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    Sebenta de Textos dePsicologia do Desenvolvimento

    CDuque 08-12-2008 1

    Psicologia do Desenvolvimento Celeste Duque ([email protected]) & Pedro Zany Caldeira, 2004 1

    1. INTRODUOO presente texto2 tem como objectivo fornecer aos alunos do Curso de Teraputica da Fala, daUniversidade do Algarve, da ESSaF, uma forma sinttica de estudar as Teorias da Personalidadeconsideradas mais adequadas no enquandramento do programa da disiciplina da Psicologia doDesenvolvimento. Por mais longo que possa parecer o desenvolvimento das mesmas, muito maishaveria a dizer sobre o assunto, pelo que se recomenda a leitura das obras originais que constamda bibliografia ao aluno interessado em aprofundar um pouco mais os diversos conceitos.

    Aconselha-se igualmente a presena nas aulas, quer tericas quer terico-prticas j que nestas, e

    apesar de se fornecer o texto sntese da teoria apresentada, so referidos inmeros exemplos e averbalizao utilizada vai sempre de encontro s necessidades, dvidas e interesses dos alunospresentes, pelo que so nicas e irrepetveis. Fornecendo toda uma informao que no estescrita em nenhum livro, nem mesmo nos apontamentos da disciplina, j que a se tem o cuidadode relacionarem conceitos do mbito da Psicologia do Desenvolvimento apresentando umacontextualizao histrica, e scio-cultural, socorrendo-se igualmente de outras reas de sabersempre que isso se mostre relevante para a melhor explicao e integrao do conceito, por partedos alunos.

    Posto isto passamos a apresentar uma sntese terica elaborada em 2001, e que foi totalmenterevista para melhor se adaptar ao Curso de Teraputica da Fala do ESSaF.

    Recomenda-se ainda a consulta dos apontamentos (Textos de Apoio) fornecidos na disciplina deIntroduo Psicologia3, em 2003-2004.

    2. TEORIAS DA PERSONALIDADEAntes de se abordarem as Teorias da Personalidade, propriamente ditas necessrio definir-se oque se entende por personalidade.

    2.1. PersonalidadeSo padres ou elementos relativamente constantes, duradouros e permanentes de percepcionar,pensar, sentir e comportar-se que atribuem ou parecem atribuir aos sujeitos identidadesseparadas. Personalidade um constructo sumrio que inclui pensamentos, motivos, emoes,interesses, atitudes, capacidades e outros fenmenos semelhantes.

    1 Como citar este texto:Caldeira, P. Z., & Duque, C. (2004). Sebenta de Textos da disciplina de Psicologia do Desenvolvimento

    Curso Teraputica da Fala. Faro: UAlg-ESSaF. Retrieved on (data em que se acedeu; ex. 12-12-2008) from (copiar link internet) at (hora).

    2 Texto de Apoio da autoria de Prof. DoutorPedro Zany Caldeira, Universidade Lusada de Lisboa, em colaborao com Dra.Celeste Duque, 2002. Arranjo grfico e reviso e actualizao da responsabilidade de Celeste Duque, em Setembro de 2004.3 Sobre Metodologia em Psicologia e em Sade, bem como os textos referentes Personalidade (Teorias da Personalidade e a

    Perspectiva Psicanaltica).

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    2.2. Instrumentos de estudo e metodologiasOs diferentes autores que se debruam sobre o estudo da personalidade tentam compreender asua natureza geral e, assim, explicar as diferenas inter-individuais.

    Para o estudo da personalidade de sujeitos especficos existem diversos instrumentos emetodologias. Nos primeiros inclumos as entrevistas e os testes de personalidade (testesobjectivos e projectivos). Nos segundos, os mtodos clnico e experimental e a observaocontrolada (ver Texto de Apoio da disciplina de Introduo Psicologia).

    As pginas que se seguem so tradues mais ou menos livres de escritos de Sigmund Freud, deMargaret Mahler e colaboradores. igualmente utilizado o Vocabulrio de Psicanlise, daautoria de Laplanche e Pontalis, para maior clarificao de alguns dos conceitos psicanalticosaqui abordados.

    3. Teoria Psicanaltica de Sigmund Freud

    3.1.Primeira Tpica do Aparelho Psquico (1 Tpica)

    A diviso da vida psquica em consciente e inconsciente constitui a premissa fundamental dapsicanlise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patolgicos, to frequentese graves, da vida psquica e de os fazer entrar no quadro da cincia. Mais uma vez, e por outraspalavras: a psicanlise recusa-se a considerar o consciente como constituindo a verdadeiraessncia da vida psquica, mas v no consciente uma qualidade simples desta ltima, podendocoexistir com outras qualidades, ou no surgir de todo.

    Estar consciente antes de mais uma expresso puramente descritiva e relaciona-se com apercepo mais imediata e segura. Mas a experincia mostra-nos que um elemento psquico(uma representao, por exemplo) nunca consciente de forma permanente. O que caracterizamelhor os elementos psquicos o desaparecimento rpido do seu estado consciente. Umarepresentao, consciente num dado momento, no o mais no momento seguinte, mas poderetomar ao consciente sob certas condies, fceis de compreender. No intervalo ignoramos oque ela . Podemos dizer que est latente, entendendo com isto que capaz de se tornarconsciente a qualquer momento. Dizendo que uma representao ficou, no intervalo,inconsciente formulamos ainda uma definio correcta: este estado inconsciente coincide com oestado latente e a capacidade de retornar ao consciente.

    Obtivemos o termo ou a noo de inconsciente utilizando experincias vividas em que intervm

    o dinamismo psquico. Relembremo-nos que a teoria psicanaltica declara que se h algumasrepresentaes que so incapazes de se tomarem conscientes isto se deve a uma determinadafora que se lhes ope. Sem essa fora elas poderiam tomar-se conscientes, o que nos permiteconstatar a reduzida diferena com outros elementos psquicos oficialmente reconhecidos comotais. O que toma esta teoria irrefutvel que ela encontrou na tcnica psicanaltica um meio quepermite vencer a fora de oposio e de trazer ao consciente estas representaes inconscientes.Ao estado em que estas representaes se encontram, antes de voltarem ao consciente, damos onome de recalcamento. E quanto fora que produz e mantm o recalcamento dizemos que asentimos, durante o trabalho analtico (teraputico), sob a forma de resistncia.

    A noo de recalcamento deduz-se, deste modo, da teoria do recalcamento. O que recalcado o

    prottipo do inconsciente. Sabemos entretanto que existem duas variedades de inconsciente: osfactos psquicos latentes, mas susceptveis de se tomarem conscientes, e os factos psquicosrecalcados que, como tal, entregues a si mesmos, so incapazes de chegarem ao consciente. Esta

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    maneira de encarar o dinamismo psquico no pode deixar de influenciar a terminologia e adescrio. Assim, dizemos que os factos psquicos latentes, isto , inconscientes ao nveldescritivo mas no ao nvel dinmico, so factos pr-conscientes. E reservamos a palavrainconsciente para os factos psquicos recalcados, isto , dinamicamente inconscientes. Deste

    modo, estamos na posse de trs termos: consciente, pr-consciente e inconsciente, em que osignificado no mais puramente descritivo.

    Estes trs termos (consciente, pr-consciente e inconsciente) so fceis de manipular e do-nosuma grande liberdade de movimentos, sob a condio de no esquecermos que, se do ponto devista descritivo h duas variedades de inconsciente, s h uma do ponto de vista dinmico.Nalguns casos podemos fazer uma exposio negligenciando estas distines mas noutros ela indispensvel. Seja como for, estamos suficientemente acostumados a este duplo significado deinconsciente.

    3.2. Segunda Tpica do Aparelho Psquico (2 Tpica)Mas as pesquisas posteriores mostraram que estas distines eram, elas tambm, insuficientes einsatisfatrias.

    Admitimos que a vida psquica funo dum aparelho ao qual atribumos uma extenso espaciale que supomos formado por diversas partes, Vemo-lo como uma espcie de telescpio, demicroscpio ou algo do gnero. A construo e o acabamento duma tal concepo so umanovidade cientfica, apesar das tentativas anlogas que j foram feitas.

    Foi o estudo da evoluo dos indivduos que permitiu o conhecimento deste aparelho psquico. mais arcaica das instncias psquicas constituintes deste aparelho damos o nome de Id. O seucontedo abrange tudo o que o ser traz consigo ao nascer, tudo o que constitucionalmentedeterminado, isto e antes de mais, as pulses emanadas da organizao somtica e queencontram no Id, sob formas que nos so desconhecidas, um primeiro modo de expressopsquica. Todo o material que se encontra no Id est sob a forma inconsciente. No Id encontram-se quer as pulses de auto-conservao quer as pulses de destruio.

    Sob influncia do mundo exterior real que nos cerca, uma fraco do Id sofre uma evoluoparticular. A partir da camada cortical original, fornecida com rgos aptos a percepcionar osestmulos assim como a se proteger contra eles, estabelece-se uma organizao especial que,desde logo, vai servir de intermedirio entre o Id e o exterior, a esta fraco do nossopsiquismo que damos o nome de Ego.

    3.2.1. Principais caractersticas do EgoNo seguimento das relaes j estabelecidas entre a percepo sensorial e as aces musculares, oEgo dispe do controlo dos movimentos voluntrios. Assegura a auto-conservao e, no que dizrespeito ao exterior, assegura a sua tarefa aprendendo a conhecer os estmulos, acumulando (namemria) as experincias que eles lhe fornecem, evitando os estmulos demasiado fortes (pelafuga), acomodando-se aos estmulos moderados &ela adaptao) e, por fim, chegando amodificar de forma apropriada e para seu prprio proveito o mundo exterior (atravs daactividade). No interior, dirige uma aco contra o Id, adquirindo o controlo das exignciaspulsionais e decidindo se elas podem ser satisfeitas ou se convm adiar esta satisfao at aomomento mais favorvel, ou ainda se necessrio simplesmente sufoc-las completamente. Na

    sua actividade, o Ego guia-se pela tomada em considerao das tenses provocadas pelosestmulos de dentro e de fora. Um acrscimo de tenso provoca geralmente o desprazere a suadiminuio gera oprazer.

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    De qualquer modo, o prazer e o desprazer no dependem provavelmente do grau absoluto dastenses mas mais do ritmo das variaes destas ltimas. O Ego tende para o prazer e a evitar odesprazer. A todo o aumento esperado (previsto) de desprazer corresponde um sinal deangstia,e o que dispara este sinal, de dentro ou de fora, denomina-se perigo. De tempos a tempos o Ego,

    quebrando os laos que o unem ao mundo exterior, retira-se para o sono, onde modificanotavelmente a sua organizao. O estado de sono permite constatar que este modo deorganizao consiste numa certa repartio particular de energia psquica.

    Durante o longo perodo de infncia que o indivduo atravessa e durante o qual depende dosseus pais o indivduo em curso de evoluo v formar-se no seu Ego, como que por uma espciede precipitado, uma instncia particular atravs da qual se prolonga a influncia parental. Estainstncia o Super-Ego. Na medida em que se destaca do Ego ou se ope a ele, o Super-Egoconstitui um terceiro poder que o Ego obrigado a ter em conta.

    considerado como correcto todo o comportamento do Ego que satisfaz em simultneo asexigncias do Id, do Super-Ego e da realidade, que se produz quando o Ego consegue conciliar

    estas diversas exigncias. Sempre e seja qual for o contexto social, as particularidades dasrelaes entre o Ego e o Super-Ego tomam-se melhor compreensveis se as relacionarmos com asrelaes da criana com os pais. evidente que no s a personalidade dos pais que age sobre acriana mas, transmitidas atravs deles, a influncia das tradies familiares, raciais e nacionais,assim como as exigncias do meio social imediato que eles representam. Ao longo da suaevoluo, o Super-Ego dum sujeito modela-se tambm pelos sucessores ou substitutos dos pais(certos educadores ou personalidades que representam no seio da sociedade ideais respeitados,por exemplo). Vemos que, apesar da sua diferena funcional, o Id e o Super-Ego tm um pontoem comum: ambos representam o papel do passado. O Id, o papel da hereditariedade. O Super-Ego, o papel que pediu emprestado a outros. Pelo seu lado, o Ego sobretudo determinadopelo que o indivduo viveu, isto , o acidental, o actual.

    Segundo Freud, h dois princpios que regem o funcionamento mental: o princpio do prazer e oprincpio da realidade. Segundo o princpio do prazer, a actividade psquica no seu conjunto tempor objectivo evitar o desprazer e proporcionar o prazer. Na medida em que o desprazer estligado ao aumento das quantidades de excitao e o prazer sua reduo, o princpio do prazer um princpio econmico, O princpio da realidade forma par com o princpio do prazer emodifica-o. Na medida em que o princpio da realidade se consegue impor como princpioregulador, a procura da satisfao j no se efectua pelos caminhos mais curtos, mas toma pordesvios e adia o seu resultado em funo das condies impostas pelo mundo exterior.

    3.3. A Evoluo Psicossexual

    A expresso relao de objecto prpria da psicanlise e pode desorientar um pouco aquelesno familiarizados com os textos psicanalticos. Objecto deve ser neles tomado no sentido especficoque possui em psicanlise em expresses como escolha de objecto ou amor de objecto. sabido queuma pessoa, na medida em que visada pelas pulses, qualificada de objecto. Isto nada tem depejorativo, nada em especial que implique que a qualidade de sujeito seja por esse facto recusada pessoa em causa.

    Relao deve ser tomado na plena acepo da palavra: trata-se de facto de uma inter-relao, isto, no apenas da forma como o sujeito constitui os seus objectos, mas tambm da forma comoestes modelam a sua actividade.

    O de (que est onde poderamos esperar um com o) vem acentuar esta inter-relao.Efectivamente, falar de relao com o objecto ou com os objectos implicaria que estes preexistem relao do sujeito com eles e, simetricamente, que o sujeito est j constitudo.

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    sabido que Freud, numa preocupao de anlise do conceito de pulso, distinguiu a fonte, o objecto e oalvo pulsionais. A fonte a zona ou aparelho somtico sede da excitao sexual; a sua importncia aos olhosde Freud demonstrada pelo facto das diversas fases da evoluo libidinal serem designadas pelo nome dazona ergena predominante (Laplanche & Pontalis, 1990, pp. 577-578).

    As fases pr-genitais da evoluo libidinal apoiam-se inicialmente em actividades directamenterelacionadas com as pulses de auto-conservao.

    A primeira fase da evoluo libidinal a fase oral: o prazer sexual est ento ligado de formapredominante excitao da cavidade bucal e dos lbios que acompanha a alimentao. Aactividade de nutrio fornece as significaes electivas pelas quais se exprime e se organiza arelao de objecto. Por exemplo, a relao de amor com a me ser marcada pelas seguintessignificaes: comer e ser comido.

    A actividade de chupar assume a partir da poca de amamentao um valor exemplar, quepermite a Freud mostrar como a pulso sexual (que a princpio se satisfaz apoiada numa funo

    vital) adquire autonomia e se satisfaz de forma auto-ertica (auto-satisfao das necessidadessexuais).

    A segunda fase da evoluo libidinal, segundo Freud, a fase anal-sdica que podemos situaraproximadamente entre os 2 e os 4 anos. Esta fase caracterizada por uma organizao da lbidosob o primado da zona ergena anal; a relao de objecto est impregnada de significaesligadas funo de defeco (expulso-reteno) e ao valor simblico das fezes.

    A fase flica a fase da organizao da lbido que vem depois das fases oral e anal, e ecaracterizada por uma unificao das pulses parciais sob o primado dos orgos genitais. Mas, oque j no ser o caso da organizao genital pubertria, a criana (de sexo masculino ou de sexofeminino) s conhece um nico rgo genital, o rgo masculino, e a oposio dos sexos

    equivalente oposio flico-castrado. A fase flica corresponde ao momento culminante e aodeclnio do complexo de dipo. O complexo de castrao aqui dominante.

    Por fim, a fase genital a fase do desenvolvimento psicossexual caracterizada pela organizaodas pulses parciais sob o primado das zonas genitais. Esta fase compreende dois perodos,separados pelo perodo de latncia: o perodo flico (ou organizao genital infantil fase flica)e a organizao genital, propriamente dita, que se institui na puberdade.

    Em termos do desenvolvimento psicossexual, e caso o sujeito se fixe numa das fases pr-genitaisacima descritas (fixao libidinal), ele fica marcado por experincias infantis, mantm-se ligadode forma mais ou menos disfarada a modos arcaicos de satisfao, a tipos arcaicos de objecto oude relao.

    A fixao liga-se teoria da lbido e define-se pela persistncia, particularmente manifesta nasperverses, de caractersticas anacrnicas de sexualidade: o indivduo exerce certos tipos deactividade ou ento permanece ligado a algumas caractersticas do objecto cuja origem se podeencontrar em certo e determinado momento da vida sexual infantil.

    Com o desenvolvimento da teoria das fases pr-genitais do desenvolvimento psicossexual (fasesoral, anal-sdica e flica) a noo de fixao assume nova extenso: pode no incidir apenassobre um alvo ou um objecto libidinal parcial, mas tambm sobre toda a estrutura da actividadecaracterstica de uma dada fase. Assim, a fixao na fase anal est na origem da neuroseobsessiva e de certo tipo de carcter.

    A fixao libidinal desempenha um papel predominante na etiologia dos diversos distrbios

    psquicos, o que levou a determinar a sua funo nos mecanismos neurticos. A fixao est na

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    origem do recalcamento e pode mesmo ser considerada como o primeiro momento dorecalcamento tomado no sentido lato.

    4. MARGARET MAHLER

    4.1. Nascimento psicolgico do ser humanoO momento do nascimento biolgico do recm-nascido e o momento do nascimento psicolgicodo indivduo no coincidem. O primeiro um acontecimento dramtico, observvel e bemcircunscrito. O segundo um processo intra-psquico que se desenvolve lentamente.

    O adulto normal, ou quase normal, considera como um dom inato, como sendo natural, aexperincia que tem de si mesmo como de um ser ao mesmo tempo e bem separado do mundo

    exterior. Ele oscila, com mais ou menos facilidade e segundo diferentes ritmos de alternncia ede simultaneidade, entre a conscincia de si e a receptividade sem tomada de conscincia de si.Mas, tambm aqui, estamos face a um processo que se desenvolve lentamente.

    Chamamos ao nascimento psicolgico do indivduo oprocesso de separao-individuao: face a ummundo de realidade, a aquisio do sentimento, em simultneo, de estar separado e em relao,sobretudo no que diz respeito ao seu prprio corpo e ao objecto de amor primrio, que o principalrepresentante do universo tal como ele experimentado pelo recm-nascido, Como todos osprocessos intrapsquicos, possui repercusses ao longo de toda a vida. No tem fim e estsempre activo: as novas fases do ciclo da vida so ocasies para novas derivaes dos primeirosprocessos sempre em construo. Mas as realizaes psicolgicas principais deste processocompletam-se ao longo do perodo que vai do 4-5 ms at ao 35-36 ms de vida. Este perodo

    designa-se porfase de separaco-individuao.

    Desde o incio a criana forma-se e desenvolve-se na matriz de unidade dual me-beb. Sejamquais forem as adaptaes ao seu beb que a me possa realizar, quer ela seja sensitiva eemptica quer no, continuamos firmemente, convencidos que a capacidade de adaptao dacriana, nova e flexvel, e a sua necessidade de adaptao (tendo em vista a obteno dasatisfao), ultrapassam largamente as capacidades da me, cuja personalidade, com todos osseus padres de carcter e de defesa, est finalizada e estabelecida, e muitas vezes rgida. Obeb modula-se em harmonia e em contraponto maneira e ao estilo da me (representando elamesmo, para uma tal adaptao, um objecto so ou patolgico).

    De um ponto de vista metapsicolgico, o aspecto dinmico o conflito entre pulso e defesa

    revela-se muito menos importante nos primeiros meses de vida do que mais tarde, pois que aestruturao da personalidade criar conflitos intra e intersistmicos de primeira importncia. Atenso, a angstia traumtica, a fome biolgica, o aparelho do Ego e a homeostasia so conceitosquase biolgicos, pertinentes nos primeiros meses e precursores, respectivamente, da angstia decontedo psicolgico, do sinal de angstia, das pulses orais e outras, das funes do Ego e dosmecanismos de regulao interna (defesa e traos do carcter), O ponto de vista da adaptao dos mais pertinentes na primeira infncia o beb nascendo da prpria convergncia dasexigncias de adaptao a que submetido. Felizmente, estas exigncias encontram no beb, compersonalidade flexvel pois ainda no est formada, uma capacidade de se deixar modelar pelo ea se conformar ao seu ambiente. Esta capacidade do beb se conformar aos elementos do seuambiente encontra-se j presente desde a primeira infncia.

    O trabalho desenvolvido por Margaret Mahler trata essencialmente da realizao cognitivo-afectiva da conscincia de ser separado (condio essencial a uma verdadeira relao de objecto)

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    e do papel dos aparelhos do Ego por exemplo, a motilidade, a memria e a percepo) e defunes do Ego mais complexas (a prova da realidade, por exemplo) no acesso a um talconsciente. Mahler tenta mostrar como a relao de objecto se desenvolve depois do narcisismoinfantil, simbitico ou primrio, e em paralelo com a realizao da separao e da individuao,

    Como o funcionamento do Ego e o narcisismo secundrio nascem na relao com a me, deincio narcsica e depois objectal.

    Antes de mais, emprega-se o termo separao ou sentimento de estar separado em referncia realizao intra-psquica dum sentimento de estar separado da me e, deste modo, do universo noseu conjunto. Este sentimento de estar separado leva gradualmente a representaes intra-psquicas claras do Eu distinto das representaes do mundo objectal. Naturalmente, no cursonormal dos acontecimentos que marcam o desenvolvimento (as separaes fsicas reais da me de rotina ou outras por exemplo) so, para a criana, contribuies importantes para o seusentimento de ser uma pessoa separada. Mas o objecto dos estudos de Margaret Mahler osentimento de ser um indivduo separado e no o facto de estar fisicamente separado de algum.(Com efeito, nalgumas condies anormais o facto fsico da separao pode conduzir a umanegao com cada vez maior pnico ao facto de estar separado e ao delrio de unio simbitica).

    Em segundo lugar, e de modo semelhante, recorre-se ao termo simbiose para designar umacondio intra-pessoal e no um comportamento. Este estado fruto duma deduo, pois estpara alm da observao directa.

    Em terceiro lugar, descrevem-se o autismo infantil e a psicose simbitica como dois distrbiosextremos da personalidade. O termo identidade empregue no sentido da primeira conscinciadum sentimento de ser, de entidade sentimento que compreende em parte um investimento deenergia libidinal dirigida para o corpo. O que est em jogo no o sentimento de quem eu soumas o sentimento de ser. E por isso o primeiro passo dum processo de desenvolvimento daindividualidade.

    Qual a maneira normal de vir a ser um indivduo separado, a que as crianas psicticas notm acesso? A que se parece o processo de ecloso no beb normal? Como compreender aopormenor as contribuies da me para este processo como catalisadora, iniciadora,organizadora?

    4.1.1. Fases anteriores ao Processo de separao-individuaoNas semanas que antecedem a evoluo para a simbiose, o recm-nascido conhece maiscorrentemente os estados prximos do sono que os estados de viglia. Estes estados lembram oestado arcaico de distribuio libidinal que predomina ao longo da vida intra-uterina sob o

    modelo dum sistema mondico fechado, autosuficiente na satisfao alucinatria do desejo.Na fase autistica normal, temos uma ausncia relativa de investimento dos estmulos exteriores(especialmente da percepo distncia). o perodo onde aparece mais claramente a barreirade proteco contra os estmulos, a tendncia inata do beb a no responder aos estmulosexteriores, O beb passa a maior parte do seu dia num estado meio acordado, meio a dormir:acorda sobretudo quando a fome ou outras tenses o levam a gritar, para de seguida cair denovo no sono quando est saciado, isto , quando h um alvio da sobrecarga de tenses. So osfenmenos fisiolgicos, mais que os psicolgicos, que predominam e a funo deste perodoconcebe-se melhor em termos fisiolgicos. O beb encontra-se protegido contra as estimulaesextremas, numa situao prxima do estado pr-natal, tendo em vista facilitar o seu crescimentofisiolgico.

    Conceptualizando metaforicamente este estado sensorial, utilizamos a expresso autismo normalpara caracterizar as primeiras semanas de vida. So os prprios cuidados maternais que fazem

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    com que o beb efectue gradualmente a passagem duma tendncia inata regresso vegetativapara uma conscincia sensorial acrescida do meio envolvente e um melhor contacto com ele. Emtermos de energia ou de investimento libidinal, isto pode traduzir-se pela necessidade de operarum deslocamento da lbido desde o interior do corpo particularmente dos rgos abdominais)

    para a sua periferia.Ao autismo normal segue-se uma etapa de conscincia difusa para o beb de que no podesatisfazer as suas prprias necessidades, que esta satisfao vem de alguma parte exterior a si. Eisto designa-se por narcisismo primrio da fase simbitica nascente.

    A vida acordada do recm-nascido concentra-se em tomo dos seus esforos incessantes pararealizar a homeostasia. O beb no consegue nem isolar os efeitos dos cuidados matemos, quelhe reduzem a fome, nem os diferenciar dos seus esforos para reduzir a tenso pelos seusprprios meios, tal como urinar, defecar, tossir, arrotar, vomitar meios pelos quais a crianatenta desfazer-se de uma tenso desagradvel. O efeito destes fenmenos de expulso, tantocomo a gratificao obtida pelos cuidados matemos, ajudam o beb, no momento oportuno, a

    diferenciar uma qualidade de experincia boa/agradvel de uma outra m/dolorosa.A partir do 2 ms, uma conscincia difusa do objecto de satisfao das necessidades marca ocomeo da fase de simbiose normal, na qual o beb se comporta e funciona como se a sua me e eleformassem um sistema omnipotente uma unidade dual no interior dum s limite comum.

    neste momento que comeam a haver falhas na barreira quase slida (negativa porque noinvestida) de proteco contra os estmulos a concha autstica que parava os estmulosexteriores, Graas ao deslocamento do investimento para a periferia sensrio-perceptiva,comea-se a formar um pra-excitaes, protector mas tambm receptivo e selectivo, investidopositivamente, que comea a envolver a esfera simbitica da unidade dual me-criana.

    evidente que se o beb depende de maneira absoluta do parceiro simbitico, a simbiose tomaum sentido diferente para o parceiro adulto da unidade dual. A necessidade que o beb tem dasua me absoluta; a necessidade que a me tem do seu beb relativa.

    Neste contexto, o termo simbiose uma metfora. No descreve, como o conceito biolgico desimbiose, o que se passa realmente numa relao mtua benfica entre dois indivduos separadosde espcies diferentes. Descreve antes um estado de indiferenciao, de fuso com a me, no qualo eu no se diferencia ainda do no-eu e onde o dentro e o fora s vm gradualmente a seremsentidos como diferentes. Toda a percepo desagradvel, interna ou externa, projectada paral do limite comum do meio interior simbitico que inclui a gestalt do parceiro adulto durante oscuidados maternos. E somente de maneira passageira que o beb parece receber os estmulosprovenientes do exterior do meio simbitico. O investimento libidinal fixado na esfera simbitica

    substitui a barreira inata de proteco contra os estmulos e protege o Ego rudimentar de toda atenso prematura e no adaptada, de todo o traumatismo de tenso.

    O carcter essencial da simbiose uma fuso somato-psquica omnipotente, alucinatria oudelirante, representao da me e, em particular, ideia delirante dum limite comum entredois indivduos fisicamente separados. E a este mecanismo que regride o Ego nos casos maisgraves de individuao e de desorganizao psictica, descritos como psicose simbitica dacriana.

    A funo e os meios de auto-conservao esto atrofiados na espcie humana. O Ego rudimentar(ainda no funcional) do recm-nascido e do jovem beb deve receber em complemento o apoioemocional dos cuidados atentos da me, espcie de simbiose social. no seio desta dependncia

    fisiolgica e scio-biolgica da me que se opera a diferenciao estrutural que conduz organizao adaptativa do indivduo: o Ego no seu conjunto de funes.

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    4.1.2.1. 1 Subfase: Diferenciao e desenvolvimento do esquema corporalPor altura do 4 ou 5 ms, no momento culminante da simbiose, os fenmenos docomportamento parecem indicar o comeo da primeira subfase da separao-individuao, isto, a diferenciao. Ao longo dos meses de simbiose, o beb familiarizou-se com a metade materna do seu Eu simbitico, tal como indica o sorriso no especfico e social. Esse sorriso toma-segradualmente a resposta especfica preferencial do sorriso da me, sinal decisivo que um laoespecfico se estabeleceu entre o beb e a sua me.

    Freud sublinha o facto de que as percepes interiores so mais fundamentais e mais elementaresque as percepes exteriores. Estas percepes interiores so respostas do corpo a si mesmo e aosrgos internos, Greenacre sustenta que os estados de troca entre a tenso e a relaxaoparecem... constituir uma espcie de ncleo duma conscincia difusa do corpo.

    Os padres do que constitui o ncleo no so acessveis atravs da observao, mas esta permiteestudar os comportamentos que, pelo mecanismo de reflexo em espelho, servem para ademarcao do Eu e do outro. Jacobson sublinha o facto de que a capacidade de distinguir osobjectos se desenvolve mais rapidamente que a capacidade de distinguir entre o eu e osobjectos. Podemos ver o beb moldar-se ao corpo da sua me ou distanciando-se dele, Sentir oseu prprio corpo e o da me, e manipular os objectos transicionais. Hofier acentua aimportncia do tocar e mexer no processo de formao dos limites e igualmente a importncia dalibidinizao do corpo do beb pela sua me, Greenacre chama a ateno sobre a aproximaodum sentimento de unicidade sob o efeito do corpo quente da me, que representa um graurelativamente pequeno de diferena de temperatura, textura e odor. Estas diferenasrelativamente pequenas podem provavelmente ser facilmente assimiladas pelos esquemassensrio-motores do beb.

    Quando o prazer interior originado numa fixao segura na esfera simbitica continua e que o

    prazer ligado percepo sensorial exterior (viso ou olhar e, provavelmente, audio ou escutaexterior), em via de maturao crescente, estimula o investimento da ateno dirigida para oexterior, ento estas duas formas de investimento da ateno podem oscilar livremente. Oresultado deveria ser um estado simbitico ptimo. de onde pode nascer uma diferenciao semdor uma expanso fora da esfera simbitica,

    O processo de ecloso uma evoluo ontogentica gradual do sensrio o sistema percepo-conscincia que favorece no beb, desde que esteja acordado, um sensrio mais constantementealerta.

    Noutros termos, a ateno do beb, que nos primeiros meses da simbiose era dirigida em largamedida para o interior, ou concentrada duma maneira vagamente cinestsica no interior da esfera

    simbitica, expande-se progressivamente com o comeo de uma actividade perceptiva dirigidapara o exterior ao longo dos perodos de viglia cada vez maiores do beb. E uma mudana maisde grau que de espcie porque, no estado simbitico, o beb certamente que se manteve atento figura materna.

    Mas esta ateno combina-se gradualmente com um stock crescente de traos mnsicos das idase vindas da me, das experincias boas e ms, sendo que estas ltimas no podiam denenhuma maneira ser aliviadas pelo Eu, mas o beb podia antecipar com confiana o aliviotrazido pelos cuidados da me,

    A partir dos 6 meses comea, a ttulo de tentativa, a experimentao da separao-individuao.Podemos fazer a observao a partir dos comportamentos do beb, tais como puxar os cabelos, as

    orelhas e o nariz, meter os alimentos na boca da me, tentar afastar o seu corpo do da me a fimde ter uma melhor viso dela, explorar visualmente a sua me e o ambiente. Isto contrasta com osimples facto de se moldar ao corpo da me, sendo pegado por ela. H sinais precisos do facto de

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    que o beb comea a diferenciar o seu prprio corpo do da sua me. Entre os e os 7 meses oponto culminante da explorao manual, tctil e visual do rosto da me e das suas partes tantocobertas como descobertas. E ao longo destas semanas que o beb vai descobrir, com fascnio, umcolar, um par de culos ou outro adorno usado pela me. Podem existir jogos de esconde-

    esconde (O beb no est. Est! Est!) nos quais o beb joga ainda um papel passivo. Estes padresde explorao transformam-se mais tarde numa funo cognitiva de verificao do no familiaroposto ao j conhecido. Tocar e absorver as diversas partes do corpo pelos olhos (viso) ajuda areunir o corpo numa imagem central para alm do nvel da simples conscincia sensorialimediata.

    ao longo da primeira subfase da separao-individuao que todos os bebs normais efectuamas suas primeiras tentativas de ruptura, no sentido corporal, com o seu estado (at agoracompletamente passivo) de beb-ainda-ao-colo o estado de unidade dual com a me. Todas ascrianas gostam de se aventurar e continuar a uma distncia ligeira dos braos envolventes dame. Desde que tenham a capacidade motora, gostam de se deixar deslizar pelos joelhos da me,mas tm tendncia a ficar o mais perto possvel da me, ou a ela retomarem para brincar.

    A partir dos 7 ou 8 meses o padro visual de reverificao junto da me o sinal relativamenteestvel mais importante do comeo da diferenciao somato-psquica. Parece ser, de facto, opadro normal do desenvolvimento cognitivo e afectivo mais importante.

    O beb inicia uma explorao comparativa. Comea a interessar-se pela me e parece compar--la com o outro, o no familiar com o familiar, caracterstica por caracterstica. Parecefamiliarizar-se de modo mais aprofundado com o que a me, lhe d a mesma sensao, tem omesmo gosto e cheira como ela, se parece com ela e faz o mesmo som que ela. A par daaprendizagem da me enquanto me, faz tambm a descoberta do que pertence ou nopertence ao corpo da me um colar ou uns culos, Comea a estabelecer uma discriminaoentre a sua me e aquela ou aquele que se lhe parece ou no, que lhe d uma sensao parecidaou no e se desloca da mesma maneira ou diferente da da me.

    Os primeiros padres de diferenciao parecem no ser s duma grande racionalidade emtermos da relao me-criana e do talento particular de cada criana, mas parecem igualmentedesencadear os padres de organizao da personalidade que aparentemente persistem nodesenvolvimento futuro do processo de separao-individuao, e provavelmente mais alm. E anecessidade especfica inconsciente da me que, a partir das potencialidades infinitas do beb,vai acordar aquelas em particular que criam para cada me a criana que reflecte as suasprprias necessidades nicas e individuais. Este processo desenvolve-se nos limites dos talentosinatos da criana.

    Os bebs e as mes que tiveram prazer numa fase simbitica sem demasiados conflitos, aquelesbebs que ficaram saturados, mas no super-saturados, ao longo deste perodo de unicidadeimportante com a sua me, comeam no momento normal a mostrar os sinais de diferenciaoactiva, afastando-se ligeiramente do corpo da me. Pelo contrrio, nos casos em que haviaambivalncia e parasitismo, intruso, sufocamento por parte da me a diferenciao mostraperturbaes em diversos graus e sob diferentes formas. Noutros casos, em que a me agiaclaramente segundo as suas prprias necessidades simbitico-parasitrias mais do que emfuno do beb, a diferenciao instala-se de modo quase veemente.

    no fim do primeiro ano e nos primeiros meses do segundo que podemos ver que h noprocesso intrapsquico da separao-individuao duas linhas de desenvolvimento, interligadasmas no tendo sempre a mesma amplitude ou uma progresso proporcional. Uma destas linhas

    a individuao, a evoluo da autonomia, da percepo, da memria, da cognio, da prova darealidade. A outra e a linha intrapsquica do desenvolvimento da separao, que leva diferenciao, distanciao, formao dos limites e ao afastamento da me. Todos estes

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    processos de estruturao culminaro eventualmente em representaes interiorizadas do Eu,que so distintas das representaes interiores do objecto.

    Os fenmenos comportamentais superficiais do processo de separao-individuao podem ser

    observados em inmeras variaes subtis como acompanhando o desenvolvimento psquico. Assituaes ptimas parecem ser aquelas em que a conscincia da separao corporal em termos dadiferenciao da me seguem paralelamente (isto , no esto muito para trs nem muito para afrente) ao desenvolvimento do funcionamento autnomo do beb cognio, percepo, memria,prova da realidade, etc., isto , asfunes do Ego que servem individuao.

    4.1.2.2. 2 Subfase: EnsaiosO perodo dos ensaios segue-se subfase de diferenciao. Podemos subdividir o perodo dosensaios em duas partes:

    1. O primeiro perodo dos ensaios, que se caracteriza pela capacidade do beb em se afastarfisicamente da sua me rastejando, gatinhando, trepando, e pondo-se em p demorando-sesempre

    2. O perodo dos ensaios propriamente dito, caracterizado do ponto de vista fenomenolgico pelalocomoo livre em posio vertical.

    H pelo menos trs desenvolvimentos interligados mas identificveis que contribuem para osprimeiros progressos da criana para a conscincia de estar separada e para a identificao: adiferenciao corporal face me; o estabelecimento duma ligao especfica com ela; o crescimento e ofuncionamento dos aparelhos autnomos do Ego em relao estreita com a me.

    Este desenvolvimento parece abrir a possibilidade ao beb de estender o seu interesse pela mepara objectos inanimados apresentados por ela cobertor, almofada, brinquedo, o bibero antesda separao para a noite. O beb explora visualmente estes objectos e examina o seu gosto, a suatextura e o seu odor atravs dos rgos perceptivos de contacto, em particular a boca e as mos,Seja qual for a fase de diferenciao, caracterstico deste primeira etapa de ensaios que, apesardo interesse e da absoro destas actividades, o interesse pela me que parece tomardecisivamente a prioridade.

    A maturao da locomoo e das outras funes ao longo do primeiro perodo de ensaios temum efeito dos mais salutares nas crianas que conheceram uma relao simbitica intensa masinconfortvel. Parece plausvel que isto esteja ligado, pelo menos em parte, a um processosimultneo de desprendimento satisfatrio por parte das mes. Estas mes, que estavamangustiadas por no poderem acalmar a aflio dos seus bebs ao longo das fases de simbiose ede diferenciao, ficam agora mais aliviadas por verem os seus filhos tomarem-se menos frgeis,

    menos vulnerveis e um pouco mais independentes. Estas mes e os seus filhos no conseguiramter prazer no contacto fsico estreito, mas podem ambos ter agora prazer a uma distncialigeiramente maior. Estas mesmas crianas tornam-se mais calmas e mais capazes de recorrerems suas mes para encontrarem conforto e segurana.

    Pelo contrrio, podemos observar um outro padro de interaco me-criana ao longo doprimeiro perodo dos ensaios naquelas crianas que procuravam mais activamente aproximidade fsica da me, crianas cujas mes tinham a maior dificuldade em entrar em relaocom elas ao longo do processo de diferenciao activo. Estas mes apreciavam a proximidade dafase simbitica, mas uma vez esta fase passada, elas gostariam de ver os seus filhos tomarem-segrandes duma s vez. E interessante notar que estas crianas acham difcil crescer. So incapazesde ter prazer na sua capacidade nascente de se distanciarem e reclamam muito activamente a

    proximidade.

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    A capacidade de locomoo crescente ao longo da primeira subfase dos ensaios alarga o universoda criana. No s tem um papel mais activo na determinao da proximidade e da distncia me, mas as modalidades utilizadas at ai para explorar um ambiente relativamente familiarexpem-no, de sbito, a um maior segmento da realidade: h mais para ver, mais para ouvir,

    mais para tocar. O modo de experimentar este universo novo parece subtilmente ligado me,ainda o centro deste universo da criana, donde ela sai gradualmente por crculos cada vez maislargos.

    As primeiras exploraes servem para:1. Estabelecer uma familiaridade com um segmento maior do universo;2. Percepcionar e reconhecer a me, a ter prazer com ela a uma distncia maior. So as crianas que

    tm um melhor contacto distncia com a me que se aventuram mais longe dela.

    Um beb que esteja neste perodo dos ensaios ocupa-se alegremente a explorar por si mesmo oseu ambiente fsico. De tempos a tempos volta sua me para efectuar uma recarga emocional.Normalmente, a me aceita este desprendimento gradual do seu beb e encoraja o seu interesse

    pelos ensaios. Est emocionalmente disponvel, atenta s necessidades da criana, e assegura esteapoio materno necessrio a um desenvolvimento ptimo das funes autnomas do Ego.

    Quando a criana, graas maturao do seu aparelho de locomoo, se tenta aventurar a umamaior distncia em relao sua me, Est muitas vezes to absorvida nas suas prpriasactividades que, durante longos perodos de tempo, esquece aparentemente a presena da me.Contudo, volta a ela regularmente, parecendo ter necessidade de vez em quando da suaproximidade fsica.

    A distncia ptima, neste primeiro perodo dos ensaios, parece ser aquela que d criana aliberdade de se deslocar, de explorar gatinhando e a oportunidade de explorar a uma certadistncia fsica da me. E necessrio notar, contudo, que ao longo de toda a subfase dos ensaios a

    me continua a ser necessria como ponto fixo, porto de abrigo, para preencher a necessidadede recarga por contacto fsico. Os bebs de 7 a 10 meses gatinham ou arrastam-se rapidamenteem direco sua me, apoiando-se ao longo da sua perna, tocando-a, ou simplesmenteapoiando-se nela. o que se designa por recarga emocional. fcil de constatar a rapidez comque o beb abatido e cansado se revigora aps o contacto com a me: volta rapidamente suaexplorao e deixa-se mais uma vez absorver pelo prazer que tem com o seu funcionamento.

    Com o desenvolvimento das funes autnomas, como a cognio, e mais particularmente alocomoo em posio vertical comea a histria de amor com o mundo, O beb passa o maiordegrau da individuao humana. Caminha livremente em posio vertical. Por isso, o plano dasua viso muda. Dum ponto de vista completamente novo, descobre perspectivas, prazeres e

    frustraes inesperados e novos. A posio em p trs um nvel visual novo.Durante estes preciosos 6 a 8 meses (dos 10 ou 12 meses aos 16-18 meses), o mundo a ostra dobeb. O investimento libidinal desloca-se de modo substancial para se meter ao servio do Egoautnomo, em vias de crescimento rpido, e das suas funes. E a criana parece intoxicada pelassuas prprias faculdades e da imensidade do seu prprio universo, O narcisismo encontra-se noponto auge! Os primeiros passos independentes da criana em posio vertical marcam o inciodos ensaios por excelncia, com um alargamento substancial do seu universo e da sua prova darealidade. H um investimento libidinal, crescendo de maneira estvel, dos talentos motorespara os ensaios, da explorao do ambiente que se expande, tanto humano como inanimado. Aprincipal caracterstica deste perodo dos ensaios , na criana, o grande investimento narcsicodas suas prprias finces, do seu prprio corpo enquanto objecto e objectivos da sua realidade

    em crescimento. Paralelamente, constatasse uma impermeabilidade relativamente grande aosgolpes, quedas e frustraes (o facto de outra criana agarrar um brinquedo, por exemplo).

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    A criana fica maravilhada com os seus prprios talentos, continuamente orgulhosa dasdescobertas que faz no seu universo em vias de expanso e quase apaixonado pelo universo epela sua prpria grandeza e omnipotncia.

    A importncia de caminhar para o desenvolvimento emocional da criana inestimvel. Andard ao beb muito mais possibilidade de descobrir a realidade e de fazer a prova do universo, sobo seu prprio controlo e poder mgico.

    Ao longo do ms que se segue imediatamente aquisio da locomoo livre e activa, a criana

    faz srios progressos na afirmao da sua individualidade. Parece ser o primeiro grande passopara a formao da identidade, A locomoo livre em posio vertical parece tomar-se paranumerosas mes a prova suprema de que os seus bebs conseguiram.

    Resumindo, andar parece ter, tanto para a me como para o beb, uma grande significaosimblica: como se o beb que anda tivesse a prova, pela sua locomoo independente emposio vertical, de que ele j foi promovido ao mundo dos seres humanos independentes. A

    antecipao e a confiana fornecidas pela me, que tem um sentimento de que o seu filho podeconseguir, parecem servir de despoletadores importantes para o prprio sentimento desegurana da criana e constituir o encorajamento inicial para que ela troque uma parte da suamagia omnipotente pelo prazer ligado sua prpria autonomia e estima de si crescente.

    4.1.2.3. 3 Subfase: reaproximaoGraas aquisio da locomoo livre em posio vertical e realizao, pouco tempo depois, doestdio do desenvolvimento que Piaget considera como o incio da inteligncia representativa(que culminar no jogo simblico e no discurso), o ser humano emergiu como pessoa separada eautnoma. Estas duas foras organizadoras so as parteiras do nascimento psicolgico. Neste

    estdio final do processo de ecloso o beb atinge o primeiro nvel de identidade ser umaentidade individual separada.

    Durante o 2 ano de vida, o beb torna-se cada vez mais consciente do facto de estar fisicamenteseparado e utiliza este facto cada vez mais extensivamente. Contudo, paralelamente aocrescimento das suas faculdades cognitivas e diferenciao crescente da sua vida emocional, huma diminuio assinalvel da sua anterior imperturbabilidade frustrao e, igualmente, umadiminuio do que foi uma tendncia relativa a esquecer a presena da sua me.

    Podemos observar um aumento da angstia de separao: no incio consiste essencialmente nomedo de perder o objecto, e que podemos inferir a partir de numerosos comportamentos dascrianas. A ausncia relativa de preocupao relacionada com a presena da me, caracterstica

    da subfase dos ensaios, encontra-se agora substituda por uma preocupao aparentementeconstante relacionada com as idas e vindas da me e por um comportamento activo deaproximao. A medida que se desenvolve no beb a sua conscincia de ser separado estimulada pela sua capacidade, adquirida por maturao, de se afastar fisicamente da me epelo seu crescimento cognitivo parece haver uma necessidade acrescida, um desejo maior dever a sua me partilhar com ela cada um dos seus talentos e das suas novas experincias, e umdesejo muito grande do amor do objecto.

    Como j foi descrito anteriormente, a necessidade de proximidade entrou em declnio durante operodo dos ensaios. por esta razo que esta subfase se designa por reaproximao.

    O gnero de aproximao corporal de recarga que caracterizou a criana durante o perodo dos

    ensaios, substituda (a partir dos 15-24 meses) pela procura deliberada, ou o evitamento, docontacto corporal estreito. Isto agora marcado pela interaco do beb e da sua me a um nvel

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    muito mais elevado: a linguagem simblica, tanto vocal como sob outros modos de comunicao,e o jogo tomam-se cada vez mais predominantes.

    Ao longo da subfase de reaproximao observam-se reaces separao em todas as crianas

    Os dois padres caractersticos do comportamento do beb nestas idades o seguimento da me(o hbito incessante da criana de vigiar e seguir cada um dos movimentos da me) e a partidaprecipitada para longe dela, com a expectativa de ser perseguida e pegada nos seus braos indicam o seu desejo de reunio com o objecto de amor e o seu medo de ser reincorporada.Observa-se no beb um padro de afastamento dirigido contra todo o impedimento sobre a suaautonomia recentemente adquirida. Mais, o seu medo nascente de perder o amor representa umelemento de conflito com a interiorizao. Na idade da reaproximao, certas crianas parecemser j mais sensveis desaprovao. Apesar de tudo, a autonomia defendida pelo no, assimcomo pela agressividade acrescida e o negativismo da fase anal.

    Durante o perodo dos ensaios, e paralelamente aquisio dos talentos primitivos e das

    faculdades perceptivas cognitivas, produziu-se uma diferenciao cada vez mais clara, umaseparao entre a representao intrapsquica do objecto e a representao do Eu. No apogeu doseu domnio sobre o mundo, no final do perodo dos ensaios, o beb comeou a entrever que ouniverso no era uma ostra, que tinha de o enfrentar mais ou menos por ele mesmo, muitasvezes como indivduo relativamente sem defesas, pequeno e separado, incapaz de solicitar apoioou assistncia pelo simples facto de sentir a necessidade ou mesmo de dar voz a essanecessidade.

    A qualidade e o grau do comportamento de solicitao do beb face sua me ao longo destasubfase fornece indicadores importantes relacionados com a normalidade do processo deindividuao. O medo da perda do amor do objecto (mais do que o medo da perda do objecto)toma-se cada vez mais evidente,

    normal a existncia de incompatibilidades e incompreenses entre a me e o seu filho. Estasincompatibilidades e incompreenses esto enraizadas nalgumas contradies desta subfase. Aexigncia do beb de ver a sua me constantemente implicada parece contraditria para a me:agora que ele j no to dependente e no est to desarmado em comparao com seis mesesatrs, e que o deseja ser cada vez menos, manifesta, contudo e com cada vez maior insistncia, odesejo de ver a sua me partilhar com ele todos os aspectos da sua vida.

    Ao longo desta 3 subfase, o da reaproximao, quando a individuao se efectua muitorapidamente e que a criana a exerce at ao limite, a criana toma-se igualmente cada vez maisconsciente de estar e de ser separada, e recorre a todos os mecanismos a fim de resistir a, e adesfazer, esta realidade de separao em relao me. um facto, entretanto, que, seja qual for

    a influncia exercida pela criana sobre a me, os dois no podem funcionar efectivamente maiscomo uma unidade dual isto , a criana j no pode sustentar o delrio da fora omnipotenteparental que, espera ele em determinados momentos, vai restaurar o status quo simbitico.

    A comunicao verbal toma-se cada vez mais necessria. A utilizao dos gestos por parte dacriana e a empatia pr-verbal mtua entre a me e a criana no so mais suficientes paraatingirem o objectivo comunicacional. O beb apercebe-se pouco a pouco que os seus objectos deamor (os seus pais) so indivduos separados, tendo os seus prprios interesses pessoais. Eledeve, pouco a pouco e no sem sofrimento, abandonar o seu delrio sobre a sua prpriagrandeza, muitas vezes atravs de lutas dramticas com a me e em grau menor com o pai. este cruzamento que se designa por crise de reaproximao.

    Se a me est discretamente disponvel, com uma proviso acessvel de lbido objectal, se elapartilha as exploraes aventureiras do seu beb, se ela interage com ele nos jogos e nasbrincadeiras, e facilita deste modo os seus esforos salutares para imitar e se identificar, ento a

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    interiorizao da relao entre a me e o beb pode progredir at ao ponto onde, no momentoprevisto, a comunicao verbal se toma relevante, mesmo se h ainda predominncia dumcomportamento gestual bem saliente, No final do 2 ano e incio do 3, a implicao emocionalprevisvel por parte da me parece facilitar o desenvolvimento florescente dos processos mentais

    do beb, a prova da realidade e os comportamentos para os realizar. Por outro lado, ocrescimento emocional da me na sua funo materna, a sua vontade emocional de deixar ir obeb de lhe dar, como a me-pssaro, um ligeiro empurro, um encorajamento para aindependncia ajuda grandemente. Pode mesmo ser uma condio sine qua non daindividuao normal e s.

    Aquilo que se designa por seguimento da me parece, at certo ponto, necessrio ao beb (ou oseu contrrio, a partida precipitada), muitas vezes verificada no incio desta subfase). Nos casosnormais, o seguimento faz parte, na segunda metade do 3 ano, dum certo grau de permannciado objecto. Entretanto, quanto menos a me se mostra disponvel no momento da reaproximaomais o beb tentar solicit-la intensamente e desesperadamente. Em certos casos, este processocanaliza de tal modo a energia disponvel da criana para o desenvolvimento que no restarsuficiente energia, nem de lbido nem de agressividade construtiva (ambas neutralizadas), para aevoluo das numerosas funes ascendentes do Ego.

    Pelos quinze meses, regista-se uma mudana importante na qualidade da relao da criana coma sua me. Ao longo do perodo dos ensaios a me representava o porto de abrigo para o qual acriana retomava quando necessitava necessidade de comida, de reconforto ou de recarga,quando estava cansada. Mas, ao longo deste perodo, a me no parecia ser reconhecida comopessoa separada de pleno direito. Para algumas, perto dos 15 meses, a me no somente o portode abrigo. Parecia transformar-se numa pessoa com quem o beb deseja partilhar as suasdescobertas do mundo cada vez mais alargado. O sinal de comportamento mais importante nestenovo modo de relao o facto, para o beb, de trazer incessantemente coisas me, cobrindo os

    seus joelhos de objectos que ele encontra no seu universo em vias de expanso. Todos eles tminteresse para ele, mas o investimento emocional principal repousa na necessidade da criana ospartilhar com a sua me. Ao mesmo tempo, o beb indica sua me, por palavras, sons ougestos, o seu desejo de a ver interessada nas suas descobertas e partilhar o prazer que ele tem.

    Ao mesmo tempo que comea a ter conscincia de ser separada, a criana apercebe-se que osdesejos da sua me no parecem sempre idnticos aos seus ou, pelo contrrio, que os seusdesejos no coincidem sempre com os da sua me. Esta constatao representa um desafioimenso ao seu sentimento de grandeza e de omnipotncia do perodo dos ensaios, quando acriana se sentia nos pncaros do universo. E dado um grande golpe na crena da suaomnipotncia e perturbada a beatitude da unidade dual!

    A fonte de maior prazer da criana desloca-se da locomoo independente e da explorao douniverso inanimado em vias de expanso para a interaco social. Os jogos de esconde-esconde,assim como os jogos de imitao, tomam-se nos passatempos favoritos. O reconhecimento dame como pessoa separada do grande universo faz-se paralelamente tomada de conscincia daexistncia separada de outras crianas, do facto de que elas so parecidas e, em simultneo,diferentes do seu prprio Eu. A prova dada pelo facto das crianas manifestarem um maiordesejo de tere de fazero que outra criana tem ou faz isto , um desejo de reflectir em espelho,de imitar e de se identificar, at certo ponto, com outra criana. Ao mesmo tempo que sedesenvolvem estas novas caractersticas, aparece a ira especifica dirigida a um objectivo, aagressividade se o objectivo no puder ser atingido. No podemos esquecer que estesdesenvolvimentos se do a meio da fase anal, com as suas caractersticas de aquisitividade, de

    cime e de inveja.

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    Nesta subfase, o beb parece experimentar o seu corpo como sua possesso. Deixa de gostar deser manipulado: resiste a ser segurado numa posio passiva quando o vestem, E no gosta deser acarinhado e abraado, a no ser que esteja preparado.

    O desejo da criana por uma autonomia acrescida tem expresso no s no negativismo face aosoutros e me, mas tambm se traduz numa extenso activa do universo me-criana:principalmente a incluso do pai. O pai, como objecto de amor, pertence muito cedo a uma categoriade objectos de amor inteiramente diferente da da me. Se bem que ele no esteja completamentefora da unio simbitica tambm no faz completamente parte. Mais, o beb percebeprovavelmente cedo uma relao especial do pai com a me.

    Mas na altura da reaproximao a criana desenvolve relaes com outras pessoas que no o paie a me.

    Durante a primeira fase de reaproximao, regista-se uma mudana interessante nas reaces dascrianas face presena ou ausncia da sua me. Esto agora cada vez mais conscientes da

    ausncia da me e perguntam onde ela est. Por outro lado, contudo, so capazes igualmente dese manterem cada vez mais absorvidas pelas suas prprias actividades, e muitas vezes nogostam de ser interrompidas. Querem ir ver a me, mas sem a inteno de se demorarem pertodela, s um momento, para de seguida continuarem com as suas ocupaes.

    medida que progridem na subfase de reaproximao, as crianas encontram novas maneirasactivas de enfrentarem a ausncia da me (considerando a hiperactividade e a agitao motoracomo uma actividade defensiva precoce contra a tomada de conscincia do afecto doloroso datristeza): entram em relao com substitutos adultos e absorvem-se nos jogos simblicos.Numerosas formas de jogo traduzem a sua identificao precoce me ou ao pai por exemplo,a sua forma de segurar as bonecas ou os ursos. Parece instalar-se o incio da interiorizao darepresentao do objecto.

    Para a maioria das crianas, o primeiro perodo da reaproximao conhece o seu apogeu pertodos 17-18 meses, pelo que parece uma consolidao e uma aceitao temporrias da conscinciade ser separada. Isto acompanhado por um grande prazer em partilhar objectos e actividadescom a me e com o pai e, cada vez mais, com o universo social agora em vias de expanso,compreendendo no s os adultos mas tambm outros bebs, crianas da sua idade e maisvelhas. Ao longo do perodo dos ensaios a palavra adeus era a mais importante. A palavra maisimportante neste perodo de reaproximao ol.

    Aos 18 meses, as crianas parecem muito impacientes por exercerem em toda a sua extenso asua autonomia rapidamente crescente. Cada vez mais, preferem no ser lembradas que emdeterminados momentos no se conseguem desembaraar sozinhas, Seguem-se conflitos que se

    parecem articular no desejo de ser separada, grande e omnipotente, por um lado, e, por outro, dever a sua me concretizar magicamente os seus desejos, sem ter de reconhecer que a ajuda vemdo exterior, do outro.

    caracterstico desta idade que as crianas recorram sua me como extenso do seu Eu processo pelo qual negam a conscincia dolorosa de estarem separadas. Um comportamentotpico deste gnero consiste em pegar na mo da me e us-la como instrumento para ir buscar oobjecto desejado.

    Aos 21 meses podemos observar uma atenuao dos esforos de reaproximao. Verifica-se, areivindicao por um controlo omnipotente, os perodos extremos de angstia de separao, aalternncia das exigncias de proximidade e de autonomia diminuem. Enquanto isso acontece,

    parece que cada criana procura, mais uma vez, encontrar a distncia ptima sua me, Adistncia a partir da qual a criana pode funcionar melhor.

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    Os elementos de individuao crescente que parecem tomar possvel esta capacidade defuncionar melhor a uma distncia maior, e sem a presena da me, so os seguintes:

    1. O desenvolvimento da linguagem, no sentido de nomear os objectos e de exprimir os seus desejoscom palavras precisas. A possibilidade de nomear os objectos parece fornecer criana um maior

    sentimento de controlo do seu ambiente;2. O processo de interiorizao, que podemos inferir a partir de actos de identificao com a boa

    me ou o bom pai, fontes de aprovisionamento, e a partir da interiorizao de regras e deexigncias (incio do Super-Ego);

    3. Um progresso na capacidade de exprimir os seus desejos e os seus fantasmas pelo jogo simblico ea utilizao do jogo com fins de domnio da realidade.

    Quando as crianas atingem o 21 ms constata-se que j no possvel reagrup-las segundo oscritrios gerais anteriores. As vicissitudes dos seus processos de individuao so to diferentes eproduzem-se com tal rapidez que no so mais especficos duma fase mas, antes, muito distintasindividualmente e diferentes de criana para criana. O ponto principal no tanto a conscincia deser separada mas antes como essa conscincia afectada pela, e afecta a relao me-criana, arelao pai-criana (esta ltima muito claramente diferente da primeira), e a integrao dapersonalidade individual e total da criana. Existem grandes diferenas entre rapazes eraparigas. Enquanto que os rapazes manifestam uma maior tendncia para se separarem da mee terem prazer no seu funcionamento no universo em expanso, as raparigas exigem uma maiorproximidade e fixam-se nos aspectos ambivalentes da relao.

    Ao 23 ms, parece que a capacidade dos crianas enfrentarem a conscincia da separao, tantoquanto ao facto fsico da separao, depende, em cada caso, da histria da relao me-criana edo seu estado actual.

    Sejam quais forem as diferenas sexuais que pr-existam no domnio dos aparelhos do Ego e dosprimeiros modos do Ego, elas so certamente complexas e marcadas geralmente pelos efeitos dadescoberta pela criana das diferenas dos sexos. Isto produz-se ao 20-21 meses, por vezes antes (16-l7 meses).

    A descoberta pelo rapaz do seu prprio pnis d-se mais cedo. A componente sensrio-tctildesta descoberta pode dar-se no 1 ano de vida, mas subsistem dvidas quanto ao seu impactoemocional. Aos 12-14 meses a posio vertical facilita a explorao visual e sensrio-motriz dopnis.

    Quando as raparigas descobrem o pnis so confrontadas com qualquer coisa que lhes falta. Estadescoberta origina alguns comportamentos que indicam claramente a angstia, a clera e adesconfiana das raparigas. Elas desejam desfazer a diferena sexual.

    Resumindo, parece que a tarefa de se tomar um indivduo separado parece, neste momento, sergeralmente mais difcil para as raparigas que para os rapazes, porque as raparigas descobrindoas diferenas dos sexos tm tendncia a revoltarem-se contra a me, a responsabiliz-la, a exigirdela, esto desapontados e, apesar de tudo, permanecem ligadas a ela de maneira ambivalente,

    4.1.2.4. 4 Subfase: Consolidao da individualidade e incio da Permanncia doobjecto emocionalDo ponto de vista do processo de separao-individuao, a tarefa principal da 4 subfaseapresenta-se em dois elementos: 1) a aquisio duma individualidade bem definida e, sob certosaspectos, para toda a vida; e 2) a realizao dum certo grau de permanncia do objecto.

    No que diz respeito ao Eu, h uma estruturao extensiva do Ego e h sinais precisos dainteriorizao das interdies parentais, que indicam a formao dos precursores do Super-Ego.

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    A realizao da permanncia do objecto afectivo (emocional) depende da interiorizao gradualduma imagem interior da me, imagem constante e investida de energia positiva. Para comear,Isso permite criana funcionar separadamente num ambiente familiar, apesar dum certo grau(moderado) de tenso e de desconforto. A permanncia do objecto emocional ser fundada, em

    primeiro lugar, na aquisio cognitiva do objecto permanente, mas todos os outros aspectos dodesenvolvimento da personalidade da criana participam igualmente nesta evoluo. A ltimasubfase (o 3 ano de vida) um perodo extremamente importante do ponto de vista dodesenvolvimento intrapsquico: um sentimento estvel de identidade atingido (limites do Eu).Parece tambm ser nesta subfase que se d uma consolidao primitiva da identidade sexual.

    Mas a permanncia do objecto implica mais que a manuteno da representao do objecto deamor ausente. Implica tambm a unificao do bom e do mau objectos numa s representaoglobal. Isto favorece a intrincao das pulses agressivas e libidinais, e ameniza o dio ao objecto,quando a agressividade intensa. Num estado de permanncia do objecto, um objecto de amorno ser rejeitado ou trocado por outro se j no d satisfao. Neste estado, a nostalgia doobjecto subsiste sempre e este no rejeitado (odiado) como sendo insatisfatrio simplesmentepor causa da sua ausncia.

    Os principais factores que determinam a permanncia do objecto so: 1) a confiana e asegurana adquiridas graas experincia repetida do alvio da tenso por um agente desatisfao das necessidades e to precocemente como a fase simbitica. Ao longo das subfases doprocesso de separao-individuao, o alvio da tenso da necessidade gradualmente atribudaao objecto total (a me), fonte de satisfao das necessidades, e de seguida transferida, por meioda interiorizao, para a representao intrapsquica da me; e 2) a aquisio cognitiva darepresentao simblica interior do objecto permanente (segundo o significado puramentecognitivo de Piaget), de objecto nico de amor, a me.

    A maturidade plena da relao, prpria da criana em idade escolar e do adulto revela-se poruma relao do objecto de amor sob a forma de uma troca mtua (dar e receber).

    Uma vez que neste perodo que a criana aprende a exprimir-se verbalmente, podemos traaralgumas vicissitudes do processo intrapsquico da separao com a me, e os respectivosconflitos, por intermdio do material verbal e pela fenomenologia do comportamento. Acomunicao verbal, que se Iniciou ao longo da 3 subfase, desenvolve-se rapidamente nesta 4subfase da separao-individuao e substitui lentamente as outras formas de comunicao. Alinguagem gestual do corpo continua, contudo, presente. Comea a ser constitudo umsignificado da temporalidade, e com ela uma maior capacidade de tolerar um adiamento dagratificao e de prolongar a separao. A criana compreende e utiliza os conceitos de maistarde e amanh.

    A 4 subfase caracteriza-se pelo desenvolvimento das funes cognitivas complexas:comunicao verbal, fantasmatizao e prova da realidade. Ao longo deste perodo dediferenciao rpida do Ego (dos 20 ou 22 meses at aos 30 ou 36 meses), a individualizaodesenvolve-se rapidamente e a aquisio das representaes mentais do Eu como distintamenteseparadas das representaes do objecto, abre a via formao da identidade do Eu.

    Ao longo da segunda metade do 3 ano, e nos casos ideais, o investimento libidinal persistemesmo na ausncia de satisfao imediata e mantm o equilbrio emocional da criana duranteas ausncias temporrias do objecto.

    As principais condies da sade mental, no que diz respeito ao desenvolvimento pr-edipiano,repousam na aquisio pela criana duma capacidade contnua de manter e de restaurar a estimade si, no contexto duma relativa permanncia do objecto libidinal. Na 4 subfase, que no temfim, as duas estruturas internas a permanncia do objecto libidinal e tambm a imagem

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    unificada do Eu baseada nas verdadeiras identificaes do Ego devem-se comear adesenvolver.

    5. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVOA aprendizagem era outrora o domnio privilegiado das teorias comportamentais. Tambm actualmente estudada no quadro das teorias do desenvolvimento cognitivo (Vandenplas-Holper, 1982, p. 231), queanalisam as interaces entre desenvolvimento e aprendizagem (Coll, 1984; Furth, 1974; Inhelder,Sinclair & Bovet, 1974; Piaget, 1973; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Grco, 1974; Pontecorvo,1988; Tavares & Alarco, 1989; Vygotsky, 1977).

    Segundo Vandenplas-Holper (1982), enquanto que as teorias da aprendizagem social insistemsobretudo na aco determinante do meio, os tericos do desenvolvimento cognitivo pem a tnicaquase exclusivamente na actividade estruturante do sujeito que, do interior, organiza os dados domundo fsico e social (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Perret-Clermont, 1979; Piaget, 1973; 1974;

    1976a; 1976b; 1978; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Grco, 1974).

    semelhana da observao de Lewin, tambm Piaget (Piaget & Chomsky, 1987) e Inhelder,Sinclair e Bovet (1974), interrogando-se sobre a validade das experincias realizadas sobre oprimado das teorias associacionistas da aprendizagem, tambm consideram que estas sofenmenos particulares que devem ser inseridos num sistema explicativo muito mais geral(Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 34), nomeadamente atravs de uma rigorosa experimentaorealizada segundo os pressupostos de uma epistemologia estrutural e gentica (Piaget & Grco,1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974).

    5.1. Desenvolvimento Cognitivo da Inteligncia

    5.1.1. Interaccionismo piagetiano

    Vandenplas-Holper (1982, p. 27) acentua que a teoria de Piaget uma teoria interaccionista econstructivista, isto , o desenvolvimento cognitivo visto em funo das interaces que osujeito estabelece com os objectos, fsicos e sociais (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget, 1973;1976a; 1976b; Vandenplas-Holper, 1987). O sujeito humano constri o seu conhecimento dosobjectos, incluindo os outros humanos, interagindo activamente com eles (Vandenplas-Holper,1987, p. 19), que um processo no qual o indivduo em parte agente da sua prpria mudanae participa na orientao do desenvolvimento (Gilly & Piolat, 1986, p. 22) e onde o

    conhecimento construdo em sucessivas etapas evolutivas e adaptativas, visando sucessivos'equilbrios majorantes' (Piaget, 1987), equilbrios que correspondem a modos estruturaisdiferentes e superiores de compreenso e apreenso da realidade do meio fsico e social.

    Por outro lado, Inhelder, Sinclair e Bovet (1974, p. 14) consideram que a contribuio de Piaget secaracteriza por trs traos dominantes:

    1. A dimenso biolgica;2. A interaco dos factores sujeito-meio...;3. O construtivismo psicogentico.

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    5.1.2. Adaptao e EvoluoCondenando o empirismo, Piaget (1973; 1974; 1987) tem como ponto de partida para a sua teoriade desenvolvimento cognitivo os fundamentos filosficos preconizados por Kant sobre a origem

    do conhecimento humano: os conhecimentos 'a priori' (Piaget & Chomsky, 1987).Para Piaget (1973; Piaget & Chomsky, 1987; Piaget & Grco; 1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet,1974) o desenvolvimento cognitivo da inteligncia rege-se por processos de adaptao e evoluoanlogos aos processos adaptativos e evolutivos encontrados em Biologia e analisados noutrosseres vivos.

    nascena a criana possui estruturas orgnicas hereditrias (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974)ou, como nos diz Piaget (Piaget & Chomsky, 1987, p. 395), ...o funcionamento (da estruturacognitiva) implica mecanismos nervosos hereditrios.

    5.1.3. Assimilao e Acomodao

    Segundo Inhelder, Sinclair e Bovet (1974), as primeiras condutas de adaptao cognitivaprocessam-se atravs de assimilao funcional a partir de estruturas biologicamente pr-existentes. Assimilao no sentido do sujeito incorporar elementos novos nas estruturasprogramadas hereditariamente.

    Por outro lado, esta actividade de assimilao ou de incorporao, na medida em que sereproduz e se generaliza, conduz a mudanas na cognio sensrio-motora, atravs daacomodao diferenciadora. Deste modo, essa assimilao est na origem dos primeirosesquemas de conhecimento do sujeito e da sua integrao constituem-se as novas condutas queno esto inscritas nas estruturas orgnicas hereditrias (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 15).

    Essas estruturas hereditrias no determinam em absoluto o desenvolvimento cognitivo dosujeito (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974), pressupem antes uma ...hereditariedade defuncionamento das prprias construes (Piaget, 1987, p. 281), isto , o conhecimento concreto no estinscrito e biologicamente pr-programado (Eibl-Eibesfeldt, 1978), o modo estrutural defuncionamento cognitivo de aquisio e construo do conhecimento, fsico ou lgico-matemtico, que hereditrio (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget & Chomsky, 1987).

    Deste modo, Piaget no se situa no campo estritamente apriorstico: Do ponto de vistaepistemolgico, a ausncia de toda a aprendizagem das estruturas lgicas, seria entonaturalmente favorvel a uma interpretao apriorstica. Recorrendo a um purodesenvolvimento interno, a reduo possvel de tal aprendizagem, reconhecida como existente, das estruturas fsicas, conduziria pelo contrrio a uma interpretao empirista, enquanto ocirculo presumido das estruturas lgicas aprendidas e das estruturas anteriores constituindo acondio dessa aprendizagem sugeriria uma interpretao interaccionista, na qual serianecessrio alis precisar o papel de existncia e das actividades do sujeito (Piaget, 1975, p. 25).

    5.1.4. Construtivismo piagetianoEm epistemologia gentica, o sujeito e o objecto no so dissociveis (Inhelder, Sinclair, & Bovet,1974). O sujeito s pode conhecer o objecto atravs das relaes e aces que exerce sobre essemesmo objecto, realizando 'aproximaes sucessivas' ao conhecimento deste (Inhelder, Sinclair,& Bovet, 1974).

    O conhecimento dos objectos no um dado imediato, o sujeito elabora o objecto segundo duasdireces complementares e interdependentes: aquela que conduz elaborao de formas deconhecimento ou estruturas lgico-matemticas e aquelas que conduzem ao conhecimento dos objectos e das

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    relaes espacio-temporais e causais que os constituem (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974), ou sestruturas lgicas e s estruturas fsicas (Piaget, 1974).

    5.1.5. Estdios do Desenvolvimento CognitivoObviamente, que a construo desse conhecimento feito em sucessivas etapas, que Piagetbaptizou de estdios de desenvolvimento cognitivo, que mais no so, cada um deles, queformas bem diferenciadas de esquemas, e de coordenao de esquemas de apreenso econstruo da realidade (fsica e social), que correspondem a formas dinmicas de equilbrio daestrutura cognitiva.

    5.1.6. Coordenao de Esquemas e Equilibrao

    No incio os esquemas cognitivos s so parcialmente coordenados, o que origina julgamentoscontraditrios ou incompatveis entre si (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974) e que correspondem a

    uma forma determinada de equilbrio da estrutura cognitiva (Piaget, 1973; 1974; 1987). Com asubsequente construo de esquemas lgico-matemticos melhor coordenados entre si e quecorrespondem a formas superiores de apreenso lgica dos objectos fsicos e sociais (que sotestemunhos da capacidade organizativa da estrutura cognitiva Inhelder, Sinclair e Bovet, 1974, atravs de sucessivos equilbrios ou processos de equilibrao Piaget, 1978 ou equilibraocognitiva Piaget e Chomsky, 1987 ampliadores ou majorantes Piaget e Chomsky, 1987) estesconduzem, no a retornos a formas anteriores de equilbrio, mas sim a formas superiores deequilbrio, caracterizada pelo aumento das dependncias mtuas ou implicaes necessrias (Piaget,1987, p. 60).

    5.1.7. Desenvolvimento e AprendizagemAs teorias do estmulo-resposta, S R, ou a sua evoluo estmulo-organismo-resposta, S O R, de Hull, so acusadas por Smesdlund (Piaget & Grco, 1974) de impreciso na definio de S ede R (que acusa de ser to precisa como a utilizao de esquemas causas-efeitos). Piaget (1974)considera, por sua vez, que o esquema S R constituiria uma verificao do empirismo se (sepudesse) reduzir o estmulo S s propriedades do objecto e se (se pudesse) reciprocamentereduzir a parte do sujeito no conhecimento s respostas R (Piaget & Grco, 1974, pp. 20-21).

    Deste modo, e transpondo a epistemologia interaccionista em termos de estmulos e respostas, oesquema preconizado por Piaget S(O) R, onde o estmulo S indissocivel do organismo O,o qual, antes mesmo de fornecer a resposta R, percebe e interpreta esse estmulo S em funo das

    actividades (perceptivas ou outras), intervindo necessariamente na sua qualificao ... nesse casoo problema epistemolgico situa-se primeiramente ao nvel da relao SO (Piaget & Grco,1974, p. 21).

    De qualquer modo, os processos de aprendizagem analisados pelos associacionistas ecomportamentalistas, apesar de no explicarem o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, estosujeitos s suas leis (Piaget & Chomsky, 1987), pois o estmulo ou um padro de estmulos noactua no vazio, a sua aco supe a presena de um esquema (Inhelder, Sinclair, &e Bovet, 1974;Piaget & Chomsky, 1987), que na realidade afonte da resposta (Piaget & Chomsky, 1987).

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    5.1.8. Estrutura Cognitiva e 'inconsciente cognitivo'O que caracteriza (...) o aspecto cognitivo dos comportamentos a sua estrutura, quer se trate deesquemas de aco elementares, de operaes concretas de classificao ou de seriao, etc., ou da lgica das

    propores com os seus diferentesfoncteurs(implicaes, etc.) (Piaget, 1972, p. 42).Assim, e em relao ao aspecto meramente cognitivo do comportamento e da aco, o factor quePiaget reala a estrutura cognitiva do sujeito. Estrutura cognitiva que Piaget (1972) caracterizapor uma relativa conscincia do resultado (embora bastante pobre), e total inconscincia dosmecanismos que conduzem os comportamentos e as aces: o inconsciente cognitivo (Piaget,1972).

    Esse inconsciente cognitivo representa os mecanismos (ou estruturas) que fazem funcionar oaparelho cognitivo, transformando o pensamento: O pensamento do indivduo orientado porestruturas cuja existncia ignora e que determinam no s o que ele capaz ou incapaz de 'fazer' (...) masainda o que 'obrigado' a fazer(...) (A) estrutura cognitiva o sistema de ligaes que o indivduo pode e

    deve utilizar, no se reduzindo de forma alguma ao contedo do seu pensamento consciente (Piaget,1972, p. 43).

    O problema no est em relao conscincia do contedo do pensamento mas sim s razesestruturais e funcionais que levam o sujeito a pensar deste ou daquele modo, isto , do mecanismontimo que dirige o pensamento (Piaget, 1972). Por outro lado, a conscincia dos resultados obtidospelo pensamento no d indicao nenhuma dos mecanismos ntimos que transformam opensamento, permanecendo as suas estruturas inconscientes enquanto estruturas.

    Podemos dizer que a estrutura cognitiva uma forma de organizao da experincia (Piaget;op. cit. Battro, 1978, p. 98). , simultaneamente, um produto e um processo, modo defuncionamento, onde se inscrevem os mecanismos que transformam o pensamento,

    determinando as formas desse pensamento, e, uma vez que as determina, no podemosdistinguir as estruturas do seu contedo.

    5.1.9. Estrutura Cognitiva e EquilbrioCada estrutura de conceber como uma forma particular de equilbrio, mais ou menos estvel no seudomnio restrito e tornando-se instvel nos limites deste. Mas estas estruturas, escalonadas em estdios,devem ser consideradas como sucedendo-se segundo uma lei da evoluo tal que cada uma delas assegureum equilbrio mais lato e mais estvel aos processos que intervinham j dentro da precedente. Ainteligncia torna-se, assim, um mero termo designando as formas superiores de organizao ou deequilbrio das estruturas cognitivas (Piaget, 1978, p. 15).

    Mas se os mecanismos que transformam o pensamento funcionam de modo inconsciente,podemos, partindo da prpria aco, tentar perceber como actuam esses mecanismos e quais asestruturas que lhes esto subjacentes. Deste modo, para atingir o funcionamento real da inteligncia importante, pois, inverter este movimento natural do esprito e de nos recolocarmos na perspectiva daprpria aco (Piaget, 1978, p. 44; grifo dos autors).

    5.1.10. Aco e Sistema de OperaesPor um lado, Piaget considera que o comportamento ou aco se baseia num sistema deoperaes. Psicologicamente, essas operaes tm dois aspectos paralelos: exteriormente tratam-se de aces coordenadas entre si (comportamentos observveis ou mentalizados) einteriormente, isto , para a conscincia, tratam-se de relaes que se implicam umas s outras.Por outro lado, essas operaes, em termos logiciais, so o produto de uma abstrao reflexiva

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    (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974; Piaget, 1976b; Piaget & Grco, 1974) do processo que resultaem aco ou comportamento: o esquema da aco.

    O esquema de uma aco , por definio, o conjunto estruturado dos caracteres generalizveis da aco,

    isto , dos que permitem repetir a mesma aco e aplic-la a novos contedos. Mas o esquema de uma acono nem perceptvel (percebe-se uma aco particular mas no o seu esquema) nem directamenteintrospectvel e s se toma conscincia das suas implicaes repetindo a aco e comparando os seusresultados (Piaget; op. cit. Battro, 1978, p. 92).

    Deste modo, o esquema o modo particular de apreenso da realidade, o modo defuncionamento da estrutura cognitiva, organizador da experincia (Piaget, 1976a). Atravs doesquema da aco pode-se inferir o papel da operao (aco interior, como designou Piaget, em1976a) ou sistema de operaes.

    Mas a realidade psicolgica, tal como percebida pelo sujeito ...consiste em sistemas operatrios deconjunto e no em operaes isoladas concebidas a ttulo de elementos anteriores a esses sistemas:

    portanto unicamente quando as aces ou representaes (...) se organizam em sistemas tais que elasadquirem (...) a natureza de 'operaes' (Piaget, 1978, p. 48).

    Mas as operaes no so apenas aces interiorizadas: para que existam operaes necessrioque essas aces se tornem reversveis e se coordenem em estruturas de conjunto (Piaget, 1973).

    5.1.11. Socializao da Inteligncia IndividualAs estruturas prprias relativas ao pensamento, e que designamos por cognitivas, tambm estosujeitas a uma socializao, que Piaget (1978) designou por socializao da inteligncia individual.

    5.1.12. Conflito SociocognitivoNos estudos sobre conflito sociocognitivo (Coll, 1984; Gilly, 1988; Perret-Clermont, 1978;Pontecorvo, 1988) h uma tentativa de se pr em evidncia a importncia de certas interacessociais na mudana da estrutura cognitiva do sujeito. O que est em jogo so os processos dereorganizao interna que so desencadeadas pelas interaces sociais. Ao abordar o problemados laos existentes entre interaces sociais e estruturas cognitivas, Piaget (...) elabora um modelo quedemonstra o isomorfismo entre as estruturas operatrias e as estruturas subjacentes s interaces sociaisde troca de ideias e de valores (Perret-Clermont. 1978, p. 66).

    Segundo Piaget, a interaco socialfavorece o desenvolvimento do raciocnio lgico e a aquisiodos contedos escolares (Coll, 1984) graas aos processos de reorganizao cognitiva

    despoletados pelos conflitos cognitivos e respectiva superao.Deste modo, o conceito socializao da inteligncia individual possui uma dupla articulao: asimblica, influenciando o nvel simblico do pensamento e agrupando conceitos prximos dasrepresentaes sociais de Moscovici (Leyens, 1985); a objectiva, influenciando o nvel objectivoou lgico do pensamento, constitudo por 'agrupamentos' de operaes e de aces lgicasexercidas pelo indivduo sobre o mundo exterior. indispensvel, para tratar das relaes entre asfunes cognitivas e os factores sociais, comear por opr as 'coordenaes gerais' das aces colectivas stransmisses culturais particulares que se cristalizam de maneira diferente em cada sociedade (Piaget,1972, p. 65).

    Sem troca de pensamento e cooperao com os outros o indivduo no conseguiria agrupar as

    suas operaes num todo coerente: neste sentido, o agrupamento operatrio supe a vidasocial (Piaget, 1978). Deste modo, a socializao da inteligncia individual do sujeito que tornao seu pensamento objectivo.

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