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  • Seguridade Social Brasileira: Desenvolvimento Histrico e Tendncias Recentes Ana Elizabete Mota

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    Seguridade Social Brasileira: Desenvolvimento Histrico e Tendncias Recentes Por Ana Elizabete Mota

    As polticas de proteo social, nas quais se incluem a sade, a previdncia e a

    assistncia social, so consideradas produto histrico das lutas do trabalho, na medida em

    que respondem pelo atendimento de necessidades inspiradas em princpios e valores

    socializados pelos trabalhadores e reconhecidos pelo Estado e pelo patronato. Quaisquer que

    sejam seus objetos especficos de interveno, sade, previdncia ou assistncia social, o

    escopo da seguridade depende tanto do nvel de socializao da poltica conquistado pelas

    classes trabalhadoras, como das estratgias do capital na incorporao das necessidades do

    trabalho.

    Trata-se de uma contradio da sociedade capitalista, cujas mediaes econmicas e

    polticas imprimem um movimento dinmico e dialtico: se do ponto de vista lgico, atender

    s necessidades do trabalho negar as necessidades do capital, do ponto de vista histrico, a

    seguridade social por definio esfera de disputas e negociaes na ordem burguesa.

    Erigida no campo de luta dos trabalhadores, ela sempre e continuamente objeto de

    investidas do capital no sentido de adequ-la aos seus interesses.

    Originrias do reconhecimento pblico dos riscos sociais do trabalho assalariado, as

    polticas de seguridade ampliam-se a partir do II ps-guerra, como meio de prover proteo

    social a todos os trabalhadores, inscrevendo-se na pauta dos direitos sociais. Em geral,os

    sistemas de proteo social so implementados atravs de aes assistenciais para aqueles

    impossibilitados de prover o seu sustento por meio do trabalho, para cobertura de riscos do

    trabalho, nos casos de doenas, acidentes, invalidez e desemprego temporrio e para

    manuteno da renda do trabalho, seja por velhice, morte, suspenso definitiva ou temporria

    da atividade laborativa.

    Doutora em Servio Social e professora do Departamento de Servio Social da UFPE.

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    Como se pode perceber, o trabalho, suas condies (sob o capital) e relaes

    (assalariado/alienado) tm centralidade na constituio dos sistemas de seguridade social. Por

    isso mesmo, as polticas de proteo social so referenciados por princpios e valores da

    sociedade salarial, particularmente aquela desenhada pelocapitalismo desenvolvido e pelo

    trabalho organizado (sindicatos e partidos), no perodo que vai dos meados dos anos 40 at o

    final dos

    anos 70, ocasio em que o mundo capitalista inflexiona seu padro de cumulao

    dominante, para enfrentar uma crise de dimenses globais. Essa inflexo responde pela

    recomposio do processo de acumulao - seja na esfera da economia, seja na da poltica -

    incidindo diretamente na reestruturao dos capitais, na organizao dos processos de

    trabalho, na organizao dos trabalhadores e no redirecionamento da interveno estatal

    que, sob a batuta do capital financeiro e das idias neoliberais, constri novas estratgias

    derelacionamento entre o Estado, a sociedade e o mercado.

    Nesse cenrio, foi necessrio redefinir a seguridade social para adequ-la s novas

    necessidades do grande capital, razo maior da definio de um conjunto de prescries

    nomeadas de ajustes e reformas particularmente nos pases perifricos, como o caso dos

    Latino-americanos (embora no exclusivamente), cujos principais formuladores so os

    organismos financeiros internacionais. Essas injunes na poltica social tm relao direta

    com os emprstimos externos, contratados para implementar pacotes que em sua grande

    maioria j esto prontos e com as condicionalidades definidas. Aqui os destaques so as

    parcerias comunitrias e/ou com ONGS, a necessidade de focalizar a aplicao dos recursos

    nos mais pobres, os subsdios demanda sem ampliao dos servios pblicos, o trabalho

    com a prpria comunidade e a meta de dotar as iniciativas de auto sustentabilidade.

    Contudo, tais mudanas e redirecionamentos deveriam ser conduzidos de modo a

    formar uma outra cultura de proteo social, o que sugere o desenvolvimento de estratgias

    constitutivas da hegemonia da classe dominante que, para exercitar o seu papel de dirigente,

    segundo o pensamento gramsciano, precisa realizar uma verdadeira reforma social e moral

    que transforme o seu projeto de classe num projeto de todas as classes.

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    Para isso, recorrem tanto negao das possibilidades de construir uma alternativa ao

    projeto societrio capitalista, um projeto para alm do capital, subtraindo referncias

    tericas e histricas, como implementao de mecanismos que cuidem de construir prticas,

    vises de mundo evalores necessrios conformao de uma outra cultura, formadora da

    sociabilidade requerida pelo capitalismo do sculo XXI.

    Trata-se de destruir a sociabilidade do trabalho protegido e de construir uma outra,

    amparada na negao da interveno social do Estado e na afirmao da regulao do

    mercado, nas iniciativas individuais e no envolvimento da sociedade civil que, ao se

    assumirem como co-responsveis pelas polticas sociais, institucionalizam o terceiro setor.

    No Brasil, a despeito das iniciativas realizadas nos anos 40, somente a partir dos anos

    80 que a sociedade brasileira ensaia a institucionalizao e constitucionalizao dos primeiros

    passos em prol do exerccio da cidadania, de formas de democracia, da constitucionalizao

    de novos direitos sociais, trabalhistas e poltico.

    Embora a arquitetura da seguridade brasileira ps-1988 tenha a orientao e o

    contedo daquelas que conformam o estado de bem estar nos pases desenvolvidos, as

    caractersticas excludentes do mercado de trabalho, o grau de pauperizao da populao, o

    nvel de concentrao de renda e as fragilidades do processo de publicizao do Estado

    permitem afirmar que no Brasil a adoo da concepo de seguridade social no se traduziu

    objetivamente numa universalizao do acesso aos benefcios sociais.

    Mesmo assim, tais fragilidades no foram o suficiente para negar que os trabalhadores

    brasileiros, a partir dos anos 80, adquiriram novos direitos, ampliaram o acesso a servios

    pblicos no mercantis, usufruram o alargamento da oferta de benefcios, como os da

    assistncia social e da sade, dentre outros.

    Esse movimento, contudo, esbarra nos limites da democracia formal, na medida em que

    o processo de socializao da esfera da poltica no teve equivalente na esfera da economia,

    isto , do poder econmico constitudo ao longo do regime militar.

    Ora, esse processo que possui apenas duas dcadas, passa a ser negado a partir dos

    meados dos anos 90 em favor das prescries neoliberais e de um conjunto de mudanas

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    macroestruturais, momento em que as classes dominantes iniciam a sua ofensiva contra a

    seguridade social universal. Para realizar sua reforma, as classes dominantes precisaram

    exercitar sua condio de dirigente, sitiando os projetos sociais dos trabalhadores, no

    somente atravs da fora e coero, mas confundindo seus referenciais, na proporo em que

    dotam de novos contedos as bandeiras polticas histricas dos trabalhadores brasileiros. J o

    fizeram com a noo de cidadania, instituindo a figura do cidado-consumidor; o mesmo

    acontece com a banalizao da solidariedade ou, ainda, com formas mistificadas de

    equidade. O que chama a ateno a capacidade de operar um verdadeiro transformismo

    nos contedos das bandeiras da esquerda - de que tem sido exemplar o atual governo - como

    o caso da prioridade do social, da solidariedade, da prtica associativa etc.

    Estavam, assim, criados os argumentos para o atual governo dar incio a uma nova

    ofensiva que, ao tempo em que faz a reforma da previdncia social tambm desenvolve

    iniciativas com o objetivo de reorganizar a poltica de assistncia social e imprimir uma

    racionalidade sistmica aos programas de sade.

    Podemos dizer que uma das estratgias presentes na "nova" gesto estatal da fora de

    trabalho incorporar o processo de precarizao como inevitvel, a mercantilizao como

    fato inexorvel e a subordinao do pblico ao privado como iniciativas complementares e

    parte constitutiva das novas experincias de gesto. No campo da assistncia social, por

    exemplo, desperta nossa ateno a existncia de uma hiptese explicativa da sua expanso:

    a de que o trabalho teria perdido sua capacidade de integrar os indivduos sociedade,

    razo pela qual os programas de assistncia social, particularmente os programas sociais de

    renda mnima poderiam faz-lo em contrapartida desregulamentao da proteo social e

    do trabalho.

    Por outro lado, podemos ver que os discursos que justificam os ajustes e reformas no

    campo da seguridade, invariavelmente passam pela questo do financiamento, pela da

    ampliao da participao da sociedade civil (seja atravs do trabalho voluntrio, seja via

    ONGS ou empresas socialmente responsveis), fato que a Previdncia e a Assistncia sociais

    passaram a constituir uma unidade contraditria (a negao de um sistema nico de

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    previdncia social pblica , ao mesmo tempo, a base para afirmao de um sistema nico

    de assistncia social) no processo de constituio da seguridade social brasileira.

    Nessa trilha, os fundos de aposentadoria e penses e os programas de assistncia so

    exemplares para evidenciar as tendncias da seguridade social brasileira ao estabelecer uma

    ponte entre capitalizao e solidarismo: ao tempo em que promovem um esgaramento nos

    laos de solidariedade social naturalizam a fragmentao dos trabalhadores, transformando-

    os ora em "cidados-consumidores" de servios mercantis, ora em cidados-pobres

    merecedores da assistncia social.

    Alis, uma das particularidades que marcaram a expanso da seguridade social

    brasileira no ps-64: ela se fez mediante a fragmentao dos meios de consumo coletivo,

    franqueando ao capital privado a prestao de servios considerados rentveis, como foi o

    caso da sade e da previdncia via mercado de seguros. A estes se junta o instituto da

    renncia fiscal que, sob o argumento da colaborao empresarial, estimulou as empresas a

    ofertarem servios sociais prprios aos seus empregados. Ao incluir no sistema segmentos no

    assalariados ou em situaes sociais de vulnerabilidade, afastavam os setores mdios

    assalariados, transformando-os em consumidores de servios privados complementares de

    sade e previdncia social.

    Do meu ponto de vista, esse processo foi um dos determinantes das tendncias atuais da

    seguridade social, criando condies objetivas e subjetivas para uma fragmentao das

    necessidades e dos interesses mediatos e imediatos dos trabalhadores no que diz respeito aos

    mecanismos de proteo social. Estava criada desde ento uma clivagem no atendimento das

    necessidades coletivas dos trabalhadores.

    Por tudo isso, entendo que os governos das classes dominantes conseguiram operar um

    giro sem precedentes nos princpios que ancoram a seguridade social: a previdncia social

    transforma-se numa modalidade de seguro social, a sade numa mercadoria a ser comprada

    no mercado dos seguros de sade e a assistncia social, que se expande, adquire o estatuto

    de poltica estruturadora.

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    Como uma verdadeira Crnica de uma morte anunciada, a despeito dos inmeros

    movimentos de resistncia que uma parcela significativa dos trabalhadores realizou, a reforma

    da Previdncia aprovada pelo Congresso Nacional no governo Lula, d seguimento agenda

    de reformas iniciadas por Fernando Henrique Cardoso, consolidando o cumprimento das

    exigncias dos organismos financeiros internacionais. Ao mesmo tempo, amplia e define um

    novo desenho operativo para os programas de assistncia social, donde as aes de combate

    pobreza aparecerem como substitutivas do tratamento da questo social em termos

    distributivos.

    Novos mecanismos de consenso so estimulados, tais como, a descentralizao, as

    parcerias e a participao indiferenciada das classes, que se juntam focalizao e

    responsabilizao individual. Emergem parmetros morais subordinados aos limites dos

    gastos sociais pblicos. A questo social despolitizada. As tenses sociais provocadas pelo

    no atendimento das demandas sociais coletivas passam a ser minimizadas atravs do

    atendimento a questes pontual. Chega a ser provocativo o histrico discurso de ministros e

    secretrios sobre reduo das filas nos hospitais e ambulatrios, como se fosse uma mera

    questo administrativa ou de m utilizao dos fartos recursos disponveis para o sistema

    pblico de sade.

    O conjunto das reformas da seguridade social desgua no governo Lula como uma

    ideologia constitutiva do real (Dias), portando um paradoxo nas propostas do governo que

    defendia o exerccio da cidadania. impossvel falar de cidadania quando o contrato social

    que referenda direitos e deveres entre os cidados e o Estado rompido.

    O que pretendem os intelectuais orgnicos da burguesia reverter a interveno social

    do Estado, base da construo de um novo contrato entre Estado, sociedade e mercado.

    Todavia, em face do contexto ideopoltico que marcou a eleio do presidente Lula e do seu

    discurso de fome zero e justia social, novas armas vm sendo tecidas, qui com um apelo

    mais ttico que o do seu antecessor. Trata-se da ampla divulgao da busca da equidade.

    Como disse o Prof. Wilson Cano, em colquio promovido pela USP, com a presena de

    renomados intelectuais brasileiros: est sendo produzido um novo sistema perverso de

    regresso na distribuio da renda nesse pas. Uma figura fantasmagrica, Hobin Hood s

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    avessas, travestido, que no rouba dos ricos para dar aos pobres, que no tira da classe mdia

    para dar aos pobres, mas que vai tirar da classe mdia para dar ao sistema financeiro.

    Desse modo, o grande capital aloja no campo previdencirio uma questo que diz

    respeito ao seu projeto social, isto , transformar os trabalhadores em parceiros

    indiferenciados, metamorfoseando-os em trabalhadores provedores do capitalismo financeiro

    e proprietrios de grandes negcios. Essa conjuno de elementos estruturadora dos atuais

    movimentos da economia e da poltica e fundam a restaurao do projeto capitalista em todo

    o mundo que, no campo da seguridade social, se traduz nas seguintes tendncias presentes

    na conjuntura atual:

    1. Regresso das polticas redistributivas de natureza pblica e constitutiva de direitos,

    em prol de polticas compensatrias de combate pobreza e de carter seletivo e

    temporrio;

    2. Privatizao e mercantilizao dos servios sociais, com a consolidao da figura do

    cidado-consumidor, condio e premissa da existncia de servios de proteo

    social bsica para o cidado-pobre e ampliao de programas sociais de exceo

    voltados para o cidado-miservel, com renda abaixo da linha da pobreza.

    3. Emergncia de novos protagonistas tais como a empresa socialmente responsvel, o

    voluntariado, com suas prticas congneres de desenvolvimento sustentvel, aes

    em rede, empoderamento e empreendedorismo social que amparam a redefinio

    da interveno social do Estado, agora atrelada capacidade de participao da

    sociedade civil;

    4. Despolitizao das desigualdades sociais de classe em face da identificao dos

    chamados processos de excluso, cuja conotao temporal e transitria informa a

    possibilidade de estratgias de incluso e de acesso aos bens civilizatrios e

    materiais, permitindo que o real e o possvel se transformem em ideal, sitiando,

    assim, a construo de projetos societais.Tentam consolidar uma conceituao da

    sociedade a partir de categorias despolitizadoras do real, donde a sua identificao

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    com o territrio, a comunidade, a vizinhana e a famlia. A sociedade como

    reunio de comunidades e famlias, marcadas por situaes singulares e localizadas.

    5. Um outro aspecto a destacar, enquanto tendncia recente peso de algumas

    polticas de seguridade social sobre o mercado de trabalho.Este vetor esvazia as

    medidas de enfrentamento precarizao e desproteo do trabalho, em prol de

    aes pontuais e de duvidosa eficcia contra o desemprego, a gerao de renda e a

    formao de mo de obra. Compostas por um conjunto de programas voltados

    para a qualificao profissional e para gerao de renda, estas atividades, que

    transitam entre o neo-solidarismo, o financiamento de pequenos negcios, a

    qualificao profissional e o agenciamento de empregos. Apresentam-se, do ponto

    de vista prtico-operativo, como uma modalidade de atendimento s necessidades

    imediatas dos trabalhadores, em substituio a outras como seria o caso do seguro

    desemprego e das garantias sociais e trabalhistas que marcam o chamado trabalho

    protegido. Assim, do ponto de vista poltico, as polticas denominadas de trabalho e

    renda e que atravessam a seguridade social, podem ser a mais nova modalidade de

    incorporao das necessidades do trabalho nova ordem do capital.

    Para fugirmos aos casusmos e impedir que as situaes estruturais sejam concebidas

    como conjunturais, necessrio destacar algumas questes histricas que nos ajudam a

    entender o processo poltico subjacente s mudanas recentes na seguridade social. Nos

    referimos aos limites da interveno poltica dos trabalhadores que neste momento vivem um

    processo crtico, posto que a CUT abandonou muitas das suas posies e, atravs de algumas

    lideranas, transformou-se num dos principais suportes polticos da reforma realizada no

    governo Lula.

    Por outro lado, imprescindvel destacar os rumos assumidos pelas Seguridade Social

    brasileira durante a ditadura militar que, ao ter criado as condies para incluir alguns

    trabalhadores excludos da previdncia, tambm promoveu a abertura do mercado privado de

    servios sociais considerados complementares como foi o caso dos planos de sade e da

    previdncia complementar. Essa iniciativa fragmentou a proteo coletiva dos trabalhadores,

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    estabelecendo os meios para implementar um modelo de proteo social composto pelos

    servios prprios das empresas, pelos seguros sociais privados e oferecidos pelos bancos e

    pelos servios pblicos.

    Por outro lado, a partir do final dos anos 70, em funo da conjuntura poltica de ento,

    os trabalhadores do ncleo dinmico da economia dirigiram para as pautas dos acordos

    coletivos de trabalho suas reivindicaes relativas sade, previdncia e assistncia social,

    como parte dos seus contratos de trabalho, com a mesma importncia e intensidade com que

    lutavam por melhores salrios, direito de greve, condies de trabalho etc.

    Os desdobramentos dessa estratgia implicaram numa contradio: ao mesmo tempo

    em que os trabalhadores do ncleo dinmico da economia conseguiam que as empresas

    atendessem suas necessidades como parte dos seus contratos de trabalho, tambm estava em

    gestao um processo de enfraquecimento da luta coletiva dos trabalhadores por polticas

    pblicas de proteo social. Hoje, podemos constatar como aquela histria iniciada nos

    gloriosos anos 80, no apogeu do processo de organizao do novo sindicalismo, tornou-se

    uma das principais mediaes polticas que permitiram, ao lado da precarizao do trabalho,

    do desemprego, do enfraquecimento do movimento sindical e da ofensiva neoliberal,

    transformar o ncleo de resistncia vinculado ao trabalho no ncleo de apoio s reformas da

    seguridade social no atual governo.

    No seria leviano admitir que o desenvolvimento desse processo respondeu por

    profundas inflexes no campo poltico ideolgico dos trabalhadores, fato revelador de que a

    partir dos anos 90, a burguesia brasileira associada ao grande capital,atualiza as suas

    prticas polticas no leito da mais conservadora tradio, para desenvolver a sua reforma

    social e moral, desmontando e cooptando intelectuais e trabalhadores que, historicamente,

    estiveram noutras trincheiras. Para isso utilizaram uma ttica transformista que desmonta e

    desqualifica os projetos, as ideologias e as prticas vinculadas ao campo do trabalho.

    A verdade que as armas da crtica Seguridade Social brasileira foram sendo tecidas

    no campo da racionalidade capitalista e das contrapartidas sociais destitudas de

    materialidade e plenas de apelo moral. Mas, como a histria no acabou e parte dos

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    movimentos sindical e profissional ainda resiste ao canto da sereia, preciso arregimentar

    foras para acompanhar e disputar o que ainda vir pela frente.