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TRABALHO INFANTIL, DIREITOS HUMANOS E CADEIAS ECONÔMICAS: A RESPONSABILIZAÇÃO NO CENÁRIO TRANSNACIONAL E NACIONAL. Rafael Dias Marques 1 SUMÁRIO: 1. Intróito 2. O trabalho infantil e o paradigma dos Direitos Humanos 2.1 Fundamentalidade 2.2 Projeção Positiva 2.3 Aplicabilidade Imediata 2.4 Eficácia horizontal ou privada 3. Direitos Humanos, Empresas e Cadeias Econômicas 3.1 Empresas, Direitos Humanos e Cenário Transnacional 3.2 Empresas, Direitos Humanos e Cenário Nacional: Responsabilização e Sistema de Justiça do Trabalho 3.2.1 Responsabilidade da Cadeia Produtiva e Fundamentação 3.2.2 Formas de Responsabilização 3.2.3 Conteúdo da Responsabilização 3.2.4 Atores, Instrumentos e Comandos de Responsabilização 3.2.5 Outras estratégias para além da responsabilização pura 4. Conclusão 1. INTRÓITO O trabalho precoce de crianças e adolescentes, abaixo da idade mínima estabelecida por Lei, representa uma das mais perversas violações de direitos humanos e verdadeiro à assalto (assalto) ao conteúdo do paradigma jurídico do trabalho decente. 1 Procurador do Trabalho e Coordenador Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, do Ministério Público do Trabalho. Ex-Juiz do Trabalho e Ex- Procurador do Banco Central do Brasil.

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TRABALHO INFANTIL, DIREITOS HUMANOS E CADEIAS ECONMICAS: A RESPONSABILIZAO NO CENRIO TRANSNACIONAL E NACIONAL.

Rafael Dias Marques[footnoteRef:2] [2: Procurador do Trabalho e Coordenador Nacional de Combate Explorao do Trabalho de Crianas e Adolescentes, do Ministrio Pblico do Trabalho. Ex-Juiz do Trabalho e Ex- Procurador do Banco Central do Brasil.]

SUMRIO: 1. Intrito 2. O trabalho infantil e o paradigma dos Direitos Humanos 2.1 Fundamentalidade 2.2 Projeo Positiva 2.3 Aplicabilidade Imediata 2.4 Eficcia horizontal ou privada 3. Direitos Humanos, Empresas e Cadeias Econmicas 3.1 Empresas, Direitos Humanos e Cenrio Transnacional 3.2 Empresas, Direitos Humanos e Cenrio Nacional: Responsabilizao e Sistema de Justia do Trabalho 3.2.1 Responsabilidade da Cadeia Produtiva e Fundamentao 3.2.2 Formas de Responsabilizao 3.2.3 Contedo da Responsabilizao 3.2.4 Atores, Instrumentos e Comandos de Responsabilizao 3.2.5 Outras estratgias para alm da responsabilizao pura 4. Concluso1. INTRITO

O trabalho precoce de crianas e adolescentes, abaixo da idade mnima estabelecida por Lei, representa uma das mais perversas violaes de direitos humanos e verdadeiro assalto (assalto) ao contedo do paradigma jurdico do trabalho decente.Realmente, o trabalho infantil significa a negao de um tipo especial de direito previsto na Ordem Jurdica, um direito humano, um direito fundamental a no trabalho, que retira sua dignidade qualificada enquanto direitos de normas internacionais de direitos humanos, tais como a Conveno das Naes Unidades sobre os Direitos da Criana, a Conveno (e as Convenes) n. 138 e 182 da Organizao Internacional do Trabalho. Sua fundamentalidade tambm deflui da Constituio Federal de 1988, que, em seu art. 7, XXXIIII, elenca o no trabalho como direito social, espcie, portanto, de um direito fundamental.Tal compostura jurdica irradia uma srie de corolrios de direito, dentre os quais a projeo positiva de um direito fundamental isto , trata-se de um direito para cuja satisfao no suficiente o no fazer, a vedao da conduta, sendo igualmente necessria, uma ao, um agir, cominado, que se exige do Estado, da famlia e da sociedade (art. 227 Constituio Federal).Portanto, um direito que, para ser preenchido, exige uma conduta negativa, relativa a no tomar o trabalho de crianas e adolescentes, antes da idade mnima, ao lado de uma conduta positiva, isto , aes que garantam as condies materiais para que se frua o direito a no (trabalhar) antes da idade mnima. Ademais, na forma cominada pela Constituio Federal (art. 227) e pelo Estatuto da Criana e Adolescente (art. 4), a responsabilidade pelo preenchimento de referido Direito Fundamental repousa sobre uma trade, a (em) cujos ps se distribuem vrios deveres(,) condutas comissivas e omissivas. Desta trade, fazem parte o Estado, a famlia e sociedade.Diante dos lindes de investigao do presente estudo, faz-se necessrio realizar, neste momento, um corte de observao em relao ao segmento sociedade, especialmente no que se refere s empresas, como ator responsvel (atores responsveis) pelo adimplemento do direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima.Com efeito, quando se fala em sociedade, est-se a referir um grande gnero, de que fazem parte vrias espcies, todas entrelaadas em propsitos, gostos, preocupaes e costumes, interagindo entre si. Dentre estas espcies, esto empresas, como pessoas jurdicas de direito privado, as quais, por certo, esto abrangidas pelo dever de cumprir o direito fundamental ao no trabalho.Assim, no que diz respeito ao objeto deste escrito, interessa perquirir o papel das empresas frente aos direitos humanos de crianas e adolescentes, sob o vis do direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima, com destaque especial para o problema do trabalho infantil nas cadeias de suprimentos de grandes corporaes econmicas e os limites da responsabilizao.

2. O TRABALHO INFANTIL E O PARADIGMA DOS DIREITOS HUMANOS

A histria dos Direitos Humanos no mundo, em especial aps a segunda guerra mundial, a histria de reao aos absurdos. Realmente, os absurdos, no campo da violao dos direitos, que lanaram, no seio da conscincia jurdica mundial, o desejo e a necessidade de se ampliar o objeto do que, at ento, conhecia-se como direitos humanos, isto tudo atrelado a um sistema protetor e garantidor da fruio de tais direitos: vem a ONU e suas agncias, multiplicam-se as Declaraes de Direitos, as Convenes e Tratados de Direitos Humanos, moldam-se novas geraes de direitos, a exigir cada vez mais do Estado e dos grupos sociais.Sob essa revoluo de compostura, no campo do Direito, que se define, ento, com mais clareza e solidez terica, um novel paradigma jurdico para enxergar certas realidades de violao: definem-se, pois, os mnimos, para se garantir a dignidade da vida do ser humano no Planeta Terra, abaixo do que (qual) nada se pode permitir ou transigir. Destarte, sob este signo, os mnimos, um (uma) vez violados por aes humanas, so aptos a gerar, portanto, as mais gravosas reprimendas da Ordem Jurdica, pois tais transgresses representam, em si, ataques aos pilares mais basilares do Direito, capazes, inclusive tal seu grau de nocividade de gerar um sistema transnacional de proteo e garantia, a partir da mitigao da soberania dos Estados e da prevalncia da Ordem Externa sobre a Interna. Assim, os Direitos Humanos passam a ser concebidos, com clareza, como normas indispensveis garantia da vivncia digna, do desenvolvimento e da continuidade existencial dos seres humanos e da humanidade.No campo do Trabalho e considerando-se todos os absurdos cometidos nos campos de concentrao nazistas houve, por igual, um vigoroso movimento, sob os auspcios da doutrina internacional dos direitos humanos. Definiu-se, com maior robusteza, o paradigma do trabalho decente e do trabalho digno, moldando-se mnimos indispensveis, sem os quais no se poderia falar em dignidade do homem trabalhador.Destarte, nesse processo histrico, em especial por conta do fortalecimento da Organizao Internacional do Trabalho, de suas normas e de sua Declarao de Princpios Fundamentais de 1998, cria-se um sistema internacional de Direitos Humanos do Homem Trabalhador, o qual erige o paradigma do trabalho decente como valor fundante das relaes de trabalho, paradigma este que no pode transigir com o ncleo rgido dos mnimos, fincados em quatro grandes pilares: no discriminao, vedao do trabalho em condies anlogas a de escravo, liberdade sindical e vedao do trabalho infantil.Aqui, ento, abre-se o ponto de intercesso entre o trabalho infantil e o sistema internacional de direitos humanos, de modo que aquela prtica passa ser considerada como ofensa grave Ordem Jurdica, passvel das mais gravosas reprimendas do Direito. Essa abertura protagonizada, basicamente, pela Declarao dos Direitos da Criana de 1989 e, fundamentalmente, pela Conveno (pelas Convenes) n. 138 (sobre a idade mnima de admisso a qualquer trabalho e emprego) e n. 182 (sobre as piores formas de trabalho infantil), estas ltimas da Organizao Internacional do Trabalho, as quais, em nvel global, traduzem, pois, o contedo do trabalho decente e digno, sob o signo da no explorao do trabalho infantil. Todas estas normas foram ratificadas pelo Estado Brasileiro.Corporifica-se, aqui, o direito humano ao no trabalho antes de certa idade, como mnimo a ser observado e perseguido, cujo objetivo salvaguardar as crianas e os adolescentes de situaes de trabalho prejudiciais ao pleno desenvolvimento de sua pessoa humana, garantindo-lhes, assim, condies dignas para sua plena conformao fsica, moral, intelectual e psicolgica.No Brasil, esse defluir de coisas da Ordem Internacional foi plenamente absorvido pela Ordem Interna. Com efeito, confirmando a compostura de fundamentalidade daquele direito, a Constituio Federal de 1988, no ttulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, no captulo relativo aos Direitos Sociais, em art. 7, XXXIII, probe qualquer trabalho para menores de 16 anos, salvo, na condio de aprendiz, a partir dos 14. Probe, ainda, qualquer trabalho para menores 18 anos, nas atividades insalubres, perigosas ou prejudiciais ao seu desenvolvimento moral. , pois, um dos marcos constitucionais da teoria da proteo integral e prioridade absoluta de crianas e adolescentes no Direito Ptrio, expressamente enunciada, em toda sua plenitude, no art. 227 da Carta de 1988. Trata-se, pois, de uma faixa etria em que, por opo constitucional, reconhece-se um tempo de no trabalho, a fim de que crianas e adolescentes, pessoas especiais que so, possam dedicar-se aos processos formativos de seu desenvolvimento biopsicosocial, caracterstico de tal fase da vida humanaDisto decorre, ento, que, no mbito do Direito Ptrio, seja por conta dos influxos da Ordem Jurdica Transnacional, seja por mandamento de porte constitucional, o paradigma de anlise da realidade de trabalho de crianas e adolescentes deve ser, sempre, o olhar dos Direitos Humanos, vale dizer, o direito ao no trabalho antes da idade mnima direito qualificado e especial, posto no Ordenamento Jurdico, de onde retira seu fundamento de validade.Por fora desse carter de direitos humanos, o direito ao no trabalho antes da idade mnima se conforma de um conjunto de atributos, que lhe reforam o carter de direito especial.Dentre estes atributos, interessam destacar, particularmente, os seguintes, como pressupostos de anlise para o papel das empresas no cenrio dos direitos humanos.2.1 Fundamentalidade Ora, os direitos fundamentais[footnoteRef:3] constituem a base (axiolgica e lgica) sobre a qual se assenta um ordenamento jurdico. Esta fundamentalidade pode ser apreendida por meio de dois vieses: i) a partir do contedo do direito com referncia aos valores supremos do ser humano e da dignidade da pessoa humana; ii) a partir de sua topologia normativa, alocada na Constituio, como norma-pice. Concorrem, portanto, ambos os critrios (material e formal) para definir a fundamentalidade de um direito. justamente essa fundamentalidade que impe observncia a um contedo bsico e mnimo aos direitos determinados, aqum do qual no se toleram contenes. [3: Neste trabalho, as expresses direitos humanos e direitos fundamentais sero tomadas como sinnimas. ]

Assim, por fora disso, pode-se dizer que o direito ao no trabalho antes da idade mnima, como direito humano, dotado de fundamentalidade, seja porque integra a compostura jurdica do princpio da dignidade da pessoa humana, sendo atributo indispensvel para a conformao do valor do trabalho decente e digno, seja porque a Constituio Federal de 1988 assim o declarou no ttulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, no captulo relativo aos Direitos Sociais, em art. 7, XXXIII.

2.2 Projeo Positiva Segundo o processo histrico de criao e afirmao dos direitos humanos, estes nascem como anteposto necessrio ao Estado soberano, que tudo pode sobre os sditos. Surgem, assim, no vcuo da resistncia e da defesa, de modo a preservar a liberdade individual da ingerncia desmedida do Estado.Todavia, se, nos primrdios, os direitos humanos encerravam uma prtica abstencionista do Estado, de modo a se preservar a seara de liberdade individual das pessoas, fartas do Estado absoluto, que ignorava a vida privada e ntima de seus tutelados, aqueles, no curso do processo de consolidao do sistema, passaram a ter uma projeo positiva, isto , passaram a veicular um dever de fazer, imposto ao Estado, sem o que a fruio do direito fundamental restaria comprometida. No campo do direito humano ao no trabalho antes da idade mnima, este carter de projeo positiva aparece portentoso. E assim o , pois, para manter uma sociedade livre de trabalho infantil, em especial naquelas marcadas por excluses scio-econmicas, no suficiente uma expresso normativa de no fazer, isto , de no explorar o trabalho de crianas; em soma (suma), absolutamente necessria a materializao de condutas de fazer.

2.3 Aplicabilidade imediata A Constituio Federal de 1988 dispe expressamente no art. 5, 1: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. Assim, independentemente de sua expresso normativa, os direitos fundamentais devem produzir efeitos desde logo, seja para seus titulares (acepo subjetiva), seja para aqueles em relao aos quais erige um dever de respeitar e de fazer (acepo objetiva). Assim, o intrprete deve buscar, no sistema jurdico, instrumentos que garantam essa aplicabilidade imediata, bem como valer-se de mecanismos de garantia, para que o direito fundamental possa ser efetivamente frudo.Alis, de nada vale a previso de direitos fundamentais, no prprio texto constitucional, se este no disciplinar os meios assecuratrios adequados, cujas normas de previso tambm devem possuir aplicabilidade imediata. H casos, porm, em que esta previso assecuratria especfica no est explcita no sistema, ou mesmo inexiste. Nestas hipteses, dever o operador do Direito valer-se dos meios assecuratrios genricos postos no sistema. O que no se pode obstar a fruio do direito, pela ausncia de meios assecuratrios correlatos.Nesse campo, a Constituio Federal de 1988 estabeleceu meios judiciais destinados a combater a indevida omisso na aplicao de direitos fundamentais, seja no plano abstrato v.g. a ao direta de inconstitucionalidade por omisso, prevista no art. 103, 2 - seja no plano concreto v.g. o mandado de injuno, previsto no art. 5, LXXI.Assim, subsumindo este apangio ao direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima, observa-se a aplicabilidade imediata daquele direito, frente a todos aqueles que esto obrigados a extravasar condutas comissivas e omissivas, necessrias ao cumprimento do direito referido.

2.4 Eficcia horizontal ou privada Os direitos humanos produzem efeitos no somente diante do Poder Pblico, mas tambm em relao aos particulares. Fala-se, pois, em eficcia horizontal ou privada, que impe o cumprimento dos direitos fundamentais tambm nas relaes entre particulares. Corolrio disso, pode-se exigir dos particulares que no violem os direitos fundamentais. possvel tambm exigir deles atividades complementares para a implementao destes mesmos direitos .Tal eficcia horizontal ou privada bastante tpica quando se est frente aos direitos fundamentais de crianas e adolescentes, dentre os quais o direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima. que, na forma do art. 227 da Constituio Federal, a responsabilidade pelo cumprimento de tais espcies de direitos pertence no somente ao Estado, mas tambm famlia e sociedade como um todo. V-se, pois, no ponto, que o prprio texto constitucional faz sobressair a eficcia horizontal, fazendo o particular tambm responsvel pela fruio dos direitos fundamentais de crianas e adolescentes.Assim, no pode a famlia estimular, ou mesmo permitir e/ou aceitar situaes de trabalho para seus filhos menores de 16 anos, pois ela tambm possui o dever de garantir o respeito ao direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima. Por igual, a sociedade em geral incumbida deste mesmo dever, pela eficcia horizontal deste direito, de modo que h de ter uma postura ativa no enfrentamento a situaes de leso, seja no oferecendo trabalho para crianas e adolescentes abaixo dos 16 anos, seja denunciando realidades de explorao proibida do labor, seja no comprando produtos derivados do trabalho precoce proibido.Assim, por fora de todos esses atributos que compem o sistema de direitos humanos, gnero do qual espcie o direito ao no trabalho antes da idade mnima, necessrio dizer que no digno nem decente permitir que crianas e adolescentes possam trabalhar antes dos 16 anos de idade, de maneira a se situarem, num segundo plano, os aspectos formativos de seu desenvolvimento biopsicosocial, to marcante em tal fase da vida humana, sob pena de, em assim se permitindo, colorir-se, novamente, o quadro perverso da explorao do trabalho precoce dos primrdios da Revoluo Industrial. preciso reconhecer, portanto, que o marco civilizatrio, centrado nos direitos humanos, a que a comunidade internacional conduziu sob o forte embate dos fatos sociais, no pode se compadecer com o trabalho infantil, pois significaria retroceder na formao de seu contedo, moldado que foi pelo fenmeno da expanso da amplitude do princpio da dignidade da pessoa, entendido este e, em ltima anlise, como um conjunto de potencialidades inerentes pessoa humana e sem os quais no se lhe pode permitir um vida digna.O Direito, assim, deve olhar a explorao do trabalho de crianas e adolescentes sob a perspectiva dos direitos humanos, reconhecendo o direito ao no trabalho antes da idade mnima como direito fundamental, com todos os seus apangios acima destacados, o qual, uma vez atingido, deve ser prontamente reparado, em toda a extenso da reparao. Todavia, o Direito no enxerga, por si s, a realidade e nela influi e transforma. Ele , sob um ponto de vista de anlise, obra cultural e, assim, precisa de agentes, pessoas incumbidas da aplicao das normas, pela organizao do Estado, vale dizer, os operadores do Direito em sentido amplo.E como est olhando o segmento empresarial, o direito fundamental ao no trabalho e o trabalho infantil? Infelizmente, tem visto com olhos impregnados de permissibilidade, de suavidade e de aceitao, especialmente quando a violao do direito fundamental ao no trabalho ocorre fora dos seus muros, porm dentro da cadeia de suprimentos que se formou para atender suas necessidades de produo/comercializao.Com efeito, o fenmeno do trabalho infantil, na atualidade, no mais viceja com todo vigor, no interior organizacional das empresas que, em virtude de um longo processo histrico, centrado na responsabilizao, esto mais cientes do seu dever de no tomar mo de obra de crianas e adolescentes. Realmente, o trabalho infantil espraiado pela cadeia econmica, jacente em pequenos negcios desorganizados, em empreendimentos rudimentares, em organizaes familiares ou mesmo em sistemas integrados de produo, tem sido umas das reas de mais difcil combate, na luta pela preveno e erradicao do trabalho infantil que, acompanhando o processo de desconcentrao da produo e da comercializao, a partir dos influxos das terceirizaes e quarteirizaes, tpicos do capitalismo globalizante, o trabalho infantil emigrou do interior das empresas e passou a se diluir ao longo da cadeia econmica ou de suprimentos das corporaes, formadas a partir das necessidades econmicas das empresas.E, ento, frente aos atributos da fundamentalidade, projeo positiva, aplicabilidade imediata e eficcia horizontal, h de se questionar qual deve ser o papel das empresas e do prprio sistema de justia do trabalho, quando o trabalho infantil viceja na cadeia econmica ou de suprimentos. Disto se cuidar nas prximas pores do presente estudo.

3. DIREITOS HUMANOS, EMPRESAS E CADEIAS ECONMICAS.Uma vez fixadas as notas que definem o direito ao no trabalho como direito humano e seus principais atributos, necessrio indagar qual o papel das empresas em garantir esta espcie de direito fundamental, quando a violao ocorre na sua cadeia econmica ou de suprimentos ou, ainda, dentro de sua prpria estrutura ainda que esta segunda hiptese seja bem rara nos dias atuais.Isto porque as ltimas pesquisas realizadas em nosso pas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT), demonstram que grande parte das mais de 3 milhes de crianas e adolescentes em situao de labor esto no trabalho informal, na agricultura familiar e no trabalho domstico. Tais reas representam uma espcie de ncleo duro, cuja dissoluo tem se mostrado um desafio para a rede de proteo dos direitos de crianas e adolescentes, mesmo porque suas causas esto ligadas s desigualdades regionais e socioeconmicas, to evidentes no Brasil. Este trabalho informal, no raro, est diludo em cadeias econmicas ou cadeias de suprimentos, que se entrelaam para dar suporte produtivo ou de comercializao a grandes corporaes econmicas. A partir da consolidao da globalizao, acentuou-se no mundo inteiro o fenmeno da internacionalizao da produo e da mobilizao do grande capital, o que levou empresas a migrarem para pases em desenvolvimento, em busca das chamadas vantagens comparativas, isto , em busca de melhores condies para produzir, o que significa dizer em busca de condies mais baratas para produzir, tais como mo de obra, matria primeira, legislaes socioambientais mais brandas, etc.Nesse contexto, alm de migrarem para espaos onde possam encontrar tais vantagens corporativas, tais (essas) empresas tambm optaram por modificar seus processos produtivos em busca de diminuir seus custos. Passaram, ento, a intensificar tcnicas de desconcentrao da produo, a partir de terceirizaes, deslocando setores da produo/comercializao para terceiros. Estes, por sua vez, em busca de reduo de custos, tambm passaram a deslocar setores de sua produo para terceiros. Assim, pequenssimas empresas ou mesmos ncleos familiares comearam a ingressar nessa nova arrumao produtiva. Em tais processos de desconcentrao, os terceiros e quartos do esquema produtivo tambm comearam a se empenhar no intento de reduzir custos, sob pena de no sobreviverem num mercado cada vez mais selvagem, onde ganha a preferncia de grandes empresas, quem vende os suprimentos por menos. E desse modo, firmou-se uma cruel realidade de barateamento da mo-de-obra e de precarizao das condies de trabalho dos obreiros: baixos salrios, meio ambiente de trabalho degradado, ausncia de organizao sindical, longas jornadas de trabalho, explorao do trabalho de crianas e adolescentes, trabalho em condies anlogos a de escravo, processos artesanais de produo, baixas tecnologias e (; que) passaram a ser as faces dessa novel realidade socioeconmica, a qual tem mirado para a perversa prtica do dumping social. assim que famlias inteiras se integram nesse perverso sistema, passando a compor a cadeia de suprimentos de uma dada empresa, que est na outra ponta, beneficiando-se do trabalho barato da ponta de baixo. Nisto, crianas e adolescentes so consideradas foras de trabalho indispensveis para a produo e aumento de ganhos, por meio da reduo de custos.Tal arranjo produtivo pode ser visto no caso da indstria txtil e caladista no Estado de So Paulo, onde, na ponta de cima, empresas conhecidas do grande pblico deslocam setores inteiros de sua produo para outras empresas, menores, que, por sua vez, deslocam para outras tantas, menores ainda e, no raro, para ncleos familiares. Assim, os sapatos ou roupas que so vendidos por preos vultosos nos shoppings chiques da cidade de So Paulo, acabam tendo grande parte deles ou mesmo eles inteiros sendo produzidos em oficinas de fundo quintal, com condies degradantes de trabalho, nisto incluindo-se a explorao do trabalho de crianas e adolescentes. Este mesmo esquema se repete em tantos outros segmentos, como na produo do fumo, na regio sul do Brasil, atrelada a seu perverso sistema de integrao. Neste, pequenos produtores rurais assinam contratos de venda de fumo em folha com grandes corporaes fumageiras, por meio do qual se obrigam a comprar de empresas previamente indicadas no instrumento, os denominados pacotes tecnolgicos (agrotxicos, fertilizantes, assistncia tcnica, EPIs, sementes, seguro agrcola), o que gera um crescente endividamento, posto que o fumo por eles produzidos e vendidos, por dever contratual, integral e exclusivamente quelas corporaes, pago sob valores achatados, de modo que a renda do pequeno produtor achata-se cada vez mais, avolumando, de outra banda, o endividamento. E disso, sobrevm a explorao do trabalho de crianas e adolescentes, filhos dos pequenos produtores, para aumento da produo, misria, servido, doenas, suicdios, desagregao social e familiar e degradao da natureza; mais que meros componentes indesejados do sistema a serem sanados, constituem-se nos indispensveis pilares sobre os quais se edifica atualmente no Brasil e no mundo a produo do fumo potencializada pelos sistemas de integrao implementados por empresas transnacionais que, assim, auferem lucros exorbitante.E no s. Semelhante situao se verifica na produo do carvo vegetal para alimentar grandes siderrgicas, no norte e sudeste do pas; no beneficiamento da castanha de caju, na produo do leo do coco babau, para atender o interesses de grandes e poderosos empresas de cosmticos, dentre muitos outros casos.Nesse cenrio e frente compostura jurdica do direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima, um direito humano por excelncia, somado a seus corolrios, absolutamente necessrio ativar instrumentos de responsabilizao das empresas frente garantia de fruio dos direitos humanos, especialmente no campo do trabalho decente, seja quando a violao ocorre dentro de suas prprias estruturas, seja quando a infrao ocorre na cadeia de suprimentos que se teceu em funo de sua zona de influncia, entendida tal cadeia como uma conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais os diversos insumos sofrem algum tipo de transformao, at a constituio de um produto final (bem ou servio) e sua colocao no mercado.

Esse cenrio de reconhecimento do impacto negativo que, no raro, as atividades de grandes corporaes econmicas so susceptveis de produzir na garantia de fruio de direitos humanos, bem como o arrimo de sua responsabilizao nesta ordem de coisas, j pode ser buscado tanto em nvel transnacional, quanto no mbito nacional, seno vejamos.

3.1 Empresas, Direitos Humanos e Cenrio TransnacionalA afirmao internacional dos direitos humanos, conforme referido acima, est intimamente ligada s enormes violao de direitos perpetrada pelo Estado nazifacista (nazifascista), na poca da Segunda Guerra Mundial. Durante muito tempo, foi o Estado (foi) considerado o nico algoz da infringncia dos direitos mais caros da raa humana, dentre os quais, a vida e a liberdade.Todavia, a conscincia jurdica transnacional passou a divisar outros atores de violaes no cenrio das atrocidades da segunda guerra mundial, de modo que as empresas tambm comearam a ser vistas responsabilizadas por estas mesmas barbries. Nesse passar, vale frisar interessante passagem da Revista Super InteressanteNessa poca [dcada de trinta], a corporao mais poderosa de l [Alemanha] atendida pelo nome Interessengemeinshaft Farben. Ou IG Farben, Associao de Interesses Comuns. Era um cartel formado por Basf, Bayer, Hoescht e outras empresas qumicas e farmacuticas alems. Alm de poderosa, a IG Farben se metia bastante na poltica. Foi a maior apoiadora da campanha que ps Hitler no poder, ao doar 400 mil marcos (US$ 15 milhes em valores atuais). O apoio no veio de graa. Em um encontro logo aps as eleies, o futuro chanceler prometeu a Heinrich Buetefisch, chefo de uma das fbricas da IG Farben, que garantiria a expanso dela e o investimento em uma tecnologia estratgica. Como a Alemanha no tinha reservas de petrleo, a IG Farben desenvolveu um combustvel sinttico derivado do carvo, que seria essencial para as Foras Armadas do pas na guerra. Foi o comeo de uma parceria e tanto, que garantiu negcios com o governo at 1944. Mas o maior projeto dessa unio surgiu somente em 1941, com o objetivo de formar a maior indstria qumica do Leste europeu. Instalada nas reas polonesas anexadas pelos nazistas, seu nome era IG Auschwitz. Funcionava com mo de obra especializada alem e escravos de toda a Europa, especialmente prisioneiros do campo de concentrao vizinho. O negcio comeou to bem que em 1942 j ganhou uma ampliao, com um campo prprio da fbrica, para produzir borracha sinttica, combustveis de alta performance (gasolina de aviao e leo combustvel para uso naval), vrios tipos de plsticos e fibras sintticas, entre outros. O produto mais notrio e sinistro a sair de l foi o Zyklon-B, o gs usado nas cmaras de extermnio. Alm disso, de acordo com o livro IG Farben From Anilin to Forced Labor (IG Farben Da anilina ao trabalho forado, indito no Brasil), de Jrg Hunger e Paul Sander, a fbrica tambm fazia os trabalhadores forados de cobaias para testar novos medicamentos e vacinas (LIMA, Cludia de Castro. Os aliados ocultos de Hitler, Revista Superinteressante, julho de 2014)

E no s. O Grupo Krupp valeu-se dos trabalhos forados de cerca de 100 mil pessoas, incluindo prisioneiros de guerra e de campos de concentrao e civis de lugares ocupados. A Siemens usou mo-de-obra dos campos de concentrao de Auschwitz e Ravensbrck para produzir diversos equipamentos, dentre os quais cmaras de gs. Algumas pessoas ligada a essas e outras empresas foram julgados pelo Tribunal de Nuremberg. 24 pessoas da IG Farben e 12 pessoas da Krupp, por exemplo, foram condenadas por extermnio em massa, uso de trabalho forado e outros crimes contra a humanidade. Promoveu-se, portanto, a responsabilizao de pessoas fsicas associadas a essas corporaes, mas nenhuma sano foi imposta s pessoas jurdicas que colaboraram com o nazismo. Todavia, essa espcie de imputabilidade das empresas, enquanto pessoas jurdicas, principiou a ser desconstruda nos idos de 1960.Com efeito, a consolidao do Estado do Bem Estar social, a partir do qual este deveria assumir uma posio para alm do mero respeito s liberdades, pblicas, mas, fundamentalmente, adotar uma conduta de fazer, voltada promoo do bem estar dos cidado, no mundo desenvolvido, acrescido s novas ondas de descolonizao das colnias da frica e da sia, que substituiu a figura do Estado por grandes corporaes econmicas, como vetor de assimetria, no mundo subdesenvolvido, provocaram mudanas no tabuleiro internacional do pode (as quais) agravaram o impacto negativo da atuao empresarial sobre os direitos humanos, em especial nos mundo subdesenvolvido, onde o controle estatal sobre questes sociais, trabalhistas e ambientais restou diludo pelo poderio econmico das empresas, cada vez mais transnacionais.Acrescente-se a isso a internacionalizao da economia, com o incremento da globalizao, fortalecendo o papel geopoltico dos grandes conglomerados econmicos, que passaram a exercer enorme influncia sobre o jogo poltico nos Estados ento emergentes da descolonizao. Realmente, muitas empresas aumentaram seu faturamento a tal ponto que superaram o PIB de muitos pases. Dados do Banco Mundial e da Revista Fortune, com referencia no ano de 2010, do conta que a rede de supermercados Walmart teve receita equivalente ao PIB da Noruega em 2010 (408 bilhes de dlares para a companhia, contra 414 bilhes para o pas escandinavo). A a General Eletric teve receita maior que o Peru (157 bilhes de dlares contra 154 bilhes).Ora, estes novos fatores polticos e econmicos provocaram inmeras tenses na Ordem Internacional, em especial o impacto cada vez maior da atividade empresarial sobre os direitos humanos, no campo social, trabalhista e ambiental, despertando fortes reaes de organizaes no governamentais e movimentos sociais, em prol da responsabilizao das empresas por violaes de direitos humanosExemplo dessa crescente mobilizao que, seis dcadas depois dos julgamentos de Nuremberg, algumas das empresas que tiveram funcionrios e executivos condenados passaram a reconhecer sua responsabilidade direta pelos horrores da Segunda Guerra: a Siemens pagou indenizaes s famlias de seus operrios sujeitos a trabalhos forados. A Nestl, que tambm usou mo-de-obra escrava, pagou 14,5 milhes de dlares para um fundo de vtimas do trabalho escravoTal tenso na ordem de coisas foi ecoar na Organizao das Naes Unidas, a partir de um crescente de fatos que podem assim ser resumidos: a) Criao da Comisso das Naes Unidades para Corporaes Internacionais, como uma espcie de frum intergovernamental permanente para discusso do papel das empresas na garantia de cumprimento dos direitos humanos..b) Iniciativas no mbito da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico, em 1976, o que culminou com a publicao do documento Diretrizes para Empresas Multinacionais, com recomendaes sobre temas como direitos trabalhistas, segurana laboral, meio ambiente, sade e questes tributrias, entre outros. O documento voltado sobretudo para empresas multinacionais que operam nos territrios dos pases-membros da organizao ou dos pases que tenham aderido s Diretrizes. Em 2011, na sua quinta reforma, foi includo captulo sobre recomendaes em matrias de direitos humanos.c) Iniciativas da Organizao Internacional do Trabalho, a partir da Declarao Tripartite de Princpios Relativos a Empresas Multinacionais e Poltica Social, que oferece parmetros sobre condies de trabalho, capacitao e direitos laborais em geral.d) Lanamento do Pacto Global no ano 2000. Trata-se de documento, aberto adeso empresarial, contendo dez princpios (originalmente, eram nove, mas, em 2004, foi incorporado um dcimo princpio sobre o combate corrupo), com compromissos a serem assumidos por empresas na rea de direitos humanos, trabalho e meio ambiente.

Todavia, no cenrio internacional, o mais vigorosa (vigoroso) avano no reconhecimento da responsabilidade das empresas por violaes de direitos humanos, ainda que verificadas em cadeias econmicas ou de suprimentos criadas para dar suporte a seu funcionamento, foi a publicao dos Princpios Orientadores das Naes Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, os denominados Princpios de Ruggie. Tais princpios foram baseados nos estudos do Professor de Harvard, John Gerard Ruggie, representante do Secretrio Geral da ONU sobre Direitos Humanos e Empresas Transnacionais. Contm diretrizes para Estados e empresas com vistas a garantir o respeito aos direitos humanos e est sustentado nos seguintes pilares: (i) dever do Estado de oferecer proteo contra abusos de direitos humanos cometidos por terceiros, incluindo empresas, por meio de polticas, regulao e atribuio de responsabilidades (adjucation); (ii) a responsabilidade corporativa de respeitar direitos humanos, atuando com a devida diligncia (due diligence) para evitar infringir direitos e lidar com impactos adversos que possam advir de sua atuao; (iii) o acesso das vtimas reparao efetiva, por meio de mecanismos judiciais e no judiciais.Os princpios de Ruggie foram aprovados pela Comisso de Direitos Humanos da ONU, por meio da Resoluo n. 17/4 e contedo pode ser dividido em trs grandes sees. Na primeira seo, que contempla os princpios 1 a 10, d-se luz ao dever do Estado em prover proteo contra violaes de direitos humanos cometidas por terceiros, inclusive empresas, em seu territrio ou jurisdio. Para tanto, deve tomar as medidas adequadas para prevenir, investigar, punir e reparar abusos. Aqui, h fortes indicativo para o avano da Legislao, a fim de que se prever, claramente, a responsabilidade das empresas por violaes de direitos, ocorridas na sua prpria estrutura organizacional ou na sua cadeia de suprimentos. H, tambm orientaes voltadas para a consolidao de uma cultura corporativa de respeito aos direitos humanos, por meio da oferta de assessoria s empresas (acesso informao e capacitao) e da estipulao de clusulas relativas ao respeito a direitos humanos, inclusive com possibilidade de auditoria, em transaes comerciais realizadas pelo Poder Pblico com o setor privado.Na segunda seo, que compreende os princpios de 11 a 24, traz-se o contorno da responsabilidade das empresas frente aos direitos humanos, com especial destaque para a responsabilidade quanto s violaes ocorridas em suas cadeias de suprimento. Tal seo apresenta como fundamentos a Declarao Universal dos Direitos Humanos da ONU, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos da ONU, Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais da ONU, bem como as Convenes Fundamentais do OIT (Conv. 138 e Conv. 182). Como ncleos de comando, merecem destaque:A) Absteno: As empresas devem adotar de no fazer, isto , absterem-se de violar direitos humanos, dentre os quais, o direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima.B) Enfrentamento: As empresas devem prevenir ou mitigar impactos negativos em eventos e processos em relao aos quais tenha algum envolvimento, como si acontecer na explorao do trabalho de crianas= e adolescentes no contexto das cadeias econmicas. Aqui merece destaque o paradigma das denominadas Zonas ou Esferas de Influncia, entendidas como espaos para onde as empresas projetam seus elementos de produo e comercializao. Tais zonas do o limite da responsabilidade dos conglomerados e fundamentam o dever de diligncia que estas devem ter em todos esses espaos de projeo.C) Due Diligence (dever de diligncia): as empresas, dentro de suas zonas ou esferas de influncia, vale dizer, em suas cadeias econmicas ou de insumos, devem adotar prticas de auditoria e aferio de riscos decorrentes dos impactos dos elementos de suas zonas de influncia sobre os direitos humanos. Para tanto, tais prticas devem incluir consultas a especialistas e grupos potencial ou efetivamente afetados ou partes interessadas, tudo com vistas a evitar a cumplicidade, ou negligncia, da empresa com violaes. Assim, por exemplo, as empresas devem estar atentas a seus processos de desconcentrao produtiva, a fim de que estes no se materializem em espaos onde vicejem condies degradantes de trabalho ou trabalho infantil, no contratam com unidades onde tais tipos de violaes ocorram ou mesmo incidindo, no sentido de romper contrataes ento efetuadas ou mesmo promovendo melhorias da tecnologia da produo ou das condies de trabalho dos obreiros, em ordem a arrimar um ambiente livre de degradncia e trabalho infantil.D) Poltica de Compromisso: As empresas devem adotar uma poltica de compromisso e respeito aos direitos humanos, a qual deve ser aprovada por suas altas instncias decisrias e difundida, interna e externamente. Isto incute na corporao a cultura corporativa que faz introjetar na conscincia coletiva empresarial a responsabilidade pela fruio de direitos humanos, em si e/ou em suas cadeias produtivas.E) Politica de Monitoramento: As empresas devem adotar uma conduta de monitoramento a partir da anlise de indicadores pr-definidos que deem a medida de conteno dos impactos negativos da atividade empresarial no fruio de direitos humanos, isto , que permita uma anlise da extenso do efeitos de sua atividade na fruio do direito fundamental ao no trabalho e bem como avaliar se sua conduta corporativa est tendo eficcia no enfrentamento de tal violao.F) Dever de Reparao: as empresas devem incorporar, em sua poltica, o dever de reparar ou mesmo contribuir para reparar os impactos decorrentes de sua atividade sobre os direitos humanos, assumindo, por exemplo, o dever de indenizar, por danos individuais ou coletivos, patrimoniais ou morais, causados (a) crianas, adolescente e/ou comunidades atingidas pela explorao do trabalho infantil, fruto da omisso de seu dever de diligncia sobre espaos de produo albergados em suas esferas de influncia.

E, finalmente, na terceira e ltima sesso dos Princpios, contida ente os princpios de 25 a 31, preveem-se mecanismos judicias e no judiciais de reparao, que devem ser colocados pelo Estado disposio das vtimas. Na segunda seo, que compreende os princpios de 11 a 24, traz-se o contorno da responsabilidade. Dentre estes mecanismos de reparao, no campo juslaboralista, podem ser inserido e melhor ativada, na experincia brasileira, o sistema de justia do trabalho, como melhor ser detalhado no tpico seguintePor tudo isto, no cenrio transnacional, tem-se afirmado, cada vez mais, a responsabilidade das empresas pela garantia dos direitos humanos, reconhecendo-se que tambm elas podem ser demandadas a fim de que adotem condutas que garantam o respeito aos direitos humanos, seja em sua estrutura organizacional, seja em sua esfera de influncia (cadeias produtivas) , ou ainda, ocupem o polo passivo em sistemas de monitoramento de tratados de direitos humanos ou outros sistemas a serem criados com a finalidade precpua de apurar a responsabilidade de empresas por violaes de direitos humanos. E tais influxos podem ser utilizados no ambiente nacional. Confira-se.

3.2 Empresas, Direitos Humanos e Cenrio Nacional: Responsabilizao e Sistema de Justia do Trabalho.Se, no cenrio transnacional, conforme se viu no tpico anterior, h elementos polticos e jurdicos que fundamentam o reconhecimento e a prpria responsabilidade das empresas pela garantia dos direitos humanos, tambm no cenrio nacional possvel prospectar fundamentos similares, para ativar a responsabilidade dos conglomerados no cumprimento dos direitos humanos, em especial, na seara dos direitos fundamentais sociais, como, por exemplo, o direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima. Descortina-se, assim, um novel papel para sistema de justia do trabalho, que precisa ser incorporado por seus principais pilares institucionais, vale dizer, Ministrio Pblico do Trabalho e Justia do Trabalho, vocacionados constitucionalmente para tutela do valor do trabalho digno, o qual no se compadece com qualquer resqucio de explorao do trabalho de crianas e adolescentes.

3.2.1 Responsabilidade da Cadeia Produtiva e FundamentaoNesse sentido e, de incio, necessrio demarcar, no campo nacional, os fundamentos desse movimento de ampliao da responsabilidade das empresas para alm de seus muros, a atingir todos os seus espaos de influncia, em especial, suas cadeias econmicas ou de suprimentos. Tais fundamentos abeberam-se das seguintes fontes normativas: A) Constituio Federal: Art. 6, 7, XXXIII, 170, 184, 186 e 227; B) Convenes n. 138 e 182 da OIT. B) Cdigo Civil 2002: Arts. 927 e 942; C) Cdigo de Defesa do Consumidor e Sistema de Tutela Coletiva: Art. 12 e art. 17 do CDC.Tais fontes normativas permitem a extrao de um punhado de consequncias jurdicas que, na ordem jurdica ptria, do o tom da responsabilidade das empresas em relao s violaes de direitos fundamentais sociais vicejantes em suas cadeias econmicas Tais consequncias jurdicas gravitam em torno dos seguintes eixos: A) Trplice Responsabilidade; B) Funo Social da Propriedade e normas de proteo ao trabalho; C) Ordem Econmica e Valorizao do Trabalho Humano. Em seguida, traar-se-o alguns comentrios de modo a esclarecer o fundamento da responsabilizao da cadeia produtiva, seno vejamos.Sob os mandamentos normativos da Constituio Federal, o Estado brasileiro assentou-se nos princpios da liberdade econmica, da livre iniciativa e da livre ocorrncia. Todavia, a frmula adotada no deriva para o capitalismo selvagem, pois a liberdade econmica no absoluta, na medida em que est temperada pela responsabilidade social dos grupos empresariais, Com efeito, a ordem econmica deve estar fundada em valores sociais. o que se observa do texto do art. 170 de nossa Constituio:Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: (...)III - funo social da propriedade;VIII - busca do pleno emprego;

Da que o exerccio da liberdade econmica somente vlido, sob pena de descambar para ilicitudes, se for compatvel com a valorizao do trabalho humano, com a existncia digna a todas as pessoas, com a justia social e com a busca do pleno emprego.Em outras palavras, a atividade econmica ser ilcita se, por si ou por seus impactos em suas esferas de influncia, contribuir (para) existncia indigna das pessoas, se no valorizar direta ou indiretamente o trabalho humano e, por assim dizer, se atentar contra os direitos fundamentais sociais. Desse modo, pratica ato ilcito toda empresa que, desconcentrando parte de sua produo e, em muitos casos, toda sua produo, para terceiros e, faltando com seu dever de diligncia, cria condies para explorao do trabalho de crianas e adolescentes, atentando, pois, contra direitos fundamentais do homem e atingindo as balizes da liberdade econmica, clausulada pelos influxos da responsabilidade social. Faz-lo o mesmo que estimular e legitimar o prprio trabalho infantil.H de se dizer ainda que as relaes empresariais, entre fornecedor e cliente, assenta-se (assentam-se) num liame de segurana, baseada na comunho de propsitos. Quando, por exemplo, uma indstria caladista, transfere para outrem, a produo de solados de calados, ou ainda, a montagem destes, estabelece-se entre eles uma comunho de interesses, uma sinergia econmica, uma confiana mtua. Portanto, admitir que um ente empresarial adquira produtos gerados em uma situao de ilicitude, a partir da explorao do trabalho humano, estabelecer que aquele compactue com esta mesma ilicitude. Neste caso, a empresa passa a se aproveitar dos benefcios da explorao do trabalho, vez que os produtos, gerados na cadeia criada por ela, por suas necessidades econmicas, detm custos menores, favorecendo-lhe economicamente, pois permitir ocupar nichos de mercado a menores custos, em situao de vantagem frente s demais corporaes do setor.Destarte, a ordem econmica tem, entre seus fundamentos, a responsabilidade social, cuja inobservncia macula o direito de liberdade econmica daquelas, disto gerando ilicitudes e danos, que precisam ser estancados , por meio de provimentos de inibio e reparao, extrajudiciais ou judiciais. Assim, sendo direito ao no trabalho antes da idade mnima, um direito humano, um direito fundamental, um direito especial, por fora do art. 7, XXXIII e art. 227, bem como das Convenes OIT n. 138 e 182, a atividade empresarial que, ao desconcentrar produo, por falhar no dever diligncia, permite o trabalho infantil, atinge os prprios fundamentos da ordem econmica, no podendo passar inclume pelos olhos do Direito.Mas no s.A responsabilidade das empresas em relao s violaes de direitos humanos tambm decorre da funo social da propriedade. Sabe-se que, durante muito tempo, na poca em que o mundo jurdico somente conhecia os chamados direitos humanos de primeira gerao ou dimenso, o direito de propriedade ganhou ares de direito absoluto, especialmente para repudiar, a todo custo, a marcha do Estado sobre a esfera jurdica dos cidados, outrora sditos no Estado absolutista. Desse modo, o direito de propriedade se justificava para satisfazer, to somente, o interesse privado de seu titular.Com o evoluir do pensamento jurdico e partir da afirmao, difuso e incremento dos direitos humanos ao longo do sculo XX, o direito de propriedade foi esfacelando em sua fora absoluta, temperado que foi pelo princpio da funo social da propriedade. Vale dizer, o direito de propriedade, agora, somente se justificava seu exerccio se no conspurcasse outros direitos igualmente to caros. Desse modo, a propriedade deixava de ser protegida apenas para a satisfao de interesses individuais. Em vez disso, passou a ser tutelada em razo da relevncia social condizente a seu exerccio: a propriedade deixava de ser protegida em funo somente do indivduo para ser resguardada em razo tambm da sociedade. Por via de corolrio, a fruio do direito de propriedade deveria ser pautado (pautada) pela compatibilizao do interesse individual com o interesse social.Sob a gide da Constituio de 1988, os arts. 5, XXIII, art. 170, III, art. 184 e art. 186 informam a compostura do princpio da funo social da propriedade. Assim, na atual ordem constitucional brasileira, a propriedade bem jurdico fundamental protegido e direito fundamental, temperado, internamente, por sua funo social, para tambm garantir o bem estar material da comunidade. Passa-se a proteger a propriedade no apenas para satisfazer a felicidade de seu prprio titular, ou seus caprichos, mas tambm para atender aos interesses da sociedade, bem com aos objetivos da Repblica, concretizados no art. 3 da CF/88. Essas duas esferas de fundamento, ou estas duas funes, a econmico-individual e a social tem, pois, de se coordenar entre si, convivendo harmonicamente dentro do mesmo direito.Por via de corolrio, a Carta Constitucional determina que a propriedade, a includa a empresarial, deve ser explorada de acordo com sua funo social, devendo ser respeitadas as disposies que regulam as relaes de trabalho e a condies justas de labor, ainda mais quando veiculam direitos fundamentais, como o caso do direito ao no trabalho. Dessa forma, a propriedade no pode ser explorada de modo a causar danos ou riscos de danos s relaes de trabalho, dignidade do homem trabalhador, frontalmente vilipendiada por situaes de explorao do trabalho precoce. Dessa forma, qualquer explorao de trabalho infantil, inclusive na cadeia econmica, gerada em razo das dinmicas da propriedade produtiva torna ilcito o produto econmico gerado pelo desrespeito das condies mnimas laborais. H de se destacar: se a propriedade no explorada de modo compatvel a sua funo social, pelo desrespeito de disposies trabalhistas fundamentais, o produto derivado da explorao passa a ser incompatvel com as normas constitucionais e espraia sua ilicitude por toda a cadeia econmica que do produto se vale e que, ltima anlise, foi sua prpria geradora. Assim, a uma empresa, no lcito beneficiar-se de tal desrespeito a normas constitucionais adquirindo produtos, gerados por meio da explorao do trabalho de crianas e adolescentes. Mais ainda: deve (a) empresa, fundada no seu dever de diligncia sobre sua esfera de influncia, adotar as medidas de cuidado a fim de garantir que no est adquirindo produtos oriundos do desrespeito funo social da propriedade.Nesta mesma linha de raciocnio, tambm o Cdigo Civil de 2002 e o Cdigo de Defesa do Consumidor este, ao conformar, juntamente com a Lei da Ao Civil Pblica, os pilares do sistema de tutela coletiva permitem impor s empresas a responsabilidade pela violao de direitos humanos, ainda que est (esta) se d em sua cadeia econmica ou de suprimentos.Sendo a dignidade da pessoa humana o fundamento mximo de nossa ordem constitucional (art. 1 III, CRFB), tem-se que, na rbita juslaboralista, o respeito dignidade absoluta de todo ser humano demanda condies dignas para o exerccio do trabalho, as quais so frontalmente violadas quando se explora o trabalho de crianas e adolescentes, pois se atinge um direito muito caro Ordem Jurdica, vale dizer, um direito fundamental, como visto em outras partes deste estudo. Na esfera civil, conforme exposto acima, vedado a qualquer empresrio beneficiar-se economicamente da explorao do trabalho de crianas e adolescente, como tambm defeso a qualquer empresa estimular esta violao a direito humano, auferindo vantagens econmicas a partir de cadeias de suprimento, criadas para satisfazer suas necessidades de produo, por meio de parcerias comerciais com terceiros que desenvolvem seus produtos a partir da explorao do trabalho precoce. As vantagens, em tal esquema produtivo, so claras, pois os terceiros e quartos, e quintos, etc. barateiam o custo da produo do suprimento que vai satisfazer a necessidade da empresa que desconcentrou sua produo, por meio da explorao da mo de obra infantil e da precarizao das condies de trabalho e, ao final, grande empresa da ponta, permitir-se- colocar os produtos finais no mercado, a custos menores, vencendo a concorrncia.Desse modo, se uma empresa tem relaes estveis com um terceiro que explora crianas e adolescentes no trabalho, entregando-lhe produtos mais baratos, est esse agente econmico se beneficiando da explorao do trabalho humano. Assim, beneficiando-se economicamente da atividade ilcita anterior, a empresa deve ser responsabilizada civilmente, na forma do art. 927, pargrafo nico, do Cdigo Civil:Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo.Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Com efeito, extrai-se da norma acima transcrito que responsvel civilmente por qualquer dano toda pessoa que desenvolva atividade que possa implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Ora, se a atividade empresarial de compra de produtos gerados por meio da explorao do trabalho de crianas e adolescentes, na lgica de reduo de custos da desconcentrao econmica para a cadeia de insumos, proporciona lucros ao ente empresarial o adquirente de produtos , deve este tambm ser responsabilizado, pois, por meio dessa relao, est se beneficiando de prticas ilcitas.Finamente, preciso assinalar que outros ramos do direito avanaram em matria de responsabilizao solidria da cadeia econmica, alm da responsabilidade objetiva e proteo ao hipossuficiente, o que acaba por influenciar o Direito do Trabalho, vez que este se fundamenta no aspecto protetivo e social. No toa que dispe o caput do art. 12 do Cdigo de Defesa do Consumidor:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricao, construo, montagem, frmulas, manipulao, apresentao ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua utilizao e riscos.

Este dispositivo legal comina a solidariedade entre TODOS os componentes da cadeia produtiva pelos ilcitos e danos causados ao consumidor. Desse modo, se o consumidor beneficirio de tal tutela especial, diante de sua condio de hipossuficincia, por analogia e com mais razo, o trabalhador devem (deve) desfrut-la, j que, via de regra, ainda mais vulnervel que o consumidor. Assim, onde h a mesma razo, deve prevalecer a mesma soluo.Ademais, na ordem jurdica ptria, a tutela dos direitos coletivos, em sentido lato, a includos os trabalhistas, d-se por meio da conjugao de vrias leis, dentre elas a Lei n 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor) e a Lei n 7.347/85 (Lei da Ao Civil Pblica). dentro dessa ideia de sistema coletivo, que se pode espancar todas dvidas de que o art. 12 do CDC aplicvel ao Direito do Trabalho, posto que o art. 17 do diploma consumerista estabelece que so equiparados a consumidor todos os que sejam vtimas de danos decorrentes da cadeia produtiva.Da que, as empresas em torno das quais se teceu a cadeia produtiva e no bojo da qual conseguem auferir vantagens econmicas, pelo barateamento da produo em virtude da precarizao das condies de trabalho, de algum modo se beneficiando desse esquema, devem arcar com os nus correspondentes, especialmente em matria de proteo dos direitos humanos e fundamentais.

A regra tambm tem previso no Cdigo Civil:

Art. 942. Os bens do responsvel pela ofensa ou violao do direito de outrem ficam sujeitos reparao do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos respondero solidariamente pela reparao. (grifo nosso).Pargrafo nico. So solidariamente responsveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Se a responsabilidade da cadeia econmica se impe, num primeiro momento para a tutela inibitria de proteo dos direitos humanos e fundamentais, ela tambm se aplica reparao dos danos j causados, seja os de natureza difusa, seja as reparaes aos trabalhadores precoces (crianas e adolescentes) individualmente prejudicados.

Ademais e a fim de que melhor se possa esclarecer de que forma o Direito do Consumidor pode ser utilizado instrumento para fundamentar a responsabilidade da cadeia produtiva, por violao de direitos humanos, necessrio recorrer algumas lies doutrinrias consumeristas. Com efeito, costuma-se classificar os fornecedores sujeitos a participar do polo passivo da relao jurdica de responsabilidade civil nas seguintes categorias: a) Fornecedor real, envolvendo o fabricante, o produtor e o construtor; b) Fornecedor aparente, que compreende o detentor do nome, marca ou signo aposto no produto final; e c) Fornecedor presumido, abrangendo o importador de produto industrializado ou in natura e o comerciante de produto annimo.Tais conceitos devem se aplicar tambm ao Direito do Trabalho, pois como visto, tanto um como o outro, funda-se na mesma ratio, a saber, a proteo da parte mais vulnervel na relao jurdica.Da o porque referido sistemas se comunicam, perfazendo o que doutrina costuma chamar de dilogo das fontes, em prol da materializao de um sistema protetivo.No fosse isso, campeiam, na seara juslaboralista, os princpios da proteo e da norma mais favorvel, os quais autorizam a concluso de que a cadeia econmica responsvel solidria para fins trabalhistas (coletivos e individuais).

3.2.2 Formas de Responsabilizao

Nesse esquema de ampla responsabilizao, autorizado que est por toda a fundamentao jurdica lanada no tpico anterior, preciso distinguir duas formas de responsabilizao das empresas por violao de direitos humanos, dentre os quais, o direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima.Uma das formas ocorre quando a violao ocorre (acontece) dentro da estrutura produtiva da empresa, isto , quando ela, diretamente, toma o servio de crianas e adolescentes, antes da idade mnima fixada na ordem jurdica. Tal forma de violao e responsabilizao direta foi muito comum h algumas dcadas atrs. Hoje, tal tipo de violao residual, considerando o longo histrico de represso e punio ativados pelo rgos de fiscalizao, tal como o Ministrio Pblico do Trabalho e o Ministrio do Trabalho, cada um no mbito de suas respectivas atribuies. Com efeito, o trabalho infantil no mais est no cho de fbrica de grandes empresas.Paralelamente, h outra forma de responsabilizao, indireta, quando a violao de direito ocorre ao longo da cadeia produtiva, ou seja, a violao ocorre fora dos muros de uma dada corporao econmica. Tal responsabilizao da empresa responsvel pela tessitura da cadeia, ainda que indireta, por fato ocorrido na cadeia, no pode ser desprezada. Ao contrrio, Ministrio Pblico do Trabalho e Justia do Trabalho devem estar atentos a tal forma. Neste passar, importante, para bem se fixar a responsabilizao indireta, delimitar o alcance da cadeia para fins de responsabilidade. Isto porque os diversos elementos sociais, tecnolgicos, geogrficos e econmicos atuaro fortemente para se graduar a participao e o nvel de responsabilidade social de uma dada corporao econmica.Com efeito, podem se divisados casos em que a empresa que comercializa o produto fabricado com utilizao de mo de obra de crianas e adolescentes, pode ser por isso responsabilizada, como a hiptese daquelas que vendem roupas produzidas por oficinas que exploram trabalho infantil, sendo muitas vezes a proprietria da marca. O domnio do fato pela empresa e omisso na fiscalizao da prestao de servios so facilmente constatados, ensejando sua responsabilizao.De outra banda, em determinados casos, o domnio do fato e a prtica de ato omissivo ou comissivo no ser constatado. o caso da revendedora de produto que utiliza, para sua, o ferro-gusa. Constatado o trabalho de crianas e adolescentes na produo do carvo vegetal, que alimenta os fornos para a produo do ferro-gusa, deve-se proceder a um corte na cadeia produtiva, sugerindo-se a responsabilizao apenas at a indstria siderrgica, haja vista o distanciamento da participao da revendedora na utilizao da matria-prima carvo vegetal.Assim que, por conta da amplitude do conceito de cadeia produtiva, e para fins de responsabilizao indireta, o aplicador da lei deve fazer um corte metodolgico, delimitando a atuao apenas para as fases de fornecimento de matria prima (nfase na extrao), industrializao e distribuio do produto final. Tal necessidade de corte na responsabilizao remete, tambm, necessidade de mapear a cadeia econmica, isto , identificar as empresas, bem como estabelecer a funo e importncia de cada uma delas na prpria cadeia produtiva, especialmente quando esta se ramifica a tal ponto, que passa atingir unidade de regime familiar de produo e comunidades.Para tanto e como base em Manual de Atuao Frente s Cadeias Produtivas, da Coordenadoria Nacional de Combate Explorao do Trabalho de Crianas e Adolescentes, sugerem-se os seguintes passos: I) Identificar as categorias de bens ou servios da empresa. II) Identificar o potencial produtivo de determinada regio; III) Identificar a produo de insumos e servios com nveis, de acordo com a potencial utilizao de mo de obra de crianas e adolescentes (muito alto, alto, moderado e baixo). Para fins de classificao, sugere-se a utilizao dos seguintes critrios: a) Predominncia ou no de atividades que no exijam mo de obra qualificada; b) Existncia de atividades produtivas realizadas em regime de economia familiar (urbano e rural), em comunidades tradicionais, na informalidade e no sistema de produo integrada; c) Existncia de limitao temporal da vinculao com a empresa adquirente ou tomadora (vnculo temporrio ou permanente); d) Vulnerabilidade ou existncia de fatores sociais crticos, tais como a rea geogrfica, condies sociais, econmicas e culturais, etc.; e) Propenso existncia de agentes de ameaa, tais como a existncia de metas de produtividade e fiscalizao do processo extrativo/produtivo.

3.2.3 Contedo da Responsabilizao

O presente tpico procurar responder a seguinte indagao: Qual o contedo da responsabilizao das empresas que violam direitos fundamentais de no trabalhar antes da idade mnima, seja direta, seja indiretamente, em sua cadeia produtiva?Considerando que a responsabilizao deve ser a mais ampla possvel, visando sempre incolumidade da situao violada, ela pode admitir a responsabilidade no campo administrativo, penal e civil/trabalhista, independente (independentes) e complementares entre si, com composturas prprias. Todavia, em virtude dos lindes temticos deste estudo, focar-se- no mbito da responsabilidade civil/trabalhista, pois aquela que, na atuao conformao poltico institucional, pode ser aplicada pelo Ministrios Pblico do Trabalho e Justia do Trabalho, posto que a responsabilidade penal interessa a outros sistemas de justia, bem como a responsabilidade administrativa importa ao Poder de Polcia do Ministrio do Trabalho.Desse modo, no campo da responsabilidade civil/trabalhista, possvel destacar dois contedos bsicos, quais sejam, a inibio e a reparao. A tutela inibitria est intimamente ligada ao princpio da preveno e se fundamental no art. 5, XXXV da Constituio Federal. Tal forma de tutela assume uma posio de relevo, posto que, quando se analisam em direitos fundamentais, a preveno da violao, e por via de corolrio, do dano, deve ser perseguida a todo custo, por meio de provimentos que inibam o ilcito, e/ou cessem-no e/ou evitem sua repetio, justo o contedo, por excelncia, de uma tutela de inibio. Isto porque, via de regra, os danos advindos da violao so irreversveis. Com efeito, dados do Ministrio da Sade apontam que mais criana e adolescentes se acidentam e morrem no trabalho, em termos relativos, trs vezes mais que adultos em uma mesma situao de labor.A tutela de inibio, seja por meio de um atuao extrajudicial, seja por meio de um comando judicial, impe um fazer ou um no fazer, conforme a conduta ilcita temida seja de natureza comissiva ou omissiva. Nos tpicos seguintes, dar-se-o exemplos de comandos tpicos de inibio, no campo de violao do direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima.Neste passar, cumpre transcrever excertos da obra do professor LUIZ GUILHERME MARINONI[footnoteRef:4], que averba com maestria: [4: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitria: individual e coletiva. 4 ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.]

A tutela inibitria, configurando-se como tutela preventiva, visa a prevenir o ilcito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior sua prtica, e no como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitria.Quando se pensa em tutela inibitria, imagina-se uma tutela que tem por fim impedir a prtica, a continuao ou a repetio do ilcito, e no uma tutela dirigida reparao do dano. Portanto, o problema da tutela inibitria a preveno da prtica, da continuao ou da repetio do ilcito, enquanto o da tutela ressarcitria saber quem deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano ressarcvel ter sido produzido ou no com culpa. (pg. 36) (...) melhor prevenir do que ressarcir, o que equivale a dizer que no confronto entre a tutela preventiva e a tutela ressarcitria deve-se dar preferncia primeira. (pg. 38)A tutela inibitria caracterizada por ser voltada para o futuro, independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prtica, a continuao ou a repetio do ilcito. Note-se, com efeito, que a inibitria, ainda que empenhada apenas em fazer cessar ou ilcito ou impedir a sua repetio, no perde a sua natureza preventiva, pois no tem por fim reintegrar ou reparar o direito violado. (pgs. 38/39)A inibitria funciona, basicamente, atravs de uma deciso ou sentena que impe um no fazer ou um fazer, conforme a conduta ilcita temida seja de natureza comissiva ou omissiva. Este fazer ou no fazer deve ser imposto sob pena de multa, o que permite identificar o fundamento normativo-processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. (pg. 39)Alis, o fundamento maior da inibitria, ou seja, a base de uma tutela preventiva geral, encontra-se como ser melhor explicado mais tarde na prpria Constituio da Repblica, precisamente no art. 5, XXXV, que estabelece que a lei no excluir de apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. (pg. 39)[...] Note-se, porm, que se o dano uma consequncia meramente eventual e no necessria do ilcito, a tutela inibitria no deve ser compreendida como uma tutela contra a probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prtica, da continuao ou da repetio do ilcito, compreendido como ato contrrio ao direito que prescinde da configurao do dano. (pg. 45). (grifos nossos).

Mas no s. A responsabilizao civil trabalhista tambm deve ser preocupar com a reparao danos causados. Tais danos podem atingir a rbita individual das prprias crianas ou adolescentes trabalhadoras, como tambm podem conspurcar a rbita coletiva, da comunidade e/ou sociedade atingida pela violao de um direito especial, fundamental da ordem jurdica. Ademais, estes mesmos danos, em um e outro caso, podem atingir a esfera patrimonial e/ou moral das crianas e adolescentes vtimas do labor proibido, ou ainda, a esfera patrimonial e/ou moral da sociedade e comunidade lesada. Desse modo, a reparao (deve) dar conta de todos esses tipos de dano.Assim, por exemplo, uma mesma situao de explorao do trabalho de crianas e adolescentes pode dar azo a um dano de ordem individual e patrimonial infligido a uma criana e adolescente, acidentada no trabalho e, por via de corolrio, invlida para o labor, a qual dever ser indenizada por lucros cessantes (uma renda para sobrevivncia) e danos emergentes (gastos com tratamento mdico decorrente do acidente de trabalho, bem como a uma leso de ordem individual e moral, submetida que foi a situaes vexatrias e de humilhao, decorrente do trabalho degradante. Aquela mesma situao pode, ainda, dar azo a um dano de ordem coletiva e moral, atingindo o acervo tico de uma dada comunidade e/ou sociedade, conspurcada pela violao de um direito caro e fundamental a ordem jurdica ptria, que compe o paradigma do trabalho decente e atinge um dos fundamentos da repblica, qual seja, a dignidade da pessoa humana, em sua dimenso laboral. A tutela reparatria devem (deve), ento, propiciar a indenizao de todos estes tipos de danos.Mas precisamente sobre este ltimo tipo de dano, o dano moral coletiva, a que se vo dedicar as prximas linhas, em sntese apertada, em funo dos limites do presente estudo.Com efeito, dano moral, na linha do que prega a doutrina civilista clssica, todo dano extrapatrimonial, no-econmico. A reparao do dano moral est expressamente prevista no art. 5, V, da Constituio da Repblica, bem como nos arts. 186 e 942 do Cdigo Civil, por fora do que todo dano moral, ainda que exclusivamente moral deve ser reparado.O dano moral pode ser individual ou coletivo em sentido amplo. O dano moral individual aquele que atinge uma pessoa em particular. O dano moral coletivo, por sua vez, produzido contra uma coletividade lato sensu, isto , uma comunidade de pessoas ligadas por interesses individuais homogneos, coletivos ou difusos.A explorao do trabalho de crianas e adolescentes, nas cadeias econmicas formadas para atender s necessidades produtivas de empresas, constitui-se, como visto, em grave ofensa a um direito fundamental, que atinge o patrimnio tico da sociedade, atingida nos seus valores e direitos mais essenciais. Tal violao lhe capaz, ento de, tem o poder de gerar insegurana e indignao a todos e incompatvel, portanto, com a conscincia coletiva existente na sociedade, que reclama respeito cidadania, dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, consoante imps a Constituio Federal ao disciplinar o Estado Democrtico de Direito. Da se concluir que as violaes aos direitos fundamentais e ao princpio da dignidade resultam em danos morais coletividade, exigindo, assim, um indenizao, que ter carter preventivo-pedaggico e punitivo, com fundamento nos artigos 186, 187 e 927, caput, do Cdigo Civil Brasileiro. Tal espcie de responsabilidade implica condenao em dinheiro (Lei no 7.347/85, art. 3), levando-se em conta a natureza do ato ilcito, a gravidade e continuidade da leso e o comprometimento do bem jurdico violado e dever ser ampla o bastante, para desestimular condutas futuras, incutindo empresa a constatao de que no valer a pena, em termos econmicos pelo menos, violar a ordem jurdica laboral, em seus fundamentos mais caros, como acontece quando se viola o direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima.Finalmente, destaque-se que referida condenao em dinheiro, visando a recompor os danos causados e de acordo com natureza e extenso destes, pode ser substituda por determinadas medidas compensatrias, tais como: a) reverso de bens para a comunidade lesada (tais como centros de formao profissional de adolescentes); b) equipagem de aparatos pblicos integrantes da rede de proteo da infncia e da juventude (v.g, Conselhos Tutelares, Centros de Referncia em Assistncia Social CRAS e Centros de Referncia Especializada em Assistncia Social CREAS; c) campanhas publicitrias que visem sensibilizao e conscientizao de comunidades e famlias afetadas, acerca dos malefcios do trabalho infantil; d) reforo de servios pblicos deficientes numa dada comunidades, tais como educao, assistncia social, trabalho, dentre outros.

3.2.4 Atores, Instrumentos e Comandos de ResponsabilizaoNa esteira do foco da responsabilizao civil/trabalhista, sem prejuzo da ativao de outros tipos de responsabilidade, necessrio se faz, ainda que sinteticamente, perquirir quem devem ser, na atual conformao poltico constitucional, os atores de aplicao da responsabilizao, direta ou indireta, de empresas, por violaes do direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima, em sua estrutura organizacional ou mesmo, em suas cadeias de suprimentos.Ora, em se tratando de um ofensa a um dos pilares que compe o paradigma do trabalho decente, o no trabalho antes da idade mnima, e, sendo o Sistema de Justia do Trabalho, por fora dos ventos ampliativos da competncia emanados da Emenda Constitucional n. 45/2004, o guardio do valor social do trabalho e da dignidade do homem trabalhador, arrimados naquele paradigma, extreme de dvidas que as principais instituies que compem aquele Sistema, vale dizer, Ministrio Pblico do Trabalho e Justia do Trabalho, so os principais atores a quem se atribui o dever de aplicar as devidas responsabilizaes sobre empresas violam direito fundamentais relacionados ao mundo do trabalho., pois, sob essa perspectiva, isto , sobre a perquirio da funo do Ministrio Pblico do Trabalho e da Justia do Trabalho, na cominao de condenaes de tutelas inibitrias e reparatrias, seus instrumentos e principais comandos, de que se vai cuidar nesta poro do estudo.Como corolrio e mesmo justificao da atuao do Ministrio Pblico do Trabalho e da Justia do Trabalho, necessrio considerar-se que a explorao do trabalho de crianas e adolescentes, em cadeias produtivas tecidas para atender necessidades econmicas de uma dadas empresa, constitui grave ilicitude, pois ofende-se direito fundamental ou humano, contido na centralidade do ordenamento jurdico, embutido que est no paradigma do trabalho decente e do trabalho digno e, em ltima anlise, no standart jurdico da dignidade da pessoa humana.Ora, sendo um direito qualificado, pois, e sendo sua leso dotada de alta gravidade para o ordenamento jurdico, frente aos valores centrais violados, abre-se via para a necessria correo da ao ou omisso ensejadora da violao, seja no mbito do tutela de inibio, seja no mbito da tutela de reparao. Em outras palavras, violado o direito humano ao no trabalho antes da idade mnima, a tutela de proteo dos direitos da infncia e da juventude deve ser, de pronto, instituda, seja por meio da cominao de um fazer ou no fazer, seja por meio da reparao dos danos causados. A persecuo dessa tutela de proteo pode ser feita, num primeiro momento, pela s atuao do Ministrio Pblico do Trabalho, mediante dois importantes instrumentos de sua atuao, quais sejam: a) o Inqurito Civil Pblico, por meio do qual o Procurador do Trabalho lanar mo de todos os atos instrutrios inspeo, requisio de documentos, oitiva de testemunhas, etc. - para a comprovao da violao do direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima, em uma dada cadeia produtiva, criada para atender um dada empresa ou conglomerado econmico e, via de consequncia, a configurao da ilicitude, a desafiar a devida correo; b) o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, por meio do qual empresa violadora reconhece a ilitictude perpetrada, j identificada no Inqurito Civil Pblico, e compromete-se, num dado prazo fixado, a adotar determinadas condutas e/ou abster-se de praticar certos comportamentos, sob pena de fixao de multa, por descumprimento da obrigao assumida, no modo, tempo e lugar, contidos no Termo. Pode, ainda, ser previsto o pagamento de uma indenizao por danos causados, em especial, dano moral coletivo, dirigida ao Fundo da Infncia e da Juventude, ou mesmo revertida na forma de bens e servios para a prpria comunidade lesada.No entanto, no raro, a soluo extrajudicial no se revela possvel, frente resistncia da empresa em assumir as formas de tutelas propostas pelo Ministrio Pblico do Trabalho, de modo que, frente quela leso grave, diga-se, vez que leso a direito fundamental ao no trabalho h que se buscar sua correo por meio da Justia do Trabalho, mediante a imposio de provimento judicial de fazer ou no fazer tutela inibitria do ilcito e de reparar o dano causado tutela reparatria.Assim, diante do princpio da inrcia da jurisdio, o sistema atribui ao Ministrio Pblico do Trabalho o ajuizamento de Ao Civil Pblica, que venha a veicular aquela ilicitude, bem como o pedido de tutela inibitria e reparatria, em ordem a promover a defesa, em juzo, dos interesses difusos e coletivos de todas as crianas e adolescentes em situao de trabalho infantil, bem como da prpria sociedade, lesada em seu patrimnio tico-moral, diante de tal vil forma de explorao dos direitos da infncia e da juventude.Aqui, ento, descortina-se o verdadeiro sentido da competncia da Justia do Trabalho, alargada que foi pela edio da Emenda Constitucional n. 45/2004, qual seja, o papel de tutora maior do valor do trabalho decente e digno, que no se compadece, como visto nos tpicos anteriores, com a explorao do trabalho infantil, de sorte que a tutela judicial ento requerida deve vir a repudiar toda a forma de trabalho que ofenda aquele paradigma, a exemplo do trabalho precoce.Portanto, por fora da ampliao de competncia proporcionada por referida Emenda, o Sistema de Justia do Trabalho o competente para aplicar tutelas de inibio ou reparao contra empresas que violam direitos fundamentais de no trabalhar antes da idade mnima, j que a tal sistema compete tutelar as relaes de trabalho lato sensu, inclusive quando estas so atingidas por violaes graves, como o trabalho infantil, em ordem a fazer cessar situaes de trabalho proibidas ou mesmo aplicar reparaes de danos causados por tais situaes.Nesse contexto e por fora de tal competncia, o Ministrio Pblico vem cominando s empresas, seja extrajudicialmente, seja por meio de provimento judicial, quando constatado violaes ao direito fundamental ao no trabalho antes da idade mnima, na cadeia econmicas, os seguintes comandos de conduta, sem prejuzo de imposio de tutelares reparatrias:A) No contratar, manter ou permitir que menores de 16 anos desenvolvam qualquer atividade em qualquer das etapas ao longo das quais os diversos insumos sero utilizados pela empresa para a constituio do produto final (bem ou servio) e sua colocao no mercado. B) No contratar, manter ou permitir que menores de 18 (dezoito) anos o exerccio de atividades insalubres, perigosas, prejudiciais sade, segurana e moral, em qualquer das etapas ao longo das quais os diversos insumos sero utilizados pela empresa para a constituio do produto final (bem ou servio) e sua colocao no mercado.C) Incluir nos contratos celebrados com os fornecedores dos insumos, empresas que promovem a transformao e distribuidores dos produtos finais, clusulas sociais de no utilizao de trabalho infantil.D) Promover a estruturao de um mecanismo de controle, definindo a periodicidade, as etapas da relao em que haver a verificao (na contratao, no curso da relao contratual), o responsvel pelo processo, e os procedimentos a serem adotados diante da constatao de um caso de trabalho infantil na cadeia de fornecimento de bens ou servios necessrios para produo.D) Fazer Doaes ao Fundo da Infncia e da AdolescnciaE) Implementar aes de conscientizao dos clientes, empregados e da comunidade sobre os prejuzos do trabalho infantil, mediante a publicao de informaes em embalagens de produtos, comprovantes de pagamentos, etc.F) Aprimorar o controle da regularidade das condies de trabalho que ocorrem ao longo de sua cadeia no Brasil, FORNECEDORES E TERCEIROS, por meio de: 1) Visita s instalaes; 2) Realizao de entrevistas com funcionrios; 3) Reviso de documentos; 4) Elaborao de um plano de ao corretivo; e 5) Comunicao de resultados, entre outros. G) Em alguns casos, reconhecer relao de emprego, especialmente no caso do sistema de integrao na indstria do fumo, diante da presena dos requisitos da relao de emprego e o princpio da primazia da realidade.H) Cadastrar todas as crianas e adolescentes, filhos de pequenos produtores, e acompanhar a freqncia e aproveitamento escolar, bem ainda incluso em programas sociais.I) Repassar recursos ao Fundo da Infncia e da Juventude, para custeio de projetos de assistncia e promoo do desenvolvimento biopsicosocial de crianas e adolescentes.3.2.5 Outras estratgias para alm da responsabilizao puraAlm das tutelas inibitrias e reparatrias referidas no tpico, possvel a adoo de outras estratgias, que estimulam as empresas a se responsabilizar pelo respeito aos direitos humanos, toda vez que as leses ou ameaas de leses decorrem de sua atividade e se aplicam em seus espaos de influncia. Dentre estas, podem (pode) ser apontada (apontado) um modelo bastante difundido no Reino Unido, na Holanda e na Espanha, baseado na certificao de empresas que respeitam os direitos humanos, como estratgia de responsabilidade social e fidelizao de mercados consumidores cada vez mais conscientes.Outra hiptese, tambm bem comum em pases desenvolvidos, como Reino Unido, Holanda e Espanha, diz respeito estipulao de critrios de contratao com o Poder Pblico e obteno de financiamento pblico. No Brasil, j h proibio da concesso ou renovao de quaisquer emprstimos ou financiamentos pelo BNDES s empresas cujos dirigentes sejam condenados por explorao da mo de obra de crianas e adolescentes, conforme previsto no artigo 4o da Lei n 11.948, de 16 de junho de 2009. Isto reflete, cada vez mais, poder de coertividade (coercitividade) das sanes econmicas, em mercados cada vez mais conscientes.Nesse exato sentido, outro avano legislativo recente, que apenas refora a responsabilidade solidria da cadeia econmica violadora dos direitos humanos e fundamentais, veio com a promulgao da Lei Paulista n 14.946, de 28 de janeiro de 2013, sobre cassao da inscrio no ICMS, de qualquer empresa que se utilize, direta ou indiretamente, de trabalho escravo ou em condies anlogas. Ademais, o prprio Municpio pode impor sanes administrativas s empresas em que constatada a utilizao de mo de obra de crianas e adolescentes em qualquer fase do seu processo produtivo, especialmente em suas piores formas. Com efeito, a Municipalidade, com base em seu poder de polcia, pode condicionar a concesso da permisso, licena ou autorizao de explorao de servios e bens pblicos ou de servios de interesse pblico, expressa assuno de um termo de compromisso de combate ao trabalho infantil, em sua prpria estrutura organizacional e/ou na cadeia de suprimentos. Outra estratgia importante e que tambm aposta na fora das sanes econmicas de um mercado consciente, a criao de Cadastros ou Listas Sujas, contendo o nome de empresas que se valem da explorao do trabalho de crianas e adolescentes, em sua prpria estrutura e/ou na cadeia produtiva. Com efeito, grandes empresas, em torno das quais se tecem extensas cadeias produtivas, prezam por sua imagem empresarial e no almejam ver esta imagem associada violao de direitos humanos, de modo que a existncia de tais listas nela incutem (nelas) um temor e uma presso psicolgica, que as tornam mais vigilantes em seus processos de desconcentrao de produo, quanto aos respeito aos direitos humanos sociais. H, pois, um forte poder de inibio, em razo do mercado consumidor cada vez mais consciente. Esta, inclusive, foi uma das providncias recomendadas ao Poder Pblico, pela Comisso Parlamentar de Inqurito, criada no Congresso Nacional, para investigar o trabalho infantil no Brasil.Finalmente, pode ainda ser aventado a criao de um selo social pelo municpio, difundindo boas prticas empresariais de certificao de cadeias produtivas, utilizando-se, dentre outros, os seguintes critrios para a certificao: A) No utilizao de mo de obra infantil em qualquer das fases do processo produtivo; B) Alertar os fornecedores contratados que denncia comprovada de trabalho infantil causar rompimento da relao comercial; C) Realizar aes de conscientizao dos clientes, fornecedores e comunidade sobre os prejuzos do trabalho infantil; D) Desenvolver aes sociais em benefcio de crianas e adolescentes

4. CONCLUSODiante de tudo isto, pode-se afirmar, guisa de concluso, que no h mais espao, seja no cenrio transnacional, seja no cenrio nacional, para a irresponsabilidade de corporaes econmicas, em relao s ameaas de leso ou violao de direitos humanos, em sua prpria estrutura organizacional e/ou na cadeia de suprimentos que se forma para atender suas necessidades econmicas e seus processos de desconcentrao da produo.Sendo assim e considerando que a explorao do trabalho de crianas e adolescentes constitui grave violao de direitos humanos sociais, ao atingir o direito fundamental ao no trabalho, h que se arrimar ampla responsabilizao quelas empresas que, descurando de seu dever de diligncia, adotam postura permissiva em relao aos impactos negativos de sua atividade econmica, em sua esfera de influncia, em especial o impacto da precarizao das condies de trabalho, estampadas no trabalho precoce, que tem acompanhado o processo de desconcentrao da produo.Esta ampla responsabilizao pressupe, alm da cominao de tutelas de inibio do ilcito e de reparao do dano, forte engajamento dos principais atores do Sistema de Justia do Trabalho, quais sejam, o Ministrio Pblico do Trabalho e a Justia do Trabalho, a fim de que, cnscios dos instrumentos e fundamentos jurdicos, postos na Ordem Jurdica externa e interna, possam materializar aquela ampla responsabilizao.Diante desse quadro, o desafio que se pe , pois, transmutar os olhares para a perspectiva dos direitos humanos, com todos os atributos que lhes so inerentes, e tornar concretas novas formas de tutelas extrajudiciais ou judiciais, mais eficazes, segundo o esquema dos direitos humanos, em especial nos casos de violao de direitos fundamentais sociais, perpetrados ao longo da cadeia econmica, campo onde, atualmente, o trabalho infantil tem vicejado a torto e a direito.Tais ferramentas esto postas a servio do Sistema de Justia do Trabalho, as quais permitiro, se usadas e bem usadas, pelos operadores do direito, um novo alento no histrico de combate ao trabalho precoce no Brasil. Assim, com base neste paradigma de ampla responsabilizao, membros do Poder Judicirio trabalhista e do Ministrio Pblico do Trabalho podero promover e preencher, com efetividade e mais amplamente, o contedo dos direitos fundamentais, em especial, do direito social ao no trabalho antes da idade mnima, cobrando polticas, impondo sanes, avanando na tutela coletiva dos direitos de crianas e adolescentes.Nesse atuar do Sistema de Justia de Trabalho, devem figurar slidas as perspectivas dos direitos humanos e da fundamentalidade do direito ao no trabalho antes da idade permitida, como mnimo existencial necessrio para consecuo do trabalho digno e decente, apangio inarredvel da dignidade da pessoa, centralidade mxima da ordem jurdica. Estas novas perspectivas devem arrimar a superao dos remdios jurdicos ortodoxos de tutela de direitos, de modo que se consolidem, mais e mais, as aes civis pblicas, veculos dos pedidos de inibio do ilcito, bem como a responsabilizao das empresas por violaes de direitos fundamentais sociais em suas cadeias de suprimentos, reforando-se o processo coletivo e todas as suas potencialidades. Por tudo isso, v-se que a realidade est sempre a influir sobre a inteligncia do Direito, reinventando seu arcabouo de direitos e formas de garantia da fruio dos bens da vida que lhe so correlatos. As novas fronteiras esto a postas: o alargamento da competncia do Sistema de Justia Trabalhista, a ao civil pblica e o processo coletivo, as tutelas inibitrias e reparatrias coletivas, via dano social genrico ou dano moral coletivo, dentre outros, todos a apontar novas formas de atuar para enfrentamento de uma das mais perversas formas de violao dos direitos humanos de crianas e adolescentes: a explorao do trabalho precoce.O tom est dado: ampla responsabilizao. A comunidade jurdica nacional e internacional j o percebe. Agora, querer tocar esta nova melodia, cuja letra torne concreta provimentos de inibio e reparao em face das empresas por violaes de direitos fundamentais sociais em suas cadeias de suprimentos, sob a msica pungente e dolorida que destri milhares de infncias, esfaceladas que esto, diante da triste realidade do trabalho precoce.

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