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1 Prof. José do Carmo Toledo DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO – DEMAT Introdução à História da Matemática Concepções de história – fundamentos teóricos Há uma espécie de história que é “construída com base na extração e combinação dos testemunhos de diversas fontes” e que pode ser designada por “história de cola-e- tesoura”. Esta forma de história vive a ilusão de alcançar um conhecimento cem por cento objetivo, onde o papel do historiador é silenciado. As fontes têm a verdade inscrita, salvo se se verificar que estamos perante uma falsificação. A verdade resultaria, assim, do somatório dos fatos organizados numa narrativa homogênea e convincente. Esta história esquece que as fontes não conservam a verdade. Desde logo, os caprichos da vida natural e humana fizeram com que tenham “desaparecido” muitos eventos históricos. Com efeito, o que nos foi legado é, desde logo, uma seleção produzida pela própria história da Humanidade. Os contemporâneos dos eventos foram os primeiros a selecionar. Se o critério para a verdade é o da objetividade, então convém dizer que há muita subjetividade no trabalho do historiador (como no de qualquer outro cientista). Há outra questão afeta ao trabalho do historiador e que aqui será discutida apenas sumariamente – o anacronismo. Fazer ao passado perguntas que habitam o presente requer, normalmente, uma série de cuidados: evitar levar para o passado palavras, conceitos e convenções que não lhe pertencem; evitar comparações entre concepções de hoje e de ontem. Estes são alguns cuidados que um historiador deve ter para não incorrer no anacronismo.

Texto introdutório do curso - questões teóricas sobre historiografia

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Prof. José do Carmo Toledo DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA E CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO – DEMAT

Introdução à História da Matemática

Concepções de história – fundamentos teóricos

Há uma espécie de história que é “construída com base na extração e combinação dos

testemunhos de diversas fontes” e que pode ser designada por “história de cola-e-

tesoura”. Esta forma de história vive a ilusão de alcançar um conhecimento cem por

cento objetivo, onde o papel do historiador é silenciado. As fontes têm a verdade

inscrita, salvo se se verificar que estamos perante uma falsificação. A verdade

resultaria, assim, do somatório dos fatos organizados numa narrativa homogênea e

convincente. Esta história esquece que as fontes não conservam a verdade. Desde

logo, os caprichos da vida natural e humana fizeram com que tenham “desaparecido”

muitos eventos históricos. Com efeito, o que nos foi legado é, desde logo, uma seleção

produzida pela própria história da Humanidade. Os contemporâneos dos eventos

foram os primeiros a selecionar. Se o critério para a verdade é o da objetividade, então

convém dizer que há muita subjetividade no trabalho do historiador (como no de

qualquer outro cientista).

Há outra questão afeta ao trabalho do historiador e que aqui será discutida apenas

sumariamente – o anacronismo. Fazer ao passado perguntas que habitam o presente

requer, normalmente, uma série de cuidados: evitar levar para o passado palavras,

conceitos e convenções que não lhe pertencem; evitar comparações entre concepções

de hoje e de ontem. Estes são alguns cuidados que um historiador deve ter para não

incorrer no anacronismo.

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Entretanto, esses cuidados, quando excessivos, tornam-se verdadeiras barreiras que

impedem o conhecimento de facetas potencialmente fecundas para uma visão

ampliada do período estudado e do próprio presente, barreiras que dificultam o

compreender o presente pelo passado e o passado pelo presente. É importante que o

historiador ouse mais em suas pesquisas sem, contudo, negligenciar a sutileza

necessária para esse ‘jogo anacrônico’. Entre o atual e o antigo é preciso saber ir e vir,

e sempre se deslocar para proceder às necessárias distinções.

Percebe-se aí a importância de pensar a história como uma via de mão dupla e a

necessidade de importarmos e exportarmos questões, não com o intuito de mudar o

passado, mas de repensar o presente. Não se pretende defender a apologia da

continuidade ou a afirmação de uma possibilidade de igualdade em relação aos gregos

da Antiguidade, mas apreender o que nos faz diferentes, percebendo as

potencialidades de mudança que o conhecimento de outras formas de pensamento

nos oferece. O fazer o tempo é para o historiador sua ação primordial.

Basicamente, a história pode ser vista de dois modos: primeiro, podemos supor que

os fatos históricos seguem uma linha de evolução constante desde o aparecimento

do homem na Terra até os dias de hoje. Então, cada século é enriquecido com as

conquistas do século precedente e, assim, os tempos atuais seriam a culminação de

todo o trabalho da humanidade do passado. Dentre os fatos que parecem corroborar

esse ponto de vista apontamos os seguintes:

1. O progresso tecnológico:

Cruzamos os oceanos em aviões a jato, vamos até a lua, recebemos pela

televisão imagens situadas a milhares de quilômetros de nós, recebemos

pelo computador fotos, músicas, vídeos e filmes via Internet (com fio e

wireless) etc.

2. O progresso científico:

Armados de computadores e aparelhos sofisticados, sondamos os mais

íntimos segredos dos átomos, das estrelas, das galáxias, o que pode nos dar

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a sensação de sermos semideuses com domínio quase completo das forças

da natureza; e a medicina, que maravilha! Já conseguimos curar uma enorme

quantidade de doenças e, com os progressos da genética, até já

vislumbramos a possibilidade de criar seres vivos e até mesmo seres

humanos com inteligência superior programados como robôs de carne e osso!

E assim por diante. Diante de tudo isso, os vagabundos de plantão – que

poluem o mundo com o furto e as negociatas indecentes – ficam

boquiabertos com “tanto progresso”, uma vez que eles se fartam com os

lucros que abastecem suas contas bancárias e aplicações financeiras de toda

espécie. Entre os intelectuais, o mito do progresso é engolido por vaidade

pessoal. A psicologia nos ensina que, salvo raras exceções, nada é mais

agradável do que pensar na grandeza das nossas criações nas ciências, nas

artes e nas letras. Olhando para o passado como um degrau para galgar

níveis mais elevados, são arrogantes e se sentem superiores.

É importante mencionar o seguinte:

• Uma atitude de soberba é mais comum entre os homens de ciência do que

entre os artistas. Uma catedral gótica não é superior – nem inferior – a um

templo da Grécia antiga: é apenas diferente! Mas dizer que a geometria

diferencial moderna não é nem superior nem inferior à geometria de Euclides,

“oh! Isso não!” O curioso é que, com todo esse “progresso”, poucas pessoas

tomam consciência de que nunca houve tanta gente morrendo de fome,

doenças e guerras de todo o tipo. Esse pode ser um argumento emocional e

muito gasto pelo uso. Mas, verdade seja dita: a vergonha da desigualdade

entre os homens continua berrante. Ancorados solidamente na filosofia,

podemos ultrapassar os argumentos emocionais, e elaborar pontos de vista

que evidenciem a ilusão desse mito do progresso que, em particular, na

história, contamina como uma doença contagiosa, afetando até mesmo

mentes mais esclarecidas de nossos tempos. Nessa ilusão do novo, o velho é

descartado ou tido como “coisa para museu”.

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Alternativa metodológica:

Uma segunda linha de interpretação da história, a ser assumida nesta disciplina, não

a vê como uma evolução constante, mas, sim, como uma sucessão de organismos,

que evoluem segundo certas leis que denominamos culturas ou civilizações.

Portanto, a história pode ser definida como o estudo das culturas históricas e suas

relações. Como um organismo, as culturas históricas se exteriorizam através de

formas expressivas associadas a um grupo de povos que possuem uma imagem

comum do Universo.

Nesse âmbito, é importante notar que o método de estudo da História não pode ser

apenas o dedutivo – como causa e efeito –, mas, principalmente, necessita do

método indutivo que, pelo uso do princípio da analogia, permite sentir e apreender

a evolução global das culturas históricas harmonizando os fatos num quadro geral

em que seja possível explicar um grande número de situações absolutamente

incompreensíveis no contexto da corrente filosófica anterior. O fenômeno

matemático vai aparecer, então, em sua essência, de maneira harmônica com as

outras criações humanas, fato este completamente obscurecido e distorcido pela

ideia nefasta contida no entendimento do progresso como um fenômeno

ascendente e contínuo.

Da Filosofia da História surgem as seguintes ponderações:

I. A natureza toda – que inclui também a história – é um grande organismo que

evolui com uma lógica interna que precisa ser compreendida.

II. Na visão que desejamos adotar nesta disciplina, os fatos históricos se tornam

consequências das diferentes manifestações do ESPÍRITO e que, usando os

homens, lhe dá a forma. Os grandes gênios e as grandes figuras da história,

em vez de serem vistos como heróis ou dominadores, são compreendidos

como manifestações visíveis da ação do Espírito.

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III. A história pode ser assumida como uma sucessão de culturas ou civilizações.

IV. A história é o desenvolvimento do Espírito no Tempo, enquanto a Natureza é

seu desenvolvimento no Espaço. Existe uma entidade superior – denominada

IDEIA ou ESPÍRITO – que se manifesta no tempo (HISTÓRIA) e no espaço

(NATUREZA). Na sua primeira forma de manifestação (no tempo), a IDEIA se

expressa em formas, usando, para isso, os seres humanos – por possuírem

razão – e essas formas se sucedem no tempo dando origem aos Estados –

que correspondem às várias Cultura Históricas ou Civilizações. Essas culturas

nascem, crescem e morrem e, então, o ESPÍRITO, em seu processo constante

de aperfeiçoamento, dá origem a uma nova cultura que também evolui e

morre. Dessa maneira, a história pode ser vista como sucessão de culturas

consideradas como organismos com uma vida própria e, consequentemente,

com uma fisionomia própria que aparece com formas expressivas: escultura,

arquitetura, pintura, música, matemática etc.. Quando nos envolvemos com o

estudo da evolução do conceito de número, por exemplo, decorre dessa

concepção de história que, em cada uma das civilizações, o ESPÍRITO ou a

IDEIA imprime ao conceito de número uma forma expressiva peculiar; assim,

advém que as matemáticas de duas culturas diferentes não são nem mais

avançadas nem mais atrasadas uma em relação à outra, mas são

simplesmente distintas, do mesmo modo que, por exemplo, a arquitetura

gótica não é mais evoluída do que a arquitetura grega, mas apenas diferente

dela.

Vamos assistir ao filme “The story of 1” – produzido pela Rede de Televisão BBC de

Londres – em que é possível vislumbrar algumas destas questões teóricas aqui

tratadas. A tradução literal do título do filme é “A História do Número 1”; prefiro

assumir que se trata de UMA história do número 1.

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Os primórdios da Matemática

A fim de colaborar para uma necessária reflexão sobre as histórias do Universo, da

vida sobre a Terra e da dramática trajetória do Homem desde o seu surgimento,

vamos assistir em seguida o filme “Quest for Fire” que pode ser traduzido para

“Guerra do Fogo”.

Para complementar as informações oferecidas pelo supracitado filme, serão

relacionados, na sequência, alguns dos mais importantes marcos da história

universal:

Retroativamente aos nossos dias

Marco

15 bilhões de anos “Big Bang” dá origem ao Universo

14 bilhões de anos Surgem as primeiras galáxias

10 bilhões de anos Surge a Via Láctea

5 bilhões de anos

Forma-se o Sistema Solar; cristais assumem certas

formas geométricas; corpos celestes orbitam em

elipses

2 bilhões de anos Primeiras formas de vida

600 milhões de anos Profusão de vida no mar

500 milhões de anos A vida migra para a terra

300 milhões de anos Plantas cobrem o planeta

250 milhões de anos Proliferação de insetos e flores

200 milhões de anos Começa a era dos dinossauros

150 milhões de anos Surgem os primeiros mamíferos

65 milhões de anos Fim súbito dos dinossauros

50 milhões de anos Vivem os ancestrais dos primatas

40 milhões de anos Proliferação dos mamíferos

30 milhões de anos

Vivem os ancestrais dos primatas superiores,

abelhas e vespas constroem favos de secção

hexagonal; pétalas do girassol dispõem-se

conforme a sequência de Fibonacci

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6 milhões de anos Hominídeos adotam caminhar bípede e liberam as

mãos

3,5 milhões de anos Vários tipos de australopitecos povoam a África

2 milhões de anos Surge o primeiro membro da família Homo – o

Homo Habilis – capaz de construir instrumentos

1,6 milhões de anos Surge o Homo Erectus que dominou o fogo e que

deixou a África há 1.400.000 anos

300 mil anos Surge o Homem de Neandertal

Entre 250 e 200 mil anos Surge, na África, o Homo Sapiens Sapiens

100 mil anos O Homo Sapiens Sapiens deixa o continente

africano e começa a povoar todo o planeta

50 mil anos

• O Homo Sapiens Sapiens chega à Austrália,

atravessando pleo menos 60 km de mar aberto.

• Surgem utensílios mais bem elaborados o que

sugere pensar numa “revolução cultural”

cusada, talvez, pela melhoria da linguagem

entre os Homo Sapiens Sapiens

35 mil anos O Homo Sapiens Sapiens chega à Europa

30 mil anos

• Desaparecem os neanderthais.

• Possivelmente, o Homo Sapiens Sapiens

chegou à América (há controvérsias!)

20 mil anos

Arco e flecha – talvez inventados muito antes – são

usados correntemente; surgem as lâmpadas a óleo,

agulha de coser, arte pictórica de alta qualidade

(em cavernas europeias)

14 mil anos Domesticação de animais; o homem já não é

intensamente nômade

11 mil anos (em torno de 9000 a.C.)

A agricultura é praticada na Mesopotâmia (local

onde, hoje, é o território do Iraque)

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Atenção!

Em torno de 9000 a.C., a História da

Humanidade atinge um marco crucial: a prática

da Agricultura.

Ao aprender a cultivar as plantas para delas obter alimentos e insumos, o Homem

deu início à primeira grande revolução em sua forma de viver. A Agricultura permitiu

o aumento mais rápido da população, fixou o Homem à terra, obrigando-o a se

organizar socialmente de forma mais complexa: foi preciso aprender a planejar e a

dividir o trabalho, além de compartilhar o território e os seus frutos. O entendimento

dos ciclos das estações do ano e a contagem do tempo por meio de calendários

também se tornaram atividades imprescindíveis; consequentemente, os astros

passaram a ser observados. Houve também, nesse período histórico, o

aprimoramento da percepção sobre o que hoje chamamos de número.

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Detalhe relevante:

A noção de quantidade nunca foi privativa de nossa espécie: experiências com animais – inclusive

pássaros – mostram vestígios da noção de contagem, na medida em que alguns deles conseguem distinguir

quantidades maiores de outras menores. Portanto, certamente, o Homem dispunha dessa noção

numérica muitos milhares de anos antes da invenção da Agricultura, mas ela teve que ser aprimorada no contexto da Revolução Agrícola porque o comércio foi sendo praticado, as cidades – com seus templos, monumentos e edifícios – foram sendo levantadas;

surgiram, assim, os governos e os inevitáveis impostos.

Outra questão de grande importância: Seria um exagero – e uma ingenuidade sem medida – afirmar que não existia

uma Matemática antes do início da Revolução Agrícola; estudos

arqueológicos e antropológicos permitem admitir que, muitos milênios antes desse

contexto da história, já existia um volume razoável de comércio entre

pessoas e entre as tribos e, nesse caso, é inconcebível admitir que era possível comerciar sem qualquer rudimento de

uma Aritmética.

Vamos continuar nossa revisão cronológica. Estamos há cerca de 9000 a.C., quando

já havia pequenas cidades na Mesopotâmia, sendo presumível que a cerâmica fosse

produzida, usando-se, provavelmente, a roda de oleiro.

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Retroativamente aos

nossos dias Marco

Por volta de 6000 a.C. Com a tecelagem de fibras de linho, produziam-se

roupas e cordas

5000 a.C.,

aproximadamente

A irrigação é praticada na agricultura

No entorno de 4500 a.C. Um calendário é instituído por um povo pré-sumeriano

Em torno de 4000 a.C. O metais (inicialmente o cobre) estão em uso

Na vizinhança do ano

3600 a.C.

O bronze (liga de cobre com estanho) – mais

consistente e útil – passa a ser usado

Cerca de 3.500 anos

antes de Cristo

• As primeiras carroças (com rodas) são construídas

pelos sumérios, na Mesopotâmia.

• Barcos egípcios já navegavam ao longo do Rio Nilo e

faziam pequenas incursões no Mar Mediterrâneo

E já que alcançamos o terceiro milênio e meio antes de nossa Era, é importante parar

para dar destaque à invenção máxima desse período: a escrita. É nessa época que os

sumérios desenvolveram um sistema de símbolos que evoluiu até se tornar uma

forma abrangente e completa de escrita cuneiforme, isto é, traços em forma de

cunha. Alguns séculos mais e os egípcios criaram seu próprio sistema de escrita

através dos hieróglifos.

Nas raízes da escrita, sempre estiveram presentes as necessidades de se

efetuarem assentamentos numéricos, em especial os referente à produção,

estoques, transações comerciais e arrecadação de impostos. Alguns especialistas

acreditam, inclusive, que a escrita foi criada primordialmente para tornar possíveis

os registros numéricos, somente mais tarde passando a ser utilizada para relatos

históricos dos povos e de seus soberanos.1

1 Aqui cabe observar que foram os sumérios e os egípcios que inauguraram o registro escrito dos acontecimentos através do tempo – a História.

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Voltemos a traçar aspectos sumários da nossa cronologia.

Retroativamente aos

nossos dias Marco

Por volta de 2700 a.C.

Os grandes monumentos de pedra surgem no Egito.

Uma pirâmide de degraus é erguida destinada a servir

de sepultura ao faraó Djoser. Tal obra indica que os

egípcios já dispunham, à época, de conhecimentos

práticos de Geometria que, certamente, aumentaram

significativamente com a elevação da pirâmide de

Quéops, de base quadrada, com impressionantes 230

metros de lado – inaugurada em 2650 a.C. – tendo 146

metros de altura. Cerca de 2.300.000 blocos de pedra

foram erguidos na execução desse projeto que incluía

galerias, câmaras mortuárias e uma série de detalhes

de grande complexidade geométrica.

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Tablete numérico pré-cuneiforme,

Suméria, c. 3100 a.C.

Tablete numérico cuneiforme,

Suméria, c. 2000 a.C.

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“Livro” de exercícios sobre Geometria,

Babilônia, c. 1700 a.C.

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Tablete Plimpton 322, Babilônia, c. 1800 a.C.

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Volume do tronco de uma pirâmide (“receita egípcia e fórmula moderna)

Questão geométrica no Papiro de Ahmes, c. 1500 a.C.

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Símbolos para a soma e subtração no Pairo de Ahmes, c. 1650 a.C.

Área do círculo no Papiro de Ahmes

Conjectura sobre a origem da regra de Ahmes

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Diagrama encontrado no Chou-Pei Suann King, relativo aos triângulos retângulos,

Século XII a.C.

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Origens da cultura grega

O historiador ateniense Tucídides (c. 460-400 a.C.) descreve a Grécia primitiva

evidenciando a instabilidade da população da época. Afirma ele:

“Parece-me, por exemplo, que o país, hoje denominado Hélade, não tinha população sedentária nos tempos antigos; em vez disso, havia uma série de migrações constantes, pois as várias tribos aí existentes viviam sob frequente pressão de invasores mais fortes que os forçavam a abandonar seus territórios. Não havia comércio e facilidades de comunicação, quer por terra, quer por mar; o uso da terra era limitado às necessidades diárias e não se preocupavam em armazenar bens de consumo para transações comerciais, nem no estabelecimento de uma agricultura regular, pois, devido à falta de fortificação, a qualquer momento poderiam ser obrigados a deixar suas terras por força de invasores inesperados. Portanto, como suas necessidades diárias poderiam ser obtidas não importa onde, eles não hesitavam em transferir sua residência de um lugar para outro e, portanto, não construíam cidades de tamanho razoável nem se preocupavam com o aproveitamento de recursos naturais.”

De fato, o que denominamos cultura grega é o resultado da fusão de grande número

de povos provenientes da Ásia, África e de inúmeras regiões banhadas pelo Mar

Mediterrâneo, com destaque para Creta. O cenário onde teve ação o drama

maravilhoso da origem, evolução e declínio dessa cultura restringiu-se, inicialmente,

a algumas ilhas do Mar Egeu e da costa da Ásia Menor, passando, em seguida, para a

região hoje chamada de Grécia. Depois, começou a expandir-se pelo sul da Itália e

norte da África, constituindo a Magna Grécia que, finalmente, sob dominação

romana, atingiu tamanho considerável no período de 117-138 d.C. com o imperador

Adriano. Sobre seus limites sabem-se que:

• ao leste, eram com a Armênia, com a Assíria e com a Arábia, regiões vizinhas

das províncias de Bitínia e Pontus, Capadócia, Síria e Egito;

• ao norte, as fronteiras terminavam com os acampamentos das tribos

germânicas limítrofes das províncias da Dácia, Panônia e, no extremo norte, a

Britânia;

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• ao oeste, o limite natural era o Oceano Atlântico e

• ao sul, a fronteira era com o deserto do Saara e com as províncias da

Mauritânia, da Numídia e do Egito.

Mapa do Mundo Grego Antigo (Sul da Itália, Grécia e Ásia Menor).

Fonte: <http://plato-dialogues.org/tools/gk_wrld.htm>. Disponível em 30. Jul. 2009.

Do ponto de vista de suas origens, a cultura grega foi precedida pela assim chamada

cultura minóico-micênica2

2 A civilização minóica foi uma civilização que se desenvolveu na ilha de Creta, a maior ilha do mar Egeu, entre 2700 a.C. e 1450 a.C., o período anterior ao da Civilização micênica. Teve como principal centro a cidade de Cnossos. O termo minóico deriva de Minos, título dado ao rei de Creta. Os minóicos foram uma civilização pré-helênica da idade do bronze, em Creta, no mar Egeu. Baseando-se em descrições da arte minóica, essa cultura é frequentemente descrita como uma sociedade matriarcal voltada para o culto à deusa. O termo Minóico foi criado pelo arqueólogo inglês Sir Arthur Evans (1851-1941) a partir do nome do rei mítico Minos, associado ao labirinto, que Evans identificou como sendo o sítio de Cnossos. É possível, embora incerto, que Minos fosse um termo usado para identificar um governante minóico específico. Pode também ter sido usado para descrever o governante minóico da época. Como os minóicos chamavam a si mesmos ninguém sabe, mas a palavra egípcia Keftiu e a semítica Kaftor ou Caphtor e Kaptara nos arquivos de Evans, se referem evidentemente à Creta minóica.

que se constituía de elementos das mais variadas

civilizações da Ásia e do Egito. Durante escavações arqueológicas em Creta, uma

grande quantidade de objetos do Egito evidenciou, senão um domínio, pelo menos

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um intenso comércio e movimento de viajantes. Além disso, um alto número de

crenças e costumes cretenses denota uma incontestável origem asiática e egípcia.

A cultura grega antiga é uma maravilhosa fusão entre mito e realidade, aspecto que

merece atenção quando estudamos o conceito de número dessa civilização. De fato,

o número tinha influência nos feitos heroicos e cerimônias religiosas. Por exemplo,

foram doze os trabalhos de Hércules (o maior de todos os heróis gregos) e o número

de prisioneiros troianos sacrificados no funeral de Pátroclo (um dos personagens

centrais da mitologia grega no episódio da guerra de Tróia). Aliás, doze – que sempre

teve importância central nas considerações dos matemáticos gregos – é o número

de faces do dodecaedro regular que, desde tempos imemoriais, se liga a uma série

de mitos da Grécia.

Os nomes “Grécia” e “gregos” foram tomados pelos romanos de uma antiga e

obscura tribo – Graii – que praticamente desaparecera muitos séculos antes de

Cristo. Anterior aos tempos dessa tribo, no período Micênico, teve lugar um grande

movimento migratório das ilhas do mar Egeu (em particular de Cíclades) de raças –

os Pelasgos – provenientes da Ásia Menor e de Creta. Tal informação advém do fato

de haver evidências de conexões entre uma série de deuses e heróis da mitologia

grega cuja procedência oriental é bastante certa. Para os nossos propósitos aqui,

esta informação é particularmente importante sob o ponto de vista das

influências da matemática das culturas orientais na formação da matemática

grega.

Uma outra corrente migratória veio do norte da Grécia e destruiu completamente a

civilização micênica, encerrando, assim, a pré-história da cultura grega. Esses povos,

supostamente descendentes de Hércules, eram denominados, de acordo com as

lendas, de Heráclidas. Contudo, eles mesmos se chamavam de Aqueus e seus

principais seguidores foram os Dóricos, cuja língua se tornou o mais difundido dos

dialetos gregos. Por falar nisso, convém observar que a língua grega já estava mais

ou menos estabelecida por volta de 1500-1400 a.C. e era, por exemplo, a língua

falada nos grandes palácios de Cnossos na ilha de Creta, muito embora a sua escrita

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só se tenha firmado no início do ano 1000 a.C.. Os dóricos estavam subdivididos em

três grupos principais – Hylleis, Dymanos e Pamphylios – e, em pouco tempo,

espalharam-se por todo o continente grego e a eles devemos a formação da

arquitetura primitiva na Grécia, que examinaremos mais adiante, pela sua

importância na formação da geometria, expressão básica do número grego.

Finalmente, os habitantes da Grécia ficaram conhecidos pelo denominação geral de

Helenos e o que hoje conhecemos como Grécia era denominado de Hélade. O nome

provém de Helen um dos filhos de Deucalião e Pyrrha, casal que o historiador grego

Hesíodo refere-se como a origem dos Heráclidas.

Terminamos, assim, os nossos breves comentários sobre a formação da cultura

grega que entra, desse modo, na sua infância ou início do estágio de ornamentação

primitiva. Vamos estudar o conceito de número neste período. Evidentemente, é

importante frisar que essa abordagem não aparece sob a forma que usualmente

esperamos quando nos referimos à matemática, mas sim sob a forma da arte

plástica da época em que predominavam a cerâmica e os primeiros ensaios de uma

forma arquitetônica.

As manifestações primitivas do conceito de número

Depois da invasão dórica, formam-se na Grécia Antiga os primeiros conceitos sobre a

origem do Universo, a interpretação dos fenômenos naturais, o sentimento

profundo do espaço e, consequentemente, do número, que é um dos mais poderosos

e primitivos símbolos de toda a humanidade. As fontes que nos permitem elaborar

uma análise dessa imagem do Universo, da qual a matemática faz parte, são as

obras dos primeiros escritores e poetas, as criações dos artífices na cerâmica, na

ornamentação de edifícios, na confecção de roupas e demais utensílios de uso diário

e, finalmente, na construção dos edifícios primitivos, principalmente templos e

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santuários, pois, afinal, a arquitetura é sempre a primeira forma expressiva de

qualquer estilo que surge em todas as civilizações.

Em qualquer civilização, sua matemática contribui para a imagem do Universo por

ela criada e, portanto, a forma de que se reveste o conceito de número depende de

seus símbolos primários. No caso da cultura grega, estes símbolos são dominados

pela paixão aos finito, ao plástico, ao visível e, portanto, a imagem do Cosmo por ela

criada tem, necessariamente, que possuir essas características e, em consequência,

o mesmo devemos esperar de sua matemática, que deverá contribuir para essa

imagem finita e plástica do mundo. Todo o modelo matemático do Universo, criado

pelos gregos, está fortemente impregnado desses conceitos e, desse modo, o

estudo de sua matemática deve estar intimamente ligado ao estudo de sua

astronomia e de sua física.

A Ilíada é um poema épico grego que narra os acontecimentos ocorridos no período

de pouco mais de 50 dias durante o décimo e último ano da Guerra de Tróia e cuja

gênese radica na cólera de Aquiles. O título da obra deriva de um outro nome grego

para Tróia, Ílion. A Ilíada e a Odisséia são atribuídas a Homero que, se supõe, teria

vivido por volta do século VIII a.C, na Jônia (lugar que hoje é uma região da Turquia).

Essas obras constituem os mais antigos documentos literários gregos (e ocidentais)

que chegaram aos nossos dias. Ainda hoje, contudo, se discute a sua autoria, a

existência real de Homero e se estas duas obras teriam sido compostas pela

mesma pessoa.

Polêmicas à parte, é na Ilíada que tomamos contato com as ideias sobre a origem do

Universo segundo nos contam Homero e Hesíodo. No capítulo XIV, versículo 201 e

seguintes declara-se que

O Oceano era não só a origem de todos os deuses, mas

também de todas as coisas.

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Isto nada mais é do que a ideia de que o mundo provém da água, como elemento

primordial, fato sustentado pelo matemático Tales de Mileto, como veremos na

sequência. Isso não era uma unanimidade. Aristóteles, por exemplo, considerava

essa afirmativa com certa reserva. De qualquer modo, sob a forma de mito, Homero

conta-nos o fato importante da origem das coisas, de elementos primordiais, no caso

a água. Também quando ele nos diz que a constelação de Ursa Maior nunca se

banha no Oceano, isso quer dizer que na Grécia esse grupo de estrelas próximas

entre si estava sempre acima do horizonte, o que era um fato importante para a

navegação, uma vez que a estrela polar estava próxima à tal constelação.

Por sua vez, Hesíodo – o mais antigo poeta grego do qual se tem alguma certeza sob

sua vida, e que vivei no século VIII a.C., – coloca a origem do mundo no elemento

primitivo terra, personificado por Gaia que, gerando Urano – o firmamento – foi

fecundada por ele por influência de Eros – o amor – que era ao mesmo tempo o mais

antigo e mais jovem de todos os deuses. Seu filho – Cronos – simboliza o tempo e,

para indicar a sua influência natural, ele aparece devorando os seus filhos até que

um deles – Zeus – consegue sobreviver, devido a um hábil truque de sua mãe – Rhea.

Depois de vencer o próprio pai, Zeus tornou-se o chefe de todos os deuses. Homero

coloca-o como senhor do Armament, descrevendo-o como o “deus de cabelos azuis”

e isto, por influência provável do Oriente uma vez que, em Khorsabad (no Iraque),

encontram-se inúmeras estatuetas de deuses que tinham os cabelos e as

sobrancelhas azuis.

Toda a mitologia grega, como descrita por Homero e Hesíodo, está impregnada de

ideias que depois se revestiram de uma roupagem própria nas Ciências. Isso

evidencia que o período mitológico do pensamento científico, em todas as

civilizações, é um fenômeno natural e não um período de atraso ou misticismo como

pejorativamente abordam as correntes materialistas da interpretação dos fatos

históricos.

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Do mesmo modo, as

explicações de fenômenos

naturais são ligadas às

entidades mitológicas:

• os deuses viviam lá no

Olimpo, o mais alto pico

de uma cadeia de

montanhas que se

estende da Tessália até

o golfo de Salonica, a

segunda maior cidade

da Grécia.