessveis atravs da observao, mas esta permite estudar oscomportamentos que, pelo mecanismo de reflexo em espelho, servem para a demarcao do Eu e dooutro. Jacobson sublinha o facto de que a capacidade de distinguir os objectos se desenvolve maisrapidamente que a capacidade de distinguir entre o eu e os objectos. Podemos ver o beb moldar-se aocorpo da sua me ou distanciando-se dele, Sentir o seu prprio corpo e o da me, e manipular os objectostransicionais. Hofier acentua a importncia do tocar e mexer no processo de formao dos limites eigualmente a importncia da libidinizao do corpo do beb pela sua me, Greenacre chama a atenosobre a aproximao dum sentimento de unicidade sob o efeito do corpo quente da me, que representaum grau relativamente pequeno de diferena de temperatura, textura e odor. Estas diferenas relativamente

    pequenas podem provavelmente ser facilmente assimiladas pelos esquemas sensrio-motores do beb.

    Quando o prazer interior originado numa fixao segura na esfera simbitica continua e que o prazerligado percepo sensorial exterior (viso ou olhar e, provavelmente, audio ou escuta exterior), em viade maturao crescente, estimula o investimento da ateno dirigida para o exterior, ento estas duasformas de investimento da ateno podem oscilar livremente. O resultado deveria ser um estado simbiticoptimo. de onde pode nascer uma diferenciao sem dor uma expanso fora da esfera simbitica. O

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    processo de ecloso uma evoluo ontogentica gradual do sensrio o sistema percepo-conscincia que favorece no beb, desde que esteja acordado, um sensrio mais constantemente alerta.

    Isto , a ateno do beb, que nos primeiros meses da simbiose era dirigida em larga medida para ointerior, ou concentrada duma maneira vagamente cinestsica no interior da esfera simbitica, expande-se

    progressivamente com o comeo de uma actividade perceptiva dirigida para o exterior ao longo dos perodos de viglia cada vez maiores do beb. E uma mudana mais de grau que de espcie porque, noestado simbitico, o beb certamente que se manteve atento figura materna. Mas esta ateno combina-segradualmente com umstockcrescente de traos mnsicos das idas e vindas da me, das experincias boase ms, sendo que estas ltimas no podiam de nenhuma maneira ser aliviadas pelo Eu, mas o beb podiaantecipar com confiana o alivio trazido pelos cuidados da me,

    A partir dos 6 meses comea, a ttulo de tentativa, a experimentao da separao-individuao. Podemosfazer a observao a partir dos comportamentos do beb, tais como puxar os cabelos, as orelhas e o nariz,meter os alimentos na boca da me, tentar afastar o seu corpo do da me a fim de ter uma melhor visodela, explorar visualmente a sua me e o ambiente. Isto contrasta com o simples facto de se moldar aocorpo da me, sendo pegado por ela. H sinais precisos do facto de que o beb comea a diferenciar o seu

    prprio corpo do da sua me. Entre os e os 7 meses o ponto culminante da explorao manual, tctil evisual do rosto da me e das suas partes tanto cobertas como descobertas. E ao longo destas semanas que o

    beb vai descobrir, com fascnio, um colar, um par de culos ou outro adorno usado pela me. Podemexistir jogos de esconde-esconde (O beb no est. Est! Est!) nos quais o beb joga ainda um papel

    passivo. Estes padres de explorao transformam-se mais tarde numa funo cognitiva de verificao dono familiar oposto ao j conhecido. Tocar e absorver as diversas partes do corpo pelos olhos (viso) ajudaa reunir o corpo numa imagem central para alm do nvel da simples conscincia sensorial imediata.

    ao longo da primeira subfase da separao-individuao que todos os bebs normais efectuam as suasprimeiras tentativas de ruptura, no sentido corporal, com o seu estado (at agora completamente passivo)de beb-ainda-ao-colo o estado de unidade dual com a me. Todas as crianas gostam de se aventurar econtinuar a uma distncia ligeira dos braos envolventes da me. Desde que tenham a capacidade motora,

    gostam de se deixar deslizar pelos joelhos da me, mas tm tendncia a ficar o mais perto possvel da me,ou a ela retomarem para brincar.

    A partir dos 7 ou 8 meses o padro visual de reverificao junto da me o sinal relativamente estvelmais importante do comeo da diferenciao somato-psquica. Parece ser, de facto, o padro normal dodesenvolvimento cognitivo e afectivo mais importante.

    O beb inicia uma explorao comparativa. Comea a interessar-se pela me e parece compar-la com ooutro, o no familiar com o familiar, caracterstica por caracterstica. Parece familiarizar-se de modo maisaprofundado com o que a me, lhe d a mesma sensao, tem o mesmo gosto e cheira como ela, se

    parece com ela e faz o mesmo som que ela. A par da aprendizagem da me enquanto me, faz tambma descoberta do que pertence ou no pertence ao corpo da me um colar ou uns culos, Comea aestabelecer uma discriminao entre a sua me e aquela ou aquele que se lhe parece ou no, que lhe d umasensao parecida ou no e se desloca da mesma maneira ou diferente da da me.

    Os primeiros padres de diferenciao parecem no ser s duma grande racionalidade em termos darelao me-criana e do talento particular de cada criana, mas parecem igualmente desencadear os

    padres de organizao da personalidade que aparentemente persistem no desenvolvimento futuro doprocesso de separao-individuao, e provavelmente mais alm. E a necessidade especfica inconscienteda me que, a partir das potencialidades infinitas do beb, vai acordar aquelas em particular que criam paracada me a criana que reflecte as suas prprias necessidades nicas e individuais. Este processodesenvolve-se nos limites dos talentos inatos da criana.

    Os bebs e as mes que tiveram prazer numa fase simbitica sem demasiados conflitos, aqueles bebs queficaram saturados, mas no super-saturados, ao longo deste perodo de unicidade importante com a sua

    me, comeam no momento normal a mostrar os sinais de diferenciao activa, afastando-se ligeiramentedo corpo da me. Pelo contrrio, nos casos em que havia ambivalncia e parasitismo, intruso,sufocamento por parte da me a diferenciao mostra perturbaes em diversos graus e sob diferentes

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    formas. Noutros casos, em que a me agia claramente segundo as suas prprias necessidades simbitico-parasitrias mais do que em funo do beb, a diferenciao instala-se de modo quase veemente.

    no fim do primeiro ano e nos primeiros meses do segundo que podemos ver que h no processointrapsquico da separao-individuao duas linhas de desenvolvimento, interligadas mas no tendo

    sempre a mesma amplitude ou uma progresso proporcional. Uma destas linhas a individuao, aevoluo da autonomia, da percepo, da memria, da cognio, da prova da realidade. A outra e a linhaintrapsquica do desenvolvimento da separao, que leva diferenciao, distanciao, formao doslimites e ao afastamento da me. Todos estes processos de estruturao culminaro eventualmente emrepresentaes interiorizadas do Eu, que so distintas das representaes interiores do objecto.

    Os fenmenos comportamentais superficiais do processo de separao-individuao podem ser observadosem inmeras variaes subtis como acompanhando o desenvolvimento psquico. As situaes ptimas

    parecem ser aquelas em que a conscincia da separao corporal em termos da diferenciao da meseguem paralelamente (isto , no esto muito para trs nem muito para a frente) ao desenvolvimento dofuncionamento autnomo do beb cognio, percepo, memria, prova da realidade, etc., isto , as

    funes do Ego que servem individuao.

    4.1.2.2. 2 Subfase: Ensaios

    O perodo dos ensaios segue-se subfase de diferenciao. Podemos subdividir o perodo dos ensaios emduas partes:

    1. O primeiro perodo dos ensaios, que se caracteriza pela capacidade do beb em se afastar fisicamente da suame rastejando, gatinhando, trepando, e pondo-se em p demorando-se sempre

    2. O perodo dos ensaios propriamente dito, caracterizado do ponto de vista fenomenolgico pela locomoolivre em posio vertical.

    H pelo menos trs desenvolvimentos interligados mas identificveis que contribuem para os primeirosprogressos da criana para a conscincia de estar separada e para a identificao: a diferenciao corporalface me; o estabelecimento duma ligao especfica com ela; o crescimento e o funcionamento dos

    aparelhos autnomos do Ego em relao estreita com a me.Este desenvolvimento parece abrir a possibilidade ao beb de estender o seu interesse pela me paraobjectos inanimados apresentados por ela cobertor, almofada, brinquedo, o bibero antes da separao

    para a noite. O beb explora visualmente estes objectos e examina o seu gosto, a sua textura e o seu odoratravs dos rgos perceptivos de contacto, em particular a boca e as mos, Seja qual for a fase dediferenciao, caracterstico deste primeira etapa de ensaios que, apesar do interesse e da absoro destasactividades, o interesse pela me que parece tomar decisivamente a prioridade.

    A maturao da locomoo e das outras funes ao longo do primeiro perodo de ensaios tem um efeitodos mais salutares nas crianas que conheceram uma relao simbitica intensa mas inconfortvel. Parece

    plausvel que isto esteja ligado, pelo menos em parte, a um processo simultneo de desprendimento

    satisfatrio por parte das mes. Estas mes, que estavam angustiadas por no poderem acalmar a afliodos seus bebs ao longo das fases de simbiose e de diferenciao, ficam agora mais aliviadas por verem osseus filhos tomarem-se menos frgeis, menos vulnerveis e um pouco mais independentes. Estas mes e osseus filhos no conseguiram ter prazer no contacto fsico estreito, mas podem ambos ter agora prazer auma distncia ligeiramente maior. Estas mesmas crianas tornam-se mais calmas e mais capazes derecorrerem s suas mes para encontrarem conforto e segurana.

    Pelo contrrio, podemos observar um outro padro de interaco me-criana ao longo do primeiro perododos ensaios naquelas crianas que procuravam mais activamente a proximidade fsica da me, crianascujas mes tinham a maior dificuldade em entrar em relao com elas ao longo do processo dediferenciao activo. Estas mes apreciavam a proximidade da fase simbitica, mas uma vez esta fase

    passada, elas gostariam de ver os seus filhos tomarem-se grandes duma s vez. E interessante notar queestas crianas acham difcil crescer. So incapazes de ter prazer na sua capacidade nascente de sedistanciarem e reclamam muito activamente a proximidade.

    A capacidade de locomoo crescente ao longo da primeira subfase dos ensaios alarga o universo dacriana. No s tem um papel mais activo na determinao da proximidade e da distncia me, mas as

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    modalidades utilizadas at ai para explorar um ambiente relativamente familiar expem-no, de sbito, a ummaior segmento da realidade: h mais para ver, mais para ouvir, mais para tocar. O modo de experimentareste universo novo parece subtilmente ligado me, ainda o centro deste universo da criana, donde ela saigradualmente por crculos cada vez mais largos.

    As primeiras exploraes servem para:1. Estabelecer uma familiaridade com um segmento maior do universo;2. Percepcionar e reconhecer a me, a ter prazer com ela a uma distncia maior. So as crianas que tm um

    melhor contacto distncia com a me que se aventuram mais longe dela.

    Um beb que esteja neste perodo dos ensaios ocupa-se alegremente a explorar por si mesmo o seuambiente fsico. De tempos a tempos volta sua me para efectuar uma recarga emocional. Normalmente,a me aceita este desprendimento gradual do seu beb e encoraja o seu interesse pelos ensaios. Estemocionalmente disponvel, atenta s necessidades da criana, e assegura este apoio materno necessrio aum desenvolvimento ptimo das funes autnomas do Ego.

    Quando a criana, graas maturao do seu aparelho de locomoo, se tenta aventurar a uma maior

    distncia em relao sua me, Est muitas vezes to absorvida nas suas prprias actividades que, durantelongos perodos de tempo, esquece aparentemente a presena da me. Contudo, volta a ela regularmente,parecendo ter necessidade de vez em quando da sua proximidade fsica.

    A distncia ptima, neste primeiro perodo dos ensaios, parece ser aquela que d criana a liberdade de sedeslocar, de explorar gatinhando e a oportunidade de explorar a uma certa distncia fsica da me. Enecessrio notar, contudo, que ao longo de toda a subfase dos ensaios a me continua a ser necessriacomo ponto fixo, porto de abrigo, para preencher a necessidade de recarga por contacto fsico. Os bebsde 7 a 10 meses gatinham ou arrastam-se rapidamente em direco sua me, apoiando-se ao longo da sua

    perna, tocando-a, ou simplesmente apoiando-se nela. o que se designa por recarga emocional. fcilde constatar a rapidez com que o beb abatido e cansado se revigora aps o contacto com a me: voltarapidamente sua explorao e deixa-se mais uma vez absorver pelo prazer que tem com o seu

    funcionamento.Com o desenvolvimento das funes autnomas, como a cognio, e mais particularmente a locomoo em

    posio vertical comea a histria de amor com o mundo, O beb passa o maior degrau da individuaohumana. Caminha livremente em posio vertical. Por isso, o plano da sua viso muda. Dum ponto de vistacompletamente novo, descobre perspectivas, prazeres e frustraes inesperados e novos. A posio em ptrs um nvel visual novo.

    Durante estes preciosos 6 a 8 meses (dos 10 ou 12 meses aos 16-18 meses), o mundo a ostra do beb. Oinvestimento libidinal desloca-se de modo substancial para se meter ao servio do Ego autnomo, em viasde crescimento rpido, e das suas funes. E a criana parece intoxicada pelas suas prprias faculdades eda imensidade do seu prprio universo, O narcisismo encontra-se no ponto auge! Os primeiros passosindependentes da criana em posio vertical marcam o incio dos ensaios por excelncia, com um

    alargamento substancial do seu universo e da sua prova da realidade. H um investimento libidinal,crescendo de maneira estvel, dos talentos motores para os ensaios, da explorao do ambiente que seexpande, tanto humano como inanimado. A principal caracterstica deste perodo dos ensaios , na criana,o grande investimento narcsico das suas prprias finces, do seu prprio corpo enquanto objecto eobjectivos da sua realidade em crescimento. Paralelamente, constatasse uma impermeabilidaderelativamente grande aos golpes, quedas e frustraes (o facto de outra criana agarrar um brinquedo, porexemplo).

    A criana fica maravilhada com os seus prprios talentos, continuamente orgulhosa das descobertas quefaz no seu universo em vias de expanso e quase apaixonado pelo universo e pela sua prpria grandeza eomnipotncia. A importncia de caminhar para o desenvolvimento emocional da criana inestimvel.Andar d ao beb muito mais possibilidade de descobrir a realidade e de fazer a prova do universo, sob o

    seu prprio controlo e poder mgico. Ao longo do ms que se segue imediatamente aquisio dalocomoo livre e activa, a criana faz srios progressos na afirmao da sua individualidade. Parece ser o

    primeiro grande passo para a formao da identidade, A locomoo livre em posio vertical parece tomar-se para numerosas mes a prova suprema de que os seus bebs conseguiram.

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    Resumindo, andar parece ter, tanto para a me como para o beb, uma grande significao simblica: como se o beb que anda tivesse a prova, pela sua locomoo independente em posio vertical, de que ele

    j foi promovido ao mundo dos seres humanos independentes. A antecipao e a confiana fornecidas pelame, que tem um sentimento de que o seu filho pode conseguir, parecem servir de despoletadoresimportantes para o prprio sentimento de segurana da criana e constituir o encorajamento inicial paraque ela troque uma parte da sua magia omnipotente pelo prazer ligado sua prpria autonomia e estimade si crescente.

    4.1.2.3. 3 Subfase: reaproximao

    Graas aquisio da locomoo livre em posio vertical e realizao, pouco tempo depois, do estdiodo desenvolvimento que Piaget considera como o incio da inteligncia representativa (que culminar no

    jogo simblico e no discurso), o ser humano emergiu como pessoa separada e autnoma. Estas duas forasorganizadoras so as parteiras do nascimento psicolgico. Neste estdio final do processo de ecloso o

    beb atinge o primeiro nvel de identidade ser uma entidade individual separada.

    Durante o 2 ano de vida, o beb torna-se cada vez mais consciente do facto de estar fisicamente separado eutiliza este facto cada vez mais extensivamente. Contudo, paralelamente ao crescimento das suasfaculdades cognitivas e diferenciao crescente da sua vida emocional, h uma diminuio assinalvel dasua anterior imperturbabilidade frustrao e, igualmente, uma diminuio do que foi uma tendnciarelativa a esquecer a presena da sua me.

    Podemos observar um aumento da angstia de separao: no incio consiste essencialmente no medo de perder o objecto, e que podemos inferir a partir de numerosos comportamentos das crianas. A ausnciarelativa de preocupao relacionada com a presena da me, caracterstica da subfase dos ensaios,encontra-se agora substituda por uma preocupao aparentemente constante relacionada com as idas evindas da me e por um comportamento activo de aproximao. A medida que se desenvolve no beb a suaconscincia de ser separado estimulada pela sua capacidade, adquirida por maturao, de se afastarfisicamente da me e pelo seu crescimento cognitivo parece haver uma necessidade acrescida, um desejomaior de ver a sua me partilhar com ela cada um dos seus talentos e das suas novas experincias, e umdesejo muito grande do amor do objecto.

    Como j foi descrito anteriormente, a necessidade de proximidade entrou em declnio durante o perododos ensaios. por esta razo que esta subfase se designa porreaproximao. O gnero de aproximaocorporal de recarga que caracterizou a criana durante o perodo dos ensaios, substituda (a partir dos15-24 meses) pela procura deliberada, ou o evitamento, do contacto corporal estreito. Isto agora marcado

    pela interaco do beb e da sua me a um nvel muito mais elevado: a linguagem simblica, tanto vocalcomo sob outros modos de comunicao, e o jogo tomam-se cada vez mais predominantes.

    Ao longo da subfase de reaproximao observam-se reaces separao em todas as crianas. Os dois padres caractersticos do comportamento do beb nestas idades o seguimento da me (o hbitoincessante da criana de vigiar e seguir cada um dos movimentos da me) e a partida precipitada para

    longe dela, com a expectativa de ser perseguida e pegada nos seus braos indicam o seu desejo dereunio com o objecto de amor e o seu medo de ser reincorporada. Observa-se no beb um padro deafastamento dirigido contra todo o impedimento sobre a sua autonomia recentemente adquirida. Mais, oseu medo nascente de perder o amor representa um elemento de conflito com a interiorizao. Na idade dareaproximao, certas crianas parecem ser j mais sensveis desaprovao. Apesar de tudo, a autonomia defendida pelo no, assim como pela agressividade acrescida e o negativismo da fase anal.

    Durante o perodo dos ensaios, e paralelamente aquisio dos talentos primitivos e das faculdades perceptivas cognitivas, produziu-se uma diferenciao cada vez mais clara, uma separao entre arepresentao intrapsquica do objecto e a representao do Eu. No apogeu do seu domnio sobre o mundo,no final do perodo dos ensaios, o beb comeou a entrever que o universo no era uma ostra, que tinha deo enfrentar mais ou menos por ele mesmo, muitas vezes como indivduo relativamente sem defesas,

    pequeno e separado, incapaz de solicitar apoio ou assistncia pelo simples facto de sentir a necessidade oumesmo de dar voz a essa necessidade.

    A qualidade e o grau do comportamento de solicitao do beb face sua me ao longo desta subfasefornece indicadores importantes relacionados com a normalidade do processo de individuao. O medo da

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    perda do amor do objecto (mais do que o medo da perda do objecto) toma-se cada vez mais evidente. normal a existncia de incompatibilidades e incompreenses entre a me e o seu filho. Estasincompatibilidades e incompreenses esto enraizadas nalgumas contradies desta subfase. A exignciado beb de ver a sua me constantemente implicada parece contraditria para a me: agora que ele j no to dependente e no est to desarmado em comparao com seis meses atrs, e que o deseja ser cada vezmenos, manifesta, contudo e com cada vez maior insistncia, o desejo de ver a sua me partilhar com eletodos os aspectos da sua vida.

    Ao longo desta 3 subfase, o da reaproximao, quando a individuao se efectua muito rapidamente e quea criana a exerce at ao limite, a criana toma-se igualmente cada vez mais consciente de estar e de serseparada, e recorre a todos os mecanismos a fim de resistir a, e a desfazer, esta realidade de separao emrelao me. um facto, entretanto, que, seja qual for a influncia exercida pela criana sobre a me, osdois no podem funcionar efectivamente mais como uma unidade dual isto , a criana j no podesustentar o delrio da fora omnipotente parental que, espera ele em determinados momentos, vai restaurarostatus quo simbitico.

    A comunicao verbal toma-se cada vez mais necessria. A utilizao dos gestos por parte da criana e a

    empatia pr-verbal mtua entre a me e a criana no so mais suficientes para atingirem o objectivocomunicacional. O beb apercebe-se pouco a pouco que os seus objectos de amor (os seus pais) soindivduos separados, tendo os seus prprios interesses pessoais. Ele deve, pouco a pouco e no semsofrimento, abandonar o seu delrio sobre a sua prpria grandeza, muitas vezes atravs de lutas dramticascom a me e em grau menor com o pai. este cruzamento que se designa por crise de reaproximao.

    Se a me est discretamente disponvel, com uma proviso acessvel de lbido objectal, se ela partilha asexploraes aventureiras do seu beb, se ela interage com ele nos jogos e nas brincadeiras, e facilita destemodo os seus esforos salutares para imitar e se identificar, ento a interiorizao da relao entre a me eo beb pode progredir at ao ponto onde, no momento previsto, a comunicao verbal se toma relevante,mesmo se h ainda predominncia dum comportamento gestual bem saliente, No final do 2 ano e incio do3, a implicao emocional previsvel por parte da me parece facilitar o desenvolvimento florescente dos

    processos mentais do beb, a prova da realidade e os comportamentos para os realizar. Por outro lado, ocrescimento emocional da me na sua funo materna, a sua vontade emocional de deixar ir o beb delhe dar, como a me-pssaro, um ligeiro empurro, um encorajamento para a independncia ajudagrandemente. Pode mesmo ser uma condiosine qua non da individuao normal e s.

    Aquilo que se designa por seguimento da me parece, at certo ponto, necessrio ao beb (ou o seucontrrio, a partida precipitada), muitas vezes verificada no incio desta subfase). Nos casos normais, oseguimento faz parte, na segunda metade do 3 ano, dum certo grau de permanncia do objecto.Entretanto, quanto menos a me se mostra disponvel no momento da reaproximao mais o beb tentarsolicit-la intensamente e desesperadamente. Em certos casos, este processo canaliza de tal modo a energiadisponvel da criana para o desenvolvimento que no restar suficiente energia, nem de lbido nem deagressividade construtiva (ambas neutralizadas), para a evoluo das numerosas funes ascendentes do

    Ego.Pelos quinze meses, regista-se uma mudana importante na qualidade da relao da criana com a sua me.Ao longo do perodo dos ensaios a me representava o porto de abrigo para o qual a criana retomavaquando necessitava necessidade de comida, de reconforto ou de recarga, quando estava cansada. Mas,ao longo deste perodo, a me no parecia ser reconhecida como pessoa separada de pleno direito. Paraalgumas, perto dos 15 meses, a me no somente o porto de abrigo. Parecia transformar-se numa pessoacom quem o beb deseja partilhar as suas descobertas do mundo cada vez mais alargado. O sinal decomportamento mais importante neste novo modo de relao o facto, para o beb, de trazerincessantemente coisas me, cobrindo os seus joelhos de objectos que ele encontra no seu universo emvias de expanso. Todos eles tm interesse para ele, mas o investimento emocional principal repousa nanecessidade da criana os partilhar com a sua me. Ao mesmo tempo, o beb indica sua me, por

    palavras, sons ou gestos, o seu desejo de a ver interessada nas suas descobertas e partilhar o prazer queele tem. Ao mesmo tempo que comea a ter conscincia de ser separada, a criana apercebe-se que osdesejos da sua me no parecem sempre idnticos aos seus ou, pelo contrrio, que os seus desejos nocoincidem sempre com os da sua me. Esta constatao representa um desafio imenso ao seu sentimento de

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    grandeza e de omnipotncia do perodo dos ensaios, quando a criana se sentia nos pncaros do universo.E dado um grande golpe na crena da sua omnipotncia e perturbada a beatitude da unidade dual!

    A fonte de maior prazer da criana desloca-se da locomoo independente e da explorao do universoinanimado em vias de expanso para a interaco social. Os jogos de esconde-esconde, assim como os

    jogos de imitao, tomam-se nos passatempos favoritos. O reconhecimento da me como pessoa separadado grande universo faz-se paralelamente tomada de conscincia da existncia separada de outras crianas,do facto de que elas so parecidas e, em simultneo, diferentes do seu prprio Eu. A prova dada pelofacto das crianas manifestarem um maior desejo de tere de fazero que outra criana tem ou faz isto ,um desejo de reflectir em espelho, de imitar e de se identificar, at certo ponto, com outra criana. Aomesmo tempo que se desenvolvem estas novas caractersticas, aparece a ira especifica dirigida a umobjectivo, a agressividade se o objectivo no puder ser atingido. No podemos esquecer que estesdesenvolvimentos se do a meio da fase anal, com as suas caractersticas de aquisitividade, de cime e deinveja.

    Nesta subfase, o beb parece experimentar o seu corpo como sua possesso. Deixa de gostar de sermanipulado: resiste a ser segurado numa posio passiva quando o vestem, E no gosta de ser acarinhado e

    abraado, a no ser que esteja preparado. O desejo da criana por uma autonomia acrescida tem expressono s no negativismo face aos outros e me, mas tambm se traduz numa extenso activa do universome-criana: principalmente a incluso do pai. O pai, como objecto de amor, pertence muito cedo a umacategoria de objectos de amor inteiramente diferente da da me. Se bem que ele no esteja completamentefora da unio simbitica tambm no faz completamente parte. Mais, o beb percebe provavelmente cedouma relao especial do pai com a me. Mas na altura da reaproximao a criana desenvolve relaescom outras pessoas que no o pai e a me.

    Durante a primeira fase de reaproximao, regista-se uma mudana interessante nas reaces das crianasface presena ou ausncia da sua me. Esto agora cada vez mais conscientes da ausncia da me e

    perguntam onde ela est. Por outro lado, contudo, so capazes igualmente de se manterem cada vez maisabsorvidas pelas suas prprias actividades, e muitas vezes no gostam de ser interrompidas. Querem ir

    ver a me, mas sem a inteno de se demorarem perto dela, s um momento, para de seguida continuaremcom as suas ocupaes. medida que progridem na subfase de reaproximao, as crianas encontramnovas maneiras activas de enfrentarem a ausncia da me (considerando a hiperactividade e a agitaomotora como uma actividade defensiva precoce contra a tomada de conscincia do afecto doloroso datristeza): entram em relao com substitutos adultos e absorvem-se nos jogos simblicos. Numerosasformas de jogo traduzem a sua identificao precoce me ou ao pai por exemplo, a sua forma desegurar as bonecas ou os ursos. Parece instalar-se o incio da interiorizao da representao do objecto.

    Para a maioria das crianas, o primeiro perodo da reaproximao conhece o seu apogeu perto dos 17-18meses, pelo que parece uma consolidao e uma aceitao temporrias da conscincia de ser separada. Isto acompanhado por um grande prazer em partilhar objectos e actividades com a me e com o pai e, cadavez mais, com o universo social agora em vias de expanso, compreendendo no s os adultos mas

    tambm outros bebs, crianas da sua idade e mais velhas. Ao longo do perodo dos ensaios a palavraadeus era a mais importante. A palavra mais importante neste perodo de reaproximao ol. Aos 18meses, as crianas parecem muito impacientes por exercerem em toda a sua extenso a sua autonomiarapidamente crescente. Cada vez mais, preferem no ser lembradas que em determinados momentos no seconseguem desembaraar sozinhas, Seguem-se conflitos que se parecem articular no desejo de serseparada, grande e omnipotente, por um lado, e, por outro, de ver a sua me concretizar magicamente osseus desejos, sem ter de reconhecer que a ajuda vem do exterior, do outro. caracterstico desta idade queas crianas recorram sua me como extenso do seu Eu processo pelo qual negam a conscinciadolorosa de estarem separadas. Um comportamento tpico deste gnero consiste em pegar na mo da me eus-la como instrumento para ir buscar o objecto desejado.

    Aos 21 meses podemos observar uma atenuao dos esforos de reaproximao. Verifica-se, a

    reivindicao por um controlo omnipotente, os perodos extremos de angstia de separao, a alternnciadas exigncias de proximidade e de autonomia diminuem. Enquanto isso acontece, parece que cada crianaprocura, mais uma vez, encontrar a distncia ptima sua me, A distncia a partir da qual a criana podefuncionar melhor.

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    Os elementos de individuao crescente que parecem tomar possvel esta capacidade de funcionar melhor auma distncia maior, e sem a presena da me, so os seguintes:

    1. O desenvolvimento da linguagem, no sentido de nomear os objectos e de exprimir os seus desejos compalavras precisas. A possibilidade de nomear os objectos parece fornecer criana um maior sentimento decontrolo do seu ambiente;

    2. O processo de interiorizao, que podemos inferir a partir de actos de identificao com a boa me ou obom pai, fontes de aprovisionamento, e a partir da interiorizao de regras e de exigncias (incio do Super-Ego);

    3. Um progresso na capacidade de exprimir os seus desejos e os seus fantasmas pelo jogo simblico e autilizao do jogo com fins de domnio da realidade.

    Quando as crianas atingem o 21 ms constata-se que j no possvel reagrup-las segundo os critriosgerais anteriores. As vicissitudes dos seus processos de individuao so to diferentes e produzem-se comtal rapidez que no so mais especficos duma fase mas, antes, muito distintas individualmente e diferentesde criana para criana. O ponto principal no tanto a conscincia de ser separada mas antes como essaconscincia afectada pela, e afecta a relao me-criana, a relao pai-criana (esta ltima muitoclaramente diferente da primeira), e a integrao da personalidade individual e total da criana. Existemgrandes diferenas entre rapazes e raparigas. Enquanto que os rapazes manifestam uma maior tendncia

    para se separarem da me e terem prazer no seu funcionamento no universo em expanso, as raparigasexigem uma maior proximidade e fixam-se nos aspectos ambivalentes da relao.

    Ao 23 ms, parece que a capacidade dos crianas enfrentarem a conscincia da separao, tanto quanto aofacto fsico da separao, depende, em cada caso, da histria da relao me-criana e do seu estado actual.

    Sejam quais forem as diferenas sexuais que pr-existam no domnio dos aparelhos do Ego e dos primeirosmodos do Ego, elas so certamente complexas e marcadas geralmente pelos efeitos da descoberta pelacriana das diferenas dos sexos. Isto produz-se ao 20-21 meses, por vezes antes (16- l7 meses).

    A descoberta pelo rapaz do seu prprio pnis d-se mais cedo. A componente sensrio-tctil destadescoberta pode dar-se no 1 ano de vida, mas subsistem dvidas quanto ao seu impacto emocional. Aos12-14 meses a posio vertical facilita a explorao visual e sensrio-motriz do pnis.

    Quando as raparigas descobrem o pnis so confrontadas com qualquer coisa que lhes falta. Estadescoberta origina alguns comportamentos que indicam claramente a angstia, a clera e a desconfianadas raparigas. Elas desejam desfazer a diferena sexual.

    Resumindo, parece que a tarefa de se tomar um indivduo separado parece, neste momento, ser geralmentemais difcil para as raparigas que para os rapazes, porque as raparigas descobrindo as diferenas dos sexostm tendncia a revoltarem-se contra a me, a responsabiliz-la, a exigir dela, esto desapontados e, apesarde tudo, permanecem ligadas a ela de maneira ambivalente,

    4.1.2.4. 4 Subfase: Consolidao da individualidade e incio da Permanncia do objecto

    emocionalDo ponto de vista do processo de separao-individuao, a tarefa principal da 4 subfase apresenta-se emdois elementos: 1) a aquisio duma individualidade bem definida e, sob certos aspectos, para toda a vida;e 2) a realizao dum certo grau de permanncia do objecto.

    No que diz respeito ao Eu, h uma estruturao extensiva do Ego e h sinais precisos da interiorizao dasinterdies parentais, que indicam a formao dos precursores do Super-Ego. A realizao da permannciado objecto afectivo (emocional) depende da interiorizao gradual duma imagem interior da me, imagemconstante e investida de energia positiva. Para comear, Isso permite criana funcionar separadamentenum ambiente familiar, apesar dum certo grau (moderado) de tenso e de desconforto. A permanncia doobjecto emocional ser fundada, em primeiro lugar, na aquisio cognitiva do objecto permanente, mastodos os outros aspectos do desenvolvimento da personalidade da criana participam igualmente nesta

    evoluo. A ltima subfase (o 3 ano de vida) um perodo extremamente importante do ponto de vista dodesenvolvimento intrapsquico: um sentimento estvel de identidade atingido (limites do Eu). Parecetambm ser nesta subfase que se d uma consolidao primitiva da identidade sexual.

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    Mas a permanncia do objecto implica mais que a manuteno da representao do objecto de amorausente. Implica tambm a unificao do bom e do mau objectos numa s representao global. Istofavorece a intrincao das pulses agressivas e libidinais, e ameniza o dio ao objecto, quando aagressividade intensa. Num estado de permanncia do objecto, um objecto de amor no ser rejeitado outrocado por outro se j no d satisfao. Neste estado, a nostalgia do objecto subsiste sempre e este no rejeitado (odiado) como sendo insatisfatrio simplesmente por causa da sua ausncia.

    Os principais factores que determinam a permanncia do objecto so:

    1) a confiana e a segurana adquiridas graas experincia repetida do alvio da tenso por um agente desatisfao das necessidades e to precocemente como a fase simbitica. Ao longo das subfases do processo deseparao-individuao, o alvio da tenso da necessidade gradualmente atribuda ao objecto total (a me),fonte de satisfao das necessidades, e de seguida transferida, por meio da interiorizao, para a representaointrapsquica da me; e

    2) a aquisio cognitiva da representao simblica interior do objecto permanente (segundo o significadopuramente cognitivo de Piaget), de objecto nico de amor, a me.

    A maturidade plena da relao, prpria da criana em idade escolar e do adulto revela-se por uma relao

    do objecto de amor sob a forma de uma troca mtua (dar e receber). Uma vez que neste perodo que acriana aprende a exprimir-se verbalmente, podemos traar algumas vicissitudes do processo intrapsquicoda separao com a me, e os respectivos conflitos, por intermdio do material verbal e pelafenomenologia do comportamento. A comunicao verbal, que se Iniciou ao longo da 3 subfase,desenvolve-se rapidamente nesta 4 subfase da separao-individuao e substitui lentamente as outrasformas de comunicao. A linguagem gestual do corpo continua, contudo, presente. Comea a serconstitudo um significado da temporalidade, e com ela uma maior capacidade de tolerar um adiamento dagratificao e de prolongar a separao. A criana compreende e utiliza os conceitos de mais tarde eamanh.

    A 4 subfase caracteriza-se pelo desenvolvimento das funes cognitivas complexas: comunicao verbal,fantasmatizao e prova da realidade. Ao longo deste perodo de diferenciao rpida do Ego (dos 20 ou

    22 meses at aos 30 ou 36 meses), a individualizao desenvolve-se rapidamente e a aquisio dasrepresentaes mentais do Eu como distintamente separadas das representaes do objecto, abre a via formao da identidade do Eu.

    Ao longo da segunda metade do 3 ano, e nos casos ideais, o investimento libidinal persiste mesmo naausncia de satisfao imediata e mantm o equilbrio emocional da criana durante as ausnciastemporrias do objecto. As principais condies da sade mental, no que diz respeito ao desenvolvimento

    pr-edipiano, repousam na aquisio pela criana duma capacidade contnua de manter e de restaurar aestima de si, no contexto duma relativa permanncia do objecto libidinal. Na 4 subfase, que no tem fim,as duas estruturas internas a permanncia do objecto libidinal e tambm a imagem unificada do Eu

    baseada nas verdadeiras identificaes do Ego devem-se comear a desenvolver.

    5.TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVOA aprendizagem era outrora o domnio privilegiado das teorias comportamentais. Tambm actualmente estudada no quadro das teorias do desenvolvimento cognitivo (Vandenplas-Holper, 1982, p. 231), queanalisam as interaces entre desenvolvimento e aprendizagem (Coll, 1984; Furth, 1974; Inhelder, Sinclair& Bovet, 1974; Piaget, 1973; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Grco, 1974; Pontecorvo, 1988; Tavares& Alarco, 1989; Vygotsky, 1977).

    Segundo Vandenplas-Holper (1982), enquanto que as teorias da aprendizagem social insistem sobretudo naaco determinante do meio, os tericos do desenvolvimento cognitivo pem a tnica quaseexclusivamente na actividade estruturante do sujeito que, do interior, organiza os dados do mundo fsico esocial (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Perret-Clermont, 1979; Piaget, 1973; 1974; 1976a; 1976b; 1978;

    Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Grco, 1974). semelhana da observao de Lewin, tambm Piaget (Piaget & Chomsky, 1987) e Inhelder, Sinclair eBovet (1974), interrogando-se sobre a validade das experincias realizadas sobre o primado das teorias

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    associacionistas da aprendizagem, tambm consideram que estas so fenmenos particulares que devem ser inseridos num sistema explicativo muito mais geral (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 34),nomeadamente atravs de uma rigorosa experimentao realizada segundo os pressupostos de umaepistemologia estrutural e gentica (Piaget & Grco, 1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974).

    5.1. Desenvolvimento Cognitivo da Inteligncia

    5.1.1. Interaccionismo piagetiano

    Vandenplas-Holper (1982, p. 27) acentua que a teoria de Piaget uma teoria interaccionista econstructivista, isto , o desenvolvimento cognitivo visto em funo das interaces que o sujeitoestabelece com os objectos, fsicos e sociais (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget, 1973; 1976;Vandenplas-Holper, 1987). O sujeito humano constri o seu conhecimento dos objectos, incluindo osoutros humanos, interagindo activamente com eles (Vandenplas-Holper, 1987, p. 19), que um processono qual o indivduo em parte agente da sua prpria mudana e participa na orientao dodesenvolvimento (Gilly & Piolat, 1986, p. 22) e onde o conhecimento construdo em sucessivas etapas

    evolutivas e adaptativas, visando sucessivos 'equilbrios majorantes' (Piaget, 1987), equilbrios quecorrespondem a modos estruturais diferentes e superiores de compreenso e apreenso da realidade domeio fsico e social.

    Por outro lado, Inhelder, Sinclair e Bovet (1974, p. 14) consideram que a contribuio de Piaget secaracteriza por trs traos dominantes:

    1. A dimenso biolgica;2. A interaco dos factores sujeito-meio...;3. O construtivismo psicogentico.

    5.1.2. Adaptao e Evoluo

    Condenando o empirismo, Piaget (1973; 1974; 1987) tem como ponto de partida para a sua teoria dedesenvolvimento cognitivo os fundamentos filosficos preconizados por Kant sobre a origem doconhecimento humano: os conhecimentos a priori(Piaget & Chomsky, 1987).

    Para Piaget (1973; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Grco; 1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) odesenvolvimento cognitivo da inteligncia rege-se por processos de adaptao e evoluo anlogos aos

    processos adaptativos e evolutivos encontrados em Biologia e analisados noutros seres vivos.

    nascena a criana possui estruturas orgnicas hereditrias (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) ou,como nos diz Piaget (Piaget & Chomsky, 1987, p. 395), ...o funcionamento (da estrutura cognitiva)implica mecanismos nervosos hereditrios.

    5.1.3. Assimilao e Acomodao

    Segundo Inhelder, Sinclair e Bovet (1974), as primeiras condutas de adaptao cognitiva processam-seatravs de assimilao funcional a partir de estruturas biologicamente pr-existentes. Assimilao nosentido do sujeito incorporar elementos novos nas estruturas programadas hereditariamente.

    Por outro lado, esta actividade de assimilao ou de incorporao, na medida em que se reproduz e segeneraliza, conduz a mudanas na cognio sensrio-motora, atravs da acomodao diferenciadora. Destemodo, essa assimilao est na origem dos primeiros esquemas de conhecimento do sujeito e da suaintegrao constituem-se as novas condutas que no esto inscritas nas estruturas orgnicas hereditrias(Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 15).

    Essas estruturas hereditrias no determinam em absoluto o desenvolvimento cognitivo do sujeito(Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974), pressupem antes uma ...hereditariedade de funcionamento das

    prprias construes (Piaget, 1987, p. 281), isto , o conhecimento concreto no est inscrito ebiologicamente pr-programado (Eibl-Eibesfeldt, 1978), o modo estrutural de funcionamento cognitivo deaquisio e construo do conhecimento, fsico ou lgico-matemtico, que hereditrio (Inhelder,Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget & Chomsky, 1987).

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    Deste modo, Piaget no se situa no campo estritamente apriorstico: Do ponto de vista epistemolgico, aausncia de toda a aprendizagem das estruturas lgicas, seria ento naturalmente favorvel a umainterpretao apriorstica. Recorrendo a um puro desenvolvimento interno, a reduo possvel de talaprendizagem, reconhecida como existente, das estruturas fsicas, conduziria pelo contrrio a umainterpretao empirista, enquanto o circulo presumido das estruturas lgicas aprendidas e das estruturasanteriores constituindo a condio dessa aprendizagem sugeriria uma interpretao interaccionista, naqual seria necessrio alis precisar o papel de existncia e das actividades do sujeito (Piaget, 1975, p.25).

    5.1.4. Construtivismo piagetiano

    Em epistemologia gentica, o sujeito e o objecto no so dissociveis (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974).O sujeito s pode conhecer o objecto atravs das relaes e aces que exerce sobre esse mesmo objecto,realizando 'aproximaes sucessivas' ao conhecimento deste (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974).

    O conhecimento dos objectos no um dado imediato, o sujeito elabora o objecto segundo duas direcescomplementares e interdependentes: aquela que conduz elaborao de formas de conhecimento ou

    estruturas lgico-matemticas e aquelas que conduzem ao conhecimento dos objectos e das relaesespacio-temporais e causais que os constituem (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974), ou s estruturaslgicas e s estruturas fsicas (Piaget, 1974).

    5.2. Estdios do Desenvolvimento Cognitivo

    Obviamente, que a construo desse conhecimento feito em sucessivas etapas, que Piaget baptizou deestdios de desenvolvimento cognitivo, que mais no so, cada um deles, que formas bem diferenciadas deesquemas, e de coordenao de esquemas de apreenso e construo da realidade (fsica e social), quecorrespondem a formas dinmicas de equilbrio da estrutura cognitiva.

    5.2.1. Coordenao de Esquemas e Equilibrao

    No incio os esquemas cognitivos s so parcialmente coordenados, o que origina julgamentoscontraditrios ou incompatveis entre si (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) e que correspondem a umaforma determinada de equilbrio da estrutura cognitiva (Piaget, 1973; 1974; 1987). Com a subsequenteconstruo de esquemas lgico-matemticos melhor coordenados entre si e que correspondem a formassuperiores de apreenso lgica dos objectos fsicos e sociais (que so testemunhos da capacidadeorganizativa da estrutura cognitiva Inhelder, Sinclair e Bovet, 1974 , atravs de sucessivos equilbriosou processos de equilibrao Piaget, 1978 ou equilibrao cognitiva Piaget e Chomsky, 1987 ampliadores ou majorantes Piaget e Chomsky, 1987) estes conduzem, no a retornos a formas anterioresde equilbrio, mas sim a formas superiores de equilbrio, caracterizada pelo aumento das dependnciasmtuas ou implicaes necessrias (Piaget, 1987, p. 60).

    5.3. Desenvolvimento e Aprendizagem

    As teorias do estmulo-resposta, S R, ou a sua evoluo estmulo-organismo-resposta, S O R, deHull, so acusadas por Smesdlund (Piaget & Grco, 1974) de impreciso na definio de S e de R (queacusa de ser to precisa como a utilizao de esquemas causas-efeitos). Piaget (1974) considera, por suavez, que o esquemaS R constituiria uma verificao do empirismo se (se pudesse) reduzir o estmulo Ss propriedades do objecto e se (se pudesse) reciprocamente reduzir a parte do sujeito no conhecimento srespostasR (Piaget & Grco, 1974, pp. 20-21).

    Deste modo, e transpondo a epistemologia interaccionista em termos de estmulos e respostas, o esquema preconizado por Piaget S(O) R, onde o estmulo S indissocivel do organismo O , o qual, antesmesmo de fornecer a resposta R , percebe e interpreta esse estmuloS em funo das actividades(perceptivas ou outras), intervindo necessariamente na sua qualificao ... nesse caso o problemaepistemolgico situa-se primeiramente ao nvel da relaoSO (Piaget & Grco, 1974, p. 21).

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    De qualquer modo, os processos de aprendizagem analisados pelos associacionistas e comportamentalistas,apesar de no explicarem o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, esto sujeitos s suas leis (Piaget &Chomsky, 1987), pois o estmulo ou um padro de estmulos no actua no vazio, a sua aco supe a

    presena de um esquema (Inhelder, Sinclair, &e Bovet, 1974; Piaget & Chomsky, 1987), que narealidade afonte da resposta (Piaget & Chomsky, 1987).

    5.4. Estrutura Cognitiva e 'inconsciente cognitivo'

    O que caracteriza (...) o aspecto cognitivo dos comportamentos a sua estrutura, quer se trate deesquemas de aco elementares, de operaes concretas de classificao ou de seriao, etc., ou da lgicadas propores com os seus diferentesfoncteurs(implicaes, etc.) (Piaget, 1972, p. 42).

    Assim, e em relao ao aspecto meramente cognitivo do comportamento e da aco, o factor que Piagetreala a estrutura cognitiva do sujeito. Estrutura cognitiva que Piaget (1972) caracteriza por uma relativaconscincia do resultado (embora bastante pobre), e total inconscincia dos mecanismos que conduzem oscomportamentos e as aces: o inconsciente cognitivo (Piaget, 1972).

    Esse inconsciente cognitivo representa os mecanismos (ou estruturas) que fazem funcionar o aparelhocognitivo, transformando o pensamento: O pensamento do indivduo orientado por estruturas cujaexistncia ignora e que determinam no s o que ele capaz ou incapaz de 'fazer' (...) mas ainda o que 'obrigado' a fazer(...) (A) estrutura cognitiva o sistema de ligaes que o indivduo pode e deve utilizar,no se reduzindo de forma alguma ao contedo do seu pensamento consciente (Piaget, 1972, p. 43).

    O problema no est em relao conscincia do contedo do pensamento mas sim s razes estruturais efuncionais que levam o sujeito a pensar deste ou daquele modo, isto , do mecanismo ntimo que dirige o

    pensamento (Piaget, 1972). Por outro lado, a conscincia dos resultados obtidos pelo pensamento no dindicao nenhuma dos mecanismos ntimos que transformam o pensamento, permanecendo as suasestruturas inconscientes enquanto estruturas.

    Podemos dizer que a estrutura cognitiva uma forma de organizao da experincia (Piaget; op. cit.Battro, 1978, p. 98). , simultaneamente, um produto e um processo, modo de funcionamento, onde seinscrevem os mecanismos que transformam o pensamento, determinando as formas desse pensamento, e,uma vez que as determina, no podemos distinguir as estruturas do seu contedo.

    5.4.1. Estrutura Cognitiva e Equilbrio

    Cada estrutura de conceber como uma forma particular de equilbrio, mais ou menos estvel no seudomnio restrito e tornando-se instvel nos limites deste. Mas estas estruturas, escalonadas em estdios,devem ser consideradas como sucedendo-se segundo uma lei da evoluo tal que cada uma delas assegureum equilbrio mais lato e mais estvel aos processos que intervinham j dentro da precedente. Ainteligncia torna-se, assim, um mero termo designando as formas superiores de organizao ou de

    equilbrio das estruturas cognitivas (Piaget, 1978, p. 15).Mas se os mecanismos que transformam o pensamento funcionam de modo inconsciente, podemos,

    partindo da prpria aco, tentar perceber como actuam esses mecanismos e quais as estruturas que lhesesto subjacentes. Deste modo, para atingir o funcionamento real da inteligncia importante, pois,inverter este movimento natural do esprito e de nos recolocarmos na perspectiva da prpria aco (Piaget, 1978, p. 44; grifo do autor).

    5.4.2. Aco e Sistema de Operaes

    Por um lado, Piaget considera que o comportamento ou aco se baseia num sistema de operaes.Psicologicamente, essas operaes tm dois aspectos paralelos: exteriormente tratam-se de acescoordenadas entre si (comportamentos observveis ou mentalizados) e interiormente, isto , para a

    conscincia, tratam-se de relaes que se implicam umas s outras. Por outro lado, essas operaes, emtermos logiciais, so o produto de uma abstrao reflexiva (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget,1976; Piaget & Grco, 1974) do processo que resulta em aco ou comportamento: o esquema da aco.

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    O esquema de uma aco , por definio, o conjunto estruturado dos caracteres generalizveis daaco, isto , dos que permitem repetir a mesma aco e aplic-la a novos contedos. Mas o esquema deuma aco no nem perceptvel (percebe-se uma aco particular mas no o seu esquema) nemdirectamente introspectvel e s se toma conscincia das suas implicaes repetindo a aco ecomparando os seus resultados (Piaget; op. cit. Battro, 1978, p. 92).

    Deste modo, o esquema o modo particular de apreenso da realidade, o modo de funcionamento daestrutura cognitiva, organizador da experincia (Piaget, 1976a). Atravs do esquema da aco pode-seinferir o papel da operao (aco interior, como designou Piaget, em 1976a) ou sistema de operaes.

    Mas a realidade psicolgica, tal como percebida pelo sujeito ...consiste em sistemas operatrios deconjunto e no em operaes isoladas concebidas a ttulo de elementos anteriores a esses sistemas:

    portanto unicamente quando as aces ou representaes (...) se organizam em sistemas tais que elasadquirem (...) a natureza de operaes (Piaget, 1978, p. 48).

    Mas as operaes no so apenas aces interiorizadas: para que existam operaes necessrio que essasaces se tornem reversveis e se coordenem em estruturas de conjunto (Piaget, 1973).

    5.5. Socializao da Inteligncia Individual

    As estruturas prprias relativas ao pensamento, e que designamos por cognitivas, tambm esto sujeitas auma socializao, que Piaget (1978) designou porsocializao da inteligncia individual.

    5.5.1. Conflito Sociocognitivo

    Nos estudos sobre conflito sociocognitivo (Coll, 1984; Gilly, 1988; Perret-Clermont, 1978; Pontecorvo,1988) h uma tentativa de se pr em evidncia a importncia de certas interaces sociais na mudana daestrutura cognitiva do sujeito. O que est em jogo so os processos de reorganizao interna que sodesencadeadas pelas interaces sociais. Ao abordar o problema dos laos existentes entre interaces

    sociais e estruturas cognitivas, Piaget(...) elabora um modelo que demonstra o isomorfismo entre asestruturas operatrias e as estruturas subjacentes s interaces sociais de troca de ideias e de valores (Perret-Clermont. 1978, p. 66).

    Segundo Piaget, a interaco social favorece o desenvolvimento do raciocnio lgico e a aquisio doscontedos escolares (Coll, 1984) graas aos processos de reorganizao cognitiva despoletados pelosconflitos cognitivos e respectiva superao.

    Deste modo, o conceito socializao da inteligncia individual possui uma dupla articulao: a simblica,influenciando o nvel simblico do pensamento e agrupando conceitos prximos das representaes sociaisde Moscovici (Leyens & Yzerbyt, 1985); a objectiva, influenciando o nvel objectivo ou lgico do

    pensamento, constitudo por 'agrupamentos' de operaes e de aces lgicas exercidas pelo indivduosobre o mundo exterior. indispensvel, para tratar das relaes entre as funes cognitivas e os

    factores sociais, comear por opr as 'coordenaes gerais' das aces colectivas s transmissesculturais particulares que se cristalizam de maneira diferente em cada sociedade (Piaget, 1972, p. 65).

    Sem troca de pensamento e cooperao com os outros o indivduo no conseguiria agrupar as suasoperaes num todo coerente: neste sentido, o agrupamento operatrio supe a vida social (Piaget,1978). Deste modo, a socializao da inteligncia individual do sujeito que torna o seu pensamentoobjectivo.

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