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ISSN 1984-5588 Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser Textos Para Discussão FEE Texto n.º 151 Modelos de análise de políticas públicas: teoria e prática Cristina Maria dos Reis Martins Irma Carina Brum Macolmes Porto Alegre, março de 2017

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ISSN 1984-5588

Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanue l Heuser

Textos Para Discussão FEE

Texto n.º 151

Modelos de análise de políticas públicas: teoria e prática

Cristina Maria dos Reis Martins Irma Carina Brum Macolmes

Porto Alegre, março de 2017

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SECRETARIA DO PLANEJAMENTO, GOVERNANÇA E GESTÃO

DIRETORIA Presidente: José Reovaldo Oltramari Diretor Técnico: Martinho Roberto Lazzari Diretora Administrativa: Daniella Baldasso

CENTROS Estudos Econômicos e Sociais : Vanclei Zanin Pesquisa de Emprego e Desemprego : Rafael Bassegio Caumo Indicadores Econômicos e Sociais : Juarez Meneghetti Informática : Valter Helmuth Goldberg Junior Informação e Comunicação : Susana Kerschner Recursos : Grazziela Brandini de Castro

TEXTOS PARA DISCUSSÃO Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos direta ou indiretamente desenvolvidos pela FEE, ou de interesse da instituição, os quais, por sua relevância, levam informações para profissionais especiali-zados e estabelecem um espaço para sugestões. Todas as contribuições recebidas passam, necessaria-mente, por avaliação de admissibilidade e por análise por pares. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da Fundação de Economia e Estatística. É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas. http://www.fee.rs.gov.br/textos-para-discussao

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Modelos de análise de políticas públicas: teoria e prática* Cristina Maria dos Reis Martins** Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestre e Graduada em Economia pela Universidade do Vale do Rio

dos Sinos (UNISINOS), Pesquisadora da Fundação de Economia e Estatística (FEE)

Irma Carina Brum Macolmes*** Mestranda em Políticas Públicas e Graduada em Biblioteconomia pela UFRGS e Administração pelo Centro

Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI), Analista de Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria do

Planejamento, Governança e Gestão

Resumo As variações na adoção de políticas públicas podem ser analisadas por meio de diferentes modelos explica-tivos. Nesse sentido, este texto tem como objetivo, a partir de modelos selecionados, analisar casos empíri-cos de políticas públicas. Na primeira parte do trabalho, são apresentados os modelos de análise de políti-cas públicas contemporâneos utilizados para análise e suas respectivas correntes teóricas de origem, que, em especial, enfatizam a racionalidade dos atores e as instituições. Na segunda parte, em que são analisa-dos três casos, buscam-se identificar os mecanismos que explicam os processos de decisão nessas políti-cas. Esses casos, embora distintos, referem-se à formulação e à implementação de políticas de meio ambi-ente. Assim, o texto sugere que a investigação sobre as políticas públicas pode ser realizada a partir de dife-rentes perspectivas teóricas, por meio das quais, de forma analítica, é possível uma compreensão dos pro-cessos de tomada de decisão.

Palavras-chave Políticas públicas; modelos de análise; política de meio ambiente

Abstract Variations in the adoption of public policies can be analyzed through different explanatory models. In this sense, this text aims, from selected models, to analyze empirical cases of public policies. In the first part of the paper, the models of analysis of contemporary public policies used for analysis and their respective theoretical currents of origin are presented, which, in particular, emphasize the rationality of actors and institutions. In the second part, three cases were analyzed, which sought to identify the mechanisms that explain the decision processes in these policies. These cases, although distinct, refer to the formulation and implementation of environmental policies. Thus, the text suggests that research on public policies can be carried out from different theoretical perspectives, through which, in an analytical way, an understanding of decision-making processes is possible.

Keywords Public policy; analysis models; environmental policy

* Revisor de Língua Portuguesa: Mateus da Rosa Pereira ** E-mail: [email protected] *** E-mail: [email protected]

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1 Introdução

Os modelos de análise de políticas públicas contemporâneos, de forma geral, tendem a enfatizar o pa-

pel da racionalidade e o papel das instituições como fator explicativo para o comportamento dos atores e

para os resultados das políticas públicas (RUA, 2013).

O comportamento racional1 foi relacionado às instituições pelo neo-institucionalismo da Escolha Racio-

nal2, que pressupõe que a ação dos atores é balizada pelas regras do jogo político, que são incorporadas

aos cálculos de custo-benefício para tomada de decisões dos indivíduos e grupos. Desse modo, as institui-

ções oferecem mecanismos que reduzem as incertezas na interação estratégica dos atores nas situações

políticas, por meio de um “roteiro” de comportamento que possibilita o reconhecimento dos atores e seus

repertórios (HALL; TAYLOR, 2003).

Dentro dessa lógica, os atores agem a partir de pressupostos comportamentais, relacionando preferên-

cias e estratégias adotadas, de acordo com o princípio da transitividade3. Em outro ponto, as escolhas dos

atores podem também ser relacionadas a um conjunto de dilemas da ação coletiva, em que o melhor resul-

tado individual nem sempre produz o melhor resultado coletivo. Nesse sentido, na Teoria da Escolha Social

encontram-se o dilema da “tragédia dos comuns”, de Hardin (1968), e o “dilema da ação coletiva”, de Olson

(1999), e, na Teoria dos Jogos, o “dilema dos prisioneiros” 4.

Nessa perspectiva teórica, o modelo desenvolvido por Lowi (2009) relaciona as condutas individuais e

coletivas dentro das arenas de poder. Já no modelo desenvolvido por Ostrom (1999), as ações individuais

ocorrem dentro de arranjos institucionais de coordenação para os recursos comuns. No modelo desenvolvi-

do por Tsebelis (2009), a estabilidade decisória está relacionada ao poder de veto dos atores (veto-players).

Por outro lado, para outra vertente do neo-institucionalismo, nominada sociológica, originada a partir da

teoria das organizações, os procedimentos institucionais das organizações modernas não advêm da raciona-

lidade, mas de práticas culturais da sociedade, incorporadas às organizações. Nesse caso, as instituições

incluem, além das regras de comportamento, os sistemas de símbolos, esquemas cognitivos e modelos

morais que guiam a ação humana mediante a formação de padrões de significação (HALL; TAYLOR, 2003).

A abordagem teórica desenvolvida dentro dessa vertente parte do pressuposto da appropriateness (ló-

gica da conveniência), que conforma os processos institucionais, uma vez que induz os indivíduos a coloca-

rem o senso de dever acima do autointeresse. Com isso, o comportamento dos indivíduos é estruturado

1 A teoria da Escolha Racional parte do pressuposto de que as escolhas na política (politics) e nas políticas públicas (policy) são rea-

lizadas por indivíduos, que agem conforme suas preferências, considerando os meios disponíveis, a fim de realizarem seus interes-ses. As preferências individuais podem ser ordenadas hierarquicamente, e, mesmo sendo restringidas pelas escolhas externas aos indivíduos, há sempre alternativas para que sejam realizadas. Dado o conjunto de possibilidades, ao escolher uma alternativa, o in-divíduo automaticamente é obrigado a renunciar a outra. Essa renúncia é considerada como o custo da escolha. Assim, o compor-tamento racional pressupõe escolhas cujos custos previstos sejam menores que os benefícios esperados (Rua, s.d.).

2 O neo-institucionalismo da Escolha Racional surgiu de um paradoxo observado no Congresso Norte-americano, em que as prefe-rências dos legisladores, dentro de ciclos, inviabilizariam processos de escolhas estáveis, pois cada nova maioria formada invalida-ria as propostas aprovadas pela maioria anterior, porém a presença das instituições (regras de procedimento) permitia estabilidade nas decisões (HALL; TAYLOR, 2003).

3 Conforme a teoria do consumidor, a transitividade é uma das propriedades ligadas às preferências dos indivíduos, em que, se A é preferido a B, B é preferido a C, assim A é preferido a C (PINDYCK; RUBINFELD, 1999)

4 Ver Sartini (2004).

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pelas instituições, que definem as formas de ação dentro das organizações. Nessa perspectiva, foi desen-

volvido o Garbage Can Model (Modelo da Lata de Lixo).

Dessa maneira, as variações nas políticas públicas adotadas podem ser analisadas por meio de dife-

rentes modelos explicativos, elaborados a partir de quadros teóricos, que enfatizam a ação dos indivíduos

relacionada à presença de instituições. Com isso, o objetivo deste texto é, a partir de modelos selecionados,

analisar casos empíricos de políticas públicas, que podem ser compreendidos a partir dessas abordagens

teóricas.

Subsequente à Introdução , que contextualiza os modelos aplicados na análise dentro do respectivo

marco teórico, a segunda seção discorre sobre as abordagens adotadas. Na terceira, foram analisados três

casos empíricos de políticas públicas que, embora distintos, se referem à formulação e à implementação de

políticas de meio ambiente. O primeiro deles trata do processo de formulação e decisão da Política Estadual

de Gestão de Riscos de Desastres no Rio Grande do Sul, o segundo lida com o licenciamento ambiental no

setor de extração mineral, e o terceiro analisa a política de pagamentos de serviços ambientais. Ao final,

foram feitas algumas Considerações finais .

2 Modelos de análise de políticas públicas contempo râneos 2.1 Lowi (2009): Arenas de poder

Segundo Lowi (2009), a análise das políticas públicas deve ser centrada nas escolhas da aplicação do

poder do Estado, cuja característica definidora é a coerção, sendo a política pública resultante do uso da

autoridade para influenciar condutas individuais e/ou coletivas, por meio de sanções positivas ou negativas.

Assim, a formulação de políticas se constitui da combinação entre um objetivo específico e a escolha de

sanções e dos mecanismos institucionais para aplicá-las. Dessa maneira, são as políticas públicas (policies)

que definem a política (politics), uma vez que é a proposição de policies quanto ao uso do poder visando a

objetivos públicos que determinará a arena política e, consequentemente, as regras institucionais nas dispu-

tas e nos acessos dos interesses diversos ao processo político.

Para o autor, quatro tipos de políticas (arenas) representam as escolhas básicas do uso do poder do

Estado: reguladora, distributiva, redistributiva e constitutiva. Cada política gera um tipo de arena de poder

específica, que pode ser considerada como um padrão de interação para gerir os conflitos entre os envolvi-

dos na política. As arenas são resultados da combinação das preferências e das expectativas dos atores em

relação aos ganhos e perdas potenciais. Assim, as arenas têm estruturas características, atores e dinâmi-

cas, processos políticos e mediação de interesses próprios. Além disso, são espaços em que se mobiliza o

conflito e são realizadas negociações e alianças.

Com isso, Lowi (2009) desenvolveu um modelo (policies-politics) que explica as variações na adoção

de políticas públicas de acordo com o uso da coerção para distribuição de recursos e poder de decisão e

regulação do comportamento individual e/ou coletivo. A análise compreende os seguintes tipos de políticas:

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Políticas distributivas

São aquelas que distribuem recursos novos com base em condutas, na alocação de bens e serviços, em

que os benefícios são concentrados, mas os custos são difusos. As decisões são desagregadas, os conflitos

são baixos e ocorrem somente em função da extensão do benefício, e as sanções são remotas. Exemplo:

políticas de infraestrutura urbana (saneamento, habitação).

Políticas regulatórias

São aquelas que impõem condições de conduta ou constrangimentos individuais e/ou coletivos, por meio de

sanções variadas, aplicadas de forma imediata. Os benefícios são dispersos, os custos são concentrados e

o conflito é intenso, definindo ganhadores e perdedores. Exemplo: políticas de proteção ambiental; políticas

de proteção de mercado.

Políticas redistributivas

São aquelas que redistribuem recursos existentes, transferem recursos entre os grupos, com vantagens

para um grupo em detrimento do outro, com custos e benefícios concentrados e claramente definidos. Os

conflitos são altíssimos, polarizados entre os grupos, com jogo de soma-zero e sanções imediatas. Exemplo:

seguridade social, reforma agrária.

Políticas constitutivas

São aquelas que distribuem poderes de decisão, mudando a estrutura de poder sob a qual são decididos os

outros três tipos de políticas. Os custos e os benefícios são difusos e dispersos no tempo, o que faz com que

o conflito seja baixo e as sanções sejam aplicadas de forma remota. Exemplo: Constituição Federal.

O Quadro 1 apresenta a tipologia de Lowi, relacionando a magnitude de benefícios, custos e conflitos.

Quadro 1 Tipologia de Lowi

TIPOLOGIA BENEFÍCIOS CUSTOS CONFLITOS

Políticas distributivas Concentrados Difusos Baixos

Políticas regulatórias Dispersos Concentrados Altos

Políticas redistributivas Concentrados Concentrados Altos

Políticas constitutivas Difusos Difusos Baixo FONTE: Lowi (2009).

2.2 Tsebelis (2009): poder de veto

O modelo veto-players, de Tsebelis (2009), busca analisar como estruturas em diferentes países po-

dem afetar as decisões políticas. Esse modelo compara as diferentes formas de governos, burocracias e

sistemas de legislaturas, buscando evidenciar os pontos positivos e negativos e processos de barganhas,

enfatizando o papel dos atores com poder de veto.

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Para realizar mudanças no sistema político, faz-se necessária a concordância de certos atores indivi-

duais ou coletivos. Esses atores são determinantes nas alterações do status quo, e cada sistema político

possui uma configuração de veto-players. Essas configurações se referem aos perfis ideológicos distintos de

cada grupo, que, quanto mais distantes entre si, mais coesos internamente. Eles são instituídos de forma

constitucional ou pelo sistema político.

Quando os atores com poder de veto são muitos e há grandes distâncias ideológicas entre eles, ocorre

o estado de estabilidade decisória. Esse estado impede que os governos façam mudanças no status quo,

apresentando efeitos estruturais conforme o tipo de sistema político. Num sistema parlamentarista, a estabi-

lidade decisória pode levar à instabilidade governamental, com até a renúncia e a substituição do governo.

No sistema presidencialista, a estabilidade decisória pode provocar instabilidade de regime, em que o presi-

dencialismo pode vir a ser substituído por um regime militar. A estabilidade decisória também pode gerar

uma maior independência dos burocratas e do judiciário em relação ao sistema político e a diminuição da

importância do estabelecimento da agenda política.

2.3 A “tragédia dos comuns”: Hardin (1968) e Ostrom (1999)

Dentre os paradoxos da escolha social, destaca-se a “tragédia dos comuns”, abordada por Hardin

(1968) e questionada posteriormente por Ostrom (1999).

Hardin (1968) entendia que existem alguns problemas na sociedade que podem ser considerados como

“sem solução técnica”, cujo avanço da tecnologia se mostra incapaz de resolvê-los. Para esses problemas, a

saída seria o senso ético e moral, pois somente os efeitos patogênicos da consciência levariam a acordos

mútuos (coerção mútua), em oposição aos interesses individuais. Entre esses problemas, estava a perspec-

tiva de superpopulação, em que o avanço na tecnologia na produção não daria conta do dilema de um espa-

ço comum (mundo) finito, para uma população permanentemente crescente.

Em oposição ao individualismo metodológico atribuído ao pressuposto do laisse-faire de Adam Smith,

na “tragédia dos comuns” as decisões individuais atomizadas seriam incapazes de produzir o melhor resul-

tado, quando se trata do uso de recursos finitos. A tendência maximizadora do indivíduo racional, que age

somente levando em conta suas próprias preferências, sem considerar as escolhas dos demais indivíduos,

em uma situação de estabilidade social, com alta densidade populacional, levaria os recursos naturais à

exaustão, devido à superexploração desses. Por conta disso, para o autor, o aumento da população veio

acompanhado de restrições do uso dos espaços comuns, seja pela privatização, seja pela regulação estatal

do uso (nacionalização).

Essas restrições foram desde a proibição do recolhimento de alimentos, da caça, da pesca, da elimina-

ção dos resíduos ao reconhecimento dos efeitos da poluição (externalidades negativas) nas cidades. Assim,

a busca pela liberdade de ação individual, sem considerar os efeitos dessa ação no contexto social, induziria

ao oposto pretendido. Isso levou o autor a concluir que a única possibilidade humana para resolver o pro-

blema da “tragédia dos comuns” seria a coerção mútua, com a renúncia à ideia de liberdade individual. Com

isso, depreende-se que, no caso da “tragédia dos comuns”, mesmo que o indivíduo tenha liberdade de esco-

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lha na ação, ele não tem escolha (controle) sobre os resultados coletivos, consequentes do conjunto das

ações individuais, que acabam afetando a todos de forma negativa. Assim, o benefício individual acaba sen-

do diluído pelo custo da perda coletiva, e os indivíduos acabam atrelados a dilemas inexoráveis e permanen-

tes.

O ensaio apresenta, como exemplo hipotético, uma pastagem compartilhada por diversos pastores.

Cada um dos pastores teria por objetivo aumentar seu rebanho, pois receberia o lucro referente a cada ani-

mal acrescentado. Por outro lado, esses novos animais necessitariam da pastagem que já estava sendo

utilizada, aumentando o consumo e, consequentemente, a degradação do pasto. Como o ganho é individual,

mas o desgaste da pastagem é dividido entre todos que a utilizam, a escolha racional de cada pastor seria

tentar aumentar o número de animais sempre que possível. Hardin acredita que os indivíduos agem de for-

ma egoísta. No entanto, essa superexploração acabaria por, no futuro, exaurir a pastagem, prejudicando a

todos que dependem dela. O autor aponta soluções não técnicas para lidar com a “tragédia dos comuns”,

que, em sua maioria, se baseiam na regulamentação do uso do bem comum por uma autoridade, geralmen-

te governamental. Outra solução apontada por Hardin seria a privatização de bens comuns, aliada a incenti-

vos concedidos ao novo dono em troca de garantia de sustentabilidade. A visão sustentada por Hardin influ-

encia diretamente a construção das políticas ambientais, nas quais o poder público busca regrar o uso do

bem comum no intuito de preservá-lo, acreditando que, se sua utilização for completamente livre, os indiví-

duos tenderão a maximizar seu ganho individual em detrimento do coletivo, exaurindo-o. É exemplo disso o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela Lei Federal n.º 9.985, de 18 de julho de

2000, que criou 12 categorias de unidades de conservação e estabeleceu diferentes formas de proteção e

permissões de uso para cada uma delas.

Desse modo, nas políticas públicas, com base na abordagem de Hardin, os analistas tendem a consi-

derar que, no uso dos recursos naturais, não há possibilidade de cooperação entre os indivíduos, sendo

necessária a imposição de regras e regulamentos, seja pela privatização, seja pela estatização (e/ou regula-

ção) dos recursos comuns.

Ostrom (1999), apesar de reconhecer a possibilidade da “tragédia dos comuns” — em função da não

exclusividade e rivalidade nos usos dos recursos naturais, que, quanto mais valorizados, maior torna-se a

sua apropriação —, questionou a imposição de políticas públicas verticais (top-donw), elaboradas por gover-

nos centrais, com base em modelos teóricos simples, a partir dos quais são definidas regras uniformes para

toda uma região. Essa crítica tem base em estudos empíricos que demonstraram que, por vezes, grupos

locais de usuários de recursos comuns podem criar uma diversidade de arranjos institucionais na busca de

soluções para o dilema no uso dos bens comuns.

Noutro ponto, a autora observa também que, mesmo os governos nacionais tendo êxito para projetar

conjuntos de regras uniformes para regulação dos recursos naturais, esse procedimento se mostrou desas-

troso em vários países, já que essas novas regras, ao se sobreporem aos arranjos institucionais locais que

de alguma maneira controlavam o acesso aos recursos, pela falta de capacidade de fiscalização dos gover-

nos no âmbito local, acabaram por permitir de fato o acesso aberto aos recursos, acirrando o dilema dos

comuns e a degradação acelerada dos recursos.

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Dessa maneira, a autora vai contra os três principais fundamentos teóricos encontrados nas políticas

públicas de meio ambiente, que pressupõem: (a) que os indivíduos são maximizadores livres de normas e

voltados para ganhos imediatos e somente cooperam mediante a coerção das autoridades externas; (b) com

isso, somente as autoridades governamentais são capazes de analisar os padrões de longo prazo e projetar

políticas ótimas, já que todos os recursos naturais estão interligados e necessitam ser regidos por um con-

junto de regras gerais que modifiquem os incentivos dos participantes, a serem impostas de forma relativa-

mente simples; e (c) a exigência de que esses procedimentos somente podem ser coordenados centralmen-

te. Em contraposição, a autora argumenta que a criação de regras institucionais, que visam mudar o com-

portamento individual para melhor coordenação no uso dos recursos, é um processo complexo e adaptativo,

nem sempre bem-sucedido.

Contudo, as ações estatais tendem a se justificar pela falta de percepção quanto à presença de arran-

jos locais, já que as instituições, enquanto entendimentos compartilhados pelos indivíduos em situações

repetitivas, organizadas conforme regras, normas e estratégias, podem ser “invisíveis” para os analistas de

políticas públicas. Dessa forma, para analisar como as instituições podem afetar o comportamento individual

nessas situações, Ostrom se utiliza de um framework denominado Institutional Analysis and Development

(IAD), que funciona como um mapa conceitual, a partir do qual é possível identificar como as regras, dentro

de um determinado contexto de condições físicas e materiais de uma comunidade, podem afetar os incenti-

vos individuais de ação e a estrutura das situações de ação nas quais os indivíduos estão envolvidos.

A situação de ação é um recurso analítico que permite contextualizar a regularidade das ações dos in-

divíduos em determinado processo. Os dilemas da apropriação dos recursos comuns, identificados nas polí-

ticas públicas, são construídos a partir de sete componentes de uma situação de ação: (a) participantes, (b)

posições, (c) ações, (d) resultados, (e) funções de transformação que ligam ações e resultados, (f) informa-

ção e (g) pagamentos (custo-benefício). Nesse quadro, os indivíduos são considerados como falíveis e com

racionalidade limitada, e guiados por regras em uso, sendo que, em configurações complexas, não são ca-

pazes de analisar de forma completa todas as opções possíveis para tomada de decisões, porém aprendem

com os erros e são capazes de criar ferramentas para melhorar a estrutura de regras em situações iterati-

vas.

A partir de uma simulação de jogo experimental, corroborada por estudos de caso empíricos, a autora

demonstrou que os jogos não cooperativos ocorrem na ausência de instituições e de comunicação entre os

atores, mas, à medida que são modeladas regras institucionais, a tendência será a cooperação, pois os indi-

víduos são potencialmente capazes de fazer cumprir e mudar as regras de comportamento e aprendem com

a experiência para projetar melhores regras, em processos adaptativos.

Entretanto, a criação de regras para melhorar os resultados nos dilemas dos recursos comuns é extre-

mamente complexa, pois pode envolver a combinação de um número infinito de regras, que poderiam ser

adotadas, cuja análise demanda tempo e recursos. Dessa forma, as políticas ambientais devem ser entendi-

das como processos experimentais, sujeitos a permanente experimentação e a erros, sobretudo quando

realizadas por uma única autoridade de governo central. Por outro lado, os mecanismos utilizados nos sis-

temas de governança locais auto-organizados não são percebidos pelos agentes governamentais, já que

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esses sistemas, em que não existe um único centro de autoridade, se caracterizam pela complexidade e

pela adaptação, com um grande conjunto de elementos, cujos padrões de interação são difíceis de prever,

quando observados separadamente, envolvendo fluxos não lineares de produtos, a partir dos recursos de

acesso comum. Contudo, esses sistemas tendem a se mostrar mais eficientes que os arranjos governamen-

tais centralizados, uma vez que são desenvolvidos pelos próprios usuários, que dispõem de conhecimento

tácito sobre as condições locais e são capazes de desenvolver regras de uso pertinentes.

Dessa maneira, Ostrom sugere que os recursos locais podem ser geridos de forma sustentável, a partir

de sistemas de governança policêntricos, que combinem os arranjos institucionais locais e as ações gover-

namentais de proteção ambiental, permitindo a troca de informações entre os saberes locais e as informa-

ções científicas, em contraposição à perspectiva de uma monocultura institucional imposta pelas autoridades

governamentais centrais. Ao contrário da perspectiva de Hardin, a autora demonstra que a “tragédia dos

comuns” não é um dilema sem solução, no qual aqueles que dependem dos recursos estão presos, cuja

única resposta seria a coerção externa, que, em muitos casos, se mostra pouco eficiente. Para a autora, os

recursos comuns podem ser geridos a partir da perspectiva das comunidades locais, por meio de arranjos

institucionais próprios, visando a benefícios no longo prazo, com uma regulação voltada para resultados

partilhados.

2.4 Dilema da ação coletiva de Olson (1999)

Outro exemplo de paradoxo na escolha social é o dilema da ação coletiva, de Olson (1999), que deter-

mina a capacidade dos grupos em incluírem suas demandas na agenda política.

Nesse dilema, a ação coletiva está relacionada a três variáveis: ao tamanho dos grupos, aos custos da

participação e à natureza dos bens públicos. Nessa lógica, o engajamento do indivíduo está relacionado à

sua avaliação quanto aos custos da participação e à inclusão ou exclusão no benefício coletivo, que pode

ser convertido em vantagem individual. Nesse sentido, o benefício coletivo se caracteriza como aquele que,

quando auferido ao grupo, não pode ser negado a nenhum dos seus integrantes, independentemente da

participação.

Nesse caso, levando em conta o interesse individual, a tendência do indivíduo seria de não participar, já

que, assim, receberia o mesmo benefício, sem nenhum custo de participação, que seria pago pelos demais

participantes (comportamento free rider). Assim, a participação individual está sujeita a uma relação custo-

-benefício positiva, com benefícios maiores que os custos de participação. Em função dos benefícios para os

grupos maiores serem divididos por um grande número de participantes, a tendência é que os custos de

participação individual excedam os benefícios, desestimulando os integrantes ao engajamento. Já nos gru-

pos menores, ocorre o contrário, e a participação acaba sendo estimulada.

O efeito disso nas políticas públicas é que os grupos menores tendem a se articular melhor e, conse-

quentemente, conseguem uma maior inclusão de suas demandas na agenda política, em detrimento dos

grupos maiores.

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2.5 Modelo da Lata de Lixo (Garbage Can Model): Cohen, March e Olsen (1972)

O modelo Garbage Can, desenvolvido por Cohen, March e Olsen (1972), entende que o processo de

decisão política não ocorre de forma linear, mas é desordenado e caótico. Ao contrário de um processo em

que primeiro os problemas são identificados, na sequência os objetivos são estabelecidos e, por final, os

meios são definidos, no Garbage Can as soluções e os problemas estão dissociados. Esse modelo se refere

a processos de tomada de decisão que ocorrem dentro de ambientes de incerteza, em que as preferências

das organizações são ambíguas, as tecnologias não são claras, e as decisões, fluidas.

Dessa maneira, os tomadores de decisões produzem soluções desvinculadas temporalmente de pro-

blemas, uma vez que muitas propostas para resolver problemas podem ser concebidas, mas mudanças no

curso da ação podem fazer com que outras soluções venham a ser adotadas, enquanto as primeiras são

descartadas naquele momento. Entretanto, as soluções não são simplesmente desconsideradas, mas ficam

na “lata de lixo” das organizações, que, em momento apropriado, poderão fazer uso delas.

3 Análises de casos de políticas públicas 3.1 Análise do processo de formulação e decisão da Política Estadual

de Gestão de Riscos de Desastres no Rio Grande do S ul

A Secretaria do Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional do Estado do Rio Grande do

Sul (Seplan)5 possui, em sua estrutura, um Departamento de Captação de Recursos que é o responsável

pela coordenação dos trâmites para captação de recursos de agências de fomento nacionais, bilaterais e

multilaterais.

Um dos financiamentos vigentes é o Programa de Apoio à Retomada do Desenvolvimento Econômico e

Social do Rio Grande do Sul (Proredes), financiado pelo Banco Internacional Para a Reconstrução e Desen-

volvimento (BIRD). Durante a vigência dos contratos, ocorrem reuniões periódicas entre os técnicos do

BIRD, do Departamento de Captação da Seplan e dos órgãos executores dos projetos financiados.

Em reunião realizada no ano de 2011, foi mencionada pelo BIRD a enchente ocorrida no município ga-

úcho de São Lourenço, que havia deixado 60% da cidade alagada e provocado oito mortes. O Banco mani-

festou que seria importante que o Estado do Rio Grande do Sul incluísse no financiamento um projeto de

gestão de risco de desastres ambientais. Essa sugestão já havia sido colocada anteriormente, mas o assun-

to acabou por não compor a agenda governamental em períodos anteriores. Nesse momento específico, o

Estado aceitou a recomendação.

Essa tomada de decisão a favor da elaboração de um projeto de gestão de riscos de desastres relacio-

na-se ao Modelo da Lata de Lixo proposto por Cohen, March e Olsen (1972), segundo o qual as escolhas

5 Na época, Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (Seplag). Em 2017, passou a Secretaria do Planejamento,

Governança e Gestão.

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Cristina Maria dos Reis Martins; Irma Carina Brum Macolmes 12

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públicas são feitas de forma anárquica, sem a análise de todas as soluções possíveis, como se as alternati-

vas estivessem em uma lata de lixo à procura dos problemas. Nesse caso, a solução “construção de uma

política de gestão de desastres ambientais” estaria aguardando por um problema, que foi “a enchente em

São Lourenço”. Já existiam, por exemplo, consultores do Banco Mundial especializados no tema, com diver-

sas sugestões sobre possíveis projetos a serem desenvolvidos nessa área. Esse modelo é adequado para

explicar grande parte das decisões ocorridas nos financiamentos. O Banco (nacional ou internacional) esta-

belece sua agenda e contrata consultores sobre os temas. Nas negociações com os órgãos públicos, fica

definido o valor do empréstimo, e, a partir desse momento, são realizadas diversas conversas com o intuito

de definir quais projetos serão realizados. Na maioria das vezes, os projetos não são definidos a partir de um

planejamento realizado pela administração pública, com o objetivo de resolver problemas identificados, mas

sim com base nas sugestões apresentadas pelo Banco. Isto é, primeiramente o poder público negocia valo-

res, compromete-se com o empréstimo e, em um segundo momento, define como o recurso será utilizado, o

que corrobora a visão de Cohen, March e Olsen.

No caso em análise, conforme sugestão apresentada pelo Banco, a proposta foi estruturada em três

projetos, sob a coordenação da Seplan.

a) Política Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Respostas a Desastres a ser elaborada pela pró-

pria Seplan;

b) Sistema de Gestão de Riscos, sob a responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente (Sema);

c) e Sistema de Monitoramento e Alertas Meteorológicos Para a Prevenção de Desastres Naturais, a

ser executado pela Defesa Civil Estadual.

Além disso, embora não fizesse parte do contrato de financiamento, constava no planejamento da Fun-

dação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) a implementação do Centro Estadual de Previsão e

Monitoramento Para a Prevenção de Desastres Naturais Relacionados a Fenômenos Climáticos6, projeto

que estava intimamente relacionado às ações que seriam desenvolvidas pelos outros três órgãos.

Foram, então, realizadas reuniões periódicas e seminários, com a participação permanente dos quatro

órgãos envolvidos diretamente com o tema (Seplag, Sema, Defesa Civil e Fepagro) e esporádica de outros

órgãos, tais como as Secretarias da Saúde e da Educação. Os técnicos do BIRD compareciam a alguns

desses eventos e realizavam reuniões para verificar o andamento dos projetos.

Analisando as interações ocorridas entre esses atores, é possível perceber que as disputas se concen-

travam em recursos orçamentários e poder. Sob a perspectiva da teoria dos jogos, pode-se dizer que se

tratava de um jogo de informação completa, pois todos os “jogadores” dominavam as informações relevantes

para escolha da sua jogada.

Deveria obrigatoriamente ser um jogo cooperativo, pois seriam necessárias permanentes interações e

auxílio mútuo, sem espaço para comportamentos free rider, mas acabou por apresentar intenso conflito.

No que se refere aos recursos orçamentários, seria um jogo de soma zero, pois havia um valor global e,

se um dos órgãos conseguisse ampliar o volume de recursos que receberia, esse valor seria retirado de um

ou dos dois outros órgãos envolvidos no financiamento.

6 O Centro Estadual de Meteorologia (Cemet-RS) é vinculado à estrutura da Fepagro.

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Com relação à disputa por poder, os órgãos demonstravam grande preocupação em não perder com-

petências. A execução dos projetos e, especialmente, a elaboração da Política de Gestão de Riscos de De-

sastres certamente acarretariam alterações no status quo, o que não era interesse das instituições envolvi-

das.

Foram sugeridos diversos arranjos, mas é possível afirmar que nenhum deles conseguiu atingir o Equi-

líbrio de Nash7 em momento algum, pois sempre que um dos atores se sentia confortável com a proposta,

outro se sentia prejudicado.

Na tentativa de gerenciar esses diferentes interesses entre os atores, o projeto foi alçado ao status de

estratégico e passou a ser acompanhado de forma intensiva pela Secretaria Geral de Governo (SGG). Em

um segundo momento, passou também a ser acompanhado por um grupo que havia sido criado pela própria

SGG com o objetivo de resolver gargalos nos projetos estratégicos. Ainda assim, não foi possível perceber

avanços proporcionados por essa intervenção da SGG, e, em um segundo momento, o projeto deixou de ser

considerado estratégico e não foi mais monitorado intensivamente.

Os atores envolvidos (burocratas e gestores de alto escalão), embora não tivessem explicitamente o

poder de veto abordado por Tsebelis8 (2009), acabaram de certa forma exercendo esse poder de fato, pois,

devido à sua discordância de posicionamento, o tempo passava e os órgãos não entregavam à Seplan (co-

ordenadora do projeto) os produtos estabelecidos no planejamento, atrasando o cronograma e inviabilizando

a conclusão do projeto.

Para Tsebelis, situações nas quais há grande dificuldade para que ocorram mudanças significativas no

status quo caracterizariam estabilidade decisória. Segundo o autor, essa estabilidade aumentaria, em geral,

com o número de atores com poder de veto e com suas distâncias ideológicas. No caso em análise, embora

o número de atores com poder de veto fosse relativamente pequeno, havia grandes distâncias de visão en-

tre eles.

A Seplan, por sua vez, que era responsável pela elaboração da política de gestão de riscos de desas-

tres para o Estado, uma política claramente regulatória, segundo a classificação de Lowi (2009), também

não avançou nessa construção.

Não havia sanções previstas para a não entrega dos produtos dentro dos prazos estabelecidos pelo

cronograma, e, ao final da gestão governamental, em 2014, o projeto estava muito atrasado, correndo o

risco de ter que devolver os recursos do financiamento, uma vez que não haviam sido utilizados e a data

limite estabelecida pelo contrato estava chegando ao fim.

No início da atual gestão (2015), em novas negociações junto ao Banco Mundial, foram prorrogados os

prazos para utilização dos recursos oriundos do financiamento (fevereiro de 2019) e o projeto foi reformula-

do. A coordenação e as principais responsabilidades foram transferidas para a Sema, e à Defesa Civil foram

atribuídas atividades auxiliares à execução do projeto. A Seplan não é mais executora e atua apenas geren-

ciando os recursos do financiamento. A partir dessa nova configuração, iniciaram-se novamente as intera-

7 Equilíbrio de Nash seria qualquer combinação de estratégias em que a estratégia de cada jogador é a melhor escolha, tendo em

vista as escolhas dos outros jogadores. Quando um jogo está em equilíbrio, nenhum jogador tem um incentivo para desviar-se de sua estratégia atual (FRANK; BERNANKE, 2012).

8 Atores com poder de veto são atores necessários para mudanças do status quo.

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ções entre os atores, que são, em sua maioria, novos no projeto, designados pela atual gestão. Entretanto,

mais uma vez a situação parece se repetir. Há grande dificuldade em resolver ou minimizar os conflitos e

alcançar consenso.

É interessante ressaltar o fato de o Estado ter iniciado o desenvolvimento do projeto de gestão de ris-

cos de desastres sem ter considerado ações relativas ao tema mudanças climáticas, que já estavam sendo

implementadas, embora as iniciativas tivessem também o foco na prevenção e no atendimento a desastres,

o que inclui, portanto, conceitos de mitigação e adaptação.

O Estado do Rio Grande do Sul sancionou, em dezembro de 2010, a Lei 13.594, que instituiu a Política

Gaúcha Sobre Mudanças Climáticas (PGMC), fixando seus objetivos, princípios, diretrizes e instrumentos. A

Lei também criou o Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas, coordenado pela Secretaria Estadual do Meio

Ambiente e composto por representantes da sociedade científica, do Governo e da sociedade civil organiza-

da. Embora essa legislação já possua cerca de seis anos, não é de pleno conhecimento por parte da popu-

lação gaúcha e nem mesmo dos órgãos públicos.

A primeira ação a ser desenvolvida pelo Estado, no que se refere ao tema mudanças climáticas, deve-

ria ser a ampla divulgação, por parte do Poder Executivo, das legislações federal e estadual vigentes, bem

como a orientação aos órgãos estaduais para que as considerem em seus planejamentos.

A legislação estadual traz algumas diretrizes, tais como a promoção da educação ambiental e da cons-

cientização social sobre as mudanças climáticas globais, mas também inclui objetivos bem práticos que já

poderiam ser imediatamente implementados.

Um dos objetivos constantes na Lei, por exemplo, refere-se ao estímulo à pesquisa e à disseminação

do conhecimento científico e tecnológico para os temas relativos à proteção do sistema climático. O Estado

possui uma Universidade Estadual (UERGS), uma Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPERGS) e uma

Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec). Essas três instituições poderiam ser estimuladas a pesquisar o

tema.

O objetivo “criar e fomentar instrumentos econômicos, financeiros e fiscais”, também contemplado na

Lei, deveria ser trabalhado pela Secretaria da Fazenda Estadual, pois dessa forma poderiam ser fomentados

projetos de redução de emissões de gases de efeito estufa.

A definição e a aplicação de indicadores e metas de desempenho em emissões de gases de efeito es-

tufa nos setores produtivos da economia poderiam ser iniciadas pelo desenvolvimento de indicadores e me-

tas a serem perseguidos pelas empresas estatais que têm como foco a geração de energia. O Estado possui

três sociedades de economia mista relacionadas ao tema energia: a Companhia de Gás do Estado do RS

(Sulgás), a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e a Companhia Rio-grandense de Mineração

(CRM).

Há também outras empresas estatais gaúchas que poderiam repensar seus processos produtivos à luz

das legislações estadual e federal sobre mudanças climáticas. São elas a Companhia de Processamento de

Dados do Estado (Procergs), a Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas (Corag) e a Companhia Rio-

Grandense de Saneamento (Corsan).

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E, finalmente, caberia à Seplan a preocupação em incluir os conceitos de mudança climática nos proje-

tos planejados pelo Estado. Esse processo deveria iniciar-se na elaboração do Plano Plurianual, quando os

servidores do Departamento de Planejamento Governamental poderiam orientar os órgãos sobre a impor-

tância de observarem a legislação sobre mudanças do clima. Em prosseguimento, os projetos estratégicos,

planejados e monitorados pelo Departamento de Captação de Recursos, deveriam também incluir esses

conceitos. Somando-se a isso, o Departamento de Captação de Recursos, responsável pela busca de finan-

ciamento para os projetos, poderia priorizar aqueles que demonstrem preocupação com as mudanças do

clima.

Obviamente, a coordenação de ações de órgãos tão diferentes é algo extremamente difícil, pois de-

manda a concordância de vários atores, com visões e interesses diversos e até muitas vezes contraditórios,

e muitos deles, ainda, com poder de veto.

3.2 O licenciamento ambiental no setor de extração mineral

A mineração pode ser considerada uma atividade fundamental para o desenvolvimento econômico,

uma vez que grande parte dos setores industriais utiliza minérios como insumos básicos. Entretanto, como

os minérios são recursos naturais não renováveis, essa é uma atividade não sustentável e de alto impacto

ambiental.

Em função disso, a extração mineral é tida como uma atividade estratégica, e, na maioria dos países,

assim como no Brasil, as jazidas minerais são consideradas bens públicos, podendo ser exploradas apenas

por meio de concessão do Estado. O controle estatal da exploração mineral é justificado pelo argumento de

que a forma tradicional de extração de minérios (garimpo), sem planejamento e critérios, que ainda é encon-

trada no Brasil, resulta em vários danos irreversíveis para o meio ambiente e em perda econômica, em fun-

ção do não aproveitamento integral dos recursos das jazidas. Com isso, a partir de 1997 o Ministério do

Meio Ambiente definiu as diretrizes, especificando a extração mineral como uma atividade que envolve pes-

quisa, lavra e beneficiamento de minerais, com o uso temporário do solo, dentro de um escopo econômico,

envolvendo quatro etapas: pesquisa, implantação, operação e desativação (INSTITUTO BRASILEIRO DE

MEIO AMBIENTE E DE RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, 2001).

Para comprovação quanto ao cumprimento das etapas, os agentes econômicos que desejem realizar

essa atividade necessitam submeter-se ao processo de licenciamento ambiental. Nesse processo, um dos

instrumentos mais significativos, instituído dentro da política Nacional do Meio Ambiente, conforme a Reso-

lução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n.º 001/86, de 23/01/1986, é o Estudo Prévio de

Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), exigidos para o licencia-

mento ambiental de atividades utilizadoras de recursos ambientais com significativo potencial de degradação

ou poluição.

Resumidamente, o EIA-Rima deverá ser elaborado conforme um documento de orientação (Termo de

Referência) quanto aos procedimentos a serem seguidos, em acordo prévio entre o órgão ambiental respon-

sável pelo licenciamento no Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), e o

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empreendedor. O estudo é realizado por equipe técnica contratada ou designada pelo empreendedor, no

geral, por consultorias especializadas, e é analisado por uma equipe técnica multidisciplinar designada pelo

órgão ambiental. O Rima deve ser colocado à disposição dos interessados para apreciações em um período

de no mínimo 45 dias. O EIA-Rima também pode ser submetido à apreciação em audiência pública, realiza-

da, em geral, junto às comunidades locais, na região em que se pretende instalar o empreendimento — con-

forme o Código Estadual de Meio Ambiente —, convocada pelo órgão ambiental, mediante a solicitação feita

por meio de petição apresentada por, no mínimo, uma entidade legalmente constituída, governamental ou

não, assinada por 50 pessoas ou pelo Ministério Público. A divulgação da convocação da audiência deve ser

realizada com uma antecedência mínima de 30 dias.

A audiência pública também poderá ser convocada pelo órgão ambiental, mediante solicitação da equi-

pe técnica multidisciplinar, a fim de obter subsídios para emissão do parecer técnico final, que também pode-

rá solicitar complementações do Estudo. Concluída a análise técnica, o órgão ambiental se manifesta, apro-

vando ou invalidando o EIA-Rima, com a emissão do documento correspondente ao licenciando ou indeferi-

mento da solicitação de licenciamento ambiental. O empreendedor deverá tornar público tanto o pedido ini-

cial de licenciamento como o recebimento da licença.

No caso do licenciamento para extração mineral, o EIA-Rima deverá contemplar informações e dados

pertinentes às etapas do processo de concessão: pesquisa, implantação, operação e desativação. Nesses

termos, o Estudo de Impacto Ambiental deverá conter a contextualização do empreendimento, que consta

de informações detalhadas sobre a atividade pretendida. Além da legislação aplicável e das especificidades

e alternativas locacionais, tecnológicas e econômicas (custos e benefícios), durante as fases de implanta-

ção, operação e desativação da atividade, o EIA deve apresentar a área de influência (de impacto) do em-

preendimento sobre os meios físico, biótico e socioeconômico. A partir dessas informações e desses dados,

conforme exigência legal, devem ser apresentadas a avaliação dos impactos sobre o meio ambiente (físico,

biótico e socioeconômico) e a possibilidade de mitigação e controle desses impactos.

Com base nessas informações sobre a política ambiental, pode-se considerar a mineração como uma

atividade cujos recursos estão sujeitos à “tragédia dos comuns”, abordada por Hardin, uma vez que os miné-

rios apresentam alto valor econômico, o que incentiva a apropriação pelos indivíduos. Como os minérios são

recursos não renováveis e não sustentáveis, o uso da técnica na exploração apenas pode atenuar os efeitos

da degradação ambiental. Assim, o dilema que se instaura é entre o custo do alto impacto ambiental e os

benefícios econômicos decorrentes do desenvolvimento industrial, que podem ser convertidos em bem-estar

para os indivíduos.

A resposta da política nesse caso foi baseada na premissa de nacionalização dos recursos, com a co-

erção do uso, que pode ser permitido apenas como concessão privada, por tempo determinado, para aque-

les que comprovarem que a exploração será realizada com impactos ambientais mínimos, que de alguma

forma poderão ser mitigados, sendo a atividade de exploração tradicional, por meio de garimpo, coibida.

Nesse sentido, a exploração acaba sendo permitida apenas a um número reduzido de atores, que dispõem

de recursos técnicos e econômicos para realização do empreendimento.

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Texto Para Discussão FEE n. 151

Embora essa política possa partir de pressupostos top-down definidos pelas autoridades governamen-

tais e privilegie um grupo reduzido de empreendedores, o uso do EIA-Rima, em especial no que se refere à

avaliação dos impactos socioeconômicos e à possibilidade de realização de audiência pública junto à comu-

nidade atingida, em certa medida pode ser visto como a possibilidade sugerida por Ostrom, em que os sabe-

res locais e conhecimento científico devam ser combinados.

Nesse sentido, o estudo socioeconômico, além dos custos e benefícios para população local, busca a

compreensão sobre a ocupação da área dentro de um contexto histórico, com a caracterização das ativida-

des econômicas, sociais e culturais, que devem ser consideradas para fins dos impactos, assim como a

análise socioeconômica pode contemplar também pesquisa sobre a opinião da população em relação ao

empreendimento, que deve ser levada em conta. A audiência pública se mostra como uma oportunidade de

manifestação direta da população, em que a comunidade local pode fazer suas sugestões e críticas, ou até

mesmo se manifestar, em acordo ou desacordo, em relação à instalação do empreendimento.

Além da população, o empreendimento, de certa forma, dada a exigência de publicidade, também está

sujeito à avaliação de especialistas interessados, em geral ligados às entidades ambientais da sociedade

civil. Por fim, nesse processo, também se destaca o poder de veto do Ministério Público, que pode, a qual-

quer tempo, interferir em defesa da população, o que denota que esse pode ser um processo sujeito a mui-

tos conflitos.

De outro modo, o licenciamento ambiental também se constitui como uma política regulatória, em que

os imperativos e as proibições estabelecidos pelos órgãos ambientais visam limitar o poder de acesso dos

indivíduos aos recursos naturais. No caso da extração mineral, os benefícios são dispersos, já que a produ-

ção dos minérios tem impacto econômico sobre vários setores industriais. Já os custos se concentram na

região onde o empreendimento é instalado. O grau de conflito pode ser alto, uma vez que pode haver per-

dedores, como, por exemplo, os moradores da área rural próxima ao empreendimento, e ganhadores, como,

por exemplo, a população empregada no empreendimento, o que pode repercutir em um longo processo de

negociação.

3.3 Pagamentos por serviços ambientais em bacias hi drográficas

O processo de valoração econômica por meio do pagamento dos serviços ambientais parte do pressu-

posto que, ao contrário de uma fonte ilimitada de recursos, o meio ambiente deve ser considerado como um

prestador de serviços ecossistêmicos à sociedade. A utilização desequilibrada dos recursos ambientais pro-

voca a escassez dos serviços ecossistêmicos, por meio da redução da capacidade de recomposição do

meio ambiente em função da degradação ambiental. Dessa forma, ao se tornarem escassos, os serviços

ecossistêmicos passam a ser vistos de forma econômica, como bens sujeitos a fins alternativos, devendo

ser apropriados da maneira mais eficiente (GELUDA; YOUNG, 2005 apud SILVA; FOLEGATTI; SANTOS,

2011). Assim, o pagamento de serviços ambientais se caracteriza pela compensação daqueles que volunta-

riamente garantam a produção dos serviços ecossistêmicos, com a conservação de mananciais, que produ-

zem a manutenção da boa qualidade e quantidade da água usufruída por toda a sociedade.

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O pagamento por serviços ambientais aparece como uma forma de incentivo que consente aos agentes

a internalização das externalidades positivas. O pagamento por serviços ambientais pode ser definido como

uma transferência (financeira ou não) dos beneficiários de serviços ambientais (usuário-pagador) para os

fornecedores de serviços ambientais (provedor-recebedor) a título de compensação pela geração de eco-

nomias externas positivas. Para efetivação desses pagamentos, faz-se necessária a existência de um mer-

cado potencial onde há, ao mesmo tempo, provedores de serviços ambientais e beneficiários dispostos a

pagar, e, para isso, o pagamento não deve ser inferior ao custo de preservação e nem superior ao benefício

auferido (KOSOY et al., 2006).

Considerada a escassez dos recursos naturais, pressupõe-se a existência de um trade-off no curto pra-

zo, entre a receita líquida, impactada pelos custos de implantação das práticas conservacionistas, e os be-

nefícios ambientais, em que a parte reduzida da receita em função do aumento dos benefícios ambientais se

caracteriza como um custo de oportunidade para os provedores. Contudo, se o custo não for coberto, o pro-

vedor não terá incentivo para aplicação da prática conservacionista e, se o valor a ser pago for maior que a

externalidade, o beneficiário não terá incentivo para sua aquisição, preferindo o prejuízo. Ademais, a relação

é efetivada de forma contratual, e os pagamentos são condicionados à conduta efetiva na prestação de ser-

viços, dentro de um esquema de monitoramento.

O mercado de serviços ambientais pode-se constituir mediante incentivos governamentais, tornando-se

de forma institucional como um espaço social de trocas. Nesse sentido, destaca-se o Programa Produtor de

Água da Agência Nacional de Águas (2016) (ANA), que considera que as políticas de incentivo como a do

provedor-recebedor são mais eficientes do que as coercitivas em relação à poluição difusa de origem rural.

O método proposto pela a ANA busca o controle da poluição difusa em mananciais estratégicos, por meio de

um programa voluntário e flexível, que parte do pressuposto de que a melhoria ambiental fora da proprieda-

de será proporcional ao abatimento da erosão e da sedimentação, obtidos a partir de alterações no uso e

manejo do solo na propriedade, considerando os custos de implantação do programa. O abatimento da polu-

ição deve ser proporcional ao abatimento da sedimentação na bacia. A avaliação considera o abate da ero-

são medido por meio de estimativas de perda do solo antes e depois da implantação do programa.

A metodologia desenvolvida pela ANA apresenta o cálculo referente à compensação financeira aos

agricultores, em virtude dos benefícios ambientais proporcionados fora da propriedade. A compensação

financeira deve ser suficiente para atingir determinada meta de erosão proposta pelo programa, atrair produ-

tores para o programa e igualar ou ser inferior ao custo de implantação da prática conservacionista, para que

não seja caracterizado como subsídio ou bolsa assistencial.

Uma das práticas conservacionistas considerada pelo programa como eficiente e economicamente viá-

vel foi o plantio direto, empregado em várias regiões do Brasil, que reduz em certa medida a erosão e sedi-

mentação e, principalmente, apresenta um custo de implantação relativamente baixo. O programa estipula

um abatimento mínimo de erosão de 25% e um limite máximo de 250 ha por participante, entre outros crité-

rios. Além da certificação e da auditoria aos produtores, a metodologia propõe uma validação das metas

ambientais, obtida a partir de um sistema hidro-sedimentológico implantado pelo órgão executor do progra-

ma.

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Com base no programa proposto pela ANA, alguns projetos já vêm sendo desenvolvidos em pelo me-

nos oito estados brasileiros. Esses projetos para definição das compensações financeiras apresentam ade-

quações do método de cálculo proposto pela Agência. Principalmente nos casos de reflorestamento e pre-

servação de matas ciliares, alguns deles consideram cálculos de custos de oportunidade incorridos aos agri-

cultores pela não utilização das áreas no processo produtivo.

Na aplicabilidade do pagamentos por serviços ambientais (PSA) nas bacias hidrográficas no Brasil, com

base no programa Produtor de Água da ANA, observa-se que não há a formação de um mercado de servi-

ços ambientais efetivo, mas apenas uma indução à preservação e à proteção ambiental por meio de políti-

cas públicas de incentivos. Os valores propostos para ressarcimento são relativamente baixos, o que faz

com que não sejam atrativos para pequenos agricultores e para agricultura de subsistência em função da

pequena extensão das áreas das propriedades.

Nessa política ambiental, observa-se o dilema no uso dos bens públicos, discutido por Hardin (1968),

em que a sustentabilidade dos recursos dependerá das restrições ao uso. No entanto, a contrapartida pela

conservação sugere uma gestão dos recursos de forma sustentável, com uma combinação de arranjos insti-

tucionais locais e as ações governamentais de proteção ambiental, sugerida por Ostrom (1999).

Contudo, a preponderância da noção de racionalidade, em que a produção de serviços ambientais está

sujeita a uma relação de custo-benefício para formação de um mercado de serviços ambientais, pode ser

verificada nesse caso, já que o incentivo governamental não se mostra como atrativo para os pequenos

agricultores. Desse modo, essa decisão baseada em custo-benefício também pode ser analisada na pers-

pectiva de Olson (1999), já que o engajamento de um agricultor gera benefícios que serão auferidos pelos

demais agricultores — como a melhoria da qualidade da água —, que não arcarão com o custo de participa-

ção no programa.

No entanto, esse programa, ao contrário das políticas ambientais regulatórias de comando-controle, vi-

sa substituir a ideia de constrangimentos e sanções pela perspectiva de incentivos e benefícios para todos.

Conforme destaca Ostrom, a criação de regras institucionais visando a mudanças no comportamento indivi-

dual para melhor coordenação no uso dos recursos nem sempre é um processo bem-sucedido.

4 Considerações finais

Os casos empíricos considerados, embora se refiram à formulação e à implementação de políticas de

meio ambiente, podem ser analisados a partir de modelos distintos.

No primeiro deles, relacionado ao processo de formulação e decisão da Política Estadual de Gestão de

Riscos de Desastres no Rio Grande do Sul, o comportamento de atores e instituições foi explicado a partir

de diferentes modelos. Com o Garbage Can Model, foi possível observar que as ações do BIRD em relação

à prevenção de desastres ambientais foram concebidas desvinculadas de problemas concretos. A disputa

entre os atores pelos recursos orçamentários e de poder pode ser vista a partir da teoria dos jogos, em que

a solução para os conflitos estava relacionada à formação de arranjos institucionais, que levassem ao equilí-

brio. No entanto, como essa política exigia mudanças significativas no status quo, mesmo não existindo um

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número significativo de atores com poder de veto, a grande distância ideológica entre eles provocou certa

estabilidade decisória, impedindo a mudança.

No segundo caso, relacionado ao licenciamento ambiental no setor de extração mineral, a política pode

ser considerada como regulatória, conforme a tipologia de Lowi (2009), com benefícios dispersos e custos

concentrados, que fazem com que existam conflitos altos. Já a extração de minério pode ser relacionada à

“tragédia dos comuns”, em que a falta de regulação levaria ao uso exaustivo dos recursos. A perspectiva de

audiências públicas, em que as comunidades, em certa medida, podem ser ouvidas, remete a Ostrom, em

que as decisões sobre o uso dos bens comuns podem combinar o uso de conhecimentos científicos e os

saberes locais. No entanto, já que, por vezes, as prerrogativas da população nem sempre podem ser equa-

cionadas, destaca-se o papel do Ministério Público, que possui poder de veto sobre todo o processo.

No terceiro caso, referente aos Pagamentos por Serviços Ambientais em bacias hidrográficas, também

se observa o dilema no uso dos bens comuns de Hardin, em que o uso de recursos finitos deve ser coorde-

nado. Nesse caso, em substituição à política regulatória, com base em restrições e sanções, a expectativa é

que a coordenação ocorra por meio de incentivos, com a formação de arranjos institucionais locais, confor-

me, em certa medida, é proposto por Ostrom. No entanto, os custos de preservar não geram benefícios atra-

tivos, assim a tendência é da presença de free riders, que, sem custos, auferem os mesmos benefícios que

aqueles que aderem ao Programa, o que impossibilita a criação de um mercado de serviços ambientais,

previsto pela política.

Dessa forma, as variações nas políticas públicas adotadas podem ser explicadas mediante o uso de di-

ferentes modelos de análise ou mesmo com a combinação desses. Nesse sentido, a investigação sobre as

políticas públicas pode ser realizada a partir de várias perspectivas teóricas, que buscam explicar os proces-

sos de tomada de decisão dos atores, que tendem a apresentar regularidades. Enquanto algumas aborda-

gens enfatizam a racionalidade como fator explicativo, outras entendem que os processos de decisão não

são lineares, e nesse entremeio também fica destacado o papel das instituições. Mesmo havendo divergên-

cias entre as diferentes possibilidades de análises, as abordagens podem ser empregadas de forma com-

plementar.

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Modelos de análise de políticas públicas: teoria e prática 21

Texto Para Discussão FEE n. 151

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Cristina Maria dos Reis Martins; Irma Carina Brum Macolmes 22

Texto Para Discussão FEE n. 151

TSEBELIS, G. Atores com poder de veto: como funcionam as instituições políticas. Rio de Janeiro: FGV, 2009.