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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS JANAÍNA ALVES DA SILVEIRA HALLAIS SOCIABILIZANDO NA PRÁTICA: AS FORMAS DE SOCIABILIDADE NOS GRUPOS DE PRÁTICAS CORPORAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM CAMPINAS/SP. CAMPINAS 2016

Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

JANAÍNA ALVES DA SILVEIRA HALLAIS

SOCIABILIZANDO NA PRÁTICA: AS FORMAS DE SOCIABILIDADE NOS GRUPOS

DE PRÁTICAS CORPORAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM CAMPINAS/SP.

CAMPINAS

2016

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JANAÍNA ALVES DA SILVEIRA HALLAIS

SOCIABILIZANDO NA PRÁTICA: AS FORMAS DE SOCIABILIDADE NOS GRUPOS

DE PRÁTICAS CORPORAIS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM CAMPINAS/SP.

ORIENTADOR: PROF. DR. NELSON FILICE DE BARROS

CAMPINAS

2016

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos

exigidos para a obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva,

área de concentração em Ciências Sociais em Saúde.

.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR JANAÍNA ALVES DA SILVEIRA HALLAIS E ORIENTADA PELO PROF. DR. NELSON FILICE DE BARROS.

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FICHA CATALOGRÁFICA

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

JANAÍNA ALVES DA SILVEIRA HALLAIS

ORIENTADOR: NELSON FILICE DE BARROS

MEMBROS:

1. PROF. DR. NELSON FILICE DE BARROS _____________________________________________

2. PROFA. DRA. YARA MARIA DE CARVALHO ____________________________________________

3. PROF. DR. JULIANA LUPORINI DO NASCIMENTO _____________________________________

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas

da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora

encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

Data: 24/02/2016

Page 5: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

Aos meus pais, que estão comigo desde sempre.

E ao Hugo, que agora segue ao meu lado.

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AGRADECIMENTOS

À FAPESP pela concessão da bolsa de mestrado, que viabilizou a

dedicação exclusiva a essa pesquisa.

Ao querido Nelson, orientador zeloso, pelas leituras atentas, pela

sensibilidade e por seu apoio e inspiração na minha caminhada acadêmica, que só

está começando.

Aos colegas e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva pelo convívio e apoio constante.

Aos meus pais e meu irmão, pelo amor incondicional e por me iluminarem

e me guiarem em minha jornada, estando sempre ao meu lado apesar da distância

espacial que nos separa.

Ao Hugo, que vivenciou de perto todas as etapas do mestrado,

compartilhando comigo as incertezas, as angústias, as conquistas e as alegrias,

sempre me apoiando com dedicação, amor e amizade.

Aos meus sogros, Nailto e Atsuko, que me acolhem, não só em sua casa,

mas em seus corações.

Às queridas Andrea, Bianca, Pamela, Renata e aos queridos Octávio e

Marlon, pela amizade e pela disposição em sempre contribuir com seus

conhecimentos.

Aos estimados companheiros e companheiras do LAPACIS, com quem

convivi e muito aprendi ao longo desses três anos.

Finalmente, agradeço afetuosamente a cada pessoa que participou da

pesquisa de campo pelos encontros, pelo carinho, pela acolhida e pela troca de

conhecimento e afeto que fortaleceu e deu vida à pesquisa. Sou grata

principalmente porque fizeram que um processo tão rígido, e às vezes doloroso, se

transformasse em um momento suave, intenso e recheado de carinho.

Page 7: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

RESUMO

Em Campinas/SP, as práticas corporais foram institucionalizadas na atenção primária para a prevenção e tratamento de dores e patologias. De caráter coletivo, essas atividades de saúde cumprem um propósito terapêutico, mas, também, propiciam encontro e interação entre os praticantes. Nestes termos, é possível inquirir as práticas corporais em uma perspectiva que empreenda uma reflexão sobre a construção de novas sociabilidades. A pesquisa foi realizada através de metodologia qualitativa, com o recurso da observação participante e de entrevistas como técnicas de coleta de dados. Frequentei como pesquisadora-praticante dois grupos de Movimento Vital Expressivo e de Lian Gong semanalmente e as entrevistas foram realizadas com profissionais de saúde (coordenadores dos serviços e instrutores das práticas investigadas) e usuários de duas Unidades Básicas de Saúde. O objetivo desta pesquisa é investigar as práticas integrativas corporais institucionalizadas na rede de atenção primária do Sistema Único de Saúde em Campinas, compreendendo-as não apenas como produtoras de saúde, mas enquanto facilitadoras de sociabilidade. De acordo com a análise dos dados empíricos da pesquisa, verificamos que a participação no grupo de práticas corporais contribui para um processo de produção de saúde (individual e coletiva), de cuidado (consigo e com o outro), de construção de laços de amizade, de conhecimento, de compartilhamento de saberes, descobertas, transformações e engajamento social através da interação e convivência entre praticantes e instrutores. Essas relações são desinstitucionalizadas e estão orientadas pela solidariedade e pela reciprocidade, incentivando o apoio social, uma potente ferramenta que proporciona acolhimento e o rompimento com o isolamento social, estimulando a autonomia e o empoderamento dos praticantes. Além disso, as práticas corporais estimulam a apropriação das práticas corporais pelos atores sociais, permitindo-lhes um contato mais próximo com o próprio corpo e que atribuam sentidos, percepções e significados de acordo com suas vivências e experiências com as atividades realizadas. Sendo assim, o Lian Gong e o Movimento Vital Expressivo são práticas corporais com grande potência na atenção primária em saúde, se orientadas pelo princípio da convivialidade e para a produção de encontros e cuidado emancipador. No entanto, observou-se sua identidade com o imaginário biomédico, reforçando rótulos e comportamentos associados ao discurso do risco. Apesar disso, por se estabelecerem como fenômeno social e serem constituídas por uma pluralidade de significados, valores, funções e sentidos, essas práticas não se encerram no caráter utilitarista da racionalidade biomédica, apresentando, ao mesmo tempo, aspectos terapêuticos, de sociabilidade e de atividade física, por exemplo.

Palavras-chave: Terapias Complementares. Terapias Mente-Corpo. Atenção

Primária à Saúde. Apoio Social. Rede Social. Relações Interpessoais. Grupo Social.

Page 8: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

ABSTRACT

In Campinas, bodily practices were institutionalized in primary health care for the prevention and treatment of pains and diseases. Of a collective nature, these health activities meet a therapeutic purpose but, also, provide meeting and interaction between practitioners. In these terms, you can inquire bodily practices in a perspective that embark on a reflection on the construction of new social sociabilitys. The survey was conducted using qualitative methodology, with the use of participant observation and interviews as data collection techniques. I went as a researcher-practitioner two groups of Movimento Vital Expressivo and Lian Gong weekly and the interviews were conducted with health professionals (engineers and instructors investigated practices) and users of two basic health units. The objective of this research is to investigate the integrative body practices institutionalized in primary care network of Sistema Único de Saúde in Campinas, understanding them not only as producers, but as facilitators of sociability. According to the analysis of empirical data of the survey, we see that the participation in the Group of bodily practices contributes to a process of production of health (individual and collective), careful (and with each other), to build bonds of friendship, knowledge, sharing of knowledge, discoveries, transformations and social engagement through interaction and coexistence among practitioners and instructors. These relationships are desinstitucionalizadas and are guided by solidarity and reciprocity, encouraging social support, a powerful tool that provides host and the breakup with social isolation, encourage the autonomy and empowerment of practitioners. In addition, bodily practices encourage ownership of bodily practices by social actors, allowing them a closer contact with the own body and assign meanings, perceptions and meanings according to their experiences with the activities carried out. Thus, the Lian Gong and the Movement Vital Expressive are bodily practices with great power on primary health care, if guided by the principle of user-friendliness and for producing meetings and careful emancipator. However, if your identity with biomedical imagery, reinforcing labels and associated behaviors to the speech of the risk. Nevertheless, by establishing themselves as a social phenomenon and are constituted by a plurality of meanings, values, functions and senses, these practices do not enclose in the utilitarian character of biomedical rationality, showing at the same time, therapeutic aspects of sociability and physical activity, for example. Keywords: Complementary Therapies. Mind-Body Therapies. Primary Health Care. Social Support. Social Networking. Interpersonal Relations. Social Group.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Cronograma do trabalho de campo ..................................................................................... 30

Tabela 2 - Entrevistas realizadas ........................................................................................................... 30

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Modelo de cuidado das práticas corporais .......................................................................... 76

Page 10: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 12

Estrutura da dissertação ........................................................................................ 14

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16

As práticas corporais na Atenção Primária em Saúde ........................................ 16

Lian Gong em 18 Terapias (LG) ............................................................................. 19

Movimento Vital Expressivo (MVE) ........................................................................ 21

Práticas Corporais e Sociabilidade ....................................................................... 23

OBJETIVOS .............................................................................................................. 26

METODOLOGIA ....................................................................................................... 27

CAPÍTULO 1 – As Práticas Corporais: descrição densa e construção de um

modelo de cuidado .................................................................................................. 32

Movimento Vital Expressivo no Centro de Saúde I .............................................. 33

Movimento Vital Expressivo Centro de Saúde II .................................................. 43

Lian Gong no Centro de Saúde I ............................................................................ 55

Lian Gong no Centro de Saúde II ........................................................................... 67

Práticas Corporais e o Modelo de Cuidado de Intersociabilidades .................... 75

CAPITULO 2 – Os sentidos e significados da sociabilidade ............................... 88

Sociabilidade como forma de desenvolver apoio social ..................................... 88

Sociabilidade como forma de criar vínculos entre praticantes e instrutores .... 93

Sociabilidade e participação nas atividades de lazer extra-prática .................... 98

Considerações Finais ........................................................................................... 102

CAPITULO 3 – Os sentidos e significados das mudanças físicas, psíquicas e

sociais com a prática de Lian Gong ou Movimento Vital Expressivo .............. 105

Os sentidos e significados das mudanças ......................................................... 105

Considerações finais ............................................................................................ 114

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 117

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 120

APÊNDICES ........................................................................................................... 126

Apêndice A – Caracterização dos entrevistados ................................................ 126

Movimento Vital Expressivo CS I ......................................................................... 126

Page 11: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

Movimento Vital Expressivo CS II ........................................................................ 127

Lian Gong CS I ....................................................................................................... 128

Lian Gong CS II ...................................................................................................... 129

Profissionais CS I .................................................................................................. 130

Profissionais CS II ................................................................................................. 130

Apêndice B – Roteiro de entrevista (praticantes) ............................................... 131

Apêndice C – Roteiro de entrevista (instrutores/profissionais de saúde) ....... 132

Apêndice D – Roteiro de entrevista (coordenadores) ........................................ 133

ANEXOS ................................................................................................................. 134

Anexo A – Autorização da Secretaria Municipal de Campinas ......................... 134

Anexo B – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – FCM/UNICAMP (página 1

de 3) ........................................................................................................................ 135

Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – FCM/UNICAMP (página 2 de 3) .... 136

Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – FCM/UNICAMP (página 3 de 3) .... 137

Anexo C – Cartão de Controle de Hipertensão/Diabetes personalizado MVE CS I

138

Anexo D – Narrativa: “Movimento com João”. Autora: Claudelina Pereira da

Silveira, praticante de MVE do CS I. .................................................................... 139

Anexo E– Narrativa “9º Aniversário do Grupo de Lian Gong” (frente). Autora:

Miriam Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do CS I. ........... 140

Anexo E– Narrativa “9º Aniversário do Grupo de Lian Gong” (verso). Autora:

Miriam Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do CS I. ........... 141

Anexo F – Narrativa “Movimento Vital Expressivo” (frente). Autora: Miriam

Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do CS I. ........................ 142

Anexo F – Narrativa “Movimento Vital Expressivo” (verso). Autora: Miriam

Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do CS I. ........................ 143

Anexo G – Nota de Esclarecimento Centro de Saúde I ...................................... 144

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12

APRESENTAÇÃO

Como cientista social, sempre tive interesse pela temática da

sociabilidade, conceito trabalhado principalmente pelo sociólogo Georg Simmel no

começo do século XX. Em 2011, quando pratiquei Lian Gong pela primeira vez, eu

observei a interação entre o grupo, as pessoas chegando mais cedo para conversar,

cumprimentando uns aos outros com muita cordialidade, perguntando sobre a

família e até mesmo marcando encontros fora do horário da prática corporal. Era

notável em suas falas a ênfase não apenas na melhora da condição física e de

saúde, mas, sobretudo na possibilidade de estar junto, nas relações estabelecidas

entre o grupo, na importância de não “ficar parado” em casa. Isso me despertou não

só curiosidade, mas também interesse sobre a interação social que emergia de uma

atividade que, a princípio, era prescrita pelo médico do serviço de saúde para tratar

alguma patologia.

Ao ingressar no Aprimoramento em Ciências Sociais em Saúde, entrei em

contato pela primeira vez com políticas de saúde e uma diversificada leitura da área

de Saúde Coletiva, cujas problematizações percorrem várias áreas de

conhecimento. Foi neste momento que também conheci o Laboratório de Práticas

Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde (LAPACIS), onde tive

contato com uma vasta produção teórica sobre a Sociologia da Saúde e também

sobre as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. Assim, foi possível

empreender um recorte sobre o potencial das práticas corporais enquanto

produtoras não só de saúde, mas de convivência e interação entre os indivíduos

praticantes. E foi essa a motivação para elaborar um projeto de pesquisa e ingressar

no Mestrado em Saúde Coletiva.

Esta pesquisa dedica-se à investigação das práticas corporais no âmbito

da atenção primária em saúde numa perspectiva socioantropológica. Em

Campinas/SP, as práticas corporais foram institucionalizadas na atenção primária

para a prevenção e tratamento de dores e patologias. Tais práticas têm origens

diversas, como Índia (Yoga), Argentina (Sistema Rio Abierto/Movimento Vital

Expressivo) e China (Lian Gong), variando tanto em seus fundamentos conceituais e

filosóficos quanto em detalhes técnicos e objetivos, trabalhando em geral a

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musculatura, os tendões, as articulações, o controle do fluxo sanguíneo, os órgãos,

as glândulas e aspectos emocionais.

De caráter coletivo, essas atividades de saúde cumprem um propósito

terapêutico – cuja finalidade é a prevenção de doenças e o tratamento das dores –

mas, também, propiciam encontro e interação entre os praticantes. Nestes termos, é

possível inquirir as práticas corporais em uma perspectiva que empreenda uma

reflexão sobre a construção de sociabilidades. Não são raros artigos e reportagens1

que apresentam os benefícios dessas atividades de saúde e trazem depoimentos

que enfatizam e afirmam a importância dos laços sociais desenvolvidos nos grupos,

que contribuem principalmente para a permanência do indivíduo na atividade e para

a autonomia no cuidado de si. Apesar de esses aspectos serem reconhecidos

também pela literatura científica (1, 2, 3, 4), as relações sociais não são abordadas

em profundidade.

Durante o trabalho de campo e discussões sobre os achados, emergiu

uma nova questão para a pesquisa: a convivialidade (ou convivencialidade, no termo

em português, traduzido do original), conceito formulado pelo pedagogo e filósofo

Ivan Illich. A convivialidade apresenta um sentido de liberdade, igualdade e

autonomia, contestando valores impostos pela sociedade industrial, onde tudo está

institucionalizado, até mesmo a vida, através, por exemplo, do domínio da medicina

sobre os corpos e a sabedoria popular, onde os pacientes são transformados em

clientes dóceis (5).

As vivências e experiências do trabalho de campo estão atravessadas por

encontros e afetos com os interlocutores da pesquisa – praticantes, instrutores e

coordenadores – que me receberam como pesquisadora-praticante em seus grupos,

sem resistências ou desconfianças, abertamente, amigavelmente e afetuosamente.

Foram cinco meses intensos de encontros semanais para a prática de Movimento

Vital Expressivo e Lian Gong, aprendizado, trocas e participação em eventos

1 Para citar algumas:

* “Novos saberes e práticas em saúde coletiva: estudo sobre as racionalidades médicas e atividades corporais” – Madel Luz, Revista Brasileira Saúde da Família: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2481.pdf; * “Programa Insight - Práticas Corporais na Atenção Primária à Saúde” – Yara Carvalho: https://www.youtube.com/watch?v=eyvC1OcXlZo; * “Liang Gong promete alívio de dores e é oferecido de graça em BH” – Site Uai: http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2013/05/14/noticia_saudeplena,143365/liang-gong-promete-alivio-de-dores-e-e-oferecido-de-graca-em-bh.shtml.

Page 14: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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comemorativos, como viagens, festas de aniversário e comemoração de dia das

mães. Essa imersão no campo foi fundamental para compreender como as práticas

corporais estão instituídas e subjetivadas nos dois serviços de saúde escolhidos

para a realização da pesquisa.

No caminho percorrido até aqui – desde a elaboração da pergunta de

partida até a coleta de dados – “a tarefa não é ver aquilo que ninguém viu ainda,

mas pensar aquilo que ninguém pensou a respeito daquilo que todo mundo vê.” (6).

Entretanto, tal tarefa não foi apenas um exercício individual, pois se constituiu das

narrativas e diálogos estabelecidos em campo, articuladas ao referencial teórico que

norteia a pesquisa.

Estrutura da dissertação

A dissertação está dividida em três capítulos. O capítulo 1 “As Práticas

Corporais: descrição densa e construção de um modelo de cuidado” traz a

elaboração da descrição densa, onde são caracterizados detalhadamente os quatro

campos da pesquisa, além de apresentar uma discussão teórica sobre a constituição

das práticas corporais na atenção primária em saúde, que fundamentou a

construção de um modelo de cuidado nomeado como “intersociabilidades”.

O capítulo 2 “Os sentidos e significados da sociabilidade” trata-se da

análise temática de conteúdo das entrevistas realizadas com praticantes, instrutores

e coordenadoras dos serviços de saúde, onde identificamos os sentidos atribuídos à

sociabilidade nas práticas corporais, quais sejam: criação de vinculo, apoio social e

estímulo para a participação em atividades de lazer. O objetivo deste capítulo,

portanto, é analisar as seguintes categorias analíticas que emergiram das

entrevistas: a) sociabilidade como forma de desenvolver apoio social; b)

sociabilidade como forma de criar vínculos entre praticantes e instrutores; c)

sociabilidade e participação nas atividades de lazer extra-prática.

O capítulo 3 “Os sentidos e significados das mudanças físicas, psíquicas

e sociais com a prática de Lian Gong ou Movimento Vital Expressivo” apresenta a

análise temática do conteúdo dos textos produzidos por duas praticantes de LG e

MVE e das entrevistas realizadas com praticantes, instrutores e coordenadoras de

serviços de saúde de Atenção Primária em Saúde, identificamos os temas

relacionados e a forma como cada um experimenta as práticas corporais. O objetivo

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deste capítulo é analisar os sentidos e significados atribuídos por estes diferentes

atores às mudanças físicas, psíquicas e sociais, experienciadas com as práticas

corporais.

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INTRODUÇÃO

As práticas corporais na Atenção Primária em Saúde

Diversas questões atravessam as temáticas da Atenção Primária em

Saúde (APS) e das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) no âmbito da

Saúde Coletiva, principalmente no que diz respeito, por exemplo, à discussão sobre

a Racionalidade Médica, à relação médico-paciente, ou à implantação e gestão

desses serviços. Contudo, é possível empreender um recorte sobre o potencial das

práticas corporais enquanto produtoras não só de saúde, mas de convivência e

interação entre os praticantes:

“de fato, as práticas corporais podem ter na Atenção Básica e na Estratégia Saúde da Família um espaço interessante para compor com o cuidado e a atenção em saúde. Elas ampliam as possibilidades de encontrar, escutar, observar e mobilizar as pessoas adoecidas para que, no processo de cuidar do corpo, elas efetivamente construam relações de vínculo, de co-responsabilidade, autônomas, inovadoras e socialmente inclusivas de modo a valorizar e otimizar o uso dos espaços públicos de convivência e de produção de saúde que podem ser os parques, as praças e as ruas.” (7) (p. 33).

Em tese, a APS se constitui como a porta de entrada no sistema de saúde

e “aborda os problemas mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de

prevenção, cura e reabilitação para maximizar a saúde e o bem-estar” (8) (p. 28).

Barbara Starfield afirma que o serviço de APS:

“(...) não é um conjunto de tarefas ou atividades clínicas exclusivas; virtualmente, todos os tipos de atividades clínicas são características de todos os níveis de atenção. Em vez disso, a atenção primária é uma abordagem que forma a base e determina o trabalho de todos os outros níveis dos sistemas de saúde” (8) (p. 28).

Ao tratar a morbidade, a autora aborda conceitos da condição de saúde,

buscando propor uma caracterização que dê conta de lidar com as manifestações de

saúde e doença em sua diversidade, com foco no indivíduo e na comunidade e não

somente em diagnósticos e enfermidades. Sendo parte de um sistema maior de

cuidados com a saúde, a APS trabalha com um conceito amplo de saúde, tendo

como pressuposto que a condição de saúde tem como determinantes não só fatores

biológicos e genéticos, mas também sociais e ambientais: questões culturais,

nutricionais, condições sanitárias, ocupação, escolaridade, recursos disponíveis

Page 17: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

17

(acesso aos serviços de saúde e medicamentos, por exemplo), situação de estresse,

sedentarismo, dentre outros (8).

Avaliar o indivíduo em seus múltiplos contextos de interação facilita a

compreensão sobre seu estado de saúde, origem da enfermidade e sobre as

eventuais dificuldades em administrar as prescrições médicas ou manter o cuidado

de si. Além disso, com a perspectiva de que há “(...) uma maior familiaridade dos

profissionais de atenção primária tanto com o paciente como com seus problemas”

(8), a atuação desta equipe não deve se limitar apenas ao espaço onde está

localizada sua sede física: interagindo com o indivíduo, com a comunidade e com o

seu entorno, os profissionais precisam identificar os problemas e deficiências que

atingem aquela localidade, através de uma organização regionalizada que atenda às

demandas reais da comunidade.

As atividades preventivas são citadas por Starfield como uma das

obrigações deste nível de atenção. Formuladas originalmente para atender às

características gerais de cada grupo populacional, as ações preventivas devem ir

além de campanhas de imunização da população contra doenças mais gerais: as

campanhas precisam estar voltadas para a prevenção/diagnóstico de enfermidades

ou orientadas para a promoção da saúde.

As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) têm-se

desenvolvido nos serviços de atenção primária, ampliando as abordagens

terapêuticas (9) e colocando o indivíduo no centro do cuidado à saúde e qualidade

de vida, estimulando os fluxos energéticos e os mecanismos naturais de

reestabelecimento e manutenção da saúde, através da combinação de movimentos

corporais e ritmos respiratórios. Estas práticas atendem às propostas de cuidado

continuado, humanizado e integral em saúde do SUS e às diretrizes de fidelização

do vínculo terapêutico e a integração do ser humano com o meio ambiente e a

sociedade, estabelecidas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), Portaria

nº 2.488, de 21 de outubro de 2011, e pela Política Nacional de Práticas Integrativas

e Complementares no SUS (PNPIC), publicada pelas Portarias Ministeriais nº 971,

em 03 de maio de 2006, e nº 1600, de 17 de julho de 2006 (10).

O National Center for Complementary and Integrative Health (NCCIH)

utiliza o termo “Complementary Health Approaches” (Abordagens Complementares

de Saúde) para se referir às práticas não convencionais, sejam produtos naturais,

Page 18: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

18

como plantas medicinais e suplementos dietéticos, ou práticas mente-corpo, que

abrangem procedimentos como acupuntura e massagens, e práticas de ioga,

meditação, pilates, tai chi, técnicas de Qi Gong (como o Lian Gong, por exemplo),

entre outras. Além disso, as abordagens complementares ainda compreendem

racionalidades médicas como a homeopática, a ayurvédica, a chinesa e as práticas

dos curandeiros tradicionais2.

O Ministério da Saúde institucionalizou a PNPIC como forma de incluir

outras racionalidades médicas ao Sistema Único de Saúde, potencializando as

ações de promoção da saúde na atenção primária. Na rede pública de serviços de

saúde do SUS as PIC compreendem a homeopatia, a medicina tradicional chinesa, a

medicina antroposófica, a utilização de plantas medicinais e fitoterapia e o

termalismo social/crenoterapia (11). As PIC são práticas e saberes que se diferem

da biomedicina, em sua abordagem terapêutica, tendo como princípios a visão

holística sob o indivíduo, a busca pelo equilíbrio energético, o foco na saúde e não

na doença e a transformação do paciente em produtor de saúde, conferindo-lhe

autonomia no processo saúde-doença-cuidado (12).

Na rede pública de serviços de saúde de Campinas/SP as PIC vêm sendo

implantadas desde a década de 1980 e implementadas no ano de 2002, a partir da

formação do Grupo de Estudos e Trabalho em Terapias Integrativas (GETRIS) em

2001 (13). Dentre as ações desenvolvidas pelo Grupo está o Projeto Corpo em

Movimento, que foi desenvolvido a partir da verificação da deficiência de serviços

para diagnóstico, prevenção, e tratamento de doenças relacionadas ao grupo

musculoesquelético. O projeto institucionalizou práticas corporais como: Lian Gong,

Ioga, Movimento Vital Expressivo (antiga Ginástica Harmônica), Tai Chi Chuan e Qi

Gong, enquanto recursos terapêuticos na prevenção e tratamento de dores e

patologias nas unidades de saúde do município (13).

De acordo com o censo do IBGE de 20143, os serviços de saúde do SUS

somam 131 estabelecimentos. Além dos serviços de Vigilância Sanitária, Pronto

Atendimento, Centros de Apoio Psicossocial, Ambulatórios de Especialidades, entre

outros, Campinas conta com sessenta e quatro Unidades Básicas de Saúde4 (UBS),

divididas em cinco Distritos de Saúde: Norte, Sul, Leste, Noroeste e Sudoeste.

2 https://nccih.nih.gov/health/integrative-health#cvsa

3 http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=350950

4 Dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES)

Page 19: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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Segundo dados do mapeamento realizado pela pesquisa “As Racionalidades

Médicas e Práticas Integrativas e Complementares nos Serviços de Atenção

Primária em Saúde na Região Metropolitana de Campinas/SP”, no município todas

as UBS oferecem grupos de Lian Gong e o Movimento Vital Expressivo é ofertado

em nove centros de saúde (15).

As práticas corporais são definidas pela Política Nacional de Promoção da

Saúde (PNPS), Portaria nº 687 de 30 de março de 2006, como:

“expressões individuais e coletivas do movimento corporal advindo do conhecimento e da experiência em torno do jogo, da dança, do esporte, da luta, da ginástica. São possibilidades de organização, escolhas nos modos de relacionar-se com o corpo e de movimentar-se, que sejam compreendidas como benéficas à saúde de sujeitos e coletividades, incluindo as práticas de caminhadas e orientação para a realização de exercícios, e as práticas lúdicas, esportivas e terapêuticas, como: a capoeira, as danças, o Tai Chi Chuan, o Lien Chi, o Lian Gong, o Tui-ná, a Shantala, o Do-in, o Shiatsu, a Yoga, entre outras.” (16).

No contexto da APS, as práticas corporais encontram-se atreladas à

atividade física, e estão voltadas, sobretudo, para a prevenção e o tratamento das

doenças não-transmissíveis. Inseridas no Programa Academia da Saúde e na

PNPS, as práticas corporais/atividade física têm como objetivo ações relacionadas à

melhora na qualidade de vida e que “favoreçam a redução do consumo de

medicamentos, que favoreçam a formação de redes de suporte social e que

possibilitem a participação ativa dos usuários na elaboração de diferentes projetos

terapêuticos”. (16).

Para a realização desta pesquisa, as práticas escolhidas foram o Lian

Gong em 18 Terapias e o Movimento Vital Expressivo por serem as mais difundidas

nos serviços de atenção primária do município de Campinas. Em geral, para

participar dos grupos de LG e MVE não é necessário encaminhamento médico e

nem uma pré-avaliação feita por algum profissional de saúde, não existindo, de

forma institucionalizada, um protocolo para a prescrição destas práticas e nem um

instrumento para acompanhar e avaliar seus efeitos na saúde do praticante.

Lian Gong em 18 Terapias (LG)

O Lian Gong Shi Ba Fa (ou Lian Gong em 18 Terapias) foi desenvolvido

em 1974 pelo médico ortopedista chinês Zhuang Yuan Ming e trata-se de uma

ginástica terapêutica individualizada baseada em conceitos da Medicina Tradicional

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20

Chinesa (MTC), em artes guerreiras milenares e em exercícios terapêuticos

chineses (17). Em aspectos gerais, os exercícios dissolvem aderências e

inflamações dos tendões e contribuem para a circulação sanguínea5.

No Brasil, esta prática corporal foi introduzida pela professora de filosofia

e artes corporais chinesas Maria Lucia Lee, em 1987 (2). Em 1994, ela criou a

Associação Brasileira de Lian Gong em 18 Terapias – Vida em Harmonia (17), filiada

ao Shangai Municipal Lian Gong in 18 Exercises Association e, em 1996, difundiu a

prática através de um programa televisivo exibido pela TV Cultura, onde ensinava os

exercícios em um parque público da cidade de São Paulo.

Na China, o LG é uma técnica bastante difundida entre a população,

institucionalizada pelo Governo Central e Ministério da Saúde como um serviço de

saúde pública, sendo também reconhecida pelo Ministério dos Esportes da

República Popular (2). Além disso, destaca-se o reconhecimento científico da

prática, que obteve prêmios de Progresso Científico e Pesquisa Científica com

Resultados Relevantes em Medicina Tradicional Chinesa e Medicina Ocidental,

concedidos pelo Governo da cidade de Shangai (18).

Em chinês, a palavra Lian Gong é composta por dois ideogramas que

significam “treinar, exercitar” (lian) e “trabalho persistente e prolongado que atinge

um nível elevado de habilidade (gong)” (17). É uma prática corporal que associa

medicina terapêutica e cultura física6, se caracterizando como uma alternativa à

fisioterapia ao atuar na prevenção e no tratamento de síndromes músculo-

esqueléticas (17), além de trabalhar o sistema cardio-respiratório, os distúrbios do

sistema gastrointestinal e o stress (2). Sendo assim, constitui-se como uma

importante prática de promoção da saúde (2).

O LG é realizado ao som de uma música tocada por instrumentos

musicais chineses e é composto por uma sequência de 54 movimentos, com

contagens de 1 a 8, dividido em três partes, com duração de aproximadamente 12

minutos cada parte. Os movimentos são amplos, firmes e ao mesmo tempo suaves,

trabalham a respiração (inspiração e expiração) e a coordenação motora através de

exercícios como: rodar a cintura com as mãos nos rins; soltar os braços e girar a

5 http://www.liangongbrasil.com.br/sobre-lian-kong/

6 Para a cultura chinesa, cultura física é o “fortalecimento harmonioso do corpo, permitindo o pleno

funcionamento e utilização dos músculos, tendões e ossos, diferente da ideia no Ocidente, de cultura física como aumento de massa muscular e modelagem física” (17).

Page 21: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

21

cintura; esticar os braços levantando os calcanhares; massagear o peito e o

abdômen; abrir o peito e fazer fluir o Qi (17, 18).

Conforme descrito por Lee (17):

Primeira Parte – Anterior.

1a série: seis exercícios para a prevenção e tratamento de dores no pescoço

e ombros;

2a série: seis exercícios para a prevenção e tratamento de dores nas costas e

região lombar;

3a série: seis exercícios para a prevenção e tratamento de dores nos glúteos

e nas pernas.

Segunda Parte – Posterior.

4a série: seis exercícios para a prevenção e tratamento de articulações

doloridas das extremidades;

5a série: seis exercícios para a prevenção e tratamento de tenossinovites;

6a série: seis exercícios para a prevenção e tratamento das desordens de

órgãos internos.

Terceira Parte – I Qi Gong (Continuação do Lian Gong).

Os movimentos deste grupo formado por dezoito exercícios buscam o fortalecimento

da resistência do organismo, trabalhando as doenças crônicas ligadas diretamente

ao coração e aos pulmões, como a bronquite (18).

Movimento Vital Expressivo (MVE)

O MVE é uma prática corporal que integra o Sistema Rio Aberto, técnica

terapêutica psico-corporal criada na Argentina em 1966 pela psicóloga Maria Adela

Palcos (4). O Rio Aberto desenvolve técnicas de massagem, meditação, artes

plásticas, dramatização e trabalho sobre si com a finalidade de convidar “o sujeito a

experimentar, a vivenciar novas possibilidades de ser e estar no mundo, através do

encontro consigo e com o outro” (4). Segundo Palcos apud 4 (p.11), esses recursos

são “[...] ferramentas para expandir a consciência e facilitar esse contato de cada um

com sua essência.”.

Page 22: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

22

Geralmente o Movimento Vital Expressivo é realizado em roda e,

diferentemente do Lian Gong, instrutores e praticantes exploram o ambiente e

interagem o tempo todo, através da imitação e do contato físico (mãos dadas,

toques, abraços, olhos nos olhos), visual e também da verbalização. O MVE trabalha

múltiplos aspectos: postura, emoções (sentidos e percepções), biomecânica

(respiração, articulações e músculos) e os centros de energia vital (chakras) por

meio de movimentos conduzidos por instrutores, utilizando músicas dos mais

variados ritmos e gêneros7. O instrutor também pode convidar os praticantes a

conduzirem o grupo, incentivando-os a explorar a criatividade e o ambiente onde a

prática é realizada. (4, 19).

Os movimentos seguem os ritmos e melodias da música e são

improvisados e espontâneos, trabalhando as expressões não só do corpo físico, mas

também as energias do corpo espiritual e mental8. Baseia-se nos conhecimentos do

Hatha Yoga e trabalha a experimentação, percepção e conscientização do corpo a

partir de movimentos variados (gestos, expressões faciais e vocais) e estimula a

conexão dos praticantes com seus sentimentos e emoções, com o prazer, a alegria,

a vitalidade e outras sensações de relaxamento e bem-estar. Para Mello (4):

“A necessidade de criar consciência sobre o corpo que se move, de devolver a ele flexibilidade, força, vitalidade e expressão decorre do fato de que estamos inseridos numa cultura e numa sociedade que historicamente impõe limites, regras, criando disciplinas que acabam por reduzir significativamente o potencial expressivo/criativo do corpo, tornando-o mecanizado em seus gestos e distanciado dos aspectos afetivos, emocionais, psíquicos e espirituais que compõem tal unidade”. (4) (p. 12).

Ao trabalhar a abertura de si para o coletivo e para o mundo através do

corpo em movimento, as práticas do Rio Aberto estão na contramão de visões

normativas que enquadram e fixam os indivíduos em conceitos e imagens, que

limitam não somente suas ações subjetivas, mas também encerram o indivíduo ao

seu próprio corpo, desconectando-o do mundo coletivo (19). Assim, “as práticas

visam uma ressonância (sintonia) entre aquilo que pensamos, sentimos e fazemos

(...).” (19) (p. 20).

7 http://www.rioabiertocampinas.com.br/home-page

8 http://www.movimentoesaude.com.br/clinicacampinas/index.php/rio-abierto/sobre-rio-aberto

Page 23: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

23

Práticas Corporais e Sociabilidade

A partir de uma discussão sobre as novas formas de saúde, Luz (20)

conceitua “práticas terapêuticas” e as “práticas de saúde” (20) (p.151). A primeira

destina-se “a atender indivíduos ou grupos, tendendo ao modelo de medicinas

voltadas para o sujeito (como a homeopatia, ou a medicina chinesa, ou aiurveda),

que buscam a recuperação de identidade de pessoas, sua autonomia em face da

doença (...)” (20) (p. 156). Já a segunda, denominada também como “atividades de

saúde”, assumem um paradigma de vitalidade (20) (p. 158), que está associado

tanto com um sentido valorativo de fitness (onde a saúde está ligada com a tríade

beleza, vigor e juventude) como de wellness (onde a saúde está ligada

principalmente com uma ideia de harmonia e equilíbrio) (20). Segundo a autora:

“alguns desses valores estão nitidamente associados à cultura capitalista hegemônica e seus valores, como o culto individualista à beleza corpórea, ao consumo de bens materiais como forma de diferenciação, à competição como norma de vida e forma de alcançar o sucesso, considerado um valor fim. Outros se associam a formas de sociabilidade e a maneiras de estar consigo mesmo e com outros, se não solidárias, ao menos cordiais e amigáveis.” (20) (p.164).

Diante disto, é pertinente então abrir uma reflexão sobre a dimensão

socializadora que abarca essas práticas. Segundo Luz (20), “há uma diversidade de

sentidos, significados e valores associados à multiplicidade das práticas e

praticantes atuais em saúde coletiva”. (20) (p. 164). Embora nasçam na saúde, as

práticas corporais apresentam um caráter coletivo que estimula a interação e

incentiva a convivência entre os praticantes, transformando o momento da atividade

de saúde em um momento de encontro e sociabilidade.

A sociabilidade pode ser entendida como o “modo como se organiza a

sociedade através de uma associação básica” (21) (p. 9), livre de propósitos e

interesses, desprovida de formalidades e objetivos concretos; a sociabilidade

também não exige do indivíduo engajamento ou conhecimento das regras, nem seu

cumprimento. A necessidade de estar junto, de pertencer a algo e de estar em

sociedade dá origem à sociabilidade entre os indivíduos da sociedade. Assim,

Simmel define a sociabilidade como uma das formas de sociação, onde:

“O que é autenticamente “social” nessa existência é aquele ser com, para e contra com os quais os conteúdos ou interesses materiais experimentam uma forma ou um fomento por meio de impulsos ou finalidades. Essas formas adquirem então, puramente por si mesmas e por esse estímulo que delas irradia a partir dessa liberação, uma vida própria, um exercício livre de

Page 24: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

24

todos os conteúdos materiais; esse é justamente o fenômeno da sociabilidade”. (22) (p. 63 e 64).

A interação entre os indivíduos diferentes da sociedade, entretanto, é uma

dinâmica que permite recusa ou aceitação, sendo mais uma escolha do que uma

condição ou imposição. A interação, espontânea e recíproca, exige do indivíduo

sociável que se comporte como tal, que tenha atitudes em sociedade e não

individualmente, para que sejam, de fato, semelhantes no momento da

sociabilidade. Pode-se propor a sociabilidade como um jogo de interação conduzido

pela comunicação, verbal ou não verbal, cuja finalidade não é apenas falar, pois,

vista como uma arte pelo autor, a conversa (comunicação) é um suporte desta

interação social, cuja finalidade é entreter (22).

O conceito de sociabilidade cunhado por Simmel (22) adquiriu

reformulações pela Escola de Chicago, ganhando novas dimensões e significados

ao propor uma concepção espacializada do social e socializada do espaço (21),

compreendendo então estudos empíricos no contexto urbano sobre relações de

vizinhança, guetos, comunidades estrangeiras e sobre outras organizações sociais

emergentes das primeiras décadas do século XX. Essa releitura pode ser “entendida

como uma consideração de modos, padrões e formas de relacionamento social

concreto em contextos ou círculos de interação e convívio social” (Eufrasio apud 21)

(p. 17), de forma que “as conexões estabelecidas por Simmel entre sociabilidade e

cidade moderna vieram assim a adquirir contornos, digamos, mais concretos – como

convivência, interação, socialização e associação – e localização espacial mais

precisa”. (21) (p.18).

A Escola de Chicago vê a cidade como lócus estratégico e privilegiado

para se observar e refletir sobre as dinâmicas sociais; com seus múltiplos espaços, é

possível “tomar a cidade como um laboratório de análise da mudança social” (21)

(p.17) com o foco voltado para a sociabilidade nascida de “um encontro público,

ligado à capacidade de cada sociedade de fazer com que os vínculos sociais

ganhem consistência.” (21) (p. 48).

Deste modo, ao compreender as práticas corporais em uma perspectiva

de interação e coletividade, e de valorização da autonomia e das subjetividades (ou

singularidades), é possível acrescentar ao debate uma perspectiva de convivialidade

(5). De acordo com Illich (5): “uma sociedade convivencial é uma sociedade que

Page 25: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

25

oferece ao homem a possibilidade de exercer uma ação mais autônoma e mais

criativa, com auxílio das ferramentas menos controláveis pelos outros” (5) (p. 37).

Assim, o autor apresenta a convivialidade como a “desinstitucionalização” da

sociedade, possibilitando a independência, o livre acesso ao conhecimento e à

participação dos indivíduos na construção de saberes e sentidos (5).

Qualificando a sociabilidade e a convivialidade não como finalidade, mas

uma consequência das práticas corporais cabe então levantar algumas perguntas de

partida: Como essas práticas se caracterizam no âmbito da atenção primária em

saúde no município de Campinas? O que advém dos encontros semanais? Que

tipos de relações se desenvolvem nos grupos de Lian Gong e Movimento Vital

Expressivo?

Page 26: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

26

OBJETIVOS

Objetivo Geral

Investigar as práticas integrativas corporais institucionalizadas na rede de atenção

primária do Sistema Único de Saúde na cidade de Campinas/SP, compreendendo-

as não apenas como produtoras de saúde, mas enquanto facilitadoras de

sociabilidade.

Objetivos específicos

- Verificar as formas de sociabilidade estabelecidas entre os praticantes e com os

profissionais de saúde;

- Conhecer o perfil dos praticantes e instrutores de práticas corporais em duas

Unidades Básicas de Saúde;

- Compreender as práticas corporais em seu potencial de promoção de saúde e

sociabilidade;

- Compreender e analisar os sentidos atribuídos por praticantes, instrutores e

coordenadores dos serviços para a prática do Lian Gong e Movimento Vital

Expressivo nos serviços de Atenção Primária no Sistema Único de Saúde em

Campinas/SP.

Page 27: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

27

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada através de metodologia qualitativa, com o recurso

da observação participante e de entrevistas semi-estruturadas como técnicas de

coleta de dados. Frequentei como pesquisadora-praticante dois grupos de

Movimento Vital Expressivo e de Lian Gong semanalmente e as entrevistas foram

realizadas com profissionais de saúde (coordenadores dos serviços e instrutores das

práticas investigadas) e usuários das UBS escolhidas. A opção por essas técnicas

de coleta de dados se justifica pelo fato de permitirem uma maior proximidade com

esses agentes institucionais e sociais que fazem parte do campo da pesquisa, além

de possibilitar uma melhor compreensão sobre a dinâmica social que ocorre em

cada grupo de prática corporal.

Os trabalhos de campo foram orientados com o objetivo de investigar as

formas de sociabilidade entre os praticantes LG e MVE nos serviços de atenção

primária na cidade de Campinas/SP. Associado a esta investigação, também guiei

minhas observações e entrevistas para analisar os sentidos atribuídos por

praticantes, coordenadores dos serviços e instrutores, para as práticas do Lian Gong

e Movimento Vital Expressivo nos serviços de APS, bem como a relação dessas

práticas corporais com a convivialidade.

O trabalho de campo foi desenvolvido em dois Centros de Saúde (CS),

que chamarei de CS I e CS II, em localidades distintas de Campinas. A fim de

preservar a identidade das pessoas que participaram desta pesquisa, não só os

seus nomes foram trocados, como também se optou por substituir os nomes dos

serviços de saúde (ou qualquer outra característica que pudesse identificá-los). O

Centro de Saúde I pertence à Coordenadoria Distrital de Saúde Leste, atendendo

uma população de aproximadamente 22.000 habitantes9. Já o Centro de Saúde II

pertence à Coordenadoria Distrital de Saúde Norte6 e atende uma população de

aproximadamente 15.000 habitantes10.

A escolha dos serviços levou em conta alguns fatores. O primeiro foi

verificar que as duas práticas corporais eram ofertadas em cada serviço. O segundo

ponto levou em consideração a disponibilidade e identificação da coordenadora do

9 Dados da Secretaria Municipal de Saúde: http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/

10 Dado não oficial, passado pelo educador social do CS II durante a entrevista.

Page 28: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

28

CS I11 com as práticas integrativas, além da minha proximidade com o instrutor de

MVE do CS II. Sem dúvidas, esses contatos prévios facilitaram a entrada em campo,

contribuindo para que os demais profissionais me aceitassem em seus grupos. Cabe

mencionar que eu não residia na área de cobertura de nenhum desses serviços, e,

portanto, usava o transporte coletivo para chegar aos locais das práticas, cujo

percurso durava, em média, quarenta minutos.

A pesquisa foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde de

Campinas (SMS), sob o parecer nº 008/2015 (ANEXO A) e aprovada pelo Comitê de

Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Campinas (ANEXO B), sob o

parecer nº 981.177. Todos os entrevistados participaram de forma voluntária das

entrevistas, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(APÊNDICE B) e, antes do início das entrevistas, foram informados pela

pesquisadora sobre os objetivos do trabalho e os procedimentos da coleta e

tratamento dos dados. Foi assegurada a confidencialidade das informações, que

serão mantidas em sigilo e utilizadas apenas para fins acadêmicos.

As idas a campo tiveram início em novembro de 2014, com visitas

exploratórias ao grupo de MVE do CS I. Em março de 2015, após a retomada dos

grupos, foram iniciadas as atividades com os grupos de LG e MVE do Centro de

Saúde II e com o grupo de LG e MVE do Centro de Saúde I. Para todos os

instrutores e coordenadores, foi entregue uma pasta com cópias do projeto de

pesquisa, da autorização da SMS de Campinas e do Parecer Consubstanciado do

CEP, momento no qual foi feita uma conversa para apresentação da pesquisa e

esclarecimento de possíveis dúvidas, formalizando o início do trabalho de campo. No

primeiro dia em cada campo eu me apresentei ao grupo como estudante de

Mestrado em Saúde Coletiva da Unicamp, esclarecendo sobre minha condição como

pesquisadora-praticante e sobre a coleta de dados, pedindo autorização para

acompanhá-los. Quando um novato chegava ou se algum praticante voltasse para o

grupo após um período de ausência, eu fazia a apresentação novamente,

reafirmando a proposta da pesquisa.

11

Eu já havia tido contanto anteriormente com a coordenadora Silvana, na ocasião da realização de entrevistas para a pesquisa “As Racionalidades Médicas e Práticas Integrativas e Complementares nos Serviços de Atenção Primária em Saúde na Região Metropolitana de Campinas/SP”, coordenada pelo Prof. Dr. Nelson Filice de Barros.

Page 29: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

29

No contexto da pesquisa qualitativa, que fornece uma compreensão

profunda acerca da complexidade dos fenômenos sociais (23), a observação

participante é uma técnica de coleta de dados que requer “um envolvimento, um

compartilhar, não somente com as atividades externas do grupo, mas com os

processos subjetivos – interesses e afetos – que se desenrolam na vida diária dos

indivíduos e grupos” (23) (p. 67). Entretanto, a observação não é apenas olhar o que

está acontecendo: ela é direcionada e tem como foco os objetivos da pesquisa.

Segundo Malinowski (24), é através da imersão em campo – do contato

direto do pesquisador com a realidade “nativa” – que é possível apreender os

imponderáveis da vida real12, uma série de fenômenos que não podem ser

registrados apenas através de questionários ou documentos quantitativos (24). Em

acréscimo, podemos tomar também como referência o antropólogo Roberto Cardoso

de Oliveira, que afirma que os dados empíricos não estão prontos e nem são

estáticos – são construídos não somente a partir dos pressupostos teóricos do

pesquisador, mas também a partir do “encontro etnográfico” (25) (p.21), onde a

intersubjetividade entre o pesquisador e os atores sociais se constitui como um

aspecto importante da pesquisa.

De caráter interacional, a observação participante permite identificar e

acompanhar as dinâmicas sociais de perto e de dentro (26), partindo das

experiências subjetivas para construir narrativas e reflexões não sobre os sujeitos

pesquisados, mas com os atores sociais que participam da pesquisa (27),

descentralizando os discursos institucionais e colocando em perspectiva as

representações subjetivas e individuais.

A observação participante foi realizada durante cinco meses e foi

organizada de modo que eu pudesse frequentar cada grupo uma vez por semana,

acompanhando-os em atividades extras, como passeios e datas comemorativas. Os

dados empíricos foram registrados em um diário de campo, onde eu anotava

acontecimentos, relatos dos interlocutores, descrições de algumas atividades e

também minhas reflexões e percepções sobre esses momentos. Sem dúvida, a

elaboração dos relatos sobre a observação participante foi permeada pelas leituras

12

“Pertencem a essa classe de fenômenos: as rotinas do trabalho diário...; os detalhes dos seus cuidados

corporais; o modo como prepara a comida e se alimenta; o tom das conversas e da vida social...; a existência de

hostilidade ou de fortes laços de amizade, as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas; a maneira

sutil, porém inconfundível, como a vaidade e a ambição pessoal se refletem no comportamento de um indivíduo

e nas reações emocionais daqueles que o cercam.” (24) (p. 29).

Page 30: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

30

teóricas realizadas no decorrer do Mestrado. O trabalho de campo seguiu o seguinte

cronograma:

Tabela 1 - Cronograma do trabalho de campo

Prática Corporal Centro de Saúde Dia e Horário

MVE I *2ºf, 18h-19h

LG I 3º e *5ºf, 8h-9h

MVE II *3º e 5ºf, 8h-9h

LG II 2º e *4ºf, 8h-9h *dias de trabalho de campo

No total, foram realizadas 27 entrevistas, com duas coordenadoras de

serviço, quatro instrutores e vinte e um praticantes. O critério de inclusão para as

entrevistas com os praticantes era que o tempo mínimo de participação no grupo

fosse de dois meses e que não tivesse nenhum tipo de comprometimento mental ou

cognitivo que os impedisse de responder às questões da entrevista. O critério de

exclusão foram pessoas que não tinham disponibilidade ou se negaram a participar

da pesquisa. De maneira geral, a escolha pelos praticantes considerou uma maior

abertura destes em relação à pesquisa, já que algumas pessoas sempre vinham

conversar comigo para contar sobre sua relação com o grupo ou sobre a importância

da prática corporal em suas vidas. Também contei com a ajuda dos instrutores, que

em alguns casos me ajudaram indiciando e convidando praticantes para serem

entrevistados. Dessa forma, as entrevistas ficaram assim distribuídas (verificar

quadro de caracterização completa dos entrevistados no Apêndice A):

Tabela 2 - Entrevistas realizadas

Entrevistas CS I CS II

Coordenadoras Silvana Cláudia

Instrutores Carlos e Teresa Milton e Helena

Grupo LG Sílvia, Denise,

Rubens, Heloísa Odete, Olímpia, Rosa e

Célia

Grupo MVE Janete, Anselmo, Nívea, Val, Vitória, Carmem, Osvaldo

Lúcia, Raimunda, Conceição, Zilda, Ivone

e Beth

Inicialmente, o objetivo era entrevistar quatro praticantes de cada grupo,

mas, pela demanda espontânea que surgiu nos grupos de MVE do CS I e alguns

imprevistos que aconteceram no CS II, acabei entrevistando mais que o pretendido,

Page 31: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

31

pois seria indelicado negar uma entrevista àquelas pessoas que me procuraram

espontaneamente. As entrevistas foram marcadas de acordo com a disponibilidade

do interlocutor (planejadas antecipadamente, de modo a não atrasar as tarefas de

casa, que são muitas, no caso das praticantes), geralmente ao final da prática (nos

grupos cujas atividades são no período da manhã), sendo realizadas no próprio

espaço onde a prática corporal era realizada ou no entorno (uma praça e um centro

comercial).

Todas as entrevistas foram gravadas em um gravador digital de voz e

foram transcritas posteriormente. Para cada tipo de participante – coordenador,

instrutor e praticante – foi elaborado um roteiro de perguntas (APÊNDICES B, C e

D), que era adaptado conforme a dinâmica da conversa. Tanto com os praticantes

quanto com instrutores e coordenadores de serviço não houve dificuldades para a

realização do trabalho de campo e das entrevistas, com uma grande participação

nas entrevistas e nas conversas informais.

As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo proposta por

Laurence Bardin, que consiste em três etapas: pré-análise, exploração do material e

definição das categorias e tratamento dos resultados (28). Durante a análise

flutuante das entrevistas, identificamos os temas e as questões principais que,

posteriormente, foram organizados e categorizados de acordo com os núcleos de

sentido. Finalmente, a partir do tratamento desses dados, foram feitas inferências e

interpretações das falas mais significativas a partir do referencial teórico que norteia

a pesquisa.

Assim, de acordo com as análises das entrevistas, elegemos as seguintes

categorias: sociabilidade como forma de desenvolver apoio social; sociabilidade

como forma de criar vínculos entre praticantes e instrutores; sociabilidade e

participação nas atividades de lazer extra-prática; os sentidos e significados das

mudanças.

Page 32: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

32

CAPÍTULO 1 – As Práticas Corporais: descrição densa e

construção de um modelo de cuidado

No contexto desta pesquisa, o envolvimento nas atividades de campo

contribuiu para verificar e compreender as dinâmicas desenvolvidas entre os

praticantes durante os encontros de cada grupo, proporcionando maior proximidade

e interação com os praticantes e instrutores. Deste modo foi possível identificar, por

exemplo, que os praticantes determinam seus lugares nos espaços onde as práticas

são realizadas (e essa escolha não é aleatória) e como que cada instrutor conduz o

grupo e como organiza seu trabalho.

Tal proximidade permitiu conversas, confidências, convites (como do Seu

Osvaldo, que me chamou para conhecer sua horta orgânica; ou como Seu Anselmo

e Sílvia, que me convidaram para visita-los aos finais de semana) e até presentes

(fotos de arquivo pessoal, uma pulseira e uma revista). Além disso, três textos foram

produzidos por duas praticantes de LG e de MVE, de forma espontânea: dois relatos

que ressaltam as transformações vividas pela Dona Heloísa por causa das práticas

corporais; e o relato feito pela praticante Val, no qual fala sobre como é o Movimento

Vital Expressivo, segundo suas próprias impressões. Mesmo após o fim do trabalho

de campo, a interação com algumas pessoas segue acontecendo por meio das

redes sociais, por telefone e até mesmo por correspondência.

As narrativas revelaram o lugar da prática corporal na vida das pessoas, tanto

dos praticantes, como dos próprios instrutores. O primeiro contato com a prática

corporal, a convivência no grupo, a construção de uma identidade no e com o grupo

e o significado dessas relações em suas vidas foram algumas das questões trazidas

pelos interlocutores, em conversas informais e nas entrevistas. A importância do

grupo e da convivência – os ganhos sociais, como alguns referem – são

mencionados como os principais benefícios trazidos pelas práticas corporais. Os

relatos sobre as melhoras na saúde não se associam exclusivamente com aspectos

físicos, mas principalmente com bem-estar emocional, disposição, alegria e

animação.

Desse processo de imersão em campo e dos registros no diário de campo

suscitou a descrição densa, um empreendimento científico que apreende e

interpreta as estruturas de significação social, que são complexas e não estão

Page 33: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

33

claramente acessíveis, sendo estranhas, irregulares e inexplícitas (29). Nesse

sentido, podemos compreender a descrição densa como produto da observação

participante – é uma caracterização do trabalho de campo que relata, em

profundidade, não apenas o contexto da pesquisa, mas também as dinâmicas

sociais do grupo observado e as “emoções e as nuances de relacionamento social a

fim de evocar o sentimento de uma cena e não apenas seus tributos superficiais”

(30) (p. 33).

Movimento Vital Expressivo no Centro de Saúde I

As idas a campo no grupo de MVE do CS I tiveram início em novembro de

2014, após contato prévio por e-mail com Silvana, coordenadora do serviço, para

apresentar a pesquisa e perguntar sobre a possibilidade de conhecer os grupos de

práticas corporais oferecidos pelo CS. Disso surgiu o convite para conhecer o grupo

de MVE que é realizado no Centro de Convivência (CECO)13 do território, às 2º

feiras, das 18 às 19h.

O grupo acompanhado foi formado em fevereiro de 2013 e a prática é

realizada em uma sala equipada com espelhos, colchonetes e aparelho de som,

além de outros objetos como ventilador de teto, armários, mesas e cadeiras. A turma

é composta, em média, por quinze praticantes, com idades entre 35 e 70 anos. A

maioria participa do grupo desde o início e, de acordo com o instrutor Carlos, quase

todos os praticantes são pacientes do CS I, embora poucos tenham sido

encaminhados pela equipe de profissionais do serviço. Em geral, os praticantes

ingressam no grupo por “demanda espontânea”, ou seja, por meio de convite de

amigos, vizinhos ou parentes, ou porque frequentam outras atividades oferecidas

pelo CECO e ficaram sabendo da prática através da programação mensal (que fica

disponível na recepção do CECO) ou simplesmente por passarem pelo corredor e

verem o grupo fazendo a atividade.

As mulheres eram maioria e três homens integravam a turma, sendo que

dois eram frequentadores assíduos e tinham mais de 65 anos. Eu sempre chegava

13

O Centro de Convivência é um dispositivo de saúde que integra a rede de atenção à Saúde Mental de Campinas. O CECO I é aberto à comunidade e oferece diversas atividades gratuitas como aulas de variados trabalhos artesanais, movimento vital expressivo, capoeira, yoga, meditação, oficinas culinárias, grupos de aconselhamento nutricional, aulas de consciência corporal, além de turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Fundação Municipal para a Educação Comunitária (FUMEC).

Page 34: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

34

meia hora antes do início da atividade e nunca ficava sozinha: Seu Osvaldo e Seu

Anselmo já estavam lá conversando. À medida que outros praticantes iam

chegando, todos se cumprimentavam com abraços e beijos no rosto, e logo eram

incluídos nas conversas. Quando chegava um novato, era imediatamente acolhido

pelo grupo e também pelo instrutor, que explicava o objetivo do trabalho com o MVE.

O instrutor é formado em Enfermagem, mas oficialmente trabalha como

Auxiliar de Enfermagem no CS I. Iniciou sua formação em MVE por volta de 2011,

tendo tido seu primeiro contato com a prática em 2008, como colaborador em outro

grupo do mesmo serviço de saúde. Sua atuação como instrutor de MVE faz parte da

rotina de trabalho e quinzenalmente participa de supervisão conduzida por

capacitadoras de Sistema Rio Aberto, junto com instrutores que atuam em outros

serviços de saúde do território onde se localiza o CS em que trabalha. Em julho de

2015, Carlos também assumiu outro grupo de MVE que era ofertado por uma

profissional de saúde da sua equipe, que entrou de licença médica.

Na minha primeira ida a campo, o instrutor Carlos já estava informado

sobre a visita. Eu já era esperada como “uma estudante da Unicamp”. Ao nos

encontrarmos na hora marcada pela coordenadora, conversamos sobre a pesquisa e

expliquei como seria o trabalho de campo. O instrutor foi muito atencioso e me

contou como desenvolve o trabalho com o grupo e explicou a finalidade da prática

corporal. No decorrer da conversa, as pessoas foram entrando no salão onde a

prática é realizada e, como já estava na hora do grupo, a roda logo tomou forma e

Carlos anunciou minha presença apenas como “gente nova” e pediu para que todos

se apresentassem. Quando chegou a minha vez, eu apenas disse meu nome, já que

o instrutor não havia mencionado nada sobre a minha pesquisa e fiquei na dúvida se

eu poderia revelar, de imediato, a minha identidade como pesquisadora. Entretanto,

ao final da prática, Carlos me apresentou como estudante da Unicamp e pediu que

eu contasse sobre a pesquisa. Quando falei sobre o objetivo e a forma da coleta de

dados, dona Vitória, uma senhora que participa do grupo com duas filhas e uma

nora, exclamou: “Nossa, que legal! Você vai pesquisar a gente? Que honra!”.

Agradeci a receptividade e pedi permissão ao grupo para que eu pudesse

acompanhá-los, fazendo o convite para participarem das entrevistas. Ao final, Carlos

agradeceu por ter escolhido o grupo e disse que a pesquisa contribuirá para dar

Page 35: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

35

visibilidade ao grupo e ao Movimento Vital Expressivo, e que eu poderia ficar à

vontade.

Essa recepção fez com que eu realmente me sentisse acolhida, além de

ter contribuído para uma grande participação dos praticantes nas entrevistas, pois ao

final da minha apresentação as pessoas vieram me cumprimentar e se colocaram à

disposição para as entrevistas, que começaram a ser feitas em maio de 2015.

Durante a permanência em campo e nas conversas com os praticantes, pude

conhecer melhor a dinâmica do grupo e estabelecer uma relação de proximidade

com a turma antes de partir para as entrevistas. Assim, foi possível verificar, por

exemplo, o melhor horário e local para a marcação das entrevistas: sempre em torno

de uma hora antes do início da prática, nas dependências do próprio CECO.

A primeira praticante entrevistada foi Janete. Ela foi convidada para

conhecer o grupo através de Simone, outra praticante de MVE. As duas se

conheceram na terapia em grupo, que é feita no CS I e, segundo Janete, se

aproximaram por terem passado pelo mesmo problema familiar. A entrevista foi

realizada no quintal do CECO, onde acontecem as aulas de mosaico toda segunda-

feira à tarde. Durou cerca de meia hora e depois que encerramos, ainda ficamos

alguns minutos conversando sobre nossas famílias e sobre as músicas que o

instrutor geralmente selecionava e que agradavam bastante ao grupo.

Em outro momento, entrevistei Seu Anselmo, que se mostrou muito

contente com o convite, pois ele estava aguardando que eu fizesse as convocações

para as entrevistas. Durou cerca de 40 minutos e ele aproveitou para me contar que

gosta muito de sair e conversar com as pessoas, mas que às vezes prefere ficar

mais quieto, impressionando até os motoristas de ônibus da linha que atende seu

bairro, pois todos os conhecem por ser bastante “falador”. Além disso, se declarou

feliz com a minha presença no grupo, pois era uma oportunidade de aprender coisas

novas.

Quando marquei a entrevista com Dona Vitória e Nívea, mãe e filha, a

ideia inicial era fazer uma entrevista dupla, mas acabamos realizando em dias

separados. Ao chamá-las para entrevista, sorriram e disseram que estavam só

esperando a vez delas, pois desde o início queriam participar da pesquisa. A

entrevista com cada uma durou cerca de 40 minutos, e a conversa também

aconteceu no quintal do CECO.

Page 36: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

36

Em seguida, entrevistei Val, que frequenta o grupo desde 2013. Quando

iniciei o trabalho de campo fazia alguns meses que ela não estava frequentando o

grupo, e, quando ela voltou, em maio de 2015, se interessou pela pesquisa e veio

pedir que eu marcasse uma data para a entrevista, pois queria falar-me sobre as

amizades no grupo. A entrevista durou cerca de 40 minutos, e a conversa

aconteceu na sala onde o MVE é realizado, mesmo local onde entrevistei Carmem,

que parecia ser uma das praticantes mais quietas, apesar de sempre conversar com

todos do grupo. Carmem foi umas das praticantes que me chamou a atenção para

refletir sobre a importância das práticas corporais como “um momento pra não

pensar em nada”, apenas para cuidar de si.

Por fim, entrevistei seu Osvaldo, que foi o primeiro praticante com quem

conversei quando comecei a acompanhar o grupo. Ele me contou sobre seu ofício

de benzedor e me ensinou a fazer um remédio natural para dor no estômago feito

com manjericão roxo, mas, apesar de ter um vasto conhecimento com plantas

medicinais, se sente obrigado a tomar os remédios que o médico do Centro de

Saúde passa, temendo ser repreendido por não seguir a prescrição do profissional

caso tenha algum “piripaque”. Foi interessante que, em momentos diferentes da

entrevista, atribuiu tanto à prática de MVE, quanto à prática de benzedor, as

mesmas sensações: “eu fico mais legal, eu fico bem”. A conversa aconteceu no

quintal do CECO e durou trinta e cinco minutos.

Durante a prática, o instrutor habitualmente falava sobre a proposta do

Movimento Vital Expressivo/Sistema Rio Abierto e explicava o que estava

trabalhando, a intenção de cada movimento e sua relação com os centros

energéticos do corpo (chakras), sobre a importância em olhar nos olhos14 e interagir

com o ambiente e com os outros praticantes, afirmando que o objetivo do trabalho

não era a execução perfeita e precisa dos movimentos, mas sim deixar o corpo se

expressar e fazer o movimento fluir, para não tornarmos tudo mecanizado,

desenvolvendo, desta forma, consciência de si através do trabalho corporal.

Também sempre destacava a potência do grupo e do convívio, ressaltando que

cada ser é único e especial. Além disso, eventualmente passava alguns informes

relativos ao serviço de saúde, como as campanhas de vacinação e também sobre a

14

Quando passava a consigna para a troca de olhares, Carlos sempre perguntava: “cadê o sorriso?” – e então aproximava a roda para que o grupo pudesse tocar nas mãos uns dos outros.

Page 37: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

37

função do Conselho Local de Saúde e as reuniões deste grupo, reforçando a

importância da participação social.

Dentre os grupos que participaram da pesquisa, foi o único instrutor a

falar mais abertamente sobre Deus e sobre o valor que temos enquanto grupo e

enquanto pessoa. Porém, também era o único instrutor que fazia avaliações de

saúde para o controle de peso, do índice de massa corpórea (IMC), da

circunferência abdominal, da glicemia e da pressão arterial de cada praticante,

sempre orientando sobre a importância do cuidado com a saúde através de

atividades preventivas como a prática de atividades físicas e da alimentação

equilibrada. Assim, ao mesmo tempo em que nos perguntava sobre o final de

semana, também perguntava se alguém estava com alguma dor ou se precisava de

algum serviço do centro de saúde. De modo geral, os praticantes aproveitavam para

perguntar sobre a marcação de consultas e a retirada de exames realizados em

outros serviços da rede pública.

Frequentemente abordava temas como: os perigos do colesterol HDL

elevado; sintomas, prevenção e tratamento da depressão; cuidados com a chegada

do inverno; sensibilização sobre a reciclagem do lixo; orientação sobre alimentação

saudável; cuidados com a dengue; prevenção e identificação da síndrome de

Burnout entre outros cuidados. A partir destas questões, ele fazia uma roda de

conversa com os praticantes e lançava perguntas pra turma, estimulando a

participação coletiva na construção do conhecimento.

Antes do início da atividade, Carlos me informava sobre a temática que

abordaria com o grupo e perguntava se eu queria fazer alguma colocação ou se

tinha algo a acrescentar, mas eu apenas agradecia e dizia que não tinha nada a

dizer, principalmente por não ter uma formação em saúde e, por isso, não ter

conhecimento técnico nesta área. Nos dias em que as avaliações eram realizadas,

eu era convocada como “assistente” para anotar os resultados tanto no “Cartão de

Controle de Hipertensão/Diabetes” individual (ANEXO C) – que foi personalizado

com mensagens escritas à mão pelo instrutor para cada um dos praticantes – e

também no prontuário do grupo15.

15

Em uma dessas ocasiões, Val veio me dizer que antes de eu assumir este posto, era ela quem fazia as anotações e que a tarefa a fazia sentir-se importante. Fiquei um pouco sem graça por ter “tomado” seu lugar, mas pedi desculpas e, de forma descontraída, falei que então poderíamos nos revezar nessa função.

Page 38: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

38

Entretanto, apesar de não querer fazer nenhum comentário adicional aos

temas abordados pelo instrutor, na primeira vez que fui escalada para auxiliar em

tais anotações, acabei interferindo na forma como a avaliação estava sendo

conduzida, já que o instrutor quase não divulgava os resultados para os próprios

praticantes avaliados. Então, ao perceber a curiosidade destes em relação às suas

medidas, eu comecei a passar-lhes essas informações, perguntando ao instrutor se

havia alguma informação adicional sobre os resultados para compartilhar

individualmente ou com o grupo. Assim, caso o resultado não estivesse de acordo

com os padrões biomédicos de normalidade, Carlos orientava sobre os cuidados

necessários e sobre os riscos envolvidos nos resultados alterados.

Ainda que com alguma frequência o instrutor reforçasse a importância dos

alongamentos e da prática de exercícios físicos para evitar problemas de saúde e

combater o sedentarismo – relacionando, precipitadamente, uma prática corporal

com a prática de exercícios físicos – ele também afirmava que o MVE não era como

“uma academia de ginástica”, onde as pessoas se exercitam individualmente, pois,

“além de valorizar o trabalho em grupo e a interação”, o MVE também trabalhava

“outras coisas”, definindo a atividade como um momento de “amizade,

companheirismo e comunhão” 16. Portanto, é possível perceber que essas definições

híbridas atribuídas pelo instrutor ao Movimento Vital – aparentemente contraditórias

– se caracterizam pela sua formação e experiência profissional, que são marcadas

pela racionalidade biomédica. Duas conversas ilustram bem essa condição:

“Carlos comentou comigo sobre meu projeto e as autorizações do Comitê de Ética em Pesquisa e da Secretaria Municipal de Saúde, ressaltando a alegria por eu ter escolhido o grupo (...). Além disso, falou que achou interessante minha abordagem “e que não tinha percebido algumas coisas” e que iria “trazer pra sua visão e pra dentro do grupo de MVE” e, ao ler meus argumentos, pensou em sua formação, que foi sempre “muito objetiva” e focada na doença e em procedimentos técnicos”

17.

“Hoje conversei com Carlos sobre minha preferência pelo tratamento homeopático, contando que curei crises alérgicas somente com homeopatia e que atualmente estava fazendo tratamento com acupuntura para uma lesão que surgiu na pele. Ele ficou meio pensativo (desconfiado, provavelmente) e me disse: “trabalho em unidade de saúde desde os 20 anos de idade e só ouço falar em dipirona, voltarem e agora ibuprofeno, que é um anti-inflamatório de última geração que não afeta o fígado e isso é bom pra quem tem problemas de gastrite (...)” e que por isso ainda

16

Ou ainda, como uma vez afirmou que “o que faz do grupo ser um grupo não é só a interação entre a gente, é o amor também” (Diário de Campo, 01/06/2015).

17 Diário de Campo, 13/04/2015.

Page 39: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

39

estranhava a minha opção por tratamentos onde não se utilizam “esses tipos de medicamento”

18.

Durante a aferição de pressão e os testes de glicemia, a conversa se

estendia e os resultados eram compartilhados entre os praticantes, que comparavam

seus resultados e brincavam pra ver quem tinha as melhores taxas. Era um

momento de descontração e de muita conversa, além de confissões sobre a

ansiedade por doces e os exageros cometidos no final de semana, ao mesmo tempo

em que, a meu ver, denunciava como o discurso biomédico do risco é facilmente

incorporado19. Já durante a prática, a proximidade entre os praticantes também era

reforçada quando, ocasionalmente, Carlos finalizava a atividade pedindo para que

formássemos duplas para trabalhar os sentidos através da massagem, quando os

pares aproveitavam então para se conhecerem melhor ou até mesmo para fazer

alguns desabafos sobre as situações que estavam vivenciando.

Outro momento identificado como oportuno para a sociabilidade era ao

término da prática do Movimento Vital Expressivo, quando era servido um lanche da

tarde com café, suco e bolachas. Apesar de ser o único grupo que não organizava

passeios ou outros tipos de encontro fora do horário, a “hora do lanche”, embora de

curta duração, proporcionava uma forte interação social não só entre os praticantes,

mas entre o instrutor e o grupo, reforçando o vínculo do profissional com todos os

integrantes da turma. A maioria permanecia no local por pelo menos quinze minutos

após o fim da atividade para conversar, comentando sobre alguma música que tocou

e que fez relembrar alguma vivência pessoal, tirando dúvidas (tanto com o grupo

como com o Carlos) ou então compartilhando alguma informação. É interessante

notar a importância desse momento para que as pessoas – incluindo o instrutor e a

própria pesquisadora – expusessem suas rotinas, contassem sobre passeios e

viagens, seus eventuais problemas emocionais ou conflitos pessoais, falassem

sobre sua família, sobre sua melhora de saúde ou também sobre um remédio

prescrito pelo médico que estava fazendo mal.

18

Diário de Campo, 15/06/2015. 19

Embora a avaliação de saúde esteja na ordem do controle e mantenha relação com o discurso do risco, essa situação sempre também me remetia às práticas de saúde wellness (31), pelo jeito que a interação do grupo se dava neste momento. Apesar de essa questão ser nebulosa, nestas conversas não verifiquei uma competição ou preocupação mais “dura” com o culto ao corpo segundo os padrões vigentes, pelo menos não no sentido de haver julgamentos ou punições.

Page 40: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

40

Durante uma dessas conversas, onde o tema era amor e afeto, Seu

Osvaldo, um praticante muito conhecido pela comunidade por causa de sua horta

orgânica e por ser benzedor, ficou ouvindo, calado, o que cada um falava sobre

como era o relacionamento com suas famílias. Até que, emocionado, falou que sua

esposa o tratava com frieza, que nunca tinha ouvido “eu te amo” dela e o quanto

isso o deixava triste e sem conseguir ter uma relação mais afetuosa, perguntando

para Carlos o que ele poderia fazer. O grupo o acolheu, deixando-o desabafar e

sugerindo algumas estratégias para que ele pudesse se aproximar mais da

companheira, desejando-lhe palavras de incentivo e apoio. O instrutor então o

aconselhou a abraçar a esposa, defendendo a importância deste gesto e contando

sobre seu pai, que também não era uma pessoa muito aberta para isso. Em seguida,

Nívea, uma praticante que tem formação em Psicanálise, comentou sobre o fato das

pessoas se abrirem com o grupo por se sentirem confiantes a ponto de contarem

suas intimidades, revelando até mesmo suas fragilidades e pontos fracos, sem medo

de julgamentos ou punições. Com isso, ressaltou que havia um forte sentimento de

solidariedade e de respeito entre os praticantes e o instrutor, visíveis através da

escuta, do acolhimento e do cuidado.

Val, Carmem e Janete também declararam a importância do grupo em

suas vidas. Ao voltar a frequentar o grupo depois de um tempo afastada por causa

dos seus horários no trabalho como babá, Val comentou com a turma: “estou muito

feliz por voltar pra cá, claro que exercício físico é bom, mas o que senti falta mesmo

foi a companhia aqui, das pessoas, dos nossos encontros.”. Já para Carmem, o

grupo era “bom para dar risada”20, afirmando que o Movimento Vital Expressivo

propiciou uma mudança em sua vida, já que antes “era só aquela coisa de ficar entre

o trabalho e a casa, no automático” e que sair dessa condição era “importante, pois

agora eu tenho uma hora só pra mim, aqui eu esqueço mesmo das coisas e consigo

ficar com a cabeça só na prática e em mim mesma”. Do mesmo jeito, Janete afirmou

“voltei a sorrir e voltei a ser eu mesma”, ao relatar o seu “antes e depois” do MVE,

relacionando a melhora no seu quadro emocional ao acolhimento do grupo e ao

trabalho desenvolvido pela prática corporal21.

20

Diário de Campo, 28/06/2015. 21

Nessa ocasião, o instrutor havia organizado uma festa surpresa para ela e fiquei responsável por levar o bolo, que eu mesma fiz. Janete ficou emocionada e agradeceu ao grupo pela surpresa e pelo carinho do Carlos e da turma, relatando como o acolhimento contribuiu para que ela conseguisse

Page 41: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

41

O próprio instrutor também comentava com a turma sobre os efeitos do

Movimento Vital Expressivo em sua vida pessoal e profissional, enfatizando como

que a prática o ajudou a diminuir sua timidez e contribuiu para “descarregar a

cabeça de preocupação e de outras coisas que causam ansiedade”, melhorando a

concentração no desenvolvimento das suas tarefas cotidianas no centro de saúde, já

que, para ele, esta é uma capacidade imprescindível em sua profissão. Além disso,

disse que o trabalho com a prática o ajudou a sair da mecanicidade do atendimento

no acolhimento e nos procedimentos que realiza, tornando-se mais atencioso com

as pessoas que atende no serviço.

Estes momentos também revelaram talentos artísticos. Após fazer a

entrevista com Val22, ela me contou sobre seu caderno de anotações, onde

transcreve algumas frases que gosta e também faz composições que narram seus

sentimentos e vivências, como é o caso do “Rap das Domésticas” e a “Música de

Amor Romântico”. Ao saber disso, falei que gostaria de ver seu caderno, caso ela

concordasse. Na semana seguinte, levou-o e, ao final da prática, compartilhou com a

turma. Intuitivamente a incentivei a escrever sobre o grupo, já que tem a escrita

como hobby. Após duas semanas ela veio toda contente me mostrar sua

composição e quando terminamos a prática, Val apresentou ao grupo e presenteou

Carlos, que pediu permissão para tirar uma cópia e afixar no mural do CS e do

CECO. Recebi como missão – a pedido da autora – que, antes da exposição,

“passasse a limpo” no computador, ganhando permissão para usar em meu trabalho,

desde que eu revelasse a autoria (ANEXO D).

Seu Anselmo também revelou seus talentos, tanto com o violão, quanto

com duas composições. Convidado por Carlos, algumas vezes levou seu violão e

tocou algumas músicas para o grupo. Além disso, Seu Anselmo gostava de contar

suas histórias e mostrar suas habilidades físicas (alongamentos, agachamentos,

movimentos ágeis) que, de acordo com ele, atestavam os efeitos do MVE em sua

vida: inclusive, aprender a tocar violão, que era seu sonho de menino, foi um

incentivo feito pelo próprio instrutor, que viu potencial terapêutico nessa atividade,

como uma possibilidade do praticante recuperar os movimentos dos dedos das

mãos, membros que estavam afetados por anos de trabalho pesado na roça.

“mudar de vida” e “sair do lugar de tristeza onde estava há um ano e quatro meses”. (Diário de Campo, 08/06/2015).

Page 42: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

42

Durante a minha permanência em campo e com as “prosas” estabelecidas

com Seu Anselmo, pude perceber como os estímulos dos profissionais de saúde

com quem desenvolveu um vínculo maior (uma Terapeuta Ocupacional e o

profissional que conduz o MVE) e também do grupo contribuíram para que ele

seguisse firme em seu propósito e compartilhasse seu processo de aprendizado com

a turma, inclusive, gravando vídeos caseiros tocando algumas de suas músicas

sertanejas preferidas e mostrando, bastante orgulhoso, o material produzido. Além

disso, inspirado em Val, também escreveu duas narrativas que relatavam algumas

memórias sobre as paisagens de sua infância e de sua vida profissional, que foram

marcadas pelo trabalho pesado no campo (e confessou-me que pretendia

transformar em modas de viola, mas que ainda precisava arrumar algumas “letras

que não estavam combinando”, pedindo minha opinião sobre alguns versos).

Com alguma frequência, Carlos selecionava músicas para explorar a letra

durante o trabalho em roda. Uma delas era a música “Só eu sou eu”, de Marcelo

Jeneci, onde aproveitava para falar sobre que cada um tem sua importância no

mundo e também no grupo. Em uma das atividades, ele chamou a atenção para um

trecho da música23 e comparou a identidade com uma digital, afirmando que “cada

um tem a sua, cada um tem seus talentos”. Frequentemente o instrutor passava a

condução da prática para o grupo, durante o período de uma ou duas músicas, para

que cada um se expressasse com seus próprios movimentos. Era o momento

preferido da Suzana, uma praticante muito animada, que também era aluna da

FUMEC e sempre precisava deixar o grupo no meio da atividade, para seguir para

sua aula. Seus movimentos eram amplos e quase sempre nos levavam ao chão,

onde ela gostava de rolar e tatear o piso, esticando bem os braços, mexendo as

mãos e os dedos.

Sem dúvidas, essa maneira de Carlos conduzir o grupo – que incentiva

talentos e permite que os praticantes expressem suas subjetividades ao mesmo

tempo em que toma o discurso do risco para legitimar a importância da prevenção

de doenças – emerge um modelo de cuidado que ora se aproxima do paradigma da

vitalidade (20), ora se aproxima da lógica biomédica, tornando porosas as fronteiras

entre as perspectivas de sociabilidade e de biossociabilidade.

23

Só eu sou eu/Só eu sou eu/Além de mim não tem ninguém que seja eu. (Compositor: Marcelo Jeneci. Álbum: De Graça).

Page 43: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

43

Por fim, o encerramento do trabalho de campo foi dedicado a dar um

feedback para o grupo, contando sobre a qualificação e a apresentação da pesquisa

em um congresso científico da área. Agradeci ao instrutor e aos praticantes pela

acolhida e pelo envolvimento no meu trabalho, que também me agradeceram por ter

escolhido o grupo e participado do MVE junto com a turma. A despedida foi muito

produtiva, pois formamos uma roda e cada praticante reafirmou a importância da

prática para si, contribuindo para minhas reflexões sobre o campo. Para cada

entrevistado, entreguei cartões de agradecimento pela participação na pesquisa.

Movimento Vital Expressivo Centro de Saúde II

As idas a campo no grupo de MVE do CS II tiveram início em março de

2015, após contato inicial com Milton, educador social do serviço e instrutor de MVE,

que posteriormente me apresentou à coordenadora do CS para que eu pudesse

apresentar a pesquisa e formalizar minha entrada em campo. A prática é ofertada às

terças e quintas-feiras, às 8 horas da manhã, no Centro de Convivência II24,

equipamento integrado ao CS II. O CECO funciona de segunda à sexta, em uma

pequena casa cedida pela prefeitura e apresenta inúmeros problemas estruturais,

sobretudo por falta de verba destinada ao serviço.

A sala onde as atividades em grupo são realizadas apresenta goteiras e

infiltrações, necessitando de uma reforma no telhado e também de uma revitalização

na pintura das paredes internas. O espaço é pequeno, não sendo possível oferecer

atividades que comportem muitas pessoas, limitando assim o acesso da

comunidade. Além disso, as dificuldades financeiras enfrentadas pelo serviço

repercutem também na aquisição de materiais para a realização das aulas de pintura

em tela, na compra de novos colchonetes para as práticas corporais, na manutenção

dos equipamentos eletrônicos (como ventiladores, aparelho de som, computadores

da lan house e da secretaria) e no número insuficiente de profissionais que ali

trabalham, sendo necessário contar com a cooperação de alguns voluntários para a

oferta de algumas atividades. Como apontado por Milton, essa situação reduz a

capacidade do serviço e impossibilita o trabalho com os jovens da comunidade, pois

24

O Centro de Convivência é aberto à comunidade e oferece atividades gratuitas como aulas de pintura, de dança, movimento vital expressivo, yoga, terapia comunitária, lan house, biblioteca, além de turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Fundação Municipal para a Educação Comunitária (FUMEC), entre outras atividades.

Page 44: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

44

inexistem profissionais habilitados para desenvolver, voluntariamente, oficinas de

grafite ou de computação, por exemplo. Diante deste contexto, uma estratégia para

ter dinheiro em caixa e manter minimamente o espaço é arrecadar verba a partir dos

passeios e excursões realizados pelo CECO e também contar com a doação de

materiais.

O CECO II está localizado em frente a uma praça pública equipada com

aparelhos de ginástica e de um pequeno centro comercial de compras. É próximo a

pontos de ônibus, da praça municipal de esportes do bairro e do centro de saúde. A

proximidade com o comércio é importante, pois observei que ao final da prática era

comum que algumas mulheres fossem juntas ao supermercado ou ao varejão para

comprarem alguns itens para o almoço. A interação e a conversa seguiam para além

do momento da prática, principalmente porque, na maioria das vezes, elas faziam o

percurso até suas residências a pé e moravam próximas umas das outras.

O grupo foi formado em 2008 e a prática é realizada em uma sala

equipada com aparelho de som, ventiladores, climatizadores de ar, colchonetes,

quadro de avisos com cartazes sobre excursões e cursos, lousa, telas de pintura

com variadas paisagens, cadeiras de plástico e uma mesa de madeira que é

montada e desmontada conforme a necessidade das atividades desenvolvidas neste

espaço. A turma é composta em média por 12 praticantes mais assíduos, mas a

presença variava de acordo com o dia, principalmente por causa das condições

climáticas e da proximidade com feriados. Homens eram apenas três e

frequentavam o grupo esporadicamente. Um deles, Seu Marcos, se aproximou mais

de mim ao saber que eu estudava na Unicamp, pois trabalhou na construção do

CAISM25 e sempre me perguntava como as coisas estavam por lá. Depois de um

longo período ausente, Seu Marcos retornou por alguns dias e me contou que

estava em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial do território e que às vezes

as oficinas que participava coincidiam com os dias do MVE, o que inviabilizava sua

presença no grupo. As mulheres predominavam o grupo, com idades de 27 a 91

anos e muitas me relataram que conheceram o grupo por convite de amigas ou

vizinhas e também por convite da Helena, que é Agente Comunitária de Saúde e

instrutora de outro grupo de MVE no local.

25

Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti, localizado na área da saúde da Unicamp.

Page 45: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

45

Algumas das praticantes também frequentavam o grupo de Lian Gong

e/ou de Yoga. Inclusive, participar de algum desses grupos de prática corporal

facilitava que as praticantes tivessem acesso, em primeira mão, às informações

sobre novas atividades oferecidas pelo CECO, como massagem, passeios, festas

comemorativas, cursos, viagens, entre outras oportunidades. Dessa forma, as

informações circulavam muito mais no “boca-a-boca” entre as pessoas que

frequentavam as atividades no Centro de Convivência do que em quadros de avisos

ou por orientações dos profissionais alocados apenas no CS.

Realizei entrevistas com seis praticantes, que foram realizadas nas

dependências do CECO, sempre após a prática de MVE. Apenas Lúcia se

disponibilizou espontaneamente para uma entrevista. A entrevista com Raimundinha

acabou virando uma narrativa sobre sua vida, pois em quarenta minutos de conversa

ela me contou sobre vários momentos de sua vida, desde a viagem da Bahia pra

São Paulo em um pau de arara, as dificuldades que passou em seus empregos até

a chegada em Campinas, já aposentada, cidade onde aprendeu a ler e foi acolhida

“sem discriminação” (já que, segundo ela, lhe era permitido visitar instituições como

o Palácio da Justiça e a Sede da Prefeitura sem ser expulsa, como acontecia em

outras cidades). Para não ser indelicada (e não comprometer nossa relação), eu

achei melhor não interferir em sua narrativa, pouco conduzindo a entrevista de

acordo com o meu roteiro de perguntas.

Quando convidei Dona Zilda e Dona Conceição, disseram-me que

preferiam marcar a entrevista pro mesmo horário, pois eram vizinhas e iam juntas

não só ao grupo, mas também nos passeios e viagens. Por várias vezes tentei

marcar uma entrevista com Dona Leila, uma das praticantes com quem eu mais

conversava, mas por causa da sua rotina atribulada, não foi possível marcar uma

horinha para uma conversa mais formal. Como estava com dificuldade em marcar as

entrevistas, pedi ajuda à Helena, que convidou Beth e Ivone, amigas que

“emendam” o MVE com as aulas de ginástica que são oferecidas pela Secretaria de

Esportes e realizadas em um espaço público próximo ao CECO. Mesmo interferindo

em suas aulas, as duas aceitaram o convite e foi uma oportunidade para eu me

aproximar destas praticantes, pois antes nós só nos cumprimentávamos

rapidamente no início da prática.

Page 46: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

46

Chegar com antecedência era quase uma obrigação: as rodinhas de

conversa eram formadas e à medida que as praticantes iam chegando, todas se

cumprimentavam com beijos e abraços, sempre perguntando como estavam se

sentindo, como tinha sido o final de semana, ou sobre algum parente ou amigo em

comum. Quando alguma colega faltava, elas logo perguntavam aos instrutores se

sabiam o motivo da ausência. As conversas giravam em torno de notícias lançadas

pela mídia, de comentários sobre programas de TV como o Bem-Estar26 e de

reclamações sobre o Centro de Saúde e sobre as prescrições médicas, que muitas

vezes eram classificadas pelas praticantes como absurdas ou inadequadas.

Normalmente a conversa também acabava se estendendo por vários

momentos durante a prática, onde até a música virava pretexto pra “puxar” assunto.

Nos momentos de maior “burburinho”, Milton explorava a própria letra da música – e

o assunto da conversa – como estratégia para interagir com a turma e retomar a

concentração do grupo na atividade: em um dia de muita agitação, o instrutor então

lançou mão da meditação para que nós nos voltássemos ao grupo, para que

naquele momento e instante percebêssemos a amorosidade que permeava o

espaço e as pessoas. Fechamos os olhos e então ele desligou o som para trabalhar

o silêncio, o nosso próprio corpo e nossos pensamentos. Minutos depois, colocou

um samba para que pudéssemos nos expressar em movimentos livres e

experimentar, alternadamente, o silêncio e o barulho, a calmaria e a movimentação,

perguntando para cada praticante sobre as sensações vivenciadas com aquela

prática.

O Movimento Vital é conduzido por dois profissionais do centro de saúde:

Milton e Helena. Milton é formado em Psicologia e trabalha com o Sistema Rio

Aberto desde 1996. Oficialmente exerce o cargo de Educador Social e é o único

funcionário do Centro de Saúde alocado diretamente no CECO, com carga horária

total de trinta e seis horas semanais. Helena é Agente Comunitária de Saúde e

terminou a formação em Rio Aberto em 2015. Possui outras formações em práticas

integrativas como Shiatsu e em alguns tipos de Qi Gong, como o Lian Gong e o

Treinamento Perfumado. Atua também como instrutora de LG e monitora em outras

atividades no CECO, além de desenvolver atribuições de seu cargo diretamente na

unidade de saúde. Apesar de querer oferecer outras práticas corporais para a

26

Programa matinal sobre saúde exibido pela TV Globo.

Page 47: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

47

comunidade, sua agenda no centro de saúde não permite que a instrutora

desenvolva essas atividades. Ambos são constantemente procurados pelas

praticantes e por outros usuários do CS com demanda bem variada: esclarecer

dúvidas, pedir informações sobre serviços públicos ou benefícios sociais, marcação

de consultas, renovação de receituários médicos, contar sobre problemas pessoais e

pedir conselhos, relatar melhoras na saúde, ou simplesmente pra conversar. Os

instrutores possuem um forte vínculo com a comunidade, reconhecidos como

profissionais de referência dentro do serviço pelos próprios usuários.

Em especial, dois episódios que presenciei em campo ilustram bem o tipo

de vínculo que se desenvolve entre estes profissionais e a comunidade:

O primeiro é a relação entre Milton e Cris, uma praticante de 27 anos, filha

da Lúcia, que está no grupo desde 2000. Em decorrência de complicações na hora

do parto, Cris apresenta algumas limitações em seus movimentos e em sua visão.

Ela frequenta o grupo uma vez por semana, quando tem liberação da escola onde

estuda pra praticar alguma atividade extracurricular. Assim que chegava ao CECO,

imediatamente procurava pelo Milton, e era perceptível a confiança que sente nele

(e claro, também o carinho mútuo), que a acompanha e a auxilia na execução dos

movimentos durante a primeira parte da prática, que é conduzida pela Helena.

Quando Milton assume condução do grupo, é Helena quem acompanha Cris, que

entre um movimento e outro, sempre chamava pelo instrutor. Ao final da prática,

quando normalmente era feita a meditação/relaxamento, Milton novamente ficava ao

lado da praticante, que em pouco tempo entrava no clima.

A segunda situação ocorreu durante minha entrevista com Helena,

quando Raimundinha chegou aflita, procurando pela instrutora para resolver um

problema: aluna da FUMEC há quatro anos em uma escola estadual do bairro, ela

foi avisada que precisaria trocar de turma, pois seu nome não estava mais na lista

de alunos. Estava preocupada com a mudança, pois sua professora – a Bia – além

de muito atenciosa, foi quem lhe ensinou a ler e a escrever, sempre paciente. Disse

que não queria trocar de professora e que se fosse assim, preferia parar de

frequentar as aulas. Então resolveu procurar Helena para perguntar sobre as aulas

que ocorrem no CECO, para saber sobre a professora, se poderia fazer essa troca

com segurança, já que, apesar de não conhecer a professora, achava que ela não

seria tão boa quanto à outra. Helena a abraçou e conversou calmamente, pedindo

Page 48: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

48

que ela fosse um dia pra conhecer a turma e a professora, fazendo boas

recomendações. Raimundinha ficou pensativa e perguntou sobre o passeio que teria

para Itu. Helena mostrou a data no calendário, explicando-lhe que faltavam algumas

semanas. Um pouco mais calma, Raimundinha comparou a situação da mudança de

turma com sua preferência por fazer passeios com a instrutora, ao invés de fazer

com uma moradora do bairro que organiza excursões: “É que nem com passeio.

Passeio eu só vou com a Helena”27.

Embora o Centro de Saúde II e o Centro de Convivência II sejam

equipamentos integrados, com a mesma coordenação, no imaginário dos

usuários/praticantes e até mesmo de alguns funcionários, são espaços distintos: não

só por estarem em prédios diferentes, mas principalmente pela diferença no

acolhimento e no cuidado produzido nesses lugares. A proximidade e a

pessoalidade que ocorre no CECO, na relação profissional de saúde/usuário, são

bem diferentes da impessoalidade que predomina as relações estabelecidas dentro

do CS. Conversando com os instrutores, uma queixa recorrente foi que os serviços

de atenção primária estão funcionando como um pronto atendimento, não

conseguindo priorizar atividades preventivas e de promoção à saúde. Além disso, o

próprio espaço físico do CS não favorece o trabalho com grupos, já que o prédio

está projetado para atendimentos individualizados, como consultas, vacinação e

outros procedimentos biomédicos.

Tais características corroboram para a desvalorização das práticas não

convencionais, que muitas vezes não são visibilizadas em seu potencial de cuidado

e de produção de saúde. Como relatado pelos próprios instrutores, suas atividades

muitas vezes são apontadas como “uma simples dancinha” por alguns profissionais

do CS. Desta forma, para eles, o baixo número de encaminhamento do centro de

saúde para as atividades oferecidas no CECO se dá principalmente por

desconhecimento do profissional, pois, ou eles não conhecem a grade de

programação das atividades oferecidas pelo serviço, ou simplesmente porque não

reconhecem as práticas corporais enquanto recurso terapêutico. Além disso, Helena

e Milton afirmaram ainda não ser incomum a marcação de reuniões durante os

horários dos grupos e até mesmo a suspensão das atividades em épocas de

27

Diário de Campo, 07/07/2015.

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49

epidemias de dengue ou outras doenças: as práticas corporais (e qualquer outra

atividade não convencional) não são priorizadas pelo serviço.

No campo das práticas corporais, o cuidado não se limita à atenção

biomédica, focada apenas na saúde física. Esta outra forma de cuidar acolhe e cuida

da pessoa e não da doença, deixando ver os limites do modelo biomédico de

cuidado, que fragmenta o indivíduo e assenta-se em um discurso do risco,

direcionado pela lógica da prevenção riscológica. Em um dos encontros, Milton

afirmou o CECO como um espaço de integração e que o MVE “não é atividade

física, é outra coisa”, pois a atividade estimula a harmonia. Completando sua

narrativa, falou então sobre os chakras e explicou o que era, afirmando que cada um

tem sua função – quando desalinhados e ocupando o lugar do outro, ocasiona um

desequilíbrio emocional que reflete diretamente na saúde.

No grupo de MVE do CSII/CECO não havia qualquer tipo de registro em

prontuários do serviço e os instrutores não faziam nenhum tipo de avaliação de

saúde dos praticantes. Havia apenas uma lista de presença, que era preenchida por

Helena, e um cadastro com informações pessoais de cada praticante, com dados,

por exemplo, sobre uso de medicação ou problema de saúde. Os instrutores

habitualmente explicavam para a turma sobre a proposta do MVE como uma

atividade preventiva, ressaltando a importância dos movimentos e de sair um pouco

do padrão do dia a dia, trabalhando a concentração, equilíbrio e lateralidade, a

coordenação motora, a percepção, a consciência de si, a interação com outras

pessoas e com o meio ambiente (natural e social), sentindo e experimentando o

próprio corpo. Em uma das práticas, Milton conduziu um trabalho onde explorou a

sensação de plantar os pés no chão “para adquirirmos consciência e percebemos

nossa energia, nosso amor e sabedoria”, passando esse exercício como “lição de

casa”.

O instrutor Milton procurava explorar as letras das músicas, trabalhando

tanto as emoções (medo, ansiedade, alegria, autoestima), como temas relacionados

a fatos históricos, cidadania e política, estimulando a autonomia, a participação

social e refletindo sobre o lugar que ocupamos no mundo. Uma vez, após um

período de greve dos servidores municipais, o instrutor usou este contexto para

conduzir uma reflexão – tanto mental, como corporal – sobre a música

“Guantanamera”, para falar sobre as mudanças no quadro socioeconômico do Brasil

Page 50: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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nos últimos vinte anos, as conquistas de movimentos populares e também sobre o

retrocesso na política atual. Com isso, afirmou nossa integração com o meio em que

vivemos e reforçou nossa capacidade enquanto coletividade e indivíduo. Em outro

momento, durante a meditação final, Milton falou para tomarmos consciência do

nosso corpo e, a partir disso, irradiarmos “luz para proteção das árvores das nossas

ruas e da nossa comunidade”, ressaltando nosso lugar no mundo.

Interessante notar que, quando o MVE era encerrado com relaxamento,

algumas praticantes iam embora nesse momento e algumas não se deitavam nos

colchonetes que eram distribuídos pelo espaço, ficando apenas sentadas na mureta,

em silêncio. Eu sempre fiquei curiosa sobre o motivo da “não adesão” ao

relaxamento, e aos poucos, durante a interação ao longo da permanência em

campo, fui descobrindo o motivo de não aproveitarem um momento que, para mim,

era tão gostoso: não perder hora pra arrumar o filho pra ir pra escola; aproveitar a

última meia hora da ginástica localizada, oferecida pela Prefeitura na praça de

esporte; ou simplesmente por terem dificuldade para realizar o movimento de

deitar/levantar por causa da labirintite ou de problemas na coluna.

Ao longo da pesquisa de campo, comecei a notar diferença na maneira

como os dois instrutores conduziam a prática e achei interessante perceber isso

através da intensidade dos movimentos, que refletia nas sensações que eu sentia no

meu corpo. Enquanto as músicas escolhidas pelo instrutor seguiam pelos gêneros

da MPB, New Age e Instrumental, a instrutora Helena selecionava principalmente

músicas do pop internacional. Tais escolhas diferenciavam o trabalho corporal

desenvolvido pelos instrutores: ao passo que os movimentos conduzidos pela

instrutora Helena tinham mais força e rapidez, os movimentos executados por Milton

eram mais leves e suaves. Ocasionalmente as praticantes também comentavam a

diferença entre os instrutores, pontuando que os movimentos da instrutora eram

mais cansativos e as músicas eram mais agitadas, enquanto que as músicas que o

instrutor escolhia eram mais calmas. Contudo, identificar esse padrão no trabalho

corporal de cada um dos instrutores não se trata de diferenciar de maneira

classificatória, mas diz respeito à oportunidade de poder experimentar e expressar o

que está incorporado e é trazido à consciência no movimento.

Geralmente eu era a primeira praticante a chegar e ficava conversando

com Helena sobre assuntos variados. Raimundinha também chegava cedo e sempre

Page 51: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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contava algo sobre sua infância e juventude no interior da Bahia, além de

costumeiramente pegar algum livro na biblioteca do CECO, pois dizia que, como

começara a estudar há pouco tempo, aproveitava para treinar sua leitura em livros

de História – de preferência aqueles que tinham “figuras de personagens famosos”,

segundo ela – e também de livros de orientação católica, que é a sua fé. Por duas

vezes me chamou para ajudá-la com a leitura e mostrar suas fotos favoritas,

justificando suas escolhas e relembrando lugares da Bahia por onde andou e

contando sobre os preconceitos que sofreu ao querer entrar em prédios históricos e

institucionais em Salvador. Dona Consuelo, outra praticante, também chegava cedo

e conversava bastante com Helena e comigo, seja para falar sobre suas dores no

pescoço e coluna (sempre apontando a região dolorida e mostrando o calombo em

seu ombro), reclamar dos motoristas de ônibus que servem o bairro ou para contar

fatos engraçados (principalmente sobre sua netinha ou sobre as fofocas dos

famosos que via na TV).

Conversando com as praticantes – informalmente ou durante as

entrevistas – não foi raro ouvi-las falar sobre o que aprenderam assistindo ao

programa “Bem-Estar”. Dona Consuelo, por exemplo, descobriu “o que era” sua dor

– nevralgia – ao ver um episódio onde um médico descrevia os sintomas, mostrando

as regiões afetadas. Ela mostrou confiança na descrição feita pelo profissional e me

demonstrou como sua dor irradiava e quais eram as consequências em seu corpo.

Contudo, mesmo se identificando com a explicação do especialista na TV e levando

sua queixa ao médico do Centro de Saúde, este não concordou com o diagnóstico e

continuou com o mesmo tratamento, recomendando ainda que ela parasse suas

atividades costumeiras (como o próprio MVE e as tarefas domésticas) para seguir

repouso absoluto. Isso a deixou contrariada, pois discordou do “não diagnóstico” do

médico e da prescrição, já que, para ela, “ficar deitada e entocada dentro de casa”

só faria a dor piorar. Assim, mesmo relatando alguma dor ou dificuldade para fazer

as tarefas domésticas e até mesmo para fazer o percurso até o Centro de

Convivência e realizar alguns movimentos, seguiu frequentando o grupo, fazendo a

prática no seu limite, muitas vezes apenas ficando sentada até o término da

atividade.

Dona Leila também ocasionalmente compartilhava o que aprendia com o

programa e contestava a recomendação médica de “repouso absoluto” por conta de

Page 52: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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um problema na coluna e seguia seu próprio tratamento, com base naquilo que ela

mesma sentia que lhe fazia bem ou mal. Numa de nossas conversas, disse que o

médico a proibiu de sair da cama, mas, para ela, isso só piorava sua dor e ficar

dentro de casa fazia com que ficasse “doente também da cabeça”, principalmente

porque sempre teve uma “vida ativa”. Então, para ocupar a cabeça e “continuar na

ativa”, fazia crochê. Além disso, resolveu, por conta própria, voltar para o MVE

depois de seguir a orientação médica por alguns dias. Neste dia, inclusive,

mencionou para Milton que ainda estava com dor na coluna, e por isso o instrutor

adaptou a prática para trabalhar apenas respiração, alongamento e relaxamento,

aliviando as dores que ela estava sentindo.

Durante o trabalho de campo eu tive duas lesões na pele que

comprometeram os movimentos dos meus braços, e por isso não consegui realizar a

prática durante um bom tempo. Nesse período, comuniquei aos instrutores e

praticantes que ficaria apenas sentada, pois eu não conseguia mexer os braços e

nem fazer nenhum tipo de força. Em um de nossos encontros, Dona Leila veio me

contar que tinha visto em um programa da TV Canção Nova sobre um problema de

pele parecido com o meu, e que então sabia o que era e o que eu deveria fazer pra

tratar: disse que se tratava de herpes, e que a neta também tinha tido. Recomendou-

me, então, um tratamento “bem simples”: passar tinta de caneta tinteiro no local da

lesão, pois isso faria o “cobreiro” desaparecer. Mais praticantes se juntaram a nós e

começaram a trocar simpatias e outros saberes, comprovando a eficácia através de

suas próprias experiências e argumentando sobre suas desconfianças acerca de

medicamentos industrializados.

Em minha entrada neste campo, Lúcia foi a primeira praticante que se

aproximou pra conversar comigo e se disponibilizar pra uma entrevista. Ela me disse

que no dia anterior estava justamente falando com sua irmã sobre a importância do

grupo para não ficar só em casa e conhecer outras pessoas, manter outros contatos

e que isso também era bom pra saúde, que a interação com o grupo era saúde. Os

passeios e as festas comemorativas organizadas pelo CECO eram datas muito

esperadas pelas praticantes, que sempre me falavam sobre os lugares pra onde já

tinham ido com o grupo. Durante a pesquisa de campo, foram organizados dois

passeios – o primeiro para o Hotel Fazenda Solar das Andorinhas, localizado em

Campinas, e o outro para Itu – além de uma festa para comemorar o dia das mães,

Page 53: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

53

que foi realizada no próprio centro de convivência. Além disso, acompanhei um

pouco os preparativos da excursão para a Praia Grande, que foi realizada em

novembro de 2015. Estive com a turma em dois destes momentos.

O primeiro foi na comemoração do dia das mães, num animado chá da

tarde com bingo, onde as convidadas levaram uma prenda e também algum quitute

para contribuir com a mesa da festa. Durante as duas semanas que precederam o

evento, os instrutores fizeram o convite para todas as praticantes, inclusive para mim

(mesmo não sendo mãe), pedindo que convidassem outras colegas de grupo que

não estavam presentes e que também contribuíssem com a doação de itens para as

premiações do bingo. Como eu estava na dúvida do que levaria, acabei perguntando

para Dona Cândida e pra Dona Cida, do grupo de Lian Gong, o que as meninas

costumavam levar e o que elas achavam mais interessante, para eu não errar na

escolha. As prendas sugeridas foram principalmente itens de cozinha, como

conjunto de potes plásticos, panos de prato e também coisas para uso pessoal,

como sabonetes e porta-moedas. Com base nas sugestões, acabei levando um par

de brincos e uma carteira artesanal, feita com um tecido estampado. Cerca de

quinze mulheres participaram do evento e Milton foi o locutor das rodadas do bingo,

“cantando” os números sorteados de maneira animada. Foi uma tarde divertida e

acabei sendo escalada pela Laura – Agente Comunitária de Saúde do CS II e que

também desenvolve atividades no CECO – para marcar a cartela de bingo de

Raimundinha, que se sentou ao meu lado e acabou me dando sorte, já que ganhei

três prêmios, fato que rendeu brincadeiras e vibrações das colegas de MVE e LG,

que acharam graça em minha animação, pois era a primeira vez que ganhava

prêmios em um bingo. Por fim, dividi os prêmios com Raimundinha, pois foi uma

forma que encontrei para expressar meu carinho por ela e retribuir sua companhia,

confiança e amizade.

O segundo momento “extra-prática” que acompanhei foi uma excursão,

realizada no final de julho, para o Camping Casarão e para a Casa de Chocolate, em

Itu/SP. Milton, Helena e Laura começaram a organizar o passeio dois meses antes,

com o planejamento da viagem, marcação da data e informes sobre valores e

condições de pagamentos. Aproximadamente quarenta pessoas participaram desse

passeio que durou o dia inteiro, com direito a três refeições, bingo, baile de

confraternização e uma animada quadrilha junina. Nessa viagem, minha

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companheira foi Raimundinha, que me convidou pra ir porque eu iria gostar, pois o

Casarão era “um lugar muito legal pra passar um dia diferente”. Porém, o mais

aguardado pela minha companheira era o baile, motivo principal para nunca perder

esse passeio – “Eu estou velha, mas estou bem. Não é porque eu tô com 89 anos

que não faço as coisas, eu vou porque eu gosto é de dançar”. Foi um dia bem

agradável e pude, de fato, aproveitar para conhecer lugares novos e reconhecer que

eu realmente não tenho muito jeito para dançar (sendo até repreendida por

Raimundinha).

A aproximação com o grupo, tanto na participação na festa de dia das

mães, quanto nos encontros semanais pra realização do MVE e também durante as

entrevistas, contribuiu para conhecer e compreender os significados e sentidos

atribuídos pelas praticantes para a prática corporal e para o grupo em si. Algo que

diz respeito, sobretudo, às escolhas e à permanência no grupo, e que se ligam ao

empoderamento e ao cuidado emancipador que são estimulados pela própria

prática: como por exemplo, o autodiagnostico de Dona Consuelo e sua discordância

com a prescrição médica; ou então Raimundinha, que mesmo achando que estava

muito magra e sua filha pedindo que então parasse de “fazer ginástica”, não quis

abrir mão de continuar praticando o MVE, afirmando: “eu venho porque tem as

meninas e eu me divirto”.

Isso também se expressava na insistência de Benê em continuar no

grupo, apesar de se mostrar incomodado com o fato de ser o único homem que

frequentava o MVE (o que às vezes o fazia pensar em desistir de ir), assim como em

afirmações de algumas praticantes como “música traz muita mudança, já melhorei

muito desde que comecei aqui” ou “se não fosse bom, a gente não viria aqui”, que

foram feitas durante uma das minhas apresentações sobre a pesquisa no grupo, no

momento em que eu convidei as pessoas para participarem das entrevistas,

explicando qual era o meu propósito com o roteiro de perguntas. Houve, também, o

dia em que Dona Leila não poderia ter ido ao MVE por que sua filha estava recém-

operada e sua neta estava passando por uma cirurgia naquele momento, mas,

mesmo preocupada com a situação, foi pra prática, a contragosto até mesmo do

marido. Escolher continuar a prática, mesmo com as recomendações contrárias a

isso feitas pelos profissionais ou por membros das suas redes sociais, é uma forma

de demonstrar autonomia e que o próprio praticante também é agente de promoção

Page 55: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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de saúde, desfazendo a ideia de que é apenas o médico que promove saúde. Afinal,

ninguém melhor do que a própria pessoa pra sentir o que lhe faz bem ou não.

Na finalização do trabalho de campo, fiz uma breve conversa com a

turma, agradecendo aos instrutores e praticantes por me aceitarem no grupo e por

compartilharem comigo suas histórias. Reafirmei a importância da oferta das práticas

integrativas no SUS, como algo que vai além dos aspectos físicos e entreguei

cartões de agradecimento às praticantes que participaram das entrevistas.

Lian Gong no Centro de Saúde I

As idas a campo no grupo de LG do CS I tiveram início em março de

2015, após o grupo retornar de um período de férias. A entrada no grupo ocorreu

com mediação de Silvana, coordenadora do serviço de saúde, que comunicou à

instrutora sobre minha pesquisa de mestrado, marcando um dia para acompanhar a

prática. Neste momento, me apresentei à Teresa, Agente Comunitária de Saúde e

instrutora de LG, que, posteriormente, me apresentou ao grupo e abriu um espaço

para que eu falasse sobre os objetivos da pesquisa e a forma como seria realizada.

O grupo tem acesso livre e a prática é realizada duas vezes por semana, às 3ºf e às

5ºf, das 08:00h às 09:00h no galpão de um clube particular, que está localizado

próximo ao CS. O espaço também é utilizado em outros horários para aulas

particulares de zumba fitness, de treinamento funcional e de ioga, além de festas,

bingos beneficentes e gravação de um programa sertanejo de uma emissora de TV

local.

A instrutora fez sua primeira capacitação em LG em 2005, assim que

começou a trabalhar no CS I28. Teresa me contou que, naquela época, o serviço

oferecia vários grupos desta prática corporal e que ao longo dos anos “eles foram se

perdendo”, restando apenas o seu, apesar de o CS ter outros profissionais de saúde

com capacitação em Lian Gong. O grupo tem em média 50 praticantes, sendo que a

maioria eram mulheres acima dos 45 anos. Sete homens frequentavam o grupo, e

cinco deles iam acompanhados de suas esposas. O grupo tem um perfil

socioeconômico bastante diferenciado dos outros grupos da pesquisa: um número

28

A instrutora explicou que, desde então, participou de alguns encontros para reciclagem de instrutores. Relatou também que no primeiro semestre de 2015 o curso de formação para novos instrutores foi suspenso pela Secretaria Municipal de Saúde por causa da epidemia de dengue na cidade.

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expressivo de praticantes tem formação superior completa, moram em condomínios

fechados de médio e alto padrão e possuem plano de saúde privado. Outra

diferença refere-se ao tipo de roupa usada pelos praticantes, que normalmente

vestiam roupa de ginástica, comuns em academias – tênis de marca, calça legging,

cabelo amarrado e tops que transpareciam através das camisetas (mulheres) e calça

de tactel (homens). Esse traje era bem distinto dos outros grupos, sobretudo o de LG

do CS II, onde a maioria das praticantes, geralmente as mais idosas, usava calça de

malha, saia (no caso das praticantes evangélicas), bermudão e calçavam sandálias

anatômicas, do tipo Usaflex.

Na minha primeira ida a campo, fui direto para o salão comunitário da

paróquia local, pois a coordenadora do CS havia me dito que era lá que o LG

acontecia. Entretanto, ao chegar, achei estranho o espaço estar vazio, pois faltavam

poucos minutos para o início da prática. Então, fui até a secretaria, onde me

informaram sobre a mudança de local. Chegando ao clube, identifiquei vários

praticantes, pois muitos deles estavam uniformizados com camisetas estampadas

que faziam alusão ao Lian Gong. Confirmei com eles se o local estava correto e

perguntei pela instrutora, que estava chegando e cumprimentou a todos, chamando-

os pelos nomes, abraçando um por um.

Esperei as pessoas falarem com Teresa e então me apresentei como

“aluna da Unicamp” e disse que havia marcado a visita com a coordenadora do CS.

Conversamos sobre a pesquisa e pedi autorização para realizar o trabalho de campo

enquanto pesquisadora-praticante. Teresa foi muito atenciosa e me perguntou se eu

conhecia o LG, apresentando-o resumidamente, e entregou uma cópia de uma

apostila com informações sobre a história e os objetivos da prática, bem como

desenhos que ilustram as três séries de movimentos do LG. Num primeiro momento,

Teresa ficou preocupada com a execução dos movimentos, achando que eu estava

ali para analisar e avaliar a prática em si29. Fiquei um pouco sem graça por ter

causado tal preocupação, mas ao final do encontro consegui contornar a situação e

explicar mais claramente a minha presença e como seria o trabalho de campo.

29

Durante a prática, Teresa se confundiu com um dos movimentos e pediu desculpas pra turma, dizendo que eu daria “nota 0” na minha avaliação. A turma riu, e eu disse que eu não tinha como avaliar, pois não era especialista no assunto e nem uma praticante experiente, reforçando meu objetivo com a dimensão social dos grupos de práticas corporais.

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Ao me apresentar para o grupo e contar os objetivos da pesquisa e forma

da minha participação, oito senhoras me olharam e vieram em minha direção falando

que eu estava no lugar certo, pois naquele pedaço (próximo ao palco) era o “canto

das festeiras” e contaram que adoravam uma boa conversa e que ali todas eram

amigas. Por esta receptividade, acabei ficando perto delas, o que não me impediu

completamente de me aproximar de outros praticantes. Nessa ocasião, Sílvia, uma

das praticantes “festeiras” espontaneamente me procurou para conversar sobre a

pesquisa e se colocou à disposição para uma entrevista, pois queria me contar sobre

a sua história com o Lian Gong (e não foi à toa que foi a primeira entrevistada).

Ao longo dos meses que passei com o grupo, Teresa foi muito solícita,

principalmente com a questão das entrevistas com os praticantes, sempre me

perguntando se eu já tinha entrevistado alguém, me recomendando algumas

pessoas e também me ajudando a convidar alguns homens para participarem da

pesquisa. Além disso, ela aceitou participar prontamente da entrevista, que foi

realizada no quintal do CS e durou uma hora.

Desenvolvi uma relação mais próxima com algumas praticantes, com as

quais me senti a vontade para conversar assuntos variados e também perguntar

sobre questões relacionadas ao grupo, assim como os efeitos do LG em suas vidas.

Entretanto, apesar de sentir afinidade com essas praticantes, esse não foi o único

requisito para escolher os entrevistados, tanto porque sabia de suas rotinas e

compromissos pós-prática (e não quis marcar um horário sabendo que isso poderia

atrapalhar suas atividades), como também percebi que o convite poderia causar

certo desconforto. No total, entrevistei quatro praticantes, sendo dois deles – Rubens

e Denise – indicados pela instrutora.

A entrevista com Rubens quase não aconteceu. Mesmo ele já tendo

aceitado o convite feito primeiramente pela Teresa, quando fui marcar o dia, ele ficou

reticente, pois não tinha entendido muito bem o motivo da entrevista e o porquê da

minha escolha (e insistência em entrevistá-lo). Expliquei pra ele sobre a pesquisa e

falei que seria interessante entrevistá-lo, já que ele representaria a ala masculina do

grupo. Algumas datas foram desmarcadas em cima da hora, mas na última tentativa

– que eu pensei que fosse fracassar por causa da chuva forte que caía e porque ele

teria um compromisso após a prática – o próprio Rubens sugeriu que fizéssemos a

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entrevista durante o LG. Fomos então para a portaria do Clube, onde foi possível

conversar sem que o som atrapalhasse a gravação da entrevista.

Quando Teresa me indicou Denise, disse que seria interessante

entrevistá-la, pois, além de estar no grupo há muito tempo, a praticante também

acabara de ser selecionada pela prefeitura para integrar um grupo de dança de

salão para representar a cidade no JORI - Jogos Regionais do Idoso. Além disso,

como ela é bem ativa no grupo – é uma das “assistentes” da instrutora, auxiliando os

praticantes novatos na execução dos movimentos – decidi entrevistá-la. A entrevista

durou cerca de meia hora e foi realizada na praça em frente ao Clube, já que o lugar

é fechado assim que a prática termina.

As outras duas entrevistas foram realizadas com Sílvia e Heloísa, duas

praticantes com quem desenvolvi uma relação mais próxima, já que desde o início

do trabalho de campo elas vieram conversar comigo, achando interessante o foco da

pesquisa. No caso de Sílvia, ela pediu para ser entrevistada já no primeiro dia, me

deixando bastante entusiasmada com sua espontaneidade e identificação com o

objetivo da minha pesquisa. Como eu ainda queria sentir o campo e compreender

um pouco mais sobre a dinâmica do grupo, esperei cerca de um mês para dar início

às entrevistas. A entrevista foi feita na praça em frente ao Clube e durou cerca de

uma hora. Após o fim da entrevista, ela me convidou para comer um pastel na feira,

onde conversamos por mais um tempo.

Convidei Heloísa, uma senhora que, logo no início do meu trabalho de

campo, puxou conversa comigo para perguntar sobre a pesquisa e minha formação.

Na ocasião, descobri que ela também é praticante de Movimento Vital Expressivo e

se mostrou muito sensível com as PICS, falado das suas experiências com médicos

que só sabem diagnosticar a doença e medicar, sem considerar as “emoções das

pessoas”. Relatou que precisou ficar em repouso por um período, por causa de um

problema de saúde, mas não aguentou ficar longe do grupo e voltou só pra ver o

pessoal. Falou também sobre seu marido – Seu José – que a acompanha no LG e

que se tornou praticante por causa dela, depois de muita insistência. Para ela, o

marido desenvolveu muita autonomia e confiança no grupo, tanto que, mesmo

durante sua ausência, ele não deixou de ir para a prática. A entrevista durou cerca

de uma hora e foi feita na copa do CECO, onde, nas tardes de segunda-feira,

Heloísa participa de duas atividades no local. Além disso, ela me presenteou com

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duas narrativas (ANEXOS E e F) que fez sobre sua relação com o MVE e o LG,

além de fotos que marcam momentos importantes junto a esses grupos.

Houve também uma “não entrevista”, que acho interessante mencionar

porque diz muito sobre a importância do grupo na vida dos praticantes. Durante a

entrevista com Teresa, ela me contou sobre a história de algumas praticantes,

explicando como “estar com o grupo” era importante para elas, e falou sobre Dora,

que começou a praticar Lian Gong após a morte do filho. Teresa sugeriu que eu

entrevistasse essa praticante, mas, sabendo dessa história, achei que seria algo

muito delicado e não me senti a vontade para fazer o convite à Dora. Passados

alguns dias, ela me procurou e disse que Teresa havia feito o convite para que

fizesse a entrevista comigo, mas se desculpou e disse que não conseguiria, pois sua

relação com o grupo tem a ver com perda e com luto. Então me contou sua história e

chorou, falando sobre a força e o acolhimento que encontrou no grupo e como que

isso a ajudou a amenizar o sofrimento. Eu apenas a abracei e disse que

compreendia e que não queria causar nenhum desconforto.

A interação entre o grupo – inclusive com a instrutora – é muito forte,

sobretudo porque muitos moram no mesmo condomínio e/ou frequentam os mesmos

lugares (clubes, igrejas, centro cultural, festas, academias, entre outros). Não era

raro ouvir algumas praticantes fazendo convites para festas da comunidade,

apresentações de dança, exposições de arte e até mesmo chamando uma às outras

para um café da manhã na padaria ou para comerem pastel na feira, que funciona

às quintas-feiras na praça em frente ao Clube. Eu mesma fui convidada em algumas

ocasiões, e em uma delas me aproximei de um casal de praticantes para perguntar

se eles conheciam meu pai, pois numa conversa com outra praticante, fiquei

sabendo que Gilson e Nadir haviam trabalhado na mesma empresa que ele. Foi uma

grata surpresa e pudemos conversar um pouco sobre esse ponto em comum.

Teresa aproveitava os momentos pré e pós-prática para passar informes

pontuais sobre vacinação ou outra ação de saúde pública do CS, eventos e

campanhas de entidades assistenciais da comunidade, além de comunicar sobre os

“passeios culturais” para cidades da região e outras viagens que ela promovia como

guia de turismo aos finais de semana. Durante o aquecimento, convidava

aleatoriamente alguns praticantes para fazer a contagem das repetições dos

exercícios, chamando-os pelos nomes, de modo que todos pudessem se

Page 60: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

60

(re)conhecer. Quando um novato chegava, ela apresentava para o grupo e

mencionava em qual bairro a pessoa morava, para que os praticantes se

identificassem também por este quesito.

Durante o período de trabalho de campo, foram realizados dois passeios

culturais – o primeiro, uma viagem com paradas em Socorro, Monte Alegre do Sul e

Morungaba; o segundo, para São Paulo. Além disso, também teve três festas: uma

feijoada para comemorar o Dia das Mães, o aniversário de sessenta anos da

instrutora e um café da manhã para celebrar o Dia dos Pais. Essas ocasiões

ajudaram a me aproximar mais de Teresa e também de outros praticantes, que se

mostraram interessados não apenas em saber mais sobre a pesquisa ou perguntar

se eu estava precisando de ajuda, mas em conversar assuntos diversos. Tive a

oportunidade de participar de três destes momentos.

Segundo um ofício do CS estes passeios e reuniões têm como objetivo

“estimular a convivência saudável entre os praticantes”, sendo momentos

importantes para a interação e sociabilidade entre eles. Em datas comemorativas

como aniversário do grupo, dia das mães e festas de final de ano, Dona Heloísa

sempre é convidada por Teresa para escrever alguma mensagem sobre a data, pois

ela é poetisa. Embora Heloísa geralmente não participasse desses eventos por

causa de um problema de saúde, ela sempre se engajava na missão, como uma vez

me contou: “eu faço isso como uma forma de retribuir todas as coisas boas que o

grupo me trouxe”.

A primeira viagem marcou a comemoração de dez anos do grupo de LG

do CS I e foi organizada a partir de sugestões dos praticantes, que escolheu fazer

paradas nas três cidades para aproveitar algum de seus pontos turísticos. Foram

passadas uma lista de presença e uma Nota de Esclarecimento (ANEXO G)

assinada pela coordenadora do CS, autorizando o passeio e isentando a

responsabilidade do serviço em caso de acidentes. Fui convidada por Teresa a

sentar-me com ela e ajudá-la a servir pacotes de biscoito salgado para a turma. Ela

me falou sobre sua relação com o LG e como foi terapêutico fazer essa formação e

poder desenvolver um trabalho em grupo, pois isso a ajudou a lidar com um

momento delicado de sua vida, quando seus filhos saíram de casa. Também me

contou sobre sua vinda pra Campinas e a trajetória profissional de seu marido, além

da sua preocupação e cuidados com sua filha, que mora no exterior. No vai e vem

Page 61: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

61

da conversa, também falei sobre algumas experiências pessoais, contando sobre

como fui parar na área da Saúde Coletiva e o meu interesse pelas práticas

integrativas e complementares em saúde.

Ao chegarmos a Socorro, fiquei pensando como faria minha observação

participante, pois o grupo se dispersou para fazer compras. Além disso, me senti um

pouco deslocada – eu ainda era novata na turma – já que não fazia nem um mês

que eu havia começado o trabalho de campo. Fiquei alguns minutos andando

sozinha, mas, já a caminho da primeira loja, algumas praticantes me abordaram,

perguntando se eu já conhecia a cidade e se eu estava gostando do passeio e da

turma. Sílvia me parou para conversar, pedindo que eu marcasse um “horário mais

tranquilo pra conversar”, sugerindo que eu preparasse um roteiro de perguntas, pois

queria que eu a entrevistasse. Combinamos então que faríamos a entrevista na

semana seguinte ao passeio.

Durante a viagem fui sabatinada pelo grupo. As pessoas me pararam para

perguntar se eu estava gostando dos lugares, para pedir opinião sobre compras, se

eu estava gostando da turma (até mesmo se estavam se “comportando bem”), do

que se tratava a minha tese, se eu tinha bolsa FAPESP, qual era a minha área de

formação, se o passeio estava sendo produtivo e se eu estava anotando tudo em

meu relatório. Inês, Regina e Amélia foram algumas dessas praticantes que se

aproximaram para saber mais sobre a pesquisa. Já Rosana e Cláudia passaram a

me chamar de colega e queriam saber o que eu estava achando do passeio.

Regina me chamou pra conversar e contou sobre sua carreira como

professora titular da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e me falou

sobre sua atuação como pesquisadora. Além disso, me perguntou se eu conhecia a

região por onde estávamos passando – o distrito de Visconde de Soutelo – e me

contou a história de sua família, que é daquela região. Na hora do almoço, Cíntia fez

um brinde e falou sobre a importância do grupo e dos vínculos de amizade, que são

difíceis de serem mantidos atualmente. Para ela, “o grupo virou extensão da família”.

Para não ficar sozinha, acabei me convidando para sentar junto com Sílvia e Regina,

que não recusaram o convite. A conversa se estendeu e me contaram sobre seus

netos.

A comemoração do Dia das Mães foi realizada na casa de Cíntia, uma

professora aposentada que está no grupo desde 2013, e foi cobrado um valor para

Page 62: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

62

custear os ingredientes da feijoada e o cozinheiro que foi contratado para cuidar do

almoço. Fui de carona com Denise e Rosana, já que a casa fica em um condomínio

fechado de difícil acesso para quem utiliza transporte público. O bingo não podia

faltar. Cada praticante levou uma prenda para contribuir com as premiações das

rodadas do bingo, e acabei levando um mini vaso de flor, já que não fazia ideia do

que levar. Como o ambiente estava dividido por mesas, interagi mais com Rosana e

Telma, com quem dividi uma mesa durante o almoço. Durante a festa, Teresa

demonstrou preocupação comigo, cuidando para que eu não ficasse deslocada,

perguntando se estava à vontade e se eu precisava de alguma coisa.

Conversei bastante com Rosana, que carinhosamente me apelidou como

“adolescente do grupo”, quando Rubens veio brincar comigo, dizendo que não

entendia porque estava no meio de tantos “velhos” e que eu deveria fazer pesquisa

no museu, já que gostava de coisa antiga. Ela me falou sobre as festas do grupo e

que às vezes não consegue participar de todos os eventos, pois geralmente cuida

da sua netinha. O assunto rendeu, e ela ainda contou que começou a desenvolver

ataques de ansiedade por causa desta tarefa, e que por isso precisou procurar

alguns médicos especialistas e passar por alguns exames. Entretanto, após o

cardiologista lhe receitar um ansiolítico, resolveu experimentar a acupuntura, pois,

ao ler a bula do medicamento, não concordou com a prescrição médica,

principalmente por causa dos efeitos colaterais.

Por fim, não ganhei nenhum prêmio no bingo, mas não saí da festa com

as mãos vazias. Mesmo eu não sendo mãe, fui presenteada – juntamente com as

praticantes que são mães – com uma rosa artificial e uma poesia escrita por Heloísa,

em homenagem ao dia. Também levei pra casa duas marmitas de feijoada, que

foram oferecidas pela dona da casa. Mas o mais importante do evento foi ter me

aproximado de Rosana, com quem ainda não tinha tido muito contato. Depois desse

dia, passamos a conversar com mais frequência, além de trocar figurinhas sobre

acupuntura, sobretudo depois que eu também comecei a fazer um tratamento com

Medicina Tradicional Chinesa na mesma clínica que ela, por causa das suas boas

referências.

Estive presente também na festa de aniversário da instrutora, que

aconteceu em julho. A comemoração ocorreu ao final da prática, no próprio Clube.

Muitos praticantes a presentearam, inclusive eu, que dei um vaso de flores. Além

Page 63: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

63

disso, Teresa foi homenageada com uma mensagem escrita por Heloísa, que

assinou em nome do grupo. Como já havíamos ultrapassado o horário do LG,

dividimos o espaço com uma aula particular de treinamento funcional, sem que isso

atrapalhasse a atividade ou impedisse que o grupo permanecesse no local para

aproveitar a festinha. Teresa serviu bolo aos que estavam no local e algumas

praticantes levaram comes e bebes para complementar a mesa. Foi uma

comemoração breve, pois a instrutora precisava voltar ao CS para cumprir suas

outras tarefas no serviço.

Como o Clube não possui convênio com o Centro de Saúde ou com a

Secretaria Municipal de Saúde, é cobrado uma taxa pelo uso e manutenção do local,

valor que é dividido entre os praticantes de maneira voluntária. Embora a

contribuição não fosse obrigatória, tal situação gerava algumas discussões no grupo,

já que durante muitos anos a prática foi realizada no salão paroquial e, por causa da

reforma no final de 2014, foi transferida para o Clube, para que a atividade não fosse

suspensa. Mesmo com o término da reforma, a maioria dos praticantes se declarou

contrária a voltar para o salão paroquial, por vários motivos. O que eu mais ouvi

falar, entre alguns praticantes, era que o espaço do Clube era maior e acomodava

melhor o grupo, que tinha em média 60 pessoas. Já para Dona Lia – uma senhora

por volta dos 70 anos, praticante habitual de Lian Gong – a decisão tinha a ver com

o padre: “Ninguém gosta do padre porque ele é bravo e fala muita coisa que as

pessoas não querem ouvir durante a missa, por isso não querem voltar lá pro salão.

Mas isso não tem nada a ver, a pessoa tem que ter religiosidade independente do

padre.”.

Durante o trabalho de campo, esse impasse adquiriu novos contornos –

mais conflituosos e delicados – quando Teresa recebeu a notícia de que havia sido

denunciada no CS por uma mulher que a acusou de estar cobrando R$10 dos

praticantes. No dia seguinte à denúncia, a instrutora reuniu os praticantes para

contar o caso, se defendendo e alegando que havia explicado ao grupo que a

condição para a permanência no Clube seria pagar a taxa de manutenção, o que foi

consentido mediante votação. Esse episódio causou um grande rebuliço30, onde

30

Comentários como “tem que ter pena dessa pessoa!”, “que ignorância!”, “então vai fazer lá na chuva!”, “que falta de espírito!”, “o centro de saúde tem que entender que não tem outro jeito” e “eu fico muito revoltada, vai pagar uma academia por mês então” se destacaram em meio às reações sobre a denúncia.

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todos saíram em defesa de Teresa, embora alguns comentassem, reservadamente,

que divergiam da escolha em continuar no Clube31. Apesar de uma das praticantes

ter sugerido que redigissem um ofício para formalizar a concordância do grupo com

o rateio da taxa, Teresa preferiu não levar a questão adiante, “para não criar mais

confusão”.

Neste contexto, vale a pena debruçar sobre esta situação e apresentar

algumas questões que surgiram a partir desta tensão sobre o espaço. Segundo

Teresa, muitas pessoas do grupo são católicas (inclusive ela) e frequentavam

assiduamente as missas e outras atividades da paróquia, o que justificaria alguns

praticantes preferirem voltar para o salão paroquial, que durante muitos anos abrigou

o grupo. Ou, até mesmo sair do grupo, como fez sua denunciante. Entretanto, para a

instrutora, a mudança do local contribuiu para desvincular o LG da igreja – pois tinha

praticantes que achavam que a paróquia que oferecia a prática – e para que não se

sentisse mais cobrada em convocar o grupo para ajudar nos eventos organizados

pela igreja, como retribuição pelo uso do espaço. Além disso, afirmou que ouvia

muita reclamação por causa do gasto com energia, água e limpeza, já que nada era

cobrado pela utilização do salão32. Diante deste impasse, a instrutora concluiu: “a

pessoa tem que vim pra prática, independente do espaço, independente da religião”.

Mas, embora Teresa considerasse que a mudança de local da prática

contribuíra para desassociar a ideia de que o LG era oferecido pela paróquia, isso

também não contribuiu para que o LG fosse visualizado como uma atividade do CS.

Conversando com algumas pessoas, verifiquei uma situação bem curiosa (e um

tanto quanto ambígua). Apesar de a instrutora ter feito o Cartão SUS para cada

praticante e destes terem que assinar a Nota de Esclarecimento em todo passeio

com o grupo, muitos não sabiam claramente que o Lian Gong era um serviço do CS

31

Uma das praticantes sugeriu então dar “tipo um dinheiro de dízimo” para que o grupo pudesse voltar para o salão paroquial. Teresa respondeu: “Pela votação nós vamos continuar aqui. A gente pode até ver, mas eu não acho justo, sabe por quê? A maioria aqui é católica, já contribui com o dízimo, então a comunidade já ajuda de alguma forma”. 32

No dia desta confusão, eu esperei Teresa sair do clube para ir com ela até o Centro de Saúde e conversar mais sobre a situação. Ela confessou que se sentia pressionada por funcionárias da igreja a contribuir com as festas da comunidade, como uma moeda de troca por utilizar o salão sem pagar aluguel. Mesmo sendo católica – “apesar de não frequentar mais as missas” – pra evitar tal desconforto, Teresa relatou que “se sentia melhor” conduzindo o grupo no Clube, mesmo que fosse cobrado. Para ela, a cobrança não interferia no grupo porque muitos deles tinham “boas condições financeiras”. Perguntei então se havia algum convênio do CS com a Paróquia ou se havia algum acordo para o uso do salão. Ela disse que sempre houve essa parceria, pois a instituição religiosa está localizada no território do serviço e também é considerada um espaço comunitário. (Diário de Campo, 02/07/2015).

Page 65: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

65

e nem a profissão de Teresa. Um dos praticantes, inclusive, me falou que admirava

o trabalho da “líder do grupo”, pois acreditava que a instrutora realizava o grupo de

forma voluntária. Essa confusão acerca do funcionamento do serviço se deve

principalmente por um distanciamento entre o grupo e o CS, já que a maioria dos

praticantes eram usuários do sistema privado de saúde e desconheciam a dinâmica

do serviço público.

Mas outras questões também afetavam o grupo: segundo Teresa, para a

prática do LG, o ideal seria que tivesse um instrutor para cada 12 alunos. Como a

turma é muito grande, seria preciso ao menos mais duas pessoas prestando apoio à

instrutora, que me revelou que já tinha feito essa reinvindicação à coordenadora do

serviço e também nas reuniões do Distrito de Saúde Leste, mas que nenhuma

solução fora tomada. Segundo ela, embora não fosse a única funcionária capacitada

em LG, os outros profissionais habilitados não demonstravam mais interesse pela

formação de novos grupos. Essa foi uma queixa recorrente em nossas conversas,

principalmente porque ela se sentia responsável pelo grupo e pela execução correta

dos movimentos, para que os benefícios da prática fossem realmente alcançados.

Como medida alternativa, Teresa contava com o apoio de “assistentes de solo” – em

média cinco praticantes que estavam no grupo pelo menos cinco anos orientavam

novos praticantes com as posturas e com as séries de exercícios. Além disso, havia

também três “assistentes de palco” que ficavam ao lado da instrutora durante a

prática, ficando de costas para o grupo, de modo que os praticantes não

confundissem pra qual direção (esquerda/direita) os movimentos deveriam seguir.

Ainda assim, durante a prática do LG Teresa descrevia-os passo a passo, ficando

atenta principalmente aos praticantes novatos, para auxiliá-los quando necessário.

Outro problema era o aparelho de som, que apresentou muitos defeitos

no seu funcionamento, mas, embora fosse um instrumento de trabalho essencial

para a condução da prática, não estava previsto como material de consumo do

serviço de saúde, impedindo a compra de um novo aparelho. Inclusive, o rádio que

estava em uso tinha sido adquirido através de uma “vaquinha” feita pelos

praticantes, já que o anterior foi roubado dentro do salão paroquial, onde ficava

guardado na época em que a atividade era realizada neste espaço. Tanto Carlos,

instrutor de MVE do CS I, quanto Teresa, me falaram que a falta de verba era um

problema comum a outros grupos de práticas corporais. Assim, já houve casos em

Page 66: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

66

que a compra de novos aparelhos de som dependeu da venda de rifas de pizza,

fabricadas voluntariamente pelos praticantes, instrutores e outras pessoas da

comunidade. Assim, também era comum a realização de bazares para a aquisição

de novos materiais para os outros grupos do CS e do CECO.

No meu último dia em campo, o aparelho de som queimou, pois havia

sido ligado na tomada errada, já que a que era utilizada, não estava funcionando

corretamente. Esse foi o maior “mico” que eu paguei durante a pesquisa de campo.

Como eu havia sido nomeada pela instrutora como “ligadora” oficial do rádio, mas só

ia a este grupo uma vez por semana, não sabia que teria que utilizar outra tomada

de 110v para ligar o aparelho. Pela tomada não estar funcionando e por achar que o

som era bivolt, liguei na tomada de 220v e imediatamente a música começou a

tocar. Como Teresa ainda não havia chegado, eu pausei o CD e fui conversar com o

pessoal. Quando ela chegou, fui dar o play, mas o rádio já estava desligado.

Estranhei e falei que estava funcionando quando liguei, mas ao mostrar a tomada,

Teresa me contou que o aparelho era 110v. No mesmo instante, duas praticantes

correram até suas casas – próximas ao clube – e trouxeram aparelhos para que a

atividade não fosse suspensa. Eu pedi desculpas, assumi meu erro e me

comprometi a pagar pelo conserto (ou por um novo), mas o grupo entendeu que não

era minha culpa, dizendo que eu não deveria arcar com a despesa sozinha e me

isentaram até mesmo de participar de uma vaquinha para arrecadar o valor

necessário, já que eu estava encerrando o trabalho de campo naquele dia.

Apesar do incidente, o encerramento foi um momento de expressões de

carinho e apoio. Ao final da prática, muitas pessoas ainda ficaram por mais alguns

minutos para nos despedirmos e para me ouvirem falar sobre o andamento da

pesquisa, onde contei sobre minha participação no Congresso de Saúde Coletiva e

sobre a importância das práticas corporais serem oferecidas no serviço de saúde

como uma atividade de promoção à saúde. Teresa completou minha fala, afirmando

que a amizade era um dos principais benefícios do Lian Gong, além de ser uma

forma de cuidar da saúde e de promover bem-estar. Algumas praticantes interagiram

comigo, reafirmando a importância da prática para elas e sobre a autonomia em

relação às prescrições médicas. Aproveitei também para convidar a turma para a

defesa do Mestrado e me pediram para avisar quando marcasse a data, pois

gostariam de prestigiar e conhecer os resultados da pesquisa. Por fim, agradeci o

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acolhimento do grupo e presenteei as pessoas que participaram das entrevistas com

um cartão artesanal, em gratidão à participação no meu trabalho.

Alguns meses depois, encontrei Teresa no ônibus e perguntei sobre o

novo aparelho e se o antigo tinha sido consertado. Ela me respondeu que na

semana seguinte ao incidente, Seu Duda – mais um dos praticantes – comprou um

rádio para doar ao grupo, mas que a turma acabou decidindo dividir a despesa. Já o

aparelho antigo foi consertado e deixado como reserva, caso algum outro aparelho

viesse a parar de funcionar. Nessa ocasião, aproveitei para me desculpar

novamente e perguntar como o grupo estava. Teresa então me pediu para aparecer

e “dar um oi pro pessoal” e me convidou para ir ao último passeio do semestre, que

novamente seria em São Paulo, e também para a confraternização de final de ano,

na casa de uma das praticantes.

Lian Gong no Centro de Saúde II

As idas a campo no grupo de Lian Gong (LG) do Centro de Saúde II

(CSII) tiveram início em março de 2015, após contato prévio com Helena, Agente

Comunitária de Saúde e instrutora de LG e Movimento Vital Expressivo. O grupo foi

formado em 2003 e se encontra às 2ºf e 4ºf, das 08:00 às 09:00, e para participar

não é necessário que a pessoa seja encaminhada por um profissional de saúde. A

instrutora não faz nenhum tipo de avaliação de saúde, apenas marca o registro da

presença e mantém um cadastro das praticantes, onde são registrados dados para

contato e o número do cartão SUS.

A prática é realizada no galpão do Centro de Convivência Integrado de

Cultura, Esportes e Lazer do bairro, equipamento público de lazer da Secretaria

Municipal de Esportes e Lazer, e está localizado próximo ao Centro de Saúde, do

Centro de Convivência e do centro comercial. As praticantes se referem ao local

como “sede de esporte” ou apenas “sede”. O espaço é bem arborizado e tem

também um campo de futebol e um pequeno jardim, com bancos de concreto e

alguns canteiros de flores. É nessa praça que as praticantes ficam até o galpão ser

aberto, aproveitando para colocar o papo em dia.

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68

Helena inicia a prática com o “Treinamento Perfumado”, um tipo de Qi

Gong33 (pronuncia-se Ti Kun) e em seguida executa as partes 1 e 2 do LG. Durante

a prática não há nenhuma interação entre as praticantes e é realizada em silêncio:

salvo no pequeno intervalo entre uma seção e outra, onde as praticantes saem do

centro do salão para sentarem nas cadeiras que ficam próximas às paredes do

galpão para descansarem e conversarem um pouco mais. Helena pouco fala durante

a execução dos movimentos, tentando ser fiel ao que foi ensinado no curso de

formação – deixar o corpo reconhecer e compreender o movimento, sem que se

fique falando ou ditando as sequências. Possui formação em LG desde 2003 e

periodicamente participa de encontros de supervisão com a equipe que capacita os

profissionais de saúde do SUS. Sua principal preocupação, tal como da instrutora

Teresa do CS I, é quanto à execução correta dos movimentos e das posturas das

praticantes, reclamando também sobre a falta que faz uma profissional do CS que

desempenhe papel de assistente, auxiliando, sobretudo, na correção dos exercícios.

Além dos grupos de MVE e LG, e de outras funções como Agente

Comunitária de Saúde, Helena também participa como monitora na aula de dança e

no grupo de violão, ambas as atividades realizadas no Centro de Convivência do

território do CS II. Possui também capacitações em vários tipos de Qi Gong

(obesidade, lavagem da medula), meditação, Shiatsu, além da formação completa

no Sistema Rio Abierto. Apesar de suas formações e de querer oferecer outras

práticas corporais para a comunidade, sua agenda no centro de saúde não permite

que a instrutora desenvolva mais atividades. Além da falta de tempo para ofertar

outras técnicas, afirmou que falta estrutura para aplicar algumas práticas, apontando

essas limitações como negativas para seu trabalho com a comunidade, que deixam

de ter acesso a outros serviços para o cuidado com a saúde. Para Helena, a busca

por tais formações se justifica pela possibilidade de poder trabalhar com grupos, pois

vê muito potencial neste tipo de trabalho.

Apenas mulheres frequentam o grupo, embora seja aberto também para

os homens. Tem muitas senhoras com mais de 70 anos no grupo, e elas são as que

chegam mais cedo, para “ver as meninas e conversar um pouco, se divertir”, como

33

Segundo Helena, existem mais de dois mil tipos de Qi Gong. O treinamento perfumado regula o Qi (sopro vital) e fortalece as funções dos órgãos e dos meridianos, cultivando a harmonia entre o homem e a natureza. São trinta movimentos simples, suaves, coordenando movimentos entre os membros superiores (mãos e braços), com os membros inferiores (quadril e joelhos).

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69

me disse uma vez Raimundinha, de 89 anos. A convivência e a amizade se

estendem para além dos momentos da prática, seja na ida ao mercado após a

prática, ou nos encontros em festas comemorativas, bingos comunitários, excursões

e passeios promovidos pelo CECO. Esses eventos foram constantemente apontados

pelas próprias praticantes como essenciais pra fazer amizades (ou fortalecê-las) e

sair da rotina, sempre com muita animação34. Além disso, me foi revelado durante

algumas conversas que é comum que as amigas “mais chegadas” frequentem as

casas uma das outras para um café da tarde, quando a dura rotina de casa dá uma

brecha.

É interessante notar que as praticantes – inclusive eu – sempre ocupavam

o mesmo lugar no salão durante a prática. Geralmente a escolha pelo lugar era por

afinidade com as pessoas ao redor ou por se sentirem mais confortável para a

execução dos movimentos (ou perto do palco, para que Helena pudesse corrigir os

movimentos, ou distante do palco, por vergonha de ficar próximo da instrutora e na

linha de frente do grupo). Isto também ocorria em outros grupos da pesquisa, mas foi

neste grupo que percebi de maneira mais marcante. Desde o meu primeiro dia no

grupo, observei que a escolha não era aleatória: ao início da atividade, as

praticantes iam se encaminhando aos seus lugares de acordo com os grupinhos de

conversa que eram formados ainda nos momentos “pré-prática”. Por causa disso, eu

esperava que todas as praticantes ocupassem seus lugares, para só depois

escolher o meu, de modo que eu não interferisse na dinâmica espacial. Sendo

assim, mantive um lugar fixo durante toda minha permanência no grupo.

A minha localização e o fato de chegar cedo contribuíram para minha

interação com algumas praticantes e serviram de estratégia para convidá-las para as

entrevistas. Helena também contribuiu com essa etapa, principalmente quando

informou ao grupo que eu havia iniciado as entrevistas “sobre as amizades no

grupo”, momento no qual fui cercada por dez mulheres, interessadas em contribuir

ou saber mais sobre a entrevista. Não foi possível entrevistar todas as praticantes

que me procuraram neste dia, pois já tinha entrevista marcada com a Dona Odete,

mas achei esse retorno significativo, já que seria uma forma de poderem falar sobre

34

Como o Lian Gong e o Movimento Vital Expressivo são oferecidos pelo mesmo serviço de saúde, os eventos

contemplavam os dois grupos. Durante a pesquisa de campo, foram organizados dois passeios – o primeiro para o Hotel Fazenda Solar das Andorinhas, localizado em Campinas, e o outro para Itu – além de uma festa para comemorar o dia das mães, que foi realizada no próprio centro de convivência. Estive com a turma em dois destes momentos.

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aquilo que ninguém pergunta e que foge dos objetivos clínicos da racionalidade

biomédica. Por fim, eu convidei cinco praticantes para a entrevista, mas foram

realizadas quatro entrevistas.

A primeira entrevistada foi Dona Odete. Foi com ela que eu puxei papo

logo no primeiro dia em campo e foi muito receptiva comigo, sempre disposta a

conversar. A entrevista foi feita após a prática, e aconteceu em dois ambientes: a

primeira parte foi realizada no galpão da Sede, e precisou ser interrompida, pois o

funcionário teria que sair e fechar o espaço. Dona Odete então sugeriu que

fôssemos até o centro comercial, pois ali havia alguns bancos de concreto onde

também poderíamos ficar a vontade. Durou cerca de meia hora e depois que

encerramos, ainda ficamos alguns minutos conversando, pois ela me contou sobre o

casamento da sua neta e me perguntou se eu tinha planos para casar.

Dona Olímpia foi a segunda entrevistada. Eu a convidei depois de uma

conversa que tivemos no momento pré-prática, quando ela me perguntou se eu

havia me inscrito para o grupo de yoga, que começaria naquele mesmo dia, na parte

da tarde. Como eu não sabia sobre o grupo, perguntei onde seria realizado e se ela

participaria. Ela me explicou sobre a professora voluntária e disse-me que, embora

não conhecesse os exercícios, faria yoga porque tinha visto na TV que a prática era

indicada para tratar dores nas costas e que era boa para relaxar, mas o que

importava mesmo era “trabalhar a mente”. A entrevista foi feita em duas etapas: a

primeira, no momento pré-prática, no jardim da Sede e, posteriormente, ao final do

LG, dentro do galpão. Durou pouco mais que vinte minutos e, quando terminou, nós

fomos embora juntas. Quando chegamos a sua casa, elogiei o jardim e ficamos mais

alguns minutos conversando sobre as flores e sobre a festa em comemoração ao

Dia das Mães do Centro de Convivência, cuja data estava próxima.

A terceira entrevista foi com a praticante Rosa, que é mãe da instrutora.

Nós sempre chegávamos juntas, cerca de quinze minutos antes da prática, e

conversámos bastante. Os assuntos geralmente variavam sobre a situação da

política atual, as dificuldades que ela geralmente enfrentava para sacar o dinheiro da

sua aposentadoria, algumas lembranças da sua infância, além de costumeiramente

me ensinar algumas receitas de chás para todas as ocasiões. A entrevista foi feita

dentro do galpão, após a prática e durou cerca de meia hora. Dessa vez, teve uma

pequena participação do Zecão, funcionário da Prefeitura que trabalha na Sede e

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que conhecia bem as praticantes de LG: como ele estava por perto, Dona Rosa o

chamou enquanto me contava sobre o grupo de caminhada que era oferecido por

um professor de educação física que realizava algumas atividades na Sede. Ele deu

risada e disse que era o time das “maritacas”, pois as senhoras que participavam

dessa atividade não paravam de falar. Quando terminamos a entrevista, Dona Rosa

e eu fomos conversando até o centro comercial, onde acabei descobrindo que ela

também já tinha sido do time de vôlei adaptado da prefeitura, que era oferecido na

sede de esportes.

A última entrevista foi com Célia, que, embora não tivesse muita

proximidade, me chamou atenção não só por causa da sua animação e simpatia,

mas também por ser uma das praticantes mais novas da turma. Ao final da

entrevista, ela disse que achou a forma como a entrevista foi feita interessante, pois

no início pensou que o Termo de Consentimento fosse um questionário que

responderia em casa, de forma individual. Eu agradeci sua disponibilidade e disse

que com a entrevista eu me sentia mais próxima das pessoas e que era uma forma

de interagir e trocar ideias com as praticantes. Para ela, a entrevista “foi melhor

assim”, comigo fazendo as perguntas e explicando algumas questões, pois, desse

jeito, ficava “mais fácil de entender”.

Mesmo após ter realizado as quatro entrevistas, eu convidei também

Dona Jussara, que é amiga de longa data da Dona Rosa. Eu fiquei curiosa para

saber mais sobre sua história depois que Dona Rosa me disse que as duas jogaram

vôlei juntas e que eram companheiras nos passeios e viagens organizadas pelo

Centro de Convivência. Como a pesquisa de campo já estava entrando na fase final,

não conseguimos combinar uma data boa para a entrevista. Mesmo assim, o convite

ajudou a me aproximar mais dela, já que no começo eu não sentia muita abertura

por parte da Dona Jussara. Depois disso, ela passou a me tratar carinhosamente,

me abraçando bem forte e fazendo algumas brincadeiras comigo. Foi a partir deste

momento que eu me senti, de fato, pertencente ao grupo, embora eu já tivesse um

forte vínculo com outras praticantes.

Durante conversas com a instrutora e com as praticantes – e também

durante minhas observações – foi notável o seu envolvimento e vínculo com as

praticantes, estabelecendo assim uma relação de proximidade e confiança, tanto

que muitas praticantes frequentam o grupo desde sua formação e disseram estar ali

Page 72: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

72

por causa da Helena. Observei esse envolvimento em diversas situações, mas uma

delas me chamou mais a atenção: foi quando Helena, mesmo com dengue, assumiu

o grupo para não deixar as praticantes desassistidas, já que não havia nenhuma

profissional para substitui-la. O seu comprometimento não era apenas com a

atividade em si, mas com o grupo, com as praticantes. Esse envolvimento ficou

evidente também quando Helena comunicou o falecimento de uma praticante, que

havia se afastado do grupo há quase um ano, por causa de um problema de saúde.

A instrutora estava muito emocionada e pediu para que nós fizéssemos uma prece

para essa senhora, falando que ela tinha virado um espírito de luz que olharia pelo

grupo. Nessa ocasião, algumas praticantes relembraram os bons momentos que

tiveram com essa pessoa, inclusive Marta, que veio me contar que essa senhora

tinha ensinado a fazer arroz de um jeito mais fácil, compartilhando a receita comigo.

Outra situação que expressou essa relação da instrutora com o grupo foi

quando Helena justificou algumas ausência por causa de uma série de reuniões

marcadas pelo Distrito de Saúde, bem no horário da prática, onde falou, de maneira

muito afetuosa, sobre o quanto gostava de estar ali, com as praticantes, e o quanto

sentia falta do grupo quando precisava se ausentar. Aproveitou para falar sobre o

início da greve dos servidores municipais, e que iria aderir ao movimento, pois as

Agentes Comunitárias de Saúde estavam com suas tarefas aumentadas, tendo que

realizar funções de zoonose, como caçar ratos e baratas e subir em caixas d’água

para fazer controle de dengue. A turma a apoiou, compreendendo a situação e a

incentivou a reivindicar seus direitos, manifestando insatisfação em relação à gestão

municipal.

Apesar de não morar no mesmo bairro ou que eu fosse muito mais nova

que as praticantes, esses fatores nunca chegaram a causar um estranhamento ou

ser um impedimento para que nos aproximássemos e conversássemos sobre

diversos assuntos, tanto sobre os problemas do Centro de Saúde, receitas de

remédios caseiros, a relação entre a prática corporal e a melhora na saúde física e

emocional, na bagunça que a reforma numa importante avenida do centro da cidade

estava causando aos pedestres, sobre o conteúdo do programa da TV Globo “Bem

Estar” e até mesmo sobre questões mais delicadas e pessoais, como lutos, filhos,

netos e tarefas de casa.

Page 73: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

73

Dona Odete, por exemplo, começou a me falar sobre seu problema na

coluna, o qual a fez ficar internada por muito tempo e que agora exigia que fizesse

acompanhamento médico e tratamento com fisioterapia. No começo, ela tentou

negociar a necessidade de fazer fisioterapia com a médica, já que fazia o Lian Gong

regularmente, mas a profissional negou essa possibilidade, alegando que o LG era

“apenas uma ginastiquinha”. Apesar de aderir ao tratamento e “tentar fazer aquele

monte de repetição chata”, Odete contestava os exercícios e fazia ressalvas em

relação ao fisioterapeuta, que sempre media sua pressão ao fim das sessões:

“Ah, aquele fisioterapeuta não sei não, parece que não sabe das coisas. Acabo de fazer aqueles exercícios e fico cansada, ele já vem tirar pressão e é claro que vai dar alta. Na próxima vez eu vou falar pra ele esperar. Porque não é, menina? No postinho quando a gente vai, eles esperam a gente descansar um pouquinho”.

Mesmo tendo esclarecido minha identidade de pesquisadora desde o

primeiro dia, isso não impediu a aproximação de uma senhora que, uma vez,

conversou comigo por mais de uma hora, desabafando sobre sua situação. Antes da

prática, ela me contou sobre seu cardiologista, um médico “muito humano e

sensível”, que a cercava de muitos cuidados e que a compreendia mais do que seus

próprios filhos. Conversamos tanto que quase perdemos o começo da prática, e eu

precisei avisar que o LG já tinha começado. Quando terminou, eu esperei pela

minha interlocutora para me despedir com um abraço. Fomos embora juntas, e

conversamos por quase uma hora em um dos corredores do centro comercial. Eu

fiquei muito comovida com seu desabafo, e, como ela me pediu, acabei dando

alguns conselhos, mas principalmente a empoderando para resolver seus conflitos

com a filha, que não queria mais que a mãe morasse sozinha por causa da idade.

Além disso, relatou que se sentia muito isolada em casa, pois tinha dificuldades no

relacionamento com as vizinhas e que por isso começou a praticar o Lian Gong, pois

era um ambiente onde se sentia acolhida, sem julgamentos. Nesse dia, fui embora

pensativa, realmente tocada pela conversa.

Como eu tive duas lesões na pele que comprometeram os movimentos

dos meus braços, não consegui realizar a prática durante um bom tempo. Nesse

período, comuniquei que apenas ficaria sentada, pois não podia fazer força.

Aproveitei então para observar minhas colegas realizando os movimentos,

concentradas, sempre em silêncio. Era gostoso ouvir a música do Treinamento

Perfumado e do Lian Gong e sentir a calmaria e a harmonia do ambiente. Mas

Page 74: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

74

algumas senhoras ficaram curiosas, querendo saber se eu já tinha um diagnóstico

médico e o que eu estava fazendo para tratar, demonstrando preocupação com as

dores que sentia e com a limitação dos meus movimentos. Expliquei que não havia

um diagnóstico, apesar de ter feito vários exames, e falei que estava fazendo

tratamento com acupuntura e que isso estava me fazendo muito bem, pois eu estava

menos ansiosa.

Dona Olímpia foi uma das senhoras que se identificou com o tratamento,

falando que também já tinha feito e gostado muito do resultado. Outras me

perguntaram onde eu fazia acupuntura e como era, pois também queriam

experimentar (“é aquela das agulhinhas, né?”). Uma vez Marta se aproximou e pediu

para ver a mancha. Disse que era muito parecido impingem, e que na roça era

curada apenas com uma simpatia, que aprendera com sua tia. Ensinou-me passar

caneta tinteiro em volta da lesão (e Dona Olímpia acrescentou que junto deveria

fazer uma oração que sua vó ensinou-lhe) ou então encostar um palito de fósforo

com a cabeça queimada em cima da impingem. Falei que eu já havia experimentado

a simpatia da caneta tinteiro e que não tinha dado certo, e me afirmaram que então

eu deveria estar com outro tipo de problema, já que essas simpatias nunca falharam

quando moravam na roça.

No meu último dia em campo, pedi um espaço para Helena, para que eu

pudesse falar sobre a etapa da pesquisa e finalizar o trabalho em campo. Despedi-

me das praticantes e entreguei cartões de agradecimento pelo acolhimento e

participação na pesquisa para as minhas interlocutoras. Quando estava me

preparando para ir embora, uma senhora, que pela primeira vez tinha ido ao LG,

veio conversar comigo, me perguntando sobre a prática, pois queria falar para seu

filho sobre a atividade para a qual o médico do CS a encaminhou. Pediu então que

eu escrevesse em seu celular a palavra “lian gong” e como era a pronúncia, para

que o filho pudesse procurar na internet. Ao falar um pouquinho mais sobre a origem

e os fundamentos da prática, ela perguntou se mexia também com as emoções e

começou a chorar, falando que estava com depressão e que durante os movimentos

havia sentido “algo muito bom” em seu coração e em sua mente, “como se fosse

uma energia gostosa”. Eu a abracei e incentivei a seguir no Lian Gong, contando

sobre os benefícios que eu tive com a prática em si e com o acolhimento do grupo.

Page 75: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

75

É impossível não se envolver e desenvolver afeto com as pessoas que

conhecemos no trabalho de campo. São senhoras que interagiram

espontaneamente comigo e que trouxeram suas histórias para alguém que mal

conheciam. Ao me relacionar com elas, pensava principalmente na minha avó

materna, com quem convivi durante minha infância e adolescência. O carinho que eu

sinto pelas praticantes, reativava o carinho que eu tenho pelas minhas avós. O

campo pode nos afetar de várias maneiras.

Práticas Corporais e o Modelo de Cuidado de Intersociabilidades

Embora o que organize a racionalidade da medicina ocidental

contemporânea seja a classificação binária, fundamentalmente, orientada pela lógica

do “normal e patológico”, as práticas corporais desenvolvidas na Atenção Primária

em Saúde reorientam este modelo, a partir da introdução de elementos de outras

racionalidades de cuidado. Assim, é possível afirmar que o modelo de cuidado das

práticas corporais é de intersociabilidades, criado a partir de polos de significação,

como “tipos ideais”, porém operacionalizado na ambivalência como novo lugar de

produção de saúde em que situam tanto um como outro aspecto dos pares de

opostos.

De maneira sintética, pode-se afirmar que o modelo de cuidado das

práticas corporais na Atenção Primária em Saúde é formado por um conjunto de

oposições formadas entre as noções de prática corporal e exercício físico, sobretudo

identificadas com os princípios de wellness e fitness, orientados pelas lógicas da

convivialidade-utilitarismo, amorosidade-medicalização e sociabilidade-

biossocibilidade. Esquematicamente, o modelo de cuidado das práticas corporais

pode ser representado, portanto, de acordo com a Figura 1.

Page 76: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

76

Figura 1 – Modelo de cuidado das práticas corporais

As práticas corporais apresentam sentido educativo que diz respeito “à

descoberta e à consciência do corpo, ao significado do cuidar e estar atento aos

desconfortos e às diversas maneiras de perceber e exercitar a sua potência” (7) (p.

34). Ao trabalhar um conceito ampliado de atenção ao corpo (7) (p. 36), as práticas

corporais não restringem o cuidado às constantes biológicas e naturais

estabelecidas pela racionalidade biomédica e nem se fixam no controle de doenças.

Por não classificar e separar os praticantes de acordo com suas patologias, idade ou

outras características físicas, essas práticas orientam-se pela diversidade e criam

grupos heterogêneos, estimulando “o aprendizado voltado para a construção de

vínculos, de responsabilidades, para a autonomia (individual e coletiva) e para a

capacidade de provocarem a mudança do pensar e agir em saúde”. (7).

De acordo com Carvalho (7), a definição de práticas corporais parte,

principalmente, das Ciências Humanas e Sociais e compreende o indivíduo em

movimento, em sua gestualidade e em sua subjetividade-diversidade, ou seja, em

“seus modos de se expressar corporalmente” (7) (p.34). Em complemento,

Calstellani e Filho e Carvalho (apud 31) (p.144) afirmam que as práticas corporais

contemplam vivências lúdicas e operam “segundo a lógica do acolhimento, aqui no

Page 77: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

77

sentido de estar atento às pessoas, de trabalhar ouvindo seus desejos e

necessidades”.

Neste contexto, podemos compreender as práticas corporais “não apenas

como uma possibilidade de atividade física, e sim como uma prática social de

cuidado da saúde”. (32) (p.136). Ao demarcar as características e propósitos de

cuidado de diferentes tipos de práticas corporais, Fernando Gonzalés (32) traz a

definição de “práticas corporais introspectivas” para se referir às práticas que são

“caracterizadas por movimentos suaves e situações de aparente imobilidade, como é o caso de uma determinada postura ou de um exercício respiratório consciente, voltadas para a obtenção de uma maior consciência corporal, como consequência da atenção prestada às sensações somáticas produzidas por essas ações. Exemplos: biodança, bioenergética, eutonia, antiginástica, método feldenkrais, Yoga, tai chi chuan, liang gong/ginástica chinesa.” (32) (p.142).

Entretanto, por serem práticas não convencionais, a compreensão sobre

as práticas corporais “introspectivas” muitas vezes acaba se misturando ao conceito

de exercício físico, quando visualizadas por profissionais da saúde e praticantes

como uma atividade que combate o sedentarismo (um dos maiores pecados capitais

contemporâneos) e é indicada para determinados problemas de saúde ou sintomas

de alerta: é imperativo cuidar do corpo e não adoecer! Um exemplo disto é a

prescrição médica das práticas corporais para a prevenção ou tratamento de

doenças crônicas não transmissíveis (DANTs) como a obesidade, a diabetes, o

colesterol alto e hipertensão, ou para depressão e dor crônica (33, 16). Ao assumir

um caráter prescritivo, surge uma questão que vai de encontro com a

medicalização35 (34)

“[...] de um lado, as orientações se restringem às técnicas, à ideia de que o gasto de energia - fazer atividade física - é suficiente para prevenir ou remediar a doença; de outro, os grupos ainda se organizam a partir das doenças (atividade física para diabéticos, hipertensos) ocasionando a exclusão dos demais, ou seja, quem não é diabético ou hipertenso não pode participar.” (7) (p.35-6).

Conceitualmente, exercício físico pode ser definido, sobretudo, em

relação ao condicionamento físico, que só é atingido através da repetição de uma

série de movimentos encadeados e sequenciados, realizados com intensidade e de

35

O fenômeno da medicalização – ou a iatrogênese social – conceituado por Ivan Illich em “A expropriação da saúde” cabe

bem nessa questão ao refletir sobre como as intervenções médicas conduzem e reorientam as experiências pessoais, tornando os indivíduos dependentes da prescrição profissional e reduzindo-lhes a capacidade de escolha e sua autonomia em relação aos seus próprios cuidados. (34).

Page 78: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

78

maneira regular (7, 35). Muitas vezes, relaciona-se com a ideia de atividade física,

que orienta a “atenção ao corpo vinculando-o à saúde, alimentação e nutrição”,

fundamentada na “física clássica, newtoniana, atividade física como sinônimo de

gasto de energia, diretamente associada à ideia de ingestão de calorias” (7) (p.36).

Além disso, geralmente se associa ao alto rendimento (é preciso estar apto), à

exaustão física e superação de limites, levando à “instrumentalização” do corpo (7)

(p.44). É imprescindível então controlar a doença, se submeter aos treinos físicos e

aos protocolos da boa saúde (alimentação adequada, eliminação de todo e qualquer

fator de risco)36.

É importante salientar que o próprio Ministério da Saúde reforça a ideia de

prática corporal relacionada à atividade física, ao formular o termo “práticas

corporais/atividade física” (PCAF) e incorpora-lo nas políticas públicas de saúde (31)

(p.141), como a Política Nacional de Promoção de Saúde. Apesar de um dos

objetivos específicos da PNPS visar o “entendimento da concepção ampliada de

saúde” (33) (p.17) e estar voltada para ações coletivas de saúde, essa política

também se associa ao “paradigma dos “fatores de risco”” (31) (p.146), quando utiliza

este discurso para recomendar o uso das PCAF para o controle e a redução de

doenças não transmissíveis (33) (p.34 e 35), sem propor, de fato, uma ação que

contemple, especificamente, o desenvolvimento de autonomia ou de vínculos entre

praticantes e instrutores, por exemplo. Além disso, também reitera a dicotomia

saúde-doença ao separar “grupos vulneráveis” de “comunidade como um todo”37

inserindo as PCAF numa lógica prescritiva.

Seguindo essa discussão, a cultura fitness – ou a ideia de adequação

(36)38 – é central no comportamento imposto pela bioascese moderna39 que

estabelece a força, a longevidade e a saúde como critérios que devem condicionar

36

Entretanto, diferentemente da atividade física, na prática corporal os praticantes não precisam estar

“aptos” pra realizar a atividade, já que os instrutores afirmam constantemente que cada um deve fazer os movimentos respeitando o seu limite. 37

“ofertar práticas corporais/atividade física como caminhadas, prescrição de exercícios, práticas lúdicas, esportivas e de lazer, na rede básica de saúde, voltadas tanto para a comunidade como um todo quanto para grupos vulneráveis” (33) (p.34). 38

Segundo Bauman (36), atravessamos a era da sociedade de consumidores, onde o que interessa são a aptidão (fitness) e a maleabilidade dos corpos-sujeitos para o consumo de imagens, ideais e produtos, custe o que custar Então, "quase se poderia dizer que, se a saúde diz respeito a "seguir as normas", a aptidão diz respeito a quebrar todas as normas e superar todos os padrões." (36) (p.92). 39

Francisco Ortega denomina a sociedade contemporânea em termos de moderna bioascese, onde

saúde e forma física se tornam um valor único, praticamente uma virtude, já que a doença é considerada fracasso pessoal (37).

Page 79: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

79

os indivíduos em suas ações (37). O discurso do risco é o pressuposto que orienta a

busca dos sujeitos por condutas saudáveis e seguras, que os resguardem dos

perigos iminentes, responsabilizando-os pela sua saúde (ou pela falta dela).

Portanto, ocorre aqui um desdobramento daquela norma investigada inicialmente

por Canguilhem (38) – pra além da definição de normal e patológico, a discussão

contempla o helthism (37) (p.31), que nada mais é do que aquela saúde (e corpo)

ideal que se deve atingir, fundamentada a partir de constantes biológicas.

Diante dessas categorias, temos as marcas de individualização e a

responsabilização dos indivíduos pelos cuidados com o corpo, devendo assumir

todas as consequências em casos de não cumprimento com as normas vigentes.

Típica da bioascese, o caráter individual sobressai o coletivo e fragiliza os laços

sociais e cria uma nova forma de sociabilidade: a biossociabilidade (37) (p. 31). Para

Ortega (39), essa nova forma de sociabilidade é apolítica e desenvolve-se a partir da

repolitização da saúde, e, ao contrário da biopolítica estatal clássica, cujos grupos se

organizam segundo critérios de classe ou orientação política, a biossociabilidade

organiza os grupos

“conforme a critérios de saúde, desempenho físico, doenças específicas, longevidade etc. [...]. Na biossociabilidade, todo um vocabulário médico-fisicalista baseado em constantes biológicas, taxas de colesterol, tônus muscular, desempenho corporal, capacidade aeróbica populariza-se e adquire uma conotação ‘quase moral’ ao fornecer os princípios de avaliação que definem a excelência do indivíduo (...). Ao mesmo tempo todas as atividades sociais, lúdicas, religiosas, esportivas, sexuais são resignificadas como práticas de saúde (Luz em 2000, 2001).” (39) (p.14).

Na contramão da convivialidade, a biossociabilidade assume um caráter

de controle e impessoalidade ao objetificar e tomar os corpos como alvos de poder e

manipulação, anulando seus sentidos e subjetividade (40). Quando as relações nas

atividades de saúde são reguladas exclusivamente por essa lógica, a doença

transcende a identidade do sujeito e o enquadra, de maneira estigmatizante, como o

hipertenso, o obeso, o diabético (7) (p.36), reforçando a ordem do controle e da

impessoalidade que permeia as relações no campo da saúde.

Mauss (41) afirma a necessidade de se compreender a complexidade da

vida social e que existe uma relação entre os aspectos social, fisiológico e

psicológico dos indivíduos que só são revelados através da observação da conduta

humana (Lévi-Strauss apud Mauss) (p. 24), ou seja, na subjetividade que é

manifestada através das experiências individuais (e também coletivas). Enquanto

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80

fenômeno social (41), os grupos de práticas corporais inseridos no contexto da

atenção básica não se encerram no caráter utilitarista da racionalidade biomédica,

apresentando, ao mesmo tempo, aspectos terapêuticos, de sociabilidade e de

atividade física, por exemplo.

Outro ponto observado nos grupos de práticas corporais foi o

desenvolvimento de relações horizontais entre os profissionais de saúde que

conduzem os grupos e praticantes, que reafirmam o caráter dialógico das “práticas

não biomédicas” (42), bem como o comprometimento destas com a vida coletiva.

Para Madel Luz (20), essas atividades de saúde apreciam as relações sociais e

“favorecem a solidariedade e a amizade como valores consequentes” (20) (p.163).

Assim, pode-se afirmar que as práticas corporais assumem um lugar significante na

composição do cuidado e da atenção em saúde por possibilitarem o encontro, a

escuta, o vínculo e a autonomia do paciente (7).

É possível identificar nestas práticas de saúde o princípio de

amorosidade, incorporado pela Política Nacional de Educação Popular em Saúde no

âmbito do Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS) como “a ampliação do diálogo

nas relações de cuidado e na ação educativa pela incorporação das trocas

emocionais e da sensibilidade, propiciando ir além do diálogo baseado apenas em

conhecimentos e argumentações logicamente organizadas.” (43). Á medida em que

esse princípio se estabelece, reorienta as relações que são constituídas no âmbito

dos serviços de saúde, gerando não apenas um melhor acolhimento e uma escuta

qualificada, mas também uma relação de reciprocidade entre o profissional e o

paciente. Para Vasconcelos e Cruz (44), a profundidade desse ângulo societário,

muito mais que um conceito sociológico, permite afirmar que a amorosidade

“não se cristaliza somente como importantes emoções pessoais (que motivam, animam, dão sentido à luta). (...) [pois] ao ler Freire, descobrimos que amorosidade é sinônimo de fé “no outro”, ou seja, crença absoluta de que todas aquelas pessoas, em sua humildade e simplicidade, possuem uma significativa sabedoria de como lidar com a vida, o que as guiará numa busca por ser mais. A amorosidade se configura, por meio do vínculo, na confiança mútua, na parceria, na esperança de que juntos conseguiremos conquistar os sonhos almejados coletivamente”. (44) (p.183)

Entra em questão, dessa maneira, o conceito-proposta de convivialidade

(5), que denuncia e reflete sobre as assimetrias de poder que prevalecem nas

estruturas sociais e sobre os efeitos perversos da tendência quantitativa da ordem

capitalista, que traz consigo a proliferação de indicadores, rankings e avaliações

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(45). A desinstitucionalização das relações em saúde nos grupos de práticas

corporais também vai ao encontro da convivialidade ao promover o cuidado

emancipador (15), que prioriza e valoriza o “princípio da aprendizagem mútua da

interculturalidade” (15) e coloca o praticante no centro do cuidado (afinal, ele

também é cuidador!), estimulando a “produção de autoconhecimento, autonomia e

autocuidado.” (15).

O cuidado emancipador está expresso, por exemplo, na narrativa construída

pela praticante Heloísa, do grupo de Lian Gong do CS I, que recorre a movimentos

da prática sempre que precisa aliviar suas dores, causadas por um problema no

estômago ou pela sinusite. Tais movimentos correspondem a segunda e terceira

parte do LG, que trabalham, entre outros aspectos, desordens de órgãos internos e

também doenças que afetam os pulmões. Nas suas palavras, "não esqueço da

professora, nem a noite durante o sono, às vezes vem algumas cólicas, então faço a

massagem abdominal que nos ensinou. Quando ataca a sinusite à noite me lembro

dos pontos na face que tenho que apertar". (Anexo E - verso).

Para Ivan Illich (5), os modelos institucionais da escola e da saúde, por

exemplo, são ferramentas da lógica capitalista de produção industrial, que estão

pautadas, sobretudo, no controle e dominação da sociedade por grupos detentores

de conhecimento e na dependência dos sujeitos em máquinas e outras tecnologias

(5). Para o autor, a convivialidade é, então, uma poderosa ferramenta no combate

ao individualismo e competitividade típicos desta sociedade, proporcionando assim

maior e mais efetiva participação social, liberdade e autonomia (5). Baseada na

cooperação – na construção compartilhada (5) (p. 26) – o recurso da convivialidade

está orientado para lutar “contra os instrumentos e as instituições que ameaçam ou

ignoram o direito das pessoas a utilizar a sua energia de forma criativa”. (5). A

expressão da convivialidade pode ser observada, por exemplo, quando diferentes

praticantes declaram a importância do grupo em suas vidas, com afirmações como

“estou muito feliz por voltar pra cá, claro que exercício físico é bom, mas o que senti

falta mesmo foi a companhia aqui, das pessoas, dos nossos encontros.” (Val); ou

ainda na afirmação de Janete de que “voltei a sorrir e voltei a ser eu mesma”, ao

relatar o seu “antes e depois” da participação no grupo de MVE.

Dialogando com a obra de Marcel Mauss, é possível visualizar nos grupos

de práticas corporais também a experiência da dádiva, um sistema de trocas

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simbólicas por onde circulam bens materiais e imateriais, cuja dinâmica se constitui

através da tríplice obrigação de dar, receber e retribuir e tem como principio o

estabelecimento e a manutenção de vínculos e laços sociais (41). Longe de ter valor

de mercado, essas trocas envolvem palavras, afeto, abraços, comida, carinho,

comunhão e gentilezas (41, 46) e caronas, como sempre acontecem no grupo de LG

do CS I. Guiado pela proposta da ambivalência, o engajamento na dádiva, ao

mesmo tempo em que é uma obrigação, é voluntário e se pauta na liberdade (42),

estando “acima de interesses contratuais e obrigações legais” (46) (p. 53).

Numa leitura contemporânea sobre a teoria da dádiva, Paulo Henrique

Martins acrescenta que a confiança é um dos pilares da dádiva, estimulando práticas

comunitárias e imprimindo um sentido associacionista na constituição das relações

sociais (46, 47). Complementarmente, para Alain Caillé (48) a interação originada

pela dádiva como uma força que se opõe ao individualismo, fomentando a criação

de redes, que podem ser entendidas como o “conjunto das pessoas em relação às

quais a manutenção de relações interpessoais, de amizade ou de camaradagem,

permite conservar e esperar confiança e fidelidade” (p.14).

O envolvimento nesse sistema de trocas serve tanto como estratégia para

combater a solidão e tirar o indivíduo do isolamento social (49), quanto para, através

da potência criada no interior das redes sociais, promover o engajamento político

dos indivíduos na descentralização das ações utilitaristas governamentais e na sua

própria emancipação (50), sendo reconhecidos, efetivamente, como agentes sociais.

Assim, é possível fazer uma relação com a participação nos grupos de práticas

corporais, que pode propiciar outra maneira de inserção e participação social no

campo da saúde, na medida em que as práticas corporais estimulam outras formas

de cuidar, onde o indivíduo não é apenas paciente, mas agente promotor de saúde.

Um exemplo de como participar de um grupo de prática corporal pode

estimular a participação social é a história contada pela Sílvia, praticante de Lian

Gong do CS I e artista plástica. Apesar de usar um serviço ofertado pelo Centro de

Saúde, ela nunca havia entrado no prédio da unidade, mas, certa vez, por causa da

venda de pizzas para arrecadar verba para a reforma do CS I, acabou entrando lá

para buscar sua pizza. Ao se deparar com as condições precárias da estrutura do

local, sobretudo com a pintura das paredes de um dos ambientes de espera, logo na

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entrada, se propôs a revitalizar a área fazendo um mosaico na parede40. Segundo

Sílvia, seu objetivo com o trabalho foi

“mostrar para as pessoas que a gente pode ajudar e pode colaborar para um espaço melhor (...). E com isso a minha intenção era que as pessoas cuidassem, não jogassem lixo no chão e que as pessoas da coordenadoria lá fizessem cartazes pra ajudar a educar né, o público. Manter o ambiente gostoso pra eles mesmos, né?”. (trechos da entrevista)

Também é possível perceber características das “organizações

convivenciais” (5) (p.31) nos grupos de Movimento Vital Expressivo e Lian Gong, que

não se fixam apenas em uma proposta puramente terapêutica de cura e/ou

prevenção de doenças, que seria o valor utilitário da saúde para Illich. Disso ocorrem

benefícios derivados (51), como a interação social, a construção de novos sentidos e

o estímulo à autonomia criadora (5), à diversidade e à pluralidade. Desta forma,

evidencia-se a potência das práticas corporais enquanto ferramenta convivencial, na

medida em que se abre para sentidos de grupalidade e coletividade, na qual

“o estilo individualista de interação social dominante entre nós fica culturalmente deslocado. Essas práticas (...) nos levam ao conhecimento da existência de um outro padrão de interação entre os sujeitos, no nível individual e coletivo que rompe com o isolamento individualista. (...). Em vez do “uso da máquina” ou do “controle da máquina”, temos um padrão de contato prazeroso com o corpo, motivado pelos movimentos rítmicos e pelo contato de um corpo com o outro. A harmonia aqui é sinônimo de integração, interna e externa”. (20) (p.125).

Contudo, não podemos esquecer que as práticas integrativas e

complementares em saúde estão inseridas em um campo predominantemente

biomédico, com um baixo grau de institucionalização nas unidades de saúde e com

poucos encaminhamentos feitos pelos profissionais de saúde (52). Por isso, apesar

de o instrutor Milton ter afirmado durante uma conversa que o “grupo promove

saúde”, para ele as práticas corporais ainda não são consideradas como uma

política oficial da Secretaria de Saúde, ocorrendo em paralelo, de forma subalterna,

em relação aos atendimentos individuais realizados pelos serviços de saúde.

Essa condição também foi verificada por Gualhardi (53) e Mello (4) (p.44)

em suas pesquisas, respectivamente, sobre a oferta da Homeopatia e do Movimento

40

É interessante pontuar também que durante a entrevista, Sílvia afirmou que essa aproximação com o CS I possibilitou que ela conhecesse melhor o serviço e os atendimentos ali realizados, como acupuntura, dentista e médicos de várias especialidades. Passou então a ter uma imagem mais positiva sobre o SUS e a recorrer à unidade em casos esporádicos, como contou que uma vez levou uma amiga que estava passando mal para ser atendida pelos profissionais, elogiando o acolhimento feito pelo enfermeiro, que a tratou com “carinho e atenção”. (trechos da entrevista).

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84

Vital Expressivo na Atenção Primária em Saúde, quando observaram importante

falta de informação e conhecimento sobre as práticas em si e sobre a Política

Nacional de Práticas Integrativas e Complementares por parte dos gestores,

profissionais e usuários de diferentes UBS. Além disso, de acordo com Mello, a

inexistência de um sistema de encaminhamento de referência e contra-referência

também afeta a institucionalização das PICS nos serviços de saúde.

Outros instrutores e coordenadores entrevistados também relataram que,

por causa da alta demanda ambulatorial por atendimentos e procedimentos clínicos

(consultas, exames de sangue, vacinação e curativos) – potencializados pela falta

de recursos humanos – e os frequentes casos de pronto atendimento, as atividades

de prática corporal (ou qualquer outra prática instituinte, como de educação em

saúde) não são uma prioridade para o serviço. Assim, nos períodos de grandes

epidemias como a de dengue, quando os profissionais de saúde são mobilizados

para realizar tarefas relativas a este problema, a realização dos grupos e as

capacitações para atualização ou formação de novos instrutores ficam

comprometidas, sendo até mesmo suspensas. Conforme Helena: “estava tendo a

supervisão [...], mas parou por causa do surto de dengue que teve. Então as

pessoas que estavam alocadas para fazer a avaliação, parou por causa disso”.

Milton também fez ressalvas sobre esta questão:

“Qualquer emergência que acontece, qualquer, surgiu uma coisa da gripe, pára o grupo e vamos correr atrás da gripe, da dengue, seja lá o que for. Primeiro então é essas, vamos dizer, essa atenção, esses programas de saúde, depois é que vem os grupos, as práticas integrativas. E com o Movimento acontece a mesma coisa. Tem uma reforma, a primeira coisa que pára é o grupo, depois, então infelizmente esta é a política mesmo de saúde que o município prioriza, deixando [suspensas] então as práticas integrativas, eu acredito que não é só o Movimento, são as práticas de modo geral.”

Se, por um lado, a baixa institucionalização é apontada como negativa

pelos instrutores, que afirmam que isso é um reflexo do desconhecimento dos

profissionais sobre as atividades oferecidas pelo CS, por outro, há que se destacar

que dos vinte e um praticantes entrevistados, quinze se caracterizam como

“demanda espontânea” e procuraram o Movimento Vital Expressivo e o Lian Gong

por indicação ou convite de amigos e familiares ou apenas por ouvirem falar. Assim,

os praticantes não estão necessariamente doentes e, em alguns casos, não são

nem mesmo pacientes do Centro de Saúde. Tais características contribuem para a

Page 85: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

85

constituição de grupos heterogêneos, já que não dividem os praticantes em

“doentes” e “não doentes” e estão abertos para a participação de pessoas de

variadas idades.

Em diversos momentos da pesquisa – durante a observação, nas

entrevistas, nas conversas informais e na análise – ficou evidente a existência de

uma polissemia de discursos dos agentes institucionais e dos praticantes sobre o

que é saúde e o que são as práticas corporais, ora associados à qualidade de vida e

bem-estar (que pode ser físico e emocional), ora relacionados a uma ideia de

prevenção e controle de doenças e eliminação de fatores de risco (estímulo à

mudança de hábitos alimentares e prática de atividade/exercício, por exemplo), ou

as duas coisas ao mesmo tempo. Expressão disso pode ser observada quando seu

Osvaldo, benzedor com vasto conhecimento em plantas medicinais, se sente

obrigado a tomar os remédios que o médico do Centro de Saúde passa, temendo

ser repreendido por não seguir a prescrição do profissional caso tenha algum

“piripaque”.

Predominantemente, os grupos de Lian Gong e Movimento Vital

Expressivo que participaram da pesquisa apresentam um forte caráter coletivo que

estimula a interação e incentiva a convivência entre os praticantes, transformando o

momento da atividade de saúde em um momento de convivência e sociabilidade.

Deste modo, apesar do LG ser caracterizado como uma ginástica terapêutica

individualizada (17), nos grupos acompanhados observou-se fortes características

grupais. Entretanto, apesar dos dados empíricos apontarem que o Lian Gong e o

Movimento Vital Expressivo estão voltados para o paradigma de vitalidade,

favorecendo a construção de solidariedades focais (31) entre os praticantes e

instrutores, no grupo de MVE do CS I, por exemplo, também é possível enxergar

traços de biossociabilidade e sua identidade com o imaginário biomédico, já que há

um grupo onde o instrutor realiza avaliações de saúde para o controle da

hipertensão, IMC, glicemia e peso dos praticantes.

Sendo assim, é possível afirmar que, embora assumam significados

distintos, as características de sociabilidade (wellness) e de biossociabilidade

(fitness) coexistem em práticas e representações que os agentes sociais e

institucionais fazem acerca dos benefícios das práticas corporais. Embora isso

ocorra, é equivocado afirmar que o trabalho desenvolvido pelo Lian Gong ou pelo

Page 86: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

86

Movimento Vital Expressivo é, por isso, descaracterizado ou enfraquecido,

comprometendo seus objetivos.

Não é pertinente pensar as diversas esferas que constituem a realidade

social de forma isolada ou fragmentada, em termos de pares de oposição (saúde x

doença; normal x patológico; sagrado x profano; sociedade x indivíduo; atividade de

saúde x sociabilidade). Para Marcel Mauss, a vida social se caracteriza pela

ambivalência nas maneiras de fazer, pensar e sentir41, (tanto dos indivíduos, quanto

das instituições) e segue um movimento dinâmico, onde as diversas esferas do real

estão constantemente em interação (46).

Podemos compreender esta ambivalência enquanto uma expressão da

pluralidade de sentidos, práticas, saberes e experiências que constitui a área da

saúde e então pensar sobre o lugar que as práticas corporais ocupam dentro do

Sistema Único de Saúde, que se constitui como um campo poroso, permeado pelo

controle e padronização dos corpos, porém fortalecido pela existência do grupo, de

um sentimento de coletividade que orienta a condução destas práticas. Como alerta

Madel Luz (20):

“o que é importante ressaltar é o papel da ressignificação da saúde, do adoecimento e da cura que representam as atividades de saúde ou práticas terapêuticas para seus doentes, e a contribuição que efetivamente representam para retirá-los do isolamento social que significam, em nossa sociedade, a pobreza, o envelhecimento e a doença. (20) (p.119).

Pode-se afirmar que as práticas corporais desenvolvidas na Atenção

Primária em Saúde reorientam o modelo de cuidado orientado pela biomedicina e

preconizado pelo Ministério da Saúde brasileiro. Sobretudo, na medida em que

introduz elementos de outras racionalidades de cuidado, que convidam para a

produção de bem-estar, mais do que para a produção de performances corporais em

relação a um evento patológico, e que, além disso, estimulam o encontro inicial,

possivelmente a partir da bioascese contemporânea e sua biossociabilidade,

expandindo, no entanto, horizontes de transgressão e resistência orientados para a

convivialidade.

41

O antropólogo francês Marcel Mauss faz uma ressignificação do conceito de “fato social” formulado pelo sociólogo Emile Durkheim, que o afirma como maneiras de fazer, sentir e pensar que são coercitivas e exteriores aos indivíduos (Giddens, 2005. p. 29). Para Mauss, o fato social total é um sistema simbólico que permeia as experiências individuais e coletivas (interligando assim sociedade e indivíduo, sociedade e instituições). Apesar de esse sistema estar fundamentado na obrigação, os indivíduos tem liberdade para cumprir ou não com as obrigações da vida social, assumindo as consequências que isso pode ter. (41, 46).

Page 87: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

87

Indubitavelmente, o modelo de cuidado das práticas corporais não deve

ser identificado como um modelo alternativo, uma vez que não substitui práticas de

cuidado específicas do modelo biomédico, nem tampouco um modelo

complementar, cujas práticas não convencionais servem de maneira subalterna à

estrutura ortodoxa do cuidado na atenção primária. Trata-se, portanto, de um modelo

integrativo, construído e mantido entre a biossociabilidade do modelo convencional

mais instituído e a sociabilidade propositiva da convivialidade instituinte. Nessa

“inter-sociabilidade”, pode-se afirmar, assenta a potência da Medicina Integrativa

como paradigma pluralista do campo da saúde, criado a partir de polos de

significação e operacionalizado, todavia, na ambivalência, como novo lugar de

produção de saúde em que situam tanto um como outro aspecto dos pares de

opostos.

Porém, este modelo de cuidado das intersociabilidades produzido pelas

práticas corporais é um grande desafio para o campo da saúde, pois abrange tanto

ações pautadas no disciplinamento e na prevenção e controle de doenças, típicos de

uma prática biomédica, como também nas ações voltadas para o indivíduo e para a

saúde, promovendo um cuidado coletivo, emancipador, com um olhar singular,

aberto para a diversidade e que confere autonomia aos praticantes, o convívio e

novas amizades. Assim, o desafio está, entre outras coisas, em fundar-se na

ambivalência em detrimento das certezas artificiais dos protocolos, evidências,

prescrições e reificações.

No capítulo a seguir, a partir da análise de conteúdo das entrevistas

realizadas com os praticantes, os instrutores e as coordenadoras dos serviços de

saúde, aprofundaremos sobre a característica da sociabilidade “wellness”, que se

manifesta, principalmente, através das relações de amizade que se desenvolvem no

interior desses grupos e que propiciam o apoio social, a formação de vínculos entre

o profissional e o praticante e também a participação dos praticantes nas atividades

de lazer promovidas pelos grupos de práticas corporais.

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88

CAPITULO 2 – Os sentidos e significados da sociabilidade

Embora o Lian Gong e o Movimento Vital Expressivo estejam inseridos na

rede de atenção primária em saúde de Campinas com um propósito terapêutico,

preventivo e promotor de saúde, no entanto, estas práticas apresentam um caráter

coletivo que estimula a interação e incentiva a convivência entre os praticantes e os

instrutores. Dessa maneira, transforma o momento da prática em um momento de

encontro e construção de laços de amizade, porque prevalece o caráter de

convivialidade (autonomia e cooperação) e de amorosidade (vínculo e confiança).

A partir da análise temática de conteúdo das entrevistas realizadas com

praticantes, instrutores e coordenadoras dos serviços de saúde, identificamos os

sentidos atribuídos à sociabilidade nas práticas corporais, quais sejam: criação de

vinculo, apoio social e estímulo para a participação em atividades de lazer. O

objetivo deste capítulo, portanto, é analisar as seguintes categorias analíticas que

emergiram das entrevistas: a) sociabilidade como forma de desenvolver apoio social;

b) sociabilidade como forma de criar vínculos entre praticantes e instrutores; c)

sociabilidade e participação nas atividades de lazer extra-prática.

Sociabilidade como forma de desenvolver apoio social

As práticas corporais na APS, segundo Luz (20) e Carvalho (7), atuam na

lógica do acolhimento e se voltam para a construção de vínculos de amizade

baseados na solidariedade. Essas características contribuem para o

desenvolvimento do apoio social, que também foi observado por Mello (4) em sua

pesquisa sobre grupos de MVE na atenção primária em saúde de Campinas.

Em definição, o apoio social42 “refere-se aos aspectos das relações

sociais que proporcionam uma sensação de autoestima e que oferecerem recursos

na luta contra problemas da vida.” (54 p. 41, tradução nossa). Para Dona Heloísa,

professora aposentada, o acolhimento do grupo trouxe sentimentos de valorização e

de companheirismo:

“Ah, eu tinha muita timidez, baixa-estima, autoestima baixa, essa coisas assim, as pessoas parece que não valorizavam a gente assim, né? E aqui não. E eu mesmo descobri a beleza dentro de mim, que eu mesma desconhecia. “Mas eu sou tudo isso?”. É possível e tal e aí eu fui indo pra frente, tomei coragem e fui indo pra frente, nunca deixei a peteca cair não. E

42

O termo em inglês é “social support”.

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89

os amigos né? É gostoso, se um tá caindo o outro levanta, então a gente tem essa solidariedade, né?”

De acordo com o verbete trazido no livro Key Concepts in Medical

Sociology (54) (p. 42 e 43), o apoio social pode ser compreendido como uma

potente ferramenta que serve como um mediador para ajudar as pessoas a

resolverem ou lidarem com seus problemas pessoais, sejam conflitos pessoais ou

um quadro de adoecimento, e também para a promoção da saúde e de bem-estar,

na medida em que essa ajuda torna-se um fator protetivo, evitando um adoecimento

por causa do estresse, por exemplo, e também curativo, quando o apoio ajuda a

diminuir sintomas causados pelas adversidades vividas.

Um bom exemplo disso é o momento em que Carlos, instrutor do grupo

de MVE do CS I, abre a roda para que os praticantes contem sobre seu final de

semana ou falem se estão passando por algum problema. Numa dessas ocasiões, o

grupo manifestou forte apoio ao desabafo feito pelo senhor Osvaldo, que contou

sobre a dificuldade de relacionamento com sua esposa e de como isso o afetava

negativamente. Na entrevista feita com Carmem, integrante do mesmo grupo, é

narrado o convívio com o grupo: “a gente troca bastante ideias, a gente conta o que

acontece com a gente, desabafa, pede conselhos, aprende as receitas, aprende

muita coisa aqui também, além dos exercícios.”

Nos grupos de práticas corporais há uma troca intensa de saberes e emoções

(55), que conforma o apoio social como uma potente ferramenta ou “forma de

cuidado” (54) (p. 44) advindo das redes sociais (56) (p.196). Nelas encontra-se

suporte emocional, afetivo, material, instrumental ou informacional, manifestados em

uma conversa, estímulo, esclarecimento ou compartilhamento de informações sobre

serviços públicos. No contexto dessa pesquisa, por exemplo, observei a orientação

dos instrutores aos praticantes sobre o acesso aos serviços dos diferentes níveis de

atenção em saúde ou a serviços e benefícios sociais, de forma que o acesso das

pessoas a esses recursos, portanto, estava diretamente ligada ao nível de

integração social e participação do indivíduo na comunidade (54) (p.42).

Além disso, a participação em um grupo de prática corporal é um fator

que contribui para romper com o isolamento social e promover a participação social,

e também, é claro, de receber (e oferecer!) apoio social. O rompimento com a

solidão foi um assunto que se apresentou durante as entrevistas, explicitado pelos

Page 90: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

90

quatro instrutores. Assim, praticar MVE ou LG, não diz respeito apenas à melhora da

saúde em seus aspectos clínicos, pois, segundo Helena, “às vezes a pessoa não

tem uma doença específica é mais solidão, falta de sociabilidade. Então é um

caminho também, uma oportunidade de tá participando da sociedade como um todo.

É uma forma de participação social”. Para Teresa a prática do LG também traz

“essa coisa da vivência. (...) A gente percebe, pessoas já fizeram comentários. Eu só ficava em casa, agora eu mudei, não sou mais aquela pessoa que só fica dentro de casa, tenho esse compromisso, então a gente tem um motivo pra sair de casa, participar das coisas que acontecem no grupo”.

Como a grande maioria dos praticantes de LG e MVE são pessoas acima

dos 60 anos43 é interessante refletir sobre a importância da convivência em grupo e

a formação de redes de apoio social e suas relações com a saúde, especialmente

para os idosos. Como apontado por Wichmann et al. (55) e também Canesqui e

Barsaglini (57), há uma relação intrínseca entre a participação nesse sistema de

trocas e a melhora da saúde e da qualidade de vida. Assim, destacam Canesqui e

Barsaglini (57), que “a frequência e a intensidade dos contatos sociais expressam o

maior grau de integração social e o sentimento de pertencimento, beneficiando o

bem estar social, a saúde e a proteção [social]”. (p. 1108).

Em uma visão centrada no discurso biomédico, para Wichmann et al. (55),

“inicialmente os idosos buscam, nesses grupos, melhoria física e mental, por meio

de exercícios físicos”, mas, posteriormente, os benefícios dessas atividades também

contemplam “(...) a interação, a inclusão social e uma maneira de resgatar a

autonomia, de viver com dignidade e dentro do âmbito de ser e estar saudável.” (p.

823). Afirma Dona Odete, praticante de LG que “a gente não tem que ficar parada

porque dói aqui e dói ali. (...) chega uma idade que você tem que ter uma atividade,

principalmente ficar junto com as pessoas, participar todo mundo junto”.

Em uma revisão sistemática sobre o apoio social na literatura científica,

Canesqui e Barsaglini (57 p. 1109) fazem uma importante consideração ao

observarem que “o apoio tende a ser analisado como instrumento e não como

componente das relações face a face que envolve os sujeitos, nas situações

cotidianas, na intersubjetividade e nos significados simbólicos que as permeiam” e

43

Entretanto, não se trata aqui de discutir sobre o envelhecimento, fazendo uma relação causal com o adoecimento, por exemplo.

Page 91: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

91

que os recursos imateriais mobilizados para o enfrentamento de circunstâncias

adversas não devem ser compreendidos como abstratos ou de menor valor.

É através do convívio social nos grupos de práticas corporais – onde se

“participa todo mundo junto”, como disse Dona Odete – que os praticantes podem

perceber e sentir a potência do grupo, perceber sua “própria energia” e

compartilharem seus saberes, experiências, vivências pessoais, incertezas e

angústias, ressignificando sua própria história (55) (p. 828) e até mesmo seus

problemas de saúde, seus conflitos, suas carências ou necessidades. Dessa

maneira, o apoio social não precisa ser necessariamente material ou formalmente

prestado, pois pode ser prestado sutilmente. Milton traz uma visão bastante

importante sobre a perspectiva coletiva que orienta o trabalho em grupo de MVE que

conduz:

“o grupo influencia conforme você pertence ao grupo, o quanto que ele te constitui, como ele te ajuda a você a se constituir. E é isso, então você tem a força do grupo, você tem a interação no grupo, com o grupo, para poder ajudar as pessoas a tomar consciência e não ficar só em cima do seu, em cima da sua personalidade, em cima das suas questões, então a pessoa tem a oportunidade de ver o grupo e ajudar o outro, a pessoa ajuda o grupo e o grupo ajuda a pessoa, assim falando individualmente.

Diante destas colocações é correto afirmar que o apoio social se associa

à convivialidade, pois a cooperação é um componente essencial para o combate ao

individualismo e, portanto, essencial para o desenvolvimento do apoio social.

Associada à convivialidade, a dádiva também está presente, já que o apoio social se

pauta na solidariedade e na reciprocidade desinvestida de obrigatoriedade (54) (p.

42 e 44). Para o instrutor Carlos, a pessoa, ao praticar o MVE vai “ter chance de

participar de um grupo, que sempre vai te fortalecer”. E o instrutor Milton ressalta

essa ideia afirmando que

“quando a pessoa tem essa consciência, fica mais fácil de lidar com os problemas e fica também mais objetivo e tem uma atuação maior, que aí ela não vai ficar “ah sou eu sozinha e tenho que dar conta disso”. Não, aí ela vai buscar os recursos que tem na sua comunidade, no seu grupo, para poder se estruturar, pra poder se equilibrar”.

Nesse sentido entra em cena a autonomia e o empoderamento dos

indivíduos (54, 57), por meio “das redes sociais [que] não favorecem somente o

apoio, mas o tecido social e a construção das capacidades pessoais e sociais,

através do empowerment que é processo e resultado da ação social favorável ao

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92

controle pelos indivíduos de suas próprias vidas, à interação com os demais e a

construção da ação coletiva”. (57) (p. 1111)

O engajamento dos indivíduos na rede de apoio social derivada dos

grupos de práticas corporais inseridos no contexto da atenção primária em saúde

pode ser compreendido, também, como um importante “ativo em saúde”, que é

definido, segundo Hernán e Morgan (58), como "qualquer fator ou recurso que

potencialize a capacidade de indivíduos, grupos, comunidades e populações para

manter ou melhorar a saúde e o bem-estar.” (p. 17, tradução nossa). Nessa

perspectiva, os ativos em saúde são ferramentas que contribuem para fortalecer a

autoestima e incentivar os indivíduos na busca por soluções para resolverem seus

problemas (58) (p.17), de forma autônoma e criativa, estimulando o empoderamento

e a participação social dos indivíduos (58) (p.18) e mobilizando as pessoas para

atuarem enquanto agentes promotores de saúde. Trata-se de um ativo em saúde

também porque a participação estimula “o caráter público e coletivo e não apenas os

aspectos das obrigações e dos elos interpessoais que unem os membros de uma

rede e seus interesses”. (57) (p. 1111)

A importância do apoio social como ativo em saúde foi identificada em

diferentes entrevistas e observada em vários momentos do trabalho de campo,

como, por exemplo, na busca de Seu Anselmo para recuperar o movimento de seus

dedos da mão. Ele relatou que além de incorporar em seu cotidiano os exercícios

que havia aprendido nas aulas de alongamento que fazia, resolveu, com incentivo

do instrutor de Movimento Vital Expressivo, acrescentar outra forma de reabilitação:

“Aí eu falei: - o que eu vou fazer? Eu gosto muito de música e eu vou comprar um violão e eu vou estudar o violão. Aí eu comecei e entrei na aula de violão também, me ajudou ainda mais o dedo a chegar no lugar e hoje, graças a Deus, aqueles problemas eu não tenho mais. Cada dia que passa, aprece que meu dedo tá ficando mais solto, ele pula na corda, pode tá pensando em outra coisa que o dedo pula na corda certinho”.

Assim, além do trabalho desenvolvido pela própria prática corporal44 é

com a força que emerge do grupo – ou da sinergia, como bem colocado pelo

instrutor Milton – que as pessoas constroem relações e podem se fortalecer e

transformar suas vidas. Dessa forma “é nesse contexto de trabalho grupal que se

44

Como já colocado na introdução (p. 22) o trabalho desenvolvido pelo Movimento Vital Expressivo estimula “o sujeito a experimentar, a vivenciar novas possibilidades de ser e estar no mundo, através do encontro consigo e com o outro” (4) (p.11)

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93

constroem sentimentos de solidariedade, união, de ajuda mútua, de

comprometimento, que fazem com que o grupo sirva também como agente de apoio

social aos seus participantes”. (4) (p.60).

Sociabilidade como forma de criar vínculos entre praticantes e instrutores

De forma geral, segundo as entrevistas, a participação no grupo e outras

atividades (passeios, viagens e festas comemorativas) contribuiu para o aumento

dos círculos sociais dos praticantes e a convivência está atrelada às melhoras dos

aspectos físicos e emocionais. Para Silvana, coordenadora do Centro de Saúde I, o

convívio “é um aspecto que é muito relevante e que eles [praticantes] gostam” e,

além de ser uma atividade física, a prática corporal influencia positivamente na

saúde mental, que “termina sendo um fator muito importante que caracteriza esses

grupos”.

Na entrevista com Denise, praticante de LG, ela afirmou que faz a prática

“porque eu gosto, alongamento, tudo, eu acho que é bem legal e também porque eu

encontro as pessoas”, e enfatizou que considera “bem importante ter contato com

outras pessoas (...) [porque] o Lian Gong te dá essa condição” e isso “acaba

aumentando seu círculo de amigos”. Em complemento, para Seu Pedro, “a gente

passa a conhecer muita gente, muita gente passa a conhecer a gente”. Já Sílvia

destacou que “além de todo benefício de saúde, ele [o LG] tem também essa coisa

do social, de agregar as pessoas, aí diminui o tempo de ficar pensando nas

dorzinhas de cabeça, nas dorzinhas não sei de que. Risos”.

Em um estudo sobre grupos de caminhada nos EUA, Copelton (59)

corrobora com essa questão ao concluir que a sociabilidade é um componente que

está presente nos grupos e é essencial para a manutenção da saúde dos praticantes

e para sua permanência no grupo (59) (p. 304, tradução livre). Segundo Dona

Heloísa, praticante de MVE e LG, a “interação [é] muito gostosa e é muito importante

pra gente”. Em sintonia com essa colocação, Dona Rosa, ao ser questionada sobre

o que achava da interação social no grupo, falou sobre o companheirismo,

afirmando que “é bom porque é uma coisa que a gente pega amizade com pessoas

que a gente nunca viu. (...) É gostoso viu. A gente fica feliz de ter umas colegas boas

que ficam com a gente. Que acompanha junto”.

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94

A “parte social” foi apontada por muitos entrevistados como uma

qualidade dos grupos de práticas corporais que, além de “fazer bem para a saúde,

tem a amizade também, o pessoal é tudo gente boa” (Val). O grupo, dessa forma,

torna-se um espaço-momento de encontro “muito bacana e agradável” (Nívea) ideal

para “conversar, escutar a conversa dos outros, participar da conversa com as

pessoas” (Janete). Diante dessas afirmações, é válido relembrar que a conversa

está a serviço de inúmeros assuntos e finalidades das relações humanas, tendo na

sociabilidade o caráter de entretenimento sociável (22) (p.75); além de constituir-se

como um elemento social significativo que reforça os benefícios de saúde,

aumentando o prazer e a adesão ao exercício (Tucker e Mortell apud 59 p. 307,

tradução livre).

Durante o trabalho de campo observei que as conversas estabelecidas no

grupo (e que eu também participava) versavam sobre viagens, passeios, filhos

(muitas praticantes falando mal sobre a “não paciência” dos filhos para lhes ensinar

a mexer nos recursos do celular novo, sobretudo por parte das mulheres que

aparentavam ter por volta dos 45-55 anos de idade), a delícia de cuidarem dos netos

(e a experiência de serem avós/avôs), programas de TV, as músicas favoritas e os

diagnósticos e prescrições médicas com as quais geralmente discordavam. Em

geral, eram conversas agradáveis, que operavam como canal para os praticantes

trocarem experiências, compartilharem saberes, reivindicarem, reclamarem,

desabafarem, acolhendo uns aos outros.

A escolha dos assuntos para a condução da conversa é uma questão

importante, assim temas como política ou discussões mais sérias devem ser

evitadas para não causarem atritos desnecessários, desarmonia no grupo e não

comprometam a sociabilidade entre os praticantes (59) (p. 310, tradução livre). Para

Nívea, a harmonia é um elemento presente no relacionamento do grupo de

Movimento Vital Expressivo do CS I, no qual “não tem aquela coisa: - “não vou com

a cara de fulano”, etc. (...). é muito tranquilo, eu acho isso muito agradável, não tem

atritos, é bem harmonioso, é bem agradável”.

Como bem advertiu Madel Luz (20), as atividades de saúde orientadas

pelos “wellness” priorizam a cordialidade, a cooperação e a solidariedade como

estratégia de relação social, estimulando, assim, a

“renovação da sociabilidade, [a] constituição de “novos amigos”, de “trocas sociais” (de informações, experiências, conselhos, orientações) que vão

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95

pouco a pouco formando um tecido social comunicativo, com criação e extensão de atividades para fora do âmbito das práticas de saúde. O isolamento é aos poucos vencido e ressurgem nos indivíduos o otimismo e a esperança, com o reestabelecimento da confiança no outro, mesmo que no restrito grupo e no curto espaço de tempo onde a atividade é exercida”. (20) (p.120).

No contexto investigado, o Movimento Vital Expressivo e o Lian Gong

podem ser considerados como práticas “wellness” de baixa complexidade por

valorizaram o uso de tecnologias leves (60) (p. 5) no seu processo de trabalho em

saúde. O termo “tecnologia leve” diz respeito às relações que se estabelecem no

encontro entre o profissional de saúde e a pessoa acolhida, marcado por uma

relação intersubjetiva que favorece

“momentos de falas, escutas e interpretações no qual há a produção de uma acolhida ou não das intenções que estas pessoas colocam neste encontro; momentos de cumplicidades, nos quais há a produção de uma responsabilização em torno do problema que vai ser enfrentado; momentos de confiabilidade e esperança, nos quais se produzem relações de vínculo e aceitação”. (60) (p. 5).

O recurso da “tecnologia leve” marca um “processo de relações

intercessoras, surgido no encontro com o usuário e com as suas necessidades de

expressão de si, de produção de um corpo para si, mediada pela prática corporal e o

contexto que a envolve”. (32) (p.145) Dessa forma, podemos afirmar que este

enfoque “possibilita e potencializa a aproximação e interlocução entre profissionais

de saúde e usuários, reconfigurando relações médico-centradas em relações que

preservam (e até resgatam) as histórias de vida e os saberes dos indivíduos” (61)

(p.1502), estabelecendo, assim, a construção de relações horizontais entre instrutor

e praticante.

Para Lúcia, o instrutor de MVE e LG é um tipo de “profissional que se

preocupa com o social, que realmente enxerga uma pessoa”. Na percepção de

Claudia, coordenadora do CS II, um dos aspectos positivos das práticas corporais,

para o profissional que conduz o grupo, é a possibilidade de se aproximar dos

praticantes, pois o instrutor “acaba conhecendo o outro, no aspecto do ser humano,

às vezes uma dor no Lian Gong às vezes nem é tanto física né, às vezes se mistura

muito com a dor mental, não física. Então acho importante por causa disso”.

Milton, instrutor de MVE, apontou diferenças entre as relações que se

estabelecem no CS e no espaço do CECO, onde as práticas são realizadas,

justificando que

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96

“a gente tem um vínculo afetivo aqui que é prazeroso, ele é motivante. [...]. Então esse negócio de trabalhar em grupo ele é motivante, porque a gente tem um vínculo que é diferente. [...]. A relação com os profissionais do centro de saúde é meio tensa, e varia de profissional pra profissional, é tensa de verdade, porque as pessoas não conseguem estabelecer um vínculo com os usuários entendendo as suas problemáticas”.

Para Milton, a criação de um vínculo afetivo entre usuários do serviço de

saúde e profissionais passa pelo exercício da compaixão, que segundo ele é

“uma coisa que a gente aprende no Rio Aberto. [...] é compaixão mesmo, de se colocar no lugar do outro, as pessoas tem dificuldade em fazer isso, de - “olha, porque a dona Mariazinha vem aqui todo dia reclamar da mesma coisa? Porque aquele usuário vem pra cá fedido, malcheiroso, às vezes sujo?”. As pessoas não conseguem se colocar no lugar daquela pessoa que vê que se o seu Joaozinho chega aqui sujo é porque ele trabalha na reciclagem, ele lida com lixo, o trabalho dele é aquele trabalho humilde, então as pessoas não conseguem entender e se colocar no papel daquela”.

Desta forma, voltamos ao princípio da amorosidade que se configura na

construção de um vínculo baseado no diálogo, na alteridade, na confiança e na

reciprocidade entre o profissional de saúde e o “paciente”. Assumir essa postura é

essencial para os instrutores que conduzem os grupos de práticas corporais, pois,

além de ser tornarem referência para o grupo, a maneira como o grupo é conduzido

reflete em como a prática corporal é compreendida (e sentida) pelo praticante.

É certo que a condução da prática corporal está muito associada ao

habitus45 (62) da escola em que se formou o instrutor e pode ser desenvolvida de

uma forma completamente técnica, mecanicista e instrumental, ou então num

contexto humanizado de acolhimento, estimulando o protagonismo dos praticantes e

respeitando a diversidade do grupo e os limites de cada um, sem implantar

mecanismos que incitem a competitividade (e, consequentemente, a desarmonia),

como por exemplo, o estabelecimento de metas a serem atingidas (59)46. A

instrutora Helena ressalta a importância dessa sensibilidade na condução do grupo,

afirmando que

“a gente não pode também estar exigindo, a gente vai e arruma os movimentos tudo, mas cada um faz no seu limite. Então é uma coisa que a

45

Segundo Pierre Bourdieu, a noção de habitus pode ser definida como “como sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturantes, constituem o principio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”. (62) (p.191). 46

Denise Copelton (59) fala sobre a importância da natureza não competitiva em um grupo de caminhada, no

qual os “caminhantes” não aceitaram o uso de pedômetros para o monitoramento do desempenho individual, sendo percebido pela enfermeira responsável pelo grupo como um dispositivo inútil, já que, além dos caminhantes não aderirem ao aparelho, ainda afastou algumas pessoas do grupo (p. 309 e 312).

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gente tem que prestar bastante atenção, não ficar exigindo aqueles movimentos retos, fazer o melhor que pode no limite de cada um. [...]. Porque tem pessoas que ficam sentidas, acaba não indo, então eu tomo muito cuidado neste ponto, de não ficar muito em cima”.

Apesar de o instrutor Carlos realizar avaliações periódicas e

monitoramento clínico dos praticantes, pude observar que isso não se constituiu

como um controle negativo que afastasse as pessoas do grupo. As falas a seguir

confirmam meus registros sobre a maneira como Carlos conduz o grupo de

Movimento Vital Expressivo estimulando a permanência dos praticantes na atividade

e a harmonia no grupo

“o [Carlos] é agradável, ele sabe levar a gente (...) pra frente. (Seu Osvaldo). “[Carlos] é uma pessoa muito receptiva [...]. Ele vem com prazer, porque se ele não viesse com prazer, ele não ia passar essa harmonia para gente, alguma coisa ia ficar ruim no grupo”. (Nívea). “o [Carlos] é uma pessoa muito gente boa, então você curte a fazer. Eu acho que você tem que ser bem acolhida num lugar que você está frequentando. Você vai fazer um exercício com uma pessoa mal humorada? Não dá, aí fica chato, você acaba ficando estressada”. (Val).

Outras entrevistas também reportaram o papel dos instrutores na

permanência das pessoas nos grupos de LG e MVE. Para Rubens, “a presença da

[Teresa] atrai muita gente, ela dá toda assistência, e ela se tornou assim uma líder

para nós”. Lúcia também expressa essa questão, afirmando que os instrutores Milton

e Helena são “a alma do grupo” e

“o que te segura mesmo são os bons profissionais. Bons profissionais seguram na área de saúde, principalmente esses paramédicos, esses alternativos. [...]. Se você entrevistar o pessoal antigo, tanto aqui do Movimento quanto do Lian Gong, é uma ligação com o profissional, acaba sentindo bem, acaba formando aquele elo que você sente falta. [...]. Então o profissional, principalmente nessa área de alternativa, tem que ser muito bom para conseguir levar adiante a coisa. E nesse decorrer precisa ter um bom profissional atrás, aquele que te segura, que te faz vir”.

O contato semanal entre praticantes e instrutores, assim como o tempo de

participação nos grupos de MVE e LG, são fatores que favorecem maior proximidade

entre eles, e consequentemente, segundo Helena, uma maior abertura e liberdade

para que os praticantes procurem os instrutores para fazerem desabafos e/ou

pedirem conselhos sobre questões particulares. Dessa forma, o próprio grupo se

configura como um espaço-momento para “ouvir”, e, de acordo com a instrutora,

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98

bem distinto do espaço do Centro de Saúde, pois o próprio cotidiano do serviço não

oportuniza o desenvolvimento desse tipo de relação.

No processo de trabalho em saúde, o estabelecimento de vínculo por

meio do diálogo permanente e do respeito às diversidades contribui para a

construção de modelos de atenção voltados para qualidade de vida dos indivíduos

(63) e também para “reconstrução do encontro terapêutico” (64). Assim, a formação

de vínculo no trabalho em saúde não deve focar apenas a adesão e/ou a eficácia do

tratamento, mas sim a construção de uma relação verdadeiramente pautada na

interculturalidade47.

Nesse sentido, a formação de vínculos entre instrutores e praticantes nos

grupos de práticas corporais investigados orienta-se pelo princípio da convivialidade,

que contribui para romper com as assimetrias de poder e com relações autoritárias

nas instituições do campo da saúde. De acordo com Val e Dona Olímpia, tal

reorientação no relacionamento entre praticantes e profissionais permite uma

relação de amizade com os instrutores. Assim, afirma a primeira que “é uma relação

de amizade; não é só ir lá e ver a enfermeira no postinho, a gente encontra “oi tudo

bom?”, cumprimenta”. (Val) E a segunda reafirma este ponto de vista explicitando

efusivamente que “onde a gente tiver eles vêm cumprimentar, eles vêm conversar

com a gente. Então fica a amizade, além das aulas que eles dão para a gente, fica a

amizade”. (Dona Olímpia).

Assim, conforme as práticas corporais favorecem o desenvolvimento de

relações não institucionalizadas, decorre uma possibilidade de verdadeiro

comprometimento do profissional de saúde com o outro enquanto proposta política

(64), através do enfrentamento à racionalidade científica que permeia o processo de

trabalho em saúde e impõe objetividade no atendimento e distanciamento do outro.

Sociabilidade e participação nas atividades de lazer extra-prática

Para além do momento da realização das práticas corporais, há outras

formas de encontro que contribuem para a sociabilização do grupo, como:

excursões, passeios, almoços e outros tipos de reuniões organizadas pelos

47

Sumariamente, de acordo com Carrons (2004), a interculturalidade se constitui como uma relação de interlocução entre agentes e grupos sociais de culturas distintas, orientadas para uma perspectiva descolonizadora.

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99

instrutores e apontadas pelos praticantes entrevistados como um dos principais

benefícios de participar do grupo.

Tanto no grupo de LG do CS I, quanto no grupo de LG e MVE do CS II, os

praticantes participam da escolha do local e data da atividade, por meio de votações

que são realizadas em pequenas reuniões coordenadas pelos instrutores da prática.

Nessas reuniões, além de ter uma previsão do número de interessados é colocado

em pauta o valor estipulado da atividade (que habitualmente é acessível, de acordo

com as condições financeiras dos praticantes), os possíveis lugares e roteiros, a

data e a forma de pagamento. Quando o evento é finalmente definido é passada

uma lista entre os praticantes para que confirmem sua presença (ou fiquem na fila

de espera, como aconteceu nos dois passeios realizados pelo grupo de LG do CS I,

que tem em média 60 praticantes). Em geral, os passeios não são restritos aos

praticantes, que podem levar acompanhantes.

Além dos passeios, em datas comemorativas como dia das mães, dia dos

pais e aniversário do grupo são feitas reuniões – almoço, lanche da tarde ou café da

manhã – que podem ocorrer no local onde é feita a prática ou na casa de algum

praticante (como é o caso do grupo de LG do CS I, onde uma praticante sempre

cede sua casa para essas confraternizações). É interessante notar como o bingo

ocupa lugar de destaque nesses encontros, já que em nossas conversas informais

muitas vezes foi mencionado pelas praticantes como uma parte obrigatória da

comemoração, ressaltando os prêmios que já ganharam. Dona Olímpia

frequentemente participa das comemorações organizadas pelo CECO II e me falou

sobre as “festinhas”: “vai ter a festinha de dia das mães, ela [a instrutora Helena]

sempre faz, final de ano ela faz uma confraternização. O pessoal reúne, joga bingo,

se diverte, passa a tarde, é gostoso.”

Nas duas festas de dia das mães que participei (do LG do CS I e do CS II)

pude perceber que realmente o bingo é bem animado e rende boas risadas, e o

mais importante: aproxima as pessoas, não transformando o momento em uma

competição ou rivalidade. Quem participa vibra com a pontuação alheia, comemora

com quem ganha o prêmio, torce por quem ainda não marcou nada e também pede

ajuda pra encontrar o número sorteado na cartela. Inclusive, as condições opostas

de “azarada” (bingo do dia das mães do LG/CS I) e de “pé quente” (bingo do dia das

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100

mães do CS II) ajudaram-me a aproximar mais dos grupos e conversar com

praticantes que eu ainda não conhecia.

Dos quatro grupos acompanhados, apenas o MVE do CS I não oferece

qualquer tipo de atividade extra-prática, mas durante minha permanência no campo,

essa questão foi levantada quando o mural da sala onde a prática é realizada foi

preenchido com fotos de um passeio organizado por outros grupos do Centro de

Convivência. Nesse momento, os praticantes fizeram alguns comentários sugerindo

ao instrutor que o grupo também se organizasse para isso. Durante as entrevistas,

perguntei sobre esse assunto e o instrutor Carlos me disse que era uma proposta

interessante, e que gostaria de planejar algum passeio para oferecer ao grupo, mas

que precisaria ser um dia em que todos pudessem participar, já que a maioria das

pessoas do grupo trabalhava em tempo integral durante a semana. Para a praticante

Val “uma viagem pra fazer todo mundo junto, passar o dia, ia ser uma coisa boa”.

De acordo com o antropólogo José Magnani, o lazer não pode ser

entendido simplesmente como uma atividade marginalizada oposta ao trabalho,

ligada ao ócio ou ao escapismo, pois liga-se ao prazer e pode ser compreendido

como uma prática social que revela identidades (individuais e coletivas), relações

sociais, noções de pertencimento, grupos, padrões de comportamento, códigos e

regras sociais, etc. (65, 66). Para Gutierrez (67), o lazer é uma atividade social, livre

de controle e regras institucionais e

“caracteriza-se por uma liberdade relativa de opção, pela percepção individual e subjetiva da expectativa do prazer e pela autonomia e responsabilidade do agente sujeito da ação social. Isto coloca grande parte das manifestações do objeto lazer no campo da sociabilidade espontânea ou informal, compreendida aqui como espaço de interação distinto dos sistemas organizados formalmente, ou burocratizados, a exemplo das dimensões políticas e econômicas, definidas por Habermas como sistemas dirigidos pelos meios de poder e moeda”. (67) (p.88).

Complementando essa ideia, para a coordenadora Silvana, a atividade de

lazer

“favorece o convívio fora do espaço institucional e são relevantes para as pessoas de mais idade, que no caso é o grupo que faz lá com a [Teresa], são pessoas que já não tem uma atividade laboral, não tem uma ocupação certa e então isso vira um estímulo de vida, de objetivo e é um momento muito aguardado pela equipe, pelos participantes”.

Em geral, nos passeios e festas que participei, a grande maioria dos

participantes é de pessoas aposentadas, mas, mesmo assim, para participar destes

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101

eventos, precisavam de planejamento prévio (principalmente as mulheres),

sobretudo por causa dos afazeres domésticos e dos cuidados com os netos ou

companheiros adoecidos. Mas, apesar da dificuldade em ter um tempo realmente

livre por causa da sua rotina puxada com os trabalhos domésticos e o cuidado com

seu filho que necessita de alimentação especial, Dona Rosa, de 88 anos, afirmou:

“tem que seguir, porque a vida é essa. Risos. Ainda assim mesmo eu me divirto viu.

Risos. Eu passeio, vou fazer viagem, que nem quando vai por aí eu vou também, eu

não paro. Risos.”.

A oferta de atividades de lazer extra-prática pelos grupos de práticas

corporais contribuem também para aproximar as pessoas e reforçar o vínculo e a

interação social no grupo, aumentando o círculo de amizades. Foi através da

participação nessas atividades que Célia, praticante de LG, pegou “mais amizade

com a turma, assim, convivendo, de excursão. Tem excursão em tal lugar, daí você

gosta de viajar, então a gente vai aumentando o círculo de amizade, (...) a partir

desse grupo aqui uma vai falando pra outra.”. De encontro com essa declaração

afirma Lúcia, praticante de MVE e LG do CS II, que:

“são passeios que você fica 3 ou 4 dias na praia (...).. Se conhece mais e depois, às vezes, liga quando a gente some. A pessoa que realmente você conviveu mais nesses passeios, acaba tendo um elo maior. Às vezes não dá tempo de você ir até a casa, mas de vez em quando liga -“Oi, tá tudo bem com você?” Então algum contato sempre acaba tendo e exatamente com esses grupos que a gente ficou mais dias juntas”.

Nessa mesma perspectiva, para a instrutora de Lian Gong Teresa, os

passeios possibilitam “que o grupo fique cada vez mais unido, mais interessante e

eles [praticantes] gostam disso”. Além de promover união e aproximação do grupo, e

também de serem “muito importante e fazer bem pra saúde” (Lúcia), os passeios são

vistos por Raimunidinha, praticante de MVE, também como uma oportunidade para

fazer o que mais gosta: dançar – “eu saio, eu vou nas festas, vou dançar por aí,

quem leva é a [Helena, a instrutora]. Ela faz excursão e leva nós. Eu gosto, eu vou

dançar”.

Nos passeios e festas que acompanhei não observei qualquer tipo de

controle ou vigilância feita pelos instrutores – profissionais de saúde – no sentido de

advertências sobre alimentação saudável, comportamentos de risco ou então a

realização de atividades físicas ou recreativas monitoradas. Apesar de, por exemplo,

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102

o Casarão de Itu oferecer uma infraestrutura de hotel fazenda, com trilhas, piscinas e

outros ambientes para jogos e esportes, as únicas atividades que reuniram o grupo

(mas voluntariamente) foram o bingo (esse não podia faltar), o baile (com música ao

vivo) e a quadrilha junina, onde os “passeantes” foram convidados a participar das

brincadeiras realizadas pela recreadora do local. O propósito desses passeios é,

segundo Milton, “passar happy days” e são “sucesso, sucesso total. Por quê? As

pessoas vem pra falar, para jogar o bingo, socializar, enfim, para brincar (...). Então

faz muito sucesso por conta dessa convivência que é fundamental.”.

Assim, a integração dessas atividades de lazer aos grupos de Lian Gong

e Movimento Vital Expressivo segue um propósito que vai de encontro com o

objetivo das práticas corporais e proporciona a “vivência lúdica” (68) (p.125), a

criação de um vínculo maior de amizade entre os praticantes, enfatizando “a

capacidade que esses conteúdos têm de possibilitar o exercício da solidariedade, da

sociabilidade” (7) (p.39) ao invés de valorizar a cultura “fitness” da biossociabilidade,

que prioriza a melhora fisiológica, o ganho de força e resistência muscular, a

agilidade e outras capacidades físicas.

Considerações Finais

A partir da análise das entrevistas identificamos que a sociabilidade nos

grupos de práticas corporais investigados está fortemente ligada aos sentidos do

desenvolvimento de apoio social e formação de vínculos de confiança entre

praticantes e instrutores, que reorientam as relações estabelecidas no processo de

trabalho em saúde. Além disso, verificamos que dessas formas de encontro, a

sociabilidade no grupo expande-se para além do momento-espaço da realização do

MVE ou do LG, suscitando outras maneiras de “estar com o grupo”, através da

participação das atividades de lazer extra-prática, que ao mesmo tempo em que

reforçam os laços de amizade que se formam nos grupos, promovem aproximação e

a criação de novas amizades entre os praticantes e também com os instrutores.

Em consonância com os achados de Copelton (59), os dados empíricos

da pesquisa apontam que praticar Movimento Vital Expressivo e/ou Lian Gong não

diz respeito apenas à oportunidade de se exercitar regularmente para manter ou

recuperar a saúde, mas envolve um importante aspecto social, que contribui,

sobretudo, para a permanência do indivíduo nos grupos de práticas corporais. Nesse

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103

sentido, podemos compreender a participação nos grupos enquanto uma

“experiência social” e as próprias práticas como uma “atividade sociável” (59) (p. 306

e 312).

Dos vinte e um praticantes entrevistados, apenas seis acessaram o grupo

através de indicação de algum profissional de saúde. Destes, apenas um foi

encaminhado pelo médico do serviço, enquanto os outros cinco foram convidados

pelos próprios instrutores, que consideraram que a prática corporal seria apropriada

para a pessoa. A maioria, quinze pessoas, é “demanda espontânea” e soube do

grupo através da busca por informações sobre as atividades oferecidas pelos

serviços de saúde, por verem o grupo reunido ou por convite de parentes e amigos.

A divulgação das práticas corporais pelos próprios praticantes torna-se uma

importante forma de acesso às atividades, muito mais difundida do que entre os

profissionais de saúde, que pouco orientam os usuários do serviço sobre a oferta

das práticas não convencionais.

A adesão ao MVE ou ao LG através do boca-a-boca (4) ou, mais

especificamente, por causa da influência da experiência positiva de alguém que já

faz a prática (69), tem uma forte relação com o aspecto social das práticas corporais,

pois é uma característica comumente reforçada e compartilhada por quem convida

outras pessoas para conhecerem o grupo. As experiências pessoais com a prática

corporal e seus benefícios para a saúde estão associadas com o convívio, com as

novas amizades, com a diversão e com as atividades de lazer promovidas pelos

grupos. Afirmações como “faz bem”, “é uma oportunidade para fazer amigos”, “tem

música”, “descontrai”, “faz alongamento”, “se diverte”, “brinca e dá risada”, “passa

uma hora mais descontraído”, “o instrutor é bem legal”, “tem festa”, “encontra as

meninas” são as recomendações mais comuns dos praticantes para os seus

convidados.

Por outro lado, cabe destacar também que as práticas corporais colocam

em perspectiva outros saberes através do protagonismo dos praticantes e,

sobretudo, dos profissionais de saúde que conduzem os grupos, fazendo um

enfrentamento aos saberes tecnológicos legitimados pela ciência. A possibilidade de

agentes comunitários de saúde, enfermeiros e educadores sociais desenvolverem

trabalhos em grupo fora do espaço institucional do serviço de saúde, de forma mais

livre e autônoma, pode até não significar um rompimento total com o saber

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104

dominante da racionalidade biomédica, mas com certeza é um avanço rumo à “des-

profissionalização” da medicina e dos cuidados médicos (34), que, para Ivan Illich,

implica em revelar

“o mito de que o progresso técnico exige especialização constante das tarefas, das manipulações sempre mais abstrusas e de uma permanente e crescente demissão do homem obrigado a se tratar à revelia em instituições impessoais, em vez de depositar sua confiança em si mesmo e em seus semelhantes”. (34) (p. 131).

Finalmente, a partir dos relatos dos entrevistados e das observações

realizadas no campo cabe-nos então “re-pensar” a saúde e os benefícios das

práticas corporais em seus sentidos e significados para além daqueles estabelecidos

por instituições ou agentes institucionais, que tendem a instrumentalizar a saúde e

reduzi-la em seu valor utilitário. Assim, discutir as práticas corporais numa

perspectiva socioantropológica que envolva a sociabilidade, o prazer ou a satisfação

(20, 7, 59) permite colocar em evidência aspectos subjetivos, como por exemplo, as

sensações sentidas no momento da prática e as percepções dos praticantes sobre

as mudanças proporcionadas pelo Movimento Vital Expressivo e pelo Lian Gong.

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105

CAPITULO 3 – Os sentidos e significados das mudanças físicas, psíquicas e

sociais com a prática de Lian Gong ou Movimento Vital Expressivo

Apesar do Lian Gong e o do Movimento Vital Expressivo terem objetivos e

técnicas fundamentadas em conceitos próprios e de estarem institucionalizadas em

partes do Sistema Único de Saúde de acordo com diretrizes definidas pela Política

Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde e pela Política

Nacional de Promoção da Saúde, contudo coordenadores de serviços, profissionais

de saúde e usuários de práticas corporais têm suas próprias vivências e

experiências, atribuindo-lhes sentidos e significados positivos associados a

diferentes aspectos, como: relaxamento, melhora da postura, descontração,

desenvolvimento de equilíbrio e coordenação motora, qualidade do sono e aspectos

relacionados à sociabilidade.

A partir da análise temática do conteúdo dos textos produzidos por duas

praticantes de LG e MVE e das entrevistas realizadas com praticantes, instrutores e

coordenadoras de serviços de saúde de Atenção Primária em Saúde, identificamos

os temas relacionados e a forma como cada um experimenta as práticas corporais.

O objetivo deste capítulo é analisar os sentidos e significados atribuídos por estes

diferentes atores às mudanças físicas, psíquicas e sociais, experienciadas com as

práticas corporais.

Os sentidos e significados das mudanças

Segundo o dicionário de português Michaelis, a palavra “sentido” diz

respeito às representações, ao entendimento, à razão ou ao modo particular de

entender algo. Assim, as representações sobre o LG e o MVE feitas pelos

interlocutores trazem relatos sobre suas experiências com as práticas, onde as

descrevem segundo seus próprios sentidos, percepções e sensações. De acordo

com Carvalho e Luz (70),

“atribuir sentidos faz parte do universo simbólico e das relações sociais construídas pelo homem nas suas vivências. [...]. Construímos sentidos e significados sem termos obrigatoriamente consciência disso. Os sentidos nem sempre são enunciáveis, nem sempre cabem em palavras, pois residem também nos gestos, na expressão e nas formas de comunicação entre os corpos, não são redutíveis ao que de imediato pode ser percebido. A percepção também não é “natural” no homem, é socialmente construída, [...], é parte de uma estrutura construída subjacente ao sujeito [...]”. (70) (p.319).

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106

Embora o Lian Gong em 18 Terapias seja definido por Lee (17 p.14) como

“uma prática corporal especificamente projetada para a prevenção e tratamento de

dores no corpo [realizada através de movimentos] elaborados de acordo com as

características anatômicas e fisiológicas de cada região afetada (pescoço, ombros,

costas, região lombar, glúteos e pernas)”, no entanto, para Dona Heloísa, além de

ser um alongamento, o LG desenvolve a coordenação motora e estimula a

concentração. E ela destaca a importância deste estímulo: "a concentração durante

uma hora parece pouco, mas nesta vida agitada onde queremos fazer tudo ao

mesmo tempo, esta uma hora é preciosa e faz a diferença no nosso dia" (ANEXO

E). Já para Sílvia, a sensação provocada pela respiração trabalhada pelo LG é o que

mais lhe atrai nesta prática: “você respira [e aí ela demonstra, puxando o ar] e

parece que você sente, entra aquele ar no organismo com energia, boa energia.”.

Quanto ao MVE, além dele ser descrito por Maria Adela Palcos (71) como

uma técnica que desenvolve trabalhos de relaxamento, respiração e consciência de

si para promover uma transformação energética em nível individual (71), para Dona

Heloísa a prática promove “uma interação gostosa” (ANEXO F) envolvendo, para

Val, a troca de abraços entre os praticantes e diversão (ANEXO D). O resultado

disso, para seu Osvaldo, é que ele se sente “ótimo pra caramba, bonito, gostoso”.

Para Milton, o MVE provoca um “estímulo ou uma alegria, um bem-estar físico ou

emocional [...] por conta da música, por conta da própria, não é dança, mas a própria

dança, a ginga, dá essa alegria, dá uma descarga de adrenalina e as pessoas ficam

mais alegres, mais felizes”. Além disso, a música também compõe esse cenário:

“gosto da hora que coloca a música, aí eu sinto bem porque mexe os músculos.”

(Val).

Ao contrário da cultura fitness que apela ao discurso do risco, artificializa

o cuidado e força a adesão dos indivíduos ao consumo de uma variada gama de

produtos como um caminho seguro para a preservação da saúde, não permitindo

aos sujeitos estabelecer relações de sentido (72), as práticas corporais, por causa

das suas características e conceito ampliado de atenção ao corpo (7) (p.34),

permitem a apropriação pelos agentes sociais, contribuindo, assim, para o

deslocamento do discurso científico-normativo sobre o que é saúde, cuidado e

doença. De acordo com Alves e Carvalho (72)

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107

“Quando se dobra a atenção sobre uma prática corporal e se força a incuti-la como exercício regular de cuidado, tal movimento pode ser estimulado pela força imperativa dos ideais vigentes na esfera pública, ou por um movimento original de cuidado que não abre mão de si mesmo frente à presença insondável do ideológico. Enquanto no primeiro caso a prática não passa pelos crivos da adesão, no segundo o sujeito realmente se apropria da prática que realiza e faz deste movimento um exercício de cuidado consigo e com o outro”. (72) (p. 234).

As falas de Carmem, Lúcia e Heloísa representam bem a dinâmica da

apropriação da prática corporal e o movimento de cuidado consigo e com os outros.

Elas não só incorporaram em seus cotidianos o que aprenderam com as práticas,

como também compartilham com seus familiares.

“Eu não sabia, agora eu faço bastante, estou parada e estou fazendo os movimentos, sentada, esperando o ônibus, estou fazendo os movimentos com pés também. E falo pro meu marido: “enquanto você está sentado, vai mexendo os dedos, vai fazendo movimento com o pé” e eu faço pra ele ver”. (Carmem, praticante de MVE). “Em casa, às vezes, ela [Cris, sua filha] está muito nervosa, então eu falo assim pra ela, porque às vezes tem uns minutos dela que dá uma agitação, eu falo “calma, respira”, falo as coisas do Movimento [MVE], quando vai ver ela já está mais calma, já tranquilizou”. (Lúcia, praticante de MVE e LG). “minha irmã tá com começo de mal de Alzheimer, então eu tô levando pra ela o que aprendo e posso ensinar [do Lian Gong], de coordenação motora e essas coisas, então tudo o que eu aprendo eu vou levando pra ela”. (Heloísa, praticante de LG e MVE).

Segundo Alves e Carvalho (72) (p. 241), as práticas corporais permitem

aos praticantes experimentarem a “grande saúde”48, já que também podem propiciar

um movimento criativo, de abertura a diferentes “modos de querer, sentir e pensar”

e, assim, “a descoberta de diferentes pontos de vista” (p. 239), evidenciando o que o

corpo vivencia, por ele próprio, destituído do discurso ideológico normativo. Para os

autores, “este movimento de criação de si mesmo é o fôlego da grande saúde, no

qual opera o curso de uma vontade que direciona o ser nos caminhos de um vir a

ser em constante prorrogação.” (p. 237). Ao conhecer o CECO I e começar a praticar

o MVE, Dona Heloísa pôde vivenciar a grande saúde e se (re)descobrir, abrindo-se

para outras experiências:

48

Nietzsche, apud Carvalho e Filho, discute a “grande saúde” em termos de: “Nós [...] rebentos prematuros de um futuro ainda não provado, nós necessitamos, para um novo fim, também de um novo meio, ou seja, de uma nova saúde, mais forte alerta alegre firme audaz que todas as saúdes até agora. [...] aquele que quer, mediante as aventuras da vivência mais sua, saber como sente um descobridor [...] e também um artista, [...], um sábio [...]: para isto necessita mais e antes de tudo uma coisa, a 'grande saúde' - uma tal que não apenas se tem, mas constantemente se adquire e é preciso adquirir, pois sempre de novo se abandona e é preciso abandonar [...]. (Nietzsche, 2001, p. 286).”.

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108

“Antes de entrar aqui eu nem sabia que existia essas coisas boas da vida, foi uma felicidade. Deu chance pra eu declamar as minhas poesias, eu era muito tímida, então me soltei, eu me descobri artista, nossa, demorou mais de cinquenta anos pra descobrir minha vocação, um dom que Deus me deu de artista, poetisa, de dançarina”.

Podemos acrescentar a esse debate a ampla noção de saúde da

perspectiva xamânica em diferentes culturas, qualificada como

“estar em harmonia com a visão de mundo. Saúde é uma percepção intuitiva do universo e de todos seus habitantes como seres de um único estofo. É conhecer morte e vida, e não ver entre elas diferença alguma. É misturar e fundir, procurando o isolamento e o companheirismo para compreender nossas múltiplas identidades. Ao contrário das noções mais "modernas", na sociedade xamânica, saúde não significa sentir nada; nem ausência de dor. Saúde é buscar todas as experiências da Criação e vivenciá-las, sentindo sua textura e seus múltiplos significados. Saúde é expandir-se para além do próprio estado de consciência para experimentar os sussurros e vibrações do universo”. (73) (p. 25)

Criticar os limites de explicação do modelo biológico, que predomina a

prática biomédica, não significa desconsiderar seu conhecimento científico ou seus

avanços tecnológicos, mas sim questionar seus conceitos e o “plano de operação

nas práticas de atenção à saúde (...) o modo como o discurso da doença monopoliza

os repertórios disponíveis para o enunciado dos juízos acerca da saúde, a ponto de

jogar na sombra todos os discursos da saúde que não se estruturem pelo raciocínio

causal-controlista” (64) (p. 48). Assim, o que se critica é a tendência do discurso

biomédico em deslegitimar e desqualificar todas e quaisquer

sensações/expressões/saberes que não sejam consideradas oficiais.

De acordo com Baarts e Pedersen (52) (p. 720), os cuidados em saúde

propiciados pelas práticas integrativas e complementares permitem aos seus

usuários uma experiência mais próxima com o próprio corpo, possibilitando também

que signifiquem suas experiências junto às práticas. Em consonância com essa

proposição, Claudia, coordenadora do CS II, afirma que um dos principais benefícios

das práticas corporais “é o conhecimento do seu corpo, dos seus limites. Acho que

fazendo a prática você se conhece, conhece como corpo físico, conhece suas

limitações, você conhece um pouco mais do seu corpo”.

Compreendidas enquanto “práticas corporais introspectivas” (32) (p.142),

o MVE e o LG desenvolvem um trabalho corporal orientado para a superação da

dualidade mente-corpo e para a produção de consciência corporal, ampliando a

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109

atenção do praticante para as sensações que surgem com a realização da prática.

Dessa forma, para Carvalho e Luz (70 p. 315)

“Uma análise interpretativa nesses termos não constrói uma verdade única nem implica cisão corpo/mente, ao contrário, permite romper com a concepção de corpo fracionada. Esta, apesar de ter sido útil na modernidade, hoje, na cultura contemporânea, representa um reducionismo a ser superado. Embora tenha representado um grande impulso para a ciência moderna, hoje a representação desta cisão imprime um caráter fragmentário e mecanicista à totalidade humana”.

Para a coordenadora do CS I, Silvana, essas práticas levam “à reflexão, à

interiorização, à questão do corpo integrado com a mente, ao processo de saúde-

doença, do autoconhecimento, do autocuidado”. E é no envolvimento do praticante

com a atividade que ele vai percebendo a proposta das práticas corporais, como

afirmam abaixo Beth, Lúcia e Dona Conceição

“no início [era] pra mexer o corpo e depois foi ficando bem gostoso, a cabeça foi ficando bem legal” (Beth). “Eu acho que tem que se soltar, se entregar, voltar para si, pro teu corpo, com você mesma, de repente, tem esses momentos que a gente volta para a consciência” (Lúcia). “É uma coisa boa que a gente tá fazendo com o corpo né, a cabeça fica boa, a gente tá pensando só na gente naquele horário, né?” (Dona Conceição).

Neste contexto e com base em uma compreensão socioantropológica

podemos associar o conceito de corporeidade, ou embodiment, que se refere ao

“corpo vivido, ao nosso corpo ser-no-mundo, como o local onde se inscrevem

significados, experiências e expressões”. (54) (p.73, tradução nossa). Sonia Maluf

segue essa discussão e contribui para a abordagem sobre o corpo “não apenas

como objeto da cultura, mas também dotado de agência própria, não apenas como

receptáculo de símbolos culturais, mas como produtor de sentido” (74) (p. 88). Ao

afirmar o corpo como produtor de valores e sentidos, não apenas como objeto da

cultura, a autora enriquece o debate com a noção de agência (74) (p. 96), pontuando

que ora somos sujeitos, ora agentes das representações sociais.

Sendo assim, sem excluir o corpo como dado biológico e sua dimensão

física, a corporeidade diz respeito à construção social do corpo a partir de sua

inserção e interação no e com o meio ambiente e com outros corpos (74, 54). De

acordo com Luz (20), as atividades wellness podem ser visualizadas enquanto um

meio privilegiado onde o corpo encontra a possibilidade de sentir, se expressar e se

Page 110: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

110

relacionar. A partir da participação nos grupos de práticas corporais, os indivíduos

podem entrar em contato com seus próprios corpos e interagirem com outros,

estabelecendo, assim “uma relação com o outro e com o mundo” passando “a

experimentar uma nova maneira de estar presente” (4) (p. 56). Dessa oportunidade

do encontro consigo e com os outros, podem decorrer mudanças relativas à

aceitação da diferença e também para a convivência, como se pode observar nas

narrativas que seguem de Beth e Janete

“Eu acho que eu fiquei mais receptiva para pessoas um pouco mais simples, me deu um status de ver [...].”. (Beth, praticante de MVE). “Para mim fez super bem, fiz bastante amizade, parece que eu voltei a sorrir de novo, coisa que eu estava me trancando dentro de mim [...]. No começo quando eu cheguei, eu cheguei bem fechadinha, encalhada. Depois eu fui me soltando e hoje tenho uma convivência ótima com todo mundo [...].”. (Janete, praticante de MVE).

As percepções de mudanças também se associam à diminuição de dores,

na melhora do sono e também na diminuição no consumo de remédios. Para Dona

Vitória, o MVE “ajudou muito na artrose [...]. Eu me senti muito bem, bem melhor,

que, por exemplo, antes eu acho que tinha mais dor, dormia mais agitada. Hoje já

não tenho mais isso, melhorou bastante”. Durante a entrevista com Carmem, ela

relatou perceber que não sente mais as dores causadas pela tendinite, atribuindo a

melhora aos exercícios que aprendera com o MVE. Além disso, comemorou a

redução nos medicamentos que toma para controlar a pressão

“antes eu tomava três remédios de pressão e às vezes iam medir minha pressão e estava dezesseis e agora a médica tirou um remédio, só estou com dois e a minha pressão está sempre boa. Então eu estou atribuindo que é por causa do exercício que eu estou fazendo, o Movimento. [...]. Um remédio a menos já é muito bom. É muito ruim tomar remédio, eu não gosto.”

Segundo os instrutores Carlos e Milton e a instrutora Helena, as

mudanças com as práticas de MVE e LG refletem também na diminuição de idas ao

CS e na dispensação de medicamentos pelo serviço. Para Milton, essa mudança é

empiricamente percebida, entretanto, não há um registro oficial que comprove isso.

Helena explica o motivo da diminuição dessa demanda afirmando que se deve

“porque [as pessoas] está se cuidando mais. Estão vendo uma outra coisa que não

só a doença, não só a medicação. Tomam sim a medicação que é necessária, mas

não estão todo dia na porta do centro de saúde”. E Milton completa essa afirmação

narrando que “[as pessoas que frequentam aqui] reclamam pouco da vida, de dores,

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111

mesmo falando que tem doença, que vão, que enfim, tem lá seus agravos de saúde,

não reclamam tanto da vida”. A prática corporal além de ser uma forma de cuidado

desmedicalizado, para Carmem significa, também, a oportunidade restauradora de

ter uma hora só para si.

“só trabalho de casa, uma coisa para mim eu não tinha. Eu quero ter uma hora para mim, uma coisa minha e por isso que eu largo tudo e venho mesmo, porque é uma coisa minha, um horário meu. Não preocupo com a casa, com nada, com trabalho e nada. Uma hora minha mesmo. Um horário que ‘não conte comigo para nada’, porque é sagrado”. (Carmem)

É interessante destacar as relações com as práticas que os próprios

instrutores estabeleceram, pois perceberam que o LG e MVE provocaram mudanças

em suas vidas, contribuindo, principalmente em questões pessoais e profissionais,

como afirmam Tereza e Carlos abaixo.

“Depois que eu formei esse grupo, eu fiquei tão conhecida, como eu falei, eu ficava dentro de casa, tive depressão, eu agora sou outra, eu sinto o quanto isso para mim foi bom. Melhorou muito minha autoestima [...]”. (Teresa) “O impacto é que trouxe bastante beneficio pessoalmente para mim, porque eu sempre também me senti uma pessoa meia fechada, meia tímida e o Movimento me ajudou a trabalhar melhor isso, trabalhar essa coisa da timidez, eu era um pouco mais quieto, então na minha vida pessoal ele ajudou bastante, tanto profissionalmente como familiar nas relações”. (Carlos)

As mudanças proporcionadas pelas práticas corporais também refletem

diretamente na qualidade de vida dos praticantes e, em alguns casos, na

recuperação não só dos movimentos, mas da autonomia. Essa transformação

proporciona, além de liberdade e independência, também, “a retomada de confiança

no próprio corpo e a recuperação da autoestima” (4) (p.56). Na entrevista com Dona

Conceição e Dona Zilda, ao serem perguntadas sobre quais mudanças sentiram

com a prática de MVE, a segunda respondeu que “sente [o corpo] gostoso e parece

que se desenvolve um pouco mais” e ambas falaram sobre o processo de

reabilitação de certos movimentos.

“Eu tinha colocado a prótese, então não dava pra deitar, pra levantar, não conseguia no começo e eles que precisavam me levantar e tudo. Depois foi indo comecei a fazendo a ginástica e agora eu levanto e deito, não dói mais. A ginástica ajudou bastante”. (Conceição) “Eu penso que primeiro eu senti que antes eu não abaixava. Se caísse alguma coisa no chão, não dava pra abaixar pra catar. Então tinha muita coisa que eu não fazia, mas depois que comecei mesmo na ginástica mesmo aqui e lá na água, aí melhorou bem, nossa, eu não agachava e agora eu abaixo. Eu não levantava, que nem no começo quando eu vim a

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gente deitava no chão e era preciso eles [os instrutores] me ajudarem, agora, eu já fui levantando, foi uma boa melhora.” (Zilda).

Do mesmo modo, os trabalhos corporais desenvolvidos pelo MVE e LG

resultaram também no ganho de maior agilidade, conferindo, junto com isso, mais

disposição para que os praticantes possam “começar um dia muito animado” (Sílvia)

e desempenhem suas tarefas diárias, como afirmam Dona Olímpia, Ivone e Rubens.

“Eu senti mudança no meu corpo, a gente fica melhor para fazer o serviço e as atividades da gente. Na mente também a gente sente melhor porque a gente faz amizade, chega em casa mais alegre até para conversar com o marido porque a gente fica mais extrovertida”. (Dona Olímpia, praticante de LG). “Isso ajuda a gente a ficar mais solta, você sai mais leve, mais disposta para você continuar fazendo as tarefas do dia a dia. Se eu não fizesse isso, eu não ia conseguir fazer o que eu faço, que não é pouca coisa.” (Ivone, praticante de MVE). Como eu tenho problema de coluna e ombros devido ao trabalho, o meu trabalho não era leve, esses alongamentos, postura, tudo isso aí influencia que a gente se sente bem. Tanto é que eu saio daqui do Lian Gong e eu tô pronto pras minhas atividades, que eu não paro né? “Então eu saio alongado, aquecido, pronto pro que der e vier.” (Rubens).

Além disso, os praticantes também se referiram ao ganho de flexibilidade

e equilíbrio, além de uma melhor postura, já que as práticas corporais, de forma

geral, estimulam movimentos diferentes daqueles do cotidiano de trabalho, fugindo

do padrão de mecanicidade do corpo (4) (p. 47). Como afirma Denise, “eu acho que

eu melhorei bastante o equilíbrio, porque a gente vai ficando mais velha, então fica

difícil”. E os relatos do Seu Osvaldo e de Dona Rosa complementam sua visão

“antes eu não fazia exercício nenhum, eu só fazia exercício no trabalho só. Mudou. Tá melhor, ficou melhor. [Faz o movimento pra me mostrar]. Era durinho, agora consigo fazer [coloca o braço pra trás]. Essa mão vai sem fazer força. Não conseguia fazer isso antes. Eu tinha dificuldade de fazer. Depois que entrei aqui deu uma melhora”. “Cê vê, eu com a idade que eu tenho eu faço, o corpo fica tudo assim [mostra uma postura torta], assim pra trás, fico ó. É uma coisa que tá me ajudando é um verdadeiro remédio isso. [...]. Deixa o corpo em forma. Não fica aquela coisa. A costela, risos, tem gente que fica assim né [mostra uma postura “caída”], o meu não, fico retinha”.

Diante dos relatos trazidos pelos interlocutores, podemos afirmar que a

educação em saúde está diretamente associada às práticas corporais, devido,

sobretudo, às mudanças significativas originadas pelas práticas. A coordenadora

Silvana apontou para essa questão: “eu acredito que a nossa parte educativa, hoje,

está bem identificada com as práticas integrativas, porque tá muito mais na questão

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113

da educação, do que do condicionamento físico, do que uma prática técnica que a

gente faz no dia a dia”. A coordenadora continua e exemplifica afirmando que “existe

um momento sempre pra falar de alguma questão de saúde, mesmo que não

aconteça todas as vezes, mas se escolhe alguma questão voltada ao tema da

saúde”.

Apesar das questões abordadas nos grupos de práticas corporais do CS I

geralmente partirem muito mais da prevenção de doenças do que realmente sobre a

saúde, o jeito como essas questões são passadas pelos profissionais que conduzem

os grupos assegura a construção de uma relação dialógica entre os instrutores e os

praticantes. Rubens dá um exemplo sobre as orientações passadas pela instrutora

Teresa, que o ajudam a “manter também com certos cuidados, porque não é só o

Lian Gong, têm certas orientações que também a gente recebe, sem fazer bobagem,

ao invés de fazer coisa errada, a gente faz, a gente procura fazer certo”. Já para Seu

Anselmo, as conversas estabelecidas entre o instrutor e o grupo o ajudaram a

conseguir pedir desculpas quando sente que deixou alguém chateado: “eu já sabia,

mas não sabia, e não olhava, não tinha coragem de olhar na cara da pessoa e falar

‘muito obrigado’ ou ‘descurpa, não foi a minha intenção’”.

De acordo com essa ideia, Milton considera que o próprio trabalho em

grupo apresenta um sentido educativo e é uma oportunidade para trabalhar com a

comunidade questões sobre “reeducação alimentar, postural, de vida, de visão de

vida, de saúde, de atividades físicas” e salienta que através da participação nos

grupos, ocorre uma importante mudança, pois “aqueles usuários que frequentam

aqui com mais frequência, de uma forma mais sistemática, eles tem claramente qual

é o papel do centro de saúde, que é questão de agendar consulta, de fazer de uma

forma de promoção de saúde, de não ir lá só quando está no bico do corvo, com

aquelas dores”, compreendendo melhor, também, sobre o funcionamento dos outros

níveis de atenção em saúde.

O trabalho em grupo, sobretudo o que é desenvolvido a partir dos grupos

de práticas corporais investigadas, pode se afirmar, interliga-se com os princípios

estabelecidos pela Política Nacional de Educação Popular em Saúde, como o

diálogo e a construção compartilhada de conhecimento (44), que favorecem a troca,

a efetivação da intersubjetividade, a construção coletiva de saberes, o

desenvolvimento da autonomia e do cuidado emancipador, bem como do princípio

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da convivialidade. Nestes termos, as ações voltadas para a educação em saúde

contribuem amplamente para a participação dos indivíduos na construção de um

conceito ampliado de saúde (75) a partir de suas próprias referências e experiências,

descentrado da lógica normativa da racionalidade biomédica. Assim, alcança o que

propõe Vasconcelos (76) (p.114) para a educação em saúde, que deve se pautar,

portanto, em um “diálogo mais profundo que inclua a emoção, a razão e as

percepções simbólicas”.

Considerações finais

A partir da análise das entrevistas foi possível perceber uma polifonia de

sentidos atribuídos às práticas corporais investigadas. Em termos gerais, as

percepções de mudanças apontadas principalmente pelos praticantes e instrutores

se associam à melhora nos aspectos emocionais, físicos e sociais, resultando, por

exemplo, no relaxamento, na melhora da postura, na descontração, no

desenvolvimento de equilíbrio e coordenação motora, melhora na qualidade do sono

e também com aspectos relacionados à sociabilidade. Inerente a essas percepções,

os significados positivos da realização da prática corporal estão relacionados, por

exemplo, ao trabalho respiratório e aos movimentos desenvolvidos pelas práticas,

como também às músicas utilizadas na condução do Movimento Vital Expressivo.

Ao perguntar aos praticantes sobre as mudanças e sensações que eles

sentiam com a prática de MVE ou LG foi interessante observar suas expressões, ora

de estranhamento, ora de reflexão, ou de surpresa com a pergunta. Às vezes a

resposta já estava na ponta da língua, mas em algumas ocasiões a pessoa

entrevistada ficava pensativa e aos poucos ia construindo sua resposta, como Dona

Odete, que disse que, além de não ficar parada em casa, fica mais animada e sente

o corpo mais leve ao praticar o LG. Ou como Dona Olímpia, que tem uma “sensação

de alegria e contentamento por estar participando”. Sendo assim, não se trata de

medir ou comprovar a eficácia das práticas e analisar clinicamente esses resultados,

nem tampouco quantificar e classificar as mudanças relatadas em categorias, mas

sim compreender como os agentes sociais e institucionais se apropriam e qualificam

as práticas corporais.

Em um estudo sobre as motivações individuais para a escolha das PIC

como recurso terapêutico, Baarts e Pedersen afirmam que os resultados dos

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115

tratamentos com as práticas corporais vão além da cura instrumental de males

físicos ou psicológicos e incluem a possibilidade das pessoas explorarem e

conhecerem seu próprio corpo. Para as autoras, os “efeitos positivos do tratamento”

estão relacionados, principalmente, aos “benefícios derivados” (p. 729), que se

caracterizam como o processo de aprendizagem com as práticas corporais e a

experiência de saúde e de cuidado vivenciados pelos praticantes. Assim como os

dados empíricos desse estudo, os participantes daquela pesquisa refletiram sobre o

tratamento e relataram diversas sensações, como: maior controle das emoções,

relaxamento, felicidade, energia, entre outras percepções (p. 722 e 726).

Os sentidos das sensações e mudanças percebidas pelos interlocutores

trazem em si tudo aquilo que o corpo vivencia por ele próprio, não se fixando apenas

em padrões de comportamentos impostos por ideologias hegemônicas (77, 72). É

neste descentramento que se verifica a manifestação da grande saúde e “os

movimentos de criação e experimentação da vida” (72) (p. 239). Dessa forma, é

possível perceber que o encontro consigo, com os outros praticantes e com os

instrutores, promovido pelas práticas corporais investigadas contribui para “ampliar a

compreensão sobre as relações, os desejos, os interesses, as necessidades e as

distintas maneiras de viver a vida” (77) (p. 609), permitindo que cada um atribua

sentidos e significados próprios às práticas corporais e construa narrativas sobre si

(78, 52).

O discurso sobre os benefícios derivados das práticas corporais, sobre o

que é saúde ou como se caracteriza um corpo saudável, pode ser revisitado e “re-

formulado” a partir de construções subjetivas atravessadas por ideologias, normas e

percepções, que são elaboradas com as experiências dos agentes com o LG ou o

MVE e sua inserção em variados contextos sociais e institucionais. Para Baarts e

Pedersen (52), disso decorre a percepção individual sobre o que é bem-estar, pois

“Ao buscarem terapias alternativas, os clientes não estão interessados

apenas no alívio de uma doença ou na redução da dor. [...]. A procura de

bem-estar se articula em uma variedade de contextos sociais, contribuindo

assim para uma transformação nas nossas ideias de como a saúde é

alcançada. Para os entrevistados em nosso estudo, o bem-estar está

fundado tanto em um sentido de consciência que se concentra

simultaneamente nos níveis mental, emocional e físico e no domínio de si e

do corpo em relação a todas as esferas da vida.” (p. 730, tradução nossa).

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116

Para que as experiências sejam positivas, no entanto, é essencial que a

condução das práticas corporais esteja comprometida com os desafios epistémicos

das PIC para o campo da saúde, tais como: o foco na criação do vínculo; a

integração do ser humano com a sociedade e o meio ambiente; a visão

emancipadora do processo saúde-doença-cuidado; a promoção do autocuidado;

entre outros (10) (p.10). Assim, para que as práticas corporais contribuam para

ampliar a visão sobre o trabalho com o corpo é necessário que os instrutores

desenvolvam dinâmicas que permitam colocar em perspectiva outros saberes,

olhares, ideias e entendimentos sobre o que é saúde, doença e cuidado, ao invés de

simplesmente reproduzirem o discurso protocolar sobre a relação entre a prática de

atividade física e a prevenção de doenças.

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117

CONCLUSÃO

Inicialmente, ao elaborar o projeto de pesquisa, a sociabilidade parecia

ser algo restrito aos praticantes (vivenciada e valorizada somente por eles), sendo

apenas observada pelos profissionais de saúde que conduzem os grupos como uma

consequência da participação dos pacientes nas atividades do Cento de Saúde. Ao

conversar com os instrutores e acompanhar os grupos de LG e MVE, foi possível

perceber o quanto que a sociabilidade está presente e corporificada nas relações

desenvolvidas não só entre os praticantes, mas entre estes e os instrutores. Os

profissionais não apenas conduzem os grupos, de maneira instrumental, mas se

relacionam e se envolvem com os praticantes e com suas histórias. Dessa forma,

nota-se que a sociabilidade é um fator intrínseco e constituinte do grupo,

contribuindo para sua existência e permanência (e porque não resistência) em meio

a tantos protocolos e procedimentos biomédicos realizados pelos serviços de saúde.

Entretanto, observou-se que a sociabilidade vem acompanhada de outros fatores,

como a convivialidade e a amorosidade. Seus efeitos não são apenas o contato

social ou o aumento do círculo de amizades, mas o cuidado emancipador, a

cooperação e a possibilidade dos praticantes e profissionais de saúde ampliarem e

re-significarem seus entendimentos sobre o que é saúde, através de suas próprias

experiências com as práticas corporais.

Sendo assim, o Lian Gong e o Movimento Vital Expressivo são práticas

corporais com grande potência na atenção primária em saúde, se orientadas pelo

princípio da convivialidade e para a produção de encontros e cuidado emancipador.

No entanto, observou-se sua identidade com o imaginário biomédico, reforçando

rótulos e comportamentos associados a uma ideia de controle de doenças e

eliminação de fatores de risco. Apesar disso, por se estabelecerem como fenômeno

social e por serem constituídas por uma pluralidade de significados, valores, funções

e sentidos, essas práticas não se encerram no caráter utilitarista da racionalidade

biomédica, apresentando, ao mesmo tempo, aspectos terapêuticos, de sociabilidade

e de atividade física, por exemplo. Dessa forma, o modelo de cuidado produzido

pelas práticas corporais está fundamentado na ambivalência e é nomeado como

“intersociabilidade”.

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118

De acordo com a análise dos dados empíricos da pesquisa, verificamos

que a participação no grupo de práticas corporais contribui para um processo de

produção de saúde (individual e coletiva), de cuidado (consigo e com o outro), de

construção de laços de amizade, de conhecimento, de compartilhamento de

saberes, descobertas, transformações e engajamento social através da interação e

convivência entre praticantes e instrutores. Essas relações são

desinstitucionalizadas e estão orientadas pela solidariedade e pela reciprocidade,

incentivando o apoio social, uma potente ferramenta que proporciona acolhimento e

o rompimento com o isolamento social, estimulando a autonomia e o

empoderamento dos praticantes. Além disso, as práticas corporais estimulam a sua

apropriação pelos atores sociais, permitindo-lhes um contato mais próximo com o

próprio corpo e que atribuam sentidos, percepções e significados de acordo com

suas vivências e experiências com as atividades realizadas.

Finalmente, cabe uma reflexão sobre a institucionalização das práticas

corporais nos serviços de saúde no âmbito do SUS. Para que o princípio da

convivialidade se consolide no processo de trabalho em saúde, é essencial que os

instrutores conduzam uma reflexão sobre as práticas junto aos praticantes, através

de rodas de conversa, de modo que a atividade não vire um mero movimento,

instrumentalizado, focado simplesmente em uma proposta da atividade física como

forma de combate ao sedentarismo. Nos grupos acompanhados, os instrutores e

coordenadoras afirmaram que percebem a importância do convívio e as mudanças

que são proporcionadas pelo Lian Gong e pelo Movimento Vital Expressivo, mas

relataram que inexiste uma forma de registro e acompanhamento dessas

informações, não permitindo que seja feita uma avaliação para comprovar a eficácia

das práticas corporais. Diante disto, é importante pensarmos e desenvolvermos junto

com os praticantes, instrutores e gestores de saúde um instrumento qualitativo que

permita que os benefícios derivados das práticas corporais sejam dados tão

importantes quanto os indicadores valorizados pela cultura fitness.

Associada a essa problematização, podemos refletir sobre as formas de

acesso ao grupo. Será que o fato de haver um baixo número de encaminhamento

médico em comparação com a maioria dos praticantes serem “demanda

espontânea” indica simplesmente que há baixa institucionalização dessas práticas

nos serviços de saúde? Ampliando o olhar para essa questão, podemos visualizar a

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119

importância da agência dos praticantes, que recomendam e convidam outras

pessoas por causa de suas próprias experiências com as práticas corporais.

Entretanto, é imprescindível que haja maior divulgação e sensibilização sobre

práticas não convencionais entre os profissionais de saúde, que muitas vezes

desconhecem as atividades ofertadas pelo centro de saúde onde trabalham. A

missão-desafio que se segue é que as práticas corporais não sejam

institucionalizadas nos serviços de saúde de acordo com protocolos e prescrições,

mas que sejam, de fato, compreendidas pelos profissionais de saúde em sua

potência integrativa e enquanto práticas de cuidado e promotoras de saúde,

encontro e de bem-estar.

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120

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Page 126: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

126

APÊNDICES

Apêndice A – Caracterização dos entrevistados

Movimento Vital Expressivo CS I

Nome Cor Idade Escolaridade Religião Tempo de residência no bairro

Forma de acesso ao

grupo

Tempo no grupo

Participação em outras

atividades do CS/CECO

Profissão

Janete Negra 38 Primeiro Grau

Incompleto Católica 20 anos

Convite da amiga

2 meses Terapia em

Grupo Empregada doméstica

Anselmo Branco 70 Primário Completo Católico 25 anos Ficou sabendo

no CECO 2 anos

LG, Terapia em Grupo, Roda de

Música

Lavrador aposentado

Nívea Branca 46 Pós-graduação Não tem 46 anos Convite da irmã 1 ano Nenhuma Psicanalista

Val Branca 51 Primeiro Grau

Incompleto Evangélica (Nazareno)

39 anos Orientação do

instrutor de MVE

2 anos Nenhuma Empregada

doméstica/Babá

Vitória Branca 69 Primário

Incompleto Assembleia

de Deus 40 anos Convite da filha 1 ano

Outro grupo de MVE do CS

Dona de Casa

Carmem Negra 56 Primário Completo

(EJA I) Católica 8 anos

Orientação do instrutor de

MVE

1 ano e 9 meses

Nenhuma Empregada doméstica

Osvaldo Branco 68 Primário

Incompleto (EJA I) Católico 50 anos Encam. médico 6 meses Nenhuma

Benzedor e Agricultor

Page 127: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

127

Movimento Vital Expressivo CS II

Nome Cor Idade Escolaridade Religião Tempo de residência no bairro

Forma de acesso ao

grupo

Tempo de participação

no grupo

Participação em outras atividades

do CS/CECO

Profissão

Raimundinha Sarará 89

anos* Cursando o EJA Católica 22 anos

Informação no CS e boca

a boca Mais de anos Não

Faxineira e cozinheira

aposentada

Lúcia Branca 59

anos

Médio Completo e curso técnico

em instrumentação

cirúrgica

Católica 40 anos Boca a boca 7 anos LG Instrumentadora

cirúrgica aposentada

Conceição Branca 73

anos Primário Completo

Católica 46 anos Convite da

Zilda 3 anos Não

Costureira aposentada

Zilda Marrom 86

anos Primeiro Grau

Incompleto Católica

Há muitos anos

Indicação da instrutora de

MVE/LG 4 anos Não

Empregada doméstica

aposentada

Beth Branca 54

anos

Médio Completo e formação em ballet clássico

pelo Royal Ballet

Católica 25 anos Boca a boca 2 anos Não Autônoma

Ivone Negra 57

anos Médio Completo

Católica, mas aberta

a outras religiões também

22 anos Convite da

Beth 2 anos Não

Empregada doméstica

aposentada

* Entretanto, conversando com o instrutor Milton, ele relatou que, na verdade, ela tem 91 anos.

Page 128: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

128

Lian Gong CS I

Nome Cor Idade Escolaridade Religião Tempo de residência no bairro

Forma de acesso ao

grupo

Tempo de participação

no grupo

Participação em outras atividades

do CS/CECO

Profissão

Sílvia Branca 72

anos Superior

Completo (Artes) Protestante -

Convite de uma amiga

Pouco mais de um ano

Não Funcionária

pública aposentada

Denise Branca 67

anos

Superior Completo

(Pedagogia) Espírita 17 anos

Convite de uma amiga

8 anos Não Bancária

aposentada

Rubens

Acha que é branco

62 anos

Médio Completo e Técnico Industrial

Católico 62 anos Boca a boca 3 anos Não Mecânico

ferramenteiro aposentado

Heloísa Branca 70

anos

Superior Completo

(Química-Física) Católica 20 anos

Foi conhecer as atividades

do CECO 3 anos

MVE, Coral, Dança, Música,

Grupo de Autoestima

Professora aposentada

Page 129: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

129

Lian Gong CS II

Nome Cor Idade Escolaridade Religião Tempo de residência no bairro

Forma de acesso ao

grupo

Tempo de participação

no grupo

Participação em outras atividades

do CS/CECO

Profissão

Odete Morena 74

anos Primário Completo

Católica 45 anos

Orientação do médico do CS e convite da instrutora

Aprox. 5 anos

Não Copeira

aposentada

Olímpia

Branca

73 anos

Primário Completo

Católica 30 anos Convite de uma amiga

8 anos Não Aposentada

Rosa Morena 87

anos Alfabetizada Católica 46 anos

É mãe da instrutora

10 anos Não Lavradora

aposentada

Célia Amarela

(descendente de japonês)

62 anos

Pós-graduação (Psicopedagogia)

Católica 22 anos Boca a boca 8 meses Dança e

Massagem Professora aposentada

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130

Profissionais CS I

Nome Cor Idade Escolaridade Função no CS Profissão Religião

Claudia Branca 39

anos Superior Completo

Coordenadora Médica

Sanitarista Evangélica

Milton Negro 58

anos Superior Completo

Educador Social, terapeuta

comunitário e instrutor de MVE

Psicólogo Ateu

Helena Branca 56

anos Médio Completo

Agente Comunitária de

Saúde; monitora na aula de

dança; instrutora de LG e MVE

Agente Comunitária de Saúde

Espírita

Profissionais CS II

Nome Cor Idade Escolaridade Função no CS Profissão Religião

Silvana Morena Clara 43

anos Superior Completo

Coordenadora Enfermeira Católica

Carlos Branco 51

anos Superior Completo

Aux. de Enfermagem e

instrutor de MVE Enfermeiro

Evangélico (Assembleia

de Deus)

Teresa Branca 60

anos Médio Completo

Agente Comunitária de

Saúde e instrutora de LG

Agente Comunitária de Saúde

Católica

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Apêndice B – Roteiro de entrevista (praticantes)

Identificação e dados gerais Data da entrevista/Centro de Saúde/Nome do entrevistado/Sexo/Idade/Cor/Local de nascimento/Religião/ Escolaridade/ Profissão/ Tem algum problema de saúde que precisa de tratamento ou algum tipo de acompanhamento? Quais práticas corporais você pratica? Há quanto tempo? Participa de outros grupos do serviço de saúde? Quais? Com qual frequência passa por consultas médicas? Houve indicação do profissional de saúde? Qual? Quem indicou? (amigo, vizinho, parente). Por que resolveu praticar? Está satisfeito/a com os resultados? Por quê? Sentiu algo diferente desde que começou a fazer a prática? O que? Sentiu mudanças no corpo/ mudanças físicas? E mudanças no aspecto emocional? Quais? Quais sensações você sente ao praticar a atividade? Quais são os benefícios das práticas corporais? Opinião geral sobre as práticas corporais integrativas. Você tem amizades dentro do grupo? Costumam se encontrar fora dos horários da prática? Há quanto tempo mora no bairro? Me conta um pouquinho sobre sua rotina. Como você vai até o espaço onde a prática é realizada? O que você acha do grupo? Conte um pouco sobre como é o convívio com as pessoas do grupo e com os profissionais de saúde. Tem algum (a) amigo (a) de longa data no grupo? Quem é? Como se conheceram? Fale-me sobre os passeios. Você participa? Pra onde já foi? Como é a sua relação com o/a instrutor(a)?

Page 132: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

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Apêndice C – Roteiro de entrevista (instrutores/profissionais de saúde) Identificação e dados gerais

Data da entrevista/Centro de Saúde/Nome do profissional/Sexo/Idade/Cor/Local de nascimento/Religião/Profissão/Tipo de contratação Ofertas de serviços de práticas integrativas corporais - Quais as práticas integrativas ofertadas pelo serviço? - dias e horários - local - média de participantes - acesso - faz alguma avaliação de saúde periódica do grupo? - início da prática - profissão do instrutor que realiza a prática - Há algum praticante ou profissional da equipe que assume o grupo na sua ausência? - Quais são os principais problemas de saúde atendidos no serviço? - Como é a relação dos praticantes com o CS, com a equipe? - Como os médicos e demais profissionais de saúde lidam com as PIC? Existe encaminhamento por protocolo? Existe aceitação ou algum conhecimento? Conhecimento sobre práticas integrativas - Especialização/ treinamento em práticas integrativas corporais Experiência com práticas integrativas corporais; - Conhecimento sobre a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde; - Pra você, quais são os benefícios das práticas integrativas? Percepções sobre as práticas corporais - Me fala um pouco sobre os praticantes religiosos e a relação com o corpo. Como lidam? Já teve que resolver algum “problema” em relação a isso? - Quais as mudanças mais visíveis nos praticantes? - Quais são suas motivações para o uso das práticas corporais? - Como é a sua relação com os praticantes? - Os praticantes fazem amizade aqui? - Me conte sobre como são os passeios. - Pra você, quais os aspectos positivos e negativos da realização das atividades para a equipe? E pros praticantes? - O que você acha do grupo? - Como é pra você poder trabalhar com as práticas?

Page 133: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

133

Apêndice D – Roteiro de entrevista (coordenadores)

Identificação e dados gerais

Data da entrevista/Centro de Saúde/Nome do profissional/Função no CS/Idade/Cor/Local de nascimento/Religião/Profissão/Tipo de contratação Ofertas de serviços de práticas integrativas - práticas ofertadas - dias e horários - espaço físico - média de participantes - acesso - avaliação - início da prática - profissão do instrutor que realiza a prática - profissão do coordenador do serviço - principais problemas de saúde atendidos no serviço - No serviço, além dos instrutores que estão participando da pesquisa, tem mais algum profissional de saúde capacitado com alguma PIC? Você trabalha com as PIC? - Como os médicos lidam com as PIC? Tem aceitação, existe algum protocolo para encaminhamento? Conhecimento sobre práticas integrativas corporais Conhecimento sobre a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde; Conhecimento sobre os benefícios das práticas integrativas corporais. Quais são as suas motivações para a implantação das práticas integrativas corporais? Você implantaria mais alguma prática integrativa na unidade? Percepções sobre as práticas corporais Pra você, o que o LG ou o MVE promove? Você já praticou? O que achou? Quais as principais mudanças com a prática dessas atividades? Pra você, quais são os aspectos positivos e negativos da realização das atividades para a equipe? E pros praticantes? Como é a relação dos praticantes com o CS, com a equipe e com os instrutores? Você vê diferença entre os usuários que fazem alguma prática corporal e os que não fazem na relação aqui com os funcionários do serviço?

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134

ANEXOS

Anexo A – Autorização da Secretaria Municipal de Campinas

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135

Anexo B – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – FCM/UNICAMP

(página 1 de 3)

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136

Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – FCM/UNICAMP (página 2 de 3)

Page 137: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

137

Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa – FCM/UNICAMP (página 3 de 3)

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138

Anexo C – Cartão de Controle de Hipertensão/Diabetes personalizado

MVE CS I

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139

Anexo D – Narrativa: “Movimento com João”. Autora: Claudelina Pereira

da Silveira, praticante de MVE do CS I.

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140

Anexo E– Narrativa “9º Aniversário do Grupo de Lian Gong” (frente).

Autora: Miriam Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do

CS I.

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141

Anexo E– Narrativa “9º Aniversário do Grupo de Lian Gong” (verso).

Autora: Miriam Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do

CS I.

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142

Anexo F – Narrativa “Movimento Vital Expressivo” (frente). Autora: Miriam

Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do CS I.

Page 143: Texto Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva, de Janaína

143

Anexo F – Narrativa “Movimento Vital Expressivo” (verso). Autora: Miriam

Brasilino de Carvalho Miatto, praticante de LG e MVE do CS I.

no “CECO I”.

do “CECO I”

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144

Anexo G – Nota de Esclarecimento Centro de Saúde I