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Rio de Janeiro | 2014 THE PACIFIC HUGH AMBROSE O inferno a um oceano de distância Tradução Milton Chaves de Almeida 7A PROVA -OPACIFICO.indd 3 15/4/2014 15:30:16

The Pacific - Trecho

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O livro que originou produção do canal HBO produzida por Steven Spielberg e Tom Hanks Em seu best-seller, o historiador Hugh Ambrose aprofunda a experiência da minissérie, The Pacific, por meio de uma poderosa perspectiva histórica e imediatista em primeira pessoa, revelando as odisseias entrelaçadas de um piloto da Marinha e de quatro fuzileiros navais norte-americanos. A obra figurou nas principais listas de mais vendidos, como a do The New York Times e do Publishers Weekly.

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Rio de Janeiro | 2014

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PACIFICHUGH AMBROSE

O inferno a um oceano de distância

TraduçãoMilton Chaves de Almeida

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JAto I

“CASTELO DE CARTAS”

Dezembro de 1941— Junho de 1942

Na virada do fim da década de 1930 para a de 1940, o povo ame-ricano dava pouca importância ao Império Nipônico. Os americanos se preocupavam mesmo era com a economia, que vacilara na beira do abismo por uma década, e queriam ficar longe dos problemas do mundo. A veloci-dade com a qual a Alemanha nazista havia conseguido dominar a Europa, porém, tinha fornecido capital político suficiente para o presidente Franklin Roosevelt tomar algumas medidas em favor da preparação do país para se defender. Roosevelt e sua liderança militar se opuseram também à agres-siva campanha militar japonesa de conquistas de vastas extensões territo-riais da China. O governo japonês, governado por uma camarilha militar que incluía o imperador Hirohito, havia criado uma ideologia para justi-ficar suas ambições de conquista colonial e construiu um aparato militar para encenar no palco da vida seus objetivos bélicos. Era óbvio que o Japão pretendia conquistar outras valiosas áreas ao longo do Círculo do Pacífico. Os Estados Unidos controlavam algumas dessas valiosas áreas e alimentavam expectativas de manter essa região aberta ao comércio. Num grande esforço,

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Roosevelt tentou deter a expansão japonesa com uma série de medidas econômicas e diplomáticas, apoiadas pelas forças militares americanas — as menores e menos equipadas dentre as nações industrializadas do mundo na época.

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J

O primeiro-tenente Austin Shofner acordou dominado pela expectativa da chegada de bombardeiros inimigos a qualquer momento. Logo depois das 3 horas, seu amigo Hugh entrou apressado na cabana em que ele estivera dormindo e disse:

— Shof, Shof, acorde! Acabei de receber uma mensagem do CinCPAC informando que a guerra contra o Japão será declarada daqui a uma hora. Examinei todas as instruções do Oficial do Dia e não achei nada que nos dissesse o que fazer quando a guerra for declarada.1

Com o ataque inimigo iminente, o tenente Shofner tomou uma medida consequente e lógica:

— Vá acordar o velho.— Ah! — respondeu Hugh. — Não posso fazer isso! Mesmo tonto de sono, Shofner entendeu a relutância do colega. A cadeia

de comando deter minava que o tenente Hugh Nutter deveria dirigir-se ao comandante do batalhão, em vez de ao comandante do regimento. Falar com um coronel do CFNA era como falar com Deus. A situação, porém, exigia isso.

— Seu idiota, vá logo, passe o abacaxi adiante! — Diante da insistência do superior, Hugh disparou correndo pela escuridão que envolvia a base da Marinha na península de Bataan, nas Filipinas.

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Shofner seguiu logo atrás, correndo também na direção do cais, onde os recrutas estavam aboletados em um antigo armazém. De repente, viu Hugh tropeçar em um buraco e cair, mas não parou para ajudar. Nisso, soou o apito na estação de força. A sentinela do portão principal começou a tocar o sino do velho navio. Os soldados já estavam acordados e gritando quando Shofner entrou correndo no alojamento, ordenou que saíssem todos e entrassem em formação. O corneteiro começou a tocar o toque de tomada de postos. Alguém ordenou que mantivessem as luzes apagadas, para evitar que se tornassem alvo fácil aos ataques inimigos.

Seus homens precisavam de alguns minutos para se vestir e se reunir. Shofner correu à procura dos cozinheiros para fazê-los preparar o rancho. Depois, partiu em busca do comandante do batalhão. Para além do armazém em ruínas, usado por seus homens como alojamento, distante das fileiras de barracas armadas na área do polígono de tiro, em que outros se aquarte-lavam, erguia-se o belo forte construído pelos espanhóis. Havia muito que seus arcos, outrora graciosos, tinham se tornado parte da paisagem natural. Shofner avançou correndo pela via ladeada de acácias em direção a um passeio bordado de hibiscos de vistosas flores vermelhas e de gardênias.2 Ao chegar ao destino, encontrou reunidos alguns dos oficiais do 4º. Regimento de Infantaria de Fuzileiros Navais (4º. RIFN).* Haviam sido informados pelo quartel-general do almirante Hart, situado em Manila, a quase 100 quilômetros dali, que os japoneses tinham bombardeado Pearl Harbor. A frieza deles o surpreendeu.

Não era de esperar, porém, que Shofner fosse tomado de surpresa. Fazia algum tempo que todos os homens do alojamento se mantinham na expec-tativa da inevitável guerra com o Império Nipônico. Achavam, contudo, que a guerra começaria em outro lugar, muito provavelmente na China. Uma semana antes, o regimento deles estivera estacionado em Xangai, onde

* A conveniência do leitor, e não a convenção militar, é que guia a nomenclatura usada aqui para a identificação das unidades militares. (N. A.)

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observaram as tropas do imperador avançar sem impedimentos pela China

nos anos anteriores, à medida que mais e mais divisões do Exército Imperial

Japonês (EIJ) desembarcavam em solo chinês. O governo japonês instituíra

um governo-fantoche para administrar uma enorme região no norte da

China, cujo nome ele havia mudado para Manchukuo.

O 4º. RIFN, com cerca de oitocentos soldados, bem abaixo, portanto, de

sua força máxima, não estava em condições de defender seu quartel-general

em Xangai, e menos ainda de proteger os interesses americanos na China.

A situação ficara tão tensa que os oficiais dos fuzileiros navais criaram um

plano para o caso de terem de enfrentar um súbito ataque do inimigo.

Planejavam avançar lutando, se necessário, em direção a uma região da

China não conquistada ainda pelos japoneses. Se o regimento fosse detido

em seu avanço, seus homens, basicamente, receberiam a ordem de “correr

para salvar a própria vida”.3 Os oficiais reunidos à mesa na manhã desse dia

davam graças ao fato de que o governo americano havia finalmente se ren-

dido ao domínio do Império Nipônico sobre a China e ordenara que se reti-

rassem no fim de novembro de 1941, numa ocasião que se lhes afigurou o

último momento possível para fazer isso.

Quando chegaram à Base Naval de Olongapo, em 1º. de dezembro, o

4º. RIFN foi enquadrado pela Frota Asiática do almirante Hart, cujos cruza-

dores e contratorpedeiros estavam ancorados no porto de Manila, do outro

lado da península em que estavam estacionados. Além da frota, as forças

americanas contavam com 31 mil soldados do Exército do general Douglas

MacArthur, bem como com 120 mil soldados e oficiais do Exército Nacional

Filipino. Hart e MacArthur vinham preparando-se para a guerra contra o

Império do Japão fazia anos. Portanto, o imperador japonês só podia estar

louco com sua decisão de atacar a Frota Americana do Pacífico, em Pearl

Harbor. Contudo, já que fizera isso, seus navios e aviões certamente estariam

a caminho dali, rumo à ilha de Luzón, que abrigava a capital do governo fili-

pino e o quartel-general das forças americanas. Era provável que o primeiro

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ataque do inimigo contra eles, concluíram os oficiais, seria feito com bom-bardeiros partindo de Formosa.*

Como Shofner viu que, com toda aquela conversa sobre estratégia, não re-ceberia ordens tão cedo, voltou para seus homens. Os integrantes de sua com-panhia de comando haviam se reunido na praça de armas com os membros das companhias de infantaria. Sobre o ataque japonês no Havaí, a no tícia que corria entre eles era breve: “Os japas mandaram Pearl Harbor pelos ares!” Em vez de medo, Austin Shofner, natural de Shelbyville, Tennessee, experimentou certo prazer ao se confirmar a notícia, mesmo porque o “Engenhoso” sempre gostara de uma boa briga. De estatura mediana, mas de compleição robusta, adorava futebol americano, luta livre e jogos de azar de toda espécie. E não gostava muito dos japoneses. Informou a seus homens

* Formosa é mais conhecida como Taiwan. (N. A.)

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Mar das Filipinas

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que, como poderiam sofrer um ataque a qualquer momento, seria feita a dis-tribuição de munição de guerra imediatamente. Em seguida, estampou no rosto um sorriso matreiro e pensou: “Nossos dias de brincadeiras acabaram e agora poderemos começar a fazer jus aos nossos salários.”4

Os fuzileiros ficaram esperando o comandante do batalhão na praça de armas para ouvir o seu pronunciamento. Todas as liberdades estavam sus-pensas. A banda do regimento estava sendo dissolvida, bem como o pequeno destacamento de fuzileiros que guarnecia a estação naval quando o 4º. RIFN chegou. Esses homens passariam a formar pelotões de fuzileiros, que depois seriam distribuídos entre as companhias de fuzileiros.5 Todos os soldados eram necessários, pois tinham que defender não apenas a Estação Naval de Olongapo, mas outra, embora menor, nas montanhas Mariveles, na parte extrema da península de Bataan. O 1º. Batalhão ficou encarregado de pro-teger as Mariveles e partiria imediatamente.

A partida dessa unidade reduziu o regimento quase pela metade, dei-xando-o com o 2º. Batalhão, o quartel-general de Shofner e a companhia de serviço, além de uma unidade da Marinha de pessoal da área médica. Os fuzileiros começaram a criar posições defensivas, com a abertura de trincheiras individuais, assentamento de plataformas de canhões e o ergui-mento de barreiras de arame farpado, a fim de barrarem assaltos inimigos lançados pelas praias. Criaram também pequenos depósitos de munição, em lugares convenientes, e os cercaram com muros de sacos de areia. Defender Olongapo também significava proteger os PBYs, aerobarcos do esqua-drão de aviões de reconhecimento de longo alcance da Marinha. Quando não estavam em missão, esses barcos voadores ficavam ancorados próximo às docas. Os fuzileiros posicionaram as metralhadoras desses aparelhos de modo que pudessem enfrentar em terra o ataque dos aviões inimigos. Levantaram barricadas em torno da base, embora isso não fizesse muito sen-tido, já que o núcleo de civilização mais próximo era a pequena cidade de Olongapo.

Os fuzileiros se empenharam ao máximo na criação desses obstáculos. Todos tinham visto os soldados japoneses em ação do outro lado das

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barricadas erguidas nas ruas de Xangai. Haviam testemunhado quanto eram brutais e violentos para com civis indefesos. A maioria ouvira falar do que os japoneses haviam feito ao povo de Nanquim. Portanto, sabiam o que esperar da invasão japonesa. Shofner sentia certo mal-estar com o fato de que só agora esses preparativos estavam sendo feitos. Desde a chegada deles, o maior exercício que fizeram fora uma excursão de lazer a uma praia. À mente de Shofner veio a lembrança do dia anterior, 7 de dezembro, oca-sião em que passara o dia inteiro procurando um lugar para exibir filmes. Mas abandonou logo esses pensamentos, pois estava encarregado de criar um bivaque para o batalhão longe da estação naval. Com certeza, os bom-bardeiros inimigos teriam como alvos os armazéns e o forte. Próximo ao meio-dia, começou a agir com o entusiasmo de sempre. Atravessou um campo de golfe com a companhia, bem como um riacho, e iniciou a insta-lação de um acampamento num manguezal.

Do outro lado da Linha Internacional de Mudança de Data, na tarde do dia 7 de dezembro o guarda-marinha Vernon “Mike” Micheel, da Marinha dos Estados Unidos, preparava-se para travar batalha contra a Marinha Imperial Japonesa. Levava consigo um maço de folhas de papel enquanto circulava pela Base Aeronaval (BAeN) de San Diego, conhecida também como North Island. Apesar da agitação ao redor, Mike procurou agir com ponderada rapidez. Passou por vários departamentos da base: do cronometrista, do almoxarife, do chefe de instrução de voo, e assim por diante, esforçando-se para pôr a papelada em ordem. Algumas horas antes, ele e os outros pilotos de seu grupo de treinamento, oficialmente conhecido como Unidade de Treinamento Avançado em Operações de Porta-Aviões (UTAOP), haviam sido informados de que os japoneses tinham bombardeado Pearl Harbor e que, portanto, o treinamento de pilotos deles seria interrompido. Embarcariam imediatamente, pois, no USS Saratoga e partiriam para a guerra.

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O Sara, tal como a tripulação chamava o porta-aviões, podia ser visto de quase todos os lugares pelos quais Mike passava. Ele era o maior porta-aviões da Marinha e erguia-se imponente sobre North Island, que abrigava o con-junto de pistas de pouso e hangares aeronáuticos no istmo do antigo porto de San Diego. A nave era o centro das atenções, cercada de guindastes, por-talós e pranchas de acesso. Vários esquadrões, dos quais faziam parte equipes de manutenção e pilotos, artilheiros e aviões, estavam sendo embarcados. A maioria desses grupos fora designada para embarcar no Sara nesse dia. O grande porta-aviões tinha sido reformado num estaleiro no litoral norte e, estranhamente, chegou alguns minutos antes da declaração de guerra por parte dos americanos.6 Mas novatos como Mike não abrigavam no íntimo expectativas dessa espécie.

Micheel preparou-se para o combate, ao contrário de quase todos os que o rodeavam, sem o desejo de vingança contra o inimigo traiçoeiro. Na ver-dade, ele sabia que não estava preparado, pois nunca havia aterrissado com uma aeronave num porta-aviões. A maioria de suas horas de voo fora dedi-cada a operações em biplanos. Tinha voado algumas horas em monoplanos de asas metálicas, porém mal começara a operar o novo avião de combate da Marinha. Mesmo quando o alarme do Sara de defesa contra torpedos soava e um ataque parecia iminente, Mike nunca deixava que sentimentos de ódio o dominassem ou que impositivos do ego obscurecessem seu discernimento.7

Mike não se considerava um piloto nato. Não fora criado em meio a brincadeiras com aviões de papel e a tietagens das façanhas de aviadores pioneiros, como Charles Lindberg. Em 1940, o fazendeiro de 24 anos de idade de uma fazenda de laticínios foi à cidade dar uma olhada no quadro de recrutamento e descobriu que seria engajado no início de 1941. Caso se alistasse, porém, poderia escolher a arma em que desejasse servir. Suas expe-riências com o Centro de Formação dos Oficiais da Reserva (CEFOR),*

* Em inglês, Reserve Officers Training Corps (ROTC). Parte do sistema militar norte-americano que presta ajuda financeira a estudantes universitários em troca de serviço militar depois de formados. (N. T.)

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que o ajudara a pagar a faculdade, havia incutido nele uma grande repulsa por alojamentos em barracas de campanha e ingestão de comida fria. Por sugestão de um amigo, procurou um marinheiro, que o assegurou de que a vida na Marinha era muito melhor do que no Exército, mas então ele soube que Mike tinha diploma universitário.

— Ei, você poderia se encaixar em outro lugar! Na unidade aeronaval! [...] É como se você estivesse a bordo de um navio com o pessoal comum da Marinha, mas com um salário maior.

— Isso parece bom! — respondeu Mike, sem aparentar entusiasmo. Ele tinha viajado de avião uma vez. — Foi bom, mas não fiquei muito entusias-mado com a experiência. — O praça, como todo bom soldado, insistiu:

— Ora, você poderia pelo menos tentar. Se não gostar, poderá voltar para a Marinha.

Mais de um ano depois, Mike chegou a North Island com uma missão que o punha na linha de frente da moderna guerra naval. Quando os civis viam as insígnias em forma de asas douradas em seu uniforme de gala, quase sempre achavam que ele era piloto de caça. A nação americana guarda na alma lembranças da Primeira Guerra Mundial permeadas de histórias de pilotos de caça, duelando com o inimigo na amplidão dos céus a uma velo-cidade de centenas de quilômetros por hora. Essa densa mistura de fascínio e prestígio exaltara também a imaginação dos homens com os quais Mike passara pelo curso de formação de pilotos. Todos os cadetes se esforçavam para serem os melhores, já que só os melhores aviadores se tornavam pilotos de caça. Quando se formavam no Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval (CIAA), em Pensacola, os novos guardas-marinha faziam sua lista de serviços militares preferidos.

Embora houvesse terminado o curso entre os 25 melhores pilotos e conseguido a chance de se tornar instrutor, o guarda-marinha Micheel pre-feriu servir na unidade de bombardeiros de mergulho. Conquanto poucos tivessem ouvido falar nele antes do curso, o bombardeiro de mergulho era também um avião empregado em porta-aviões e foi usado na linha de

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frente das Forças Armadas americanas. Em vez de derrubar aviões hostis, sua missão era localizar os navios inimigos e afundá-los. De mais a mais, Mike queria decolar de porta-aviões. Com seu jeito tranquilo, calculou que a maneira mais segura de se tornar piloto de caça era atuar como piloto de bombardeiro de mergulho. Muitos de seus colegas de classe haviam esco-lhido como opção predileta servir como pilotos de caça. A maioria deles, porém, acabaria depois vendo-se inapelavelmente presa ao posto de pilotos de bombardeiros quadrimotores. Embora oficialmente lotado em um es- quadrão de reconhecimento, na prática fora atendido na opção que fizera, pois pilotos de operações de reconhecimento e bombardeio operavam os mesmos aviões e participavam das mesmas missões. Mike foi para North Island com o objetivo de aprimorar seu conhecimento de aeronavegação e tornar-se um grande piloto de missões de reconhecimento, mas também para aprender a arte de destruir navios, principalmente porta-aviões.

Agora, apresentou os documentos e seguiu para o Alojamento dos Oficiais Solteiros, a fim de fazer as malas, mesmo sem que houvesse reali-zado uma vez sequer a manobra de bombardeio de mergulho. Homens que nunca haviam trajado a farda ou que estavam de licença não paravam de chegar, cheios de perguntas. Micheel e os outros novos pilotos diri giram-se para o Sara, a caminho do destino para o qual vinham se preparando. Era a primeira vez que subiam a bordo de um porta-aviões, cujos espaços iam ficando lotados de todos os pilotos, mecânicos, aeroplanos, projéteis e bombas possíveis. Os boatos corriam soltos. Os novos pilotos foram para o compartimento dos oficiais, o convés em que ficavam suas cabines.

O embarque estendeu-se pela noite inteira, sem o auxílio de iluminação externa. Horas depois, rompeu o dia. O Sara zarpou de North Island pouco antes das 10 horas do dia 8 de dezembro. Minutos depois, soou o estridente apito de tomada dos postos de combate do navio. Antes de a nave partir, porém, prevalecera certa calma na maioria dos espíritos dos embarcados. Micheel e outros novatos foram dispensados. Enquanto o grande navio se dirigia para o mar aberto, as pessoas que o observavam do cais tiveram

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a impressão de que o Sara e sua escolta de três contratorpedeiros seguiam direto para a guerra.

Os jornais da segunda-feira noticiaram: os “Japas Atacam Pearl Harbor”, bem como a advertência de líderes civis e militares de que talvez fosse iminente o ataque à costa oeste americana. Os militares de North Island ficaram incumbidos de defender San Diego. Os membros do destacamento de fuzileiros navais estacionados na ilha começaram a abrir trincheiras indi-viduais, a fazer o assestamento e ajustes dos canhões e a proteger edifícios-chave com pilhas de sacos de areia. Já os aeronautas mal sabiam o que fazer como preparativos de defesa, uma vez que o Sara levara todos os aviões de combate destinados a emprego na unidade de treinamento de Mike. Tudo o que lhes sobrara para pilotar foram os antigos “Brewster Buffalo” e os SNJ, apelidados de “Perigo Amarelo” por causa de sua cor chamativa e dos alunos inexperientes que os pilotavam.

A primeira coisa que Sidney Phillips fez na manhã de 8 de dezembro, uma segunda-feira, foi pegar a bicicleta e ir até a praça Bienville, no centro da cidade, para encontrar-se com seu amigo William Oliver Brown, conforme combinado. De lá, foram a pé para o Edifício Federal, que abrigava os postos de recrutamento de todas as Forças Armadas americanas. A fila de homens esperando para alistar-se na Marinha ia do posto de recrutamento, atravessava o saguão, descia pela escadaria, contornava a esquina da rua St. Georgia e se estendia por meio quarteirão da rua St. Louis.8 Mobile, no Alabama, era uma cidade de forte presença da Marinha. Os sujeitos da fila, irritados e furiosos com o inimigo, cuspilhavam com desprezo a palavra “japa” o tempo todo. Como não eram dados a simplesmente ocupar o devido lugar na fila, atrás de uma multidão à espera da vez, Sid e William, que todos chamavam de “Sub” (de “suboficial”), foram até o início para ver o que estava acontecendo. Um praça do CFNA olhou os dois adolescentes de cima a baixo, aproximou-se deles e perguntou:

— Ei, garotos, vocês querem matar japas?!

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— Sim, queremos! — respondeu Sidney. — Na Marinha, a única coisa que poderão fazer é limpar o convés. —

Em seguida, o praça explicou que, se quisessem mesmo matar “japonas”, teriam de se juntar aos fuzileiros navais. — Eu garanto que os fuzileiros navais porão vocês cara a cara com os nipos.

A não ser na expressão em si, nem Sid nem o Sub jamais tinham ouvido falar em fuzileiros navais. E não eram os únicos, o que explicava por que o recruta se dirigia também à fila inteira, de modo geral. Explicou que os fuzileiros navais eram parte da Marinha; aliás, “a melhor parte”. Após algum tempo, o praça tentou uma estratégia diferente: astúcia.

— Mas o fato é que vocês não podem entrar para a Marinha. Seus pais são casados.

Sid soltou uma gargalhada. Em seguida, olhou para Sub e viu que parecia que ele estava pensando a mesma coisa, ou seja, que talvez os fuzi-leiros navais fossem mesmo o melhor lugar para eles. Todavia, nenhum dos dois podia alistar-se imediatamente, pois, como tinham apenas 17 anos de idade, precisavam buscar documentos em casa e voltar de lá com uma per-missão assinada pelos pais. Além disso, um rápido exame de aptidão preli-minar revelou que Sidney tinha ligeiro problema de daltonismo. Que ele não se preocupasse, disse o recruta, em tom de consolo, pois que era provável que o teste de daltonismo sofreria mudanças em breve. Pediu que Sid voltasse depois do Natal. O Sub, porém, disse a ele que estava disposto a esperar o amigo.

Sid foi para casa, onde descobriu que conseguir a permissão dos pais seria mais difícil do que previra. Sua mãe argumentou que dois irmãos seus já estavam na Marinha — Joe Tucker era piloto lotado em Pearl Harbor — e que achava que dois parentes seus envolvidos na guerra era suficiente. Seu pai, diretor da Escola de Ensino Médio Murphy, tinha quase certeza, porém, de que seu filho seria recrutado em breve, já que outros jovens estavam sendo engajados e, nesse dia, o presidente Roosevelt havia declarado guerra

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ao Japão oficialmente. Contudo, havia algo mais a considerar. A ameaça era real. O pai de Sid havia participado da Primeira Guerra Mundial. De mais a mais, na criação dos filhos não se esquecera de ensiná-los a amar a pátria, a ponto de se mostrarem dispostos a lutar por ela. Quando seu filho único manifestou o desejo de fazer isso, achou que não tinha como impedi-lo.

Embora a discussão entre seus pais houvesse apenas começado, Sid achou que seu pai acabaria conseguindo convencer sua mãe a tempo de ele poder partir com o Sub. No entanto, pelo jeito talvez outro dos melhores amigos de Sid não se juntaria a eles. Eugene Sledge queria alistar-se também, mas seus pais o proibiram. Queriam que Eugene terminasse o ensino médio. Eugene sofria de sopro anormal do coração. Já seu irmão havia entrado para o Exército. O pai de Eugene tinha muitos motivos para não o querer nas Forças Armadas, mas nenhum deles convenceu seu filho caçula. Como Sid, Eugene achava que tinha o dever de servir. Em parte, esse sentimento era ali-mentado pelo ataque traiçoeiro dos japoneses. Ademais, seu senso de dever vinha da longa tradição da família em prestar serviços militares. Seu pai, que era médico, participara da Primeira Guerra Mundial. E seus bisavôs haviam lutado na Guerra de Secessão.

Além de terem muitos interesses em comum, a paixão que Eugene e Sidney cultivavam pela história da Guerra de Secessão criara sólidos laços de amizade entre eles. Na maioria dos fins de semana, podiam ser vistos em um dos campos de batalha próximo às cercanias de Mobile. Como os pais de Eugene deixavam um automóvel à disposição dele — luxo, aliás, muito raro na época —, podiam ir de carro ao Forte Blakeley ou ao Forte Espanhol. Até certo ponto, esses passeios eram uma fuga da vida rigorosamente disci-plinada e planejada que lhes impunham. Como as ruínas dos fortes jaziam abandonadas e esquecidas, Sid e seu amigo “Ugin” podiam divertir-se à von-tade. Adoravam escavar os baixos parapeitos de argila à procura de objetos antigos, como balas Minié e fivelas de cintos dos confederados. Quase sempre Eugene levava suas armas para praticarem tiro ao alvo. Liam bastante também sobre a guerra e a batalha travada ali. O Exército dos Confederados manteve

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o controle do Forte Blakeley mesmo depois de os ianques terem fechado o porto de Mobile e conquistado o Forte Espanhol. No dia em que o general Lee assinou a rendição, em Appomattox, cerca de vinte mil soldados tra-vavam a última grande batalha da Guerra de Secessão em Blakeley. A 82ª. Divisão de Infantaria Ohio encabeçou o ataque dos ianques, que acabaram varrendo os confederados de suas posições, aos quais superavam em número de soldados e armamentos. Sid e Eugene adoravam reconstituir as ações de cada uma dessas unidades, recompondo a batalha a partir da base dos mor-teiros, dos fuzileiros e dos redutos das peças de artilharia.

Sem dúvida, a guerra contra o Japão se tornaria tão importante quanto a Guerra de Secessão. “Os japas imundos”, tal como a maioria dos americanos se referia aos japoneses, haviam lançado um ataque traiçoeiro contra os ame-ricanos enquanto seus embaixadores falavam de paz em Washington, D. C. Foi uma traição. Portanto, ardia em Sid e Eugene o desejo de ajudarem o país a conseguir uma vitória gloriosa. Como os rebeldes do Forte Blakeley, que lutaram até a morte por muito tempo depois de haverem perdido a guerra, era grande a vontade deles de provarem sua coragem de uma vez por todas. Mas só poderiam fazer isso se conseguissem a permissão dos pais.

Enquanto todos não paravam de falar sobre o ataque a Pearl Harbor, o cabo John Basilone ficou furioso com o ataque japonês às Filipinas. Mas a reação dele não surpreendeu ninguém na companhia. Embora fosse cabo entre os fuzileiros navais, Basilone servira durante dois anos no Exército, a maior parte dos quais em Manila, anos atrás. Contara tantas histórias sobre Manila a seus amigos que, havia muito, o apelidaram de “John Manila”.9 Os fuzileiros gostavam de contar histórias de suas experiências no mar. Estacionados em um acampamento no litoral da Carolina do Norte, não tinham opções de lazer, exceto bater papo. A tatuagem de uma bela mulher que John tinha no bíceps direito provocava comentários e perguntas. Ele dizia que o nome dela era Lolita e que a conhecera em Manila, “totalmente

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por acaso, durante uma dessas tempestades que surgem de repente”.10 Para se proteger da forte chuva, entrou em uma pequena boate, onde a viu pela primeira vez.

John só começou a conhecer os filipinos e seu país quando conheceu Lolita, que o enturmou. Embora pobres, os filipinos — que pronunciavam a palavra como “pilipinos” — trabalhavam duro e se orgulhavam da própria cultura. Haviam travado uma longa guerra de independência e forçaram o governo americano a estabelecer um prazo de retirada de suas tropas. Com a questão da independência resolvida antes de sua chegada, John teve a oportunidade de conhecer uma mulher e um povo que amavam a América, tanto que recorreram ao seu país em busca de ajuda. O primeiro presidente das Filipinas havia pedido ao general Douglas MacArthur que criasse um Exército para os filipinos e o comandasse como marechal de campo. Para proteger a frágil e nascente democracia, até que pudesse se defender sozinha, o Exército americano mantinha uma grande força militar no país. Embora fosse soldado raso, Basilone conseguira entender que a maior de todas as ameaças originava-se no Japão.11 Fazia anos que os japoneses vinham ten-tando livrar o Extremo Oriente da presença americana.

No dia 9 de dezembro, receberam notícias de ataques dos japoneses a outros países e ilhas do Pacífico. Por mais chocada que tivesse ficado a nação com as amplas conquistas japonesas no local, John dizia a todos que Manila não cairia.12 O general MacArthur comandava um poderoso Exército da própria suíte no topo do hotel Manila, num dos lados que possuía vista para a baía e, do outro, na área situada para além da principal avenida local, a Dewey Boulevard. A parte norte de Luzón tinha sistemas de defesa impres-sionantes, o mais importante dos quais John vira certa noite num passeio de barco com Lolita.13 Ao sair da baía de Manila com o barco, ela o fez contornar a parte extrema da península de Bataan para entrar na baía de Subic. Continuaram avançando pelo litoral norte de Bataan, na direção de Olongapo, para jantarem num restaurante especial. Fora uma noite inesque-cível, em muitos aspectos, mas John lembra-se também de haverem passado

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Castelo de Cartas • 41

pela ilha-fortaleza, que protegia o acesso à baía de Manila: Corregidor, conhecida como “a Rocha”. Seus antigos muros de pedra, encimados por gigantescas peças de artilharia costeira, erguiam-se imponentes acima dos maiores navios construídos até então.

Quando chegou ao fim do serviço militar no Exército, John decidira voltar solteiro para casa. Pouco antes da partida do companheiro, Lolita saiu em seu encalço, mas, por sorte, conseguiu escapar dela, costumava dizer ele em tom de brincadeira, pois ela tinha levado um facão consigo e cortara ao meio a mochila de Basilone.14 Talvez por serem fuzileiros também, seus amigos acreditavam em quase tudo o que ele dizia.15 Mas a intenção das histórias que John narrava nunca era fazê-lo parecer uma pessoa boa. É que, simples-mente, gostava de dar umas boas risadas e trocar histórias com os colegas. O ouvinte cuidadoso, porém, conseguiria ver algo mais nessas histórias. John adorava Manila porque tinha sido ali que fora aceito e reconhecido. A vida aventurosa e desgastante de soldado profissional arrancara dele uma inquietação e insatisfação fundamente arraigada. Ao contrário das con- dições enfrentadas nas lutas que travara na vida de civil, John descobrira um talento inato para a vida de combatente.

O caminho trilhado por John Manila, do Exército até o CFNA, fora tor-tuoso e difícil, mas ele acabou conseguindo deixar Manila em busca de uma situação melhor, no setor de operadores de metralhadora da Companhia Dog, 1º. Batalhão, 7º. Regimento de Fuzileiros Navais (D/1/7), onde en-frentou a guerra seguramente instalado e adaptado no lugar ao sol que a vida lhe reservara. Adorava ser fuzileiro, mesmo porque conhecia bem o seu trabalho. Além de não ser motivo de preocupação para os pais, enviava 40 dólares por mês à mãe.16 Essa paz consigo mesmo fez brotar nele o que havia de mais natural em sua personalidade: um espírito alegre, tranquilo, amigo da troça, da brincadeira e que atraía, fascinava as pessoas.17 Trazia inscrito no ombro esquerdo a síntese dos sentimentos que o caracterizavam. Era o desenho de uma espada em que figurava rasgando uma bandeira, com os dizeres: “A morte! A desonra nunca!”

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