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Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado) 1 Texto Principal: O que é Linguística? A tarefa de apresentar o vasto território da Linguística àqueles que se iniciam no assunto requer que se use cautela e detalhe, e que se consiga dialogar com as diferentes conotações sociais que as reflexões sobre a linguagem tendem a assumir. Ao mesmo tempo, é preciso delimitar as especificidades do tipo de investigação a que a área se propõe. O principiante pode intuir, em função do próprio rótulo Linguística que se trata de matéria vinculada ao estudo de línguas. Porém, de fato, não estará totalmente certo ao fazê-lo. O problema é que a natureza desse estudo não se mostrará clara logo de início. A experiência que as pessoas têm cotidianamente com relação ao tema costuma estar ligada à aprendizagem de línguas estrangeiras, a situações de tradução de livros, filmes ou programas de TV e ao ensino de língua materna nas escolas. Com relação a esse último aspecto de ensino do português nas escolas, privilegiam-se abordagens que capacitem o aluno a falar e escrever a língua oficial de acordo com regras pré-determinadas, conhecidas como norma culta. Também nesse contexto, entra a questão da língua em sua modalidade escrita que costuma receber maior atenção por se tratar de atividade que exige instrução formal. Assim é comum a associação, e até mesmo identificação equivocada, entre língua e escrita desconsiderando-se o fato de que há um grande número de línguas ágrafas no mundo, ou seja, línguas que não estão submetidas a regras de escrita formal. Mais uma vez quando falamos em regras, esbarramos em nosso uso cotidiano da palavra. Sabemos que o convívio social requer a observância de determinadas regras, sob pena de sermos submetidos a algum tipo de sanção, ou pelo menos, a algum tipo de desconforto social. Estão nesse caso desde as normas de trânsito até as regras de etiqueta à mesa, por exemplo. Quando se trata dos aspectos sociais do uso da língua, a situação não é diferente. Buscamos seguir as regras que nos auxiliam a falar e escrever corretamente a

Texto Principal: O que é Linguística? · O principiante pode intuir, em função do próprio ... sintáticas em latim previa a atribuição ... reações afetivas positivas e negativas

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Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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Texto Principal: O que é Linguística?

A tarefa de apresentar o vasto território da Linguística àqueles que se iniciam

no assunto requer que se use cautela e detalhe, e que se consiga dialogar com as

diferentes conotações sociais que as reflexões sobre a linguagem tendem a assumir. Ao

mesmo tempo, é preciso delimitar as especificidades do tipo de investigação a que a

área se propõe. O principiante pode intuir, em função do próprio rótulo Linguística que

se trata de matéria vinculada ao estudo de línguas. Porém, de fato, não estará totalmente

certo ao fazê-lo.

O problema é que a natureza desse estudo não se mostrará clara logo de início.

A experiência que as pessoas têm cotidianamente com relação ao tema costuma estar

ligada à aprendizagem de línguas estrangeiras, a situações de tradução de livros, filmes

ou programas de TV e ao ensino de língua materna nas escolas.

Com relação a esse último aspecto de ensino do português nas escolas,

privilegiam-se abordagens que capacitem o aluno a falar e escrever a língua oficial de

acordo com regras pré-determinadas, conhecidas como norma culta. Também nesse

contexto, entra a questão da língua em sua modalidade escrita que costuma receber

maior atenção por se tratar de atividade que exige instrução formal. Assim é comum a

associação, e até mesmo identificação equivocada, entre língua e escrita

desconsiderando-se o fato de que há um grande número de línguas ágrafas no mundo,

ou seja, línguas que não estão submetidas a regras de escrita formal. Mais uma vez

quando falamos em regras, esbarramos em nosso uso cotidiano da palavra. Sabemos que

o convívio social requer a observância de determinadas regras, sob pena de sermos

submetidos a algum tipo de sanção, ou pelo menos, a algum tipo de desconforto social.

Estão nesse caso desde as normas de trânsito até as regras de etiqueta à mesa, por

exemplo. Quando se trata dos aspectos sociais do uso da língua, a situação não é

diferente. Buscamos seguir as regras que nos auxiliam a falar e escrever corretamente a

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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variedade padrão de uma língua. Entre outras coisas, queremos tirar boas notas na

escola, arranjar bons empregos e demonstrar (ou evitar demonstrar) nosso nível de

escolaridade. Tais regras de uso da língua são de natureza prescritiva ou normativa. São

motivadas pela constatação do que se deve fazer para atingir uma produção Linguística

compatível com um determinado modelo de fala ou de escrita. Entretanto, se a

Linguística levasse em consideração apenas esse tipo de regra, abriria mão de um

universo inestimável de dados, e consequentemente, tenderia a se desviar de seus

objetivos mais básicos.

Diante desse cenário diversificado de que as línguas fazem parte, é natural que

aquele que toma conhecimento da existência de um campo de estudos denominado

Linguística se sinta tentado a associar os estudos desenvolvidos nessa área a um dos

fenômenos mencionados acima. Ocorre, entretanto, que o tipo de fenômeno sobre o qual

a Linguística se propõe a pensar é de outra natureza. Antes de mais nada, a Linguística

estuda a questão da capacidade da linguagem no ser humano: Como é possível que os

bebês humanos ao cabo de dois, três anos de vida falem fluentemente a língua da

comunidade que os cerca?

É em torno da pergunta fundamental acima que a Linguística se delimita e se

especifica em outros questionamentos não menos importantes: (i) Quais as

características da linguagem humana?; (ii) Em que essa linguagem se diferencia dos

sistemas de comunicação usados por outras espécies?

Para respondermos a essas e a outras indagações semelhantes, de nada

adiantaria nos limitarmos a variedades de prestígio de línguas específicas. Precisamos,

ao contrário, comparar o maior número possível de línguas e variedades linguísticas de

uma mesma língua, para entender o que os diferentes sistemas linguísticos têm em

comum, e em que aspectos se diferenciam. Embora seja óbvio que línguas específicas

sejam diferentes entre si na superfície, se olharmos com atenção, veremos que as

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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línguas humanas são surpreendentemente similares. Por exemplo, todas as línguas

exibem graus similares de complexidade e detalhamento – não existem línguas humanas

primitivas. Todas as línguas têm sentenças construídas a partir de unidades

sintagmáticas (expressões nominais, verbais, adjetivais, etc) que, por sua vez, são

constituídas de palavras, que são elas próprias formadas por segmentos menores e, em

última análise, por sequências de fonemas (unidades de sons das línguas).

Sintagmas e fonemas e todos os primitivos que formam as línguas humanas são

recursos finitos. Mas todas as línguas permitem fazer uso infinito desses meios finitos.

Ou seja, com base em um conjunto limitado de itens, é possível construir um número

ilimitado de expressões. Por exemplo, com um conjunto de poucas dezenas de fonemas,

pode-se formar um número incontável de vocábulos, que são combinados em frases

que, por sua vez, podem ser encaixadas em construções maiores. Esta propriedade de

extensão ilimitada das línguas naturais é possível porque a linguagem humana dispõe da

capacidade computacional conhecida como recursividade, que é justamente a

capacidade exclusivamente humana de produzir uma variedade ilimitada de expressões

linguísticas de comprimento indeterminado através de encaixes sucessivos de unidades

finitas, como é o caso das relativas encaixadas na sentença: Aqui está o cão que mordeu

o gato que comeu o rato que furou o saco que estava na casa que o João fez.

É também surpreendente que apesar da aparência contrastante entre as

línguas, não há nada que possa ser expresso em uma língua que não possa ser expresso

em qualquer outra. No nível sintático, há uma série de estruturas que por meios

diferentes chegam a conteúdos semelhantes. No nível lexical, se há falta de algum

termo, diante da necessidade, ele sempre surge da criatividade linguística. No nível

semântico, há em todas as línguas uma dependência entre os significados produzidos e a

estrutura sintática. Do ponto de vista pragmático, ou seja, do uso da língua em contexto,

podemos dizer que em todas as línguas, temos meios para a realização de atos de fala

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específicos, como fazer perguntas, dar ordens diretas e indiretas, fazer pedidos, ironias e

assim por diante.

Portanto, a Linguística, antes de ser o estudo de línguas específicas, é o estudo

da Faculdade de Linguagem, que permite de forma exclusiva aos humanos adquirir uma

língua nativa. Portanto, ela é um estudo integrado das diferentes línguas como produtos

cognitivos da capacidade de linguagem no homem.

O maior desafio da Linguística como ciência é exatamente lidar cotidianamente

com uma tensão entre os critérios de adequação descritiva, que fazem ressaltar as

diferenças entre línguas, e os critérios de adequação explicativa que se sustentam nas

semelhanças cognitivas da espécie humana e de sua capacidade Linguística.

Como, à primeira vista, as línguas parecem muito diferentes uma das outras, a

tarefa de descrevê-las exaustivamente em suas propriedades individuais pode levantar

problemas para se explicar como, apesar dessas diferenças, qualquer criança pode

adquirir qualquer língua de modo bastante semelhante. Assim, se, de um lado, a

descoberta de princípios explicativos profundos permite capturar as similaridades

universais entre as línguas, de outro lado, a descrição detalhada das regras específicas

das línguas particulares coloca desafios para os universais.

Para tratarmos das possibilidades mencionadas acima, precisamos lançar mão

de regras descritivas e explicativas com o objetivo de caracterizar e explicar as

motivações que estruturam os diferentes sistemas linguísticos. Sendo assim, regras

destes tipos têm importante papel não só no detalhamento dos diferentes níveis

estruturais de uma língua, como o fonológico, o morfológico e o sintático, mas também

podem ser recrutadas para explicar fenômenos tipológicos de variação e mudança

linguística. Vários estudos já comprovaram que todas as línguas mudam com o tempo

em função da heterogeneidade sistemática que lhes caracteriza. Essa heterogeneidade

constitui-se a partir de casos regulares de variação, que já foram amplamente atestados

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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nas línguas do mundo. No português brasileiro, por exemplo, os estudos demonstram

que o uso das variáveis “nós” e “a gente” é sistematicamente influenciado por fatores

sociais, como faixa etária e nível de formalidade. Além disso, a mudança Linguística,

que necessariamente decorre de uma variação, também pode influenciar o

estabelecimento de novas regras. Por exemplo, se a regra para permitir a identificação

das diferentes funções sintáticas em latim previa a atribuição de caso aos nomes

(nominativo, acusativo, etc), uma nova regra precisou ser estabelecida, em português,

para que essa identificação pudesse ser preservada no momento em que as marcas de

caso deixaram de existir. Essa nova regra foi a fixação da ordem vocabular como

Sujeito-Verbo-Objeto. Para finalizar o capítulo, podemos resumir as principais

contribuições da Linguística ao estudo da linguagem humana, sobre as quais há

convergência entre pesquisadores de diferentes orientações teóricas. São elas:

1. Não há línguas primitivas: todas as línguas são altamente

complexas em cada um de seus níveis estruturais.

2. Todas as línguas são articuladas, recursivas e apresentam

estruturas formais similares: sentenças, sintagmas, palavras

e sons.

3. Todas as línguas são bem-formadas, lógicas e governadas

por regras.

4. Todas as línguas variam, apresentando dialetos associados a

grupos geográficos, sociais e etários diferentes.

5. A mudança Linguística é normal: não se tem notícia de nenhuma língua

natural que tenha permanecido imutável.

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Partindo desse solo comum, o desafio da Linguística nos dias atuais é continuar

enfocando as questões mais amplas delineadas no início desse capítulo, e ao mesmo

tempo, tentar atingir um refinamento cada vez maior na postulação de indagações

específicas derivadas desses questionamentos. Por vezes, a miríade de tentativas de

compreensão de objeto tão multifacetado quanto à linguagem humana poderá acarretar,

como de fato acarreta, hipóteses de trabalho divergentes e antagônicas. Mas se

considerarmos a magnitude dos conhecimentos que a área já produziu, há que se

reconhecer que a efervescência que se observa no campo é bastante produtiva e, na

verdade, inevitável face à imensa complexidade cognitiva.

Texto de apoio 1: Sobre percepção e cognição dos seres vivos

Todo mundo reconhece que os seres vivos são diferentes dos minerais, como as

pedras. Isto porque enquanto os minerais são inertes e bastante resistentes ao meio

ambiente, os seres vivos estabelecem uma relação muito ativa com todas as condições

em sua volta.

Até mesmo os seres vivos mais simples, como os protozoários, reagem a

informações do mundo. Por exemplo, quando há uma mudança brusca de penumbra

para claridade, a ameba se imobiliza, pois a luminosidade repentina impede a formação

de pseudópodos, invaginações citoplasmáticas, que permitem o movimento deste ser

unicelular.

Esta mesma informação de luminosidade também afeta, de diferentes formas,

quase todos os seres vivos, incluindo os muito mais complexos como nós, os seres

humanos. Em ambientes claros, o olho humano se adapta para receber e interpretar

mais claridade. A luz é interiorizada de através da pupila, um orifício no olho que se

abre mais quanto menor for a claridade. A pupila se aprofunda e leva a informação

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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sobre a luz até a superfície interna do olho, conhecida como retina. É lá que a radiação

de luz é interpretada. A retina é revestida por bastonetes, células sensíveis à intensidade

de luz, e por cones, células que detectam a cor. Quando a luz de um determinado

comprimento de onda entra no olho e bate nas células da retina, uma reação química é

ativada e resulta em um impulso elétrico que é enviado ao longo dos nervos para o

cérebro.

Além da luz, o ser humano reage a um infindável leque de estímulos externos

como a umidade, som, calor, pressão, tensão, gosto, cheiro, e também ao contato com

outros seres humanos através de reações afetivas positivas e negativas. Enfim, ao

receber informações sobre o estado do mundo circundante, o ser humano pode

rapidamente responder a elas.

Porém, é certo que não recebemos e processamos toda e qualquer informação

que está no mundo. O mundo abarca contínuos infinitos de informações de toda sorte.

Estes contínuos existem no mundo em forma de sinais analógicos. Isto quer dizer que

entre zero e o valor máximo, o sinal analógico passa por infinitos valores

intermediários.

Cada organismo vivo depende de um sistema nervoso sensorial específico para

extrair, representar, guardar e processar algumas destas informações de forma rápida e

confiável. Este processo de extração de informações transforma sinais analógicos em

digitais e é conhecido como discretização do estímulo.

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Figura 1: O espectro eletromagnético

Para entendermos melhor este processo tomemos o fluxo contínuo de

radiações, chamado de espectro eletromagnético. As diferentes frequências de onda no

espectro interagem com a matéria de diferentes formas. A visão dos seres vivos , por

exemplo, não é capaz de captar todos os infinitos valores de radiação contidos neste

espectro. O olho humano é adaptado a perceber exclusivamente as ondas

eletromagnéticas cujos comprimentos estão compreendidos entre 700 e 400 nanômetros

(cf. Figura 1). A faixa do espectro visível ao homem corresponde às cores do arco-iris, e

se situa entre as radiações infravermelha e a ultravioleta, ambas não visíveis para nós.

Existe um teste simples para verificar experimentalmente o limite esquerdo da

faixa de percepção visual humana. Vamos usar como materiais uma câmera fotográfica

digital e um controle remoto de televisão. Sabemos que ao acionar o controle remoto ele

emite raios infravermelhos, mas os nossos olhos não enxergam estas ondas direcionadas

para a televisão ou caixa controladora do canal a cabo. Percebemos o efeito do apertar

dos botões, mas não enxergamos a onda que leva a informação. No nosso teste, ao

apertar o botão do controle remoto, vamos enquadrar a cena através do visor da câmera.

A câmera vai digitalizar todas as informações de luz para mostrar no visor. Desta vez

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será possível enxergar a onda infravermelha disparada pelo controle, pois as lentes das

câmeras são sensíveis a este comprimento de onda e tratam esta imagem digitalmente

para exibir no visor.

Diferentemente de nós, as cobras não precisariam da câmera digital porque os

seus limites de visão captam informações justamente dentro faixa das radiações

infravermelhas. Já vários insetos, incluindo as abelhas e as formigas, captam

informações exclusivamente dentro da faixa ultravioleta. Como os raios solares emitem

ondas ultravioletas, é possível para estes insetos se orientar no meio ambiente usando a

efemérides solar, ou seja, o padrão diário do movimento do sol em relação à paisagem.

Este conhecimento é essencial para a sobrevivência dos insetos, pois demarca o

caminho entre os ninhos e as fontes de alimentos e permite o transporte e distribuição de

recursos nutricionais sem perda de tempo e energia.

Figura 2: O espectro visível pelo homem

Voltando à percepção visual humana, mesmo dentro dos nossos limites de

faixa de visibilidade, o olho humano não discrimina como diferentes todas as

informações que se consegue captar. Enxergamos contraste somente em alguns pontos

no contínuo, geralmente demarcados pela sociedade como sendo pontos de

discriminação. Se não transformássemos valores analógicos em discretos, não teríamos

como conservar todos os valores no cérebro pois temos uma capacidade finita de

armazenamento. Como sabemos por nossa experiência diária, a nossa memória tem

limites bastante restritivos. Daí segmentarmos os sinais contínuos para darmos conta de

gravá-los e processá-los no cérebro através de um sistema digital, discreto. Um outro

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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teste simples pode trazer evidências da discretização dos estímulos com os quais

lidamos.

Tomemos o espectro acima, com as cores do arco-íris (Figura 2). Este é o

espectro visível ao ser humano. Indo da esquerda para direita, marque dez pontos dentro

do primeiro terço da faixa. Agora nomeie as cores corespondentes aos pontos que você

marcou. Apesar de diferentes, você deve ter percebido como azul, qualquer ponto no

primeiro terço da faixa. Na verdade, entre um ponto e outro passamos por infinitas

cores desde o início da faixa até o primeiro ponto da faixa em que começaríamos a

chamar a cor de verde. Mas para o nosso sistema de processamento digital, temos

apenas a possibilidade binária de discriminar “É azul ou não é azul?”. A medida em

que nos movemos ponto a ponto para a direita no contínuo repetimos a resposta “É

azul”. Se avançarmos para o segundo terço chegaremos a um ponto discreto em que a

resposta será “Não é mais azul.” Este é o ponto em que foi acordado que começa o

verde.

Um caso análogo ao do sistema visual aplicado ao sistema auditivo é o da

percepção de fonemas e alofones em uma dada língua. Fonemas são sons arbitrados por

uma comunidade Linguística como sendo distintivos para os falantes nativos daquela

língua. Entre as muitas variáveis relevantes para a emissão dos fonemas aqui tomaremos

duas: o ponto e o modo de articulação. Ponto de articulação se refere às duas partes do

aparelho fonador que se tocam para moldar os espaços do aparelho fonador que serão

preenchidos pelo fluxo de ar que vem dos pulmões ao pronunciarmos algo. O modo de

articulação se refere à maneira como o fluxo de ar sai da boca. Ao ouvir ‘tala’

conseguimos distinguir de ‘cala’ porque para falantes do português /t/ e /k/ são fonemas

com pontos de articulação distintos. Então, apesar de os outros fonemas nas duas

palavras serem iguais, os sons iniciais das duas palavras já oferecem informações

suficientes aos falantes para que se distinguam as duas palavras.

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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Em contraste, os alofones são variações de sons arbitradas por uma

comunidade Linguística como sendo não distintivas. Por exemplo, no português,

tomemos a consoante oclusiva alveolar desvozeada /t/. Para pronunciá-la, articula-se a

ponta da língua à região imediatamente atrás dos dentes, chamada crista alveolar. Para

pronunciar /t/, o ar sai dos pulmões, chega à garganta passando suavemente pelas cordas

vocais sem fazê-las vibrar (som desvozeado) e, ao atingir ao ponto de articulação na

boca, é estancado bruscamente (modo oclusivo). Como mostra a figura 3, para falantes

do português do Brasil, este ponto de articulação não é bem um ponto, mas uma região

bastante elástica onde a língua pode tocar sem que haja diferenças perceptuais auditivas.

Nossa percepção auditiva classifica como /t/ o fonema produzido com um ponto de

articulação que se estende desde a parte de trás dos dentes incisivos e crista alveolar até

o palato. Quando este fonema está no contexto de /i/, que é uma vogal anterior, pode-se

chegar até a alterar também o modo de articulação de estanque (oclusivo) para estanque

+ contínuo (africado). Assim chega-se à pronuncia de ‘tia’ típica no Rio de Janeiro:

/t∫ia/. Portanto, /t∫/ é alofone de /t/, e não são distintivos em português. A articulação de

/t/ em qualquer ponto demarcado no esquema da Figura 3, resulta na percepção

integrada do fonema /t/1 pelos falantes nativos.

Figura 3: Esquema com a área de articulação demarcando as frnteiras da articulação nativa

1 Vejam que esta especificação é estabelecida língua a língua. Em inglês /t∫/ é um fonema e não um alofone de /t/.

Portanto é possível distinguir /tin/ ‘ lata’ de /t∫in/ ‘queixo’.

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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Concluindo, a nossa percepção seleciona do contínuo informacional alguns

pontos para tomar como dado (informação distintiva), por isso podemos afirmar que o

ser humano percebe o mundo discretizado.

Se você tinha ficado em dúvida sobre o significado da palavra cognição, que

aparece no fim do texto anterior e no título deste texto, talvez agora já tenha entendido

melhor. Os exemplos aqui discutidos sobre acuidade visual e auditiva e sobre todos os

processos de retirada de informação do mundo, introjeção e processamento destas

informações por um ser vivo são chamados de cognições. Os sistemas cognitivos

definem como um determinado ser vivo percebe e se relaciona com o mundo, quais

sinais do mundo serão informações para este indivíduo e quais sinais, apesar de

existirem no mundo, serão ignorados por ele.

Decorre destas informações sobre cognição uma conclusão filosófica que pode

ser estarrecedora: o mundo real não é igual a nossa percepção dele. O tempo todo, o que

percebemos como mundo é um certo recorte de realidade, filtrado e processado pelos

sistemas cognitivos da nossa espécie. Outros seres vivos têm sistemas sensoriais

diferentes e experienciam, portanto, outra realidade, outro mundo.

O que percebemos não é a coisa em si, mas uma construção que veio da

condução por nossos nervos sensoriais a partir de alguns sinais brutos do exterior para

dentro do cérebro sob a forma de descarga elétrica (potenciais de ação2), e lá, em algum

tecido cerebral, são interpretados.

No Texto de Apoio 2, que vem a seguir, trataremos sobre os sistemas

cognitivos e sobre o momento histórico em que diversos conhecimentos da biologia das

2 Um potencial de ação é uma onda de descarga elétrica que percorre a membrana de uma célula. Potenciais de

ação são essenciais para a vida animal, porque transportam rapidamente informações entre e dentro dos tecidos. Eles podem ser gerados por muitos tipos de células, mas são utilizados mais intensamente pelo sistema nervoso, para comunicação entre neurônios e para transmitir informação dos neurônios para outro tecido do organismo, como os músculos ou as glândulas.

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Figura. 3 - Crânio de 5000 anos acessado cirurgicamente com o indivíduo vivo

espécies redundaram em um campo de saber multidisciplinar em torno do conhecimento

sobre cognição no cérebro.

Texto de Apoio 2: Uma revolução desestruturada

Hoje em dia se perguntarmos a alguma pessoa a que parte do corpo se

relaciona o conhecimento perceptual, a memória e a inteligência do homem,

provavelmente o cérebro virá como resposta. E o desejo de conhecer mais sobre o

cérebro é provavelmente tão antigo quanto a própria existência da nossa espécie.

Existem ossadas de homens, datando de mais de 5000 anos, cujos crânios (Fig.3) foram

abertos cirurgicamente enquanto os sujeitos ainda estavam vivos (Bear, Connors,

Paradiso, 1996).

Apesar do interesse primordial do homem sobre o conteúdo da caixa

craniana, progressos efetivos sobre a sua relação

com a cognição humana, só começam a

acontecer a partir da segunda metade no século

XX. Antes disso, entre o fim do sec. XIX e a

primeira metade do sec XX, sob a influência de

cientistas como Pavlov e Skinner, o mundo

científico entendia o homem através da análise de

seu comportamento. Nos anos 50, esta era a visão

do Behaviorismo, cuja agenda científica consistia

exclusivamente em interferir no comportamento diretamente observável, através de um

programa de condicionamento operante dos estímulos em relação às respostas. Por não

serem imediatamente observáveis, os eventos mentais ou cognitivos não eram levados em

consideração. Os behavioristas acreditavam que para entender o homem, era necessário

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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abandonar os esforços internalistas, que enfocavam a linguagem, memória ou emoção

em prol de um programa de pesquisa totalmente dedicado ao comportamento.

Na década de 50, o pensamento behaviorista dominou toda Europa e Estados

Unidos com a promessa de moldar e transformar qualquer comportamento observável.

Como expediente metodológico, usava o reforço dos padrões comportamentais, no caso

de se objetivar manter um comportamento desejável. Por outro lado, premiava os

comportamentos que necessitassem de aprendizagem efetiva, e punia os indesejáveis,

visando a supressão.

O programa clássico do Behaviorismo se popularizou especialmente pelas

apresentações de divulgação científica de grande efeito, oferecidas pelo próprio Skinner.

Geralmente, frente a uma plateia repleta de universitários, Skinner era hábil em mostrar a

eficácia de seu método. Levava uma pomba em uma gaiola espaçosa para o centro palco e

convidava todos a observar o comportamento do animal. Skinner explicava para a plateia

que o animal estava agitado andando de um lado para o outro, porque tinha sido privado

de comida por um tempo que ainda garantiria sua integridade física, mas que era já

suficiente para deixá-lo faminto.

Skinner declara, então, para a plateia, que o objetivo daquela apresentação seria

condicionar a pomba para andar em uma única direção que o cientista deliberasse, por

exemplo, para a direita. Imediatamente, a primeira vez que a pomba vira a cabeça para a

direita, ele premia o animal com um grão de ração. Neste momento, o programa de

condicionamento operante entra em ação e um cronômetro no palco começa a marcar o

tempo. A pomba se movimenta para a esquerda algumas vezes e logo que vira de novo

para direita, mais um grão lhe é oferecido. Este expediente continua, até que em poucos

segundos a pomba já começa a se virar muito mais vezes para a direita do que para

esquerda. Agora Skinner anuncia que o jogo iria mudar. A partir daquele ponto o

objetivo seria condicionar a pomba a fazer uma virada de 360 graus para direita. A pomba

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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ainda tenta as viradas tímidas que haviam resultado em premiação anteriormente, mas

agora já não recebe mais o alimento como prêmio. Logo em seguida o animal parte para

viradas com ângulos mais abertos para a direita e, efetivamente, todas as vezes que se

vira mais do que a vez anterior, recebe a ração. Por fim, em um dado momento, a pomba

chega ao objetivo de fazer uma volta de 360 graus e finalmente recebe um potinho com

ração. O cronômetro geralmente marcava em torno de dois minutos, o que comprovava

um grande êxito do condicionamento.

Figura 4: A caixa de Skinner

Tarefas simples como esta de construção de um dado comportamento não

necessitavam de punição, só de premiação. Mas Skinner se dedicou muito aos

condicionamentos mais complexos, que exigiam desconstrução de um comportamento, a

substituição por outro e principalmente a combinação de condições. Trabalhando com

roedores, construiu para estes fins mais complexos a Caixa de Skinner, local com

alavancas, luzes e um chão que poderia transmitir um choque elétrico.

O roedor faminto era colocado nesta caixa e era logo condicionado a apertar uma

dada alavanca para conseguir um grão de ração. Porém, quando uma luz se acendia, de

nada adiantava acionar a alavanca, e ainda pior, se a alavanca fosse apertada durante o

evento da luz acesa, o animal era punido: recebia um choque elétrico nos pés. Assim, com

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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este expediente de punição, Skinner verificava que o aprendizado era mais rápido e

também era lembrado por mais tempo mesmo depois que a punição era extinguida.

O fabuloso resultado dos experimentos de Skinner o levou a querer estender a

teoria do condicionamento operante para muito além do comportamento simples dos ratos

e pombos. Para Skinner, até mesmo a linguagem no homem poderia ser considerada um

comportamento verbal.

A despeito do grande impacto que o Behaviorismo causou no público e também

o efetivo serviço que este prestava e presta a áreas como marketing, com o intuito de

construção de comportamentos de consumo, a visão behaviorista se mostrava pouco

adequada para entender e explicar a sutileza, especificidade, limites e alcances da

cognição dos seres vivos.

Surge, então, no meio científico, uma revolta silenciosa contra a metodologia

reducionista do Behaviorismo. No interior de pequenos laboratórios que estudavam a

fisiologia cerebral, surgiam evidências científicas da inigualável complexidade da

cognição humana, como a visão, audição, memória, linguagem e todos os outros produtos

sutis da computação cerebral. A maior concentração destes laboratórios se situava nos

Estados Unidos, em uma região da costa leste denominada Nova Inglaterra, onde se

encontram grandes universidades como Harvard e MIT.

Provavelmente, naquela época, o advento de maior importância para a mudança de

agenda científica vigente foi a prática consistente da neurocartografia, que vem a ser a tentativa

localizacionista de mapear os circuitos e tecidos cerebrais relacionando-os diretamente às

cognições. A intuição por trás desses modelos é a de que haveria, diretamente representado no

tecido cerebral, mapas ordenados de sinais do mundo exterior com os quais lidamos

cognitivamente.

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Dois destes modelos - o modelo de audição de Georg von Békésy, testado em cadáveres,

e o modelo da visão de Hubel e Wiesel, testado em gatos, começam a ser implementados ainda

nos anos 50 e resultam em pesquisas que foram premiadas com o Nobel de Medicina.

Começando pela pesquisa sobre a audição, o químico e físico húngaro, radicado nos

Estados Unidos, Békésy, acreditava que as diferentes frequências das ondas de som eram

processadas em locais específicos da membrana basilar3. Isto quer dizer que o processamento teria

um endereçamento cortical específico. Para testar esta hipótese, ele desenvolveu uma técnica de

extração da membrana basilar de cadáveres frescos o que garantia à peça uma maleabilidade

adequada. Desenvolveu um esticador que posicionava corretamente a membrana de forma a expô-

la experimentalmente a diferentes frequências sonoras. Assim mapeava qual segmento da

membrana respondia a qual frequência. Como resultado, Békésy encontrou que sons agudos são

interpretados perto da base da cóclea. No ápice da cóclea são gerados os sons graves. O modelo

de Békésy revela uma tonotopia auditiva, ou seja, uma representação ordenada dos tons no tecido

em que frequências sonoras específicas ativam neurônios correspondentes também específicos

como mostra a Figura 4.

Figura 4

Uma segunda ordem de correspondências tonotópicas entre sinais auditivos e

processamento destes sinais ocorre em relação à intensidade dos sons. Acontece que vibrações

3 Quando a onda sonora chega ao ouvido, ela faz o tímpano vibrar. As vibrações ecoam dentro da orelha média que

é cheia de ar e são transmitidas adiante através de um sistema sutil de alavancas formado por uma cadeia de

ossículos. Esta transmissão se dá em direção ao fluido existente na orelha interna, a cóclea. A base do estribo, que

serve como último elo da cadeia ossicular bate de encontro à janela oval, estrutura que proteje a entrada da orelha

interna. As vibrações da janela oval são transmitidas ao fluido. Por sua vez o fluido engaja a membrana basilar na

vibração. A membrana basilar é uma partição longitudinal que divide a cavidade espiralada da cóclea em duas.

Apoiado na membrana basilar encontra-se o órgão de Corti que contém células ciliadas (receptores auditivos)

contendo estereocílios. Lá são convertidos o estímulo mecânico impulso nervoso. A membrana tem um ápice

sensível a baixa frequência, sendo mais complacente. Já a sua base, responde a altas frequências sendo mais rígida

Pode-se dizer que a membrana basilar responde a um código de localização.

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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muito fracas da membrana basilar ativarão um número pequeno de neurônios, enquanto o aumento

do volume ativa um número proporcionalmente maior destas células, envolvendo também uma

área de membrana basilar mais extensa. Dessa forma, uma população mais numerosa de neurônios

fica envolvida com o processamento dos sons mais intensos.

Analogamente, Hubel e Wiesel trabalharam com a cognição de visão. Desenvolveram

um experimento testado em gatos com a hipótese de que haveria especificidade e organização

celular para o processamento de diferentes orientações de linhas.

Figura 5

Como mostra a ilustração, o experimento consistia em expor o gato à imagem de uma

linha com uma dada orientação específica. Após um tempo de exposição, um outra linha com

orientação diferente era também exposta por igual período. Assim, o gato era exposto a muitas

linhas de diversas orientações. Durante toda a exposição, o cérebro do gato era monitorado por

pequenos discos de metal (eletródios) colocados diretamente no córtex do animal e ligados por um

fio a um eletroencefalograma. Este aparelho mede a eletricidade cerebral que chega até os discos

de metal, ou seja, mede a atividade neuronal. Depois que o gato era exposto a uma série de linhas,

os cientistas usavam um sistema de coração exclusiva aplicado ao córtex do animal. Este sistema

demarca apenas as células ativadas pela estimulação. Assim, eles conseguiram localizar no córtex

estriado do animal, o sítio de interpretação de cada linha apresentada, porque, dependendo da

orientação da linha, havia sinal de atividade cerebral (disparos neuronais) em locais diferentes do

cérebro. Como mostra a Figura 6, eles verificaram que há no córtex visual primário (córtex

estriado) uma ordenação de neurônios por colunas, organizadas por orientação de linha.

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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Figura 6

Como mostra a Figura 7, por causa desta ordenação foi possível ver marcada, no córtex

do animal (b), uma imagem das linhas a que ele tinha capturado na retina (a). É a retinotopia,

mecanismo que constrói representações isomórficas do que vemos no córtex.

Figura 7

Nesta mesma década Norber Wiener começou a desenvolver a cibernética, ou seja

o estudo dos sistemas mecânicos e eletrônicos que se destinam a substituir as funções

humanas. Surge também a inteligência artificial com Herb Simon, Marvin Minsky e John

MacCarthy. Estas duas ciências abriram espaço para outras incursões utilizando a

computação para simular processos cognitivos.

Em meio a este ambiente cientificamente fecundo, a mais importante fonte

desta revolução cognitiva que aos poucos se armava vinha da Linguística. Noam

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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Chomsky, um jovem cientista com formação de matemático, inaugurava uma nova era

anunciando que os processos cognitivos envolvidos na Faculdade de Linguagem não

poderiam ser fruto simplesmente de estímulos e respostas e de modelagens como

reforço e punição como queriam os Behavioristas. As regras gramaticais que

estruturavam sentenças bem formadas não eram imediatamente observáveis, mas sim

um substrato inscrito na genética humana. A Faculdade da Linguagem passa a ser vista

como uma característica exclusiva da espécie humana.

Chomsky tinha ideias tão inovadoras e tão bem estruturadas que logo

estimularam outros colegas. O experiente psicólogo George Miller foi um deles. Miller

era a maior autoridade em memória e estava descontente com o rumo da psicologia sob

a influência Behaviorista. Outros nomes essenciais, o eminente filósofo da linguagem

Jerry Fodor, e os neurocientistas David Marr4, especializado em visão, e Eric

Lenneberg5, em aquisição de linguagem, ambos muito influentes na sociedade

científica, apoiavam as ideias de Chomsky e a ruptura radical com o Behaviorismo. A

contribuição destes autores revela a complexidade das cognições e a necessidade de

explicações que contemplassem mais do que simplesmente estímulo-resposta:

“Tentar entender a percepção somente através do estudo dos neurônios é como tentar

entender o vôo dos pássaros através do estudo das penas. Simplesmente, isto não

pode ser feito assim. Para entender o vôo dos pássaros temos que entender a

aerodinâmica. Só então a estrutura das penas e as diferentes formas de asa começam

a fazer sentido.” (MARR, 1982, p. 27, tradução minha)

4 David Courtnay Marr (1945 - 1980) neurocientista britânico que uniu conhecimentos multidisciplinares para

estudar a cognição de visão. Marr contribuiu de fundamentalmente para a epistemologia das neurociências ao

postular, junto com Tomaso Poggio, que a análise do fenômeno cognitivo como processamento de informação tem

que acontecer em três níveis complementares (A Hipótese dos Três Níveis de Marr): (i) Nível da teoria

computacional: Qual é o objetivo da computação? Por que ela é apropriada? Qual a lógica da estratégia pela qual ela

pode ser implementada? ; (ii) Nível da representação e algorítimo: Como a Teoria Computacional pode ser

implementada? Em particular, qual é a representação do input e do output? Qual é o algoritmo da transformação?;

(iii) Nível da Implementação do hardware : Como a representação e o algoritmo são realizados fisicamente?

5 Eric Lenneberg nasceu na Alemanha em 1921 onde viveu até seus 12 anos. Em 1933, mudou-se com sua família

aqui para o Brasil onde morou até os 24 anos. Em 1945 imigrou para os Estados Unidos, alistou-se no exército e

subsequentemente entrou para a Universidade de Chicago onde fez graduação e mestrado em Linguística. Em 1955

ele terminou seu PhD em psicologia e Linguística em Harvard e depois se engajou em um pós-doc em ciências médicas com enfoque em neurologia na Faculdade de Medicina de Harvard. Lenneberg morreu em 1975.

Capitulo 1: Convergências e Divergências (ainda não publicado)

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O marco da Revolução Cognitivista se deu em 11 de setembro de 1956, em

um Simpósio sobre Teoria da Informação que aconteceu no Massachusetts Institute of

Technology (MIT). Neste evento, Chomsky, Miller, Minsky, Newel e Simon

apresentaram trabalhos e supreenderam a todos pelo íntimo diálogo interdisciplinar que

seus objetos de estudo ensejavam. A reunião prenunciava um momento de forte

desenvolvimento para os estudos da mente e cérebro.

Um segundo marco fundamente surgiu em 1959, quando Chomsky formaliza

sua critica ao Behaviorismo publicando uma resenha do livro "Verbal Behavior", de

Skinner. Chomsky focaliza especialmente o fato de Skinner ignorar os aspectos

biológicos e criativos da linguagem. Em uma análise muito minuciosa e, até mesmo,

feroz, Chomsky salienta o potencial expressivo da linguagem, que, usando um sistema

simbólico composto por elementos funcionais limitados, pode representar no cérebro

estruturas com capacidade recursiva ilimitada.

A noção de Skinner de que a aquisição de linguagem passava por uma tarefa

de aprendizagem baseada na criação de respostas condicionadas por estímulos externos

é completamente derrubada por Chomsky, que consegue implementar um programa de

pesquisa no seio da Revolução Cognitivista enfocando a Faculdade da Linguagem

como um órgão da mente.

A Revolução Cognitivista ensejou uma agenda de pesquisa riquíssima a partir

de sua implementação. Para a Linguística a impossibilidade de usar modelos animais

estabeleceu uma metodologia própria, diferente de outras neurociências, que será

explorada no próximo capítulo.