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Texto de Ivana Maria França de Negri
Era bem cedo, mas horário de pico, quando todos saem para o trabalho,
geralmente atrasados e apressados, numa avenida
movimentada aqui da cidade.
Entre os carros, vi uma cadela bem pequena,
magrinha, com o rabinho entre as pernas, muito
assustada e que procurava escapar de vários cães vira-latas bem maiores do que
ela. Creio que deveria estar no cio, pois fugia deles e
tentava se desviar dos carros também.
Seu corpinho tremia, talvez por estar acuada e sem saber onde se esconder. Passou na
frente do meu carro e eu, instintivamente, pisei fundo no freio, deixando-a passar, mas o carro que vinha logo
atrás quase bateu na traseira do meu e vi que o motorista
ficou muito alterado. Sem um mínimo de paciência (e
educação) ultrapassou o meu carro, acelerando o dele, e
blasfemando impropérios que não consegui decifrar, mas dando a entender algo do tipo: "saia da minha frente
barbeira!".
E saibam que eu tenho um adesivo bem visível no vidro traseiro do meu carro com esta frase estampada: "Eu
freio para os animais". Não tenho certeza, mas acho
que na desenfreada e imprudente corrida, ele deve ter batido na cadelinha pois ouvi um forte ganido. Fiquei
desesperada e sem ação naquele momento, mas
acredito que ela não ficou ferida porque foi correndo
para perto de uns catadores de sucata que deveriam ser
seus donos.
Muitos pensamentos passaram por minha cabeça
naquele momento. Parar para conversar com eles? Pegar a cachorrinha e colocar no meu
carro? E levá-la onde? Se a deixasse no canil,
maltratadinha como estava, poderia ser eutanasiada. Levá-la em algum abrigo lotado para passar fome?
Trazer para meu apartamento, onde já moram dois gatos?
Segui em frente, mas a imagem dela permaneceu
comigo, seus olhinhos assustados, pedindo ajuda,
seu desespero, sua aflição... .
Dei a volta e passei de novo nas adjacências, mas não os
vi mais, nem os recicladores e nem a cachorrinha.
No trajeto da volta, vi algumas pessoas passeando com seus cãezinhos de raça, cheios de lacinhos, pêlos escovados,
roupinhas coloridas, e pensei comigo, por que uns tem
tanto e outros nada possuem, também no reino animal? Por
que as pessoas compram animais de raça, a preços elevadíssimos ao invés de
adotar um animal abandonado?
Por acaso o amor, a lealdade, a amizade e o carinho são diferentes? Por que para
alguns sobram apenas restos putrefatos em latas de lixo e
para outros só ração importada? Por que para
alguns há vacinas e vitaminas e para outros só a injeção
letal? Meus animais mais amados foram resgatados das ruas. Uns ainda filhotes, outros já
adultos, mas todos se tornaram reis e rainhas da
casa, mesmo não tendo pedigree e não sendo
descendentes de raças nobres.
Desculpem os leitores pelo meu desabafo. Espero que o
motorista apressadinho e imprudente leia esta crônica e
reveja suas ações. Mais calma! E que tenha um pouco
mais de compaixão pelos desafortunados, sejam eles
bicho ou gente.
Ivana Maria França de Negri é escritora.
Formatado por Patrícia Perrud Cordeiro
www.mensagensvirtuais.com.br
Fonte: Florais e ciaTexto da minha querida amiga
escritora Ivana Maria França de Negri