Texto Base TIL II 2008

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CURSO DE EDUCAO A DISTNCIA

    BACHARELADO EM LETRAS/LIBRAS

    DISCIPLINA:

    Traduo e Interpretao da Libras II

    Autora:

    Audrei Gesser

    Florianpolis, 2011

    ISBN:

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    Traduo e Interpretao da Libras IIAudrei Gesser

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    SUMRIO

    1. O que tica?

    1.1 Pressupostos filosficos da tica

    1.2 Valores morais: o bom, o belo, a felicidade e a verdade...

    2. tica e trabalho

    2.1 Empregando princpios ticos na profisso...

    2.2 Cdigos de tica

    3. Atuao dos tradutores e intrpretes de lngua de sinais

    3.1 Posturas e decises no ato interpretativo

    3.2 Campos de atuao: relatos de experincias

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    1. O QUE TICA?

    A tica daquelas coisas que todo mundo sabe oque so, mas que no so fceis de explicar,quando algum pergunta. (Valls, 1993).

    Segundo o Dicionrio Aurlio Buarque de Holanda, tica "o estudo dos juzos de

    apreciao que se referem conduta humana susceptvel de qualificao do

    ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente determinada sociedade, seja

    de modo absoluto".Porm, ao iniciarmos nossas discusses em torno do conceito

    de tica, temos muitas situaes reais em que tal questionamento se torna difcilde responder. Vejamos a cena (Portal MEC, 2010):

    Imagine que uma mulher miservel beira do desespero, semdinheiro algum, roube algum alimento para dar ao seu filho passandofome, quase morrendo. Poderamos dizer que lhe faltou tica? Emoutras palavras, devemos preservar a vida (no caso salvar um filho)ou o privado (no roubar)?

    Esta situao e tantas outras que nos circundam desde o nosso nascimento, so

    resolvidas, em certa medida, na forma que a prpria sociedade se configura. Isto

    significa dizer que no fcil e nem tampouco possvel comparar ou julgar

    aspectos ticos e morais de um povo de uma determinada sociedade, e que

    parte de um momento histrico.

    Mas, afinal o que tica? Em princpio poderamos dizer que tica a arte do

    bom (Marchionni, 2008), entendendo o bom como aquilo que nos guia para

    sermos felizes. Esta felicidade, todavia, no pode ser do tipo que ignora todo onosso entorno social; no pode ser uma felicidade que nos faa feliz e que

    prejudique os outros. Para praticarmos o bom temos que ter uma motivao e

    essa motivao moral! verdade que ticae moralso conceitos muitas vezes

    concebidos como sinnimos para alguns autores e como conceitos distintos para

    outros (cf. Boff, 2009). Esta distino foi feita durante o Iluminismo (1700-1800),

    mas criticada por vrios autores por acharem que se cria uma confuso

    desnecessria. Conforme Marchionni (op. cit.:29):

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    tica, do grego thos, significa costume, hbito adquirido comesforo e repetio, um vestido da pessoa, um estilo de pensar eagir, uma segunda natureza, um modo de habitar este mundo (thos,alm de habitude, significa habitao, aconchego).

    Moral, do latim mos e plural mores, significa costume, valores evirtudes, legado da tradio (mores maiorum, diziamos romanos navenerao aos ancestrais, costumes e virtudes dos maiores, dosantepassados).

    Sejam estes dois termos entendidos como sinnimos ou no, o fato que no se

    pode negar o grande vnculo que eles estabelecem entre si; eles corroboram para

    formar subjetividades, isto , o modo como os indivduos se constroem. Como

    disse anteriormente, a tica o estudo amplo do que correto ou incorreto, justo

    ou injusto, adequado ou no. Trata-se em ltima instncia de tambm entender o

    que bom ou mau. , portanto, refletir sobre a ao humana: como devo agir

    perante os outros?A charge abaixo retrata uma situao bem corriqueira nos dias

    atuais, e mostra como esto naturalizadas certas atitudes humanas:

    http://blogj11.wordpress.com/2010/01/26/moral-e-etica

    Sendo fato que a charge acima denuncia o comportamento humano, neste caso

    destacado no contexto escolar, fato tambm que os valores ticos podem se

    transformar, e essas transformaes podem seguir direes distintas. o que se

    pode observar, por exemplo, no contedo impresso na charge abaixo, que flagra a

    diferena de valores nas relaes entre pais, professores e filhos:

    http://blogj11.wordpress.com/2010/01/26/moral-e-eticahttp://blogj11.wordpress.com/2010/01/26/moral-e-eticahttp://blogj11.wordpress.com/2010/01/26/moral-e-etica
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    http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://4.bp.blogspot.com

    A situao que o cartunista pe em cena reflete uma inverso de valores. A

    mudana retratada neste caso tem um teor negativo; trata-se de valores ticos

    que nos levam reflexo sobre o status quo deste sculo. primeira vista, a

    charge nos faz rir, mas funciona tambm como um tratamento de choque: faz

    repensarmos como algumas relaes sociais acabam sendo naturalizadas e

    legitimadas socialmente, retratando uma tica vigente. A reao da professora

    na charge acima nos leva a crer que a culpa dela, e que o aluno e os pais tm

    moral para tal reao diante das notas baixas do filho. Mas, aps refletirmos sobre

    o contedo da charge, aceitamos o valornela inscrito? Ou, para usar um termo

    ps-moderno, aceitamos o evento1inscrito nessa situao?

    As questes de tica aparecem sob vrias temticas no nosso dia a dia, e

    fundamentalmente importante so os costumes que esto imbricados nesta

    discusso. sabido que os costumes podem mudar: o que era considerado

    correto em uma determinada poca pode ser considerado errado nos dias atuais,

    1Alguns filsofos ps-modernos utilizam o termo eventoao invs de valorpor entenderem que osegundo refere-se ideia de que o homem possui uma essncia perene dada pela natureza oupor Deus, como o caso dos gregos e das religies: a essncia pr-dada seria realizada mediantea prtica de virtudes e valores predefinidos. O argumento ps-moderno de que o homem apenas um ente material em perptuo devir, isto , o homem somente existncia, potncia,

    erupo, evento descontnuo,possibilidadede tornar-se qualquer coisa... ser o indivduo a decidiro que lhe convm ou no. Esse vis filosfico chamado de modernidade agnstica, e alguns dospensadores inscritos nesta viso so: Nietzsche, Freud, Sartre e Focault. (Marchionni, 2008: 116).

    http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://4.bp.blogspot.comhttp://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://4.bp.blogspot.comhttp://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://4.bp.blogspot.com
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    da mesma forma que o que aceito em determinadas sociedades pode ser

    rejeitado em outras. Assim, um comportamento correto em tica seria um

    comportamento adequado aos costumes vigentes, e enquanto vigentes, isto ,

    enquanto estes costumes tiverem fora para coagir moralmente, o que aqui quer

    dizer, socialmente. (Valls, 1993: 10):

    Nesta ilustrao retirada de Valls (op. cit.) no nos choca tanto a mudana de

    costumes por se tratar de uma mudana de vestimenta dentro de uma mesma

    cultura, apenas alterada pelo contexto de uso e tempo, considerando a

    transformao de uma sociedade. Talvez pudssemos ter outra reao diante de

    uma comparao entre a vestimenta em lugares pblicos como na praia,

    pensando nas roupas femininas mulumanas e os trajes femininos utilizados por

    brasileiras neste mesmo contexto social. Certamente esto agregados aos

    costumes de vestimenta, significados histricos, culturais e religiosos distintos.

    Importante ressaltar que certos costumes ainda que validados e legitimados

    dentro de determinadas comunidades por si s no eliminam a reao de

    repulsa diante de valores culturais pautados em mutilao, agresso fsica e/ou

    psicolgica, por exemplo.

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    1.1 Pressupostos filosficos da tica

    Sobre cada tema posto diante de nossas vidas teremos posies distintas. Pense

    por exemplo, como cada sociedade e cultura lida em relao aos temas como

    ecologia, pena de morte, eutansia, propriedade, clonagem, matrimnio, etc.

    Cada posio, individual e/ou coletiva, ser determinada dependendo da viso de

    mundo, isto , de seu pressuposto filosfico. Neste bojo determina-se a tica de

    uma pessoa e/ou de uma sociedade. Trata-se de um fio lgico que amarra ao

    conceito de absoluto os conceitos de homem-tica-morte-alm. Vejamos o

    esquema resumido dos 3 absolutos possveis o religioso, o csmico-

    espiritualista e o materialista:

    ABSOLUTO MUNDO HOMEM TICA MORTE ALM

    TESMOCriador Criatura do

    CriadorFilho comdireito herana

    Revestir-sedos atos epensamentosde Deus

    Porta quese abre

    Paraso

    PANTESMOMatriahabitada peloesprito

    GrandeTodo

    Parteespecial doTodo

    Sintonizar-secom a lei doTodo (Dharma)

    Diluir-seno Todo

    Nirvana

    MATERIALISMO MatriaSucessode causas eefeitos

    Um sermaterialentre tantos

    Convivnciade respeito ebeneficncia

    Porta quese fecha

    Nada

    Quadro retirado de Marchionni (2008: 64).

    A viso de mundo que prega a filosofia religiosa (com destaque ao Judasmo,

    Cristianismo e Islamismo) afirma que o princpio de tudo o Criador, o Pai

    Nosso. Ele criou o universo e as coisas. Assimsendo, o homem a imagem e

    semelhana de Deus Pai, que ao morrer ter vida eterna ao lado do Criador. A

    tica nada mais do que o aperfeioamento de si e a obedincia ao Pai,

    conforme prega os ensinamentos dos Livros Sagrados e nas interpretaes daIgreja (Marchionni, 2008: 63). Na viso de mundo que prega o espiritualismo

    csmico (com destaque ao Hinduismo, Budismo, Taosmo, Xintosmo, e

    Confucionismo), veremos que todas as coisas so habitadas por um Esprito. H

    um sentido ampliado no que seria Deus trata-se de algoe, considerando que

    tudo Deus, cada vertente nomeia de formas distintas os seus Deuses (Brahma,

    Prana, Tao...). O homem parte desse cosmos e movido pelo desejo de

    aperfeioar-seem sintonia com a Lei do Cosmos. (Marchionni, 2008: 62). E por

    fim, a terceira viso de mundo, a filosofia materialistapostula (com destaque ao

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    Neo-iluminismo, Positivismo, Marxismo, Freudismo, Existencialismo e

    Desconstrutivismo) que a matria o comeo de tudo, no existindo nada fora

    dela. A palavra materialismo exprime justamente isso: ela o princpio e o fim, o

    alfa e o mega. Neste vis, Deus inexiste; uma fantasia ou projeo do prprio

    homem no realizado. O homem em si mesmo uma divindade, cuja alma

    composta simplesmente de clulas nervosas cerebrais. Move-se pelo instinto da

    nutrio e da sobrevivncia, pelo instinto do poder, e pelo instinto da libido . A

    definio de tica, portanto, seria o movimento que os indivduos fazem para

    permitir uma convivncia com outras pessoas. Considerando que no se acredita

    numa existncia aps a morte, o julgamento tico das aes feito na

    perspectiva de uma vida humana que comea no tero da me e acaba na cova .

    (Marchionni, 2008: 62).

    Diante desta breve introduo dos 3 absolutos (ou pressupostos filosficos), cabe

    ainda a pergunta posta por Marchionni (2008: 64): se Deus antropomrfico (em

    forma de homem), isto , fruto da mente, ou fantasia ou desejo ou sofrimento ou

    medo do homem como afirmam as filosofias materialistas, ou se o Homem

    teomrfico (em forma de Deus), isto , criao da mente Divina como postulam as

    filosofias religiosas. Afinal, quem teria razo? Responde o autor:

    Mil razes a favor, mil contra. Esta , no homem, a encruzilhada, adeciso das decises: considerar-se antropomrfico ou teomrfico.As conseqncias desta escolha so enormes em tica e explicamas diferenas. Se o homem fosse Deus, saberia tudo e nada lhefaltaria; se ele fosse um animal, saberia nada e tambm nada lhefaltaria; mas ele apenas um homem, e fica imerso na dvida. Vivercom dignidade esta dvida constitui a religiosidade do agnstico.Resolver a dvida pela F constitui a Religio do crente.

    1.2 Valores morais: o bom, o belo, a felicidade e a verdade...

    Os valores morais funcionam como objetivos de vida; seria aquilo que queremos

    alcanar na vida. Nos valores esto postas as ideias do bom, do belo, da

    felicidade e da verdade. Trata-se de metas pessoais que culminam, por sua vez,

    em metas sociais. Sobre esta discusso, Scheler (1994) nos fala sobre a ticados valores, hierarquizando aquilo que consideramos valioso da seguinte forma:

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    (1) valores sensveisreferindo-se ao que nos d prazer: o agradvel; (2) valores

    vitais referindo-se ao que nos nutre: o alimento, a vestimenta; (3) valores

    antropolgicos referindo-se ao que nos torna mais humanos: o belo, o

    verdadeiro; (4) valores religiososreferindo-se ao que nos permite escapar dos

    limites humanos: o divino, o sagrado.

    Marchionni (2008) nos aponta que os valores podem ser de ordem espiritualista-

    religiosa e/ou materialista. No primeiro, os valores existem em si, ou seja, o

    indivduo que se considera espiritualista considera que o valor est presente em

    tudo que est a sua volta. Na viso materialista, os valores no existem em si, o

    que significa dizer que o homem quem o atribui atravs de sua subjetividade e

    quando lhe interessa. Cada um de ns, todavia, valora as coisas e situaes

    dirias dentro de uma escala e alcanaria os valores atravs de certas virtudes

    (prudncia, fortaleza, justia, esperana, etc.). Vejamos o trecho deAlice no Pas

    das Maravilhas, de Lewis Carrol, 1865:

    Gatinho de Cheshireperguntou Aliceo senhor poderiame dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar parasair daqui? Isso depende muito de para onde voc quer irrespondeu o Gato. No me importo muito para onde...retrucou Alice. Ento no importa o caminho que vocescolhadisse o Gato.

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    O fragmento ilustrativo, pois nos alerta para o fato de que os caminhos que

    escolhemos compem o nosso mosaico de valores. Precisamos ter conscincia

    do que queremos. Ligado s escolhas dos caminhos que percorremos e que

    construmos est busca pela felicidade. Na filosofia podemos destacar trs

    concepes de felicidade: 1) tica religiosa a felicidade adquirida atravs dos

    ensinamentos da sua divindade, que a aquisio da natureza divina; 2) tica

    csmico-espiritualistaa felicidade a aceitao da regra eterna do cosmo; 3)

    tica materialista a felicidade o prazer possvel no aqui e agora . Nelas h

    elementos comuns e complementares como pressuposto da felicidade, e um

    desses elementos refere-se ao conhecimento:

    nos religiosos o conhecimento contemplativo da verdade de Deus,nos csmicos e nos gregos o conhecimento contemplativo daverdade do mundo, nos materialistas o conhecimento racional dodetalhe que, em cada coisa, pode dar prazer. (Marchionni, 2008: 75).

    Em todas essas ticas h um Bom. Veja abaixo uma listagem sucinta de vises

    entre as filosofias csmicas e religiosas e as filosofias materialistas (Marchionni,

    2008: 79-80):

    Em Plato o bom a Verdade;Nos Hindus, o bom o Brahma;Em Buda, o bom o Nirvana;No mestre Lao, o bom o Tao;No Judasmo, Cristianismo, Islamismo, o bom o Criador-Pai.

    Em kant, o bom o dever;Em Nietzsche, Sartre, Camus, o bom opoderou o nada;Em Marx, o bom o trabalho livre;

    Em Epicuro, Foucault, Deleuze, ... o bom oprazer;Em Bentham, Mill, Rorty, o bom o til;Em Habermas e Apel, o bom o consenso;Em Jonas, o bom a responsabilidade;Em Rawls, o bom ajustia.

    Como afirma o autor em sua obra, o bom, objeto da tica, consangneo do

    belo e do verdadeiro. Diante de tantas concepes do Bom, como definir

    verdade? Em tica, teramos dois grupos para compor o cenrio dessa discusso.

    Isto significa dizer que podemos falar, por um lado, de verdades absolutasque

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    afirma que a sua existncia vlida em todo o tempo e lugar (geralmente se

    inscrevem neste grupo os religiosos e csmico-espiritualistas); e por outro, de

    verdades relativas estas variam em termos de tempo, lugar, circunstncias,

    cultura... (grupo dos materialistas). Poderamos listar uma tipologia de verdades

    (Marchionni, 2008: 94-95):

    Verdades do senso com um percebidas pelos sentidos externos einternos. Verdades racionais subdivididas em: a) racionaismentais (lgicas, tericas) e b) racionais experimentais (empricas,cientficas). Verdades supra-racionais (metafsicas, intuitivas,contemplativas, intelectivas). Verdades reveladas alcanadaspela f religiosa.

    Encerro essa discusso trazendo um trecho da entrevista de J. Ribeiro, filsofo da

    Universidade de So Paulo, citado em Marchionni (2008: 102). Assim ele diz:

    A tica diz respeito conduta humana dividida entre o Bem e o Mal.Mas muito complicado aplicar esse discurso em uma poca emque os valores no so mais absolutos. No posso dizer que ohomossexualismo errado. No posso nem dizer que, em princpio,o adultrio errado. Todas essas condutas foram relativizadas. por isso que se torna essencial mostrar s pessoas como importante que elas enunciem seus prprios valores, e no apenassigam valores impostos por outrem. preciso que as pessoasdescubram seus prprios valores e sejam coerentes com eles. Elasdevem pensar, tambm, quais seriam os resultados, para elas e paraa sociedade, de uma escolha. O meu problema tem sido contestaruma tica do certo ou do errado. Uma tica assim acaba isentando apessoa da dor e da dificuldade de escolher.

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    2. TICA E TRABALHO

    Antes os homens tinham suas aes naalma e no corao, agora tm-nas nobolso.(Jos de Alencar, 1829-77).

    Antes mesmo de pensarmos na relao tica e trabalho, isto , em uma tica

    profissional, precisamos entender como legitimamos os valores e as regras

    morais. Para entendermos esse processo, vejamos a cena:

    Imagine que em seu trabalho chegar atrasado gere uma punio dedesconto salarial e uma bronca do seu chefe. O funcionrio temconscincia de que isto pode ser ruim para ele, no apenas emtermos financeiros, mas tambm psicolgicos (ningum gosta de serrepreendido pelo chefe todos os dias!). O fato que se este mesmofuncionrio obedece as regras apenaspor medo das punies (porno ter o salrio diminudo e por conta das broncas), muitopossvel que na certeza da impunidade ele no chegar no horrio.

    O que estamos mostrando no exemplo acima apenas uma situao, dentre

    vrias que ocorrem no mbito profissional, mas ela ilustrativa para dizermos queuma pessoa legitima o valor e uma regra moral independentemente de ter que ter

    uma punio para segui-la. Afinal, no queremos que a fora e o castigo sejam os

    reguladores para que uma pessoa chegue no horrio, mas sim sua moral e

    responsabilidade para com o seu trabalho. Se voc precisar de um regulador

    como a punio para estar em dia com o seu trabalho, ento isto significa que

    voc no legitimou a regra moral.

    Mesmo se voc ainda no atua como intrprete profissional, fato que suas

    escolhas antes mesmo de estar aqui fazendo esta formao no curso

    Letras/Librasj deveriam estar considerando algumas reflexes. Sabemos que

    a nossa profisso uma escolha, mas ao optarmos por ser um enfermeiro,

    professor ou intrprete, teremos um conjunto de deveres que passam a ser

    obrigatrios. muito possvel que no saibamos dos nossos deveres na profisso

    escolhida, mas durante a formao acadmica e o contato com os profissionais

    da mesma rea que saberemos se nos encaixamos no perfil e/ou exigncias da

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    profisso. na formao, portanto, que aprenderemos as competncias e

    habilidades do que queremos ser, mas h que se considerar tambm a reflexo

    sobre as regras morais e ticas, antes mesmo do incio das nossas prticas

    formais ou informais.

    A cada curso que realizamosaqui especificamente falando dos cursos de nvel

    superior teremos um juramento a fazer, isto , teremos que nos comprometer

    com a nossa categoria profissional, e esse ritual que define o aspecto moral

    daquilo que intitulamos tica profissional. Iniciaremos nossas prticas no mercado

    de trabalho seguindo, portanto, um conjunto de regras estabelecidas como sendo

    as mais corretas e boas para o pleno exerccio da funo (Glock & Goldim, 2003).

    Se voc, por ventura, j estiver trabalhando mesmo antes de se formar e/ou

    estudar, como o caso da maioria dos intrpretes de Libras, ainda assim voc

    tem uma responsabilidade ao iniciar qualquer atividade. No podemos justificar

    ms condutas em situaes do tipo isso era apenas um bico!. No importa o tipo

    e o tempo do vnculo, h deveres e regras morais e ticas a se seguir (Glock &

    Goldim, 2003).

    2.1 Empregando princpios ticos na profisso...

    Como sei se estou sendo tico em minha profisso? Esta uma pergunta nem

    sempre fcil de responder. Mas, podemos dizer que, qualquer pessoa,

    trabalhando ou no, pode saber se segue princpios ticos atravs da

    incorporao do hbito da reflexo. Quando pensamos sobre as nossas aes,

    temos mais conscincias sobre ns mesmos, isto , sobre nossas limitaes,

    qualidades e fraquezas. Esse exerccio inicia quando temos em nossas reflexes

    os seguintes princpios: sempre se colocar no lugar do outro e no fazer com o

    outro o que no queremos que faam conosco. Esses princpios so apenas

    norteadores, mesmo porque ao aceitarmos um trabalho ou emprego,

    precisaremos saber o que esperam de ns para o desempenho das atividades: o

    quee comofazer deve estar claro para o profissional, assim ele pode realizar sua

    funo com mais tranqilidade e confiana, ou seja, sem outra pessoa

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    necessariamente conferindo seus passos. Diante deste cenrio cabe ao

    profissional perguntar: estou sendo um bom profissional?, realizocorretamente

    minha funo?, ou ainda h algo que eu poderia fazer para realizar de forma

    mais eficaz as minhas atividades?.

    certo que atitudes variadas e especficas fazem parte dos cdigos de ticade

    cada profisso, mas poderamos destacar algumas que so universais:

    generosidade, esprito de cooperao e respeito. Isto significa que voc pode ir

    alm das suas tarefas, ajudando a equipe ou um colega a resolver problemas e

    desenvolver tarefas que no foram dadas exclusivamente a voc. Estas aes

    engrandecem o ser humano e instauram o sentimento de confiana mtua e

    solidariedade. Em Quadros (2004: 28) podemos verificar alguns papis do

    intrprete no que diz respeito aos preceitos ticos:

    a) confiabilidade (sigilo profissional);b) imparcialidade (o intrprete deve ser neutro e no interferir comopinies prprias);c) discrio (o intrprete deve estabelecer limites no seuenvolvimento durante a atuao);d) distncia profissional (o profissional intrprete e sua vida pessoal

    so separados);e) fidelidade (a interpretao deve ser fiel, o intrprete no podealterar a informao por querer ajudar ou ter opinies a respeito dealgum assunto, o objetivo da interpretao passar o que realmentefoi dito).

    Como voc pode ver, a atuao do intrprete deve ser permeada por preceitos

    ticos. Mas, em sua opinio, os preceitos ticos sobre os papis do intrprete de

    Libras acima esto em conformidade com a sua viso? Quais itens voc concorda

    e/ou discorda? Reflita a respeito... Acrescentaria tambm que para sermos

    profissionais ticos temos que ser capazes de a) compreender o conceito de

    justia, b) adotar atitudes de respeito pelas pessoas, c) compreender a profisso

    que escolhemos em seu sentido histrico, aplicando os conhecimentos

    construdos e aprendidos; d) lanar mo do dilogo como meio de esclarecer

    conflitos, e) pautar as nossas aes com vistas a uma sociedade plural,

    democrtica e solidria (Portal MEC, 2010).

    Por ltimo saiba que vrias oportunidades de trabalho podero surgir, mas vocdever estar atento e preocupado em ser um pouco melhor a cada dia em sua

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    profisso. tica tem que ver tambm com a perspectiva da superao individual,

    de buscar melhorar a fase de sua vida, aprendendo e/ou experimentando novas

    formas de exercer as atividades. Lembre-se de que para ser um profissional

    eticamente bom a reflexo tem que estar incorporada no seu dia-a-dia. Faa voc

    um servio voluntrio ou um servio remunerado, sempre atue de forma

    comprometida, seguindo preceitos ticos, afinal se a atividade voluntria foi sua

    opo realiz-la e isto no lhe exime de fazer com capricho e competncia.

    2.2 Cdigos de tica

    Os cdigos de tica so elaborados com o objetivo de orientar as aes de seus

    participantes. Trata-se de um texto redigido, analisado e aprovado pela

    organizao e/ou instituio competente em que so apresentadas as diretrizes

    referentes aos seus princpios, viso e misso. Neles ficam impressos as posturas

    e atitudes esperadas e estas devem estar em conformidade com as condutas

    moralmente aceitas pela sociedade. O contedo dos cdigos de tica de suma

    importncia, pois reflete aquilo que esperado das pessoas, alm de tambm

    respald-las na empresa frente a situaes vivenciadas.

    neste sentido que o processo de implantao dos cdigos fomenta, em sua

    concepo, debates e reflexes com vistas sensibilizao de todos os

    participantes. Trata-se de um mecanismo que imprime as polticas, prticas e

    determinados comportamentos, tornando mais claras as responsabilidades,

    direitos e deveres das partes envolvidas dentro de um determinado cenrio. O

    cdigo de tica, portanto, fortalece a imagem de uma instituio, e por isso um

    instrumento vantajoso para os membros com os quais interage, pois alm de

    integrar, comprometer, padronizar critrios, o cdigo tambm respalda a

    instituio para a soluo de problemas, estimulando assim a qualidade nas

    relaes interpessoais e o crescimento profissional com vistas conduta de

    responsabilidade social, respeito, harmonia e transparncia.

    As associaes de cada categoria elaboram seus prprios cdigos de tica. Soformadas por membros associados, colaboradores e/ou voluntrios. A ABRATES

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    (Associao Brasileira de Tradutores) a primeira organizao dos profissionais

    tradutores de lnguas orais no Brasil. Foi criada em 1974, no Rio de Janeiro, a

    partir da colaborao de tradutores e estudiosos como Paulo Rnai, Aurlio

    Buarque de Hollanda, Raymundo Magalhes Jnior, este ltimo atuando como

    primeiro presidente da associao. Outros profissionais tambm contriburam para

    a constituio da ABRATES, a saber: Marco Aurlio Moura Matos, Elias

    Davidovitch, Clvis Ramalhete e Daniel Rocha (Wengorski, 2009). De acordo com

    Wengorski (op. cit.) apenas a partir de 1988 que a profisso do tradutor passa a

    ser mais reconhecida, mesmo j existindo o cargo de tradutor juramentado,

    institudo pelo governo. Dezoito anos passados aps a sua fundao, comea

    ento a se imprimir um novo perfil: tradues de literatura e de rea tcnica sob

    um mesmo sindicato; ampliao das relaes entre prestadores e tomadores,

    conquista de pagamento de direitos autorais, criao de credenciamento.

    Wengorski (op. cit.) faz um breve histrico situando a ABRATES e o SINTRA

    (Sindicado de Tradutores), mostrando as relaes existentes entre ambas.

    vlido lembrar para os contextos de interpretao e traduo de lngua de sinais, o

    que o autor conclui ao final de seu texto:

    ...qualquer organizao simplesmente to boa quanto aos que delaparticipam, e [que] cabe a cada um sugerir e participar. Caber aosque assumirem a direo de cada uma das nossas organizaes oequilbrio entre a firmeza da orientao e a flexibilidade do ouvir acategoria.

    A trajetria percorrida pelos profissionais da ABRATES serve de exemplo para

    pensarmos como esto se organizando os profissionais que atuam com a lngua

    de sinais. Um dos primeiros cdigos de tica na rea foi aprovado no II Encontro

    Nacional de Intrpretes, em 1992, com base no RID (Registro dos Intrpretes para

    Surdos), de 1965, dos Estados Unidos. Depois de adaptado e traduzido, o cdigo

    da FENEIS parte do Regimento Interno do Departamento Nacional de

    Intrpretes2(Quadros, 2004: 31-33):

    2(RIDRegistro dos Intrpretes para Surdos em 28-29 de janeiro de 1965, Washington, EUA).Traduo do original Interpreting for Deaf People, Stephen (ed.) USA por Ricardo Sander.

    Adaptao dos Representantes dos Estados Brasileiros Aprovado por ocasio do II EncontroNacional de IntrpretesRio de Janeiro/RJ/Brasil1992.

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    CAPTULO 1Prin cpio s fund amentais

    Artigo 1. So deveres fundamentais do intrprete:1. O intrprete deve ser uma pessoa de alto carter moral, honesto, consciente, confidente

    e de equilbrio emocional. Ele guardar informaes confidenciais e no poder trairconfidncias, as quais foram confiadas a ele;2. O intrprete deve manter uma atitude imparcial durante o transcurso da interpretao,evitando interferncias e opinies prprias, a menos que seja requerido pelo grupo a faz-lo;3. O intrprete deve interpretar fielmente e com o melhor da sua habilidade, sempretransmitindo o pensamento, a inteno e o esprito do palestrante. Ele deve lembrar doslimites de sua funo e no ir alm de sua responsabilidade;4. O intrprete deve reconhecer seu prprio nvel de competncia e ser prudente emaceitar tarefas, procurando assistncia de outros intrpretes e/ou profissionais, quandonecessrio, especialmente em palestras tcnicas;5. O intrprete deve adotar uma conduta adequada de se vestir, sem adereos, mantendo

    a dignidade da profisso e no chamando ateno indevida sobre si mesmo, durante oexerccio de sua funo.

    CAPTULO 2Relaes com o c on tratan te do s ervio

    6. O intrprete deve ser remunerado por servios prestados e se dispor a providenciarservios de interpretao, em situaes onde fundos no so possveis;7. Acordos em nveis profissionais devem ter remunerao de acordo com a tabela de cadaestado, aprovada pela FENEIS.

    CAPTULO 3Responsabi l idade prof iss ional

    8. O intrprete jamais deve encorajar pessoas surdas a buscarem decises legais ououtras em seu favor;9. O intrprete deve considerar os diversos nveis da Lngua Brasileira de Sinais bem comoda Lngua Portuguesa;10. Em casos legais, o intrprete deve informar autoridade qual o nvel de comunicaoda pessoa envolvida, informando quando a interpretao literal no possvel e o intrpreteento ter que parafrasear de modo claro o que est sendo dito pessoa surda e o que elaest dizendo autoridade;11. O intrprete deve procurar manter a dignidade, o respeito e a pureza das lnguasenvolvidas. Ele tambm deve estar pronto para aprender e aceitar novos sinais, se isso fornecessrio para o entendimento;12. O intrprete deve esforar-se para reconhecer os vrios tipos de assistncia ao surdo efazer o melhor para atender as suas necessidades particulares.

    CAPTULO 4Relaes com os co legas

    13. Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento profissional, o intrpretedeve agrupar-se com colegas profissionais com o propsito de dividir novos conhecimentosde vida e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas em interpretao etraduo.

    Pargrafo nico. O intrprete deve esclarecer o pblico no que diz respeito ao surdo sempreque possvel, reconhecendo que muitos equvocos (m informao) tm surgido devido falta de conhecimento do pblico sobre a rea da surdez e a comunicao com o surdo.

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    Alguns elementos do cdigo acima merecem discusso: primeiro, o documento foi

    desenvolvido para a realidade e necessidades de uma cultura estrangeira,

    segundo a data do registro do RID e, terceiro e especialmente, as ideologias

    inscritas no cdigo... Embora algumas unidades de intrpretes de lngua de sinais

    foram inicialmente ligadas FENEIS, podemos destacar movimentos externos a

    ela. Destaco, por exemplo, a FEBRAPILS (Federao Brasileira das Associaes

    dos Profissionais Tradutores, Intrpretes e Guia-intrpretes de Lngua de Sinais)

    que agrega as APILS (Associao dos Profissionais Tradutores e Intrpretes e

    Guia-intrpretes de Lngua de Sinais). Esta federao nasceu em 22 de agosto de

    2008, em Braslia, e participam hoje intrpretes de vrios estados do Brasil.

    Para fins de ilustrao, destaco os itens I e II do cdigo de tica da APILSPESP

    (Associao Profissional dos Intrpretes e Guia-Intrpretes da Lngua de Sinais

    Brasileira do Estado de So Paulo), considerado que este documento regula e

    imprime as polticas, prticas e determinados comportamentos, tornando mais

    claras as responsabilidades, os direitos e deveres das partes envolvidas dentro do

    cenrio de atuao dos TILS (documento completo ver anexo):

    CDIGO DE TICA APILSBESP

    I Do Objeto

    Art.1 - O presente Cdigo de tica rege a tica profissional dos Intrpretes e Guia-intrpretes da Lngua de Sinais Brasileira (ou tambm conhecida por LIBRAS), filiados Associao Profissional dos Intrpretes e Guia-intrpretes da Lngua de Sinais Brasileira doEstado de So Paulo - APILSBESP.

    Pargrafo nico: As normas do presente Cdigo de tica so aplicveis aos scios emqualquer cargo ou funo, independentemente do estabelecimento ou instituio a queestejam prestando servio.

    II Da tica Profissional

    Art. 2 - O Intrprete e Guia-intrprete obriga-se a restrita observncia do segredoprofissional, no podendo divulgar a quem quer que seja qualquer informao obtida nodecorrer de sua atividade profissional salvo no caso de reunio aberta ao pblico em geral,de implicao em delito previsto em lei, ou que possam gerar graves conseqncias ilcitaspara terceiros.

    Art. 3 - O Intrprete e o Guia-intrprete deve manter uma atitude neutra durante otranscurso da sua interpretao, evitando quaisquer opinies prprias, a menos que sejasolicitado.

    Art. 4 - O Interprete e o Guia-intrprete deve interpretar fielmente e com o melhor de suahabilidade, sempre transmitindo o contedo, a inteno e o esprito do interlocutor,

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    utilizando-se de todos os recursos de expresses disponveis.

    Art. 5 - O Intrprete e o Guia-intrprete devem reconhecer seu prprio limite ecompetncia, sendo prudente na aceitao de tarefas para as quais se julgarsuficientemente qualificado ou no.

    Pargrafo nico - Sua assinatura em um contrato vale como penhor da qualidadeprofissional de seu trabalho, bem como, do desempenho profissional dos outros Intrpretese Guia-intrpretes da equipe contratada por seu intermdio, membros ou no daAPILSBESP.

    Art. 6 - O Intrprete deve ser discreto no uso de sua roupa, para uma atuao. Devesempre usar roupas lisas (de uma cor s), e que contrastem com sua pele. Da mesmaforma, evitar o uso de enfeites e ornatos pessoais (no cabelo, brincos salientes, colares,anis, relgios, etc.). Ainda, ele deve saber o seu lugar no ambiente em que atuar qual omelhor lugar para ele se posicionar, sendo confortavelmente visvel para o pblico surdo,sem atrapalhar as pessoas, que no dependem dele. Estas normas gerais de bom senso ede padro mundial valem tambm ao Guia-intrprete, sendo que este tem maior liberdadequanto ao vesturio e posio de atuao.

    Acessado emhttp://www.apilsbesp.org/etica.asp

    http://www.apilsbesp.org/etica.asphttp://www.apilsbesp.org/etica.asphttp://www.apilsbesp.org/etica.asphttp://www.apilsbesp.org/etica.asp
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    3. ATUAO DOS TRADUTORES E INTRPRETES DE LNGUA DE SINAIS

    O homem grande aquele que nodomina e que no quer ser dominado.

    (Gibran Kahlil, 1883-1931).

    Na disciplina de Traduo e Interpretao da Libras I, vocs tiveram a

    oportunidade de iniciar uma reflexo em torno do intrprete educacional e/ou

    pedaggico. A discusso ainda incipiente e polmica, pois instaura uma nova

    dinmica interacional nas salas de aula (aluno-intrprete-professor), alm detrazer tona o (des)gosto em relao a incluso escolar. Ainda que a rea da

    interpretao e traduo de lngua de sinais esteja em processo de construo e

    legitimao, fato que a demanda por profissionais em contextos educacionais

    muito maior se comparada a outros contextos. E aqui amplio dizendo que a

    formao deste profissional deve ser pensada tanto para a sua atuao dentro da

    sala de aula como tambm para alm dos muros da escola. Assim sendo, faremos

    um retorno ao debate do profissional inserido em contextos acadmicos, mas com

    a proposta de se pensar outros elementos na atuao dos tradutores e intrpretes

    de lngua de sinais (TILS): tanto em relao aos aspectos propriamente

    relacionados ao ato interpretativo (considerando as posturas, tomadas de

    decises e uso de estratgias) bem como aos aspectos relacionados ao campo de

    atuao ou espaos discursivos (considerando as especificidades e

    competncias na formao do profissional a partir da anlise emprica).

    Mas como se configura a histria dos TILS? De um modo geral, pode se afirmar

    que este profissional se constitui enquanto tal na medida em que os surdos so

    reconhecidos socialmente como grupo lingustico que faz uso da lngua de sinais.

    Sobre este aspecto Guarinello et alli(2008: 64) afirma que as implicaes ao se

    oficializar a Libras so de ordem social, subjetiva, cognitiva, teraputica e

    educacional. Todos estes aspectos esto inter-relacionados e pe em cena a

    figura do intrprete. Esse reconhecimento cria, portanto a demanda de

    profissionais, garantida pela prpria legislao Lei de Acessibilidade 10.048 de

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    2000, regulamentada pelo decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004, em seu

    artigo 23 que garante o direito de os surdos terem intrpretes em espaos

    sociais diversos, pblicos ou privados.

    Em contextos familiares em que h indivduos surdos, muito comum que um dos

    ouvintes funcione como intrpretes. Fora deste contexto, todavia, sabe-se que a

    atuao dos intrpretes esteve (est?) extremamente arraigada aos trabalhos

    voluntrios, especialmente ligados aos contextos religiosos. A este respeito, Lane

    (1984: 285) afirma que a religio tem sido uma das foras que ajudaram a

    perpetuar as lnguas minoritrias tanto entre surdos como entre os ndios. Ainda

    que o objetivo fosse voltado para a educao religiosa, o clero, diferentemente

    das autoridades legais, j tinha o entendimento de que a aprendizagem ocorria

    somente na lngua natural do aprendiz. Desdobra-se da uma atuao informal e

    fortemente assistencialista, visto que a formao de intrpretes de lngua de sinais

    e sua profissionalizao so muito recentes. Quadros (2004: 14-15) ilustra,

    resumidamente, alguns fatos que foram fundamentais para constituio dos

    intrpretes de lnguas de sinais no Brasil:

    a) Presena de intrpretes de lngua de sinais em trabalhosreligiosos iniciados por volta dos anos 80. b) Em 1988, realizou-se oI Encontro Nacional de Intrpretes de Lngua de Sinais organizadopela FENEIS que propiciou, pela primeira vez, o intercmbio entrealguns intrpretes do Brasil e a avaliao sobre a tica doprofissional intrprete. c) Em 1992, realizou-se o II EncontroNacional de Intrpretes de Lngua de Sinais, tambm organizadopela FENEIS que promoveu o intercambio entre as diferentesexperincias dos intrpretes no pas, discusso e votao doregimento interno do Departamento Nacional de Intrpretes fundado

    mediante a aprovao do mesmo. d) De 1993 1994, realizaram-sealguns encontros estaduais. e) A partir dos anos 90, foramestabelecidas unidades de intrpretes ligadas aos escritriosregionais da FENEIS. ... f) Em 2000, foi disponibilizada a pgina dosintrpretes de lngua de sinaiswww.interpretels.hpg.com.br.... g) Nodia 24 de abril de 2002, foi homologada a lei federal que reconhece alngua brasileira de sinais como lngua oficial das comunidadessurdas brasileiras. ...

    http://www.interpretels.hpg.com.br/http://www.interpretels.hpg.com.br/
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    Diante do exposto, o cenrio para o reconhecimento e tambm para a formao

    do intrprete3 acena para uma atmosfera mais positiva. E disso que nos fala

    Souza (2007: 159) quando afirma que entre os intrpretes j era perceptvel um

    alentador e srio movimento de discusso de suas funes e de seus papis:

    a) nos vrios e j citados campos de atuao dos intrpretes; b) emrelao natureza de sua participao frente aos distintossolicitantes (quer fossem os surdos, as associaes e comunidadessurdas, empresas, universidades, etc.); c) no que concerne aoestatuto tico-educativo que conferiam, com suas atuaes, pessoa surda; d) na nfase da necessidade de formaouniversitria do intrprete; e) bem como da formao de um cdigode tica que pudesse estabelecer princpios norteadores para o

    prprio balizamento do intrprete por seus pares.

    Veja-se que todas as discusses e atividades recaem sobre o intrprete. Ainda

    que o nome esteja presente na sigla quando dizemos Tradutor e Intrprete de

    Lngua de Sinais TILS, parece haver um apagamento do tradutor de Libras.

    Embora alguns estudiosos na rea de Estudos da Traduo fazem como Kade

    (1968), que tomam o termo traduo como hipernimo (isto , que engloba todas

    as modalidades), outros autores se valem da distino conceitual em que

    interpretao o ato de passar um texto oral de uma lngua para outra, ao passo

    que traduo envolve textos escritos. No primeiro exige-se improvisao, rapidez

    de ritmo, limitao de tempo, pois a presena do emissor fora o intrprete a

    poucas possibilidades de refletir sobre o texto da lngua de partida(Ronai, 1987).

    H inclusive um debate entre os profissionais intrpretes de Libras clamando por

    esta demarcao conceitual. Isto ocorre, a meu ver, por haver um sentimento de

    apagamento e marginalizao da atividade e consequentemente do intrprete

    de Libras se a rea fica sendo denominada apenas sob o termo traduo

    (Santos, 2010). Ainda que esta discusso seja pertinente entre os pares, com

    vistas visibilizao e legitimao para o entorno cientfico da atividade mais

    recorrente na rea da surdez que a interpretao, vlido ressaltar que a

    atividade de traduo tambm um campo proeminente nesta rea.

    3

    Destaco a importncia de se pensar tambm a formao de intrpretes de surdo-cegos no quese refere ao desenvolvimento de habilidades e competncias especficas para o desempenhodeste profissional.

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    Mas em que consistiriam os trabalhos de tradues na rea da surdez? As

    tradues envolveriam a lngua de sinais4, a escrita de sinais e a lngua

    portuguesa (ou outras lnguas) nos diversos gneros textuais. Por exemplo, a

    literatura surda que vem sendo registrada na sua oralidade pode ter sua verso

    em escrita de sinais ou mesmo em portugus escrito. O mesmo para trabalhos e

    pesquisas realizados por surdos em lngua de sinais que podem ter sua verso

    em um sistema escrito e vice-versa. A escrita de sinais ainda est em processo de

    padronizao, mas considerando o que nos diz o famoso poeta e tradutor Ezra

    Pound, de que a traduo uma maneira de tambm se estudar o

    desenvolvimento de uma lngua, nesse sentido que vejo que a criao de

    tradio para esse mercado de trabalho venha a fortalecer diretamente o sistema

    de escrita, e indiretamente a lngua de sinais. Alm disso, tradues com o

    sistema de escrita de sinais colaboram para que a produo de materiais seja

    desenvolvida e mais pesquisada.

    De fato, o tradutor e o intrprete independente do par lingustico em que atuam,

    por exemplo, portugus-ingls ou portugus-libras desenvolvem habilidades

    distintas na sua profisso. Algumas dessas habilidades perpassam pelos dois

    campos de atuao, mas a interpretao cria uma demanda maior para o

    profissional se considerarmos que as suas escolhas so feitas no momento e no

    contexto imediato das produes lingsticas. Ele(a) no tem a mesma

    possibilidade que tem o tradutor quando faz suas opes tradutrias, por exemplo,

    apoiando-se em outras ferramentas como: dicionrios, enciclopdias, tradutores

    eletrnicos, bancos de dados, etc. No campo das lnguas de sinais, em que na

    maioria das vezes o ato interpretativo d-se no campo acadmico e envolve a

    formao educacional do pblico surdo, como proceder levando-se em

    considerao a complexidade de contedos com os quais o intrprete tem que

    lidar e muitas vezes desconhece? Como trabalhar a mediao de contedos entre

    professor e aluno? E a interao aluno surdo-aluno ouvinte? Quais as implicaes

    de determinadas posturas e decises no ato interpretativo? Este o assunto que

    veremos no prximo captulo.

    4

    Ver artigo de Quadros & Souza, 2009, intituladoAspectos da traduo/encenao na Lngua deSinais Brasileira para um ambiente virtual de ensino: prticas tradutrias do curso de LetrasLibras.

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    3.1 Posturas e decises no ato interpretativo

    Interpretar nas salas de aula apenas uma das inmeras possibilidades de

    atuao. Inicio essa discusso pensando o contexto escolar, pois tradicionalmente

    nele que se inscreve e se legitima, em certa medida, a atuao dos intrpretes

    de Libras. Alm disso, considero o ato interpretativo neste cenrio o mais

    complexo de todos, seno o mais desafiador. Alguns de vocs possivelmente j

    vivenciaram essa experincia e devem ter inmeros casos para relatar.

    Conforme apontado por vrios autores (Quadros, 2004; Kelman, 2005; Guarinello

    et alli, 2008), uma alternativa tem sido se pensar a formao de intrpretes para a

    docncia. Quadros (2004: 63), por exemplo, menciona que isto j pensado pelo

    MEC com o objetivo de fazer essa formao com profissionais que j sabem

    lngua de sinais ou mesmo de intrpretes que possam a vir atuar como

    professores, atravs de formao especfica, culminando em uma espcie de

    dupla-funo para o profissional. A meu ver, mesmo sem formao e legitimao

    social desta carreira, essa demanda j est posta na prtica. Por isso torna-se

    urgente discutir os papis do intrprete educacional.

    A este respeito, Kelman (2005: 28-29) realizou um estudo objetivando analisar as

    diferentes funes do intrprete a partir de entrevistas feitas com algumas

    professoras regentes e professoras especializadas de escolas pblicas do ensino

    fundamental. O que confirmado na investigao que o ato interpretativo no

    isolado, isto , no funo nica do intrprete. A pesquisa mostra onze

    diferentes papis papis estes que foram reconhecidos e atribudos pelas

    prprias professoras. O primeiro trata-se de ensinar a lngua portuguesa como

    segunda lngua. Ensinar a lngua de sinais para surdos e tambm para ouvintes,

    com o objetivo de facilitar a comunicao entre o grupo, foram os dois outros

    papis. Em seguida, h meno de que o intrprete responsvel tambm por

    fazer a adequao (omisso) curricular, considerando-se esta ser uma estratgia

    para que todos caminhem no mesmo tempo durante a explanao do professor. O

    quinto papel o de participar no planejamento das aulas, visto que h umanecessidade de que o contedo seja ministrado da melhor forma possvel.

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    Integrar-se com a professora regente seria o sexto papel e este complementaria o

    anterior. O intrprete tambm deve orientar as habilidades de estudo dos alunos

    surdos, alm de estimular a autonomia dos mesmos. O nono papel o de fazer

    com que a integrao ocorra a partir do estmulo e interpretao da comunicao

    entre colegas surdos e ouvintes. A autora pontua que o intrprete tambm tem

    que fazer uso de comunicao multimodal e, finalmente promover a tutoria na sala

    de aula.

    No estudo de Kelman (2005) no foi possvel verificar de quem seria a

    responsabilidade de se conferir a avaliao/notas aos alunos. De qualquer forma,

    o estudo se apresenta de forma bem especulativa, tendo sido realizado em um

    curto perodo (entre novembro de 2002 e julho de 2003) para que asseres de

    tamanha complexidade sejam respondidas.5O que nos interessa por ora refletir

    a complexidade em jogo e as tenses com a qual os intrpretes tm que lidar.

    Nem todos os intrpretes tm a formao em licenciatura e/ou magistrio, e

    quando tm lhes falta, por outro lado, a formao especfica da rea de traduo e

    interpretao. Alm disso, nem todos os professores regentes lidam facilmente

    com a presena de um intrprete mediando saberes... Afinal, quais posturas o

    intrprete deve assumir? H ticas que limitem ou que permitam aos intrpretes

    certos direitos? Vejamos alguns aspectos descritos por um intrprete de Libras,

    pensados no contexto da incluso:

    O primeiro deles a conf iabi l idade esta precisa ser desenvolvidaentreambos, professor e intrprete. Quando se trabalha com insegurana,desconfiana extremamente incomodo, entretanto, havendo uma mtuaconfiana no s o trabalho mais bem realizado como o ambiente fica mais

    agradvel. O segundo o respeito,ele ser o limitador entre os dois, sabe-seque o direito de um termina quando se inicia o do outro, e se isso houver ambossabero os limites de suas funes. Se comunicativas, comunicativas; sepedaggicas, pedaggicas. O terceiro, a parcer ia profundamente importantepara o desenvolvimento escolar do aluno, e ele implica na diviso de contedosministrados em sala de aula. A interpretao de um modo geral rende maisquando o intrprete tem em suas mos o texto (refere-se a qualquer mensagemseja falada ou escrita) que interpretar, caso contrrio a interpretao serprejudicada, contudo se previamente ler o texto, na hora da traduo mobilizaresses conhecimentos armazenados em sua mente e, portanto, interpretarmelhor o contedo. Solicita-se que o professor debata com o intrprete o plano

    5Sobre os papis do intrprete na sala de aula inclusiva ver tambm o trabalho de Leite (2005).

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    de aula e esclarea dvidas caso ele tenha; de igual modo o intrprete sepreocupar em tomar conhecimento do texto que ser usado em sala de aula ouem qualquer outro evento. Envolv imento educac ional o quarto convidado ede grande importncia, pois ele permitir que o professor e o intrprete mostremum ao outro a deixa, objetivando ampliar a formao dos surdos. O intrprete

    sabe os pontos em que os surdos se sentem mais fragilizados e podercompartilhar essas informaes com o professor. O professor, por sua vez, sabepela correo de exerccios e provas quando o aluno est respondendo bem ouno aos contedos e assim informar ao intrprete. Essa troca entre os doisfacilitar o envolvimento e desenvolvimento educacional dos alunos.

    Fragmento retirado do sitehttp://www.feneis.org.br (acesso em 2009).

    Qualquer ato interpretativo envolve um enorme empenho lingstico-comunicativo

    por parte do intrprete. Isso porque ele tem que processar a informao que

    expressa em uma determinada lngua (no caso lngua fonte), fazendo adequaese escolhas lingsticas que faam sentido na lngua alvo. Alm do domnio

    lingustico e tcnico, o ato interpretativo tambm requer do profissional

    conhecimento histrico, cultural e social. Afinal ele no funciona (como muitos

    gostariam de pensar!) como um decodificador de palavras em sinais e vice-

    versa. Como nos mostra Leite (2005: 74), trata-se de atores engajados na

    interao resolvendo problemas, no apenas de traduo, mas, tambm

    problemas de mtuo entendimento em situaes interativas. O fato de ointrpretediferentemente do tradutorestar presente fisicamente no ato em que

    ocorre a sua tarefa cria uma emergncia em seu desempenho. Podemos dividir

    a interpretao nas seguintes modalidades:

    - interpretao simultnea;- interpretao consecutiva;- interpretao sussurrada.

    Em quaisquer processos de interpretao esto relacionados fatores tais como:

    memria, tomada de decises, categorizao e estratgias de interpretao, por

    exemplo. Assim sendo, cada uma das modalidades supracitadas exige

    habilidades e tcnicas distintas do intrprete. A este, portanto, cabe o

    gerenciamento das informaes e dos conhecimentos de modo que possa

    conduzir seu trabalho da melhor maneira. Como se v, interpretar uma atividade

    altamente complexa. Mas, seria possvel minimizar tantas presses e

    dificuldades? Dito de outra forma, quais estratgias podem ser utilizadas no ato

    http://www.feneis.org.br/http://www.feneis.org.br/http://www.feneis.org.br/
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    interpretativo? Vejamos os princpios de alguns modelos de processamento,

    conforme apresentado em Quadros (2004: 75-78).

    O primeiro o modelo cognitivo, em que temos os seguintes passos: 1)

    entendimento da mensagem na lngua fonte; 2) capacidade de internalizar o

    significado na lngua alvo; 3) capacidade de expressar a mensagem na lngua alvo

    sem comprometer a mensagem que chega na lngua fonte. O processo seria:

    Mensagem original > Recepo e compreenso > Anlise e internalizao >Expresso e avaliao > Mensagem interpretada para a lngua alvo.

    No modelo interativo os interlocutores (iniciador, receptor e o intrprete); a

    mensagem, o ambiente (contexto fsico e psicolgico) e as interaes entre as

    categorias anteriores so elementos que implicam na interpretao. Expandindo

    para o contexto da interpretao de lngua de sinais, Quadros (2004: 76)

    considera que so elementos importantes para se refletir:

    1) como a mensagem est sendo interpretada (simultaneamente ou

    consecutivamente); 2) o espao de sinalizao que est sendousado (amplo ou reduzido de acordo com a audincia); 3) fatoresfsicos (como iluminao e rudos); 4) feedback da audincia(movimento da cabea e linguagem corporal); 5) decises em nvellexical, sinttico e semntico.

    Em seguida a autora menciona o modelo intepretativo cujo foco est

    exclusivamente para o sentido da mensagem; e o modelo comunicativoem que o

    objetivo est para a transmisso da mensagem enquanto codificao entre

    lnguas. Neste ltimo o intrprete visto como transmissor de informaes. Oquinto modelo apresentado o sociolingsticoque conta com:

    A recepo da mensagem; processamento preliminar(reconhecimento inicial); reteno da mensagem na memria decurto prazo (a mensagem deve ser retida em pores suficientespara ento passar ao prximo passo); reconhecimento da intenosemntica (o intrprete adianta a inteno do falante); determinaoda equivalncia semntica (encontrar a traduo apropriada da

    lngua); formulao sinttica da mensagem (seleo da forma

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    apropriada); produo da mensagem (o ltimo passo do processo dainterpretao). (Quadros, 2004: 77).

    Ao se analisar a mensagem da lngua fonte para se compor a mensagem da

    lngua alvo, voc estaria seguindo o modelo do processo da interpretao queconsiste nos seguintes aspectos:

    Habilidade processual (habilidade de compreender a mensagem econstruir a mensagem na lngua alvo); organizao processual(monitoramento do tempo, estoque da mensagem em partes, buscade esclarecimento); competncia lingustica e cultural; conhecimento(experincia e formao profissional); preparao; ambiente (fsico epsicolgico); filtros (hbitos do intrprete, crenas, personalidade einfluncias).

    O ltimo modelo ilustrado o modelo bilngue e biculturalem que a postura e o

    comportamento do intrprete em relao s lnguas e culturas envolvidas passam

    a ser um elemento a se considerar; isto , a necessidade de contato e convvio

    com a comunidade surda com o objetivo de se conhecer o grupo com o qual

    trabalha. Por fim, a autora faz algumas consideraes com base nos modelos

    apresentados:

    1) nfase no significado e no nas palavras; 2) cultura e contextoapresentam um papel importante em qualquer mensagem; 3) tempo considerado o problema crtico (a atividade exercida em temporeal, envolvendo processos mentais de curto e longo prazo); 4)interpretao adequada definida em termos de como a mensagemoriginal retida e passada para a lngua alvo considerando-setambm a reao da platia. Os intrpretes devem saber: as lnguasenvolvidas, entender as culturas em jogo, ter familiaridade com cadatipo de interpretao e com o assunto (Quadros, 2004: 78).

    No sentido de se compreender como ocorre o processamento de informaomental,vrios modelos descritivos foram desenvolvidos no campo dos Estudos da

    Traduo de lnguas orais. Por razes de tempo e de escopo deste material,

    destaco o autor Daniel Gile e o seu Modelo dos Esforos, desenvolvido no incio

    da dcada de 80 e que, ao contrrio dos estudos anteriores aos anos oitenta, no

    consistia em apenas descrever os processos de uma interpretao. Com base em

    conceitos emprestados da Cincia Cognitiva, a proposta de Gile busca

    compreender e explicar a ocorrncia de erros e omisses durante a atuao dosintrpretes. Seu modelo imprime a ideia de que na interpretao simultnea h

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    uma variedade de operaes competitivas, nomeadas pelo pesquisador como

    esforos(da o nome do modelo)estes englobando componentes conscientes,

    deliberados e exaustivos, resultando em operaes no-automticas o que quer

    dizer que impem ao intrprete uma capacidade de processamento. (Gile, 1995).

    As premissas do modelo so as de que a interpretao: 1) requer alguma forma

    de energia mental que estaria disponvel ao intrprete em quantidade limitada, e

    2) consome quase toda essa energia mental, muitas vezes, mais do que o que

    est disponvel, resultando, portanto, em complicaes no desempenho. O autor

    destaca que h 3 esforoscruciais, podendo eles se sobreporem ou se inverterem

    no ato da interpretao:

    1Escutar e analisar o texto de partida (compreenso);2Produzir o discurso na lngua alvo;3Memria de curto prazo para armazenar e recuperar a informao.

    Mas, e durante o desempenho, podem ocorrer problemas mesmo se os esforos

    so empregados? Certamente que sim. A capacidade de processamento perderia

    sua eficincia quando um dos esforos consume maior ateno do intrprete,

    deixando os outros esforos com menos energia, digamos assim, para funcionar.

    Se o intrprete se empenha demais para fazer uma reformulao em umdeterminado momento do discurso, h uma sobrecarga tamanha que a sua

    capacidade de processamento fica comprometida. Isto significa que os esforos

    utilizados no poderiam exceder os limites de capacidade de processamento o

    que um complicador, pois sabemos que mesmo com estas estratgias o

    intrprete trabalha muito perto do nvel de sobrecarga de informaes. Adiante em

    seu estudo, Giles (1999) formula a noo de desencadeadores de problemas

    hiptese esta que supe que se o intrprete est em seu limite mximo desaturao, at mesmo as pequenas demandas de ateno poderiam resultar em

    erros ou omisses em seu desempenho. Este modelo terico de processamento

    nos explica, at certo ponto, porque certos erros e/ou omisses ocorrem sem

    qualquer motivao aparente, comprometendo e interferindo no ato interpretativo.

    Os modelos apresentados, especificamente o Modelo dos Esforos, foram

    rapidamente comentados e servem como pano de fundo para o intrpretepensar/compreender os seus caminhos, desenvolvendo tcnicas para realizar o

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    seu trabalho. O ato interpretativo no nada simples e inmeras variveis esto

    em jogo. Para complementar a discusso, vejamos a representao de Lopes

    (1997) em que o autor compara as diferenas e similaridades do processo de

    traduo e de interpretao:

    Lngua de Partida Lngua de ChegadaOuvir Processar Discursar

    Compreender:

    - Vocabulrio, terminologia efraseologia;- Discurso;- Pragmtica

    Tudo que o tradutor faz,porm sem tempo para

    refletir, pesquisar ouexperimentar.

    Transmitir com clareza o queouviu:

    - Vocabulrio, terminologia efraseologia;- Discurso;- Pragmtica

    INTERFERNCIASAmbienterudos do auditrio, do equipamento, etc.

    Variaes de velocidade de falaVariaes de sotaque (nativos e no nativos)

    Variaes de voz e de eloqncia (oradores e oradores)Fatores imprevistos

    Assumo com o pesquisador que embora o quadro possa ser til para fins de

    comparao, o processo de interpretao apresenta caractersticas complexas,

    marcado por uma natureza singular e evanescente. Por isso, vrias barreirasamplificam o rduo trabalho do intrprete na intermediao do discurso entre dois

    idiomas: bagagem cultural, conhecimento de mundo, formao educacional,

    dentre outras. Alem do mais, o intrprete precisa ter conhecimento da situao de

    comunicao, das expectativas e exigncias da audincia, e domnio nas duas

    lnguas em que transita afinal, neste ltimo caso, as caractersticas

    morfossintticas de cada lngua impem facilidades ou dificuldades no trnsito

    entre uma e outra. Isto porque as lnguas no so transparentes; nem os seussignificados, pois precisam ser inferidos no contexto. Tanto o tipo de texto como o

    contexto so fatores relevantes para a interpretao. E disso que falaremos a

    seguir.

    3.2 Campos de atuao: relatos de experincias

    Um dos elementos que o intrprete tem que ter conhecimento o contexto

    discursivo em que desempenhar sua funo. Os campos de atuao do

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    interprete de Libras podem ser inmeros, e estes imprimem tipos discursivos

    especficos. Sabemos que o fato de a interpretao diferentemente da

    traduoser caracterizada pela oralidade da lngua, no significa afirmar que

    os discursos so mais acessveis. Pelo contrrio, muitas vezes os tipos de textos

    de partida so nebulosos, tornando o trabalho do intrprete um grande campo

    de batalha. Isto porque o interlocutor da lngua de partida pode transitar em

    graus textuais distintos na sua oralidade, inclusive aquela perto da formalidade

    de um texto escrito ou mesmo valer-se de textos escritos na ntegra (isto , h

    que se lidar desde o discurso oral e espontneo, totalmente improvisado, at a

    leitura de um texto escrito). Assim sendo, o intrprete ter que driblar certas

    contingncias, isto , a multiplicidade de gneros discursivos em um mesmo

    evento.

    Quadros (2004: 79) discute sobre a problemtica que permeia a vida dos TILS

    em que uma demanda seria a de se passar a mensagem de forma precisa e

    apropriada. A autora menciona que os treinamentos destes profissionais se

    voltavam para exerccios em que o foco no vocabulrio e nas frases: decises

    sobre o significado esto baseadas nas palavras. Adiante, a autora nos faz

    lembrarem conformidade com pesquisas na atualidadeque estes elementos

    como unidades de significado no correspondem ao entendimento do discurso,

    significado e interao entre os participantes dos atos de fala. Essa variao,

    portanto, imprime dinamismo, caracterstica esta inerente da fala. Portanto, o

    profissional poder se deparar com os seguintes tipos discursivos (Quadros,

    2004: 80 apudCallow, 1974):

    Narrativo reconta uma srie de eventos ordenados mais ou menos deforma cronolgica. Persuasivoobjetiva influenciar a conduta de algum.Explicativo oferece informaes requeridas em determinado contexto.Argumentativo objetiva provar alguma coisa para a audincia.Conversacional envolve a conversao entre duas ou mais pessoas.Procedural d instrues para executar uma atividade ou usar algumobjeto.

    Por conta dos fatores tempo e velocidade do discurso na interpretao,

    generalizaes, omisses, reformulaes, compensaes, emprstimos, auto-correes so apenas algumas das marcas presentes no desempenho de muitos

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    profissionais. Considerando que todo processo interpretativo envolve

    compreenso de ordem lingustica, semntica, pragmtica, cultural e cognitiva,

    uma estratgia til um trabalho voltado ao conhecimento dos tipos discursivos

    anteriormente descritos. Assim, possvel minimizar certas tenses em relao

    s expectativas do intrprete, especialmente no sentido de fornecer pistas que o

    ajudem nas tomadas de deciso quanto s escolhas lingsticas, por exemplo.

    Alm disso, tais discursos esto inscritos em diversos espaos ou campos de

    atuao dos TILS, a saber: na academia, na mdia, em conferncias, reparties,

    sistema judicirio, instituies religiosas, hospitais, etc. Possivelmente muitos de

    vocs j experimentaram atuar em alguns destes contextos, mas vejamos o que

    nos ensina os relatos de experincia dos intrpretes Wellington Ortega, Cludia

    de Almeida Gonalves, Cirley Vilanova Olah, Maria Tereza da Costa e Dolores

    Alves Pereira de Britto, descritos nos Anais do 2 Encontro dos Profissionais

    Tradutores/Intrpretes de Lngua Brasileira de Sinais de Mato Grosso do Sulem

    2006:

    A ATUAO DO INTRPRETE DE LNGUA DE SINAIS NA MDIA

    Wellington Ortega*

    Atuando como intrprete, desde 1998, tive a oportunidade de trabalhar em diversostipos de eventos, em salas de aula, e at mesmo para informes publicitrios ecampanhas na mdia. exatamente sobre a minha atuao na mdia que eu irei relatar,falar das experincias, dos fatos importantes e de pontos positivos e negativos dequando um intrprete resolve atuar nessa linha da interpretao. Dentre as vriasatuaes, h algumas que quero pontuar. A que eu considero de maior destaque foiuma campanha publicitria realizada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso doSul intitulada CIDADO POR INTEIRO, que consistia na interpretao de uma histrianum formato apropriado para pessoas com deficincia auditiva ou visual e as no

    alfabetizadas. Quando recebi o texto com a proposta, aceitei imediatamente e coloquei-me a estudar o texto, pois j imaginava que no seria um trabalho to fcil, juntamentecom alguns amigos surdos elaboramos para os personagens os sinais, quais seriam asmelhoras maneiras para se transmitir a mensagem, priorizando a lngua de sinais,dentro da identidade surda. Baseamo-nos muitos em materiais visuais da editora AraraAzul e vdeos da FENEIS. As primeiras tentativas de filmagem fracassaram, pois nohavia um material adequado para a filmagem nem to pouco um lugar apropriado. Tudoestava sendo feito com uma cmara digital de uso domstico nas dependncias doprprio TRE, no haveria edio de imagens e outros recursos que s estariamdisponveis em uma produtora. Uma semana antes do lanamento do projeto, fiqueisabendo que uma produtora faria o uma nova filmagem para ento dar a qualidade quea campanha merecia. O que me chamou a ateno no momento da filmagem, havia

    uma falta de conhecimento em Libras por parte da produtora no momento de fazer osencaixes de tempo da fala com a sinalizao. Foi sugerido tambm que no se

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    colocasse o famoso quadradinho no canto inferior da tela com aquele fundo azul,como na maioria das vezes acontece e sim a projeo do interprete diretamente naimagem do texto onde estavam os personagens, enfim. Para a minha surpresa no diado lanamento e apresentao dos materiais da campanha, bem como a projeo dovdeo, l estava o quadradinho minsculo com uma resoluo pior ainda. Pensando

    que a interpretao seria projetada em um fundo diferente coloquei uma camisa de corpreta e o resultado no foi dos melhores, pois no fundo azul, a imagem deu umaconotao muito carregada, sem falar nos cortes da sinalizao para que a sinalizaoe o udio fossem executados ao mesmo tempo. Em uma outra experincia no todiferente da primeira, no que se refere ao trabalho da produtora, tive uma srie deoutros desafios. Logo pela manh recebi um telefonema, que perguntava se eu poderiafazer a interpretao de um informe publicitrio, aceitei sem questionar como seria e,quando seria ou o que seria sinalizado. Quando cheguei produtora me fiz a seguintepergunta: Por que eu no perguntei antes? Deparei-me com um vdeo j pronto e que asinalizao seria sobreposta a imagem, para meu desconforto no havia tempo paratreinar, estudar ou sequer elaborar sinais. O vdeo tinha a durao de cerca de onzeminutos aproximadamente e no era possvel fazer cortes para editar posteriormente,

    pois eles afirmaram que no saberiam o tempo exato da sinalizao na hora dosencaixes. At ai tudo bem, o pior aconteceu quando me perguntaram se no tinha comono fazer essas caras. Ficou provado mesmo que nada sab iam sobre a Libras.As situaes com que nos deparamos so inmeras; umas engraadas outraspreocupantes, mas o que nos deixa felizes que sempre de alguma maneira tudoacaba se resolvendo e por pior que paream os surdos, ainda assim, recebero asinformaes. As intenes so boas, os mtodos inadequados ou insuficientes, masvale lembrar que mesmo errando, tentando acertar, esto fazendo algo.

    * Graduado em Letras e Intrprete de Lngua de Sinais.Fonte: Anais do 2 EPMILS (Souza, 2006: 119).

    A ATUAO DO INTRPRETE DE LNGUA DE SINAIS NO DETRAN E AUTO-ESCOLAS

    Cludia de Almeida Gonalves*

    Iniciei a interpretar Libras a mais ou menos oito anos, o comeo foi no susto como amaioria dos intrpretes; j tive experincia de interpretar nas mais diferentes situaes,em vestibular, concursos, cursos, escolas, mdico, igreja, faculdade, palestras,congressos, entrevistas, auto-escola e atualmente fao interpretaes espordicasquando necessrio e interpreto junto ao Detran do estado. Minha primeira experinciade interpretar no trnsito foi junto a uma auto-escola como contratada particular dosurdo, mas isto foi antes da lei que reconheceu a libras como lngua e daregulamentao feita a posteriori. Entrei como funcionria concursada no DETRAN/MSem fevereiro deste ano, porm o rgo j possua um contrato de que o CAS estariaenviando os intrpretes quando necessrios para a realizao das provas tanto nacapital como no interior. Todavia, certo dia apareceu um surdo para fazer prova escritasem que houvesse o agendamento ou a solicitao de intrprete, ento por intermdiode uma amiga descobriram que eu interpretava e me chamaram para interpretar aprova. Depois desse fato fui procurada pela responsvel do setor de recursos humanosque me perguntou se haveria a possibilidade de estar interpretando junto ao DETRANpara eventuais necessidades, eu disse sim e logo depois fui nomeada como intrpreteoficial do DETRAN/MS. Hoje fao um atendimento ao surdo mais com relao aos

    servios, tais como atendimento pata renovao de CHN, licenciamento, exame mdico,etc... Todavia essa funo h de mudar, j fui comunicada de que quando se tratar deinterpretao na capital serei chamada a interpretar, at porque sempre que solicitado

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    os servios de um intrprete pago um valor pelos servios e o rgo no deseja arcarcom muitos gastos. Mas o surdo que desejar tirar a carteira de habilitao nacionaldever primeiro contatar a auto-escola, ela a responsvel por providenciar intrprete eagendar seus exames no Detran solicitando inclusive o intrprete para o dia da prova. ODetran no se responsabiliza por intrprete na auto-escola porque se trata de uma

    atividade privada que visa auferir lucro e, portanto, dever tambm arcar com os riscosdo negcio, ou seja, contratar um intrprete. Por isso intrpretes, quando solicitados ainterpretar em auto-escolas solicite primeiro a elaborao e assinatura do contrato deprestao de servios, onde conste o valor a ser pago pelos seus prstimos, casocontrrio pode correr o risco de trabalhar de graa.

    * Advogada e Intrprete de Lngua de Sinais.Fonte: Anais do 2 EPMILS (Souza, 2006: 109-110).

    A ATUAO DO INTRPRETE DE LNGUA DE SINAIS EM PROVAS ECONCURSOS

    Cirley Vilanova Olah

    Depois de muita luta o surdo hoje pode solicitar um intrprete de lngua de sinais parainterpretar no vestibular, em provas e concursos. Ao intrprete pago um pouco maisdo que um fiscal comum. No temos outro intrprete para revezar quando precisamostomar gua, formos ao banheiro at mesmo para um lanche. Caso precisa sair da sala,o surdo ficar sozinho. H surdos que pedem para ler uma questo mais de uma vez,fazendo com que ocupe todo o tempo disponvel para realizao da prova. Quando temredao no vestibular, ns explicamos o tema, e o surdo desenvolve o assunto norascunho, sendo posteriormente passado a limpo em Lngua Portuguesa. Algumasinstituies responsveis em realizar vestibular e concurso no possuem nenhum tipo

    de conhecimento sobre a surdez ou Lngua de Sinais, com isso nos deixa a vontadepara fazermos nosso trabalho. Neste tipo de trabalho, h candidatos que possuem nvelescolar que deixa a desejar e por isso o mesmo espera que o intrprete auxilie-o nasrespostas. Por preceitos ticos deixamos que ele mesmo exponha seus conhecimentos.Aqui no Mato Grosso do Sul, a instituio que precisar de um intrprete de Libras deveprocurar a APILMS - Associao dos Profissionais Tradutores/Intrpretes de LnguaBrasileira de Sinais de Mato Grosso do Sul ou o CAS Centro de Capacitao deProfissionais da Educao e de Atendimento s Pessoas com Surdez. Ao surdo dadoo direito de utilizar o intrprete de Lngua de Sinais e ele o responsvel por buscaresse e outros direitos garantidos. Alm disso, tambm lhe assegurado o direito deusufruir de acrscimo de tempo na realizao das provas.

    Fonte: Anais do 2 EPMILS (Souza, 2006: 111).

    A ATUAO DO INTRPRETE DE LNGUA DE SINAIS NO SISTEMA JUDICIRIO EPOLICIAL

    Maria Tereza da Costa*

    Falar sobre acesso a justia um grande desafio, entretanto, tratar deste temavinculado pessoa surda constitui-se ainda, em desafio maior. No h dvida de quedesde os primrdios, a humanidade passa por um constante processo evolutivo e com o

    surgimento da globalizao, a sociedade caminha rumo evoluo, em passos geis,visando garantir a sua prpria sobrevivncia. Em contraposio ao avano tecnolgico,

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    figura o aumento considervel das problemticas sociais que tem colocado em xequeas polticas pblicas, ora implantadas, principalmente, aquelas voltadas ao atendimentodas especificidades afetas as pessoas com os mais diversos quadros de limitaesfuncionais. A abordagem direta da temtica proposta, ou seja, o acesso da pessoasurda aos rgos pertencentes a justia, traz a lume uma figura extremamente

    importante, diria imprescindvel, o profissional Tradutor/Intrprete de Lngua Brasileirade Sinais. Conforme asseveram os doutores Mauro Cappelletti e Bryant Garth em seulivro Acesso Justia, traduzido e revisado por Ellen Gracie Northfleet nenhum aspectode nossos sistemas jurdicos modernos, imune crtica .Sendo assim, vale ponderarque para a obteno de direitos e o exerccio de deveres necessrio, a priori,conhecer. Intentar uma ao na esfera judicial sem o prvio conhecimento de direitos ede deveres, no mnimo, ingressar em aventuras jurdicas que levar a um caminhocerto, o desgaste. E o que dizer do surdo nesse contexto? Sabemos que so pessoascapazes, portanto, imputveis, porm ser que o surdo tem como os ditos normaispleno conhecimento de como funciona o sistema jurdico neste pas, acredito que no!Contrapondo as engrenagens jurdicas que funcionam a base de portugus aos bicesde comunicao encontrados pelos surdos frente a sociedade hodierna, que no v

    problema algum em aprender ingls, muito menos em utilizar o juridiqus, mas que,entretanto, apesar de ver a Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS, como uma lnguaespacial linda, impe obstculos intransponveis para a sua aceitao e conseqenteincluso social da pessoa surda em todos os aspectos, chega-se a uma nicaconcluso, h que se avanar. Face a demanda apresentada, hodiernamente, rgosligados a justia, parecem despertar para a real necessidade de preparo, que tem porescopo o atendimento a demanda especfica apresentada. Diante do quadro em telaficam as seguintes indagaes: Qual a viso da justia acerca da pessoa surda? E afora policial, quais os procedimentos adotados para o seu atendimento, seja comopessoa vitimizada ou acusada de cometer algum ato antijurdico? E o profissionaltradutor/intrprete de LIBRAS, legalmente falando pode exercer tal funo e se puderser que est capacitado para atuar na esfera jurdica em que os liames so to sutis?

    * Graduanda em Direito e Intrprete de Lngua de Sinais.Fonte: Anais do 2 EPMILS (Souza, 2006: 117-118).

    A ATUAO DO INTRPRETE DE LNGUA DE SINAIS NO SISTEMAEDUCACIONAL

    Dolores Alves Pereira de Britto*

    Tenho experincia de contato com a comunidade surda h 15 anos, mas como

    intrprete educacional h apenas 8. Hoje me sinto muito feliz pelas conquistasrealizadas por essa comunidade, ao longo desse tempo, dentre elas o direito defreqentar o ensino comum e poder ter a presena de um profissional intrprete na salade aula. Em 1999, eu iniciei como intrprete educacional na Escola Municipal ProfessorArlindo Lima, era contratada do Estado e cedida para a Prefeitura. Lembro-me quetemia muito, pois este ano foi o incio da incluso da pessoa surda no municpio, noEstado j acontecia desde 1997. Meu temor era principalmente porque sabia que osprofissionais que iriam nos recepcionar eram totalmente alheios a esse trabalho, eranovo tambm para mim, enfim os desafios surgiriam com certeza! Uma dos primeirosimpasses foi a questo do professor achar que estvamos ali na sala de aula comoespies, fiscais de seu trabalho, etc. e tambm a desconfiana em relao fidelidade da transmisso do contedo ou mesmo em relao a estarmos passando

    cola ou no. Um outro fato que ainda persiste que na maioria das vezes os alunosSurdos so dos intrpretes e no da escola ou do professor, ficando sob nossa

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    responsabilidade seu sucesso ou fracasso no aprendizado; na realidade a escola aindano aceitou o Surdo ou qualquer outro aluno com necessidades especiais de fato, masapenas de direito. Acredito, porm, que estamos passando por mudanas que fazemparte de um processo, e enquanto processo, elas no ocorrem de uma hora para aoutra. Hoje percebo que j houve alguma mudana, temos buscado formao

    profissional e somos capazes de confrontar e expor aos profissionais que ainda noentendem nosso verdadeiro papel na sala de aula, que a de intermediar nacomunicao entre a pessoa surda e o professor e tambm com os demais colegas deturma e escola. Acredito que agora com o Decreto 5626, que institui a LIBRAS comodisciplina e prev formao para os intrpretes em muito contribuir para este processoe para o efetivo reconhecimento do nosso trabalho profissional. Atravs da nossaatuao como intrprete educacional o Surdo tem tido a oportunidade de acompanharos contedos utilizando-se de sua Lngua, a LIBRAS, apropriando-se dosconhecimentos com mais facilidade. Eles interagem com o professor, os colegas e coma escola em geral. Na experincia que tenho tido na maioria das vezes um bom nmerode colegas se interessam em aprender a LIBRAS para se comunicar diretamente, isso uma das coisas que faz com que o Surdo se sinta verdadeiramente inserido na

    comunidade escolar, mas sabemos que ainda h um longo caminho a ser percorrido.

    * Graduada em Normal Superior e Intrprete de Lngua de Sinais.Fonte: Anais do 2 EPMILS (Souza, 2006: 106-108).

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    ANEXO

    CDIGO DE TICA APILSBESPI Do Objeto

    Art.1 O presente Cdigo de tica rege a tica profissional dos Intrpretes e Guia-intrpretes daLngua de Sinais Brasileira (ou tambm conhecida por LIBRAS), filiados Associao Profissionaldos Intrpretes e Guia-intrpretes da Lngua de Sinais Brasileira do Estado de So Paulo -APILSBESP.

    Pargrafo nico: As normas do presente Cdigo de tica so aplicveis aos scios em qualquercargo ou funo, independentemente do estabelecimento ou instituio a que estejam prestandoservio.

    II Da tica Profissional

    Art. 2 - O Intrprete e Guia-intrprete obriga-se a restrita observncia do segredo profissional,no podendo divulgar a quem quer que seja qualquer informao obtida no decorrer de sua

    atividade profissional salvo no caso de reunio aberta ao pblico em geral, de implicao em delitoprevisto em lei, ou que possam gerar graves conseqncias ilcitas para terceiros.

    Art. 3 O Intrprete e o Guia-intrprete deve manter uma atitude neutra durante o transcurso dasua interpretao, evitando quaisquer opinies prprias, a menos que seja solicitado.

    Art. 4 O Interprete e o Guia-intrprete deve interpretar fielmente e com o melhor de suahabilidade, sempre transmitindo o contedo, a inteno e o esprito do interlocutor, utilizando-sede todos os recursos de expresses disponveis.

    Art. 5 - O Intrprete e o Guia-intrprete deve reconhecer seu prprio limite e competncia, sendoprudente na aceitao de tarefas para as quais se julgar suficientemente qualificado ou no.

    Pargrafo nico - Sua assinatura em um contrato vale como penhor da qualidade profissional deseu trabalho, bem como, do desempenho profissional dos outros Intrpretes e Guia-intrpretes daequipe contratada por seu intermdio, membros ou no da APILSBESP.

    Art. 6 - O Intrprete deve ser discreto no uso de sua roupa, para uma atuao. Deve sempre usarroupas lisas (de uma cor s), e que contrastem com sua pele. Da mesma forma, evitar o uso deenfeites e ornatos pessoais (no cabelo, brincos salientes, colares,