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Trabalho Final de Graduação 2012 Felipe Alves van Ham Orientador Claudio Silveira Amaral Por uma utopia urbana do século 21 TFG 2012 O d esejo do Espaço

TFG Felipe van Ham

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Trabalho Final de Graduação - O Desejo do Espaço, por uma utopia urbana do séc 21

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Mas nem tudo está perdido! Ainda seres humanos, seres sensíveis e seres pensantes! Somos e podemos atuar conscientemente para transformar esta “perdição” em algo que realmente desejamos!

Neste panorama, novos e antigos modelos construções sólidas ou mentais de outras realidades são trazidas das diversas fontes disponíveis, e são (re)ligados através de um método criativo de projeto a Utopia, que não se des-tina a solucionar as questões levantadas, mas sim apre-sentar uma experimentação de outras possibilidades.

Trabalho Final de Graduação 2012 Felipe Alves van Ham Orientador Claudio Silveira Amaral

Por uma utopia urbana do século 21

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“É a paixão que foi inspiradora de todos esses sistemas, o que deu-lhes nascimento e o que faz sua força é a sede de uma justiça mais perfeita.” Durkheim

Este Trabalho Final de Graduação teve inicio com o um desejo, entender o próprio Desejo. A ideia era estudar e descobrir o que faz as pessoas gostarem ou desgostarem das cidades em que vivem, que conhecem ou que simplesmente “adoram”. Seria encontrar a raiz des-te gostar nos Desejos mais intrinsecamente humanos, até chegar a um modelo de cidade que propicia os prazeres a seus usuários. Porém fui parado por diversas questões, que se debatiam todos os dias diante de meus olhos. Por que chegar a um modelo de cidade ideal? Por que as cidades que temo hoje não são ideais? Loucura, sonho ou realidade? A cidade contemporânea está em crise. A ideologia capitalista industrial há séculos uti-liza e transforma as cidades em engrenagens do sistema de geração e acumulação de lucros. A cidade tornou-se a própria máquina, mecaniza e capitaliza toda a diversidade de membros e relações que um dia a tornaram cidade. O homem, mercadoria primor-dial, porém a menos valorizada nesse sistema/comércio global, apesar de serem as mãos que erguem, preenchem, movimentam tais máquinas é negado por elas. Ainda não en-contramos um equilíbrio entre nossos desejos desenvolvimentistas e as necessidades da manutenção da nossa própria sobrevivência enquanto espécie. Eis um paradoxo que se aplica nas grandes e luxuosas metrópoles mundiais, nas imensas cidades favelas es-carradas pelo sistema, em fim, no globalizado e civilizado planeta em que vivemos.

O Desejo de acumulação de produtos, de poderes, de status sobre o Desejo de co-nhecimento, de qualidade de vida, de justiça, demonstra o quão inumano é esse sis-tema, e quão doente esta a massa/base/engrenagem que iludida se vende e coa-ge com sua própria destruição. Tais desigualdades e desequilíbrios colocam-nos em um ponto limite: quais os caminhos que conscientemente escolhemos seguir, como enfrentaremos estes problemas e de qual maneira deixaremos nosso legado.

“Desde a primeira utopia de reforma da organização sociopolítica as noções de crise e de solução para a crise servem de tela de fundo ao projeto de sociedade modelo.

A utopia é uma antítese de um mundo em perdição.” J. Rikwert

IntroduçãoTFG

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A cidade contemporânea está em crise. A ideologia capitalista industrial há séculos utiliza e transforma as cidades em engre-nagens do sistema de geração e acumulação de lucros. A cida-de tornou-se a própria máquina, mecaniza e capitaliza toda a diversidade de membros e relações que um dia a tornaram ci-dade. O homem, mercadoria primordial, porém a menos va-lorizada nesse sistema/comércio global, apesar de serem as mãos que erguem, preenchem, movimentam tais máquinas é negado por elas. Ainda não encontramos um equilíbrio entre nossos desejos desenvolvimentistas e as necessidades da ma-nutenção da nossa própria sobrevivência enquanto espécie. Eis um paradoxo que se aplica nas grandes e luxuosas metrópoles mundiais, nas imensas cidades favelas escarradas pelo sistema, em fim, no globalizado e civilizado planeta em que vivemos.

Tais desigualdades e desequilíbrios colocam-nos em um ponto limite: quais os caminhos que conscientemen-te escolhemos seguir, como enfrentaremos estes pro-blemas e de qual maneira deixaremos nosso legado.

Mas nem tudo está perdido! Ainda seres humanos, seres sensíveis e seres pensantes!

Neste panorama, novos e antigos modelos construções sólidas ou mentais de outras realidades são trazidas das diversas fontes dis-poníveis, e são (re)ligados através de um método criativo de proje-to a Utopia, que não se destina a solucionar as questões levantadas, mas sim apresentar uma experimentação de outras possibilidades.

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ÍndiceIntrodução 04

Despertar 06Uma nova era (o antropoceno)A realidade concreta (capitais em crise) -crise ambiental -crise social -crise humana -crise urbanaCrise do sistema

Sonhar 16A Utopia -de onde vem -como se constróiNova ética

Construir 20Construções Utópicas -propostas sociais -propostas urbanas -propostas éticas

Desenhar 32Partidos para uma nova ética

Considerações Finais 36

Agradecimentos

Agradeço aos meus pais por me terem apoiado e incentivado em minhas escolhas, obrigado por me ajudarem a chegar até aqui!Existir em conjunto é um crescimento. Agradeço aos meus amigos de Unesp pelas várias alegrias e principalmente aos de república, as Kellers e os Neu-sos, poder aprender com vocês é a melhor coisa que já me aconteceu. Agradeço ainda todos os professores que já tive, e em especial o Cláudio e a Saletinha, que me ajudaram muito a construir esse sonho.

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DespertarChegamos a uma nova era. [Des](Re)Construímos nossa morada velozmente e alcançamos hoje o maior nível de poder já alcançado pela espécie humana. Poder de intervenção, de transformação, de destruição. Bem vindos, chegamos ao Antropoceno.

O novo momento se caracteriza inicialmente como uma Era Geológica, um período temporal em que certos fenômenos modificam as estruturas e sistemas que compõem o planeta Terra, e que se diferencia dos períodos anteriores pelas especificidades destes fe-nômenos e das transformações causadas. Segundo os cientistas que classificaram a nova era, o fenômeno que atualmente mais influencia na construção das paisagens terrestres é a Humanidade, e sua atuação no planeta é responsável pelos desequilíbrios que caracteri-zam nosso tempo.

“A partir de meados do século dezoito, os humanos alteraram diretamente as paisagens em 40% a 50% do planeta e marcas de sua influência afetam mais de 83%

da superfície terrestre (é a chamada ‘pegada antrópica’).” (1)

Nossa realidade construída demonstra os alarmantes efeitos desta presença que são no-tados cada vez mais regularmente: as mudanças climáticas (o aquecimento global), a po-luição das fontes de água doce, a extinção acelerada de espécies animais e vegetais (perda de biodiversidade), o esgotamento de matérias primas e fontes de energia, entre outros. A atuação da humanidade contemporânea, podemos notar, se mostra contrária à preserva-ção da vida no planeta.

A contradição desenvolvimento da humanidade x manutenção da própria vida, e dos de-mais na Terra, se intensifica quando focamos o olhar para a realidade de nossa própria espécie e nos vemos, então, na miséria: falta de moradias, de educação, fome, surgimento de inúmeras doenças, apatia, enfim, o descaso com o próprio viver.

A desigualdade social – o maior problema do mundo segundo o geógrafo brasilei-ro Milton Santos – é o sinal perverso do desequilíbrio mantido pelo sistema econô-mico vigente, pois este constitui uma de suas bases principais, em que expropriam-se as condições de desenvolvimento das populações pobres enquanto a riqueza é con-centrada pelas minorias provedoras do sistema. (TENDLER, S. Encontro com Mil-ton Santos: O mundo global visto do lado de cá [Documentário] 87 mim. Brasil, 2006). (1) (MARTINI, B. Antropoceno, a época da humanidade? Revista Ciência Hoje, São Paulo, n˚283, julho 2011. Dis-ponível em: http://ufpr.academia.edu/BrunoMartini acessado em 20.07.2012

Este sistema, o capitalismo, é o conjunto de relações econômicas políticas e sociais, mantido entre o homem dominador o homem dominado e a natureza conduzida. É o estabelecimento do lucro como desejo principal da humanidade, do trabalho assalariado e do consumo como motores de sua dinâmica. Se estrutura a partir da propriedade privada e da competição ilustradas pelas “leis do mercado”. É o modo que nossos predecessores escolheram ou foram obrigados a escolher para se relacionar, e é o modo que ainda hoje nos relacionamos.

A lógica deste sistema vem sendo desenvolvida por séculos enquanto o processo de valorização do dinheiro, sua base ideológica, se intensifica nas culturas mundiais. “O que nós estamos viven-do hoje é que o homem deixou de ser o centro do mundo, e o centro do mundo hoje é o dinheiro.” (TENDLER, 2006) Isto magnífica os pressupostos do sistema que são a exploração humana e ambiental, as desigualdades sociais e o desejo de acumulação, culminando nos desastres que temos hoje.

“Veem-se agora todas as sociedades conceberem o progresso como um fim em si mesmo: progredir é crescer indiscriminadamente, para dimensões ilimitadas. (...) Isto significa tomar equivocadamen-te a tecnologia e o dinheiro como medidas de desenvolvimento global, o que tem estimulado muitos a buscar o progresso econômico, mesmo por processos repudiados pela sociedade.” (FERRAZ, H. Cidade e Vida. São Paulo, Editora João Scortecci, 1996)

O desejo de crescer, de construir. Questão crucial para entender o desenvolvimento da humanidade, nosso ímpeto de transformar os meios pré-existentes visa à sobrevivência de nossa própria espéciee à nossa evolução. Este é o motivo de a história humana ser uma busca constante por superação, por inovação e também pela criação de novos ambientes. Tanto as atividades mais básicas para vivercomo comer, beber e se reproduzir como as mais complexas como garantir um abrigo e manter-se membro de um grupo social foram transformadas de acordo com as várias condições e possibilidadesgeradas durante a história até criar o momento presente. Como afirma BOFF [o ser humano]“é um ser biologi-camente carente, pois, à diferença dos outros animais, não possui nenhum órgão especializado que lhe garanta a subsistência” (BOFF, L. Ética e Moral a busca dos fundamentos. Petrópolis, Ed. Vozes. 2009. p16) sendo sua capacidade intelectual, seu elemento cerebral singular, que o permite a modificação de seu meio.

O problema que enfrentamos atualmente é que tal capacidade não foi acompanhada, durante o pro-cesso de evolução e desenvolvimento da humanidade, pela consciência do cuidado com o que já está realizado ou ainda pela valorização do natural, dos elementos pré-existentes, fundamentais para a sobrevivência. A contradição dialética dos fenômenos tem sido negligenciada e o peso do dese-jo de construir tornou-se paradigma de nossa espécie, enquanto a responsabilidade e o cuidado fo-ram sublimados pelas ideologias capitalistas que mantivemos, e ainda mantemos, em nossa história.

Chegando ao Antropoceno, tal contradição histórica se exacerba e o desequilíbrio se manifesta principal-mente nas maiores concentrações humanas. São os símbolos físicos e imaginários do desenvolvimento, as maiores criações coletivas da história, o meio ambiente artificial concretizado, nossa maior “pegada ecoló-gica”, as Cidades.

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Estufas Agrícolas em Almeria, Espanha

Fronteira Agrícola Brasileira, Amazônia

Sun City, Arizona, Estados Unidos

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A cidade contemporânea é o espaço em que se relacionam a morada, a produção, o meio ambien-te e 52,5% da população humana mundial (algo em torno de 3 bilhões e 700 milhões de pessoas). Todas as cidades contemporâneas somam apenas 3% dos solos da Terra, no entanto consomem 75% dos recursos globais e 2/3 da energia mundial. Também são responsáveis pela produção de 66% dos resíduos. (1ª Conferência Municipal de Transporte e Mobilidade. Leite, C. Bauru. 2011) Nos países subdesenvolvidos, atrasados no processo de urbanização, atualmente se encontram as maiores taxas de migração e de natalidade nas cidades, levando a taxas como a brasileira de 85% de pessoas viven-do em áreas urbanas. As expectativas são que em 2050 haja quase 7 bilhões de pessoas nas cidades, ou seja toda a população atual da Terra. (disponível em www.onuhabitat.org acessado em set. 2012)

No Brasil são atualmente 170 milhões de pessoas vivendo nas cidades, porém 70% das ocupações urba-nas dos últimos anos foram em áreas inapropriadas, destas 88% nas grandes metrópoles.

“As cidades sempre foram vistas como instrumentos da corrupção lasciva (...) também foram exaltadas como um estímulo poderoso para o desenvolvimento econômico e intelectual. Essa contradição, assim como muitas outras, foi entendida como uma garan-tia de sua vitalidade.” (RYKWERT, J. A Sedução Do Lugar. São Paulo, Martins Fontes, 2004)

A humanidade tornou-se majoritariamente urbana e isso não significa uma evolução. A cida-de em quem vivemos hoje é a representação concreta do modo de vida que a sociedade capi-talista desenvolveu. Como nomearam os estudiosos dos assentamentos urbanos, vivemos em Cidades Mercado, Cidades Industriais, Cidades Globais, expressando a relação de domínio da eco-nomia sobre nossas moradas, vivemos em máquinas da indústria, da globalização, do capitalismo.

“Porque a indústria é uma atividade essencialmente urbana, ela se forma na cidade e ao mesmo tempo estimula o crescimen-to desta. (...) A realidade urbana é, por conseguinte, uma realida-de de trabalho em que os homens, individualmente falando, ofe-recem suas energias e capacidades, de maneira recíproca, para os fins da produção dos bens materiais, coisas, ou na forma de serviços. A divisão do trabalho, que caracteriza a produção in-dustrial moderna, constitui o ponto de partida para a conceitu-ação cultural da sociedade contemporânea.” (FERRAZ, H. 1996)

A cidade contemporânea é, portanto, o Espelho deste movimen-to, reflete as raízes do capitalismo concretizadas em dia-a-dia, em fachadas, reflete os desequilíbrios e contradições em imagens alarmantes do presente e do futuro que estamos construindo.

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O desejo do lucro é responsável pela manipulação dos solos urbanos através da especulação imobiliária. A construção da cidade contemporânea subdesenvolvida é feita a partir do acordo entre empreende-dores privados e órgãos públicos que elegem áreas prioritárias para investimentos, geralmente regiões distantes do centro consolidado, e que se destinam a novos centros para os trabalhos financeiros e de co-mércio, recebendo ricos tratamentos arquitetônicos e abastecidos por toda infraestrutura de transporte e saneamento. Tais áreas de caráter internacional são valorizadas, e em seguida tem suas margens comer-cializadas como empreendimentos residências para as classes mais abastadas. Quando este processo se dá em parcelas urbanas já consolidadas há a especulação sobre os imóveis edificados revalorizados sob o nome de requalificação urbana, finalmente gerando o retorno desejado pelos construtores, o lucro.

Porém estes bolsões de investimentos são somente um polo do processo de es-peculação que tem como suporte a desvalorização de outras regiões. A falta de empenho político e interesse financeiro mantêm regiões com pouca ou nenhuma infraestrutura básica de saneamento, transporte, educação, saúde, cultura, que se-guindo a lógica capitalista, dedicam-se à morada das populações com menos ren-da. Exemplos gritantes disto são a milhares de favelas e ocupações que abrigam atualmente cerca de um bilhão de pessoas (1/3 da população urbana mundial).

Esta segregação sócio-espacial causa outros males no cotidiano e na cultura das cidades. A população das regiões marginalizadas não tem próximo de si quantidades suficientes de emprego e do necessário a sobrevivência, e preci-sa se locomover para os polos de desenvolvimento que geralmente os concen-tram. A grande distancia entre periferia e a concentração da renda exige da pri-meira grandes movimentos, em sua maioria, feitos por transporte coletivo, por bicicleta ou a pé, desgastando ainda mais sua qualidade de vida. Ainda como consequência negativa do processo contraditório de especulação imobiliária há a alienação das populações que vivem nas regiões valorizadas da cidade, e por vezes da própria população marginal, que a partir da cultura midiática engaja-da no sistema capitalista, veem tais regiões como causa de problemas para a ci-dade, e não como consequência do processo de urbanização baseado no lucro.

“Em suma, são centros de vida social e política onde se acumulam não ape-nas as riquezas como também os conhecimentos, as técnicas e as obras. A pró-pria cidade é uma obra. (...) A própria cidade é uma obra, e esta característica contrasta com a orientação irreversível na direção do dinheiro, na direção do co-mércio, na direção das trocas, na direção dos produtos.” (LEFEBVRE, 1969)2

Revista Veja e a Especulação Imobiliária

Como explica Hermes Ferraz (FERRAZ, H. 1996) “O valor social de uma cidade é medido de acordo com as fa-cilidades e obstáculos que as pessoas encontram em busca de interesses particulares que lhes correspondem, e de acordo com a capacidade de manter instituições apropriadas para que, na busca do interesse privado de cada qual, as levem a servir ao bem comum.” Porém o processo de valorização/desvalorização urbano, explicitamen-te não tem hoje um fim socializante como dito, mas sim visa o crescimento e desenvolvimento destas instituições construtoras do espaço, enquanto mantém racionalmente desigual a distribuição dos obstáculos e facilidades.

A arquitetura tem nesse processo o significado de modelar os fluxos, de permitir/negar os encon-tros, de guiar o olhar e representar o poder. Hoje representa o poder do capital, das corporações trans-nacionais, é monumento da dominação do homem pelo dinheiro. Esta arquitetura é arranha-céu, é fast--food, é ao mesmo tempo sólida e efêmera, fecha-se do exterior em um mundo artificial e transmite ao olhar humano, grava em seu subconsciente, a doutrina de seus construtores. As cidades contemporâneas são cida-des espelhos que cegam e negam o que não é mercadoria e isolam e espetacularizam aqueles que a detém.

Enquanto o bem privado, sendo meta do trabalho do homem contemporâneo torna-se supravalori-zado, o bem público, comum, simbolizado na cidade pelos espaços públicos, é renegado e abandona-do. Trata-se da desvalorização da rua sob a fortificação dos imóveis privados, da inutilização das pra-ças e parques, sob a cultura do shopping, da cultura de consumo e do medo. Este é o panorama que vemos nas grandes cidades subdesenvolvidas e que se impõe como o desenvolvimento para as médias e pequenas.

São Paulo, acima o bairro Morumbiabaixo a favela de Heliópolis

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(2) (LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. São Paulo, Ed Documentos, São Paulo, 1969. p 12)

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O desejo de acumular, de obter mais bens privados, sempre estimulado pela cultura midiática que exibe as classes altas em seus objetos de luxo gera ainda sentimentos perigosos de ganância e competitividade, em um universo perturbado em que ter é mais importante que ser.

Ao mesmo tempo que o lucro e o consumo são responsáveis pela determinação dos espaços de nossas cidades, também o é a tecnologia. “A tecnologia modifica a cidade, não apenas em sua estrutura física, mas também nas atividades de seus habitantes. (...) Todavia, quando mais avançados tem sido os instrumentos oferecidos ao homem para a ampliação de suas forças, mais o homem da cidade se torna doente. Este fenômeno negativo não é fruto da tecnologia em si, mas do uso incorreto que o homem esta fazendo dela.” (FERRAZ, H. 1996) Os responsáveis pelo uso da tecnologia nas cidades são as empresas capitalistas e o governo que ditam qual e como deve ser usada. Enquanto consumimos um produto somos ao mesmo tempo alienados de seu impacto nos diversos meios ambientais e sociais e responsáveis pelos seus efeitos nestes.

Grande exemplo disso nas cidades contemporâneas é o carro. Somos, no Brasil, motivados através da mídia, pelas empre-sas automobilísticas e pelo próprio governo a comprar carros. Nunca antes houve tantos carros circulando pelas cidades brasileiras. São, somente no ano de 2011, 3 milhões de carros vendidos, enquanto na cidade de São Paulo contabilizam um total de 7 milhões de carros nas ruas.(3) Sabe-se do impacto ambiental que a adoção deste modelo de transporte cau-sa, tanto pelas quantidades de matérias primas empregados em sua fabricação, pela quantidade de combustíveis con-sumidos quanto pela poluição que seus resíduos causam ao ar e à terra. Porém tais argumentos são mascarados pelas propagandas que relacionam o ter o carro à felicidade. E o impacto no ambiente construído tem grandes proporções. Infelizmente a política pública da maior parte das cidades brasileiras caminha no sentido de valorização e incentivo ao uso do carro, representados pelas grandes obras no sistema rodoviário que acabam destinando investimentos e espa-ços que poderiam ser utilizados para transportes mais econômicos e menos agressivos. As vias de circulação de carros também condenam boa parte do espaço público pois sobrepõe a competição à convivência, limitando a liberdade de movimentação e permanência das pessoas e de outros meios de transporte. Num sentido mais amplo o carro acaba por espalhar a cidade pelo território já que teoricamente seria mais fácil de percorrê-lo, assim incentiva os investimentos a se distanciar dos núcleos urbanos valorizando, sob a lógica da especulação, uma maior área que os servirá de ligação.

Também é consequência do uso indiscriminado do carro o distanciamento entre as pessoas, cada um em sua “bolha” passa pelos outros alienados da realidade externa, trancam-se em sua “prisão” e meio a milhares de outras num território hostil que vão se tornando as ruas e avenidas.

“Sobre o desenvolvimento tecnológico: ele não tem sido capaz de resolver o problema de capacitar o homem a deslocar-se de casa para o trabalho mais facilmente do que há cem anos. E assim tem convertido a grande par-te dos cidadãos em escravos de seus deslocamentos, nos quais invertem um tempo precioso.” (FERRAZ, H. 1996: 67).

(3) (http://www.nossasaopaulo.org.br/observatorio/regioes.php?regiao=33&tema=13&indicador=139 acessado em 09. 2012)

Favela Santa Marta, Rio de Janeiro

Favela Cidade do Sol, Porto Príncipe, Haiti

Pequim, China

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Em meio a tanto consumismo as próprias pessoas tornam-se mercadoria. Consomem a si próprias vi-vendo através dos espelhos, são os objetos animados destas vitrines herméticas. Perde-se a noção de es-pécie humana segregando-a em classes, que devem cada qual fantasiar-se de sua posição frente ao capi-tal, e vender-se para chegar a vitrines cada vez mais brilhantes e iluminadas. Nega-se e marginaliza-se quem não participa deste processo, satirizam os de fora das vitrines dizendo-lhe, as nossas são o futu-ro. A vida, o tempo de nossa existência são mercadorizados, o capital é sacralizado como nosso destino.

A humanidade contemporânea, como um todo globalizado, é construída, a partir da ética capitalista. Já desper-tamos quanto às diversas faces que ela se apresenta: desigualdade, exploração, acumulação, consumo, compe-tição, desenvolvimento sem limites, alienação, exclusão, poluição, etc. Também ilustramos a presença de tais princípios nos meios ambientais, sociais e até psicológicos, podemos finalmente analisar qual a inflexão da ética capitalista contemporânea.

“Vivemos hoje grave crise mundial de valores. É difícil para a grande maioria da humanidade saber o que é correto e o que não é. Esse obscurecimento do horizonte ético redunda numa insegurança muito grande na vida.” (BOFF, 2009)

Segundo BOFF o desequilíbrio fundamental do capitalismo tem origem na desumanização das relações entre pessoas e povos no distanciamento humano de sua origem, a natureza. “Em primeiro lugar esqueceu-se o ser (o todo) e se concentrou no ente (a parte) considerando-se a “realidade” para além da qual nada mais existe. O reflexo para a ética foi que não se atendeu mais à “voz-interior” para ouvir só a voz da norma e da ordem vindas de fora, mas internalizadas.” (BOFF, 2009) Tal efeito é causado pela supervalorização da razão, desde os tempos do Iluminismo, que gerou a civilização técno-científica mundializada, e pela inversão da paixão, deslocada pelo consumismo e pela ganância de acumulação de riquezas. Este desequilíbrio acaba por valorizar mais o dinheiro que a própria vida, e se torna universal através da unidade ética governo-midia-corporações que atualmente ditam a ética para as maiorias dos seres humanos.

“A cultura dominante é culturamente pluralista, politicamente democrática, economicamente capital-ista e, ao mesmo tempo, é materialista, individualista, consumista, competitiva, prejudicando o capital social dos povos e precarizando as razões de estarmos juntos. Com muito poder e pouca sabedoria criou o princípio da autodestruição. Pela primeira vez podemos liquidar as bases da sobrevivência da espécie, o que torna a questão ética (como devemos nos comportar) premente e inadiável.” (BOFF, 2009)

A cidade contemporânea está doente. Espelho da sociedade que a constrói e a consome, reflete a nossa Doença. A arquitetura do dinheiro reflete nossas relações de competitividade, nossa alienação, insegurança, ignorância, nosso desejo doentio pelo consumo, pelas mercadorias, reflete nosso individualismo, nossa fraqueza para enfrentar este sistema, esta ética capitalista. Hoje ocupamos e consumimos o planeta como nunca antes, somos aproximadamente sete bi-lhões de seres humanos almejando o desenvolvimento sem limites e somos todos construtores do nosso caos. “These developments are all connected, and there’s a risk of an irreversible cascade of changes leading us into a future that’s profoundly different from anything we’ve faced before. Little by little, we’re creating a hotter, stormier and less diverse planet.” “Estes desenvolvimentos estão todos conectados, e há o risco de uma irreversível cascata de mudanças nos levando a um future profundamente diferente de tudo o que já enfrentamos antes. Pouco a pouco, nos estamos criando um planeta mais quente, mais tempestuoso e menos diverso.” (4)

Porém o caos cria possibilidade. A chegada do Antropoceno simboliza a possibilidade. O ser humano, criador de seu destino e agora principal modificador da vida no planeta está chegan-do ao seu limite. Criou para si próprio o desequilíbrio, a doença, o caos e agora tem nas mãos o poder e a responsabilidade de modificar sua realidade e o futuro da vida na Terra. “[O homem] exacerbou a autoafirmação em detrimento da integração. Descobriu a força de sua criatividade e inteligência e usou esta força para se sobrepor aos demais. Ao invés de estar junto dos demais seres colocou-se sobre eles e contra eles.” (BOFF, 2009)

Agora, no momento em que a contradição desenvolvimento x cuidado se manifesta temos que utilizar das nossas melhores ferramentas, unir a nossa força de transformação, represen-tada pelas grandes aglomerações urbanas, nossa capacidade intelectual e sensível de análise e criação representadas neste trabalho pelas Utopias, para extrair do caos um outro caminho.

(4) Disponível em http://www.anthropocene.info/en/anthropocene, acessado em 22/08/2012) tradução do autor

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Sonhar“Se não é geral, a liberdade é ilusória.” C. Fourier

Nós, seres humanos do século XXI, vivemos a extrapolação das consequências do processo de evolução material e intelectual de nossa espécie. Tornamos-nos “senhores” da vida na Ter-ra ao mesmo tempo em que nossa filosofia de vida, nossa ética traçam o caminho para nos-sa própria destruição. Vivemos um momento de convergência e explosão de todo o poten-cial da humanidade, que se revela na possibilidade de transformação de nossa realidade.

Sensibilizando nossa relação com o real presenciamos o caos. Transcendendo o presente, o tempo e o espaço do agora, podemos nos libertar. Utilizando do sensível, do imaginativo, do criativo através da desterritorialização e da destemporialização nos permitimos chegar a outras realida-des. Libertar os desejos, flutuar no sonho e transformar a realidade.

Passaremos agora a discutir o antigo e vastamente explorado conceito de Utopia, que acredi-to ser um caminho fundamental nos processos de evolução pessoal e social. Abordaremos o assunto desde a primeira construção utópica até a conceitualização contemporânea do termo, procurando resignificar a cada momento e local histórico sua abrangência e desejo criativo.

O termo Utopia surge com o lançamento do livro homônimo, do britânico Thomas Morus, em 1517. O neologismo foi criado pela junção dos radicais gregos “ou” que indica negação e “to-pos” significando lugar, ou seja, Utopia refere-se ao não lugar. Discute-se também a origem pelo radical “eu” com significado positivo de bom lugar, tornando a interpretação da palavra um instigante paradoxo. (CAÚLA, A. Trilogia das utopias urbanas, Tese doutorado (Curso de Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, 2008) É inicialmente descrita como “Toda ideia situacionalmente transcendente (não apenas projeções de desejos) que, de alguma forma, possui um efeito de transformação sobre a ordem histórico-social existente”.

(MANNHEIM apud CAÚLA, 2008)

Diversas são as relações destacadas durante a história pós-Morus entre o termo Utopia e as diversas áreas do conhecimento, revelando o caráter amplo que o termo possibilita. LA-LANDE caracteriza a Utopia como uma noção criadora, que visa à experimentação. “Le Roy, na sua lógica da Intervenção, recomenda ao cientista que “se divirta com as ficções que fazem ver as coisas a uma luz inesperada” e nota “que na primeira fase de seu traba-lho, aquela que é propriamente criadora, o verdadeiro inventor não se difere do utopista””.

UTOPIA in LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia)Capa de “A Utopia” - 1517

Também se relaciona a Utopia com a crítica da realidade em que tem origem. “É a utopia que faz a junção da filosofia com sua época (...) É sempre com a utopia que a filosofia se torna política, e leva ao mais alto ponto a crítica de sua época. A utopia não se separa do movimento infinito: ela designa etimologicamente a desterritorialização absoluta, mas sempre no ponto crítico em que esta se conec-ta com o meio relativo presente e, sobretudo, com as forças abafadas deste meio.” (CAÚLA, 2008)

Podemos, então, dizer que a Utopia é ao mesmo tempo a ligação e o distanciamento entre a realidade concreta que se apresenta ao seu autor e os sonhos e desejos particulares deste, que se contrapõem no sentido de uma transformação social. “DE CERTEAU (1979), como MA-RIN (1979;2001), situavam a utopia em um “entre”. Entre um passado perdido e um futuro condicional está o entre utópico, onde se situa a criação onde se pode mostrar toda crítica e todo o desejo através de um lugar nenhum, de um outro espaço da diferença.” (CAÚLA, 2008)

A Utopia é colocada então como uma “Antítese de um mundo em perdição” em que se busca representar uma realidade alternativa à construída, geralmente através de meios artísticos, a fim de tornar sensíveis as possibilidades imaginadas. Pode ser entendida, ainda, como um método de simulação social.

“O procedimento que consiste em representar um estado de coisas fictício como realiza-do de uma maneira concreta, a fim de julgar as consequências que ele implica, quer, mais frequentemente, a fim de mostrar quanto estas consequências seriam vantajosas. (...) Ci-tando L. Weber: Não se trata de julgar as sociedades atuais, mas quase sempre de tor-nar sensíveis os resultados que se crê poder obter por meio de outras instituições, supondo--as realizadas. O método utópico, em matéria social é apenas um caso particular de um método geral. (...) Ele deveria ser estudado no seu conjunto e nas suas características próprias.”(UTOPIA in LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia)

O grande caráter de critica da Utopia dá-se como base para sua construção, po-rém seu objetivo máximo é a proposta de novas maneiras de vida individual e de or-ganização social, entendido ainda como uma religião, no sentido de religar a socieda-de. [Sobre os autores utópicos] “a grande maioria, de fato, apresentava-as como um ideal, movidos pelo afã de crítica e melhoria da sociedade em que viviam. Essa é sua princi-pal motivação, e sob este aspecto, poder-se-ia dizer que as utopias são revolucionárias.” (Utopia in MOURA, J. F Dicionário de Filosofia)

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Há ainda a discussão sobre as reais intenções dos autores considerados utópicos, pois diver-gem as opiniões se eles têm como objetivo a aceitação e instalação de seu projeto como mo-delo ou no sentido já apresentado de sensibilização de outra realidade. “Com a conotação pejorativa (muito frequente): ideal político ou social sedutor, mas irrealizável, no qual não se levam em conta os fatos reais, a natureza do homem e as condições da vida. Este último sen-tido repercute-se muitas vezes sobre os precedentes e dá lugar a sofismas, por meio dos quais se condena sumariamente um projeto ou um ideal que se é hostil. (...) Não há motivo para se supor que os autores citados considerassem realizáveis suas respectivas utopias, a grande maioria, de fato, apresentava-as como um ideal (...) Contudo, a utopia nem tão pouco é algo totalmente inoperante, porquanto gera, ocasionalmente, as condições prévias que depois evo-luirão para realidades sociais concretas. Assim sendo, a utopia não é totalmente utópica.”

(Utopia in MOURA, J. F Dicionário de Filosofia)

A construção da Utopia dá-se por meio das convicções particulares dos autores, cada qual mate-rializa em novas instituições, espaços e costumes o que considera fundamental para a sociedade. A criação da utopia tem por base, portanto, a configuração de uma nova ética. Mas por qual razão a quebra do paradigma ético-filosófico de seu tempo é essencial para um projeto utópico?

Primeiro aprofundemos o significado de ética. A ética é “o conjunto ordenado dos princípios, valores e motivações últimas das práticas humanas, pessoais e sociais” (BOFF, 2009), ou seja, em cada sociedade os indivíduos carregam consigo considerações sobre o agir e se relacionar, que tem origem nas práticas consideradas como “boas” e indispensáveis para a existência em grupo, é ainda o modo coletivo como encaramos a realidade. Da origem grega, a palavra “Ethos” sig-nifica também o caráter, o modo de ser de uma pessoa ou de uma comunidade. “Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções” (BOFF, 2009) os quais são ao mesmo tempo particulares e universais.

“Quando o outro irrompe à minha frente, nasce a ética. Porque o outro me obriga a tomar uma atitude prática de acolhida, de indiferença, de rechaço, de destruição.” (BOFF, 2009) Portanto a ética é determinante para a teia das relações sociais.

Ainda segundo BOFF (2009) a ética se dá da oposição entre a razão, cuja função é ver claro, or-denar, disciplinar, e a paixão, cuja atuação é “captar o valor das coisas”. Da experimentação de certo fenômeno a relação mais íntima que sentimos frente a ele é a paixão , é através da paixão que captamos o valor das coisas e este valor é o caráter mais precioso dos seres, aquilo que os torna dignos de serem.

A razão vinda da experimentação nos diz como, quando e onde tal fenômeno po-derá ser repetido, qual efeito ele terá em nós e qual a relação deste fenômeno com nosso meio social e ambiental. “Eis que surge uma dialética dramática entre pai-xão e razão. Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez, a tirania da ordem e a ética utilitária. Se a paixão dispensar a ra-zão, vigora o delírio das pulsões e a éti-ca hedonista, do puro gozo das coisas.” (BOFF, L. Ética e Moral, a busca dos fun-damentos. Petrópolis, Vozes, 2009)

Assim a ética tem caráter estruturador nas sociedades e nos indivíduos e é exatamente por tal motivo, baseados na relação razão versus emoção, que os autores utópicos utilizam de concepções éticas diferenciadas para seus projetos de transformação social.

Buscaremos a partir de agora, através das experimentações utópicas, noções de alternativas ético-sociais-espaciais que os nossos grandes pensadores desenharam através dos séculos, a fim de uma trans-formação em nossa própria realidade.

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ConstruirA UTOPIA – Thomas Morus

“Agora, caro Morus, vou revelar-vos o fundo de minha alma, e dizer-vos os meus pensamentos mais íntimos. Em toda parte onde a propriedade for um direito individual, onde todas as coisas se medirem pelo dinheiro, não se po-derá jamais organizar nem a justiça nem a prosperidade social, a menos que denomineis de justa a sociedade em que o que há de melhor é a partilha dos piores, e que con-sidereis perfeitamente feliz o Estado no qual a fortuna pública é a presa dum punhado de indivíduos insaciáveis de prazeres, enquanto a massa é devorada pela miséria.”

Assim, através da narração do personagem Rafa-el Hythodeo, inicia a viagem de Thomas Morus à ilha de Utopia onde se instalava aquela República que o autor considerava a única merecedora deste título.

LIVRO SEGUNDO

“Chamava-se antigamente Abraxa e se ligava ao conti-nente; Utopus apoderou-se dela, e deu-lhe seu nome. Este conquistador teve bastante gênio para humanizar uma po-pulação grosseira e selvagem para formar um povo que ultrapassa hoje todos os outros em civilização.”“A ilha de Utopia tem cinquenta e quatro cidades espaço-sas e magníficas. A linguagem, os hábitos, as instituições, as leis são perfeitamente idênticas. As cinquenta e quatro cidades são edificadas sobre o mesmo plano e possuem os mesmos estabelecimentos e edifícios públicos, modifica-dos segundo as exigências locais.”“Todos os anos, três velhos experientes e capazes são no-meados deputados de cada cidade e se congregam em Amaurota, a fim de tratar dos negócios do país.”

“Um mínimo de vinte mil passos de terra é destinado em cada cidade à produção dos artigos de consumo e à lavoura. Os ha-bitantes se olham mais como rendeiros que como proprie-tários do solo.”“Há pelos campos casas comodamente construídas, providas de toda a espécie de instrumentos de agri-cultura, e que servem de morada aos exércitos de trabalhado-res que a cidade envia periodicamente ao campo.” “A família agrícola se compõe de pelo menos quarenta indi-víduos, homens e mulheres, e de dois escravos. Está sob a di-reção de um pai e uma mãe de família, pessoas graves e pru-dentes.”“Todos os anos vinte cultivadores de cada família regressam à cidade; são os que terminaram seus dois anos de serviço agrícola. (...) Os agricultores cultivam a terra, criam animais, juntam madeira e transportam os aprovisionamentos para a cidade vizinha, por água ou por terra.”“Amaurota se estende em doce declive sobre a vertente de uma colina. Sua forma é de quase um quadrado.”“Uma cadeia de altas muralhas circunda a cidade e, a peque-nas distancias, erguem-se torres e fortalezas.”“As ruas e praças são convenientemente dispostas, seja para o transporte, seja para abrigar-se do vento. Os edifícios são construídos confortavelmente; brilham de elegância e confor-to e formam duas fileiras contiguas, acompanhando de longo as ruas, cuja largura é de vinte pés. Atrás, e entre as casas, abrem-se vastos jardins. Em cada casa há uma porta que dá para a rua e outra para o jardim.”“Os habitantes de Utopia aplicam aqui o principio da posse comum. Para abolir a ideia de propriedade individual e abso-luta, trocam de casa todos os dez anos e tiram a sorte da que lhes deve caber na partilha.”

“Os habitantes das cidades tratam de seus jardins com des-velo (...) na verdade, nada se pode conceber mais agradá-vel, nem mais útil aos cidadãos que esta ocupação.”“As casas são elegantes edifícios de três andares, com pa-redes externas de pedra ou de tijolos e paredes internas de caliça. Os tetos são chatos, recobertos de uma matéria moída e incombustível.”Cada cidade é governada da seguinte maneira: cada 30 fa-mílias elegem um magistrado, o sifogrante. Cada grupo de dez desses obedece a um traníbora. O grupo de sifogran-tes, 1200 no total votam entre quatro candidatos, cada qual escolhido por um quarteirão da cidade, e nomeiam-no príncipe. O príncipe é vitalício, enquanto os outros magis-trados são escolhidos anualmente.“Há uma arte comum a todos os utopianos, homens e mu-lheres, e da qual ninguém tem direito de isentar-se – é a agricultura.”“Além da agricultura (...) ensina-se a cada um um oficio especial. Uns tecem lã ou linho; outros são pedreiros ou oleiros; outros trabalham a madeira ou os metais. São esses os principais ofícios.”“As roupas têm a mesma forma para todos os habitantes da ilha; esta forma é invariável e apenas distingue o ho-mem da mulher. (...) Cada família confecciona seus pró-prios vestidos.”“Não se deve crer que os utopianos se atrelem ao trabalho como bestas de carga desde a madrugada até a noite. Esta vida, embrutecedora para o espírito e para o corpo seria pior que a tortura e a escravidão. E no entretanto, tal é, em outra qualquer parte, a triste sorte do operário.”“Seis horas são empregadas nos trabalhos materiais. Eis sua distribuição. Três horas de trabalho antes do meio-dia, depois almoçam. Depois do meio-dia, duas horas de re-pouso, três de trabalho, em seguida jantam.”“O tempo compreendido entre o trabalho, as refeições e o sono, cada qual é livre de empregar à sua vontade. Longe de abusar dessas horas de lazer, abandonando-se à pregui-ça e à ociosidade, descansam variando suas ocupações e trabalho.”“As seis horas de trabalho produzem abundantemente

para todas as necessidades e comodidades da vida, e ainda, um supérfluo bem superior às exigências do consumo.”“O que contribui ainda para abreviar o trabalho é que, tudo sendo bem estabelecido e conservado, há muito menos para fazer na Utopia do que entre nós.” “Todas as manhãs, antes do sol se levantar, os cursos públicos são abertos. (...) todo mundo tem direito a assisti-los. (...) O povo acorre em massa; e cada qual se apega ao ramo de ensino que tem mais relação com sua indústria e seus gostos.”“Quando há acumulo de produtos, os trabalhos diários são suspensos e a população é transportada em massa para repa-rar as estradas esburacadas e estragadas.”“O fim das instituições sociais na Utopia é de prever antes de tudo às necessidades do consumo publico e individual; e deixar a cada um o maior tempo para libertar-se da servidão do corpo, cultivar livremente o espírito, desenvolvendo suas faculdades intelectuais pelo estudo das ciências e das letras. É nesse desenvolvimento completo que põem a verdadeira feli-cidade.”“Cada cidade deve ser constituída de seis mil famílias. Cada família não pode conter senão de dez a dezesseis mancebos na idade da puberdade. O numero de crianças impúberes é ilimitado. Quando uma família cresce além da medida, o exce-dente é colocado entre as famílias menos numerosas. Quando há numa cidade mais gente que deve conter, o excedente vai preencher os claros das cidades menos povoadas.”“O mais idoso, como já o disse, preside a família. As mulheres servem a seus maridos; as crianças, a seus pais e mães; os mais jovens, aos mais velhos.”“A cidade inteira se divide em quatro quarteirões iguais. No centro de cada quarteirão, encontra-se o mercado das coisas necessárias à vida. São depositados aí os diferentes produtos do trabalho de todas as famílias. Esses produtos, depositados primeiramente nos entrepostos, são em seguida classificados nas lojas de acordo com sua espécie.”“Cada pai de família vai procurar no mercado aquilo que tem de necessidade para si e os seus. Tira o que precisa sem que seja exigido dele nem dinheiro nem troca. Jamais se recusa al-guma coisa aos pais de família. A abundância sendo extrema, em todas as coisas, não se teme que alguém tire além de sua

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necessidade. De fato aquele que tem a certeza de que nada faltará jamais, não procurará possuir mais do que é preci-so.”“Os provedores se reúnem no mercado a uma hora fixa e requerem uma quantidade de víveres proporcional ao nú-mero de bocas que têm que nutrir.”“[Sobre o ouro e a prata em Utopia] são feitos com eles até os vasos noturnos. Forjam-se cadeias e correntes para os escravos, e marcas de opróbrio para os condenados que cometeram crimes infames.”“Em filosofia moral, agitam as mesmas questões que nos-sos doutores. (...) Dissertam sobre a virtude e o prazer; mas a primeira e principal de suas controvérsias tem por fito determinar a condição única, ou as diversas condições da felicidade do homem.”“A felicidade, dizem, não está em toda espécie de voluptu-osidade; está unicamente nos prazeres bons e honestos. É para esses prazeres que tudo, até a própria virtude, arrasta irresistivelmente a nossa natureza; são eles que constituem a felicidade. Os utopianos definem a virtude: viver segun-do a natureza.”“O homem que segue o impulso da natureza é aquele que obedece à voz da razão, em seus ódios e seus apetites. Ora, a razão inspira, em primeiro lugar, a todos os mortais o amor e a adoração da majestade divina, à qual nós deve-mos o ser e o bem-estar. Em segundo lugar, ela nos ensina e nos instiga a viver alegremente e sem lamentações, e a proporcionar aos nossos semelhantes, que são nossos ir-mãos os mesmos benefícios.”“E por que a natureza não induziria a cada um de nós a se fazer, a si mesmo, o mesmo bem que aos outros? Pois das duas uma: ou uma existência agradável, isto é, a volúpia, é um bem ou um mal. Se é um mal, não somente não se deve ajudar seus semelhantes a fruí-la, mas ainda deve-se arrancá-la como uma coisa perigosa e condenável. Se é um bem, pode-se e deve-se procura-la para si próprio como para os outros. Por que iríamos ter menos compaixão de nós do que dos outros? A natureza que inspira em nós a caridade por nossos irmãos, não ordena que sejamos cruéis com nós mesmos.”

“Eis o que leva os utopianos a afirmarem que uma vida hones-tamente agradável quer dizer que a volúpia é o fim de todas as nossas ações; que tal é a vontade da natureza e que obedecer a esta vontade é ser virtuoso.”“A natureza, dizem eles, convida todos os homens a se ajuda-rem mutuamente e a partilharem em comum do alegre festim da vida. (...) A natureza deu a mesma forma a todos; aqueceu--os todos com o mesmo calor, envolve todos com o mesmo amor; o que ela reprova é aumentar o próprio bem-estar agra-vando a infelicidade de outrem.”“Assim, em última analise, os utopianos reduzem todas as ações e mesmo todas as virtudes ao prazer, como finalidade.”“Eles chamam de volúpia todo o estado ou o movimento da alma e do corpo, nos quais o homem experimenta uma delei-tação natural. Não é sem razão que eles acrescentam a palavra natural, pois não é somente a sensualidade, é também a razão que nos atrai para as coisas naturalmente deleitáveis; e por isto devemos compreender os bens que se podem procurar sem injustiça, os gozos que não privem de um prazer mais vivo, e que não arrastem consigo nenhum mal.” “Há coisas fora da natureza que os homens, por uma conven-ção absurda, intitulam prazeres (como se tivessem o poder de transformar a essência tão facilmente como modificam as palavras). Essas coisas, longe de contribuir para a felicidade, são outros tantos obstáculos em seu caminho; aos que sedu-zem, elas impedem gozarem satisfações puras e verdadeiras; viciam o espírito, preocupando-o com a ideia de um prazer imaginário.”“Os utopianos distinguem diversas espécies de prazeres ver-dadeiros: uns relacionam-se com o corpo, outros com a alma. Os prazeres da alma estão no desenvolvimento da inteligência e nas puras delicias qwwue acompanham a contemplação da verdade. Nossos insulares acrescentam ainda o testemunho duma vida irreprochável e a esperança certa duma imortali-dade bem-aventurada. Eles dividem em duas espécies as vo-luptuosidades do corpo:A primeira espécie compreende todas as volúpias que exer-cem sobre os sentidos uma impressão atual, manifesta, e cuja causa é o restabelecimento dos órgãos consumidos pelo calor interno. Essa impressão nasce, de um lado, da ação de beber e

“Tenho tentado, continuou Rafael, descrever-vos a forma desta república, que julgo ser, não somente a melhor, como a única que pode se arrogar, com boa justiça o nome de Re-pública. Porque, em qualquer outra parte, aqueles que falam de interesse geral não cuidam senão do seu interesse pessoal; enquanto que lá, onde não se possui nada em particular, todo mundo se ocupa seriamente da causa publica, pois o bem par-ticular se confunde com o bem geral.”“Desejo, do fundo da minha alma, a todos os países, uma re-publica semelhante à que vos acabo de descrever.” “Aspiro, mais do que espero.”Após a leitura desta obra inaugural, temos a primeira visão de uma utopia. Liberando a sensibilidade e a imaginação, neste trabalho literário podemos nos transportar para outra reali-dade e através da razão e da paixão criar um campo vasto de interpretações. Morus é extremamente figurativo com sua Utopia, publicada em 1517. A ilha representa e apresenta diversos ideais de uma organização social mais equilibrada e mais humanizada. Sua construção se inicia com a fundação de uma ética voltada aos “prazeres naturais” do homem, que se guiam pela concepção de prazer enquanto a saciação do indivíduo na sua corporei-dade e no seu intelecto. Morus era um intelectual e um religio-so fervoroso (sua condenação a morte deu-se pois se negou a abdicar do catolicismo em função do recém inaugurado angli-canismo) e tais características refletem em sua ética utópica. A felicidade geral ligada ao prazer ligava-se também a um senti-do de adoração divina e admiração da unidade social enquan-to criação de seu Deus. Alia paixão e razão enquanto funda-mentos à busca do prazer, e da felicidade. Seguir e estimular a razão se daria no desenvolvimento do conhecimento e da cultura através dos “momentos de ócio” e dos “cursos públi-cos”, no trabalho compulsório agrícola e no desenvolvimento de outro ofício, ambos produtivos para toda a sociedade, no culto ao divino e à imortalidade. A paixão seria o estímulo aos prazeres do corpo, entendido como a manutenção do “calor interno”, a manifestação da “força interna” através das artes e da jardinagem, o sentimento de felicidade geral proporcionan-do aos semelhantes os mesmos prazeres que lhes agradam. Enfim as virtudes e as ações humanas seriam a busca dos pra-

Ilustrações inglesas do século XVIII retratam respec-tivamente Londres durante a peste negra e a Gin Lane (Travessa do Gim).Ambas chamam a aten-ção para o caos urbano da metrópole já durante o século XVII, e demostram a má qualidade de vida da população inglesa durante a revolução industrial.

comer que devolve as forças perdidas; de outro lado, das funções animais que expelem do corpo as matérias supér-fluas. Tais são as secreções intestinais, o coito e o alívio duma comichão qualquer, ao esfregar-se ou ao coçar-se. Algumas vezes o prazer dos sentidos não provém das funções animais que reparam os órgãos esgotados, ou os aliviam duma exuberância penosa; mas pelo efeito duma força interior e indefinível que comove, encanta e seduz; tal é o prazer que nasce da música. A segunda espécie da volúpia sensual consiste no equilíbrio estável e perfeito de todas as partes do corpo, isto é, duma saúde isenta de mal estar.”

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zeres, da volúpia, e a sensualidade e a razão equilibradas entre si e sem carregar injustiças e nenhum mal – “o que ela reprova [a natureza] é aumentar o próprio bem-estar agravando a infelicidade de outrem” – seriam o caminho da felicidade para esta pioneira sociedade utópica.

Esta construção ética, porém, apresenta algumas contradi-ções. Tudo na Ilha é necessariamente movido a partir de regras e morais bem estabelecidas e com um alto grau de rigidez. Há um grande paternalismo e domínio masculino. Durante a fundação de Utopia houve a escravização dos na-tivos e a escravidão ainda era vista como um método de in-feriorização social. Falarmos de igualdade neste contexto é complexo, pois apesar de todos terem a garantia de sua sub-sistência pelo Estado totalizador, a liberdade se mostra rela-tiva. No desenho de sua sociedade ideal Morus não deixou espaço para o movimento, tudo parece perfeito e estático.

As cidades em Utopia seguem a regulação e uniformidade total: são todas traçadas sobre o mesmo plano quadrado, divididas em quatro quarteirões que organizam a distri-buição dos bens de consumo e da política. Todas são espa-çosas e contém os mesmos edifícios públicos. A natureza é valorizada através da proximidade com a água (os rios) e dos jardins comunitários internos às quadras. As casas são voltadas para as ruas e tem quintais aos fundos, e são trocadas a cada dez anos entre diferentes famílias, a inten-ção disso é evitar o apego à propriedade. Há diferenças arquitetônicas de acordo com a posição políticas das famí-lias, porém estas também são trocadas regularmente. As ruas e praças são dispostas para favorecer o transporte e também a ventilação. As cidades todas são muradas, fe-chadas em si para a sua proteção, e mantém com o cam-po uma relação direta de troca de população e produtos.

As diversas contradições encontradas na Utopia de Morus permitem várias interpretações, pois em uma construção utópica a ironia e a representação são algumas das bases estruturais da linguagem e da criação das imagens, acerca disso CAÚLA diz “A obra de More criou um não lugar com

grande forca crítica onde tudo esta aparentemente presen-te ao mesmo tempo em que tudo é negado, configurando um jogo retórico. Utopia: não lugar; Anhydra: rio sem água; Hythlodeo: espalhador de mentiras; Amaurota: cidade va-zia; Alaopolitas: cidadãos sem cidade; Ademos: príncipe sem povo; Achoerenses: habitantes sem pais.” (CAÚLA, 2008)

Com o desenvolvimento da “nova ciência”, da ciência do mo-vimento, do embate religioso no século no século XVII, a partir de trabalhos de Francis Bacon e Galileu Galilei, novos paradig-mas começariam a serem traçados pela sociedade europeia. Também os autores utópicos são influenciados pelos novos pensamentos. “Originalmente ausentes do cenário da socieda-de modelo, a inovação e o progresso material começam a entrar na paisagem utópica. Influenciadas pelas ciências do movimen-to”. (MATTELART, A. História da Utopia Planetária, da cida-de profética à sociedade global. Porto Alegre, Ed Sulina, 2002)

Exemplo é o trabalho literário do próprio Bacon, que escreve a utopia The New Atlantis em 1624. Bacon erige uma socieda-de hierarquizada baseada no conhecimento e na ciência, em que a instituição maior seria um tipo de universidade a “Casa de Salomão” de onde seria distribuído todo o material físico e espiritual necessários a vida da população. O progresso se da-ria através do desenvolvimento do conhecimento, e este seria apresentado ao mundo através de “torneios” organizados pelo governo da Nova Atlântida nas principais capitais do mundo.

Contemporâneo a Bacon, o italiano Tomasso Campanella publica em 1623 o livro La Cittá del Sole, uma utopia tam-bém construída sobre uma ilha imaginária, que teria sido fundada por filósofos indianos. Nesta utopia “tudo pertence a todos”, mas “são os oficiais que detém o poder de distri-buição” (MATTELART, 2002) Campanella desenha detalha-damente a cidade utópica, formada por sete círculos concên-tricos com fortalezas que lembram as cidades renascentistas. A sociedade é teocrática e hierarquizada, em que o soberano Sol comanda a ilha, e valoriza as invenções humanas “bús-sola, imprensa, são sinais da união do mundo” (MATTE-LART, 2002), chegando até a descobrir uma máquina que voa.

O próximo século é marcado pelo advento das “Luzes”. A razão torna-se a grande verdade do mundo e o progresso é tomado como sentido da existência do homem. É a chegada da burguesia ao poder, da auto-regulação, a “iluminação ge-ral dos espíritos”. O futuro deixa de ser um campo explora-do para se tornar previsível, o homem vive em função de um desenvolvimento do futuro, é a chegada da Modernidade.

Em 1771, o escritor francês Louis Sébastien Mercier lança o li-vro “L’an 2440” ou “O ano 2440”, que se trata da primeira uto-pia que introduz a noção de evolução, pois se passa no futuro, sendo pioneira também ao inserir a utopia em um lugar exis-tente. O narrador acorda em Paris setecentos anos mais tarde. O globo entrou na era da Paz, a força do homem está agora em sua união, os antigos preconceitos perigosos desapareceram, todos se olham como irmãos “nós acostumamos as crianças a olhar o universo como uma só família”. Esta grande revolução foi a imprensa que fez, esclarecendo o homem, “o mais temí-vel freio do despotismo (...) os menores atentados do rei são eternizados, apenas uma injustiça apontada pode retumbar em todos os cantos do universo e revoltar todas as almas livres e sensíveis”. “Parece que nossa razão cresceu na proporção do espaço imensurável que nossos olhos descobriram e percorre-ram.” [Acerca do telescópio recém-inventado] (Louis Mercier apud MATTELART, 2002) “A população se veste de maneira simples e os poucos veículos que restaram transitam de forma calma e ordenada. A maior parte da cidade foi convertida para o pedestre, existem dirigíveis, balões e o deslocamento se da prioritariamente a pé ou pelos ares. Não existem mais cortiços, não existe poluição, a cidade é limpa e saudável. Há vegeta-ção por toda a cidade, assim como fontes d’água limpa. Os antigos telhados cinza foram substituídos por jardins suspen-sos. As desigualdades sociais permanecem, mas foram ame-nizadas pelo progresso. Cidade poliglota, onde cada língua e ligada a um domínio especifico. As artes e a literatura tem função educativa e social enquanto a ciência e destinada para melhorar as condições de vida do homem.” (CAÚLA, 2008)

“Mercier abre sua obra com uma epígrafe de Leibnitz: “le present est gros de l’avenir” “o presente é pleno de futuro” o que transparece o testemunho da confiança no progresso que anima o séculos das Luzes, de que o futuro é rico de todos os possíveis.” (CAÚLA, 2008) O livro foi proibido de ser pu-blicado, porém foi recorde de vendas clandestinas na França. Os dirigíveis, o telescópio os símbolos da Modernidade.

Acima (outra página) ilustração da Citté del Solle.

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Charles Fourier (1772-1837) foi um pensador francês, vin-do de uma família de comerciantes abastada, que após as reviravoltas políticas que a França passava durante a revolução perdeu sua fortuna e passou a trabalhar como caixeiro-viajante enquanto iniciava a escrita de seus pen-samentos. Fourier não via o caminho que a humanidade tomava como um bem à sua evolução e libertação. Foi tal-vez o mais criativo, mais radical e mais crítico daqueles que, em sua época, procuravam alternativas para a hu-manidade. Durante toda sua vida desconstruiu a realida-de e projetou, detalhadamente, a organização social que considerava o caminho natural do homem, a “Harmonia”.

O complexo pensamento filosófico de Fourier tem início na crítica à realidade. Segundo ele a civilização não era o destino da humanidade e sim uma forma particular de organização de vida em sociedade, uma forma de vida que estava impedindo os seres humanos de se relaciona-rem de modo harmônico uns com os outros e todos com a natureza. As “Luzes” adquiridas se elevam mal e mal, a imperícia dos filósofos culminou na Revolução France-sa, eles regrediram a sociedade civilizada ao estado Bár-baro. O iluminismo não seria o caminho para a felicidade da humanidade. “As torrentes de luz política e moral não pareciam mais que torrentes de ilusões.” “A concorrência individual, o progresso do espírito mercantil, a privação do trabalho, o sucesso das trapaças, a pirataria marítima, a propriedade simples, o caráter feudal do comércio exer-cido por monopólios, o tráfico de escravos, a concentra-ção de indigência nas grandes cidades e o agravamento dos “quatro grandes males” (a peste, a intempérie con-tinuada, efeito dos desflorestamentos, o espírito revolu-cionário dificilmente canalizado, o crescimento da dívida pública e da agiotagem) são alguns indícios do distan-ciamento da razão.” (Fourier apud MATTELART, 2002)

“Os civilizados são persuadidos de que voam na dire-ção da perfeição quando eles vão ao encontro de no-vas infelicidades.” (Fourier apud MATTELART, 2002)Para o autor a grande desprivilegiada em meio a todo o

processo de evolução social na civilização seria a classe bai-xa. “Toda a classe pobre está inteiramente privada de liber-dade política ou social, reduzida a submeter-se a trabalhos assalariados que aprisionam tanto a alma como o corpo. Um subalterno que tivesse opiniões contrárias às do seu chefe seria demitido, perdendo o emprego. Ele não tem, portan-to, liberdade social ativa, não tem direito de opinião, nem mesmo nos limites do senso comum.” (Fourier apud KON-DER, L. Fourier, o socialismo do prazer. Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1998) “A civilização, com sua peculiar mistura de lógica egoísta e irracionalidade, criou condições institucionais que acarretam graves prejuízos à expressão da atração universal. A sociedade precisa ser transformada para que o homem venha a ser feliz, atendendo à demanda de seus sentimentos mais naturais.” (KONDER, 1998) A atra-ção universal, ou atração passional é a base teórica de todo o projeto de Harmonia, e segundo Fourier, seria esta a sua grande descoberta que poderia transformar a humanidade.

“A força que move o universo e garante o equilíbrio e a mag-nífica sincronização nos movimentos de todos os seres é o que Fourier chama de Atração Passional.” (KONDER, 1998) “Tudo no universo está ligado a tudo. Todas as coisas estão postas numa relação de interdependência. O que se passa conosco, seres humanos, tem a ver com o que se passa com a natureza em geral e até mesmo com os astros no céu. As vicissitudes do ser humano afetam o equilíbrio do cosmo.” (KONDER, 1998) Assim como nos cosmos os astros se man-tinham em equilíbrio porque eram atraídos uns pelos outros, a sociedade precisava alcançar seu equilíbrio através de um sistema – a Harmonia – no qual os indivíduos pudessem libe-rar todas as suas paixões, que naturalmente se equilibrariam umas com as outras, e assim alcançar uma felicidade total.

É través desta força ligação que Fourier cria a Teoria da As-sociação Natural e da Atração Apaixonada. A teoria se ba-seia na ideia de que a força que une todos os elementos da Terra e dos cosmos tem a mesma origem, é a Paixão. É como se a mesma força descrita por Newton, a gravidade, fos-se a força que une os seres humanos e cria entre si os laços

que determinam uma sociedade, Fourier a chama, final-mente, de Amor. A expressão desta força é o desejo, e é sob ele que o autor propõe sua utopia. (KONDER, 1998)Para o autor os problemas que afetam a civilização surgem da não libertação das paixões, então ele se empenha em de-senhar um modelo de sociedade em que o princípio seria sua teoria da Atração Apaixonada. “As principais reformas de Fourier se dariam em duas áreas: a reforma doméstica (referente ao prazer) e a política (referente aos deveres)”. (RYKWERT, 2004) As duas áreas seriam distintas princi-palmente pela valorização do autor à paixão, e não a razão, pois a primeira deve ser a “única fundação segura sobre o qual um sistema moral pode ser erigido” (RYKWERT, 2004), enquanto a segunda garantiria a solidez de seu sistema.

Sua utopia foi toda elaborada para que o homem vivesse em harmonia e em liberdade nos meios naturais e cons-truídos em conjunto com os outros homens e com seus desejos, livre de padrões. “Diferentemente de outros au-tores de utopias, Fourier não cria um homem utópico, não modifica o homem. Ele cria uma utopia capaz de acolher o homem com ele e, aceitando e entendendo seus desejos, falhas e virtudes.” (CAÚLA, 2008) Como o ho-mem somente repete as leis da criação do universo, Fou-rier busca na totalidade da natureza, construída a partir da atração, os princípios para a construção de sua utopia.

A organização social da Harmonia se baseia na Teoria da Ordem Societária, em que a atração apaixonada é a lei do funcionamento do coletivo. Os desejos humanos pela ri-queza, entre outros, transformados, aliando o interesse geral ao particular. Através do seriamento das paixões, esta engrenagem implica em homens livres. O seriamen-to se daria da seguinte maneira: cada grupo de pessoas se reuniria espontaneamente a partir de seus interesses (paixões), ou seja, por afinidades. Cada grupo é uma sé-rie. Em cada série existem as convergências que a une, e também as divergências, tal característica, a diversida-de de seus integrantes, é o que dá vitalidade ao grupo. Cada série deveria ter um número ideal de 50 membros,

e várias séries deveriam formar um conjunto de 400 pessoas, este se dividiria de acordo com as necessidades produtivas necessárias à sobrevivência e ao bem-estar. Cada série, final-mente, ficaria responsável por aquilo que mais teria relação com a paixão que os une. As seções de trabalho das séries são curtas e variadas para satisfazer à paixão alternante que reconcilia o trabalho e o lúdico. Fourier classifica e organiza todas as funções necessárias à vitalidade de uma sociedade, desde a gestão do lixo e das cozinhas às artes e à filosofia.

“Doze paixões primitivas mais uma apogeu”. Fourier faz uma classificação sistemática das principais paixões humanas: há as cinco paixões do sentido (tato, olfato, paladar, audição e visão) que relacionam as pessoas com o mundo externo; as quatro paixões afetivas (amizade, ambição, amor, familismo) que se referem às relações entre as pessoas; as três paixões dis-tributivas: a alternante ou “borboleta” (necessidade de varie-dade), a cabalista ou “paixão conspirativa” (que leva o sujeito a se assumir como um ser particular em uma coletividade) e a compósita ou “paixão do entusiasmo” (da entrega do sujeito a uma causa); e por fim o “uniteísmo”, tronco passional da ordem societária, desconhecido na civilização, é o que leva à vontade da união, do todo, ou como diz Konder (KONDER, 1998) “para sobreviver humanamente, cada indivíduo sente a necessidade de orquestrar sua inevitável complexidade aní-mica”. Através da organização e libertação de todas as paixões primitivas seria possível o irrompimento de diversas outras, e os prazeres, derivados destas seriam mais numerosos, di-versos e desde que “não sejam nocivos ou vexatórios para a outra pessoa, serão úteis e proveitosos no estado societário”. A sexualidade e alimentação são as duas paixões gigan-tes derivadas das paixões principais, mas apenas o amor é compatível com o crescimento de todas as paixões, é o agente mais poderoso das aproximações passionais.A unidade de organização em Harmonia é uma comunida-de modelo, a Falange, que agrupa 1620 pessoas em uma su-perfície de seis milhões de braças quadradas (cerca de 2900 ha), e o edifício principal desta falange é o Falanstério. “Pre-ocupado com a definição de um novo caminho prático para

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a transição à nova sociedade, Fourier investe suas ener-gias intelectuais no planejamento de um “falanstério” (palavra composta de “falange” e “monastério”), onde se realizaria a experiência da organização de um núcleo antecipador de novas condições de vida. Essa experiên-cia demonstraria aos contemporâneos as vantagens do novo modelo e, ao se multiplicar, promoveria a verda-deira transformação da sociedade.” (KONDER, 1998)

“As cidades, que eram centrais para sua concepção, foram especificadas com grande detalhe. Ele é o único dos uto-pistas “seculares” que considerava o urbanismo e o pro-jeto cuidadoso dos edifícios como parte integral de suas reformas, uma vez que a futura organização da socieda-de dependia do provimento de um sistema habitacional.” (RYKWERT, 2004) A cidade planejada por Fourier, a Fa-lange, era uma concepção mista de cidade-edifício-campo, lembrando a Citté del Sol de Campanella, planejada em três círculos: o central, no qual ficavam os edifícios públi-cos, propriamente dito o Falanstério; um segundo círcu-lo com unidades habitacionais individuais; e um círculo externo, de subúrbios e fazendas. Esses círculos seriam separados por cinturões verdes e áreas para o convívio.

Sobre a composição arquitetônica do Falanstério, diz (RYKWERT, 2004): “Cada edifício era planejado como um bloco central ladeado por alas salientes, como em Versa-lhes. Deveria ter 360 braças de comprimento, ou seja, 710 metros, cinco andares e pátios internos arborizados. As longas fachadas seriam interrompidas, a intervalos regu-lares, por pórticos de colunas colossais, de mesma altura que o edifício. O andar térreo seria destinado ao trafego de veículos e a oficinas; um mezanino abrigaria crianças e idosos; acima dele ficariam as dependências comunitá-rias e dois andares de habitações. Todos os apartamentos, com dois cômodos, dariam para os fundos e teriam vista para os pátios privados, enquanto a parte da frente do edi-fício, acima do mezanino, constituiria uma rua de circu-lação pública, envidraçada e aquecida, como uma espécie de galeria que se elevaria por todos os andares e que – no

período pleno da harmonia – deveria ter cerca de dez metros de vão. As oficinas mais barulhentas, os estúdios para músicos e atividades para crianças ficariam em uma das alas laterais do edifício. O bloco principal teria uma seção “rica”, vários escritórios e a Bolsa – onde seriam negociadas atividades e paixões, em vez de ações e contratos. Um teatro e uma igre-ja ocupariam pavilhões independentes. Deveria haver uma grande praça na frente do falanstério; os edifícios externos – como estábulos, armazéns, oficinas, galinheiros e demais equi-pamentos – ficariam do outro lado da praça, mas ligados ao edifício principal por ruas subterrâneas. Não se trata de um exemplo excepcional de arquitetura, se considerarmos a ilus-tração que foi publicada, porém a organização é fascinante.”

É mantida a circulação do dinheiro e a propriedade privada, porém Fourier acreditava que na Harmonia estes não teriam a importância que tem na civilização. “De qualquer modo, era necessária uma diversidade de rendas e classes sociais, por que seus membros incluiriam uma grande proporção de ar-tesãos e agricultores e um número muito menor de artistas, cientistas e financistas. Essa tentativa de acomodar todas as possíveis classes e apetites, como observou Walter Benja-min, exigia a precisão de um relógio”. (RYKWERT, 2004)

A regra de ouro da economia da Falange é a redistribuição proporcional dos produtos de todas as séries segundo a regra tripla: capital investido, trabalho realizado e talento ou co-nhecimentos demonstrados, segunda a proporção 4/12, 5/12, 3/12. As falanges aprenderão a trocar entre si a produção ga-rantindo que todas sempre tenham insumos. Todas as funções são nobres, tudo é inter-relacionado “se fracassar quanto ao belo, fracassar-se-á quanto ao bom” (Fourier apud MATTE-LART, 2002). A produção e a economia, entretanto, não eram o objetivo principal do falanstério, uma vez que ele insistia que todas as tarefas deveriam ser agradáveis e voluntárias. “Tratava-se da noção de uma sociedade totalmente organiza-da para o prazer, o que talvez paradoxalmente, fazia com que Fourier fosse muito admirado por Engels”. (RYKWERT, 2004)

Fourier teve seu trabalho classificado como “socia-lismo-utópico” por Carl Marx o principal teórico do “socialismo-científico” alegando principalmente a im-possibilidade de implantar tal projeto sem o meio da re-volução proletária; como “precursor do cooperativismo” por Pierre Joseph Proudhon, o primeiro autointitulado anarquista; e ainda foi dito como “semilouco” pelo filó-sofo e sociólogo Henri Lefebvre, porém é reconhecida por todos eles a sua preocupação com o destino equi-librado e igualitário da humanidade, sua criatividade extrema e o poder de reflexão que sua utopia nos traz.

A obra de Charles Fourier é um grito de um indignado com o mundo em que vivia, e ainda um chamado para a trans-formação deste num lugar melhor. Por seu estilo literário extravagante e por algumas ideias extremamente radicais, principalmente aquela ligada à moralidade à unidade fami-liar tradicional e à sexualidade, foi repetidamente colocado à marginalidade do pensamento filosófico de sua época, e ainda o é para a grande maioria em nosso tempo. Porém Fourier foi lido por grandes transformadores da realidade, por revolucionários, que de uma maneira ou outra levou suas ideias a diante e sobre elas construíram seus pensamen-tos. Fourier, pela complexidade e criatividade de seus tra-balhos, teve-os trazidos ao presente sob a forma de Utopia.Sua crítica à realidade era resultado de suas experiências em diversas cidades francesas, desde a pequena Besançon sua cidade natal, passando por Lyon, considerada marco do industrialismo na França, até Paris onde deslumbrou--se com a potência urbana. Viu nelas uma certa empolga-ção com a racionalidade pregada, com a industrialização em voga, com o poder na mão “do povo”, porém não via nestes meios o fim da liberdade, fraternidade e igualda-de prometidos. Enxergou sim a exploração e as péssimas condições do trabalho, a má qualidade geral dos espaços urbanos, principalmente dedicados às classes pobres, a falsa moral daqueles que mantinham uma imagem poli-da mas se transformavam no seu íntimo. Via as “torren-tes de ilusões” por toda a parte e sonhava com a liberdade geral. Dedicou toda sua vida a teorizar suas aspirações

e a transformar em ciência, em universalizar, suas paixões.O fim de suas teorias e de seus projetos era a harmonia, a liber-dade e felicidade geral. A partir da teoria da Associação Natu-ral e Atração Apaixonada dizia que o homem devia alcançar a harmonia consigo próprio, com os outros em sociedade e com a natureza e todo o universo seguindo os próprios princípios naturais, e o seria através da libertação das paixões, da dedica-ção a elas, em fim, através do prazer. A razão, posterior à pai-xão na história da evolução humana, teria a nobre função de atender aos sentimentos mais naturais, de organizar e planifi-car a sociedade para alcançar a felicidade individual e coletiva.

O meio de atingir a Harmonia proposto por Fourier era um sistema de organização associativa urbano-agrícola-industrial, chamado Falange, cujo objetivo é o equilíbrio das paixões, livre de padrões, em que se aliam os interesses gerais aos particula-res, uma noção de totalidade. O mecanismo de funcionamento, como já explicado, era a divisão das populações da Falange em séries com afinidades comuns que exercem a função produti-va ligada às paixões que ligam o grupo. O símbolo e possibi-lidade de experimentação desta organização era o Falanstério, proposto por Fourier como uma grande casa para abrigar toda a humanidade é um grande exemplo de organização arquite-tônica que materializa os partidos mais sinceros de seu criador.

A ética proposta por Fourier é passível de se reconstruir em nossa realidade, visto que a utopia somente não se materializou por não ter ainda alcançado o momento histórico que propicia condições de sua realização. Se Marx colocou Fourier à mar-gem de sua imaginada transformação social porque via a ne-cessidade de uma revolução proletária, hoje podemos retomar os princípios de sua utopia, e além, os princípios sobre os quais se traçaram a primeira construção utópica da história, de Tho-mas Morus, de maneira pacífica e realmente transformadora.

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Perspectiva de Charles-Francois Daubigny ilustra sua visão de um Falanstério segundo as premissas de Fourier. Podemos notar os edifícios principais, a praça e ao fundo o campo

Ilustrações em perspectiva, em planta e em corte, respec-tivamente, do edifício prin-cipal da Falange imaginada por Fourier, denominado por ele de Falanstério. Percebe-se a grandiosidade do projeto e o detalhado esquema de or-ganização espacial desenvol-vido pelo pensador francês.

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Partidos para uma utopiaNo caminho para a conclusão deste tfg fundo os

Partidos para uma utopia do século 21. São o resumo dos temas discutidos e também a base para a continuação deste

projeto. Todos eles já estão presentes ao longo do texto, utilizo da síntese, por meio de sobreposições não lineares

de imagens-conceitos, como meio de reuni-los e representá-los.

Um novo momento se aproximou com uma veloci-dade incompreendida. Estávamos aqui rotacionando em linhas inalteradas enquanto tudo explode e se re-constrói. Éramos nada, senão seres, e, agora, sermos.Um mundo em equilíbrio, princípio meio e fim de uma mutação desejada. Antes imaginamos, ontem construímos hoje somos.Somos humanos. Somos vivos e agora enxergamos. Presos no ontem de amanhã, naquele pequeno espaço enorme de escapes, não enxergávamos além, não éra-mos aquém. Passamos pro lado de lá, para aqui chegar.

Nós somos construídos por três esferas que nos dirigem de ma-neiras distintas, são a Razão, o Sentimento e o Sonho. A razão nos possibilita ver claro, ordenar e disciplinar, é a voz que nos fala à cabeça. O sentimento é a voz do corpo, nos situa no mundo, age incontrolável na emoção, nos assume como seres. O sonho vai além, mistura razão e desrazão, é a extrapolação do sentimento para outras realidades, é a compensação, a libertação dos desejos.Equilibrando razão, sonho e sentimento, libertamos a fruição daquilo que nos movimenta enquanto humanos, a paixão. Po-demos ser livres apaixonados. As paixões variam, o tempo e a vivência são os meios de transfor-mação, e me permito a passagem dos desejos. Assim, cada qual a sua maneira, são os meus companheiros que comigo trocam suas paixões e juntos nos construímos. Estamos em harmonia.[sermos] Enquanto conjunto de seres apaixonados amamos não somente aquilo que nos reflete, mas amamos também as paixões do outro, entendendo que todos somos iguais aman-tes e as paixões se recombinam através do tempo. O tempo trouxe este amor incondicional, amor de irmãos, hoje ama-mos em conjunto, somos apaixonados, em fim, pela vida.

[ser]EU desejoTU desejo

ELE desejoELA desejo

VOZ necessitoNÓS unidos.Estamos em tempos de libertação

da paixão, eu e você somos agora livres para vivê-la. [sermos equilíbrios] Nova Ética ou partidos para um novo projeto

A princípio o valor do sonho, o desejo mais puro do ser.Sobrevivência: o lado animal, comer, beber, reproduzir, dormir; consciência sobre o viver: uma dádiva/

uma responsabilidade.O todo, tudo o que existe está ligado pela mesma energia, feito pela mesma matéria. Ações e efeitos

que representam todos nesse ciclo (amor).A natureza, a humanidade é cooperativa entre indivíduos, unir objetivos particulares e trabalhar pelo

coletivo.Tolerância com as diferenças, elas são nossa maior riqueza.

Motivação pelas paixões. Paixões de conquista e superação equilibradas com os outros partidos.Prazer como motivo, a vida pelas alegrias.

Valorização do corpo, do carinho, do sentir.Exercício da criatividade, declínio da padronização/reprodução.

Simplicidade nas verdades, fim dos simulacros.Convivência, proximidade, compartilhamento como meios. Espírito de unidade humana, valorizar e

cuidar do outro.Equilíbrio.

Acesso comum à dignidade.Utilização consciente das tecnologias, grande feito do homem.

Liberdade de ser, expor, sentir. Mais arte.Educação geral, sabedoria repassada através de tudo.

[ser] NOVA ÉTICA [ser]humano [ser] indivíduo [ser] conjuntoValorização do homem – AMOR valorização da vida – BELEZARespeito e Cuidado com o Outro [HARMONIA]Amar = cuidar

do século 21

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Cidade sustentável: empregos (inclusão), pegada ecológica, qualidade de vida – gera direcionamento para políticas públicas.Livre associação, cooperação.

“Em outras palavras, o urbanismo deve fazer a cidade evoluir, ou progredir, sem acarretar a perda dos valores humanos. Isto significa dar condições à sociedade urbana para reconhecer e cultivar esses valores, mesmo diante das lutas pela existên-

cia, em busca dos objetivos de cada indivíduo.“Cidade = sistema = ambiente ecológico (ou ecossistema) = associação humana

“Quem sabe projetar um parque”, escreveu o Abade Laugier, um dos mais populares e influentes teóricos da arquitetura do século XVIII, “não terá dificuldade para estabelecer o plano segundo o qual uma cidade deve ser construída, no que se refere à sua extensão e localização... Ela vai precisar de regularidade e fantasia, de associações e oposições, de incidentes ao acaso que introduzam variedade, de uma grande regulari-dade no detalhe, e de confusão, contraste e fermento no todo.”

Natureza: abrir as avenidas, rios! Replanejar a ocupa-ção em função da água. Carro: uso coletivo, carona. Transporte público: eficiência! Dividir deveres entre todos, gerar responsabilidade! Ocupar a cidade! Imó-veis antigos abandonados, casa, áreas públicas, festa!A cidade deve: diversidade, comunidade, encontro, convivência, toque, colaboração, natureza, criativida-de, surpresa, sinceridade.Um carnaval de vibração, profusão de cores, alegrias incontidas, fluidas se transformam e contaminam. O ser é.

“Planejamento Cidade Holística: cidade com pessoas, os espaços públicos devem ser para as pessoas, os en-contros “as pessoas se assistindo” para aprender, para segurança. Para uma cidade ser humana é necessária boa acessibilidade, as pessoas devem mover-se e pref-erencialmente a pé, ou de bike. Nestas cidades convidamos as pessoas a caminharem e pedalarem, durante o dia-a-dia. Cidade = espaço de aprendizagem. Retirar a cidade da mercadorização, parar de privatizar os espaços. Cidade segura = cidade utili-zada 24 horas”

“Os termos que desejo considerar são: quais estratégias estão abertas para os cidadãos que gostariam de moldar seu habitat mais em conformidade com suas aspirações. “Queremos uma cidade que expresse os desejos da população que a compõem.” Mesa de Abertura Conferência Cidade Sustentável – Expressão do Século XXI, 18/06/2012, Cúpula dos Povos, IAB RJ

[cidade desafio] 2050 – 70% população mundial nas cidades“Os habitantes se olham mais como rendeiros do que como pro-prietários do solo, aplicam aqui o principio da posse comum. Os habitantes das cidades tratam de seus jardins com desvelo, há uma arte comum a todos os utopianos, é a agricultura.Não se deve crer que os utopianos se atrelem ao trabalho como bestas de carga desde a madrugada até a noite. Esta vida, em-brutecedora para o espírito e para o corpo seria pior que a tortura e a escravidão. Todas as manhãs, antes do sol se levantar, os cur-sos públicos são abertos. (...) todo mundo tem direito a assisti-los. O povo acorre em massa; e cada qual se apega ao ramo de ensino que tem mais relação com sua indústria e seus gostos.O fim das instituições sociais na Utopia é de prever antes de tudo às necessidades do consumo publico e individual; e deixar a cada um o maior tempo para libertar-se da servidão do corpo, cultivar livremente o espírito, desenvolvendo suas faculdades intelec-tuais pelo estudo das ciências e das letras. É nesse desenvolvi-mento completo que põem a verdadeira felicidade.E por que a natureza não induziria a cada um de nós a se fazer, a si mesmo, o mesmo bem que aos outros? Por que iríamos ter menos com-paixão de nós do que dos outros? A natureza que inspira em nós a caridade por nossos irmãos, não ordena que sejamos cruéis com nós mesmos”.

“Assim como nos cosmos os astros se mantinham em equilíbrio porque eram atraídos uns pelos outros, a sociedade precisava al-cançar seu equilíbrio através de um sistema – a Harmonia – no qual os indivíduos pudessem liberar todas as suas paixões, que naturalmente se equilibrariam umas com as outras, e assim al-cançar a felicidade. A nova organização social da Harmonia se baseia na Teoria da Ordem Societária, em que a atração apaixon-ada é a lei do funcionamento coletivo. Os desejos humanos pela riqueza, entre outros, transformados, aliando o interesse geral ao particular. Através do seriamento das paixões, esta engrenagem implica em homens livres“. “O globo entrou na era da Paz, a força do homem está agora em sua união, os antigos preconceitos perigosos desapareceram, todos se olham como irmãos “nós acostumamos as crianças a olhar o universo como uma só família”. Esta grande revolução foi a imprensa que fez, esclarecendo o homem”.

Aqui estão mensagens de Holambra. Aqui é algo espe-cial, é o nosso conforto carinhoso de família, a prova de que união e cooperação faz a diferença! Ideias de

parques dissolvidos na área de uma cidade. Uma cidade verde e saudável. A natureza por perto nos trás o ar da

humanidade, a lembrança do ser animal e social.Tem futuro!

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Iniciamos as discussões deste trabalho a partir do Despertar sobre a realidade das cidades contemporâ-neas, principalmente aquelas que passam nos últimos anos, e continuarão nas próximas décadas, por um processo de explosão demográfica e espacial em que suas estruturas, seus limites e suas culturas são ra-pidamente (des)(re)montadas de acordo com a ética-econômica-politica-social-religiosa construída pelo sistema totalizante da globalização capitalista. Estas arquiteturas/cidades são espelhos deste sistema e refletem sua filosofia mais pura: desejo pelo lucro, expropriação, consumismo, ganância, competiti-vidade, egoísmo, exclusão, alienação, progressismo, espetáculo. O capitalismo aliado ao racionalismo de origem iluminista construiu em cada um de nós uma visão de mundo singularista, em que olhamos para, e nos preocupamos somente, com nossa própria realidade, nossa própria ganância por lucro e acumulação, esquecendo-nos que fazemos parte de uma totalidade, de uma natureza. Este todo nos é repetidamente fracionado, seja pela própria estrutura do conhecimento e do trabalho. E quem mais sofre neste progressismo sem limites é justamente a noção de totalidade, atacamos a natureza, a sobrevivência de ecossistemas inteiros e de maneira mais próxima, a miséria que pelo menos um terço de nossa pró-pria espécie é condenada pelo desequilíbrio causado pelo capitalismo. E isso não aparece como parte do espetáculo de desenvolvimento tecnológico e econômico que ilustra a imaginação da (des)humanidade desde o século dezoito.

Através de um processo de fuga, que passou por uma profunda interpretação do conjunto realidade/de-sejo/imaginação, e que se tornou ainda um método de superação, utilizei ao mesmo tempo como forma e conteúdo deste trabalho a Utopia. O êxtase que me ligou a esses não/bons lugares foi principalmente a possibilidade de imaginação que eles permitem. Quando não há limites físicos para materializar um desejo, em outras palavras, para projetar, é permitida a liberação das crenças, dos conceitos, de toda a bagagem racional, sentimental e ainda irracional e primitiva, a libertação das paixões. Através do projeto utópico é possível autoanalisar-se intensamente enquanto ente singular e universal e discursar livremen-te sobre a as próprias convicções de intervenção na realidade. A utopia simboliza a liberdade, o sonho.

Procurei entender como se dá a Construção de uma utopia desde a origem do termo. Através da lei-tura de autores utópicos, ou assim considerados, e de um levantamento do percurso das utopias na história ocidental busquei encontrar os motivos de ser da utopia, as bases sobre as quais são levan-tadas e recriar através da imaginação um gostoso panorama de como seriam estas outras realidades. Encontrei neles algo que me vinha como uma superstição e que lentamente deu sentido à minha bus-ca, o tema da paixão que me veio como uma intuição, como parte presente em mim que me determi-na e que gritava por ser valorizada, ser entendida e transformada em princípio, em partido, ser mes-clada com sua irmã, a razão, e através dela ser libertada. – isso é metassentimento, metapensamento.Destaquei no corpo do texto os dois autores que me proporcionaram este grande prazer, o inglês Thomas Morus, criador do termo utopia, e o pensador francês Charles Fourier. Os dois autores construíram seus

Considerações Finaisprojetos/sonhos de bons/não lugares sobre uma base ética que busca a paz, o equilíbrio da humanidade,e tal objetivo seria alcançado através da relação livre entre o homem e sua interioridade, sua razão e suas paixões. Segundo tais autores a humanidade só poderia ser em totalidade se liberasse seus desejos, através do estimulo às paixões por uma racionalidade direcionada ao prazer. Esta ética seria a mais próxima da natureza, pois trata-se da liberdade dos instintos e tem como fim a convivência entre todos. Porém o culto ao prazer somente traria o equilíbrio se o homem tivesse a consciência do todo, se sua busca pelo prazer através da realização de seus desejos não fosse de encontro aos desejos e ao prazer do outro, ou seja, seria a busca do equilíbrio entre as paixões de toda a espécie humana, e até além, de toda a natureza e o universo.

Mas o que seria, enfim, a paixão? A paixão é o impulso, a natureza primitiva, o inconsciente, é a nossa inclinação natural, aqui-lo que através do desejo se manifesta, é a marca do nosso desequilibrar, do desequilíbrio. A pai-xão é dita como algo demarcado pelo tempo, porém quando cria raízes profundas se chama amor, e este presente volta a estimular o afloramento de mais paixão. A paixão é a origem do movimen-to, nos aproxima, nos torna únicos enquanto indivíduos e nos torna todo enquanto sociedade.

A paixão se liga à razão e quando isso se torna dedicação ao desejo, temos o prazer, a satisfação. Nos faz animais, divinos e homens ao alimentar de felicidade a nossa existência.

Hoje há a inversão deste movimento, graças à indefinição ética: enquanto a razão é colocada no sentido de acumulação financeira, a paixão é reprimida e explorada pela ética racional capitalista que a inverte em consumismos, em fetiches. Insisto na metáfora do espelho: aquilo que temos do outro lado não somos nós, é uma imagem daquilo que imaginamos sermos, aquelas paixões invertidas de sentido e a nossa razão distan-ciada. Não sentimos através do espelho, não pensamos através do espelho. O espelho é uma sedução, uma utopia do dia-a-dia, um não lugar irreal, que convence sermos somente imagens, vazias de sentimentos.

Este é o momento de inflexão entre o desejo de construir e a manutenção daquilo que já realizamos e do natural, chegamos ao Antropoceno e ao apocalíptico/entusiástico ano de 2012, que explicitam o embate entre a razão e as paixões do ser humano contra a ética capitalista do dinheiro. Precisamos libertar nossas paixões, permitir que façamos da nossa própria vida parte de uma construção coletiva, que ame a totalidade da natureza e da humanidade. Precisamos ser apaixonados para sermos sociedades mais harmônicas e efim construir cidades e novas realidades mais humanas, mais equilibradas, que valorize e ame o todo enquanto a existência de todos os seres. Esse é meu desejo! Quando o outro irrompe a minha frente me desfaço em mim e sou. Eu e o Outro e somos. Cosomos cromossomos mesmo composto mesmo calor. Pois, não? Adiante!

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BibliografiaARANTES, SILVA, MARTINS org. Método histórico-social na psicologia social. Petrópolis, Ed. Vozes, 2005BOFF, L. Ética e Moral a busca dos fundamentos. Petrópolis, Ed. Vozes, 2009CAÚLA, A. Trilogia das utopias urbanas, Tese doutorado (Curso de Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, 2008FERRAZ, H. Cidade e Vida. São Paulo, Editora João Scortecci, 1996FOURIER, Charles. O novo mundo industrial e societário. Porto, Textos Marginais, 1973 (Original de 1829)KONDER, L. Fourier, o socialismo do prazer. Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1998LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da FilosofiaLEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. São Paulo, Ed Documentos, 1969MATTELART, A. História da Utopia Planetária, da cidade profética à sociedade global. Porto Alegre, Ed Sulina, 2002MOURA, J. F Dicionário de FilosofiaMORUS, T. A utopia, Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1968 (Original de 1517)BUCK-MORSS, Susan. Dialética do Olhar. Belo Horizonte: UFMG, 2002FOUCAULT, M De outros espaços, Conferência Cercle d’Études Architecturales, 1967RYKWERT, J. A Sedução Do Lugar. São Paulo, Martins Fontes, 2004SCHWARZ, R. As ideias fora do lugar [Artigo] 1973Revista Contravento nº 3, Núcleo do grêmio estudantil FAUUSP, 2005Panfleto Um projeto para a Humanidade e o Planeta, Movimento Sair do Capitalismo, Rio de Janeiro, 2012

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Bauru 2008/2012