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DESIGUALDADE, JUVENTUDE E ESCOLA: UMA ANÁLISE DE TRAJETÓRIAS INSTITUCIONAIS 1 Mônica Peregrino Breve apresentação N · a recente filmografia francesa, "Quando tudo começa" re- trata as pequenas e grandes misérias da vida no final dos anos de 1990, como efeitos dos processos de "Demissão do Estado".' Uma pré-escola é o centro da trama que denuncia desem- prego, desinvestimento, desesperança, depressão, injustiça. A escola não é onde tudo começa, porque ela não é a origem dos problemas. Ela apenas os reflete. Mas é deste lugar, da escola, que temos uma compreensão, digamos, mais "humana" do problema. É ali, quando tudo começa, que percebemos as interdições, degradações e injusti- ças que passarão a demarcar os contornos dessas vidas em seu ini- cio. Assim, se a escola não produz as condições que delimitarão daí por diante as vidas "que começam", ela, com certeza, as reproduz. A escola, portanto, não é o inicio do ciclo onde tudo começa, mas demarca o espaço de conservação e "perpetuação" do movimento: quando tudo re-começa. Apesar de tudo, o filme não é uma crítica à escola francesa (é talvez uma crítica ao sistema educacional francês, mas não à escola como instituição). Ao contrário, ele é, ao mesmo tempo, um alerta à sociedade sobre a desestruturação desta institui- ção e uma poética declaração de adesão a esta. Recupero o filme porque me parece que seu projeto (obede- cidas as devidas proporções) é muito semelhante àquele que me propus realizar em minha tese. A proposta era tomar a escola como espaço a partir do qual se pudesse pensar a sociedade brasileira, sem que para isso se tivesse de abrir mão de realizar uma reflexão espe- cífica sobre a instituição. O projeto realizado foi o de "mergulhar" numa escola para entender alguns dos impasses que acometem "as

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DESIGUALDADE, JUVENTUDE E ESCOLA:

UMA ANÁLISE DE TRAJETÓRIAS INSTITUCIONAIS1

Mônica Peregrino

Breve apresentação

N·a recente filmografia francesa, "Quando tudo começa" re-trata as pequenas e grandes misérias da vida no final dosanos de 1990, como efeitos dos processos de "Demissão do

Estado".' Uma pré-escola é o centro da trama que denuncia desem-prego, desinvestimento, desesperança, depressão, injustiça. A escolanão é onde tudo começa, porque ela não é a origem dos problemas.Ela apenas os reflete. Mas é deste lugar, da escola, que temos umacompreensão, digamos, mais "humana" do problema. É ali, quandotudo começa, que percebemos as interdições, degradações e injusti-ças que passarão a demarcar os contornos dessas vidas em seu ini-cio. Assim, se a escola não produz as condições que delimitarão daípor diante as vidas "que começam", ela, com certeza, as reproduz.A escola, portanto, não é o inicio do ciclo onde tudo começa, masdemarca o espaço de conservação e "perpetuação" do movimento:quando tudo re-começa. Apesar de tudo, o filme não é uma crítica àescola francesa (é talvez uma crítica ao sistema educacional francês,mas não à escola como instituição). Ao contrário, ele é, ao mesmotempo, um alerta à sociedade sobre a desestruturação desta institui-ção e uma poética declaração de adesão a esta.

Recupero o filme porque me parece que seu projeto (obede-cidas as devidas proporções) é muito semelhante àquele que mepropus realizar em minha tese. A proposta era tomar a escola comoespaço a partir do qual se pudesse pensar a sociedade brasileira, semque para isso se tivesse de abrir mão de realizar uma reflexão espe-cífica sobre a instituição. O projeto realizado foi o de "mergulhar"numa escola para entender alguns dos impasses que acometem "as

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Este trabalho trata exatamente desta relação, à vezes delica-da, às vezes tensa, entre juventude pobre e escola pública no Brasil.Ele o faz a partir de um "lugar" de observação: a escola pública. Essainstituição já se consolida na literatura especializada como espaço dereprodução das classes, mas vem, nos últimos tempos, apresentandodesafios que a posicionam como instituição fundamental também nareprod ução das gerações no país.

A desigualdade como eixo das relações sociais no Brasile suas relações para com a escola

José de Souza Marfins (1977) e Francisco de Oliveira (1998)indicam: a desigualdade é a marca distintiva da sociedade brasileira.Seja com referência às formas de sociabilidade (como aponta Mar-tins), seja em referência às desiguais maneiras de incorporar econô-mica, social e politicamente as classes neste país (em alguns casos

. operando com a recusa de incorporação das maiorias, como nos dizOliveira), o fato é que, não só em termos factuais, mas fundamental-mente em termos analíticos, é impossível entendermos a sociedadebrasileira apartados da categoria que nos permite sua explicação eanálise: a desigualdade.

No âmbito dos direitos e de suas políticas a questão nova-mente se apresenta. Vera Telles (1999) afirma, não sem ousadia: aspolíticas de direitos no Brasil vem operando com a reposição efetivadas desigualdades no país. Ou por outra, a lógica da distribuição dedireitos reproduz as desigualdades que, por princípio, as políticasbuscavam dirimir.

No âmbito da educação, a questão se afirma e se atualiza. Nu-merosos estudos (por exemplo: TElXEIRA, 1973; CUNHA, 2001), defiliações teóricas e ideológicas diversas, realizados em períodos his-tóricos diferentes - mas que possuem em comum o fato de produ-zirem análises acerca dos mecanismos de expansão da educação noBrasil -, vêm mostrando os movimentos de expansão da educação,que passa à incorporar, em seus espaços e por tempo cada vez maislongo, grupos sociais antes excluídos dos muros institucionais. No

escolas", e também o de "mergulhar" numa instituição, para enten-der alguns elementos que determinam as relações tensas entre insti-tuições e sociedade neste país.

Mas aqui a demarcação de "quando" tudo começa é bastantediferente daquela do filme. Lá "tudo começava" na origem mesmada vida escolar das crianças. A pré-escola. no filme, é quando tudocomeça. Neste trabalho, não. Começamos no segundo segmento doensino fundamental. Lugar dos mais difíceis na escola brasileira.

A população de jovens gira em tornode .20% da populaçãobrasileira. Nos últimos anos houve um crescimento efetivo da taxade escolarização destes jovens. Eles têm hoje maior acesso à escola,permanecendo nela por mais tempo. Mas esta "estada" é preenchidapor reprovações sistemáticas, abandonos episódicos, e, em determi-nadas circunstâncias, saídas definitivas.

Essa permanência vem desafiando as séries finais do ensinofundamental. É nelas que se encontram mais da metade dos jovenscom idades entre lS a 17 anos. E se levarmos- em conta que a es-colarização fundamental deveria atender os alunos na faixa dos 7aos 14 anos, percebemos que aquilo que vem sendo chamado deuniversalização do ensino fundamental, refere-se, no antigo curso"ginasial", ao prolongamento no tempo de seu período de "habi-tação". E essa "extensão" do tempo de permanência na escola vemcolocando em contato, cada vez mais longo, dois "sujeitos" atépouco tempo atrás apenas superficialmente conhecidos: os jovenspobres e a escola pública.

. Por outro lado, não é à toa que Mello (1999) chamou o ensinomédio brasileiro de "ensino das minorias sobreviventes". Assim, a"coabitação forçada" no ensino fundamental (e em especial em seusegundo segmento) não tem garantido o acesso (seja por repetên-da e abandono, seja por escassez de vagas) ao ensino médio. E seé verdade que a finalização do ensino fundamental não garante aentrada no ensino médio, é igualmente verdadeiro que a interrup-ção da escolarização neste patamar condena à subescolarização, e aum futuro de provável precariedade.' Aqui, no ginásio.' é "quandotudo começa".

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entanto, operam traduzindo- e em fragilização da estrutura escolare realizando, ao final, a expansão de uma escola que se amplia, tor-nando-se cada vez "menos" escola.

Por outro lado, a desigualdade na distribuição dos "bens"educativos não configura uma singularidade da sociedade brasileira.Ela é também uma marca importante da relação entre escola e socie-dade nos países capitalistas ocidentais. Bourdieu e Passeron (1975),Bowles e Gintis (1976), Baudelot e Establet (1971), Althusser (1983);mas também Frigotto (1984), Cunha (1991), só p~ua citar alguns au-tores brasileiros recentes, nos vêm alertando para o fato de que parteimportante da ação dos sistemas escolares consiste na reproduçãodas desigualdades sociais.

Neste caso, a expansão da escolarização, não só no Brasil, mastambém nas sociedades de capitalismo avançado, coloca a questão:como se expande e se universaliza uma instituição que configura seu"valor" na distribuição desigual do capital simbólico que detém? Épossível "universalizar" a escola, ou pelo menos _determinados pa-tamares do sistema escolar sem modificar profundamente sua estru-tura e função? Por outro lado, se partirmos das desigualdades estru-turais de nossa sociedade, como, no Brasil, se universaliza o maisbásico dos patamares escolares, o ensino fundamental? Por fim, quemodificações tal expansão vem determinando junto à dinâmica ins-titucional?

Desigualdades educacionais no Brasil e expansão da escola,a partir da década de 1990: "fazendo mais com menos"

o fato é que presenciamos, desde a década passada, a expan-são da escolarização para grande parte dos jovens brasileiros. Estaexpansão, relativa aos níveis fundamental e (principalmente) médiodos sistemas públicos de ensino, vem atingindo, basicamente, os jo-vens das camadas populares. Segundo Fanfani, o que temos assisti-do no processo de expansão das escolas refere-se, na América Latina,à massifiéaçào dos sistemas de ensino. Ele mostra ainda que há algoem comum nas "formas" de expansão das escolas nestes países:

~I ualdadr. }uIYntudr r r.<.(V'Ila:UmD antÍlL';r dr trajrt6na..< instiiucumau

Em muitos casos, este crescimento quantitativo não é acompanhado

por um aumento proporcional em recursos públicos investidos no

setor. Muitas vezes "teve-se que fazer mais com menos". É muito

provável que a massificação tenha sido acompanhada de uma dimi-

nuição do gasto pu capita; esticando ao máximo o rendimento de certas

dimensões básicas da oferta. tais como recursos humanos. infra-estrutura

fisica. equipamento didático. ele ..(FANFANI, 2000, grifos nossos)

Em nosso caso, a "expansão milagrosa", que faz "mais com me-nos", inicia-se durante os dois mandatos de Femando Henrique Cardoso(1994/2002). Aligeiramento dos conteúdos escolares, daformação de educa-dores, da estrutura física institucionaí e, finalmente, diminuição do inves-timento per capita são os elementos centrais da "equação" que, a partir dasegunda metade da década de 1990, passa a dar sustentação à expansão doensino [undomental no Brasil (ALGEBAlLE, 2004).

Nesse âmbito, inicia-se um processo que objetiva, como indicado nascartiihas dos órgãos internacionais, a "racionalização" e a "correção" dosetor escolar, de modo a adequar a estrutura já disponível a um atendimentomais eficaz, buscando para isso tanto a diminuição dos Índices de reten-ção trepetência), quanto a ampliação geral da escolarização da população. Oprograma de "aceleração da aprendizagem" é a pedra de toque deste projetoque "produz" pagas pela aceleração de processos sem, contudo, criar injra-esiru t 11ra.5

Isto não é surpreendente. Como nunca é demais repetir, emum país desigual corno este, uma instituição corno a escola, que só éconsiderada legítima quando distribui de maneira desigual o capitalsimbólico que detém, não se expande, e em particular não atendeao acesso e ao tempo de permanência dos pobres - e em especialaos jovens pobres - sem se modificar profundamente. Os exames na-cionais de avaliação de aprendizagens no ensino fundamental vêmmostrando claramente que uma das dimensões escolares "sacrifica-das" no processo de sua expansão tem sido exatamente a da trans-missão de conhecimentos.

Desta forma, a expansão das vagas pela "aceleração" dos pro-cessos de aprendizagem e do tempo de habitação da escola pelo jo-

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A questão que se coloca é: o que produz essas divisões no in-terior da escola? Se partirmos do pressuposto de que as turmas, maisdo que simples grupamentos de alunos, configuram verdadeiras po-sições estabelecidas no interior da instituição escolar; que as maneirasde identificar as turmas são formas de, antes de tudo, classificá-Ias; eque essa classificação, ao obedecer a critérios" consensuais" dentro docampo escolar, os mais simples e diretos, corno faixa etária, rendimen-to escolar, ou os aparentemente mais sofisticados, corno qualidade deuso da língua portuguesa e da escrita, nada mais faz do que "jus-tifica( socialmente formas de distinção e de hierarquização que seinstalam no interior dos espaços escolares, travestindo de fenômenosnaturais" desigualdades produzidas em parte dentro da própria esco-la. Se pensarmos desta forma, estaremos tratando as turmas escolarescomo aquilo que Bourdieu nomeia de "lugar". "O lugar pode ser de-finido absolutamente como o ponto do espaço físico onde um agenteou uma coisa se encontra situado, tem lugar, existe. Quer dizer, sejacomo localização, seja sob um ponto de vista relacional corno posição,corno graduação em urna ordem" (BOURDIEU, 1998, p. 160).

O lugar define a qualidade não só da turma, mas também deseus ocupantes. Ou por outra, os alunos são também definidos peloespaço que ocupam na escola. A posição que ocupam, por sua vez, écaracterizada pela posição relativa que ocupam na turma, e desta emrelação às outras turmas, nas distâncias que as separam entre si.

Os lugares, posições ou espaços ocupados determinam, porsua vez, em grande medida, o poder de acesso ou de manutençãodos "bens" distribuídos pela escola: o conhecimento escolar. A equa-ção se completa e o círculo se fecha: as "melhores" turmas ocupamos melhores espaços. Os melhores espaços oferecem melhores condi-ções para que os "melhores" mantenham suas posições.

As turmas de "categorias" semelhantes ocupam, com poucasvariações, os mesmos espaços físicos (salas) no interior da escola. Éimportante notar que na escola na qual o estudo foi desenvolvido,há urna peculiaridade: no andar onde funciona o ginásio, as paredesque separam as salas do corredor são vazadas na porção superior.A posição das salas em relação ao corredor determina seu grau de

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isolamento. Em algumas das salas a comunicação com o corredor étão ampla que se pode ouvir qualquer barulho produzido nas partescomuns. Em outras, esta fonte de barulho reduz-se.

Por outro lado, a comunicação com a face externa da escola colocaas turmas em contato com espaços diversos (o pátio interno onde acon-t~em ?s recreios, a quadra que, por ser descoberta, provoca barulho sig-ruricativo durante as aulas de educação física, a rua movimentada paraa qual se abre uma das faces da escola). Na dinâmica da distribuição do"b~o" pelas salas da escola, aquelas mais bem posicionadas, sub-metidas a menos ruído, oferecem condições de ensino-aprendizagem,para as turmas que as ocupam, bastante diversas daquelas oferecidaspara as salas localizadas nos locais mais barulhentos. A localização dassalas tem,. portanto, efeito sobre as condições de apropriação daqueleque deveria ser o bem distribuído pela escola: o saber.

Os livros didáticos que chegam à escola vão sendo distribuí-dos a partir de critérios que levam em conta a "categoria" da turma,recebendo-os, primeiro, as turmas do "topo". Quando os livros rece-bidos pela escola não chegam para todos, as turmas de categoria mais"baixa" (a par~r dos critérios de valoração da escola) ficam completa-mente ou paraalmente sem livros. No ano de 2005, havia pelo menosuma turma com precário acesso aos livros: a turma 506 (uma daquelas~u~, co~o se~á possível verificar no decorrer deste estudo, agrega aspiores qualidades, de acordo com o julgamento escolar).

. A distribuição de professores pelas turmas e turnos é um capí-tulo a par~e. Na medida do possível/ os professores mais antigos daescola estão alocados no turno da manhã. No turno da tarde, encon-tram-se os professores mais novos na escola, havendo também ou-tros, ~ais antigos e também mais raros que escolhem esta inserção.Em linhas gerais, às turmas "do topo" (na hierarquia escolar) sãodestinados os professores considerados como os mais rigorosos emtermos de disciplina e mais exigentes em termos de conteúdo.

Nas turmas consideradas mais difíceis (de regular c selecio-nar), o conjunto de atributos necessários para o trabalho é bastantediverso. Nestas turmas, o professor deve ter amplo "domínio de tur-ma", deve ser capaz de negociar sua autoridade. Deve ser também

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vem antes excluído desta não vem, aparentemente, agregando valoraos processos de escolarização, criando, dentro das instituições, umaespécie de "habitação" escolar sem escolarização.

Neste contexto, não é de se estranhar que o ensino fundamen-tal mantenha níveis desiguais de desempenho e conclusão, comoconcluiu o estudo sobre "As desigualdades na Educação no Brasil",realizado pelo Observatório da Eqüidade, a partir de dados coleta-dos tornando-se corno referência o ano de 2005.

De acordo com esse estudo, a expansão da escolarização poraumento do tempo de "habitação escolar" não' tornou a instituiçãome~os seletiva. Os dados são bastante conclusivos: se a taxa espe-rada de conclusão para a 4a série era de 89% no país (com 79% noNordeste e 96% no Sudeste), para a 8" série, os índices apresentaram-se significativamente mais baixos: 54% no país, sendo 38% para oNordeste e 69,3% para o Sudeste.

Por fim, ainda no âmbito da análise dos níveis desiguais dedesempenho e conclusão, se tomarmos com'? c~usa as condições eco-nômicas e sociais adversas, veremos que para ó indicador "percentualde alunos de P à 8a série com renda inferior a Y.z salário mínimo",ternos, no país, ingressando na P série (no ano de 2005) 55,4% dosalunos. Para o mesmo indicador, ingressaram na 8- série, no mesmoano, apenas 36,4% dos alunos. Se tornarmos como referência a regiãoSudeste, teremos, para este indicador, 41,2% de ingressantes na pri-meira das séries do ensino fundamental, e apenas 26% de ingressan-tes na oitava, o que demonstra que, mesmo com estrutura precária,a escola mantém seletividade significativa para os segmentos maispobres da sociedade.

A tese da qual este artigo se origina busca desvendar umarelação entre a instituição escolar e os jovens pobres que passam ahabitá-Ia.nos marcos de sua expansão. A questão de como se univer-saliz~ o sistema público de ensino fundamental, num país que vemhistoricamente recusando a incorporação de suas maiorias, percorretoda a análise.

Na investigação de urna escola pública tratada como "casoparticular do possível" (BOURDIEU, 1998), a recuperação de três

Drsi\UaldJ:.ir. iureniuâc r escols: u77UIllmílisc dr trajrtórÍIIs insutucionaisc . /19

décadas de trajetórias escolares, e um "mergulho" nos modos de es-colarização dos tempos que correm buscam fazer entender as velhase novas desigualdades que marcam a instituição.

Seleção, segregação, enraiz.arnento e regulação são as catego-rias, eixos para o desenvolvimento desta análise que coloca a escolacomo um "mirante" de onde se podem apreender alguns dos ele-mentos que compõem a dinâmica social.

A escola como "espaço social":"turmas" e "turnos" como categorias analíticas

Antes de mais nada, é importante esclarecer que a tese, da qualeste ensaio é expressão, é fruto da tensa posição que ocupei dur~te amaior parte de minha vida profissional como professora e pe~qUlSado-ra da área de educação. Durante todo esse período, acumulei pergun-t.15e inquietações, dúvidas e impressões, algumas das quais ~enhumtrabalho acadêmico foi capaz de responder por completo. TaIStextosserviram, porém, para me ajudar a tomar mais claro, objetivo e delimi-tado o espectro de minhas perguntas. E elas existiam aos montes!

Na verdade, fazer um estudo que tomasse as turmas comoreferência era urna proposta de minha tese desde o início, quandoela não passava ainda de um projeto. Ainda no tempo em qu~ :ra~a-lhava na escola já buscava classificar a diversidade de expenenClasque tinha a partir das diferentes dinâmicas. est~b~~ecid~s.pel~s ,:uasturmas, Naquela época, "ensaiava" uma primeIra classificação dasturmas pelas semelhanças de "perfis" que por vezes enc?n~av~,_pe-Ias efeitos semelhantes que algumas produziam sobre a instituição epelas trajetórias também semelhantes q~e elas executavam.

Comecei então a perceber regulandades desconcertantes entreos grupos de turmas semelhantes, não só em ~uas trajetóri~s: mastambém nos destinos de seus ocupantes, nas ongens destes ultimas,nas relações estabelecidas com os professores, no tipo de relação queestabeleciam com o conhecimento ... Na verdade, o que começava aentender é que os distintos grupos de turmas ocupavam posições di-versas na escola.

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122 MVllico Peregrino

1, az de "adaptar" o conteúdo escolar às necessidades daa guem cap ." dtu Enfim um profissional de perfil "compreensivo, capaz erma. , l' . trelativizar seus critérios de excelência em vista dos imites que cer a-

. I 8mente encontrará no conjunto de a unos que o espera. ,Tipo de sala ocupada, acesso pleno, precário ou.obstrUido ao~

livros didáticos, tipo e disposição do professor envol~ido no processo de ensino/aprendizagem: todas essas considerações nos levam aconcordar com Bourdieu (1998) quando ~firma: "[:,,] o poder sobreo espaço [...L se manifesta no espaço físico apropriado ~ob.a _formade uma certa relação entre a estrutura espacial da djstribuição d~sagentes e a estrutura espacial da distribuição dos bens e dos servi-ços privados ou públicos".

, Desta forma estamos defendendo aqui que "as turmas", com?espaços sociais reificados, são lugares capazes de agregar valores di-ferentes aos processos de escolarização, por se apresentarem

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[...] como a distribuição no espaço fisic~_~~ diferentes espécies de

bens ou de serviços e também de agentes individuais e de grupos

fisicamente localizados (enquanto corpos ligados a um lugar per-

manente) e dotados de oportunidades de apropriação desses bens

e desses serviços mais ou menos importantes (em função de seu

capital e também da distância física desses bens, que depende tam-

bém de seu capital). É na relação entre a distribuição dos agentes e a

distribuição dos bens no espaço que se define o valor das diferentes

regiões do espaço social reificado. (BOURDIEU, 1998, p. 161)

Por fim, é necessário esclarecer que, se as. escola: são espaçoshierárquicos, como bons espaços de seleção que (a~da) s~o; se as tur-mas configuram os lugares demarcados nesta hierarquia: se a_sele-ção das turmas nada mais é do que um traba~o de construçao ~e"conjuntos" escolares fundamentados em atnbu,t~s em gradaçaodescendente em relação àqueles considerados legítimos pela escola( odendo fazer, por exemplo, com que uma turma que concentre to-dos os atributos negativos no interior do espaço escolar passe a ser

" d a "não turma" podendo ser a ela negadosconsidera a quase que um ,

DrsigUJ1ldad~. jU<Yntud~ e rscols: U1T1Jlanáli.<c dr trajetórias institucioneis

os bens simbólicos que a escola deveria, por pressuposto, distribuirdentro do próprio aparelho escolar), até os outros, consideradoscomo precariamente legítimos, ou mesmo ilegítimos, então, a reu-nião de alguns desses critérios distintivos pode ser interessante, sequisermos entender os deterrninantes impeditivos ou viabilizadoresde processos plenos de escolarização, em sua circunscrição "interna"ou "externa" à instituição escolar.

Por outro lado, o estudo das relações entre o pertencimentoa algumas turmas e a condição social do aluno pode dar pistas parao esclarecimento sobre as trajetórias da desigualdade no interior daescola (sobre os espaços de seletividade e maneira particular comoesta se manifesta no interior da escola). Assim fizemos, tomando asturmas como unidade analítica.

O estudo das décadas de 1970, 1980 e 1990 nos apontou o qua-dro mais amplo a partir do qual se moveu a seletividade da escola emanos anteriores (marcados por uma institucionalidade em mudança).Com isso, fomos capazes de nos COnfrontar com as trajetórias desi-guais no interior de uma mesma escola, num cenário de mudançada própria função da instituição, da configuração dos grupos sociaisatendidos por ela, dos critérios e da forma de seleção estabelecidospela escola no período.

O estudo mais detalhado da configuração das turmas no ano de2005, por sua vez, foi capaz de esclarecer-nos sobre as múltiplas e diver-sas formas de desigualdade presentes na escola de hoje e os impassesproduzidos por essa dinâmica no que toca a institucionalidade escolar.

Primeiro movimento: estabelecimentodos "desiguais" nas décadas de 1970, 1980 e 1990

oprimeiro movimento, aquele que "iniciou" o tratamento dosdados, foi o de estabelecimento dos "desiguais" da escola. Para issofoi necessário delimitar, no conjunto de informações às quais tinha-mos acesso, as fichas que continham os dados sobre a escolarizaçãoe as famílias dos alunos, e fixar critérios que nos permitissem "sepa-rar" o universo de alunos da instituição em grupos sociais distintos.

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Trabalhamos basicamente com dois critérios: o local de moradia c acategoria profissional dos pais dos alunos.

Identificar os desiguais na escola deu-nos a oportunidade deestabelecer um duplo olhar sobre a escola e seu entorno. Olhandopara ;,dentro" da escola a partir das categorias que classificavam osdesiguais, pudemos "ver" a relação estabelecida entre a instituiçãoescolar (com suas leis, regras, com sua "gramática" singular) e "osdesiguais sociais". Essa perspectiva nos permitiu enxergar a formacom que a pressão da seleção escolar agia sobre.os grupos sociaisdistintos. reforçando ou rompendo posições sociais por meio dasmediações escolares. Pudemos perceber ainda as regularidades emutações internas destes processos.

1. Os locais de moradia

Como primeiro dos critérios para separação dos desiguais, amoradia, nesta pesquisa, distingue-se, grosso·modo, entre as mora-dias dentro e fora das favelas (aquelascomumente chamadas de mo-

radias "no asfalto")."Nos quatro primeiros anos levantados, 24% dos alunos da es-

cola, objeto de nossos estudos, moravam nas favelas da região. Por-tanto, de cada quatro alunos estudantes da escola, apenas um mora-va em favela. Na década de 1980, "invertem-se" as proporções: emapenas dez anos, a população escolar passa a ter 67% de alunos commoradia nas favelas locais. A década de 1990 consolida e aprofundaa tendência, promovendo quase que a inversão das proporções en-contradas 20 anos antes. Nesta década, 72% de alunos têm moradiaem favelas, contra 28% de alunos que declaram moradia em endere-ços do "asfalto".

Da década de 1970 para a década de 1980, acontece não sóuma mudança significativa nas proporções entre moradores de asfal-to e favela, em relação ao universo de alunos da escola; há tambémmudanças importantes na origem dos endereços levantados.

Na década de 1970, havia uma clara delimitação entre os ende-reços. Os endereços fora das favelas referiam-se a ruas variadas, indi-

~ISUJ1}d.adl. JI/i'rnll/dl r escol»: I/rnD eruúise tir Irajrlória.< institucionais 125

cando tradicionais redutos da classe média do bairro. Os endereçosde favelas" faziam referência também a localidades bem conhecidasno bairro. Os endereços das favelas referem-se, "oficialmente" aonúmero (ou números) da rua (ou das ruas) no "asfalto", onde'se dá oacesso ao morro. Neste período, portanto, os endereços referiam-se aespaços bem determinados, e também bem separados na localidade.A ~arca dessa dé~ada,.quanto à distribuição dos endereços, é a sepa-raçao entre os desiguais, sua nítida delimitação.

A d~ada de 1980 é testemunha de uma significativa mudança~esse ~adrao. O que acontece neste período é muito mais do que amversao das proporções entre moradores das favelas e do asfalto lo-cais (mesmo que isso por si só já implique mudanças significativas).Per~ebe-se nesta década que, dentro da mudança do padrão de mo-radia da população escolar, há a apresentação de um fenômeno maisamplo: a diluição das fronteiras entre moradores das favelas e mora-dores do asfalto. Já não é mais possível identificar com tanta clarezaa d~erença entre a moradia na favela e a moradia no asfalto. Em pri-meiro lugar, porque os endereços no asfalto "migraram" (no conjun-to de dados colhidos na escola) para as proximidades das favelas aponto de, em determinadas ocasiões, ser impossível a distinção entrea ~oradia em favela e a moradia em asfalto. Em outras palavras, nadecada de 1980, para o universo de estudantes da escola, a maioriadaqueles que não tinham endereço dentro das favelas morava nasproximidades destas, em especial, nas ruas de acesso às mesmas.

A década de 1990 mantém e ainda aprofunda a tendência es-tabelecida na década de 1980. Portanto, para estas décadas, o quemarca os endereços é a diluição das diferenças entre favela e asfaltotão bem demarcadas na década de 1970. '

2. Categorias profissionais dos pais dos alunos da escola

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que entendemos se-rem problemáticas as generalizações no âmbito desta análise. É ne-cessário considerar que, se é verdade que as mudanças constatadasexpressam alterações significativas, não só nas formas de trabalho,

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mas também no significado e na importância deste como mediaçãodos mecanismos de inserção social nas três últimas décadas, é igual-mente verdade que estamos observando um universo específico, oda escola pública que, nas décadas de 1980 e 1990, circunscreveu seuâmbito de ação às camadas populares.

Se a forma de trabalho mudou, o perfil dos usuários da escolatambém mudou. Se os mecanismos de inserção no mundo do traba-lho tornaram-se mais difíceis e mais precários, a escola, por outrolado, circunscreveu seu âmbito de ação às camadas mais vulneráveiseconômica e socialmente. Daí a drnmaticidade dos números e dosindicadores! Neste caso, uma breve síntese, que busca apontar o sen-tido das mudanças, pode ser de grande ajuda para compreender aescola e seus atores. ,

'Notamos que o sentido geral das mudanças significativas dasocupações profissionais dos pais dos alunos da escola em questãoaponta para duas tendências bem demarcadas. Em primeiro lugar,para a desqualificação das atividades profissionais com diminuiçãodrástica da representação das profissões de formação em nível supe-rior, redução do percentual de trabalhadores manuais qualificados,com aumento concomitante das ocupações auxiliares e não quali-ficadas. Em segundo lugar, a precarização das formas de trabalho,com aumento das formas e das modalidades que permitam inserçãode tipo "autônomo" - tanto no âmbito do trabalho técnico não ma-nual, como também no dos trabalhos manuais, em todos os setores-,ou com o aumento dos registros de "comerciantes informais" ou de"pequenos comerciantes" no conjunto de declarações de atividadesprofissionais na escola.

3. Identificando os desiguais na escola: extremos e não-extremos

Tanto as mudanças nos locais de moradia quanto as modifi-cações significativas sofridas no universo das ocupações profissio-nais dos pais da escola apresentam limites na análise em separa-do. Tentando potencializar os dois tipos de dados, cunhamos umanova categoria, fruto do cruzamento das categorias anteriormente

~J8~JlJ<ÚlJr. Ju.y"l~dr r escol»: uma aruiJi.<cdr trajctôrias in.<lilucionai$

citadas. Tal cruzamento permitiu-nos "dividir" o conjunto de alu-~o: da escola :m dois grupos: o grupo dos" extremos" e o grupo dosnao-extremos .

,. Tal di\'~o pretendia "separar" os desiguais a partir dos cri-ten~ de moradia e da categoria profissional ocupada pelos pais. Es-pecificamente na década de 1970, foi também usado como critério deseparação a. presença (ou ausência) de atestado de pobreza. Assim,foram, consIderados "ex~mos" todos aqueles que, para qualquerdas. décadas estudadas, tivessem moradia em favela e ocupação pro-fissional declarada pelos pais no campo dos trabalhos manuais nãoespecializa dos.

No ca~ de famílias moradoras em favelas, com profissãodeclarada urucamente pela mãe, foi considerado "extremo" todo equalquer tipo de trabalho manual, especializado ou não. Por fimc~z:n0na década de 1970 possuiamos não apenas dois, mas três cri~térios par~ a separação dos desiguais, posto que contávamos, alémd~ mor~dla e da categoria profissional, com o atestado de pobreza,fOIconsiderado dentro da categoria dos "extremos" todo aquele queapresentasse pelo menos duas das três condições indicativas de vul-nerabilidade social e econômica.

A Tabela 1 nos mostra as proporções de "extremos" e de "não-extremos" em cada uma das décadas. Por ela somos capazes de perce-berqueo ~rcentual de "extremos" na década de 1970 é menor do que1/3 do contingente de alunos que freqüentavam a escola na época. 11

Tabela 1Distribuição absoluta e percentuaI de extremos e não-

extremos nas décadas de 1970, 1980 e 1990

Extremos e não-extremos Extremos Não-extremosnas décadas Freqüência Percentuais Freqüência PercentuaisAno referência 1973 109 30010 242 70%Ano referência 1984 201 55% 165 45%Ano referência 1995 139 55% 116 45%

Fonte: Arqui,'os da escola.

127

Page 9: Texto Desigualdade e Juventude ( Monica Peregrino) (1)

128

A situação de predominância dos "não-extremos" inverte-se eas décadas seguintes expressam ligeiro predomínio dos "extremos",mantendo estes a mesma proporção em relação aos "não-extremos"nas duas últimas décadas do levantamento.

Mas é importante lembrar: "extremos" e "não-extremos" sãocategorias relacionais. Assim, as tendências apontadas para cada umdos critérios de classificação dos desiguais (moradia e categoria pro-fissional) nas décadas percorridas no levantamento dos dados de-terminarão diferenças nas formas com que "extremos" e "não-extre-mos" se relacionam.

As tendências à indiferenciação entre moradia em favela e emasfalto, por um lado, e a degradação e a precarização das formas detrabalho, por outro, produziram, nas décadas de 1980 e 1990, ~ apro-ximação entre as categorias de "extremos" e "não-extremos". A claradistinção entre os desiguais na escola, na década de 1970, segue-seuma aproximação entre os grupos por nós "separados" que, por ve-zes, tomava quase impossível sua distinção." _._--

A década de 1970

Os dados analisados permitem formular algumas conclusõesprovisórias acerca deste período. Em primeiro lugar, há uma clarapressão sobre os "extremos", em todos os turnos e em todas as séries.Em segundo lugar, há uma pressão desproporcional sobre o grupodos "extremos" no primeiro turno, especialmente nas últimas sériesdo ginásio, configurando estratégias e critérios desiguais de seletivi-dade, dependendo do turno escolar que é ocupado e do grupo socialde origem. Como efeito, vemos a "migração" paulatina dos "menosprovidos" (os mais velhos e pobres), em contingentes cada vez maisamplos, a cada série, para o terceiro turno da escola, criando espaçosde "isolamento" (segregação) dos desiguais sociais. Num primeiromomento, acontece o isolamento dos "extremos" mais velhos da 5"série no terceiro turno da escola. Por fim, nas últimas séries do giná-sio, dá-se a "segregação positiva" dos mais jovens, "não-extremos",nos primeiros turnos da escola.

[k;',tua/d.cuJ,.. JIIN"71ll1dr r rscola: lima aniÍ!i;;r dr trajrlnria.< institutionais

Com a ação de dois mecanismos ~ quais sejam: a seleção dife-rencial em relação aos grupos sociais, a partir de critérios desiguaise~ cada um dos turnos, combinada com os processos de segrega-çao ao longo das séries, que culminam com a segregação "positiva"dos "melhores" nas últimas séries do ginásio nos turnos da manhãe da tarde - produziram-se, nesta escola, experiências desiguais deescolarizaçáo entre as classes, expressas fundamentalmente nas de-sigualdades evidentes na composição de turmas e de turnos, o quemostra, já nesta época, que a desigualdade escolar estava matizadacom tonalidades múltiplas no interior de uma mesma instituição.

Tabela 2Distribuição de extremos e não-extremos nos

turnos - Década de 1970

1· Turno

Extremos Não-extremosFreqUencia~ Percenruais Frecüênc ias•• Percentuars

96 I 22% 331 I 78%2" Turno

Extremos Não-extremosFf'<"QilênOa., Percenmais Frecüênciesl Port-e-ntuais

118 I 25% 344 I 75%3' Turno

Extremos Não-extremosfroauf:nC'ias: Pcrc:<"1l1U!11S FreoücnciíL1i; Pcroentunic

166 I 54% 143 I 46%

Fonte: Arquivos da escola.

A Tabela 2 nos ajuda a perceber que, numa década de posiçõesbem demarcadas na escola e de clara divisão entre classes, no que serefere às categorias profissionais dos pais dos alunos e de seus locaisde moradia, a escola, no uso de seus critérios de seleção, produz tam-bém espaços bem demarcados: no turno da manhã, há cinco alunos decondição "não-extrema" para cada aluno de condição "extrema"; noturno da tarde, a proporção é de quatro para um; no turno da noite,as proporções se equilibram, com "vantagem" para os "extremos". Éinteressante notar, por fim, que a proporção alcançada entre os gru-

129

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130

pos de "desiguais" no turno da noite, na década de 1970, é idênticaàquela que encontramos para os grupos de "extremos" e "não-extre-mos" nas duas décadas seguintes.

A década de 1980

A Tabela 3 reúne percentuais de "extremos" e de "não-extre-mos" para cada série, nos quatro anos de levantamento. Com ela po-demos perceber a ação da seleção escolar sobre cada um dos grupossociais, no decorrer do ginásio. Fica clara a pressão realizada sobre ogrupo.dos "extremos". ,-

Esse grupo, que inicia a 5a série perfazendo 60% do total dealunos do ginásio, vê sua participação cair para 47% do contin-gente de alunos na 8a série. Em contrapartida, o grupo dos "não-extremos" vê sua participação "aumentada", proporcionalmente,de 40% no início da 5~Série, para 53% durante o último ano docurso. Mas se os mecanismos de seleção atingem fortemente ogrupo dos extremos como na década de 1970,-a década de 1980apresenta uma novidade naquilo que toca os mecanismos de se-paração dos desiguais.

Tabela 3Evolução da distribuição de extremos e não-extremos

por série - Década de 1980

5" Série 6" SérieExtremos 1 Não-extremo. Extremos 1 Nào-extremos

Freoüênciasl % [Freqüências] % Frcoüênciasl % IFreQüênciasl %146 1601 96 140 78 153 1 68 1 47

.,. Série 8" Série

Extremo. 1 Nlo-extremos Extremos 1 Nio-extremosFreqüências] % [Frccüências] % Freqüências] % ÍFreoüências] %

24 1 431 32 1 57 15 1 471 17 1 53

Fonte: Arquivos da escola.

A Tabela 4 mostra a distribuição das freqüências de cada umdos grupos em relação a uma das turmas da escola, nos quatro anosdo ginásio. As turmas e freqüências em destaque são aquelas em

Dr5iplilldildr. I"i'nltudr r r;;rola: um.a análi.«" dr trajrté>ria.<instiíucionois

que o percentual de "não-extremos" é .superior ao de "extremos".São duas turmas na 5' e 6· séries, urna turma na sétima série." eoutra na 8&série.

Tabela 4Distribuição de extremos e não-extremos nas turmas -

Década de 1980

Turmas extremos não-extremos

501 8 15

502 6 17503 16 950..\ 16 <>

505 22 K

506 20 15507 21 7508 21 7509 16 9

601 4 18602 9 11

603 17 11

604 19 10605 15 7606 14 11701 5 13701 10 12703 9 7801 5 12802 10 5

Fonte: Arquivos da escola.

Calculando as proporções entre "extremos" e "não-extremos"presentes em cada uma das turmas em destaque, vemos que nasduas turmas de 5&série juntas o percentual de "não-extremos" giraem tomo dos 70%. O mesmo índice é alcançado quando calculamosa proporção de "não-extremos" nas duas turmas de 6· série em des-

131

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132 MÓllica PtTrsrillo

taque. Na turma 701, há a proporção de 72% de "não-extremos" para28% de "extremos". Finalmente, na turma 801, havia, no período,71% de alunos agrupados entre os "não-extremos" da escola.

. Tais proporções apontam, portanto, para a operacionalizaçãode outro mecanismo de "segregação positiva" no ginásio da escola,que não agrega "os melhores" em turnos, mas sim em turmas - nasprimeiras turmas de cada uma das séries, mantendo-se o princípio(o da segregação dos "melhores" em espaços "isolados" da escola),por meio da alteração do "método" (agora não mais a separação dosdesiguais em turnos distintos, mas sim em turmasespecíficas).

, Mesmo num contexto de mudanças profundas, tanto noscampos político, econômico e social, quanto no campo escolar, l~

pleno de disputas pela configuração de sentidos para si e suaação na sociedade; a escola esvaziada de condições de funcio-namento 'no "embate" com aqueles que encarnariam o "novo"lugar da educação no Estado: os CIEPs - Centros Integrados deEducação Pública -; em processo de circunscrição de sua ação àscamadas mais vulneráveis do tecido socialrno centro de todasessas mudanças, a instituição mantém algumas regularidades: apressão seletiva sobre os mais vulneráveis dentro de seu univer-so de intervenção, e a segregação "positiva" daqueles que acu-mulam as mais valorizadas "qualidades", segundo os critériosdo julgamento escolar.

l,

A década de 1990

A observação das tabelas de distribuição dos alunos na déca-da de 1990 nos faz pensar numa escola agora predominantementeocupada pelos pobres locais, só que submetidos a uma seletividademuito mais controlada. Como nas décadas anteriores, a pressão daseleção aqui novamente se dá sobre os "extremos", "beneficiando"os "não-extremos". Os primeiros vêm sua participação relativa noginásio, nos quatro anos cobertos pelo levantamento, sofrer umdecréscimo de 12% em cada um dos turnos, porém, aumenta, emcontrapartida, a "participação" de "não-extremos".

:1I'iI'

~lgu1l1dJuU. jUMltuiÚ e escola: UItUIanslis« de trajetórias institucionais

Nos quatro anos de ginásio, há 45% de "não-extremos" contra55% de "extremos". Essa é, porém, uma proporção geral. Se tomar-mos a "evolução" desta proporção no decorrer das séries do ginásio,notaremos que, se no primeiro ano há 60% de "extremos" contra 40%de "não-extremos", quatro anos depois, a pressão dos mecanismosde seleção escolar age de tal forma sobre os alunos de posição econô-mica e social mais frágil, que a proporção entre os grupos se inverte,apresentando os "não-extremos", nesta série, 55% de representação,contra apenas 45% de "extremos".

Tabela 5Evolução da distribuição de extremos e não-extremos

por séries e turnosDécada de 1990

1· Turno

9~"'" 6A~rI.ErtTnnoI I NI_Itremotl Enremotl I Nlo-v:tnmoo

Frooúmciasl '1'. IFrooüénciasl % Froaüênciasl '1'. ·lFrroüência'l %}6 149 I 37 I SI 28 147 I 31 IS3,.~..•.. 8·~rI.

ExtlTmoo Ni-ntTIDoo Estnmos I Nio ..utnmolF

_.% F .. , .~F -- "/o -TFrnoüênciMl %

17 I 39 26 161 IS I 371 25 I 63

2· Turno9~ •.••. 6f.~ •.•••

ExtlTmOl I 1'''_"ttTIDoI ExtlTmos I NI_llnmolF~iasl% IF - % F - 'I'. ·IFrooüênciasl %

76 164 I 42 136 39 161 I 24 139.,.~ 8'~rleE"ttTIDoI I Nio-fltrnDos E"ttTlDos I Ni_stremol

Freqüénciul % IFrcQÜb>ciasl'1'. Freoü6>ciasl % IFreoüênciasl '1'.38 I S41 33 146 20 152T 18 T 48

Fonte: Arquivos da escola.

Como já afirmamos, considerando a proporção geral entregrupos no ginásio para os quatro anos de levantamento, veremosque, para 45% de "não-extremos", temos 55% de "extremos". To-rnando esse dado como referência, seremos capazes de entender porque à proporção que se dá a aproximação entre os grupos na .9 sériedo turno da manhã (49% de "extremos" e 51% de "não-extremos")

133

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134 Mônica Peregrino lX5igualdJuU. jUt'nltwU e escola: uma análise de trajetória., institucionais 135

corresponda um afastamento significativo entre os mesmos na sa sé-rie no turno da tarde (64% de "extremos" e 46% de "não-extremos").Desta forma, percebemos com clareza (e também com alguma es-tranheza), logo no primeiro ano do ginásio (quando os mecanismos"internos" de seleção deste segmento do ensino fundamental aindanão entraram em ação), a significativa desproporção na representa-ção dos grupos sociais nos turnos.

Entendemos ainda que a pressão seletiva exercida especifica-mente sobre o grupo dos "extremos" alterará estas proporções ini-ciais, fazendo com que, no último ano do ginásio, esse grupo, antespredominante, fique restrito ao percentual de 44% do total de alunose os "não-extremos", à proporção de 56%.

Mas essa proporção geral, para ambos os turnos, na décadade 1990, também esconde nuances importantes. É que a despropor-ção inicial na distribuição dos grupos sociais nos turnos da escola,combinada com a pressão seletiva sobre os "extremos" em ambos osturnos, produziu efeitos importantes nos "conjuntos" que formavamos turnos nesse período. O Gráfico 1 nos ajuda a entender os efeitosda seleção escolar sobre os turnos da escola.

Gráfico 1Evolução da distribuição de extremos e não-extremos

por série e, turnoDécada de 1990

70%60%50%40%30%20%10%

O%+-------~--------~--------~------~

1o.ruro NlExtremo

20.TlrTlJ Extremo

As linhas cinza e pontilhada mostram a "evolução" da po-pulação de "extremos" e de "não-extremos" no turno da tarde.As linhas preta e tracejada mostram a "evolução" da mesma po-pulação no turno da manhã. O conjunto do primeiro turno mos-tra como, com a pressão da seleção sobre apenas um dos grupos,transformou esta configuração, a princípio equilibrada, em sig-nificativo distanciamento entre grupos sociais, com grande pre-dominância do grupo dos "não-extremos". É quase como se apressão da seleção transformasse o turno da manhã num turnode "não-extremos", num "nicho" de "não-extremos", numa esco-la que, não devemos nos esquecer, opera num universo onde os"extremos" são maioria.

O oposto exato acontece no turno da tarde. Partindo de umgrande distanciamento entre "extremos" e "não-extremos" no inícioda escolarização ginasial (distanciamento esse de proporções maio-res do que aquele que separa esses dois grupos nas proporções geraisda escola neste período", com ampla vantagem para O grupo dos"extremos"), o segundo turno chega ao final do ginásio operandocom proporções quase idênticas, quanto aos grupos representados.Ao contrário do que acontece no turno da manhã, no turno da tardeé como se a escola deixasse de ser um "nicho" de "extremos" no de-correr do processo de escolarização.

Mas se levarmos em consideração, não as linhas que deli-neiam os turnos, mas aquelas que mostram a "evolução" dos grupossociais, também poderemos tirar conclusões interessantes. A primei-ra coisa a ser observada é a absoluta sincronização das linhas paraambas as categorias sociais por nós trabalhadas.

As lihas dos "extremos" (preta e pontilhada) descrevem,para cada um dos turnos, movimento descendente, iniciando omovimento em franca "vantagem" sobre os "não-extremos". Aslinhas dos "não-extremos" (cinza e tracejada) descrevem movi-mento ascendente (também absolutamente sincrônico), iniciandoo movimento em situação de "desvantagem" em relação às curvasque expressam a categoria que lhe é oposta, mas termina o movi-mento exatamente na posição oposta àquela que tinha a princípio.

-----~-------------_....--= :>-<:= :_-20.TlrTlJ N/Extremo_ - io.ruro Extremo

6a.S'rt. 7a. S'rI. &a. S'rI.5a.S'rt.Fonte: Arquivos da escola.

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136 MJnica Peregrino

As curvas de extremos ede não-extremos mostram que não háincremento da seletividade em relação aos extremos em um dosturnos mais que em outro.

As linhas, descendentes para extremos, ascendentes paranão extremos, mostram que se a ação da seleção é idêntica emambos os turnos, ela é desigual apenas naquilo que diz respeitoao grupo social envolvido. Mas ela nos mostra mais. É que se nãohá diferença na intensidade da seleção sobre os "extremos" nosturnos da escola, então a sua transformação de um "nicho" de"extremos", no segundo turno, num "nicho" ·de.."não-extremos",no 'primeiro turno, no decorrer do processo de escolarização, sedá, fundamentalmente, pela configuração desproporcional dosgrupos, em cada um dos turnos, no início do processo de escola-rização ginasial. Isso quer dizer que aqui a segregação dos desi-guais precedeu a seleção.

A segregação também precedeu a seleção na década de 1970,com a formação de uma única turma de ".e~Jremos" (80%) no ter-ceiro turno da escola. O mesmo pode-se dizer da década de 1980,quando. se formaram duas turmas de Sa série com um percentualde. "não-extremos" muito acima da média geral da escola. Mas aação dos mecanismos de segregação sobre um turno inteiro é uma"novidade" da década de 1990. É ainda interessante notar que talexacerbação dos mecanismos de segregação dos desiguais aconte-ça numa época em que os órgãos de administração central buscamcontrolar a seletividade escolar, estabelecendo patamares máximosde "baixos conceitos" e diminuindo as exigências mínimas para aaprovação no ginásio. Ou seja: quando instada a ser menos seleti-va, a escola recrudesce seus mecanismos de segregação.

Mas essas não são as únicas conclusões permitidas pela análi-se dos turnos. Quando cruzamos as categorias "turnos" e "classifica-ção" (que mostra a divisão em "extremos" e "não-extremos", man-tendo as turmas como referência de agregação) revelam-se dadosmuito interessantes.

Dr-:>ipl.v.i.Ur. u<nJhldc r cscols: uma Ilnáli.<rdr trajctoria« in;;titllrionais

Tabela 6Distribuição de extremos e não-extremos em turmas por

turno - Década de 1990

1 1"Turno! Turmas Extremos Não-extremos

502 16 2J504 20 16

602 13 J8604 1 15 13702 17 2680~ 15 25

r TurnoTUrnl3S Extremos Não-extremos

501 21 12503 24 I R

505 25 10601 21 10603 18 14701 2J 15 I703 18 17801 20 IR

137

Fonte; Arquivos da escola.

A Tabela 6 nos mostra as freqüências de "extremos" e de"não-extremos" paracada uma das turmas, agregadas em relaçãoaos turnos aos quais pertencem. Com esse quadro notamos que osegundo turno opera com percentual massivo de alunos "extre-mos", por sua vez agregados em turmas nas quais o percentualpredominante é também formado exclusivamente de alunos "ex-tremos".

O turno da manhã, ao contrário, além de ser formado predo-minantemente de alunos "não-extremos", possui turmas (com exce-ção de duas) também formadas por percentuais predominantes dealunos "não-extremos".

Mas, pela Tabela 6 podemos perceber ainda que, no turno damanhã, há também uma espécie de gradação entre as turmas na dis-tribuição diferencial de grupos sociais diversos. As turmas 02 sãoaquelas que, neste turno, agregam as maiores proporções de alunos"não-extremos".

O que nos faz pensar que a peculiaridade da década de 1990,no que se refere aos mecanismos de "segregação positiva", está jus-tamente em sua capacidade de atualizar as formas de "separação dosmelhores" das duas décadas anteriores: separando turnos, como na

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138 MÔllica Pm'grillú

década de 1970, e recuperando a experiência acumulada na de 1980,inserem os "seletos" nas "primeiras turmas".

Conclusões sobre o estudo da ação da seleção nas trêsdécadas pesquisadas

Na década de 1970 teve início o processo de expansão do en-sino ginasial, que introduziu, neste patamar de ensino, contingentesdas classes populares. Inicia-se o processo que Cunha (1991) descre-veu como "liberação" do ensino de primeiro grau, acompanhado docontingenciamento dos níveis subseqüentes. Conco1nitantemente,inicia-se a "gestação" da entrada das políticas de "assistência" nointerior da instituição escolar.

Os ginásios públicos começam a ver passar, por suas portas,os primeiros grandes contingentes de jovens pobres, que passarão afreqüentar as "beiradas" da escola, pela conjunção de dois fatores,a saber: o atestado de pobreza, que circunscreve sua posição subal-terna na instituição, e por mecanismos que articulam processos deseleção e de segregação. Começa então a anunciar-se uma propostade "massificação" da escola, que articula a ampliação do espectro deescolarização dos pobres ao custo da degradação da estrutura insti-tucional.

Com a redemocratização do país, o debate acerca da escolatoma outros rumos, incorporando-se ao âmbito dos direitos sociaise civis. Contradições e embates marcam, na época, o sentido das po-líticas públicas que envolvem a instituição. No município do Rio dejaneiro; as escolas municipais experimentam essas contradições, emmeio a debates apaixonados sobre os fins e sentidos para a institui-ção, num quadro de esvaziamento das condições de escolarização.

Contraditoriamente, esse é o período em que a seletividadeescolar é mais intensa. É também o período em que se dá a mudançamais drástica no perfil dos alunos que a freqüentam. Ele demarca oinício da circunscrição da escola, em sua dimensão pública e muni-cipal, aos pobres da cidade. Repetência e evasão são as marcas nestaépoca. A classe média abandona a escola em busca de destinos mais

Ot:$Isuddmk .7UrYntUJUr escoi»: uma anslis« de trajetória.< institucionais 139

"seletos". As classes populares também a abandonam: por repetên-cia ou pela transferência a circuitos mais degradados, no que se refe-re aos processos de escolarização.

Os mecanismos de "segregação positiva" (isolando turnosmais seletos na década de 1970) são claramente observáveis nessa dé-cada. Em contingentes reduzidos, os adolescentes e jovens de melhorcondição social e econômica ocupam, principalmente, as "primeiras"turmas de cada uma das séries, constituindo verdadeiras sagas pelosturnos da escola. Nosso estudo permite concluir que, na escola brasi-leira, segregação e seleção se combinam em condições peculiares.

-A década de 1990 inicia-se com mudanças importantes no ce-nário político nacional e internacional.Em relação à escola, o projetode universalização do ensino fundamental, no marco da massifica-ção da instituição escolar, sai vencedor no país. Com isso, inicia-seuma série de modificações que culminarão, ao final da década, compolíticas articuladas de utilização da escola para finalidades assisten-ciais, com prejuízo da já precária instituição escolar e dos processosde escolarização.

Mecanismos diversos começam a agir sobre a escola nesse pe-ríodo. Com a estrutura frágil e assoberbada pela incorporação de sua"nova" função assistencial, a escola passa a ver-se premida por umaespécie de "ideologia racional produtiva", que encontra, nos meca-nismos de aceleração da aprendizagem, de aprovação automática ede outros mecanismos compensatórios de correção da relação ida-de Isérie, suas mais freqüentes expressões.

Com os mecanismos de seleção contingenciados pelas novaspolíticas, menos seletiva do que na década de 1980, a escola adensaoutra de suas práticas: nessa década, como em nenhuma outra, osmecanismos de separação dos desiguais, segregando-os agora emturnos diversos, tomam força na instituição, "compensando" o arre-fecimento "por decreto" dos mecanismos seletivos.

Nota-se, portanto, que a pressão pela universalização do en-sino fundamental, especialmente do segundo segmento deste, vemaprofundando o caráter de massificação da instituição. Fragiliza-sea estrutura e também a legitimidade da escola por dois mecanismos

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140 lX:;.'gu1l1d,uJ,.. ]uryntudr r rscoia: UIIIJI análi~ de trajrtórias instituciollaisMJnica Peregrino, .

combinados: a expansão de suas funções em âmbitos não escolarese a degradação de suas funções de socialização e de aprendizagem(funções específicas das instituições escolares).

Nosso estudo mostra ainda que a esses movimentos em âmbi-tos mais gerais correspondem outros, locais e particulares. São movi-mentos específicos, intra-escolares, de manutenção sistemática e per-sistente (acontecendo em todas as décadas de nosso levantamento),mutantes (acontecendo em todas as décadas, operando em contextoshistóricos diversos e em configurações institucionais variadas), demanutenção do caráter seletivo da instituição, realizando, por todasas décadas, pressão diferencial sobre os segmentos mais vulneráveissocial e economicamente, no universo da população escolar. Forammantidas, ainda, por todas as décadas, mecanismos também diver-sos, mutantes e persistentes, adotando estratégias variadas, de sepa-ração dos desiguais da escola, "segregando-os" em turnos, em tur-mas ou em combinações sutis de ambos.

A desigualdade, portanto, se multiplica: em primeiro lugar,pelo aumento das distâncias entre os sistemasde ensino, estabele-cendo circuitos específicos para as classes sociais. Em segundo, peladiversificação e complexificação das desigualdades no interior dossistemas públicos de ensino, estabelecendo, numa mesma escola, de-sigualdades entre turnos e turmas, apontando algumas vezes para aexistência, num mesmo espaço, de mais de um perfil institucional.Esse é objeto da próxima seção.

escola, segmentando e tomando mais complexo o que é visto comoum todo indistinto.

Os resultados da pesquisa de 2005 apontaram que uma dasformas mais importantes de manifestação das desigualdades na es-cola, atualmente, refere-se à existência, dentro de um mesmo espaçoinstitucional, de modos diversos de escolarização. Nossa pesquisaagrupou as modalidades em dois tipos característicos, a saber:

,I a) O modo pleno de escolarização, que agrupa aqueles alunosJ _?:'l' que acumulam média de anos de escolarização compatívelt"{J com o número de séries cursadas; fluxo contínuo pelas séries;~ sem participação importante nos projetos compensatórios de

~.j alfabetização ou de aceleração da aprendizagem; com um nú-Y' mero residual de repetências e abandonos escolares duranteum curso ginasial feito em trajetória contínua;

b) o modo precário de escolarização que, ao contrário do con-junto acima descrito, acumula alunos com média de anos deescolarização muito acima do número de séries cursadas;descontinuidade e fragmentação como marcas de um cursoprimário entrecortado por repetências, rupturas, ingresso emprojetos inorgânicos entre si e em suas relações com a tradi-ção das séries, configurando trajetórias que se destacam pelamultiplicidade das formas e pela concatenação inusitada deseriação, ingresso em projetos e repetências. Trajetórias essasque encontram continuidade num curso ginasial feito de repe-tências múltiplas, coroadas por abandonos.

Segundo movimento: as desigualdades escolares em 2005

Há ainda uma segunda dimensão na investigação das traje-tórias dos jovens pobres no interior da escola; ela busca respondercomo as desigualdades se manifestam atualmente no interior da ins-tituição. O ano de referência para a coleta dos dados para esta parteda pesquisa foi 2005, procedendo-se ao levantamento das fichas doarquivo de cada um dos 670 alunos matriculados no segundo seg-mento do ensino fundamental naquele ano. O objetivo nesta fase foio de construir um quadro das desigualdades que se multiplicam na

Processos de escolarização dessa forma realizados implicamtrajetórias diferentes e desiguais no interior de uma mesma institui-ção, e possibilidades desiguais de apropriação dos conhecimentosque a escola devia, por princípio, disseminar, de acordo com o modode escolarização ao qual se é submetido. Se nas turmas de trajetóriaplena o fluxo contínuo pelas séries permite a acumulação paulatinade conjuntos de conhecimentos, nos modos de escolarização precária

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as repetências e abandonos, entrecortados pelo ingresso em projetosdiferentes e, às vezes, incomunicáveis de aceleração da aprendiza-gem, criam uma situação em que o acúmulo de conhecimentos tor-na-se impossível, mesmo numa situação de multiplicação do tempode habitação da escola.

Enraizamento [desenraizamento e desinstiiudonalização

As turmas e o turno mais atingidos pelos indicadores que,reunidos, produzem os modos mais precários de-escolarização sãotambém as turmas que se esvaziam. Ao contrário, aqueles lugares(turmas e turnos) menos atingidos pelos critérios de "seleção" daescola (as turmas mais "seletas") mantêm um desconcertante índicede agregação. E esta agregação não se refere somente àquela das pes-soas em tomo das turmas e turnos, mas nelas se agrega um "valor"à escolarização, completamente ausente nas turmas de escolarizaçãode "modo precário". .

Com o intuito de entendermos melhoresse fenômeno, no de-correr da investigação formulamos um "índice", cujo objetivo era ode nos permitir descortinar as relações entre o "valor" do lugar ocu-pado (encarnado na turma) e o tempo de ocupação do mesmo. A esse"índice" demos o nome de enraizamento. Ele foi configurado a partirdo traçado retrospectivo das trajetórias escolares, tomando-se o anode 2005 como referência, e, expressa, por um lado, o número de vezesque cada um dos alunos do ginásio freqüentou o mesmo "tipo deturma", por outro, expressa ainda a extensão (e como veremos tam-bém, a intensidade) da permanência do aluno na escola. Expressa,portanto, a capacidade de fixação (incorporação) dos alunos aos tur-nos e turmas da escola, permitindo verificar até que ponto a expan-são do acesso e do tempo de escolarização dos jovens pobres vem setraduzindo em efetiva incorporação deles por parte da instituição.

Com isso, pudemos perceber que os conjuntos que apresentamos maiores índices de enraizamento são formados: pelas "melhores"turmas' da escola, de acordo com os critérios de julgamento escolar- na escola estudada, tais conjuntos perfaziam em média 28% do to-

lX>isu11ld.2dr_ -••r>mtudr r rscots: UmJI amili~ de Irajrtóriizs in.<titucionais

tal dos alunos, todos concentrados em um dos turnos. Percebemosainda que esse grupo continha os alunos moradores das favelas maispróximas da escola, e, em especial, daquelas mais bem providas deequipamentos de consumo coletivo e com mais antiga organizaçãocomunitária, assim como uma pequena porção de alunos moradores"do asfalto", em localidades também mais próximas da escola.

São ainda aqueles submetidos ao que chamamos de "modopleno" de escolarização, configurando os conjuntos que respondem"positivamente" aos mecanismos de seleção escolar, mostrando-se,no conjunto das turmas que compõem o turno mais enraizado, aque-le mais afinado e permeável aos mecanismos de medição e de classi-ficação utilizados pela instituição. São, por fim, o grupo submetidoà maior "estabilidade" institucional: são os mais "documentados":"atendidos por conjuntos mais ou menos fixos de professores em cadauma das séries por que passam - sendo esses profissionais, de ma-neira geral, ao mesmo tempo, os mais antigos e mais valorizados nainstituição.

Por outro lado, os conjuntos que apresentam os piores índicesde enraizamento são formados pelas "piores" turmas, acumuladasno turno oposto àquele mais enraizado (o total dos mais desenraiza-dos perfaz 35% do total de alunos do ginásio).

Quanto à moradia, os desenraizados eram originários, emgrande parte, de uma das favelas da região e de um conjunto de pe-quenas favelas, mais distantes do núcleo onde fica situada a escola, amaioria delas de ocupação recente, contando com precários serviçosde infra-estrutura urbana. Os desenraizados do "asfalto" habitamuma variedade de localidades em geral distantes do bairro onde ficalocalizada a escola.

Os desenraizados constituem o conjunto de alunos mais ve-lhos, em geral pertencentes a faixas etárias muito superiores àquelascorrespondentes às séries que cursam. Os menores índices de enrai-zarnento são encontrados ainda entre os conjuntos de repetentes,multirrepetentes, os que freqüentaram por mais de uma vez os nu-merosos e, por vezes, desconexos projetos de aceleração e progres-são de aprendizagem, com histórias pregressas de abandono escolar.

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lX-/Xlla/,lll.ir. IUTV'IItlldr r rscol«: uma alláli!'l' dr trajctàrios institucionnis

São aqueles, portanto, subm 'lidos, () que nomeamos como "modoprecário" de escolarização. N s grupos de menor enraizamento, aação da seleção escolar apresenta padrões inusitados, mas sempredramáticos. .

Os desenraizados são ainda precariamente" documentados"em suas trajetórias marcadas pela descontinuidade em relação àsséries cursadas, às escolas freqüentadas, aos turnos habitados, apre-sentando "buracos" mais ou menos extensos em suas histórias esco-lares. Por fim, eles constituem os conjuntos atendidos pelos profes-sores recém- chegados à instituição e também por aqueles em regimede trabalho precário (em suma, professores desenraizados].

marcadas por mecanismos que não apenas colocam a institucionali-dade em crise, mas também interrogam sua legitimidade e colocamem xeque seus próprios critérios de regulação.

Por outro lado, qual o impacto de tais modificações nos pro-cessos de escolarização dos jovens pobres?

Pelo que vimos até aqui, há diferenças importantes nos pro-cessos de escolarízação dos jovens. Processos desiguais de escola-rização representam desiguais experiências de escolarização. Essasdesigualdades (nos processos, nas experiências) estão marcadas nãosó pela ocupação de lugares desiguais no espaço escolar, implicandotrajetórias também desiguais dentro de um mesmo espaço institu-cional, mas também pela multiplicação das segmentações do mesmoespaço, na complexificação das experiências de desigualdade escolarem uma mesma instituição.

Há, porém, regularidades nessas mudanças: os jovens de ori-gem social mais vulnerável ocuparam sempre as posições de menorprestígio. Em contra partida, aos de melhor posição social ficaramgarantidas as melhores condições de escolarização.

Fragmentação, descontinuidade, ausência de histórico de es-colarização (ausência, portanto, da história da escolarização), repe-tências renitentes, analfabetismo - mesmo com escolarização quedura oito, nove e, às vezes, dez anos -, fracasso e desqualificação, de-senraizamento institucional: esse é o modo com que se escolarizararn,no ensino fundamental, contingentes massivos das turmas de "pior"rendimento, acumulados num dos turnos da escola.

Fluxo intermitente por séries sem interrupções, alta freqüên-cia de registros (para os já apontados padrões precários do municí-pio), necessidade de adesão, às vezes, acrítica aos valores escolares,disciplina, obediência, distinção numa instituição precária: outromodo de escolarização na mesma instituição, no qual encontra-segrande parte dos jovens ocupantes das turmas de melhor rendi-,mento da escola.

Entre os extremos, um sem número de formas intermediáriasde escolarização que mostram quão viva e dinâmica é a fronteira quesepara as duas formas extremas, e, quão intensas podem ser a busca

Conclusão

A pesquisa permitiu perceber que a consolidação das táticasescolares de seleção sem exclusão (ou contando com mecanismos deatenuação da exclusão) vem criando, dentro da escola, modos desi-guais de escolarização, cuja marca distintiva é-a-variação, por vezeschocante, do grau de precariedade que os diferentes modos expres-sam e incorporam.

As trajetórias marcadas por fragmentações e descontinui-dades (em contraponto às quais o fluxo contínuo por séries seminterrupções era a tônica) implicaram possibilidades desiguais deenraizamento e, por conseguinte, de experimentação e apropria-ção das leis, regras e códigos institucionais, mostrando que as tra-jetórias desiguais demarcam a diferença entre "habitar" a escola e"escolarizar-se" .

Assim, a forma particular com que a expansão da escola sedeu fez com que a instituição passasse a tomar um aspecto "misto",operando,' em seu interior, com "zonas" de "baixa institucionalida-de", nas quais as "leis escolares" (sejam as da seleção, sejam as docontrole) não são capazes de regular a instituição. Instala-se, assim,na escola, uma "nova" forma de desigualdade que, ao buscar inseriros extremos, as margens, as misérias, acaba criando, no interior dosespaços institucionais, zonas variáveis e múltiplas de despossessão,

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146 MÓllica Peregnno

de adesão e as tentativas de resistência às "formas limite" de escola-rização apontadas neste ensaio.

Trata-se, portanto, de modos desiguais de escolarização queindicam possibilidades desiguais de enraizamento institucional e,portanto, disponibilidade desigual e limitada de incorporação dosjovens por parte da instituição:

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1. Significam não apenas possibilidades desiguais de apro-priação dos conhecimentos que a escoladeveria, por prin-cípio, disseminar - conhecimento este que, mesmo nas'turmas de trajetórias mais "plenas", é fruto de uma ofertaprecária e aligeirada -, mas também o uso desigual destainstituição enquanto espaço de experimentação de formas desociabilidade.

2. Dizer que tais processos de escolarização impõem possibi-lidades desiguais de experimentação de !9rmaS de sociabili-dade implica dizer que a alguns ficam vedadas as possibilida-des de experimentar essa instituição e suas "leis", mesmo quepara contestá-Ias, mesmo que para "inventar" outras formasde uso desta instituição, por meio de um duplo processo: porum lado, pela própria forma fragmentária, descontínua e ca-rente de sentido com que alguns dos modos de escolarizaçãomais precários se realizam; por outro, pela desqualificaçãoque os modos degradados de escolarização imputam àquelesque submetem, tornando-os interlocutores ilegítimos no inte-rior da escola.

3. O acúmulo de alunos em condições desfavoráveis em umdos turnos, com a agregação de turmas com indicadores"negativos" em relação aos critérios de julgamento escolar,vem provocando, nesse turno em particular, o esgarçamen-to das "leis de seleção" e da regulação institucional, produ-zindo uma espécie de "reverso" da escola dentro da própriaescola.

[)('!.,sualiÚl.dr. ,Íurrntu,dc r rscol»: Umll amiliSt' de trajetórias institucioncis

Sendo assim, não podemos deixar de perguntar: se "juventu-de" pode ser definida por sua condição liminar em relação à socie-dade na qual se inscreve -liminaridade essa expressa na "emanci-pação" parcial do campo de sociabilidade da família, acompanhadade buscas de inscrição em outros espaços, grupos, instituições pre-ferenciais de produção de sociabilidade -, então, em sociedades deagudas desigualdades como a nossa, as condições de inscrição dosjovens em grupos, espaços ou instituições capazes de socializá-los(ou, na melhor das hipóteses, de produzir, na interação com eles, for-mas outras de sociabilidade) estão desigualmente dispostas para osdiferentes grupos sociais.

A escola é uma destas instituições, e outra pergunta que deveser feita é: em que medida a expansão da escola pública para os jo-vens pobres - expansão ao mesmo tempo lenta e degradada da esco-la, que a faz ser cada vez mais "habitada" e cada vez menos "experi-mentada" como instituição pelos seus usuários - não a descredenciacomo espaço possível de construção de sociabilidades juvenis? Ficaa questão.

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Notas

Ensaio redigido a partir da tese Desigualdade em uma escola em mudança: traje-tórias e embates na escolarização pública de jovens pobres, elaborada sob aorientação do Professor Osmar Fávero, do Campo de Confluência Diversidade,desigualdades sociais e educação, e defendida no Programa de Pós-Graduaçãoem Educação da UFF, em 2006.

"Demissão do Estado" é uma expressão cunhada por Bourdieu para denunciar aretração dos investimentos do Estado nos complexos mecanismos de reproduçãoda força de trabalho, a partir da articulação entre as novas formas de acumula-ção do capital e as políticas nacionais de gestão de seus efeitos.

Não é à toa que programas, como o Pró-jovem lançado pelo governo federal em20~. têm como público-alvo exatamente aqueles que não lograram finalizar oensino fundamental.

Este trabalho percorrerá quatro décadas. No decorrer deste período, o nomeda categoria de ensino que sucede o primário, mudará de função, status e nomealgumas vezes. Espero incorporar essas mudanças na análise. Mas para darmaior fluência ao texto, tratarei o período de escolarização referente ao se-gundo segmento do ensino fundamental por ginásio - aliás, ainda denominaçãocorrente.

Quanto à ínfra-estruturar neste patamar de ensino, temos no país 54% dos aluonos estudando em escolas sem bibliotecas e 43,6% em-escolas sem quadras deesportes. Ou seja, expandiram-se as vagas, mas não os equipamentos essenciaisa uma escolarização de qualidade. (Dados da pesquisa "As desigualdades naeducação no Brasil", do Observatório de Eqüidade, órgão ligado ao Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social).

"Não há espaço em uma sociedade hierarquizada que não seja hierarquizado eque não exprima as hierarquias e as distâncias sociais sob uma forma mais oumenos deformada e, sobretudo, dissimulada pelo efeito de naturolizaçào que ainscrição durável das realidades sociais no mundo natural acarreta: diferençasproduzidas pela lógica histórica podem, assim, parecer surgidas da natureza dascoisas" (BOURDlEU, 1998, p. 160).

É necessário deixar claro que a precariedade da escola não se restringe às con-dições de vida dos alunos que atualmente a habitam, nem tampouco se restringeàs suas condições de escolarização. A submissão da instituição escolar ao imoperativo da precariedade submete todos os seus agentes, inclusive aqueles quenela trabalham. Um dos efeitos da precariedade escolar refere-se à restrição desua autonomia. Assim, as decisões que a gestão escolar toma naquilo que toca àdistribuição dos professores pelas turmas da escola ficam sempre limitadas pelosefeitos diretos ou indiretos trazidos pela precarização do trabalho do professor.Um número importante de professores trabalhando em regime de contrataçãoprovisória, cuja lógica obedece às decisões dos órgãos de administração central,é um dos,limites. O número cada vez mais significativo de faltas, licenças médi-cas, aposentadorias e pedidos de exoneração, outro. É delimitada por esse frágilequilíbrio que a decisão e a eficácia da distribuição dos professores por turnos eturmas acontecem na escola.

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mais frequente um discurso queatributo necessárto para o trabal~Oramento e seus talent,os, sendo esse umqualidades deixam de ser atributos d:~!~Ofi~Slo~al de ensino hoje. Assim, asa partir do ti d ssiona e passam a ser demandadas"bom" fi po le,turma com a qual o profissional trabalha. Desta forma o

pro ssrona e aquele capaz de ser, ao mesmo ' , , "dor, exigente mas també t ,tempo, rigoroso, dlSCIpllna-des ' m erno, compreensIVO, negociador versátit podendo

paratad~~:' dS:: ;:::~~aa ;:a~::~~ento e para qual~uer tipo' de turma:

• O Rio de Janeiro é uma cidade I' , ,des aqui a wperiferi" - pecu lar, Ao contrano da maioria das grandes cida-nuc'·l'~' a nao ocupa as margens da cidade. Ela se dissipa formando

~v> maIs ou menos densos no' t ' d 'ros "legiriroos" da cid d ~ m enor a~ueles q~e são considerados os baír-um caráter, muito mais\:;al /~~/~:ma, ~qUI, a, tensa o periferia/centro assume

tensão entre Nasfalto e favela" n~ ~~::Sa;s~:;~::;e~OqUespaço e_no tem~, deda cidade. e compoem os bairros

" A grande dificuldade dest d ' ,t.a N' , es en ereços consrsna basicamente em sua descober-d~~~l~::!eclarava-se morad.or de favela neste período. Para descobri-Ios

~~;:~~oo d~~~~~ ~E~~:~~~:~~~a~~e~~;~~~:~'c:~~~~~:~!c:a9r:~0 ~~declarada no atestado demo veremos adiante, ~ moradia, em favela era semprereferentes às favelas da r:;:~eeza~·a A ~~rtl~ dai, fo~ posslvellistar os endereçosçêo por proximl'dad ' s _eca as se-gulntes, promover a identifica-

e ou por comparaçao," Os 30% de Mextremos" na década de 1970 são uma marca r ' ,

de moradores de favelas (24%) e de trabalh d p oxirna dos percentualsdécada, a ores manuais (27%) nesta mesma

., ~;a:r ~~~~~;idatir que tal dificuldade de distinção entre extremos nãosocíaís. Ao contrário ~om qualquer processo de diminuição de desigualdadespública aos pobres i ~ue aconteceu fOI q~e, com a circunscrição da escola

, ocars, e com a produçao de novas formas d b

~~~aus~~~:a~~áe~~~á~i:~:;t:~!~:I~Oo :~~ d:~~~~~~dandoe:~sc~~~~o-:e:~o ~~~:m,atlzes que captamos na distinção entre "extrem~s" e "não ets. ao :;ssesdécadas de 1980 e 1990. -ex remos nas

" Não incluímos aqui a turm 702 'Wtransição" entre os casos Ia 't 'dpolS ela configura uma espécie de turma de

- irrn e as turmas 701 e 703,. Usam - bo .

os a noçao urdiana' de campo: como espaço _ simbóL'embates que env lv ' , ICOe concreto - deda dimensão do ~p:ç~:~~las de produção e de interpretação de determina-

,~ ~~~r:=:::~tr~~e:~~:o~: ~ "não-extremos" na escola como um todo é, paratremes" N '. , ~antamento, de 10%, com vantagem para os "ex-com van~a;~np:~~r~sa~x~;:~~~~. no turno da tarde, essa diferença é de 21%,

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150 Mônica PerrgrillO

16 "Documentados" são aqueles que possuem os registros de sua passagem pela escola.Seus documentos, assim como o direito a sua posse implicam também o direito auma "história" de escolarização. Os "não·documentados", ao contrário, não pos-suem qualquer registro que permita a recuperação de sua "história" de escotariza-

, ção, ou os possuem repletos de lacunas. Ao contrário dos "documentad~", os nãoregístrados são aqueles que ocupam, tanto na escola quanto na sociedade, os lugaresmais vulneráveis. Neste sentido, a precariedade do registro é também sinal de pre-cariedade social.

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DNpul.ldadr. ]ur>mtu,dr r escol»: uma análise de trajetórias insntucionais 151

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