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 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.14, n.2, p. 427-453, jul./dez. 2011 427 A dimensão político-pedagógica da “comunicação sem equívocos” frente aos desafios da escola para todos: novos lugares interpretativos para a prática docente Leda Verdiani Tfouni 1 2  Diana Junkes Martha Toneto 3  Alessandra Adorni 1  1 Universidade de São Paulo, 2 CNPq 3 Universidade Estadual Paulista/São José do Rio Preto  Resumo: O objetivo do presente artigo é tecer algumas considerações sobre a produção textual de um aluno do Ciclo II do Ensino Fundamental. Pretende-se mostrar como o texto do aluno pode ser lido por um viés que deixa de observar característ icas textuais importantes, desconsiderando o seu nível de letramento e, portanto, desconsiderando a inserção dessa escrita em um contexto sócio-histórico. Tal viés, ao mesmo tempo em que é definido pela ideologia, é determinado por um equívoco interpretativo embasado pelo discurso pedagógico escolar que privilegia a língua culta, o que impede o leitor d e identificar, no texto em questão,  proce dimentos lingu ístic o-te xtuai s int eres sant es e ricos , indic ativos do letr ame nto do aluno e de seu potencial de autoria. Essa leitura denega, em grande parte, os esforços que têm sido  feito s para reve rter a exclu são dos aluno s da esco la públi ca, enfr aque cendo o discurso idealista que defende a existência de uma escola para todos.  Palavras-chave: Letramento; escrita no Ensino Fundamental; Análise do Discurso. INTRODUÇÃO Ao lado da injusta distribuição de renda, o problema da baixa qualidade da educação, bem como da capacitação através da instituição escolar, são fatores que mais contribuem para o enorme desnível social que existe nos países subdesenvolvidos, como é o caso dos países africanos em geral, e nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil e de outros países da América Latina. Diariamente somos assolados por informações sobre a má qualidade do ensino básico brasileiro. Das avaliações do governo ao posicionamento dos mestres e famílias, o que se nota é uma tendência crítica sobre o nível de competência dos nossos estudantes, sobretudo em língua portuguesa e, sobretudo, entre os alunos das classes sociais mais pobres, ou seja, o problema é geral, mas acentua-se nas escolas públicas. É claro que esforços

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    A dimenso poltico-pedaggica da comunicao sem equvocos frente aos desafios da escola para todos: novos lugares interpretativos para a prtica docente

    Leda Verdiani Tfouni1 2 Diana Junkes Martha Toneto3

    Alessandra Adorni1 1Universidade de So Paulo, 2CNPq

    3Universidade Estadual Paulista/So Jos do Rio Preto

    Resumo: O objetivo do presente artigo tecer algumas consideraes sobre a produo textual de um aluno do Ciclo II do Ensino Fundamental. Pretende-se mostrar como o texto do aluno pode ser lido por um vis que deixa de observar caractersticas textuais importantes, desconsiderando o seu nvel de letramento e, portanto, desconsiderando a insero dessa escrita em um contexto scio-histrico. Tal vis, ao mesmo tempo em que definido pela ideologia, determinado por um equvoco interpretativo embasado pelo discurso pedaggico escolar que privilegia a lngua culta, o que impede o leitor de identificar, no texto em questo, procedimentos lingustico-textuais interessantes e ricos, indicativos do letramento do aluno e de seu potencial de autoria. Essa leitura denega, em grande parte, os esforos que tm sido feitos para reverter a excluso dos alunos da escola pblica, enfraquecendo o discurso idealista que defende a existncia de uma escola para todos. Palavras-chave: Letramento; escrita no Ensino Fundamental; Anlise do Discurso.

    INTRODUO

    Ao lado da injusta distribuio de renda, o problema da

    baixa qualidade da educao, bem como da capacitao atravs da instituio escolar, so fatores que mais contribuem para o enorme desnvel social que existe nos pases subdesenvolvidos, como o caso dos pases africanos em geral, e nos pases em desenvolvimento, como o caso do Brasil e de outros pases da Amrica Latina. Diariamente somos assolados por informaes sobre a m qualidade do ensino bsico brasileiro. Das avaliaes do governo ao posicionamento dos mestres e famlias, o que se nota uma tendncia crtica sobre o nvel de competncia dos nossos estudantes, sobretudo em lngua portuguesa e, sobretudo, entre os alunos das classes sociais mais pobres, ou seja, o problema geral, mas acentua-se nas escolas pblicas. claro que esforos

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    tm sido feitos para reverter essa realidade, tal como mostram trabalhos publicados nos ltimos anos (Barbosa Filho; Afonso; Pessoa, 2009; Barreto, [s.d.]; Gremaud; Fernandes; Ulyssea, 2006). Porm, como o problema ainda persiste, como indicam os dados do ENEM recentemente divulgados1, segundo os quais as escolas particulares ainda lideram as primeiras posies no ranking do desempenho, caberia perguntar quais so as razes desse estado de coisas. Neste artigo, focalizamos o discurso pedaggico escolar na tentativa de compreender se e como ele se presta ao servio de mantenedor dessa ordem social desigual.

    Utilizando o referencial das teorias do letramento (Tfouni, 1988, 1992, 1994, 1995, 2001, 2005, 2008a, 2008b, 2010) e da Anlise do Discurso francesa, de tradio pcheutiana (AD) (Pcheux, 1983, 1988, 2006; Pcheux; Gadet, 1984; Pcheux; Fuchs, 1990), pretendemos tratar, neste trabalho, de como a escola - e consequentemente a educao e as prticas discursivas que circulam nesse espao institucional - instalam um domnio de memria por onde circulam formaes discursivas que se prestam a definir no s o que verdadeiro, como tambm a determinar as formas lingustico-discursivas que iro veicular essas verdades2.

    Essa aparente boa inteno, que parece visar normatizao com o intuito de igualar a todos com relao aos diferentes usos da lngua, fundamenta-se no postulado de uma comunicao sem erros, sem equvocos, baseada num ideal de clareza e bem-dizer, e tambm numa formao ideolgica segundo a qual o discurso da cincia, alm de ser neutro e objetivo, representa a verdade. Como decorrncia desse estado de coisas, a escola coloca um ideal de lngua correta, que, aliado questo da metalinguagem, define em certa medida o funcionamento dessa instituio: o que ensinar; o que

    aprender; como deve ser o bom aluno e o mau aluno;

    quais contedos so relevantes etc.

    1 A respeito das notas do ENEM 2010, cf.: noticias.terra.com.br/.../enem/.../

    0,OI5343923-EI8398,00-Inep+libera+consulta+ao+Enem+confira+a+nota+da+ sua+escola.html. Acesso em: 20 set. 2011.

    2 Estamos, a partir de agora, considerando fundamentalmente os discursos que circulam na rede pblica de ensino.

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    Para consolidar ideologicamente tal posio, formaram-se dois domnios de memria, ou conjuntos de prticas discursivas heterogneas, instalando lugares onde o discurso pedaggico vai firmar-se e exercer sua eficcia. Trata-se do realismo concreto e do racionalismo idealista (Pcheux, 1988), que comentaremos a seguir.

    No racionalismo concreto, segundo Pcheux (1988, p. 27), est presente [...] a Lgica, sob a forma de elementos simples,

    indestrutveis, que constituem a essncia dos objetos sem qualquer adjuno estranha. Pcheux cita a redao-narrao como a materializao pedaggica dessa dimenso.

    No racionalismo positivista, afirma Pcheux, [...] o

    realismo transfigurado, porque o pensamento se junta realidade e, para resumir, recria-a na fico (1988, p. 28). Desse modo, desaparecem as fronteiras entre realidade e fico. O autor cita a dissertao-explicao do texto como a corporificao desse discurso na escola. O importante a assinalar aqui que as duas tendncias, ou domnios de pensamento, assentam-se em um discurso terico que apregoa que existe comunicao total e completa do pensamento, o que equivale a afirmar que possvel dizer tudo de maneira clara, de tal forma que todos entenderiam da mesma maneira a mensagem, ou o contedo veiculado por ela. Ou seja: que possvel uma comunicao sem equvocos, e ainda que esta se concretizaria primordialmente na escola por meio do discurso pedaggico, cuja base material seria a lngua,

    sistema sem erros e sem falhas. Tanto a AD quanto a teoria do Letramento no so

    cincias positivistas; pelo contrrio, em ambas os dados so entendidos como elementos indicirios de um modo de funcionamento discursivo; esse paradigma no empirista teve como gnese o texto clssico de Ginzburg (1989). Para a AD, o dado um indcio que se coloca para interpretao, que se interpe entre o real e o observador, obrigando-o a desnaturalizar o fato pretensamente objetivo. As marcas lingusticas que se sobressaem e configuram as pistas para anlise conduzem o analista ao processo discursivo, permitindo-lhe, assim, explicar o funcionamento do discurso (Orlandi, 1998). o processo discursivo que d ao analista os elementos de que ele necessita para compreender os processos de produo de

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    sentido e as posies do sujeito. Do mesmo modo, a teoria sobre o Letramento proposta por Tfouni (1988, 1992, 1994, 1995, 2001, 2005, 2008a, 2008b, 2010) utiliza o referencial terico da AD e, portanto, tambm trabalha com as pistas como dados.

    O discurso pedaggico escolar, DPE, apresenta marcas que o caracterizam como discurso autoritrio. Deve-se lembrar, no entanto, que, para Orlandi (1997), no existe um tipo puro de discurso, e o que temos observado, atualmente, que em muitas ocasies os discursos do tipo ldico e polmico frequentemente se sobrepem ou convivem com o autoritrio na prtica escolar. Neste artigo, em funo das manobras interpretativas demandadas do leitor, para que o funcionamento discursivo do corpus seja compreendido, preciso que essa posio de sujeito do discurso autoritrio seja contornada. Por esse motivo, nos deteremos a comentar este tipo de discurso, que se caracteriza pela alocao de lugares nos quais o professor-sujeito se identifica imaginariamente com o detentor de saber, o lder. Existe a um processo de significao muito ampla, um jogo imaginrio e complexo em que as formaes discursivas e ideolgicas dos alunos so apagadas e somente emerge o produto que pode

    aparecer em relao sociedade; ou seja, um poder instaurado. Isso est fundamentado na formao do sujeito, pela ideologia, porque segundo Pcheux (1983, p. 65) no h discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia. O discurso escolar, quando autoritrio, mostra nitidamente como circulam as marcas de formaes discursivas (Orlandi,1997) pela prpria instituio escola.

    O discurso se mostra aqui (Pcheux, 1988) como efeito de sentidos entre interlocutores. Quando algo dito, o sujeito diz de algum lugar da sociedade para outro lugar da sociedade. Pcheux coloca ainda que esses mecanismos de formao social estabelecem mtodos de projeo entre o real e suas representaes no discurso. o lugar constitutivo da significao discursiva. Alm disso, segundo Orlandi (1998), essa interpelao ideolgica faz com que a linguagem seja articulada entre a parfrase e a polissemia, dois conceitos importantes no presente trabalho. De um lado h o j-dito, a parfrase, e de outro, uma ruptura, um rompimento, o que possibilita a emergncia do novo, de outras formas de dizer o j-dito, e a

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    instaurao de uma multiplicidade de sentidos. Essa manifestao conflitante, quando a linguagem se desloca, que gera a tenso entre o texto e o contexto histrico-social. A parfrase a retomada de dizeres anteriores, que fazem parte de um arquivo, ou conjunto de documentos sobre determinado assunto, armazenado na memria social. a existncia desse arquivo que serve de sustentao para o sentido, visto que este no brota do falante no momento em que produz linguagem: existe uma histria de constituio dos sentidos, e esta retomada a cada atualizao, o que gera um deslocamento daquele sentido j-l e produz um novo, que nunca totalmente novo, visto que se firma no arquivo.

    Pcheux e Fuchs (1990) afirmam que o sentido, assim como o sujeito, no so dados a priori, isto , no so toujours donn (na expresso do autor), mas so constitudos no discurso. Sentido e sujeito se constituem num processo simultneo, por meio da figura da interpelao ideolgica. Segundo o autor:

    [...] o sentido de uma palavra, expresso, proposio no existe em si mesmo (isto , em sua relao transparente com a literalidade do significante), mas determinado pelas formaes ideolgicas, colocadas em jogo no processo scio-histrico em que as palavras, expresses, proposies so produzidas (isto , reproduzidas) . [...] As palavras, as proposies, mudam de sentido segundo posies sustentadas por aqueles que as empregam, o que significa que elas tomam seu sentido em referncia a estas posies, isto , em referncia s formaes ideolgicas nas quais essas posies se inscrevem [...] (Pcheux; Fuchs, 1990, p. 160).

    Lembremos que a linguagem representa o lugar ocupado pelo sujeito do discurso numa determinada sociedade. Por isso mesmo que, para Pcheux e Fuchs (1990), o sujeito no fala a partir de si mesmo, mas sim de um lugar marcado social e ideologicamente, determinado e determinador da histria desse sujeito. As marcas que o sujeito deixa em seu discurso carregam o social, o histrico e o ideolgico da posio que esse sujeito ocupa no mundo: Na perspectiva discursiva, o individual e o social no se separam (Guimares, 1989, p. 150).

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    A AD surgiu com a preocupao de fazer uma anlise textual que visasse menos interpretao do que compreenso do processo discursivo. Em suma: a AD procura compreender como um objeto simblico produz sentidos, no a partir de um gesto automtico de decodificao, [...] mas como um

    procedimento que desvenda a historicidade contida na linguagem, em seus mecanismos imaginrios (Orlandi, 1987). Dessa forma, o fragmentrio, o disperso, o incompleto e a opacidade tambm so de domnio da reflexo discursiva. Em consequncia disso, estudar a linguagem a partir da perspectiva discursiva significa envolv-la nessa complexidade, e buscar compreender o seu funcionamento. Foi por levar em considerao a complexidade e movncia constante das produes cotidianas de linguagem, tanto orais, quanto escritas, que Tfouni (1988, 1992, 1994, 1995, 2001, 2005, 2008a, 2008b, 2010) props a teoria do letramento. Os estudos do letramento preocupam-se com usos e funes sociais da leitura e da escrita. Em decorrncia da entrada deste conceito, o enfoque da pesquisa em lngua materna deixa de preocupar-se apenas com as questes sobre ensino-aprendizagem no contexto escolar, e vai, para alm dos muros da escola, para a sociedade, onde as pessoas precisam saber usar os conhecimentos adquiridos na instituio escolar em seus relacionamentos pessoais. Para Tfouni (1995), o conceito de letramento remete a uma dimenso complexa e plural das prticas sociais de uso da escrita, seja de um determinado grupo social ou de um campo especfico de conhecimento (ou prtica profissional). Para a mesma autora, o letramento um fenmeno de cunho social que se ocupa das caractersticas scio-histricas ligadas aquisio generalizada de um sistema de escrita por uma sociedade. Tfouni prope que no existem iletrados em uma sociedade letrada, visto que todos que nela vivem, alfabetizados ou no, possuem certo grau de conhecimento sobre a escrita e de domnio das prticas letradas. Para dar conta dessa heterogeneidade, a autora prope um eixo de continuum3 que se constituiria por posies de sujeitos mais ou menos

    3 Esta proposta foi desenvolvida por Leda Tfouni durante estgio de ps-

    doutorado com Carlo Ginzburg na Universidade de Bolonha em 1991.

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    letrados, configurando graus de letramento (Tfouni, 1994, p. 65), que devem ser entendidos em termos de maior ou menor participao nas prticas letradas disponveis. Argumenta Tfouni que tal proposta permite levar em considerao as desigualdades sociais e tambm a distribuio desigual de conhecimento, alm de dispensar variveis tais como: alfabetizao, escolarizao e escolaridade. Cabe observar que a considerao de graus ou nveis de letramento, por filiar-se AD, no leva em considerao habilidades individuais e tampouco aplicao de testes tpicos de uma abordagem experimentalista. Sendo assim, o grau de letramento colocado por Tfouni no depende de medidas sociomtricas, mas sim da avaliao dos discursos de acordo com sua maior ou menor insero no dilogo letrado da sociedade. Tal proposio importante para nossa argumentao, porque podemos passar a considerar todos os alunos como tendo certo grau de letramento, bem como um arquivo constitudo tanto por textos orais quanto escritos, visto que a influncia da escrita, na sociedade moderna, se faz muitas vezes de maneira indireta, isto , sem que o sujeito entre em contato direto com o texto escrito. Isto se deve ao poder da mdia em suas vrias modalidades. Acreditamos que os postulados tericos de Tfouni acerca do letramento e da alfabetizao, de maneira geral, trazem relevantes contribuies para a educao, para o educador e para as abordagens metodolgicas de ensino, pois, se considerarmos que o educando vive em uma sociedade permeada por um sistema de escrita cujo uso amplo e generalizado, e, portanto, sofre a influncia (mesmo que indireta) do cdigo escrito, certamente, no o representaramos como um aluno que chega escola, desprovido de qualquer conhecimento acerca da linguagem escrita, sem histria(s) de letramento(s) alguma(s), sem histria(s) de leitura(s), enfim. Lembremos tambm que, antes de iniciar o processo formal de escolarizao, o aluno pode ter convivido com outros tipos de linguagem que no a escrita, como linguagem musical, gestual, etc. Destaquemos, entretanto, que essas outras formas de linguagem so s vezes recusadas e/ou ignoradas pela escola, apesar das mudanas em curso que as prticas pedaggicas

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    apresentam. preciso demarcar com nfase que, mesmo que o aluno no se torne alfabetizado, certamente no pode ser representado, visto e tratado como um sujeito iletrado, sem conhecimento de espcie alguma, de onde resulta uma ideologia segundo a qual sua competncia cognitiva e social deva ser recuperada, tal qual um doente encaminhado para um centro

    de terapia intensiva a fim de recuperar-se de doena ou leso. A concepo de letramento proposta por Tfouni (1995) caracteriza-se justamente por no reduzi-lo aquisio de um saber metalingustico. Pelo contrrio, a autora coloca que viver em uma sociedade letrada condio fundamental para que o sujeito seja considerado letrado, seja ele alfabetizado ou no. Dentro desse contexto, cumpre ressaltar que a autora considera fundamental que mostremos aos alunos para que fins a escrita serve, bem como a utilidade social e prtica da leitura, pois, de acordo com ela, a escrita [...] somente faz sentido dentro de

    prticas discursivas que permitam ao aprendiz olhar a escrita como um mediador entre ele, o mundo e o outro (Tfouni, 1996, p. 2). Do ponto de vista da autora:

    [...] tornar o aluno letrado significa introduzi-lo nessas prticas (discursivas e sociais) que lhe possibilitem movimentar-se entre formaes discursivas que podem ser concretizadas em portadores de texto cujo uso e funo tm alguma relao com as necessidades cotidianas de comunicao (Tfouni, 1996, p. 6).

    Vale dizer, por fim, que, caso esses fatores no sejam observados pelos professores, o resultado pode ser que:

    [...] o aluno pode at ser alfabetizado, mas com certeza no atingir graus mais altos de letramento do que aqueles que possua anteriormente, visto que a adoo de objetivos distorcidos, sem relao com a natureza intrnseca do ato de ler e escrever, coloca para o sujeito do discurso apenas um lugar disponvel, e este o da reproduo daqueles textos que a escola considera importantes para atingir seus objetivos estritos (Tfouni, 1996, p. 6).

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    Sem dvida, trata-se de uma prtica equivocada colocar-se alguns alunos, provavelmente menos letrados, em classes especiais para recuperao. Pergunta-se: seriam menos letrados com relao a quais prticas discursivas? A observao

    do cotidiano escolar indica que so a metalinguagem e a habilidade para escrever sem erros gramaticais que tm

    norteado a avaliao que preside a classificao dos alunos em especiais ou no. Como foi dito, o conhecimento prvio do

    aluno, aquelas prticas letradas nas quais est engajado em seu cotidiano, na interao com seus pares e companheiros do mesmo grupo social, nem sempre so considerados nesse processo. Em geral, espera-se do aluno, dentro do discurso pedaggico tradicional, que autoritrio por natureza (Orlandi, 1997), que ele seja capaz de aplicar todas as regras gramaticais,

    por exemplo, quando muitas vezes, nem o prprio educador capaz de faz-lo. Exigncias como essa, que colocam ao educando a obrigao de j possuir um saber que caberia escola ensinar-lhe, que tornam a prtica pedaggica autoritria, e, em funo disso, estabelecem uma relao de dominao e censura exacerbada sobre a norma lingustica usada pelo aluno (que muitas vezes no a norma culta ensinada pela escola e pelos manuais didticos), e de exagerado controle do contedo por parte do professor. Tudo isso ocorre porque o professor (o sistema, na verdade) age, nesse escopo, como se o sujeito estivesse num grau zero de letramento. Dentro desse contexto, diz Tfouni (2001), olhar as perdas e os ganhos trazidos pela escrita, do ponto de vista do letramento, significa entender que no propriamente na escrita que se localiza o problema, mas sim nas condies scio-histricas onde os discursos so produzidos e lidos, e nos efeitos de sentido que eles produzem. ERA BOM SE FOSSE, MAS ERA TUDO UM SONHO... Os pontos centrais da discusso elaborada at aqui sero mobilizados a seguir na anlise de um texto desenvolvido em avaliao do SARESP (Sistema de Avaliao e Rendimento das

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    Escolas de So Paulo), de 2005, por aluno da oitava srie (hoje nono ano) de uma escola municipal de Ribeiro Preto, escola esta onde uma das autoras deste artigo trabalhava na poca. Foi desse modo que tivemos acesso a esse corpus, que, como se sabe, de domnio pblico, e, especificamente, ao texto que est em anlise neste artigo. Ressaltamos que o aluno no recebeu uma devolutiva sobre seu texto, uma vez que este foi utilizado unicamente para guiar a avaliao da escola com relao composio das classes de recuperao e das regulares. O

    sujeito em questo foi encaminhado, em funo da redao, para uma classe regular4.A tarefa de escrita pedida no ano de 2005, para as oitavas sries do perodo da manh da referida escola, foi:

    Leia o trecho a seguir: CEM DIAS ENTRE CU E MAR Naquela mesma noite fui acordado diversas vezes por ondas que golpeavam o barco com impressionante violncia. O mar parecia ter enlouquecido e no havia mais nada que eu pudesse fazer a no ser permanecer deitado e rezar. Choques tremendos, um barulho assustador, tudo escuro; adormeci. E acordei, deitado no teto, quase me afogando em sacolas e roupas que me vieram cabea. Tudo ao contrrio: eu havia capotado. Indescritvel sensao. Estaria sonhando ainda?

    (Klink, 2003, p. 50). Certamente, voc j teve sonhos to emocionantes como esse, relatado por Amyr Klink. Escreva uma histria narrando aventuras vividas em um sonho, em que voc e seus amigos so os personagens principais. No se esquea de dar um TTULO a sua histria.

    No texto que se segue, mostraremos a qual parte do arquivo o sujeito tem acesso; quais sentidos so mobilizados para poder se expressar, ou seja, em quais formaes discursivas ele se insere. Pela determinao ideolgica, poderemos pesquisar os mecanismos de identificao que perpassam o texto, e tambm a

    4 Defendemos aqui que uma leitura sensvel por parte de um professor-leitor

    poderia, conforme discutiremos a seguir, ampliar imensamente o conhecimento do aluno acerca de sua prpria escrita.

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    interpenetrao das formas orais e escritas da lngua. Apesar de o aluno ter sido classificado em classe regular, a redao em questo teve uma avaliao ruim, pois, segundo os critrios avaliativos, no atendeu proposta que solicitava a escrita de um texto em que se descrevesse um acontecimento onrico, para se descobrir, depois, ao final do mesmo, que tudo no passara de sonho. Observemos a redao: O TIRO (J. C.) EU SONHEI QUE O DULE E O FABRICIO O CHRISTOPHER LEVOU UM TIRO QUANDO ERA PEQUENO. AI NOIS FOI PARA O MEDICO FICAMOS 2 ANOS EM COMA DEPOIS NOIS MORREMOS E FOMOS NO MUNDO DO TEIETOBIES E AI NOIS TRONBO O BOB ESPONJA AS MENINAS SUPER PODEROZA MEU PRIMO JOO GRILO CABRA DA PESTE. ADIVINHA QUEM QUE EU VI L QUEM, QUEM, O RONALLLLLDO. ERA BOM SE FOSSE MAIS ERA TUDO UM SONHO. FIM

    Pode ser que uma primeira leitura do texto revele que o

    sujeito aparentemente desobedeceu s instrues para que escrevesse uma histria narrando um sonho; pode-se imaginar ainda que seu texto pudesse ser desconsiderado para avaliao. No entanto, por trs dessa cortina de iluses pedaggicas, podemos visualizar outra dimenso, luz da AD e do letramento.

    Em primeiro lugar, h que se considerar que existe, sim, uma histria sendo contada (em versos) por esse aluno, que comea com eu sonhei e termina com era tudo um sonho,

    exatamente o que foi solicitado. Entre o incio e o final do texto

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    desenvolvem-se acontecimentos confusos, que so, alis, tpicos dos sonhos (isso, por exemplo, remete propriedade da proposta: ser que o narrar de um sonho, naturalmente to pouco obediente lgica, a melhor proposta para esta classe, em que os alunos talvez no dominem bem a estrutura narrativa cannica?). Voltemos ao texto. Nesse sonho, elementos de desenhos animados se misturam a acontecimentos que devem fazer parte do cotidiano e caminham para o gran finale, que o encontro com o jogador Ronaldo, ainda dolo da torcida brasileira poca da produo do texto.

    Pode-se notar que esta narrativa subverte o solicitado, apresentando-se em forma de texto potico. Uma anlise indiciria mostra que, em primeiro lugar, existe um ritmo que, como rudo de fundo, evoca a sonoridade do rap5, estilo musical bastante apreciado pelos jovens, em geral, e pelos jovens de baixa renda, em particular, j que o rap atua, para estes, como um manifesto contra uma ordem social que exclusora (Dayrell, 2002; Rocha, 2007). Em segundo lugar, nota-se a presena de rimas (era/para; ficamos/fomos etc); em terceiro lugar, constatou-se a presena de assonncias (por exemplo: o som voclico do /o/ em: tronbo/bob/esponja) e aliteraes (o som consonantal de /m/ em: coma/morremos/fomos/mundo). Deve-se observar que o texto no de todo inadequado proposta (embora esta talvez seja inadequada ao autor); tampouco incoerente por inteiro, como algumas leituras poderiam julg-lo; a coeso, paradoxalmente, garantida pela fragmentao dos versos, que obrigam a uma parada e uma retomada do sentido como veremos mais adiante. sobre esse aspecto potico que devemos deter melhor nossa ateno, j que o texto em questo revela a emergncia da funo potica tal qual tratada por Jakobson (1999).

    De fato, isso acontece porque o acesso poesia, em uma sociedade letrada, d-se de diversas maneiras, sobretudo a partir da msica, o que faz com que o aluno, mesmo sem conhecer e mesmo sem saber nomear os aspectos poticos instaurados em seu texto, possa fazer uso deles.

    5 A sigla RAP , pelo ingls, originria das iniciais de Rhythm and Poetry -

    Ritmo e Poesia.

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    Naturalmente, se estivssemos diante de um poema de fato, seria preciso que aceitssemos a organizao da mensagem como um jogo cifrado espera de re-cifrao, pois, sem isso, o leitor no seria capaz de interagir/analisar/interpretar o texto potico e tomaria como deriva e disperso o que , de fato, efeito de sentido construdo em um processo de autoria(Tfouni, 2010, p. 146) Uma leitura que desconsidere a multiplicidade de sentidos do texto, ancorando-se numa perspectiva higienista e monolgica da lngua (Ferreira, 2001, p. 32 apud Assolini, 2003, p. 87), a nosso ver, faria naufragar o poeta interior do garoto.

    nesse ponto que se percebe a eficcia da ideologia apontada no incio deste texto, que conforma dois domnios de memria, ou conjuntos de prticas discursivas heterogneas, instalando lugares onde o discurso pedaggico vai firmar-se e exercer sua eficcia: o realismo concreto e o racionalismo idealista (Pcheux, 1988). Ambas, como visam manter a ordem social vigente, afogam movimentos que perturbariam a emergncia (polissemia) de novos sentidos, trabalhando para que nada mude (parfrase). Como aponta Carreira:

    [Freud] [...] vai nos mostrar que, no ntimo, somos todos poetas, ou seja, todos possumos essa fonte da escrita criativa. Tal fonte remete aos idos tempos da infncia, quando todos brincvamos, sendo o brincar um correlato da escrita criativa, j que ambos advm da mesma fonte [...] quando as crianas brincam realizam um desejo (Carreira, 2008, p. 21).

    Se pensarmos que a brincadeira e a escrita criativa,

    enquanto veculos da fantasia, permitem a realizao do desejo (Freud, apud Carreira, 2008, p. 21), podemos dizer que estas conseguem corrigir uma realidade insatisfatria, fantasmtica. No caso do texto criativo do aluno, essa correo permite a revelao de algo que deveria ficar silenciado, mas que escapa, no discurso, como funo potica; escape este que carregado de estilo, da marca que ele imprime, com sua escrita (Lacan, 1985), na pgina em branco a sua frente, de modo que, avanando nessa ideia, ainda com Carreira (2009, p. 23), podemos afirmar que: o estilo o que se decanta do acontecimento que (re) produz a fantasia do sujeito, o seu canto, a sua voz. A fantasia ,

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    pois, a orquestra do sensvel a recobrir o inteligvel (Greimas, 2002); e a escuta do sensvel, que deveria servir de mote ao professor para a realizao do seu trabalho.

    O texto rico em termos de construo potica, revelando uma percepo da linguagem que o aluno possui, mas talvez no saiba que possui, da afirmarmos que a leitura do professor decisiva para indicar-lhe como aprimorar a sua redao, pois, sem a leitura do professor, o texto e suas potencialidades no se realizam. Se o professor perceber os jogos poticos em ao na redao do aluno, se aceitar que seu aluno pode e deve ocupar diferentes lugares de interpretao, o que favoreceria a criatividade e a autoria, ento ser capaz de lev-lo a refletir tanto sobre a norma, o que resolveria problemas de ortografia e sintaxe, por exemplo, quanto reflexo sobre a palavra, sobre seu valor no texto, sobre o que ela diz e o que ela (re)vela sobre ele mesmo e seu contexto. Vejamos, portanto, a seguir, mais detalhadamente os aspectos poticos comentados brevemente nesta seo.

    A EMERGNCIA DA FUNO POTICA E A NARRATIVIDADE INTERDITADA TIRO6 1. EU SONHEI QUE 7 2. O DULE E O FABRCIO 3. O CRISTOPHER LEVOU 4. UM TIRO QUANDO ERA 5. PEQUENO. AI NOIS FOI PARA 6. O ME DICO FICAMOS 7. 2 ANOS EM COMA DEPOIS 8. NOIS MORRE MOS E FOMOS

    6 O sublinhado e os tipos demarcados indicam rimas, paronomsias, tais como

    assonncias e aliteraes, espelhamentos de letras e sons fricativos, nasais, linguodentais, entre outros. O sublinhado e/ou sinais iguais indicam proximidade sonora, rtmica ou rmica.

    7 Observar que, em portugus, a contagem de slabas poticas vai at a ltima slaba tnica do verso.

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    1. NO MUN DO DOS TEIETUBIES 2. E A NOIS TRONBOO 3. BOB ESPONJA AS MENINAS 4. SUPER PODEROZA MEU PRIMO 5. JOO GRILO CABRA DA PESTE. 6. ADIVINHA QUEM QUE EU VI 7. L QUEM, QUEM, O RONALLLLLDO 8. ERA BOM SE FOSSE MAIS ERA 9. TUDO UM SONHO8

    Para marcar a presena da funo potica, optamos por

    reescrever o texto, destacando os traos de estilo e jogos paronomsicos a fim de organizar a anlise9. Talvez este no seja um texto em prosa, mas, certamente, dotado de narratividade: de comeo, meio e fim, sequenciados. H um desequilbrio dado pelo tiro que acaba por deixar os personagens em coma, at que a morte, que o clmax dessa narrativa peculiar, viabilize o acesso dos heris ao mundo dos cartoons, o que parece ser, para eles, muito agradvel; a ao se desenvolve rapidamente e surge, de repente, o jogador Ronaldo, bom demais para ser verdadeiro, conduzindo o narrador-personagem percepo de que tudo no passa de um sonho. Essa descoberta encerra com

    chave de ouro esse texto dotado de dico narrativa e ambiguidade: era bom se fosse, mas ou, sem a correo

    ortogrfica e sinttica: era bom se fosse mais. No importa

    aqui que a inteno do garoto tenha sido a adversativa, o no-dito irrompe e corrompe o sentido do que, em sua vida, s possibilidade: era bom se fosse mais, e mais e mais - que delcia se o sonho se realizasse...(bem, pelo menos, ele pode se realizar na escrita criativa).

    importante apontar que o professor deve estar atento ao espelhamento entre o que exposto na redao e a vida do aluno: tiros e perseguies corrompem e maculam a infncia descrita no sonho, que s a partir da morte, causada pelo tiro,

    8 No se considera uma eliso em tu- DOUM so-nho, pois o ritmo do texto

    (poema?) sugere, a nosso ver, uma cesura do verso nesse ponto. 9 Sobre a funo potica de Jakobson e sua perspectiva de abordagem do texto

    potico cf. Toneto (2007).

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    pelo disparo, gatilho para outro mundo, capaz de restabelecer-se dentro da ordem devida, no encontro com os personagens infantis. Naturalmente, isso no quer dizer que o texto no apresente dificuldades de escrita aparentes, entretanto, em clave mais ampla, a avaliao precisa ser formativa e deve levar em conta um processo que tem a ver com o contexto do autor, com sua histria de vida e, portanto, a interveno no texto mais eficaz aquela que atue na direo de fazer o aluno perceber o que est no papel, e, partir disso, reformular (reelaborar?) seu texto, sua histria de vida, sua verdade.

    Chegamos aqui a um ponto crucial: s ser capaz de ouvir o grito de emergncia de autoria do texto aquele professor que aceitar a emergncia da funo potica para alm da referencialidade que o texto afirma, de modo claro e contundente; para alm da funo emotiva que percorre o texto, revelando-se pela presena da primeira pessoa do singular ou do plural; e, para alm das outras funes, inclusive a metalingustica, que age pela corrupo da forma narrativa cannica pela apresentao de um poema como meio para contar uma histria, como, alis, fazem os rappers.

    Esse grito um grito do silenciamento apelo daquilo que no poderia ser dito, mas o de modo disfarado, engendrado pela prpria interdio discursiva imposta pela escola, que muitas vezes acaba por favorecer a emergncia de algum dizer que deveria obedecer ao interdito no fosse, ele prprio, o interdito: um lanamento dos dados que faz [...] com

    que o silncio deixe de ser apenas a possibilidade de significar [...] colocando-o em movimento e fazendo com que a significao se instaure (F. E. Tfouni, 2008, p. 357; Milner, 1996, p. 52).

    De sada chama a ateno o ritmo do texto, que parece se aproximar de certo ritmo musical de canes, comumente compostas em redondilha maior (sete slabas)10. Para notarmos isso, basta acentuarmos a pronncia das slabas grifadas, que so os ictos dos versos e que, curiosamente, mantm-se regulares: nos versos de cinco slabas (redondilhas menores), os acentos so

    10 No texto do aluno predominam versos com seis, sete e oito slabas, por isso

    estabelecemos a proximidade com o ritmo musical mencionado.

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    predominantemente na segunda e na quinta slabas; nos de seis, na terceira e na sexta slabas; nas redondilhas maiores, na segunda e na stima; por fim, nos heptasslabos, os ictos parecem recair com mais frequncia na segunda, quinta e oitava slabas. O ritmo surge porque, ao que parece, est impregnado na memria discursiva do aluno, afinal, de que outro modo poderia ser explicado o domnio da mtrica?

    O texto pode ser dividido em duas partes. A primeira parte, ou estrofe, equivale ao incio do sonho (e aqui importante perceber que o primeiro e o ltimo verso do texto veiculam a palavra sonho) em que os amigos esto juntos e levam um tiro, ou um deles leva um tiro, a sintaxe do autor compromete a compreenso, apesar de favorecer o efeito de poeticidade do texto. De todo modo, entram todos em coma e ficam assim por dois anos, at que morrem e vo para algum lugar: nois morremos e fomos. Nessa primeira parte, muito

    curioso observar que o verso mais longo , justamente, aquele que remete ao coma, apresentado no texto com durao explcita dois anos. Na segunda parte do texto, os amigos mortos chegam ao mundo dos Teletubies (notar como h erros de

    ortografia em portugus e como o nome dos Teletubies

    aparece com o plural ingls formado corretamente, provavelmente pela memria visual guardada em relao a esse nome) e encontram as Meninas Super Poderosas e o Bob

    Esponja. Nessa segunda parte, os versos mais longos vo

    surgindo ao final do texto, sugerindo como que uma durao do sonho, ou um desejo de sua durao, que fatalmente interrompida pelo gol de Ronaaaaldo, j que, como se sabe, o nome do jogador assim pronunciado quando faz um gol. Inclusive o l, quem, quem em gradao no texto corrobora

    essa hiptese, pois podemos ler esse trecho como uma reproduo da entoao do narrador do jogo em momentos de gol. Depois do gol, do gozo, o sonho acaba, era bom se fosse,

    mas... mais! As assonncias em /o/ e em /a/ percorrem-no por inteiro,

    com ritmo marcante que podem remeter, como dissemos acima, a uma batida de rap ou a um funk. Tais ritmos vm assumindo um significado crucial na vida dos jovens de baixa renda:

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    Assim, os jovens pobres inserem-se, mesmo que de forma restrita e desigual, em circuitos de informaes, por meio dos diferentes veculos da mdia, e sofrem o apelo da cultura de consumo, estimulando sonhos e fantasias, alm dos mais variados modelos e valores de humanidade [...]. No caso dos jovens pesquisados, foi como consumidores culturais de msicas, CDs, shows de rap e funk que eles puderam se transformar em produtores e, nessa experincia, ressigni-ficar a sua trajetria, criando formas prprias de ser jovem. Mas se h uma ampliao de possibilidades, h uma restrio ao seu acesso, sendo uma das faces perversas da nova desigualdade. Os jovens pobres se veem, assim, privados da escola, do emprego, acompanhados da limitao de meios para a participao efetiva no mercado de consumo, da limitao das formas de lazer, da limitao dos direitos de vivenciar a prpria juventude e, o que mais srio, veem-se privados da esperana. nesse contexto que temos de entender os significados que adquirem para esses jovens a experincia nos grupos musicais, sejam de rap ou funk (Dayrell, 2002, p. 2).

    Dando continuidade anlise da materialidade

    significante do texto, poderamos levantar a hiptese de que essa sonoridade assemelha-se a uma sequncia de tiros de metralhadora, garantida pela aliterao de /t/ e /d/ e /p/ e b/, que corrobora o ttulo do poema. Essas paronomsias vo desaparecendo ao final, onde predomina a sibilao que j havia aparecido antes, mas que se adensa nos ltimos versos, para sinalizar a efemeridade do sonho. Note-se, tambm, o espelhamento entre ficamos e coma, que so sindoques de cama. Porm, o que realmente curioso o procedimento de repetio das nasais, usado pelo autor, provavelmente de modo no intencional, mas que reflexo de um arquivo que ele aciona. As nasais causam um efeito de lalngua. Como diz Haroldo de Campos, fazendo referncia ao Seminrio 11 de Lacan (1985), em especial ao texto dedicado a Jakobson:

    [...] pode-se dizer [que lalngua], o oposto de no-lngua, de privao de lngua. antes uma lngua enfatizada, uma lngua tensionada pela funo potica, uma lngua que

    serve a coisas inteiramente diversas da comunicao [...], se

    a linguagem feita de lalngua, se uma elucubrao de

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    saber sobre lalngua, o inconsciente um saber, um saber-fazer com lalngua, sendo certo que esse saber-fazer com lalngua ultrapassa de muito aquilo de que podemos dar conta a ttulo de linguagem. O idiomaterno - LALNGUA - nos afecta com efeitos que so afectos [...] (Campos, 1989, p.14, grifos do autor).

    Parece-nos que diante dessas construes poticas e da

    narratividade que permeia o texto, deve-se afirmar a autoria do aluno e a existncia de um sujeito autor que avalia e interpreta a realidade ao seu redor a sua maneira, realizando reflexes sobre os saberes que compem a sua histria; podemos afirmar isso porque, segundo Tfouni:

    [...] o sujeito ocupa a posio de autor quando retroage sobre o processo de produo de sentidos, procurando amarrar a disperso que est sempre e virtualmente se instalando [...]. O autor, assim, produz aquilo que Lacan denominou point de capiton [...] onde o sujeito realiza um retorno ao enunciado, e

    pode olh-lo [...] de um outro lugar (Tfouni, 2001, p. 83).

    Evidentemente, a despeito das dificuldades apresentadas,

    h um amplo processo de letramento acionado para a elaborao da redao e revelado por ela. Esse aspecto refora o que Tfouni fala sobre o letramento e seu continuum, mostrando que do ponto de vista desse texto, o sujeito no pode ser classificado como iletrado, como proporiam alguns tericos do letramento de abordagem distinta da de Tfouni (Soares, 1998; 2003). Queremos reafirmar que o sujeito desse texto no se reconhecer como algum letrado a menos que o professor permita-lhe mobilidade entre posies discursivas, e as aceite no seu texto, ou ainda, no se perceber como tal se o professor, ele mesmo, no aceitar falar de um lugar outro, alhures, a partir do qual o aluno algum potencialmente criativo.

    Voltando ao sonho, chama a ateno outro indcio: o aluno desliza de um lugar discursivo para outro, ou seja, ao ser solicitado para produzir um texto contando uma histria, portanto, um texto, provavelmente em prosa, eles escreve em versos. Como esse deslizamento, esse movimento do sujeito

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    pode ser interpretado? Segundo Tfouni (1992), quando o sujeito no consegue explicar algo, mas implica o outro, o interlocutor, mostra-se a marca de uma falta, ou seja:

    [...] esse comportamento indica que o sujeito que o utiliza tem algum domnio sobre um tipo de pressuposio pragmtica, a qual especifica que os responsveis pela enunciao podem deixar implcita aquela informao que eles acreditam j ser do conhecimento de seu interlocutor. [...] indica ainda que o emissor capaz de estabelecer para si certo consenso sobre a quantidade de conhecimento partilhado [...] (Tfouni, 1992, p. 60).

    Parece haver a um movimento de resistncia por parte

    do sujeito que se caracteriza pela introduo de elementos prprios de um saber particular (por exemplo, a aluso a ritmos musicais) em um lugar institucionalizado pelo saber escolar. Ou seja, segundo Tfouni (1992), esse deslizamento do sujeito do discurso, que percebe a no permisso do dizer neste lugar, faz com que ele se desloque a outro lugar discursivo para poder significar de outra maneira. O calar nunca silencioso. Orlandi (1992, p. 75) refere-se a esse deslocamento como poltica do silncio: [...] a poltica do silncio se define pelo fato de que, ao dizer algo, apagamos necessariamente outros sentidos possveis, mas indesejveis, em uma situao discursiva dada.

    Encontramos nesse texto a funo discursiva dessa estratgia que revela to claramente a autoria, e que pode garantir um efeito de verdade ao narrado. bvio que se formos averiguar as normas gramaticais impostas pela lngua pura,

    encontraremos muitos problemas. Sem defender uma posio idealista, possvel perceber que no se pode concluir, pelo fato de um sujeito no dominar a norma culta, que essa histria no possui efeitos de sentido, prprios da funo-autor. Mas aqui se pode perceber que o sujeito trabalha na estrutura lingustico-discursiva que produz, trazendo sentidos j presentes no interdiscurso e atualizando-os de acordo com o contexto da enunciao. Esse deslizamento discursivo de um lugar para outro pode indicar que o sujeito esteja procurando o seu lugar para se constituir como autor.

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    Os postulados de Tfouni (1994, 2001) mostram que o que est em jogo no se o sujeito alfabetizado ou no, [...] mas

    antes em que medida o sujeito pode ocupar a posio de autor [...] (Tfouni, 1994, p. 82). Dessa forma, pode-se dizer que [...] analiticamente o sujeito ocupa a posio de autor quando retroage sobre o processo de produo de sentidos, procurando amarrar a disperso que est sempre virtualmente se instalando

    devido equivocidade da lngua (Tfouni, 2001, p. 83). Retomemos alguns aspectos do texto para marcar essas

    consideraes. O sujeito coloca Eu sonhei logo no incio do texto e isso passa a presidir todo o deslocamento de significantes, tanto na instncia sintagmtica (de encadeamento dos significantes) quanto na instncia paradigmtica (a escolha, que nunca livre, das palavras). Fazendo isso, o sujeito opta por um recurso argumentativo que dirige a leitura, visto que o mesmo texto, sem esse sintagma inicial, poderia ser interpretado pelo leitor como um delrio ou como um texto de realismo fantstico. Essas interpretaes poderiam ocorrer em virtude da fuso entre elementos de realidade (o Ronaldo; os amigos Dule, Fabrcio e Christopher); e de fico (desenho animado - Teletubies, Bob Esponja, Meninas Super Poderosas, personagens de textos literrios - Joo Grilo, da pea O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, veiculada, em verso flmica, pela Rede Globo h alguns anos). interessante notar que essa juno entre realidade e fico adquire verossimilhana exatamente devido ao uso do operador: Eu sonhei, no incio do texto.

    Por outro lado, do ponto de vista psquico (referente emergncia da verdade do sujeito) notvel que esses dois mundos (fico, realidade) sejam entrelaados ao redor do significante morte que o balizador de toda a cadeia, o que lhe

    d o estatuto de significante mestre. O encontro entre o balizador sinttico Eu sonhei e o balizador do desejo nois morremos

    propicia ao sujeito que fale de coisas impossveis na realidade, atribuindo-lhes um carter de verossimilhana.

    Esta caracterstica de verossimilhana revela um especial investimento do sujeito quando faz uso da intertextualidade, no trecho: Meu primo Joo Grilo Cabra da Peste. Esse movimento

    de introduo de uma personagem da obra O Auto da

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    Compadecida (Suassuna, 2004), Joo Grilo, que apresentado como primo, fortalece a interpretao de que, tanto no sonho quanto na morte, tudo pode acontecer (so fenmenos psquicos que fogem ao controle do sujeito consciente); o resgate de personagens de fico possibilita uma reordenao da vida, dando-lhe um potencial de sonho.

    No sonho, os personagens de fico surgem como realidade, suas vidas so ntegras e possveis, da o era bom se

    fosse mais que o autor coloca em seu texto como diz Candido (2004), em Direito Literatura, uma das razes da existncia da literatura e, aqui, em clave mais ampla, dos personagens literrios e dos desenhos infantis, o fato de eles nos permitirem a vivncia de outros mundos possveis, mais afeitos aos nossos desejos mais ntimos11.

    A introduo de Joo Grilo indicia uma histria de leitura do sujeito; existncia de um arquivo letrado ao qual ele recorre para organizar seu texto. Trazemos aqui Pcheux e Gadet (1984, p. 72), e o que afirmam sobre a memria discursiva, o interdiscurso: espao de estruturao, de regularizao da materialidade discursiva complexa. Essa memria discursiva sempre afeta o sujeito da linguagem. Segundo Orlandi (1993), sabe-se que existe a constituio histrica do sujeito em relao linguagem, no nos esquecendo de que os modos de assujeitamento podem influenciar o sujeito-leitor (religiosidade, leis etc.) Diz a autora:

    O que a escola faz, ao supor o grau zero, utilizar o conhecimento prvio que o aluno tem, sem explicitar essa

    11 No se pode esquecer aqui que, na pea de Suassuna, o personagem Joo

    Grilo morre e, apesar de sua malandragem, redimido por Jesus, pela intercesso de Nossa Senhora, que leva em conta, para perdo-lo, no os seus atos ilcitos, mas o sofrimento que sua condio social lhe imps, ou seja, tudo o que o personagem precisa uma chance. Joo Grilo um bom exemplo de malandro que deseja, para usar os termos que Antonio Candido (2010) explicita em Dialtica da Malandragem, passar do plo da desordem para o plo da ordem e, assim, inserir-se socialmente. Para o aluno em questo, Joo Grilo , provavelmente aquele que, apesar de pequenos golpes, apesar de ser cabra da peste, tem bom corao e, por isso, tudo d certo para ele ao final da histria.

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    utilizao. responsabiliz-lo por certa forma de conhecimento. Ao fazer isso a escola faz mais: ao mesmo tempo supe e recusa (ou seja, desqualifica) essa forma de conhecimento que o aluno j tem e que atesta o fato de que ele sujeito-leitor de outras formas de linguagem e tambm fora da escola (Orlandi, 1993, p. 48).

    Ou seja, h uma regularizao, uma estabilizao dos

    sentidos lidos que formam essa memria de leitura que permite os implcitos, os no-ditos, segundo Pcheux (2006). CONCLUSES

    Os fatos discursivos apresentados, na anlise do texto acima, levam-nos a concluir que existem discursos alternativos ao discurso formalizado da escola, que se sustenta, amide, na produo de discursos verdadeiros. Essas alternativas,

    baseadas no conhecimento cotidiano, na experincia pessoal e nas histrias particulares de leitura, fazem suplncia ausncia de conhecimento formal sobre as regras do bem escrever e ao

    grau insuficiente de letramento e escolaridade. No objetivo deste trabalho oferecer subsdios que

    embasem diretamente a prtica docente, porm podemos adiantar que diante do texto analisado e levando-se em considerao a interpenetrao do discurso autoritrio pelos discursos ldico e polmico, podemos visualizar uma posio disponvel para o intrprete que a de colocar-se como leitor, procurando, sem preconceitos, reconhecer no somente os erros e desvirtuamentos da lngua culta como tambm o

    potencial criativo e a cultura de onde vem o aluno. Ao privilegiar tais aspectos, o educador poderia propor

    prticas que favorecessem a emergncia da autoria de seus alunos. O discurso pedaggico escolar tem-se prestado ao servio mantenedor dessa ordem social desigual, apesar dos esforos empreendidos pelos agentes escolares no sentido de democratizar o saber, valorizar a lngua do aluno e possibilitar-lhe que domine o registro culto da lngua materna. Para consolidar ideologicamente tal posio, como dissemos no incio deste texto, formaram-se dois domnios de memria, o realismo

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    concreto e o racionalismo idealista (Pcheux, 1988), ambos assentados numa iluso de que existe comunicao total, de que possvel dizer tudo. Esperamos ter demonstrado aqui que isso no verdadeiro a anlise do texto do aluno demonstra claramente as diferenas que diferentes posies discursivas engendram para o tratamento do texto.

    Enquanto prevalecerem prticas pedaggicas arraigadas a formaes discursivas que concebem o processo educativo do ponto de vista do ensino e no da aprendizagem, que concebem os textos dos alunos a partir de uma visada monoltica, que concebem, enfim, os problemas da escola como problemas dos alunos, ser muito difcil assegurar escola de qualidade para a maioria. A escola para todos corre o risco de ser iluso porque, entre outros aspectos, os mais importantes passageiros no conseguem assentos nos vages do trem da histria. Donos de uma histria que fica margem, de uma cultura que nem sempre levada em considerao na escola, como podem conseguir que suas letras incorporem-se ao discurso dominante? Como podem migrar dos ferrenhos bancos do colgio para outros lugares discursivos, em que lhes sejam dadas a voz e a vez?

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    Recebido em 03 de agosto de 2011 e aceito em 31 de outubro de 2011.

    Title: The political-pedagogic dimension of unmistaken communication facing the challenges of a School for Everybody: new interpretative places to the teaching practice Abstract: The aim of this paper is to present some considerations on discursive positions that challenge the textual production of a student from Cycle II Elementary School. We intend to show how a biased reading of the students text might not observe significant textual features and disregard the students level of literacy, thus ignoring the insertion of this writing in a socio-historical context. Such an approach, while defined by ideology, is determined by the pedagogical discourse that focuses on formal patterns of language, which prevents the teacher from identifying rich and interesting linguistic and textual procedures in the text in question, indicative of the student's literacy and his/her potential for authorship. This reading mostly denies the efforts that have been made to reverse the exclusion of public schools students, weakening the idealist discourse that claims for a school for everybody. Keywords: Literacy; writing in basic education; discourse analysis.