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Thomas Hobbes Do CORPO PARTE I CÁLCULO OU LÓGICA Edição em latim e português Tradução e notas Maria Isabel Limongi Vivianne de Castilho Moreira Coleção Multilíngues de Filosofia Unicamp Série A H-tJtt~ I

Thomas Hobbes - Do Corpo

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Thomas Hobbes

Do CORPOPARTE I

CÁLCULO OU LÓGICA

Edição em latim e português

Tradução e notas

Maria Isabel LimongiVivianne de Castilho Moreira

Coleção Multilíngues de Filosofia Unicamp

Série A

H-tJtt~ I

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SUMÁRIO

Nota préviaH .HHHHHHH" HHHHHH.... HHHHH..... H

Ao leitor

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13

I Da filosofia .HHH.HHHHH .... HHHHHH.H..... 17

II Dos vocábulos'HH'

III Da proposição H

IV Do silogismo H HH' HHHHH" HHHHHH.... HHHHH.... HHH

V Do erro, da falsidade e das capciosidades HHHHHH", HHHHHH"H

37

67

93

II3

VI Do método . HHHHHH'".HHHHH.H HHHHHH HHHH.H HHH H HHHHH H. 131

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NOTA PRÉVIA

A história das publicações do De Corpore foi reconstituída por Karl

Schuhmann e Martine Pécharman na introdução à sua primeira ediçãocrítica, publicada por Schuhmann em 1999, em Paris, pela Vrin. A pri­meira edição, que Hobbes provavelmente terminou de escrever em 1653,

após seu retorno a Londres, findo o seu período de exílio na França,data de 1655, e sua história, cheia de percalços, é só o começo de uma

longa e tortuosa história, da qual brota uma série de dificuldades para oestabelecimento do texto.

A primeira edição começou a ser impressa em 1654, em Londres, porAndrew Crooke, mas sua impressão foi logo interrompida, em funçãodas críticas dos matemáticos de Oxford, notadamente Ward e Wallis, ao

capítulo XX da obra, ao qual eles tiveram acesso maios cadernos saíram

do prelo, antes mesmo do término da impressão da obra em sua totalida­

de. Tamanha ansiedade para ler e criticar uma obra ainda em processo deimpressão se explica, de um lado, pelo conteúdo desse capítulo em parti­cular, em que Hobbes propõe uma solução para o problema da quadraturado círculo, o que, segundo as suspeitas bem fundadas das autoridades de

Oxford, parecia e de fato se mostrou ser uma pretensão desmesurada paraos conhecimentos matemáticos do nosso autor; e, de outro, por uma certa

implicância para com o autor do Leviathan, que, desde a sua publicaçãoem 1651, em função de suas teses controversas em meio a uma Inglaterrapoliticamente conturbada, trouxera uma certa má fama para Hobbes, má

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fama que Ward e Wallis se empenharam em intensificar, no que se pode

entender como um projeto político de difamação de Hobbes.Em função dessas críticas, Hobbes suspendeu a impressão do De

Corpore, a qual foi retomada em I655, com uma nova versão dos capítulosXVI e XX. Tendo, porém, logo percebido que sua nova solução para o

problema espinhoso de que se propusera a tratar tampouco era satisfató­ria, Hobbes acrescentou à versão já impressa uma nota em que se declarasabedor disso, tendo, no entanto, preferido deixá-ia daquele modo para

não tardar ainda mais a impressão da obra. Seus críticos não perdoaramessa hesitação. Ainda em I655, Wallis publica o seu Elenchus Geometriae

Hobbianae e, no ano seguinte, sai a Exercitatio Epistolica de Ward, obrasem que a matemática do De Corpore é duramente atacada, por vezes de

modo ofensivo para com seu autor.Sua reputação estava em questão e Hobbes não podia deixar seus

críticos sem resposta. A oportunidade da réplica veio com a publicação,

em I656, da tradução inglesa do De Corpore, prevista desde o momentoda publicação do texto latino. Tal tradução foi publicada acompanhada

do texto Six lessons to the professors o/ Mathematicks o/ the institution o/

Sir Henry Savi/e, in the university o/Oxford, no qual Hobbes rebate ascríticas de Wallis e Ward.

A tradução é anônima. Um aviso ao leitor indica que ela foi revista

por Hobbes. Mas é evidente que Hobbes não apenas a reviu (tendo,contudo, deixado passar alguns erros e falhas de tradução), como porvezes interveio diretamente no texto, modificando-o em função das

críticas que recebera, como declara em Sixlessons. Assim, o capítuloXVIII e o malfadado capítulo XX encontram-se quase inteiramentemodificados em relação à edição latina. Restam dúvidas, porém, sobre o

grau de participação de Hobbes no texto inglês, e, para além dos capí­

tulos citados, em que passagens precisamente ela se deu. Não obstante,é certo que o Concerning Body faz parte da história da escritura/ edição

do De Corpore e deve ser levado em conta pelos estudiosos da obra.Daí por que Schuhmann tenha acrescentado à sua edição crítica umasérie de apêndices em que o texto inglês é reproduzido, sempre que

este lhe pareceu expressar melhor as intenções de Hobbes no que dizrespeito a uma versão definitiva da obra, já que nenhuma das edições

conhecidas, publicadas durante a vida de Hobbes, pode aspirar semreservas a esse título.

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NOTA PRÉVIA

Que Hobbes sonhasse com uma nova edição latina do De Corpore

incorporando as modificações introduzidas pela versão inglesa, é o quefica claro com a publicação em 1660, em Londres, também por Crooke,da obra Examinatio et emendatio, na qual Hobbes sai mais uma vez em

defesa do De Corpore, criticando a Opera Mathematica de Wallis. Uma

lista de correções ao De Corpore, tomadas, segundo uma declaração deHobbes, da edição inglesa, é acrescentada ao final do livro, ainda que,nessa lista, as modificações introduzidas pelo texto em inglês em relação

ao original latino não sejam observadas de modo regular.A esperada segunda edição do texto latino só saiu, porém, em 1668,

por iniciativa de Sorbiere, fiel amigo de Hobbes, que conseguiu a publi­

cação em Amsterdam da sua Opera Philosophica, quae latine scripsit, na

qual, pela primeira vez, Hobbes conseguiu reunir os elementos do seusistema, publicando conjuntamente e em ordem o De Corpore, o De Ho­mine e o De Cive, além de outros textos, incluindo uma versão latina do

Leviathan. Essa edição do De Corpore tomou por base a edição de 1655,

nem sempre respeitando as melhoras introduzidas pela versão inglesa eindicadas em Six lessons, nem as correções indicadas na errata que acom­panhou a edição de 1655. Algumas correções gramaticais e de impressãoforam introduzi das, provavelmente por parte de revisores e não pela mão

de Hobbes. Mas é certo que Hobbes tomou parte nessa edição, tendo

em vista que ela incorpora algumas modificações da edição inglesa e ascorreções propostas na Ementatio, além de trazer uma terceira versão doscapítulos XX e XXVI.IO, sem precedentes nas edições anteriores.

Essas três edições - a do texto latino em 1655, a do texto inglês em1656 e a da nova versão latina em 1668 - completam o conjunto das

edições do De Corpore ocorridas durante a vida de Hobbes, que contaramcom a participação do autor. A estas, acrescenta-se um conjunto bastantemodesto de edições póstumas: (1) as edições, publicadas em 1839, em

Londres, das versões latina e inglesa, por parte de Molesworth, que reuniue publicou o que na época se conhecia das obras completas de Hobbesem latim e em inglês, reimpressas em 1962 e 1966; (2) a já citada edição

crítica de Schuhmann do texto latino, de 1999; e (3) algumas traduções

modernas do texto latino feitas a partir da edição de Molesworth, para oinglês (apenas da parte I), para o espanhol e para o italiano.

A presente tradução para o português da parte I do De Corpore tomapor base, por razões que dizem respeito à maior facilidade de reprodução

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do texto latino, a edição de Molesworth, que consta no primeiro volume

da Opera philosophica quae latine scripsit, publicada em Londres em 1839

e reimpressa em Aalen, em 1962 e 1966. Essa edição, por sua vez, se fez a

partir da edição de 1668, a qual Molesworth corrigiu em seus erros gra­maticais e tipográficos, unifarmizou e modernizou a ortografia. A edição.de 1668 é sem dúvida, levando em conta as peripécias da publicação da

De Corpore narradas acima, aquela da qual se deve partir, sendo tambémaquela adotada por Schuhmann como o texto de base de sua edição críti­ca. À diferença de Malesworth, contudo, Schuhmann não adota a edição

de 1668 sem ressalvas, na medida em que ela ignora, provavelmente em

função da idade avançada de Hobbes, algumas mudanças significativasda edição. inglesa e da errata da edição de 1655. Além disso, Schuhmann

levau em conta manuscritos cantenda versões mais antigas da De Corpore,

ainda não. descabertas na época da edição. de Moleswarth, aas quais serefere na seu aparato crítico.

No que diz respeito aas capítulas aqui traduzidas, para as fins da

tradução., a adaçãa da edição de Maleswarth na lugar da edição. de Schuh­mann, sempre consultada, não. traz prejuízo.. Tais capítulas remantam às

versões mais antigas da De Corpore, datadas de 16381r639 (de acardo cam

as manuscritos acima citados), e apenas a capítulo. VI se afasta significa­tivamente delas, tenda sido. reescrito em 1653, em função. de alterações,

na mamenta da escritura da versão. final da texto., na ordem de expasiçãadas matérias, à qual se faz referência nesse capítulo.. Além disso., essescapítulas faram paupados do. processa de sucessivas escrituras narradaacima. Eles campõem, assim, uma parte mais estável da abra. Ainda assim,

dada que não. se pade ignarar a impartância da trabalha de Schuhmann,indicaram-se nas natas de tradução. as diferenças da sua edição. em relação.

à de Maleswarth, sempre que relevantes à tradução.Esta tradução. não teria saído não. fassem o trabalho, o incentiva e

a insistência de Jasé Oscar de Almeida Marques, que, ciente da necessi­

dade de disparmas de uma tradução do De Corpore, tomau a iniciativade preparar uma tradução. da parte I a partir do texto inglês, por ele pu­blicada nas Cadernos de Tradução da Unicamp, lançanda-me a partir daí

a desafia de traduzir as capítulas carrespandentes a partir do latim. Foi

assim que convidei minha calega Vivianne de Castilha Mareira para meajudar nessa tarefa que, sozinha, não. paderia levar a cabo. O resultada

é este que aqui se apresenta. Teria sido desejável, sem dúvida, traduzir

Ia

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NOTA PRÉVIA

o De Corpore inteiro. Mas sabíamos que esse projeto nos levaria a adiar,

talvez para sempre, a disponibilização do trabalho já feito, o que seriauma pena, já que a lógica do De Corpore, não menos que a obra em suatotalidade, merece divulgação. Registre-se que as soluções de tradução de

José Oscar a partir do inglês nos foram muito úteis.

Maria Isabel Limongi

II

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AO LEITOR

Não creia, amigo leitor, que a filosofia cujos elementos me proponhoaqui a ordenar seja aquela pela qual se fazem pedras filosofais, nem aquelaque se ostenta nos códices metafísicos, mas sim a natural razão humanapercorrendo diligentemente todas as coisas criadas e relatando o que forverdadeiro acerca de sua ordem, suas causas e seus efeitos. Logo, filha deteu espírito e de todo o Mundo, a Filosofia está em ti mesmo, talvez nãoainda formada, mas informe, tal qual no princípio o seu genitor, o Mundo.Deves, portanto, fazer como os escultores, que, ao esculpirem a matériasobressalente, não produzem uma imagem, mas a descobrem. Ou imitara criação e fazer com que tua razão se sobreponha ao abismo confuso deteus pensamentos e experiências (se hás de dedicar-te seriamente ao traba­lho da filosofia). As coisas confusas devem ser discutidas, distinguidas, e,cada uma delas tendo sido designada pelo seu nome, ordenadas; isto é, énecessário um método condizente com a criação das próprias coisas. Poisa ordem da criação foi: luz, distinção entre noite e dia, jirmamento, criaturascelestes, criaturas sensíveis, homem. A seguir, depois da criação, o manda­

mento. Portanto, a ordem da contemplação será: razão, definição, espaço,astros, qualidades sensíveis, homem. Depois, o homem adulto, o cidadão.Portanto, na primeira parte desta seção, a qual é intitulada Lógica, acendoa luz da razão. Na segunda

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(que é a Filosofia Primeira), distingo entre si as ideias das coisas mais comuns

por meio de definições precisas, para eliminar o que é ambíguo e obscuro.

A terceira parte versa sobre a expansão dos espaços, isto é, a Geometria. A

quarta trata do movimento dos astros e, além disso, das qualidades sensíveis.

Na segunda seção, se Deus o permitir, será considerada a natureza do ho­

mem. Na terceira, já elaborada, considerou-se o Cidadão. Este é o método

que segui, e que tu, se te aprouver, poderás utilizar. Pois não te recomendo

o meu, apenas o proponho. Contudo, qualquer que seja o método que

empregares, gostaria muito de recomendar-te a filosofia, isto é, o estudo da

sabedoria, por falta do qual todos sofremos recentemente muitos males. Pois

também os que se dedicam à riqueza amam a sabedoria, já que seu tesouro

não lhes apraz senão como um espelho em que podem ver e contemplar

sua sabedoria. Nem os que amam se dedicar à vida pública buscam outra

coisa senão um lugar no qual possam explicar a sabedoria que possuem.

E os voluptuosos não negligenciam a filosofia, a não ser certamente por

desconhecerem quanto prazer se obtém pela união eterna e vigorosa deste

belíssimo mundo com a alma. Por fim, despeço-me recomendando-te a

filosofia se não por outra coisa (porquanto a mente humana tem aversão

ao tempo vazio não menos que a natureza ao lugar vazio), para preencheres

de maneira prazerosa teu ócio, a fim de não importunares os homens que

têm suas ocupações, ou seres forçado, para prejuízo teu, a aproximar-te,

por ócio, daqueles que ocupam maIo seu tempo.

T. H.

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CÁLCULO OU LÓGICA

CAPÍTULO I

DA FILOSOFIA

L Introdução. 2. Definição de Filosofia explicada. 3. Raciocínio damente. 4. Propriedades, o que são. 5. Cornos as propriedades derivamda geração e vice-versa. 6. Objetivo da Filosofia. 7. Utilidade da Filosofia.8. Assunto da Filosofia. 9. Partes da Filosofia. IO. Epílogo.

L A Filosofia parece-me encontrar-se hoje entre os homens na mesma

situação em que se diz que o pão e o vinho existiam nas coisas da naturezanos primeiros tempos. Pois desde o início havia videiras e espigas aquie acolá nos campos,. mas nenhuma semeadura. Assim, vivia-se de bolo­

tas de carvalho; e se alguém tivesse ousado experimentar aquelas bagasdesconhecidas e suspeitas, tê-Io-ia feito em detrimento da própria saúde.Da mesma maneira, a Filosofia, isto é, a razão natural, é inata em todo

homem; pois qualquer um raciocina até certo ponto e acerca de algumascoisas. Mas quando há a necessidade de uma longa série de razões, a maiorparte dos homens desvia-se do caminho, e erra por falta de um método

correto, como que por falta de semeadura. Daí ocorre que aqueles que secontentam com a experiência cotidiana, como com bolotas de carvalho, erejeitam a filosofia ou não a buscam, são comum ente considerados e são

de fato homens de mais juízo do que aqueles que, imbuídos de opiniõespouco vulgares, mas duvidosas e assumidas levianamente,

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estão sempre discutindo e brigando, como homens de pouco juízo. Admito,na verdade, que a parte da filosofia pela qual se extraem razões de grandezase figuras está admiravelmente cultivada. Mas como não observei o mesmotrabalho nas outras partes, tomei a iniciativa de explicar, tanto quantoestiver a meu alcance, os poucos e primeiros elementos da filosofia emgeral, à guisa de certas sementes das quais parece que a pura e verdadeirafilosofia poderia aos poucos brotar.

Não ignoro o quão difícil é expurgar dos espíritos dos homens asopiniões inveteradas e confirmadas pela autoridade dos mais eloquentesescritores; especialmente visto que a filosofia verdadeira (isto é, acurada)declaradamente retira do discurso não apenas o verniz, mas também quasetodos os ornamentos; e que os primeiros fundamentos de toda ciência nãoapenas não são belos, mas também parecem simplórios, áridos e quasedeformados.

No entanto, visto que certamente há homens, embora poucos, queem todas as coisas se deliciam com a verdade e com a própria firmeza darazão, considerei que esta obra devesse ser executada para aqueles poucos.Passo, assim, ao assunto. E começo pela própria definição de filosofia.

2. A filosofia é o conhecimento adquirido pelo reto raciocínio dos Efeitos ou

Fenômenos, a partir da concepção de suas Causas ou Gerações; e, inversamente,

de quais podem ser as Gerações a partir dos efeitos conhecidos.

Para compreender essa definição, convém considerar em primeirolugar que a Sensação e a Memória das coisas, que são comuns aos homense a todos os seres animados, embora sejam conhecimento, como nos foramdadas imediatamente pela natureza e não foram adquiridas pelo raciocínio,não são, contudo, filosofia.

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Em segundo lugar, visto que a Experiência nada mais é que memória;e a Prudência ou a prospecção do futuro nada mais é que a expectativade coisas semelhantes àquelas de que já tivemos experiência, a prudênciatampouco pode ser considerada filosofia.

Por raciocínio entendo cálculo. Ora, calcular é ou coletar a soma de

muitas coisasadicionadas conjuntamente, ou conhecer o que restaquando umacoisa é retirada da outra. Raciocinar, porranto, é o mesmo que adicionar

ou subtrair; e não objeto se alguém acrescentar a isso multiplicar e dividir,visto que a multiplicação é o mesmo que a adição de iguais, e a divisão,

a subtração de iguais tantas vezes quanto possível. Por conseguinte, todoraciocínio se reduz às duas operações da mente: adição e subtração.

3. Um ou dois exemplos devem mostrar de que maneira costumamosadicionar e subtrair na mente, raciocinando por um pensamento tácitosem palavras. Assim, se alguém vir obscuramente algo longínquo, aindaque nenhum vocábulo tenha sido atribuído, tem, contudo, daquela coisaa mesma ideia por causa da qual, agora, atribuídos os vocábulos, diz-seque a coisa é um corpo. E se, depois de chegar mais perro, vir a mesmacoisa ora em um cerro lugar, ora em outro, terá uma nova ideia dela, porcausa da qual a coisa se chama agora animada. Por fim, quando, estandopróximo, vê a figura, escuta a voz e atenta para outras coisas que são signosde uma mente racional, tem uma terceira ideia, mesmo que até então nãohaja um nome para ela; a saber, aquela por causa da qual se diz que algo éracional. Finalmente, quando ele já concebe plena e distintamente a coisatoda vista como una,

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essa ideia é composta das precedentes, e deste modo a mente compõe asideias mencionadas na mesma ordem pela qual são compostos no discursoos nomes isolados corpo, animado, racional, em um único nome corpoanimado racional, ou seja, em homem. Igualmente, a partir dos conceitosde quadrilátero, de equilátero e de retângulo compõe-se o conceito de qua­drado; pois a mente pode conceber um quadrilátero sem o conceito deequilátero, e um equilátero sem o conceito de retângulo; e, uma vez ostendo concebido, pode reuni-l os em um único conceito ou uma única ideiade quadrado. Vemos, assim, de que maneira a mente compõe conceitos.Inversamente, se alguém vir um homem parado próximo de si, concebedele a ideia integral; mas se, à medida que este se afasta, ele o seguir ape­nas com os olhos, perderá a ideia daquelas coisas que eram signos da razão,muito embora a ideia de animado permaneça diante dos olhos; assim,se da ideia inteira de homem, isto é, de corpo animado racional, for sub­traída a ideia de razão, a que resta é a de corpo animado; a seguir, poucodepois, a uma distância maior, perdida a ideia de animado, restará so­mente a ideia de corpo, e, enfim, quando, por cáusa da maior distância,nada mais se pode divisar, a ideia toda desaparece dos olhos. E pensoestar suficientemente explicado por esses exemplos que tipo de coisa é oraciocínio interno da mente sem palavras.

Não se deve pensar, portanto, que o cálculo, isto é, o raciocínio, tenhalugar apenas nos números, como se o homem fosse distinto dos outrosseres animados (como se diz ter sido a opinião de Pitágoras) apenas pelafaculdade de enumerar; pois também se pode acrescentar a e subtrair degrandeza grandeza, de corpo corpo, de movimento movimento, de tempotempo, de grau grau, de ação ação, de conceito conceito, de proporçãoproporção, de discurso discurso,

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nome de nome (no que consiste todo tipo de filosofia).Ora, a coisa que adicionamos e subtraímos, isto é, que levamos em

conta, dizemos que a consideramos; em grego logízestai, assim como calcularou raciocinar se denomina syllogízestai.

4. Mas os efeitos e os fenômenos são faculdades ou poderes dos corpospelos quais os distinguimos uns dos outros, isto é, os concebemos iguaisou desiguais, semelhantes ou diferentes uns dos outros; como no exemploacima, depois de nos havermos aproximado de algum corpo o bastante paraperceber seu movimento e a maneira como se move, nós o distinguimos deuma árvore, de uma coluna e de outros corpos fixos; do que se segue queaquela maneira de se mover é uma propriedade dele, como algo próprio aosanimais, por meio da qual é distinguido dos outros corpos.

5. O modo como o conhecimento de um efeito pode ser adquirido apartir do conhecimento da geração pode ser facilmente entendido peloexemplo de um círculo. Pois, dada uma figura plana muito próxima à fi­gura de um círculo, pelos sentidos não se pode de modo algum conhecerse é um círculo ou não; mas, a partir do conhecimento da geração da fi­gura em questão, pode-se conhecê-Ia muito facilmente. Pois seja feita afigura pelo giro de um corpo do qual uma das extremidades permaneçaimóvel; raciocinaremos assim: um corpo feito girar sobre si mesmo, semprecom o mesmo comprimento, aplica-se a si próprio primeiro a um raio,depois a outro, e a um terceiro, a um quarto, e sucessivamente a todos;assim, do mesmo ponto, o mesmo comprimento atinge a mesma circun­ferência onde quer que seja, ou seja, todos os raios são iguais. Assim seconhece que de tal geração procede uma figura a partir de cujo únicoponto médio todos os pontos extremos são atingidos por raios iguais.

Igualmente, conhecendo-se uma figura, chegaremos pelo raciocínio

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a alguma geração, mesmo que talvez não àquela pela qual foi gerada, con­tudo àquela pela qual poderia tê-Io sido; pois, conhecida a propriedade docírculo da qual falamos há pouco, é fácil saber que, se um corpo é giradoassim como dissemos, um círculo é gerado.

6. O fim ou o escopo da filosofia é que possamos fazer uso dos efei­tos previstos para nossa comodidade; ou que, pela aplicação de corpos acorpos, sejam produzidos pela indústria humana efeitos semelhantes aosefeitos concebidos na mente, na medida em que venham a permiti-Io aforça humana e a matéria das coisas, para proveito na vida humana.

Pois não julgo que se regozijar e triunfar em silêncio seja recompensapara tanto esforço quanto deve ser despendido em filosofia, uma vez supe­rada uma dificuldade sobre coisas duvidosas ou desvelada alguma verdadeoculta. Nem creio que alguém vá dedicar-se muito para que outro saiba oque ele sabe, se considerar que disso nada mais se seguirá. A Ciência pelopoder. O Teorema (que entre os Geômetras é a investigação da propriedade)pelos problemas, isto é, pela arte de construir. Enfim, toda especulação sefaz em vista de alguma ação ou obra.

7. Compreenderemos melhor o quanto a filosofia é útil, sobretudoa Física e a Geometria, quando tivermos enumerado as principais co­modidades de que atualmente o gênero humano dispõe e comparado asinstituições daqueles que delas gozam com as instituições daqueles a quemelas faltam. Ora, as maiores comodidades do gênero humano são as Artes,como a de medir os corpos e seus movimentos, a de mover corpos muitopesados, a da construção, a da navegação, a de produzir instrumentos paratodos os usos,

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a de calcular os movimentos celestes, os aspectos dos astros e momentosdo tempo, a de descrever a superfície da terra. Quantos bens são adqui­ridos pelos homens através delas é mais fácil entender do que dizer. Elessão desfrutados por quase todos os povos da Europa, pela maioria dosda Ásia e por alguns da África; mas os americanos e os povos que vivempróximos aos polos carecem completamente deles. Mas por quê? Acasosão aqueles mais argutos do que estes? Acaso não têm todos os homenso mesmo gênero de alma e as mesmas faculdades da alma? O que, então,está disponível a uns e falta a outros senão a filosofia? A causa de todosesses benefícios é, pois, a filosofia. Mas o benefício da filosofia moral e civildeve ser avaliado não tanto pelas comodidades que temos por conhecê-Iaquanto pelas calamidades a que estamos expostos por ignorá-Ia. Ora, todasas calamidades que podem ser evitadas pela indústria humana provêm daguerra, mas principalmente da guerra civil, pois desta derivam a matança,a solidão e a carência de todas as coisas. A causa disso, entretanto, não

é que os homens as queiram, pois não há vontade a não ser do bem, aomenos do bem aparente, nem é que os homens não saibam que essas coisassão más, pois quem não sente que a matança e a pobreza são em si máse danosas? Portanto, a causa da guerra civil é que os homens ignoram ascausas da guerra e da paz, e que pouquíssimos são os que aprenderam osseus deveres pelos quais a paz é consolidada e conservada, isto é, a verdadeiraregra do viver. Ora, o conhecimento dessas regras é a filosofia moral. Maspor que eles não as teriam aprendido, a não ser porque até agora ela nãofoi transmitida por ninguém por um método claro e correto? E por quê?Teriam os antigos doutos gregos, egípcios, romanos, e outros, sido capa­zes de persuadir a multidão de homens ignorantes dos inúmeros dogmassobre a natureza de seus deuses - que eles próprios não sabiam se eramverdadeiros ou não,

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e que eram manifestamente falsos e absurdos - e não teriam sido capazesde persuadir essa mesma multidão de seus deveres, se eles próprios osconhecessem? Ou aqueles poucos escritos geométricos que ainda existemvalerão para eliminar toda controvérsia naquelas coisas de que tratam, aopasso que aqueles inúmeros e vastos volumes de ética, se contivessem

coisas certas e demonstradas, de nada valerão? Que, então, se pode cogitarser a causa pela qual os escritos daqueles sejam científicos, e os destes, porassim dizer, apenas verborrágicos, senão que aqueles são obra de homensque sabem, e estes, de homens que ignoram a doutrina de que tratam,e que os produzem a fim de exibir seu engenho e eloquência? Eu não ne­garia, contudo, que a leitura de alguns desses livros seja muito agradável.Pois são muito eloquentes e contêm muitas sentenças lúcidas, salutares enada ordinárias, mas que, por eles proclamadas de modo universal, nãosão, contudo, em sua maior parte, universalmente verdadeiras. Donde

resulta que, com a mudança dos tempos, lugares, pessoas e circunstâncias,sejam mais usados para a confirmação de propósitos criminosos do quepara que se percebam os preceitos relativos aos deveres. O que sobretudofalta neles é a regra certa das ações, pela qual se possa saber se o que esta­mos por fazer é justo ou injusto. Pois o que ordenam em cada coisa, asaber, fazer aquilo que é correto, é inútil antes que seja instituída uma regrae uma medida certa do correto (o que até agora ninguém instituiu). Por­tanto, porquanto as guerras civis e, com elas, as maiores calamidades sãoconsequências da ignorância dos deveres, isto é, da ciência moral, atribuí­

mos com razão ao conhecimento destes as vantagens contrárias. Vemos,por conseguinte, quanta utilidade tem a filosofia em geral

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(para não falarmos dos louvores e das outras satisfações dela provenientes).8. O assunto da Filosofia, ou a matéria de que ela trata, é todo corpo

do qual se pode conceber uma geração e do qual se pode estabelecer umacomparação sob algum aspecto, ou no qual têm lugar composição e reso­lução, isto é, todo corpo do qual se pode compreender a geração ou quetem alguma propriedade.

E isso é deduzido da própria definição de filosofia, cuja tarefa é a deinvestigar uma propriedade a partir da geração ou a geração a partir dapropriedade; donde se compreende, portanto, que, ali onde não há nenhu­ma geração ou propriedade, não há filosofia. Portanto, a filosofia excluide si a Teologia, ou seja, a doutrina da natureza e dos atributos de Deus,eterno, ingerável, incompreensível, e acerca do qual não se pode estabelecernenhuma composição ou divisão, nem conceber alguma geração.

Exclui a doutrina dos anjos e de todas as coisas que não se estimaserem corpos nem afecções de corpos, porque nelas não há lugar nem paracomposição nem para divisão, de modo que nelas não há lugar para o maise o menos, isto é, para o raciocínio.

Exclui a história, tanto natural quanto política, ainda que seja muitoútil (e mesmo necessária) para a filosofia, porque tal conhecimento é ouexperiência ou autoridade, e não raciocínio.

Exclui toda ciência que é originada da inspiração divina ou da reve­lação, visto que ela não é adquirida pelo raciocínio, mas dada como umdom pela graça divina e por um ato instantâneo (como que por algumsentido sobrenatural).

Exclui não apenas todas as doutrinas falsas,

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

como também as que não são bem fundadas, pois o que é conhecido porum raciocínio correto não pode ser falso ou dúbio. Por isso se excluem aastrologia, tal qual se encontra hoje, e outras adivinhações, mais que ciên­cias, desse tipo. Por fim, exclui-se da filosofia a doutrina do culto de Deus,que é conhecido não pela razão natural, mas pela autoridade da Igreja, enão pertence à ciência, mas à fé.

9. As partes principais da filosofia são duas. Pois, aos que procuram asgerações e propriedades dos corpos, apresentam-se como que dois gênerossupremos de corpos, muito distintos entre si. Um, que é obra da natureza,é chamado natural; o outro, que é instituído pela vontade humana atravésdas convenções e dos pactos dos homens, é chamado cidade. Daí portantose originam, primeiramente, as duas partes da filosofia, a natural e a civil.

A seguir, porque, para conhecer as propriedades da cidade é necessárioque sejam conhecidos antes as disposições, as afecções e os costumes doshomens, a filosofia civil costuma ser novamente dividida em duas partes,das quais aquela que trata das disposições e dos costumes é chamada ética,

e a outra, que trata dos deveres civis, é chamada política ou simplesmentefilosofia civil. Portanto (depois de ter estabelecido o que pertence à próprianatureza da filosofia), falemos em primeiro lugar dos corpos naturais; emsegundo, da disposição e dos costumes dos homens; em terceiro, dos deveresdos cidadãos.

10. Por fim, visto que talvez haja alguns aos quais não agrade a defi­nição de filosofia supracitada, e que fiquem dizendo que, se concedida aliberdade de definir ao arbítrio, pode-se concluir o que quer que seja doque quer que seja

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

(embora eu pense que se possa mostrar sem dificuldade que essa mesmadefinição é de consenso entre os homens), para que isso não seja um motivode discussão entre mim e eles, declaro que nesta obra são apresentados oselementos daquela ciência por meio da qual são investigados os efeitos apartir da geração conhecida das coisas, ou, inversamente, a sua geraçãoa partir do efeito conhecido. De modo que aqueles que procuram umaoutra filosofia sejam advertidos a buscá-Ia em outra parte.

CAPÍTULO II

DOS VOCÁBULOS

L Necessidade para a memória de lembretes sensíveis ou marcas;

definição de marca. 2. Necessidade dos lembretes para a significação dasconcepções da mente. 3. Os nomes servem às duas coisas. 4. Definiçãode nome. 5. Os nomes são signos não das coisas, mas dos pensamentos.6. De que coisas os nomes são nomes. 7. Nomes Positivos e Negativos.8. Nomes Contraditórios. 9. Nome comum. 10. Nomes de primeira esegunda intenção. lI. Nomes Universais, Particulares, De Indivíduo, Inde­

finidos. 12. Nome Unívoco e Equívoco. 13. Nome Absoluto e Relativo. 14.

Nome simples e composto. 15. Descrição do predicamento. 16. Algumasobservacões sobre o predicamento., I

L Não há quem não saiba por experiência própria quão inconstantes eefêmeros são os pensamentos humanos e quão fortuita é a sua recordação.Pois ninguém é capaz de se recordar das quantidades sem medidas sensíveise presentes, nem das cores sem exemplares sensíveis e presentes,

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nem dos números sem os nomes dos numerais (dispostos em ordem eaprendidos de cor). Portanto, sem um tal auxílio, o que quer que um ho­mem tenha reunido na mente ao raciocinar imediatamente se esvai, não

podendo ser evocado senão repetindo-se a operação. Donde se segue que,para a aquisição da filosofia, são necessários alguns lembretes, pelos quaisos pensamentos passados possam ser retomados e como que registrados,cada qual em sua ordem. Lembretes desse tipo são o que chamamos mar­

cas, a saber, coisas sensíveis, empregadas ao nosso arbítrio, para que, ao serem

sentidas, possam ser evocados na mente pensamentos semelhantes àqueles em

vista dos quais foram empregadas.

2. Além disso, ainda que um homem, por mais sagaz que seja, gastetodo o seu tempo, em parte raciocinando, em parte inventando e deco­rando marcas para auxiliar a memória, quem não vê que isso teria para elemuito pouco e para os outros nenhum proveito? Pois, a não ser que oslembretes que tenha inventado para si sejam também comungados comos outros, sua ciência perecerá com ele._Porém, se tais lembretes ou marcas

forem comungados por muitos e se o que for inventado por um for trans­mitido aos outros, as ciências podem aumentar, em benefício do gênerohumano. Para a transmissão da filosofia, é necessário, portanto, que haja

alguns signos, pelos quais o que é pensado por uns possa ser manifesto edemonstrado aos outros. Costumamos chamar signos os antecedentes de

consequentes e os consequentes de antecedentes, toda vez que percebemos que

em sua maior parte eles precedem e se sucedem de modo semelhante. Porexemplo, uma nuvem densa é signo de uma chuva consequente e a chuvaé signo de uma nuvem antecedente, porque raramente temos a experiênciade uma nuvem

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

densa sem a chuva subsequente e nunca a da chuva sem uma nuvem quelhe anteceda. Dos signos, alguns são naturais, dos quais acabamos de darum exemplo; outros são arbitrários, a saber, os que são usados segundo anossa vontade, tal como uma hera pendurada para significar que se vendevinho, ou uma pedra para significar o limite de um campo, ou as palavrasconectadas de uma certa maneira para significar pensamentos e movimen­tos da mente. Assim, a diferença entre a marca e o signo é que aquela éinstituída para nós e este, para os outros.

3· As palavras conectadas de modo a se tornarem signos dos pensa­mentos são chamadas Discurso, e as partes isoladas, nome. Visto que, comodissemos, para a filosofia são necessários marcas e signos (valemo-nos demarcas para recordar e de signos para demonstrar nossos pensamentos), osnomes se prestam a ser essas duas coisas, mas desempenham a função demarcas antes que de signos. Pois, mesmo se existisse um único homem no

mundo, serviriam à memória, mas, apenas havendo outro a quem demons­trar, podem servir à demonstração. Além disso, os nomes isolados, por simesmos, são marcas, pois sozinhos também evocam os pensamentos, masnão são signos a não ser quando dispostos num discurso, e deste são partes.Por exemplo, a palavra homem <homo> certamente excita em quem a escutaa ideia de homem, contudo (salvo se alguém acrescentar é animal ou algoequivalente), não significa que haja alguma ideia na mente de quem fala,mas que [este] quer dizer algo que poderia certamente começar pela palavrahomem <homo>, como também poderia começar pela palavra homogêneo

<homogeneum>l. Portanto, a natureza do nome consiste primeiramente emque sejam marcas empregadas para memorizar; mas sucede que servemtambém para significar e demonstrar as coisas

I Aqui, Hobbes vale-se da raiz comum de homo e homogeneum, o que se perde com atradução para o português. (N. do T)

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que temos na memória. Assim, definimos nome do seguinte modo:4. Nome é uma palavra empregada ao arbítrio do homem, para que seja

uma marca pela qual se possa suscitar na mente um pensamento semelhante a

um pensamento passado, e que, disposta na oração, e pronunciada aos outros,

seja o signo de qual pensamento teve ou não teve aquele que a proferiu. Que osnomes sejam oriundos do arbítrio humano é algo que por brevidade julgueipoder assumir, por ser coisa da qual pouco se duvida. Pois, vendo que acada dia novas palavras nascem e antigas desaparecem, o quanto diferem aspalavras usadas pelos diferentes povos, e que, enfim, entre coisas e palavrasnão há semelhança nem pode ser estabelecida qualquer comparação, comopoderia alguém pensar que as naturezas das coisas teriam oferecido a simesmas os seus próprios nomes? Pois embora Deus tivesse ensinado algunsnomes de animais e de outras coisas, dos quais se serviram de início nossosancestrais, Ele, contudo, os impôs ao seu arbítrio; e depois disso, não sócom a torre de Babel, mas também com o passar do tempo, pouco a poucocaíram em desuso e no esquecimento, e em seu lugar sucederam-se outros,inventados e acatados pelo arbítrio dos homens.

Além disso, seja qual for o uso comum dos vocábulos, os filósofos quequerem transmitir sua ciência sempre tiveram e sempre terão o poder, e porvezes a necessidade, de empregar os nomes que quiserem para significar oque têm em vista a fim de se fazerem compreender. Pois os matemáticosnão tiveram de pedir licença a ninguém a não ser a si mesmos para chamaras figuras inventadas por elesparábolas, hipérboles, cisóides, quadraturas etc.,ou para denominar algumas grandezas A, outras B.

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Do CORPÓ - CÁLCULO ou LÓGICA

5. Ora, uma vez que, como definido, os Nomes dispostos no discursosão signos de conceitos, é evidente que não são signos das próprias coisas.Pois em que sentido se pode entender que o som da palavra pedra é signo deuma pedra senão que quem tiver ouvido esse som depreende que o falantehavia pensado em uma pedra? Portanto, aquela disputa dos metafísicos, seos nomes significam a matéria, a forma ou o composto, e outras desse tiposão disputas de pessoas em erro e que não compreendem as palavras sobreas quais discutem.

6. E nem é necessário que todo nome seja nome de alguma coisa.Pois assim como as palavras homem, árvore, pedra são nomes das própriascoisas, as imagens de homem, de árvore, de pedra, que ocorrem aos quesonham, também têm os seus nomes, muito embora não sejam coisas,mas apenas ficções e fantasmas das coisas. Pois ocorre recordar-se delas e,por isso, convém que os nomes as marquem e signifiquem tanto quantomarcam e significam as próprias coisas. Também a palavra futuro é umnome, mas uma coisa futura ainda não é, e tampouco sabemos, quandofalamos do futuro, se o futuro algum dia será. Entretanto, como estamosacostumados a enlaçar pelo pensamento o que é passado ao que é presente,significamos esse laço com o nome futuro. Além disso, o que não é, nemfoi, nem será, nem pode ser tem contudo um nome, a saber, o que náo é,

nem foi etc., ou, mais brevemente, o impossível. Por fim, a palavra nada éum nome e, contudo, não pode ser nome de uma coisa. Pois, por exemplo,se subtrairmos o 2 e o 3 do 5, não veremos qualquer resto e, se quisermosrecordar essa subtração, o discurso nada resta e, nele, o nome nada não sãoinúteis. Pela mesma razão, também

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

se diz corretamente do resto que é menos que nada quando o maior é

subtraído do menor. Com efeito, por razões especulativas, a mente simularestos desse tipo e deseja trazê-Ios à memória sempre que necessário. Ora,visto que todo nome tem uma relação com algum nomeado, mesmo que onomeado nem sempre seja uma coisa existente na natureza, é lícito, porrazões especulativas, chamar o nomeado de coisa, na medida em que resultano mesmo, se aquela coisa existe verdadeiramente ou se é fictícia.

7. A primeira distinção entre os nomes será que alguns são positivos ou

afirmativos e outros, negativos, os quais costumam ser chamados privativos

e infinitos. Positivos são os que são impostos em virtude de semelhança,igualdade ou identidade das coisas pensadas; negativos, os que são impos­tos em virtude da diferença, dessemelhança ou desigualdade dessas coisas.

Exemplos daqueles são homem, filósofo, pois homem denota qualquer umentre muitos homens, e filósofo denota qualquer um entre muitos filósofosem virtude da semelhança entre todos. Do mesmo modo, Sócrates é um

nome positivo, porque sempre denota um e o mesmo homem. Exemplosdos negativos são os que se fazem a partir da partícula não acrescida aospositivos, como não homem, não filósofo. Ora, os positivos são anterioresaos negativos, pois não se poderia fazer uso destes se aqueles não preexistis­sem. Com efeito, imposto o nome branco a certas coisas e, em seguida, osnomes negro, azul, diáfano etc. a outras, as dessemelhanças de todos estescom branco, que são infinitas em número, não puderam ser contidas emum único nome senão na negação de branco, isto é, no nome não-branco

ou outro equipo lente (como dessemelhante a branco), no qual a palavrabranco é repetida. E por meio desses nomes negativos

\

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Do CORPO - CÁLcuLO ou LÓGICA

evocamos na mente e significamos o que não havíamos pensado.8. Ora, os nomes positivos e negativos são contraditórios entre si, de

modo que ambos não poderiam ser nomes de uma mesma coisa. Além disso,dos nomes contraditórios, um deles certamente é o nome de alguma coisaqualquer. Pois o que quer que seja é homem ou não homem, branco ounão branco, e assim por diante, o que certamente é claro o bastante paradispensar mais provas ou explicações. Pois aqueles que assim enunciam: o

mesmo não pode ser e não ser falam de maneira obscura. E os que enunciamo que quer que seja ou é ou não é falam de maneira não só obscura comoridícula. Já a certeza deste axioma, qual seja, de dois nomes contraditórios,

um é nome de alguma coisa qualquer, o outro não, é o princípio e o funda­mento de todo raciocínio, isto é, de toda filosofia. Portanto, é preciso serenunciado com precisão, para que seja por si claro e perspícuo para todos,como de fato o é, salvo para aqueles que, lendo os longos sermões dos me­tafísicos sobre este assunto, nos quais supõem nada ser dito de ordinário,não sabem que entendem o que entendem.

9. A seguir, dos nomes, alguns são comuns a muitas coisas, como ho­

mem, árvore; ourros são próprios a cada coisa, como aquele que escreveu a

Ilíada, Homero, este, aquele. Um nome comum, na medida em que é nomede muitas coisas tomadas uma a uma, mas não de todas a uma só vez co­

letivamente (como homem não é nome do gênero humano, mas de cadaum dos homens, como de Pedro, de João e dos demais separadamente), é,por isso, chamado universal. Portanto, esse nome universal não é nome dealguma coisa existente na natureza, nem de alguma ideia ou fantasma

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

formados na mente, mas é sempre o nome de alguma palavra ou de umnome. De modo que, ao se dizer que animal ou rocha, ou espectro ou qual­quer outro são universais, não se deve compreender que haja algum homem,rocha etc. que tenham sido, sejam ou possam ser universais, mas apenas queas palavras animal, rocha etc. são nomes universais, isto é, nomes comunsa muitas coisas, e que os conceitos na mente a eles correspondentes são asimagens e os fantasmas de animais ou outras coisas singulares. E portanto,para compreender a força do universal, não é preciso outra faculdade alémda imaginativa, pela qual recordamos que palavras desse tipo suscitaram namente ora uma coisa ora outra. Ainda, dos nomes comuns, alguns são mais,outros menos comuns. Mais comum é o que é nome de mais coisas, menoscomum, o que é de menos coisas, como animal é mais comum que homem

ou que cavalo, ou leão, porque abarca todos estes. Portanto, com respeitoao menos comum que está contido sob ele, o nome mais comum costumaser dito gênero ou geral, enquanto aquele é dito sua espécie ou especial.

IO. E daí provém a terceira distinção dos nomes, a saber, que uns sãoditos de primeira, outros, de segunda intenção. De primeira intenção são osnomes de coisas, como homem, pedra; de segunda intenção são nomes de no­mes e de discutsos, como universal, particular, gênero, espécie, silogismo esemelhantes. Mas por que aqueles são ditos de primeira, e estes, de segun­da intenção é difícil dizer, a não ser talvez que teria sido a nossa primeiraintenção dar nomes às coisas em uso na vida cotidiana e que então darnomes às coisas que pertencem à ciência, isto é, dar nomes a nomes teriasido uma preocupação posterior e segunda. Mas qualquer que seja

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

a causa pela qual isso se tenha dado, é contudo evidente que gênero, espécie,definição não são nomes de outras coisas além de palavras e de nomes. Epor isso em metafísica não se põe corretamente gênero e espécie no lugarde coisas e a definição no lugar da natureza da coisa, visto que são apenassignificações dos nossos pensamentos sobre a natureza das coisas.

lI. Em quarto lugar, dos nomes, alguns são de significação certa oudeterminada, outros, indeterminada ou indefinida. De significação deter­minada e certa é, em primeiro lugar, o nome que é nome de apenas umacoisa, e é chamado indivíduo como Homero, esta árvore, aquele animal.

Em segundo lugar, o que vem acompanhado de uma palavra como todo,qualquer que, ambos, qualquer dos dois, ou outra equivalente. É chamadouniversal porque é nome de cada uma das muitas coisas às quais é comum.E é de significação certa porque aquele que o ouve concebe na mente acoisa que o falante queria que fosse concebida. De significação indefinidaé, em primeiro lugar, um nome que é acompanhado de uma palavra comoalguns, certos, ou outras equivalentes, e é chamado particular. Em seguida,um nome comum posto isoladamente, sem nenhuma nota de universali­dade ou particularidade, como homem ou pedra, e é chamado indefinido.E ambos, o particular e o indefinido, são de significação incerta porque oouvinte não sabe que coisa o falante quer que seja por ele compreendida.Portanto, no discurso, os nomes indefinido e particular devem ser consi­derados equivalentes.

E aquelas pal<Lvrasde universalidade e de particularidade como todo,

qualquer que seja, algum etc. não são nomes, mas partes de nomes, demodo que todo homem e aquele homem que o ouvinte conceber na mentesão idênticos, e

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Do CORPO - CÁLcuLO ou LÓGICA

algum homem e aquele homem que ofalante conceber na mente são idênticos.Donde também se pode compreender que o homem não faz uso dessessignos para si mesmo, ou para adquirir ciência através da própria medita­ção (pois qualquer um tem seu pensamento determinado sem eles), maspara os outros, isto é, para ensinar e significar aos outros seus conceitos;e que não foram excogitados em função da memória, mas em função daconversação.

12. Os nomes também costumam ser distinguidos entre unívocos eequívocos, de tal modo que unívocos são aqueles que, em uma mesma sériede raciocínios, significam sempre o mesmo, ao passo que equívocos sãoaqueles que devem ser compreendidos ora de um modo, ora de outro.Assim, dizem que o nome triângulo é unívoco por ser tomado sempre emum mesmo sentido; e que parábola é equívoco, porque às vezes denotauma alegoria ou semelhança, às vezes uma certa figura geométrica. Todametáfora é também manifestamente equívoca, mas esta não é uma distinçãodos próprios nomes, e sim daqueles que os empregam, dos quais algunsusam as palavras de modo apropriado e acurado (para alcançar a verdade),outros abusam delas (para o ornamento e a falácia).

13. Em quinto lugar, dos nomes, alguns são chamados Absolutos,outros, Relativos. Relativos são os que são impostos por causa de umacomparação, como pai, filho, causa, efeito, semelhante, dessemelhante, igual,

desigual, senhor, servo etc., ao passo que são ditos Absolutos os que nãosão impostos para significar uma comparação. Ora, assim como se diz dauniversalidade, que convém atribuí-Ia às palavras e não às coisas, assim

'também se deve dizer das demais distinções dos nomes, a saber, que nãohá nenhuma coisa unívoca ou

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equívoca, relativa ou absoluta. Há ainda uma outra distinção entre os no­mes, em concretos e abstratos; mas como os nomes abstratos são oriundos

da proposição e não podem ser estabelecidos onde uma afirmação não forsuposta, deles falaremos em seu devido lugar (cap. 3, art. 4)·

14. Em sexto lugar, alguns nomes são simples, outros, compostos ouconjugados. Antes de tudo, deve-se advertir que em filosofia um nome nãoconsiste, como na gramática, em uma única palavra, mas é o que, tomadoem conjunto, é nome de uma única coisa. Pois para um filósofo, o todocorpo animado sensitivo é um único nome, porque é nome de uma únicacoisa, a saber, de um animal qualquer; já para um gramática, são três no­mes. Um nome simples não é distinguido do composto por uma preposição,

como na gramática. Chamo aqui simples um nome que em cada gênero éo mais comum ou o mais universal; composto, por sua vez, aquele que,por um outro nome a ele agregado, se torna menos universal, significandoque mais conceitos existem na mente, em vista dos quais aqueles nomessão posteriormente acrescentados. Por exemplo, no conceito de homem (talcomo indicado no capítulo anterior), o primeiro conceito é o de que ele é

algo extenso, o que é marcado pelo emprego do nome corpo; portanto, corpo

é um nome simples, posto por aquele primeiro conceito único. A seguir,quando o vejo mover-se de um certo modo, nasce um outro conceito, emvista do qual é nomeado corpo animado, nome que aqui chamo composto,

assim como também o nome animal, que equivale a corpo animado. Domesmo modo, corpo animado racional, e seu equivalente

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

homem, é ainda mais composto. E assim vemos que a composição de con­ceitos na mente responde à composição dos nomes. Pois, assim como naalma uma ideia ou um fantasma sobrevém a outro e este a outro, também

um nome é acrescentado a um outro, depois a outro, e de todos se faz umúnico nome composto. Deve-se, contudo, tomar cuidado para não se pen­sar, embora alguns tenham filosofado assim, que os próprios corpos fora damente são compostos do mesmo modo, isto é, que haja na natureza umcorpo, ou que se possa imaginar existir algo que, num primeiro momento,não tenha em absoluto qualquer grandeza, e que, a seguir, sendo-lhe acres­centada uma grandeza, passe a ter uma quantidade, e conforme essa quan­tidade seja grande ou pequena, torne-se denso ou rarefeito, e que, nova­mente, sendo-lhe acrescentada uma figura, se torne figurado, e sendo-lheem seguida infundida luz ou cor, torne-se iluminado e colorido.

15. Os escritores de lógica tendem a distribuir os nomes (para todos osgêneros de coisas) em menos comuns e mais comuns, subordinando-os emcertas escalas ou graus. Assim, no gênero dos corpos, põem em primeiro esupremo lugar o corpo simplesmente. A seguir, abaixo dele, põem nomesmenos comuns, pelos quais ele é limitado e se torna mais determinado, asaber, animado e inanimado, e assim por diante, até chegar aos indivíduos.De maneira semelhante, no gênero das quantidades, põem em primeiroe supremo lugar a quantidade, a seguir linha, superficie, e sólido, nomesmenos amplos. E costumam chamar essas ordens de nomes ou escalas depredicamentos e categorias, nas quais são ordenados não apenas os nomespositivos, mas também os negativos. Exemplos ou tábuas de predicamentosdesse tipo podem ser:

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

TÁBUA DO PREDICAMENTO DOS CORPOS

Não corpo ou Acidente

{não animadoCorpo . d {não animal

anIma oanimal

{não homem {não Pedrahomem Pedra

Tanto os acidentes

como os corposse considera { {quantidade, tanto

absolutamente, como l·d d 1qua 1 a e, ta

ou comparativamente, e se diz relação.

TÁBUA DO PREDICAMENTO DAS QUANTIDADES

Quantidade

não contÍnua,como o número

po< .i, como {

contÍnua

por acidente

linha

superfíciefigura

como o Tempo, a partirda linha

como o Movimento, a partirda linha e tempo

como a Força, a partir doMovimento e sólido

Deve-se aqui notar que se pode dizer de uma linha, uma superfície eum sólido que têm tal ou tal quantidade, isto é, que são capazes de igual­dade e desigualdade, originalmente e por sua natureza. Mas não se podedizer do tempo, a não ser pela linha e pelo movimento, da velocidade, a nãoser pela linha e pelo tempo, e por fim da força, a não ser pelo sólido e pelavelocidade, que um seja maior, menor ou igual ao outro, ou que tenhaqualquer quantidade.

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

TÁBUA DO PREDICAMENTO DA QUALIDADE

sensação

primária

visão

audiçãoolfato

gostotato

Qualidade

sensível

d" { imaginaçãosecun ana _ {agradável

afecçaodesagradável

{pela visão, luz e cor

pela audição, sompelo gosto, saborpelo tato, dureza, calor, frio etc.

Relação

TÁBUA DO PREDICAMENTO DA RELAÇÃO

de grandezas, como igualdade e desigualdadede qualidades, como semelhança e dessemelhança

. {no lugar

{untos

J { no tempo anterior

de ordem no lugar { .postenornão juntos .antenor

no tempo {posterior

r6. Acerca desses predicamentos, deve-se notar em primeiro lugarque se pode fazer também nos restantes tal como foi feito no primeiro,de modo que a divisão seja sempre entre nomes contraditórios; pois assimcomo corpo foi dividido em animado e não animado, assim também nosegundo predicamento a quantidade contínua pode ser dividida em linhae não linha, e novamente a não linha em superfície e não superfície, e assimnos restantes; mas não foi necessário.

Em segundo lugar, deve-se observar que de dois nomes positivos, oinferior sempre está contido no superior; já nos negativos, o superior estácontido no inferior. Pois,

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

por exemplo, o nome animal é nome de qualquer homem que seja, e porisso contém em si o nome homem; ao contrário, não homem é nome de

qualquer coisa que não seja animal, por isso o nome não animal, que é

posto como superior, está contido no nome inferior não homem.Em terceiro lugar, deve-se tomar cuidado para que não se pense que,

como nos nomes, assim também a diversidade das próprias coisas possa

ser exaurida ou limitada em número por essa maneira de distinguir en­

tre contraditórias. Ou que se tire daí um argumento para provar (como

alguns ridiculamente fizeram) que as espécies das próprias coisas não sãoinfinitas.

Em quarto lugar, não quero que se julgue que apresento essas tábuas

como a certa e verdadeira ordenação dos nomes, pois uma ordenação desse

tipo não pode ser estabelecida senão por uma filosofia perfeita. Nem que

eu, ao colocar, por exemplo, a luz no predicamento da qualidade, enquanto

um outro a coloca no predicamento dos corpos, por isso pretenda de algum

modo demovê-Io desse parecer, ou ele a mim, já que isso deve ser feito por

argumentos e raciocínios, não pela disposição dos vocábulos.

Por fim, confesso notar que até o momento não é grande a utilidade

dos predicamentos em filosofia. Creio que Aristóteles foi tomado por um

certo desejo de realizar, dada a sua autoridade, ao menos um recensea­

mento dos termos, já que não podia fazê-Io com as coisas. Eu fiz o mesmo

aqui, mas com a finalidade de que se compreenda do que se trata, e não

para que seja tido pela verdadeira ordem das palavras, a não ser depois de

comprovada pela razão.

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

CAPÍTULO III

DA PROPOSIÇÃO

L As diversas espécies de Discurso. 2. Definição de Proposição. 3. O

que são Sujeito, Predicado e Cópula; e o que são Abstrato e Concreto; 4.

Uso e abuso dos nomes Abstratos. 5. Proposição Universal e Particular.

6. Proposição Afirmativa e Negativa. 7. Proposição Verdadeira e Falsa. 8.

O Verdadeiro e o Falso estão no discurso, não nas coisas. 9. Proposição

Primeira e Não primeira. Definição, Axioma, Petição. 10. Proposição Ne­

cessária e Contingente. II. Proposição Categórica e Hipotética. 12.A mesma

proposição é proferida de muitos modos. 13. Proposições que podem ser

reduzidas à mesma proposição Categórica são Equipolentes. 14. Proposi­

ções Universais conversas com nomes contraditórios são Equipolentes. 15.

Proposições Negativas são as mesmas, quer a Negação seja posta antes ou

depois da Cópula. 16. Proposições particulares em conversão simples são

equipolentes. 17. Quais proposições são subalternas, contrárias, subcontrá­

rias e contraditórias. 18. O que é Consequência. 19. O Falso não se segue

do Verdadeiro. 20. Como uma proposição é causa de uma proposição.

L Da conexão e do encadeamento dos nomes originam-se diversas

espécies de discurso, das quais algumas significam os desejos e as afecções

dos homens. Desse tipo são as interrogações, as quais significam o desejo

de conhecer, como quem é um homem bom?, em que um nome é posto,

outro buscado e esperado daquele a quem interrogamos; as súplicas, que

significam o desejo de possuir algo; as promessas, ameaças, escolhas, ordens,

lamentações e demais indicações de outras afecções. O discurso também

pode ser totalmente absurdo e sem significado, quando nenhuma série de

conceitos responde na mente pela série dos nomes, tal como sempre ocorre

com os homens que, nada compreendendo de coisas muito sutis, querem

contudo parecer compreender, proferindo termos incoerentes. Pois

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

uma conexão de termos incoerentes, ainda que a finalidade do discurso(isto é, a significação) seja frustrada, é não obstante um discurso, e entreos escritores Metafísicos encontra-se quase tão frequentemente quanto odiscurso significativo. Em filosofia, a única espécie de discurso é a quealguns chamam declaração, outros, enunciado e pronunciação, mas a maio­ria, proposição, a saber, o discurso daqueles que afirmam ou negam e que émarca da verdade e da falsidade.

2. A proposição é um discurso que consiste em dois nomes copulados, sig­nificando que aquele que fala concebe que o nome posterior é nome da mesma

coisa de que oprimeiro é nome, ou (o que é o mesmo) que o primeiro nomeestá contido no posterior. Por exemplo, este discurso o homem é animal,no qual dois nomes são copulados pelo verbo É, é uma proposição, porqueaquele que a enuncia significa que pensa que o nome posterior animal énome da mesma coisa da qual homem é nome, ou que o primeiro nomehomem está contido no nome posterior animal.

O primeiro nome costuma ser chamado sujeito, antecedente, ou contido,

e o posterior, predicado, consequente, ou continente. O signo da conexão, namaioria dos povos, é alguma palavra, como aquele É na proposição homemé animal, ou um caso ou alguma terminação de palavra, como nesta pro­posição homem caminha (que equivale a homem é caminhante), na qual aterminação pela qual se diz caminha ao invés de caminhante é signo de queos nomes são concebidos como copulados ou como nomes da mesma coisa.Há ou certamente pode haver algumas pessoas que, não tendo nenhumapalavra correspondente ao nosso verbo É, formam, contudo, proposiçõespela mera colocação de um nome depois do outro,

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

como se no lugar de homem é animal disséssemos apenas homem animal,

já que a própria ordem dos nomes também pode bastar para indicar su­ficientemente sua conexão; e não é porque careçam da palavra É que sãomenos aptos para filosofar.

3· Portanto, em toda proposição três itens devem ser considerados, asaber, dois nomes, o sujeito e o predicado, e a cópula. Os nomes suscitamna mente o pensamento de uma e a mesma coisa. Já a cópula conduz aopensamento da causa pela qual os nomes são impostos àquela coisa. Por

exemplo, quando dizemos o corpo é móvel pensamos naquela coisa designadapor ambos os nomes; a mente, contudo, não para aí, mas procura aindasaber o que é ser corpo ou ser móvel, isto é, quais são as diferenças entreessa e as outras coisas com base nas quais ela é assim chamada e as outrasnão. Portanto, os que procuram o que é ser algo como ser móvel, ser quente

etc. procuram nas coisas as causas dos seus nomes.

E daí nasce aquela distinção dos nomes em concretos e abstratos (men­

cionada no capítulo precedente). Concreto é o nome de alguma coisa que sesupõe existir, e que, por isso, por vezes é chamada substrato, por vezes sujeito,

em grego, V7!'01(fLfLEVOV, como corpo, móvel, figurado, que mede um cúbito,

quente, frio, semelhante, igual, Apio, Lentúlio, e semelhantes. Abstrato é oque denota a causa do nome concreto na coisa que se supõe existir; comoser corpo, ser móvel, ser movimento, ser figurado, ser de tal quantidade, ser

quente, ser frio, ser semelhante, ser igual, ser Apio, ser Lentúlio, e semelhantes,ou nomes equivalentes a estes, que geralmente se costuma

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

dizer abstratos, como corporeidade, mobilidade, movimento, quantidade, ca­

lar, frio, semelhança, igualdade, e Apiedade, Lentulidade (palavras das quaisCícero se serviu). Do mesmo gênero são também os infinitivos, pois viver emover são o mesmo que vida e movimento ou ser vivo e ser movido. Mas osnomes abstratos denotam a causa do nome concreto, não a própria coisa.Por exemplo, quando vemos alguma coisa ou concebemos na mente algovisível, essa coisa aparece ou é concebida não em um ponto, mas como tendopartes distantes umas das outras, isto é, como estendida em certo espaço. Ecomo quisemos chamar de corpo a coisa assim concebida, a causa desse nomeé ser a coisa extensa, ou a extensão ou corporeidade. Assim, quando, vendoalgo aparecer ora aqui, ora ali, chamamo-Ia de movido ou transportado, acausa do seu nome é a coisa ser movida ou o seu movimento.

Ora, as causas dos nomes são as mesmas que as de nossos conceitos,a saber, uma certa potência ou ação ou afecção da coisa concebida, os seusmodos, como dizem alguns, mas que geralmente se chamam Acidentes.Digo Acidentes não no sentido em que acidente se opõe a necessário, masporque, não sendo a própria coisa, nem partes dela, acompanham-na to­davia de tal modo que (exceto a extensão) podem perecer e ser destruídos,mas não abstraídos.

4. Entre os nomes concretos e abstratos, há também esta diferença:

aqueles são anteriores à proposição formada por eles, e estes, posteriores(porque não podem existir a não ser que haja a proposição de cuja cópulase originam). Ora, há grande uso e abuso dos nomes abstratos, tanto navida ordinária como, sobretudo, em filosofia. Há uso na medida em que

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

sem eles não podemos raciocinar, isto é, computar as diversas propriedadesdos corpos. Pois, se quisermos multiplicar, dividir, adicionar ou subtrair ocalor2, a luz, a velocidade, se os duplicarmos ou adcionarmos com nomesconcretos, dizendo (por exemplo) que um quente é o duplo de um quente,um luminoso, de um luminoso, um movido, de um movido, duplicaremosnão as propriedades, mas os próprios corpos quentes, luminosos, movidosetc., o que não queríamos. Já o abuso consiste em que alguns, vendo que sepodem considerar ou, como dissemos, levar em conta acréscimos e decrés­cimos de quantidades, de calor e de outros acidentes, sem a consideraçãodos corpos ou de seus sujeitos (o que é chamado abstrair ou existir à partedeles), falam dos acidentes como se pudessem ser separados de todo o corpo.Com efeito, aí têm origem alguns erros crassos dos metafísicos, pois de queo pensamento possa ser considerado sem que se considere o corpo, quereminferir não haver a necessidade de um corpo pensantej de que a quantidadepossa ser considerada não o sendo o corpo, pensam também existir quan­tidade sem corpo e corpo sem quantidade, de modo que o corpo passariaa ter uma quantidade somente ao lhe ser acrescentada uma. Da mesmafonte nascem aquelas palavras sem significação: substância abstrata, essência

separada e outras semelhantes3• Igualmente aquela confusão de palavrasderivadas do verbo ser, como essência, essencialidade, entidade, entitativo,

e realidade, aliquididade, quididade, que não poderiam ser ouvidas entreos povos para os quais a cópula não se faz pelo verbo ser, mas por verbosadjetivos, como corre, lê etc., ou pela mera justaposição dos nomes, e que,não obstante, podem filosofar como os demais. Portanto,

2 N. do T.: Seguiu-se aqui a ediçáo de Schuhmann (cf. nota prévia), que substitui nesse

ponto o termo colorem, que consta na ediçáo de Molesworth, por calorem.

3 N. do T.: Nas duas orações que se seguem, a traduçáo seguiu a ediçáo de Schuhmann

(cf. nota prévia). Schuhmann considera que Molesworth completou de maneira

equivocada um lapso da ediçáo de 1680. O texto da ediçáo de Schuhmann é o seguin­

te: "Ab eodem fome nascumur illae voces insignificames substantiae abstractae, es­

sentia separata aliaque similia; etiam confusio illa vocum a verbo est derivatum ut

essentia, essentialitas, entitas, entitativum et realitas, aliquidditas, quidditas, quae apudgemes, quibus copulario non sit per verbum est, sed per verba adjectiva ut currit,

legit, etc. vel per meram nominum collocationem, audiri non potuissem, quae tamen

gentes philosophari ut caeterae possum. Non sum itaque eae voces essentia, entitas,

omnisque illa barbaries ad Philosophiam necessariae".

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

as palavras essência, entidade e todas aquelas barbaridades não são neces­sárias à filosofia.

5. São muitas as distinções entre as prop?sições, das quais a primeiraé que algumas são universais, outras particulares, outras indefinidas, outrassingulares, a qual se costuma chamar distinção segundo a quantidade. Univer­

sal é a proposição cujo sujeito é marcado pelo signo de um nome universal,como todo homem é animal; particular, aquela cujo sujeito é modificadopelo signo de um nome particular, como algum homem é douto; indefinida,

aquela cujo sujeito é um nome comum sem signo, como homem é animal,

homem é douto; e singular, aquela cujo sujeito é um nome singular, comoSócrates éfilósofà, este homem é negro.

6. A segunda distinção é entre afirmativa e negativa e se diz segundoa qualidade. Afirmativa é aquela cujo predicado é um nome positivo, comohomem é animal. Negativa, aquela cujo predicado é um nome negativo,

como homem é não pedra.

7. A terceira distinção é que algumas são verdadeiras, outras falsas.

Verdadeira é aquela cujo predicado contém em si o sujeito, ou cujo predicado

é nome de cada uma das coisas de que o sujeito é nome. Assim, homem é

animal é uma proposição verdadeira, pois o que quer que seja chamadoHomem é igualmente chamado Animal. E algum homem está enfermo éverdadeira, visto que Enfermo é nome de algum homem. Mas aquela quenão é verdadeira, ou cujo predicado não contém o sujeito, é chamada Falsa,como homem é rocha.

As palavras verdadeiro, verdade, proposição verdadeira são equivalentes.A verdade, com efeito, consiste no que é dito e não na coisa, pois emboraverdadeiro seja às vezes oposto a

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aparente ou fictício, refere-se contudo à verdade da proposição. Pois a razãopela qual se nega que a imagem de um homem no espelho ou um espectroé um homem verdadeiro é que esta proposição o espectro é homem não éverdadeira, pois não se pode negar que um espectro seja um verdadeiroespectro. E, portanto, a verdade não é uma propriedade da coisa, mas daproposição. E o que costumam dizer os metafisicos, que o ser, o uno e o

verdadeiro são o mesmo, é fútil e pueril, pois quem não sabe que homem,um homem e verdadeiro homem soam como o mesmo?

8. Compreende-se a partir daí que a verdade e a falsidade não tenham

lugar a não ser entre os seres animados que usam o discurso. Pois emboraos animais privados de discurso possam ser afetados pela imagem de umhomem no espelho como se vissem o próprio homem, e por causa dissoa temam ou a festejem em vão, não apreendem, contudo, a coisa comoverdadeira ou falsa, mas apenas como semelhante, no que não se enganam.Portanto, do mesmo modo que os homens devem o reto raciocínio ao dis­curso bem compreendido, devem seus erros ao discurso malcompreendido.E, assim como a glória da filosofia, também a infâmia dos preceitos absurdoscompete somente aos homens. Pois o discurso (como foi dito antigamentedas leis de Solon) tem algo semelhante às teias de aranhas; os espíritosimaturos e soberbos ficam presos e embaraçados nas palavras, enquanto

os vigorosos as rompem.Disso pode-se deduzir que as primeiras verdades têm origem no arbítrio

daqueles que primeiramente impuseram nomes às coisas ou que aceitaramos postos por outros. Assim, por exemplo, homem é animal é verdadeiroporque a alguém aprouve impor aqueles dois nomes à mesma coisa.

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9. Em quarto lugar, a proposição se distingue em primeira e não pri­meira. Primeira é aquela cujo predicado é um nome que explica o sujeitopor meio de vários nomes, como homem é um corpo animado racional. Poiso que está compreendido no nome homem é dito mais extensamente pelosnomes corpo, animado, racional em conjunto. Diz-se primeira porque éprimeira no raciocínio, pois nada pode ser provado sem que se compreendapreviamente o nome da coisa em questão. Ora, primeiras são apenas asdefinições ou partes da definição, e somente estas são os princípios dademonstração, a saber, verdades estabelecidas pelo arbítrio dos falantese dos ouvintes, e, por isso, indemonstráveis. Alguns acrescentam a essasproposições a que chamam primeiras e princípios os axiomas ou noçõescomuns, os quais, porque se podem provar (embora não careçam de provapor serem evidentes), não são verdadeiramente princípios, nem devem seracatados como tais, pois, sob o nome de princípios muitas coisas obscurase por vezes falsas nos são recomendadas pelo clamor de homens que atodos impõem como claro o que tomam por verdadeiro. Também algunspostulados costumam ser acatados entre os princípios, como, por exemplo,uma linha reta pode ser traçada entre dois pontos, e outros postulados dosgeômetras. E certamente eles são princípios da arte ou da construção, masnão da ciência e da demonstração.

!o. Em quinto lugar, a Proposição se distingue em necessária (isto é,necessariamente verdadeira) e verdadeira efetivamente, mas não necessa­riamente, a qual se chama contingente. É necessária quando não pode serconcebida ou imaginada, em nenhum tempo, nenhuma coisa da qual osujeito seja nome e o predicado não o seja também. Assim, homem é animalé uma proposição necessária, porque

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sempre que supomos convir o nome homem a uma coisa qualquer, à mes­ma coisa convirá também o nome animal. É contingente a que pode ser oraverdadeira, ora falsa, como todo corvo é negro; pois certamente pode acon­tecer que hoje seja verdadeira e, em outro momento, falsa. Além disso,

em toda proposição necessária, o predicado ou equivale ao sujeito, comoem homem é um animal racional, ou é parte de um nome equivalente,como em homem é animal. Pois o nome animal racional ou homem é com­

posto de dois: animal e racional. E na contingente isso não se dá, pois,mesmo que fosse verdadeiro que todo homem é mentiroso, contudo, na

medida em que a palavra mentiroso não é parte do nome composto ao qualequivale o nome homem, não se diz dessa proposição que é necessária, mascontingente, mesmo que sempre ocorra de ser assim. Portanto, necessáriassão as proposições que são verdades sempiternas.

É também manifesto a partir daí que a verdade diz respeito não àscoisas, mas ao discurso. Pois algumas verdades são eternas, uma vez que aproposição se homem, então animal é sempre verdadeira, mas não é neces­sário que homem ou animal exista eternamente.

11. A sexta distinção das proposições é em categórica e hipotética.Categórica é a que é enunciada simples ou absolutamente, como todo

homem é animal, nenhum homem é árvore. Hipotética, a que é enunciadacondicionalmente, como se algo é homem, então é animal; se algo é homem,não épedra. A categórica e a hipotética correspondente significam o mesmonas proposições necessárias, mas não nas contingentes. Por exemplo, se aproposição todo homem é animal é verdadeira, é também verdadeira a pro­posição se alguém é homem, também é animal; mas, nas contingentes,

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embora a proposição todo corvo é negro seja verdadeira, é contudo falsa a

proposição se algo é corvo, é negro. Diz-se corretamente que a proposição

hipotética sempre é verdadeira quando a consequência é verdadeira, assim

como todo homem é animal é verdadeira quando, sendo verdadeira a pro­posição algo é homem, não pode deixar de ser o mesmo é animal. Portanto,

sempre que a hipotética é verdadeira, a categórica correspondente nâo apenas

é verdadeira como necessária, algo que achei oportuno ressaltar como um

argumento de que, no mais das vezes, é muito mais seguro para os filósofos

raciocinar com proposições hipotéticas do que com categóricas.

12. Mas, visto que qualquer proposição pode e costuma ser proferida e

escrita de muitas maneiras, e embora se deva sempre falar como a maioria,

aqueles que aprendem filosofia com os mais douros devem, contudo, preca­

ver-se para não ser logrados pela variedade das locuções. Assim, quando seapresenta alguma obscuridade, a proposição deve ser reduzida a sua forma

mais simples e categórica, na qual a palavra é se encontre expressamente,

o sujeito esteja claramente separado e distinguido do predicado e nenhum

deles esteja mesclado à cópula. Tome-se, por exemplo, a proposição homem

pode não pecar comparada a esta: homem não pode pecar. Sabe-se no que

diferem se as reduzirmos a estas: homem tem opoder de não pecar, homem nãotem o poder de pecar, em que os predicados são manifestamente diferentes.

Mas isso deve ser feito tacitamente, consigo mesmo, ou somente diante

do preceptor, já que falar assim em uma reunião seria absurdo e ridículo.

Portanto, como estamos falando de proposições equipolentes, estabeleço,

em primeiro lugar, que são equipolentes todas as proposições que podem

ser reduzidas a uma e a mesma proposição puramente categórica.

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

13. Em segundo lugar, a categórica necessária é equipolente à sua hipo­tética, como sucede com a categórica o triângulo retilíneo tem três ângulos

iguais a dois retos e a hipotética se algo é um triângulo, tem três ângulos iguaisa dois retos.

14. Terceiro, são equipolentes duas proposições universais quaisquer dasquais os termos de uma (isto é, o sujeito e o predicado) são contraditóriosaos da outra e postos na ordem conversa, como estas: todo homem é animal

e todo não animal é não homem. Pois, dado que todo homem é animal é umaproposição verdadeira, o nome animal contém o nome homem; ora, um eoutro nomes são positivos, e, assim, pelo último artigo do capítulo prece­dente, o nome negativo não homem contém o nome negativo não animal;

logo, a proposição todo não animal é não homem é verdadeira, assim comoestas: nenhum homem é árvore, nenhuma árvore é homem. Pois se é verdade

que árvore não é nome de nenhum homem, a coisa alguma convém ambosos nomes homem e árvore; logo, a proposição nenhuma árvore é homem éverdadeira. Do mesmo modo, uma proposição em que ambos os termossão negativos, como todo não animal é não homem, é equipolente a esta:só um animal é homem.

15. Em quarto, as proposições negativas, quer se ponha a partícula denegação depois da cópula, como fazem alguns povos, quer antes, como osLatinos e Gregos, se os termos são os mesmos, são equipolentes, ainda queAristóteles o negue. Assim, todo homem é não árvore e nenhum homem é

árvore são equipolentes, e isso é tão evidente que dispensa demonstração.16. Por fim, todas as particulares com termos conversas são equipo­

lentes, como estas: algum homem é

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

cego e algum cego é homem, pois ambos os nomes são nomes de um e omesmo homem e significam, por isso, a mesma verdade, seja qual for aordem de sua conexão.

17. Das proposições que têm os mesmos termos, postos na mesmaordem, mas variando na quantidade ou na qualidade, umas se chamamsubalternas, outras contrárias, outras subcontrárias e outras contraditórias.

São subalternas a universal e a particular da mesma qualidade, comotodo homem é animal, algum homem é animal, ou nenhum homem é sábio,

algum homem não é sábio. Destas, se a universal é verdadeira, a particulartambém o é.

São contrárias as universais de qualidade diferente, como todo homem

éfeliz, nenhum homem éfeliz. Destas, se uma é verdadeira, a outra é falsa,podendo também serem ambas falsas, como no exemplo dado.

São subcontrárias as particulares de qualidade diferente, como algum

homem é douto, algum homem não é douto, as quais não podem ser ambasfalsas, mas podem ser ambas verdadeiras.

Contraditórias são as que diferem em quantidade e qualidade, comotodo homem é animal e algum homem não é animal, as quais não podemser ambas verdadeiras nem ambas falsas.

18. Diz-se que uma proposição segue de duas outras proposiçõesquando, supondo-se serem estas verdadeiras, não se pode supor que aquelanão o seja. Por exemplo, sejam duas proposições todo homem é animal etodo animal é corpo, as quais se compreendem como verdadeiras; conse­quentemente, corpo é nome de cada um dos animais e animal de cada umdos homens. Dado que se compreende isso, não se pode compreender quecorpo não seja nome de cada um

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dos homens, isto é, que seja falsa a proposição todo homem é corpo. Diz-seque esta se segue ou se infere necessariamente daquelas duas.

19. Algumas vezes, o verdadeiro pode seguir-se do falso; o falso doverdadeiro, nunca. Pois se as proposições todo homem é pedra e toda pedra

é animal (que são falsas) forem admitidas como verdadeiras, será admi­tido que animal é nome de cada uma das pedras e que pedra é nome decada um dos homens, isto é, que animal é nome de cada homem ou quea proposição todo homem é animal é verdadeira, como de fato é. E assim,algumas vezes, uma proposição verdadeira segue-se de falsas. Mas se ambasforem verdadeiras, sejam elas quais forem, uma falsa não se seguirá. Poisuma proposição verdadeira se segue de falsas pela razão de que estas, aindaque falsas, são admitidas como verdadeiras, e uma proposição verdadeirase segue, do mesmo modo, das admitidas como tal.

20. Dado que nada senão uma proposição verdadeira se segue de

proposições verdadeiras e que, por isso, a intelecção das proposições ver­dadeiras é causa da intelecção da outra proposição verdadeira que delas se

deriva, as duas proposições antecedentes costumam ser chamadas causasda proposição inferida ou consequente. Os lógicos dizem, então, que aspremissas são causas da conclusão. E isso certamente se pode conceder,ainda que a expressão não seja apropriada, já que, se intelecção é causa deintelecção, discurso não é causa de discurso. Mas o que os lógicos dizem,

que a própria coisa é causa de suas propriedades, é tolice. Tome-se, porexemplo, uma certa figura, um triângulo, que tem os seus ângulos todossomados iguais a dois ângulos retos. Disso se segue que essa figura temseus ângulos iguais a dois retos; dizem, por isso, que ela é causa daquelaigualdade. Mas, visto que a própria figura não produz seus ângulos e nãopode então ser dita causa eficiente,

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

chamam-na causaformal, conquanto efetivamente não seja causa de jeito

algum. Nem tampouco a propriedade da figura se segue a ela, mas existe

simultaneamente com ela; apenas o conhecimento da figura antecede ao

conhecimento da propriedade. Um conhecimento é verdadeiramente causado outro, a saber, causa eficiente.

Isso basta sobre a proposição, que é o primeiro passo na progressão

da filosofia, como que o avanço de apenas um pé, o qual, se devidamente

adicionado de outro, forma o passo inteiro, que é o silogismo, do qual

falarei no próximo capítulo.

CAPÍTULO IV

DO SILOGISMO

r. Definição de Silogismo. 2. No Silogismo há apenas três termos. 3.

O que são termo Maior, Menor e Médio, e também proposição Maior e

Menor. 4. Em todo Silogismo o termo Médio deve ser determinado em

ambas as proposições em relação a uma mesma coisa. 5. De duas particu­

lares nada se infere. 6. Silogismo é a conexão de duas proposições em uma

soma. 7. O que é a figura do Silogismo. 8. O que responde na mente pelo

Silogismo. 9. Como se obtém a primeira figura indireta. 10. Como se ob­

tém a segunda figura indireta. lI. Como se obtém a terceira figura indireta.

12. Há muitos modos em cada figura, mas muitos são inúteis à Filosofia.

13. O Silogismo Categórico é equipolente ao Hipotético.

r. Um discurso que consta de três proposições, de duas das quais

se segue uma terceira, é chamado silogismo. A que se segue é chamada

conclusão, as restantes, premissas. Por exemplo, este discurso todo homem éanimal, todo animal é

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corpo, logo todo homem é corpo é um silogismo, porque a terceira proposiçãose segue das precedentes, isto é, se aquelas são admitidas como verdadeiras,esta necessariamente o será.

2. De duas proposições que não têm termo comum, nenhuma conclu­são se segue; por consequência, não há silogismo. Pois sejam duas premissasquaisquer, homem é animal, árvore é planta, ambas verdadeiras; como nãose depreende delas que planta é nome de homem ou homem, de planta,não é necessário que seja verdadeira homem é planta. Corolário: e assim,nas premissas do silogismo pode haver apenas três termos.

Além disso, não pode haver na conclusão nenhum termo que nãotenha estado nas premissas. Pois sejam duas premissas quaisquer: homem

é animal, animal é corpo; se algum outro termo for posto na conclusão,como homem é bípede, ainda que esta proposição seja verdadeira, não sesegue, contudo, das premissas, pois não se depreende delas que o nomebípede convenha a homem. Eis por que, novamente, em cada silogismohá apenas três termos.

3. Desses termos, costuma-se dizer maior o que épredicado na conclu­

são; menor, o que é o sujeito na conclusão; ao outro se chama médio, comoneste silogismo homem é animal, animal é corpo, logo, homem é corpo, corpoé o termo maior, homem, o termo menor e animal, o médio. Igualmente, das

premissas, chama-se proposição maior aquela em que se encontra o termomaior e proposição menor a que contém o termo menor.

4. Se o termo médio não estiver determinado em relação a uma mesma

coisa singular em ambas as premissas, delas não se segue conclusão

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e não se faz um silogismo. Pois seja homem o termo menor, animal o mé­dio, leão o maior, e sejam as premissas todo homem é animal, algum animal

é leão; daí não se segue que todo ou que algum homem seja leão. Do quese compreende que em todo silogismo a proposição que tem o termomédio como sujeito deve ser universal ou singular, não, porém, particularou indefinida. Por exemplo, este silogismo todo homem é animal, algum

animal é quadrúpede, logo, algum homem é quadrúpede é defeituoso porqueo termo médio animal é determinado na primeira premissa somente emrelação a homem, pois dizemos apenas isso: animal é nome de homem;mas na premissa posterior ele pode ser entendido de algum outro animalque não o homem. E se a posterior fosse universal, como em todo homem

é animal, todo animal é corpo, logo, todo homem é corpo, o silogismo serialegítimo, pois seguir-se-ia que corpo é nome de todo animal, isto é, tambémde homem, ou seja, a conclusão todo homem é corpo seria verdadeira. Demaneira semelhante, se o termo médio for um nome singular, far-se-á umsilogismo, certamente inútil à filosofia, mas ainda assim um silogismo, talcomo este: algum homem é Sócrates, Sócrates éfilósofo, logo, algum homeméfilósofo; pois, admitidas as premissas, não se pode negar a conclusão.

5. Logo, de duas premissas em ambas as quais o termo médio é par­ticular não se faz um silogismo. Pois, quer o termo médio seja sujeito nasduas premissas, quer seja predicado nas duas ou sujeito em uma e predicadona outra, não está

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

necessariamente determinado em relação à mesma coisa. Pois sejam aspremIssas:

algum homem é cego, } nas quais o termo médio é sujeito,algum homem é douto,

não se segue que cegoseja nome de algum douto, nem que douto seja nomede algum cego, dado que o nome douto não contém o nome cego,nem este,aquele; logo, não é necessário que ambos sejam nomes do mesmo homem.Assim como destas premissas:

todo homem é animal, } nas quais o termo médio é predicado,todo cavalo é animal,

nada se segue, visto que, sendo animal indefinido nas duas, por isso equi­valente a particular, e homem podendo ser um animal e cavalo, um outro,não é necessário que homem seja nome de cavalo ou cavalo, de homem.Ou, se as premissas forem as seguintes:

todo homem é animal, }algum animal é quadrúpede,nas quais o termo médio é sujeitoem uma e predicado em outra,

nenhuma conclusão se segue, porque o nome animal, não estando de­terminado, pode ser entendido em uma, de homem, em outra, de nãohomem.

6. Do que se disse fica claro que um silogismo não é senão o resultadoda soma de duas proposições conectadas (por um termo comum, a quese chama médio). E assim, um silogismo é a adição de três nomes, como aproposição o é de dois.

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7. Os silogismos costumam ser distinguidos pela diversidade dasfiguras, isto é, pelas diversas posições do termo médio. E, na figura, sãomais uma vez distinguidos em certos modos, segundo certas diferenças naquantidade e na qualidade das proposições. A primeira figura é aquela emque os termos são ordenados segundo a amplitude das significações, talque o termo menor seja oprimeiro na ordem, depois, o médio e em terceirolugar, o maior; de modo que se puséssemos homem como termo menor,animal como médio, corpo como maior, teríamos o seguinte silogismo emprimeira figura:

homem é animal é corpo,

no qual a proposição menor é homem é animal, a maior, animal é corpo, ea conclusão ou soma resultante, homem é corpo. Essa figura se chama di­reta, porque seus termos observam uma ordem direta. Ela varia conformea quantidade e a qualidade de quatro modos. Assim, se todos os termossão positivos e o termo menor, universal, como todo homem é animal, todoanimal é corpo, tem-se o primeito modo, no qual todas as proposições sãoafirmativas universais. Mas se o maior é um nome negativo e o menoruniversal, tem-se o segundo modo, como todo homem é animal, todo ani­mal é náo árvore, no qual a proposição maior e a conclusão são universaisnegativas. A estes costuma-se adicionar outros dois, fazendo-se o termomenor particular. Pode também ocorrer que o termo maior assim como omédio sejam nomes negativos, o que dá origem a um outro modo, no qualtodas as proposições são negativas. Ainda assim, o silogismo é legítimo,tal como, se o termo menor for homem, o médio náo pedra e o maior náorocha, o silogismo

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nenhum homem épedra, o que não épedra não é rocha, logo, nenhum homemé rocha é legítimo, ainda que conste de três proposições negativas. Mas, emfilosofia, à qual cabe estabelecer regras universais acerca das propriedadesdas coisas, dado que a proposição negativa não difere da afirmativa senãoem que nesta se afirma do sujeito um nome positivo, naquela um negativo,é supérfluo considerar outro modo da figura direta além daquele em quetodas as proposições são universais e afirmativas.

8. O pensamento que responde na mente pelo silogismo direto é este:primeiro, concebe-se o fantasma da coisa nomeada, com o acidente ouafecção em vista do qual é chamada pelo nome que é sujeito na proposiçãomenor; a seguir, apresenta-se à mente o fantasma da mesma coisa com oacidente ou afecção em vista do qual é chamada pelo nome que é predicado

na mesma proposição. Em terceiro, o pensamento retoma à coisa nomeadacom a afecção em vista da qual é chamada pelo nome que é predicado naproposição maior. Por fim, ao recordar-se de que essas afecções são todas deuma e a mesma coisa, conclui que aqueles três nomes são também nomesda mesma coisa, isto é, que a conclusão é verdadeira. Por exemplo, quando

se faz o silogismo homem é animal, animal é corpo, logo, homem é corpo,apresenta-se à mente a imagem de um homem falando ou discursandoe ela se recorda de que o que assim aparece se chama homem. A seguir,apresenta-se a imagem do mesmo homem movendo-se a si mesmo e amente se recorda de que o que assim aparece se chama animal. Em terceiro

lugar, apresenta-se a imagem do homem ocupando algum lugar ou espaçoe a mente se recorda de que o que assim aparece se chama corpo. Por fim,recordando-se de que aquela coisa que

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

era extensa, se movia e falava era uma e a mesma coisa, conclui que tambémaqueles três nomes, homem, animal, corpo, são nomes da mesma coisa, e,por conseguinte, que homem é corpo é uma proposição verdadeira. Ficaentão manifesto que um conceito ou pensamento que responde por umsilogismo de proposições universais não existe na mente de nenhum animalque não faça uso de nomes, visto que, para efetuar silogismos é precisopensar não apenas na coisa, mas também alternadas vezes nos seus diversosnomes, empregados em vista dos diversos pensamentos da coisa.

9. As figuras restantes originam-se de uma inflexão ou inversão daprimeira figura ou figura direta, o que se obtém por uma mudançada premissa maior, da menor ou de ambas nas conversas a elas equipolen­teso Disso resultam três outras figuras, duas das quais são infletidas e aterceira, invertida. Dessas três, a primeira se obtém pela conversão da maior,do seguinte modo: coloquem-se os termos na ordem direta menor, médio,maior, homem é animal é não pedra, e tem-se uma figura direta cuja infle­xão é obtida pela conversão da maior, do seguinte modo:

homem é animal,

pedra é não animal,

e tem-se a segunda figura ou a primeira das indiretas, cuja conclusão seriahomem é não pedra.

Pois, como foi mostrado no capítulo precedente, artigo 14, as universaisconversas por contradição dos termos são equipolentes, e assim, ambos ossilogismos concluem o mesmo. Pois, se, à maneira dos hebreus, lemos amaior na ordem contrária, animal é não pedra, temos exatamente o mesmoordenamento direto de antes.

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Do mesmo modo, é um silogismo direto homem não é árvore não épereira.

Pela conversão da proposição maior, por contradição dos termos, emsua equipolente, torna-se indireto, assim:

homem não é árvore,

pereira é árvore,

das quais se retira novamente a mesma conclusão: homem não épereira.

Na conversão da figura direta na primeira figura indireta, convém queo termo maior na figura direta seja negativo. Pois embora se faça desta diretahomem é animal é corpo uma indireta pela conversão da maior:

homem é animal,

não corpo não é animal,logo, todo homem é corpo,

essa conversão parece, contudo, tão obscura que esse modo se torna com­pletamente inútil. Fica evidente que, com a conversão da maior, o termomédio nessa figura é sempre predicado nas duas premissas.

10. A segunda figura indireta se faz pela conversão da proposiçãomenor, de tal maneira que o termo médio seja sujeito em ambas. Mas estenunca conclui universalmente e, desse modo, não tem urilidade em Filo­

sofia. Daremos, ainda assim, um exemplo. Seja, pois, o silogismo diretotodo homem é animal, todo animal é corpo. Com a conversão da menor, seterá o seguinte:

algum animal é homem,todo animal é corpo, logo,algum homem é corpo.

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Do CORPO - CÁLCULO ou LÓGICA

Pois todo homem é animal não pode ser convertida em todo animal é

homem, e, portanto, se esse silogismo for reconduzido a sua forma direta,a menor será algum homem é animal, e, por conseguinte, a conclusão seráalgum homem é corpo, visto que O termo menor homem, o sujeito da con­clusão, é um nome particular.

II. A terceira figura inversa ou indireta faz-se pela conversão de ambasas premissas. Por exemplo, se a direta for

todo homem é animal,

todo animal é não pedra, logo,todo homem é não pedra,

{toda pedra é não animal,

a inversa será todo não animal é não homem, logo,toda pedra é não homem,

cuja conclusão é conversa em relação à conclusão da direta e sua equipo­lente.

E assim, se o número das figuras fosse definido apenas pelas distintasposições do termo médio, elas seriam apenas três. Na primeira delas, otermo médio ocuparia a posição intermediária; na segunda, a última; naterceira, a primeira. Mas se as figuras forem enumeradas simplesmente se­gundo a posição dos termos, serão quatro, pois a primeira será novamentedistingui da em duas, a saber, em direta e inversa. Do que fica evidente que acontrovérsia entre os lógicos acerca da quarta figura é menor do que parece,pois fica de fato evidente que, pela posição dos termos (sem considerar aquantidade ou qualidade pelas quais se distinguem os modos), são quatroas diferenças entre os silogismos, as quais se podem chamar de figura oude outro nome, como se queira.

109

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

12. Em cada uma dessas figuras; se quisermos variar as premissas de

acordo com as diferenças de qualidade e de quantidade de que são capa­

zes, muitos modos se originarão: 6 na figura direta, 4 na primeira figura

indireta, 14 na segunda e 18 na terceira. Mas, como rejeitamos todos os

modos da figura direta como supérfluos, com exceção daquele que consta

de universais e cuja menor é afirmativa, rejeitamos ao mesmo tempo os

modos de todas as outras figuras que se originam da conversão das premissas

da figura direta.13. Ora, assim como se mostrou acima, acerca das proposições neces­

sárias, que a categórica e a hipotética são equipolentes, é também evidente

que o silogismo categórico e o hipotético se equivalem. Pois um silogismo

categórico qualquer, como

todo homem é animal,

todo animal é corpo, logo,

todo homem é corpo,

tem a mesma força que este hipotético:

se algo é homem, ele é animal,

se algo é animal, ele é corpo, logo,

se algo é homem, ele é corpo.

Da mesma forma, na figura indireta, este categórico:

nenhuma pedra é animal,

todo homem é animal, logo,

nenhuma pedra é homem

equivale a este hipotético:

se algo é homem, é animal,

se algo é pedra, não é animal, logo,

se algo é pedra, não é homem, ouse algo é homem, não é pedra.

III

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

E O que foi dito parece bastar para o conhecimento da natureza dossilogismos, pois o que foi de útil e extensamente tratado por outros sobreos modos e figuras está claramente contemplado aqui. Além disso, para oraciocínio legítimo, os preceitos não são tão necessários quanto a prática,e aqueles que ocupam seu tempo com as demonstrações dos matemáticosaprendem a verdadeira lógica muito mais depressa do que aqueles que oocupam lendo os preceitos dos lógicos sobre a silogística, não diferindonisso das crianças pequenas que aprendem a andar, não por preceitos, masandando. E assim, basta o que foi dito sobre quais devem ser os passos dafilosofia. Falaremos a seguir das espécies e causas dos defeitos ou erros nosquais costumam incautamente incidir os que raciocinam.

CAPÍTULO V

DO ERRO, DA FALSIDADE E DAS CAPCIOSIDADES

I. Como diferem erro e falsidade. Como ocorre o erro na mente sem

o uso dos vocábulos. 2. Sete modos de incoerência dos nomes, nos quais aproposição é sempre falsa. 3. Exemplo do primeiro modo. 4. Do segundo.5. Do terceiro. 6. Do quarto. 7. Do quinto. 8. Do sexto. 9. Do sétimo.10. A falsidade das proposições é revelada pela resolução dos termos pormeio de contínuas definições até o nome simples ou gênero supremo.11. Defeito do silogismo pela implicação dos termos com a cópula. 12. De­feito do silogismo por equivocidade. 13. As capciosidades sofísticas pecammais frequentemente na matéria que na forma do silogismo.

I. O erro ocorre não apenas no afirmar e negar, mas também no sentire no pensamento silencioso dos homens. No afirmar e negar, quando

II3

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

se atribui a alguma coisa um nome que não é nome daquela coisa. Como se,tendo visto a imagem do sol ora pelo reflexo em um rio, ora diretamenteno céu, e atribuindo a ambas o nome de sol, disséssemos que há dois sóis.O que não pode acontecer senão aos homens, pois os outros animais nãofazem uso dos nomes. Merece o nome de falsidade somente esse gênerode erro, que não tem origem no sentido ou nas próprias coisas, mas nodescuido na enunciação. Pois os nomes são instituídos não pelas espéciesdas coisas, mas pela vontade dos homens, o que quer dizer que quemrompe com os pactos de denominações das coisas não é enganado nempelas coisas nem pelos sentidos (pois aquela coisa que vê não vê que sechama sol, mas quer chamá-Ia assim) e sim porque, por negligência sua, dizuma sentença falsa. Erra-se pelo sentido e pelo pensamento quando, de umaimaginação presente, imaginamos algo ourro, ou como passado o que nãoocorreu, ou como futuro o que não ocorrerá, e que, no entanto, figuramosenquanto passado ou enquanto futuro. Como quando, ao ver a imagem dosol no rio, imaginamos que a coisa de que ela é imagem está ali, ou quandodiante de espadas, que houve ou haverá combate, já que costuma ser assimna maioria das vezes, ou quando figuramos erroneamente, a partir de algoprometido, o que está na mente daquele que promete, ou, a partir de umsigno qualquer, qual seja a coisa significada. Erros desse tipo são comunsàs coisas dotadas de sentido, e, contudo, somos logrados não pelos sentidosou pelas coisas que sentimos, mas por nós próprios, ao figurarmos o quenão é e ao presumirmos ser mais que imagem o que é apenas imagem.Ora, nem as coisas nem as imaginações podem ser ditas falsas, visto quesão verdadeiramente o que são, e, como signos, não prometem nadaque não cumpram, posto que nada prometem

II5

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

e sim nós a partir delas, assim como não é a nuvem que promete a chuva, esim nós, a partir da nuvem vista. E assim, os erros que ocorrem a partir dossignos naturais se previnem, primeiramente, antes de raciocinar, se noscolocarmos como ignorantes diante de conjecturas desse tipo; e, depois,por meio do raciocínio. Pois eles surgem da falta de raciocínio. Os outroserros, que consistem em afirmações e negações (isto é, na falsidade dasproposições), são defeitos de um mau raciocínio. Portanto, destes princi­palmente, como são contrários à filosofia, é preciso falar.

2. Erros que ocorrem durante o raciocínio, isto é, durante o silogismo,consistem na falsidade de alguma premissa ou na inferência. No primeirocaso diz-se que o silogismo peca pela matéria; no segundo, pela forma.Primeiramente, consideraremos a matéria, a saber, de que modos umaproposição pode ser falsa, e depois, a forma, de que modos ocorre de ainferência não ser verdadeira, quando as premissas o são.

Dado que, pelo capo 3, art. 7, é verdadeira toda proposição na qualsão copulados dois nomes de uma mesma coisa e falsa aquela na qual sãocopulados nomes de coisas diferentes, uma proposição falsa se faz de tan­tas maneiras quanto ocorre de os nomes copulados não serem da mesmacoisa.

Ora, os gêneros das coisas nomeadas são quatro, quais sejam, os corpos,

os acidentes, os fantasmas e os próprios nomes. E assim, em toda proposiçãoverdadeira é necessário que os nomes copulados sejam ou ambos de corpos

ou ambos de acidentes ou ambos de fantasmas ou ambos de nomes; nomesconjugados diferentemente constituem uma incoerência e uma proposiçãofalsa. Também pode ocorrer que um nome de coisa

117

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

seja copulado com um nome de discurso. Há, portanto, sete modos emque os nomes copulados não constituem algo coerente.

I. Se um nome de corpo

2. Se um nome de corpo

3. Se um nome de corpo

4. Se um nome de acidente

5. Se um nome de acidente

6. Se um nome de fantasma

7. Se um nome de coisa

for copulado

com um nome de acidente

com um nome de fantasmacom um nome de nome

com um nome de fantasmacom um nome de nome

com um nome de nome

com um nome de discurso

De todos daremos exemplos.3. Conforme o primeiro modo, são falsas as proposições em que nomes

abstratos são copulados com nomes concretos, como o ser é ente, a essência

é ente, TO Tl ~v mal, isto é, a quididade é ente, e muitas desse tipo, que sãoencontradas na metafísica de Aristóteles. Igualmente, o entendimento age,

o entendimento entende, a visão vê, o corpo é grandeza, o corpo é quantidade,

o corpo é extensão, ser homem é homem, a brancura é branca; pois é comose alguém dissesse o corredor é a corrida, a caminhada caminha. E assimtambém as proposições a essência é separada, a substância é abstrata, e ourrassemelhantes ou delas derivadas (muito abundantes na filosofia comum).

Pois visto que nenhum sujeito de acidente, isto é, nenhum corpo é aci­dente, nenhum nome de acidente se atribui a um corpo, nem o nome de

um corpo a um acidente.4. Do segundo modo pecam proposições tais como: o espectro é corpo

ou espírito, isto é, um corpo tênue; as espécies sensíveis gravitam pelo ar e se

movem para cá e para lá, o que é próprio dos corpos; ou ainda, a sombra

se move, ou é corpo; a luz se move, ou é corpo; a cor é o objeto da visão, o

som, da audição; o espaço ou lugar é uma coisa extensa, e inúmeras outrasdesse tipo. Pois visto que espectros, espécies visíveis, sons, sombra, luz, cor,espaço etc. se apresentam tanto aos que sonham quanto

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

aos que estão em vigília, não são coisas externas, mas fantasmas da menteque imagina. E assim, seus nomes não podem ser copulados com nomesde corpos em uma proposição verdadeira.

5. Proposições falsas do terceiro modo são tais como: o gênero é um

ente, o universal é um ente, o ente se predica do ente. Pois gênero, universal

e predicar são nomes de nomes, não de coisas. Igualmente, a proposiçãoo número é infinito é falsa, pois nenhum número é infinito, mas apenas onome ou a palavra número; com efeito, visto que nenhum número deter­minado é subentendido por ele na mente, é chamado indefinido, emboranenhum número seja infinito.

6. Recaem no quarto modo proposições falsas tais quais: a grandeza

ou figura do objeto é a que aparece ao observador; cor, luz, som estão no ob­

jeto, e outras semelhantes. Pois um mesmo objeto aparece ora maior, oramenor, ora quadrado, ora redondo, segundo a diversidade das distânciase dos meios. Ora, a verdadeira grandeza da coisa vista é sempre uma e amesma, e também sua figura, de tal forma que as grandezas e figuras queaparecem não podem ser grandezas e figuras dos objetos, sendo, portanto,fantasmas. E assim, em proposições como essas são conjugados nomes deacidentes com nomes de fantasmas.

7. Pecam segundo o quinto modo os que dizem a definição é a es­

sência da coisa, a brancura ou outro acidente é um gênero ou um universal.

Pois a definição não é a essência da coisa, mas a oração significando nossoconceito da essência da coisa; da mesma maneira, não a própria brancura,mas a palavra branco é um gênero ou universal.

8. Segundo o sexto modo erram os que dizem a ideia de alguma coisa

é universal, como se na mente houvesse alguma imagem

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

de homem que não fosse de um homem singular, mas de homem simples­mente, o que é impossível, pois toda ideia é una e de uma coisa. Enganam­se, pois, ao colocarem um nome da coisa no lugar da sua ideia.

9. Segundo o sétimo modo erram aqueles que, distinguindo os entes,disseram que dos entes, alguns são entes por si, outros, por acidente. Certamen­te, na medida em que a proposição Sócrates é homem é necessária e Sócrates

é músico é contingente, por causa disso consideram que alguns seres sãonecessários ou por si e outros contingentes ou por acidente. E assim, visto

que necessário, contingente, por si, por acidente são nomes não de coisas,mas de proposições, ao dizerem que algum ente é um ser por si copulamum nome de proposição com um nome de coisa. Cometem o mesmo erroaqueles que colocam algumas ideias no entendimento, outras, na fantasia,como se fosse uma a ideia ou imagem de homem originada nos sentidose retida na memória, e outra a que está no entendimento quando enten­

demos que o homem é animal. O engano está em pensar que uma ideia

da coisa corresponde ao nome, e outra, à proposição, o que é falso. Pois aproposição significa apenas a ordem do que se observa sucessivamente namesma ideia de homem; tal como nesta oração o homem é animal temosuma única ideia, embora nessa ideia seja considerado primeiro aquilo emrazão do que é chamado de homem, e depois aquilo em razão do que échamado de animal. A falsidade de todas essas proposições, em todos osmodos, deve ser revelada a partir das definições dos nomes copulados.

10. Mas quando nomes de corpos são copulados com nomes de corpos,nomes de acidentes com nomes de acidentes, nomes de nomes com nomesde nomes, e nomes de fantasmas com nomes

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

de fantasmas, nem por isso conhecemos imediatamente se aquelas propo­sições são verdadeiras, sendo preciso antes conhecer a definição de cadaum dos nomes e, ainda, as definições dos nomes colocados na definição,

até que, por uma resolução contínua, se chegue ao nome mais simples,isto é, o supremo ou mais universal naquele gênero de coisas. Mas se nementão a verdade ou a falsidade aparece, trata-se de uma questão de filosofia,a ser investigada por um raciocínio começando por definições; pois todaproposição universalmente verdadeira é ou uma definição, ou parte de umadefinição, ou deve ser demonstrada a partir de definições.

lI. O defeito do silogismo que pode ocultar-se na forma encontra-sesempre na implicação da cópula com um dos termos ou em alguma equi­vocidade das palavras. De um modo ou de outro, ocorrem quatro termos,o que, como foi mostrado, não pode ocorrer em um silogismo legítimo.Revela-se imediatamente a implicação da cópula com qualquer um dosdois termos reduzindo-se a proposição a pura e nua predicação. Tal comose alguém chicaneasse:

A mão toca a penaA pena toca opapeLA mão toca opapeL

A inépcia fica imediatamente manifesta por redução; pois se fosseenunciado assim:

A mão é tocante da pena

A pena é tocante do papeL, logo,A mão é tocante do papeL,

saltariam aos olhos os quatro termos: mão, tocante da pena, pena e tocante

do papel.

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Do CORPO - CÁLcuLO ou LÓGICA

Mas não parece haver tanto perigo nesse gênero de sofismas que valhaa pena seguir adiante.

12. Nas palavras equívocas pode haver alguma falácia, mas não naque­las que são por si manifestas, e nem nas metáforas, pois a própria palavrametáfora anuncia a transferência do nome de uma coisa para outra. Mashá palavras equívocas que, mesmo não sendo muito obscuras, por vezesenganam, como na seguinte argumentação: cabe à filosofia primeira tratar

dos princípios, mas o primeiro de todos osprincípios é que a mesma coisa não

pode ser e não não ser simultaneamente; portanto, cabe à filosofia primeira

tratar se a mesma coisa pode ser e não ser simultaneamente. A equivocidadeda palavra princípio encerra uma falácia, pois quando Aristóteles diz noinício da metafísica que o tratamento dos princípios cabe à ciência pri­meira, por princípios ele entende as causas das coisas e certos entes, que elechama primeiros. Mas, quando diz que aquela proposição é um primeiroprincípio, quer com isso dizer princípio e causa do conhecimento, isto é,o entendimento das palavras, sem o qual ninguém pode ser ensinado sobreo que quer que seja.

13. As capciosidades dos sofistas e dos céticos, pelas quais eles outroracostumavam escarnecer e atacar a verdade, frequentemente eram defeituosasnão na forma, mas na matéria do silogismo, e mais vezes eles se enganaramdo que enganaram os outros. Pois o célebre argumento de Zenão contra omovimento repousava sobre esta proposição o que quer que possa ser dividido

em um número infinito de partes é infinito, que certamente ele estimou serverdadeira e que, contudo, é falsa. Pois poder ser dividido em partes infinitasnão é senão poder ser dividido em tantas partes quanto se queira.

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

Ora, não é necessário dizer que uma linha, embora eu possa dividi­Ia e subdividi-Ia o quanto quiser, contenha por causa disso um númeroinfinito de partes ou que seja infinita; pois seja lá quantas partes eu fizer,contudo, seu número sempre será finito. Mas quem diz meramente partes,

sem acrescentar quantas, não determina previamente o número, deixandoque o ouvinte o determine, e por isso costuma-se dizer que a linha pode serdividida ao infinito, o que em nenhum outro sentido pode ser verdadeiro.Isso é suficiente no que concerne ao silogismo, que é como que um passoem direção à Filosofia. Pois já dissemos o quanto é necessário para que seconheça de onde retira a sua força toda argumentação legítima. E elencartudo quanto possa ser dito seria tão supérfluo quanto se alguém quisesse,como eu disse, dar a uma criança preceitos para caminhar. Pois a arte deraciocinar não é adquirida por preceitos, mas pelo uso e pela leitura daqueleslivros nos quais tudo se conclui por meio de demonstrações rigorosas. Passoagora ao caminho da filosofia, isto é, ao método para filosofar.

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

CAPÍTULO VI

DO MÉTODO

I. Definições de método e de ciência. 2. É mais cognoscível queexistam os singulares que os universais; em contrapartida, por que existem,ou seja, quais são suas causas, é mais cognoscível dos universais que dossingulares. 3. O que os filósofos procuram saber. 4. A primeira parte, naqual se descobrem os princípios, é puramente analítica. 5. As causasmais universais em cada gênero são conhecidas por si. 6. Qual é o méto­do que tende dos princípios descobertos para a simples ciência. 7. Ométodo da ciência civil, bem como da natural, que parte dos sentidospara os princípios, é analítico; inversamente, o que parte dos princípiosé sintética. 8. O método para averiguar se uma coisa proposta é matériaou acidente. 9. O método para investigar se um acidente está nesteou naquele sujeito. IO. O método para investigar a causa de um efeitoproposto. 11. Os vocábulos servem à descoberta como notas, e à demons­tração como palavras significantes. 12. O método da demonstração ésintético. 13. Apenas as definições são proposições primeiras universais.14. A natureza e a definição da definição. 15. As propriedades da defi­nição. 16. A natureza da demonstração. 17. As propriedades da demons­tração e a ordem das coisas a serem demonstradas. 18. Os vícios dademonstração. 19. Por que não se pode tratar aqui do método analíticodos geômetras.

I. Para que se conheça o método é preciso rememorar a definição defilosofia, que foi dada acima (cap. I, art. 2) do seguinte modo: A filosofia éo conhecimento, adquirido pela reta razão, dosfenômenos ou efeitos aparentes

a partir da concepção da sua produção ou de alguma geração possível, e dequal fti ou poderia ter sido essaprodução, a partir da concepção do efeitoaparente. O método para filosofar consiste, portanto, em investigar damaneira mais breve possível os efeitospelas causas conhecidas ou as causas

pelos efeitos conhecidos.

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

Diz-se que temos ciência de um efeito se conhecemossuas causas,quantas

sáo, em que sujeito estáo, em que sujeito produzem o efeito e de que modo ofazem. E assim, a filosofia é ciência Toi) OlÓTl, quer dizer, das causas. Todooutro conhecimento, que é dito TOi) OTl, é sensação, ou então, imaginaçãoou memória remanescente da sensação.

E assim, os primeiros princípios da ciência são em sua totalidade osfantasmas do sentido e da imaginação, que nós naturalmente conhecemosque existem. Mas para conhecer por que existem ou de que causas provêm,é preciso raciocínio, que consiste (como foi dito acima - capo I, art. 2)

em composição e divisão ou resolução. E assim, todo método pelo qualinvestigamos as causas é compositivo ou resolutivo, ou então, em partecompositivo e em parte resolutivo. O resolutivo costuma ser chamadoanalítico; o compositivo, sintético.

2. É comum a todo método proceder do conhecido ao desconhecido,o que é manifesto a partir da referida definição de filosofia. No conheci­

mento dos sentidos, a totalidade do fenômeno é mais cognoscível do quequalquer de suas partes; assim, ao vermos um homem, o conceito ou a

ideia de homem em sua totalidade é cognoscível primeiramente ou maiscognoscível do que as ideias particulares de figurado, animado, racional, istoé, vemos o homem todo e conhecemos que existe, antes de nos determos

naquelas particularidades. E assim, no conhecimento Toi) OTl, ou seja, deque algo é, o ponto de partida da busca é a ideia em sua totalidade. Emcontrapartida, no conhecimento TOi) OtÓTl ou conhecimento das causas, isto

é, nas ciências, as causas das partes são mais cognoscíveis que as do todo.Pois a causa do todo é composta pelas causas das partes,

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

sendo necessário conhecer os componentes antes do composto. Por partesentendo aqui não as partes da própria coisa, mas as partes da sua natureza,assim como pelas partes do homem não entendo cabeça, ombros, braços etc.,mas figura, quantidade, movimento, sensação, raciocínio, e similares, quesão os acidentes que, compostos e em conjunto, constituem não a massa,mas a natureza do homem em sua totalidade. E nisso consiste o sentido

daquilo que é comumente dito, que algumas coisas são mais cognoscíveispara nós e outras, por natureza. Pois não quero crer que aqueles que fazemessa distinção avaliem que algo que não seja cognoscível para nenhum

homem seja, contudo, cognoscível para a natureza. Portanto, pelo que é

mais cognoscível para nós deve-se entender o conhecimento pelos sentidos,e pelo que é mais cognoscível por natureza, o conhecimento que se fazatravés da razão; e, assim, costuma-se dizer que o todo é mais cognoscível

para nós do que as partes, isto é, que aquelas coisas cujos nomes são menosuniversais (as quais, por brevidade, dizemos singulares) são mais cognoscíveispara nós do que aquelas cujos nomes são mais universais (as quais dizemosuniversais); e que as causas das partes são mais cognoscíveis por natureza

que a causa do todo, isto é, que os universais são mais cognoscíveis por

natureza que os singulares.3. Quem filosofa procura a ciência pura e simplesmente ou de maneira

indefinida, isto é, procura saber tanto quanto pode, sem propor nenhu­ma questão determinada, ou, então, procura a causa de um determinadofenômeno, ou ao menos chegar a algo de determinado, tal como qual éa causa da luz, do calor, da gravidade, de uma figura proposta, e coisassemelhantes, ou em que sujeito está um acidente proposto qualquer, ou,dentre muitos. acidentes, quais aqueles que melhor conduzem a um efeitocuja geração se propõe, ou de que modo devem ser conjugadas as causasparticulares propostas para a produção de um determinado efeito. Emfunção da variedade das coisas

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

procuradas, há de se recorrer ora ao método analítico, ora ao sintético,ora a ambos.

4. Aos que procuram a ciência pura e simplesmente, a qual consisteno conhecimento das causas de todas as coisas tanto quanto se possa, e

dado que as causas de todas as coisas singulares são compostas das causasdas universais ou simples, é-lhes necessário que conheçam as causas dasuniversais ou daqueles acidentes que estão em todos os corpos, isto é, quesão comuns a toda matéria, antes que conheçam as causas das singulares,isto é, dos acidentes pelos quais uma coisa se distingue de outra. É precisoainda que conheçam quais são esses universais eles próprios, antes quepossam saber suas causas. E, como os universais estão contidos na na­tureza dos singulares, é pela razão que se chega a eles, isto é, por resolução.Por exemplo, sendo proposto um conceito qualquer ou a ideia de umacoisa singular, como um quadrado, este é então resolvido em um planodelimitado por um certo número de linhas e de ângulos iguais. Assim, temosesses universais, ou seja, os que convêm a toda matéria: linha, plano (noqual está contida a superfície), delimitado, ângulo, retitude, igualdade, cujascausas ou gerações, se encontradas, serão compostas na causa do quadrado.Novamente, se alguém se propuser o conceito de ouro, a partir daí chegarápor resolução às ideias de sólido, visível, pesado (isto é, o que tende ao centroda Terra ou o que se move para baixo), e muitas outras mais universaisque o próprio ouro, as quais, por sua vez, podem ser resolvidas até quese chegue às mais universais. E, desse modo, pela resolução de uma ideiaapós a outra, se conhecerá quais são aquelas por cujas causas, uma vezconhecidas separadamente e compostas, se conhecem as causas das coisassingulares. Concluímos, assim, que o método para

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Do CORPO - CÁLCULO ou LÓGICA

investigar as noções das coisas universais é puramente analítico.5. As causas dos universais (ao menos daqueles que têm alguma cau­

sa) são manifestas por si, ou, como se diz, são cognoscíveis por natureza,

de modo que não requerem absolutamente nenhum método, posto que aúnica causa de todos esses universais é o movimento. Pois a variedade de

todas as figuras é originada da variedade dos movimentos pelos quais sãoconstruídas, e não se pode entender que o movimento tenha outra causaalém de outro movimento, nem tampouco que a variedade das coisas per­cebidas pelos sentidos, tais como as várias cores, sons, sabores etc., tenhaoutra causa além do movimento, que se oculta em parte no objeto agente,em parte naqueles que sentem, de um modo tal que, embora não se possaconhecer sem raciocínio qual seja esse movimento, é, todavia, manifestoque há algum movimento. Com efeito, ainda que muitos só entendamque a mudança consiste em movimento se isso lhes for de algum modomostrado, isso ocorre, contudo, não por causa da obscuridade da coisa(pois não se pode entender que algo altere seu estado ou movimento senãopelo movimento), mas porque o discurso natural está corrompido pelospreconceitos dos mestres ou porque não aplicam absolutamente nenhumpensamento na investigação da verdade.

6. Conhecidos os universais e suas causas (que são os primeiros prin­cípios do conhecimento TOV OlÓTl), temos, portanto, em primeiro lugar, assuas definições (que não são senão as explicações dos nossos conceitos maissimples). Pois quem concebe corretamente o lugar, por exemplo, não podeignorar esta definição: lugar é o espaço que é adequadamente preenchidoou ocupado por um corpo. E quem concebe o movimento não pode ignorarque o movimento é a privação de um lugar

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

e a aquisição de outro. A seguir, temos suas gerações ou descrições, como,por exemplo, que a linha é feita pelo movimento de um ponto; a superfí­cie, pelo movimento da linha; um movimento, por outro movimento etc.Resta a investigar qual movimento gera qual efeito, como, qual movimentoproduz uma linha reta, qual uma circular, qual movimento impulsiona,qual puxa, e com qual trajetória, qual movimento faz com que uma coisavista, ouvida etc. seja vista, ouvida etc., ora de uma maneira, ora de outra.O método dessa investigação é compositivo. Pois, em primeiro lugar, épreciso observar o que produz um corpo em movimento, quando nele nadaalém do movimento é considerado, e logo se vê que ele produz uma linhaou uma longitude; depois, o que faz um corpo longo quando se move,o que se constata ser uma superfície; e assim por diante, vendo o que seproduz a partir do movimento pura e simplesmente. A seguir, de maneirasemelhante, deve-se considerar que efeitos, quais figuras se apresentam equais suas propriedades, a partir da adição, da multiplicação, da subtraçãoe da divisão de tais movimentos. Dessa consideração originou-se aquelaparte da filosofia que se chama geometria.

Após a consideração do que se produz a partir do simples movimen­to, segue-se a consideração do que o movimento de um corpo produz emoutro corpo. E porque pode haver movimento em cada parte singular docorpo, mas de tal maneira que o todo, não obstante, não se desloque delugar, deve-se investigar, em primeiro lugar, que movimento produz qualmovimento no todo. Isto é, se algum corpo se choca com outro corpo queestá em repouso ou que já se encontra em movimento, com qual trajetóriae com que velocidade se moverá depois do choque, e, por sua vez, quemovimento o segundo corpo gerará num terceiro, e assim por diante. Dessaconsideração surge aquela parte da filosofia que trata do movimento.

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Do CORPO - CÁLCULO ou LÓGICA

Em terceiro lugar, passar-se-á à investigação do que se produz a partirdo movimento das partes, como, de que modo se dá que as mesmas coisaspareçam aos sentidos não, contudo, como as mesmas, mas como mudadas.Assim, são investigadas aqui as qualidades sensíveis, quais sejam, luz, cor,

transparência, opacidade, som, odor, sabor, calor,frio e similares. E, porquenão podem ser conhecidas sem o conhecimento das causas dos própriossentidos, a consideração das causas da visão, da audição, do olfato, do gosto

e do tato ocupa esse terceiro lugar, e todas essas qualidades e mudançasmencionadas se reportam ao quarto lugar. Essas duas considerações com­preendem aquela parte da filosofia que se denomina física. Nessas quatropartes está compreendido tudo o que na filosofia natural pode ser expli­cado por demonstração propriamente dita. Pois se tivermos de apresentara causa de fenômenos naturais específicos, como, por exemplo, quais sãoos movimentos e influências dos corpos celestes e de suas partes, a razãodisso deve ser buscada numa das partes da ciência acima mencionada, ounão será em absoluto razão, mas conjectura incerta.

Da física deve-se passar à moral, na qual são considerados os movimen­tos da mente, a saber, o apetite, a aversão, o amor, a benevolência, a esperança,o medo, a ira, a emulação, a inveja etc., que causas têm, e de que coisas sãocausas. A razão pela qual são considerados depois da física é que eles têmsuas causas no sentido e na imaginação, que são objeto de consideraçãoda física. Além disso, é certo que tudo isso deva ser investigado na ordemem que eu disse, pois não se pode entender a física, se não se conhece omovimento que está nas partes mais diminutas dos corpos, e não se entendeo movimento das partes, se não se conhece o que produz movimento emoutro corpo, e tampouco isso se entende, se não se conhece

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Do CORPO - CÁLCULO OU LÓGICA

o que O puro e simples movimento produz. E porque a aparição de todasas coisas aos sentidos é determinada e tem tal qualidade e quantidade por

meio de movimentos compostos, dos quais cada um tem um certo grau de

velocidade e uma certa trajetória, devem-se investigar, em primeiro lugar, as

trajetórias do movimento puro e simples (e nisso consiste a geometria), em

seguida, as trajetórias dos movimentos gerados e manifestos, e, por fim, as

trajetórias dos movimentos internos e invisíveis (o que buscam os físicos).

E assim, aqueles que buscam a filosofia natural a buscam inutilmente, se

não assumem os princípios de investigação da geometria. E aqueles que,

ignorando a geometria, escrevem ou dissertam sobre filosofia natural abusamde seus leitores e ouvintes.

7. A filosofia civil adere à moral, mas de tal modo que pode ser dela

separada. Pois as causas dos movimentos da mente são conhecidas não

apenas pelo raciocínio, mas também pela experiência de qualquer um que

observe seus próprios movimentos. E por causa disso, não apenas os

que chegaram primeiramente à ciência dos desejos e das perturbações da

mente, pelo método sintético e a partir dos primeiros princípios da filo­

sofia, podem, prosseguindo por esse mesmo caminho, chegar às causas e

à necessidade de se constituírem as cidades e adquirir a ciência do direito

natural e dos deveres civis, bem como do direito que cabe à cidade em

cada um dos seus gêneros e de tudo o mais que for próprio à filosofia civil

(na medida em que os princípios da política consistem no conhecimentodos movimentos da mente e o conhecimento do movimento da mente, na

ciência dos sentidos e do pensamento); mas também aqueles que não apren­

deram a primeira parte da filosofia, a saber, a geometria e a física, podem,

ainda assim, chegar aos princípios da filosofia civil pelo método analítico.

Pois, se uma questão qualquer é proposta, tal como, se uma ação é justa ou

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Do CORPO- CÁLcuLOou LÓGICA

injusta, pela resolução de injusto em fato contrário às leis, da noção de lei

em ordem de quem pode coagir, e de poder em vontade dos homens queconstituem tal poder em vista da paz, chegar-se-á, ao fim e ao cabo, a isto,que os apetites e movimentos das mente dos homens são tais que, salvose coagidos por algum poder, continuarão sempre em guerra uns contraos outros, o que pode ser conhecido pela experiência de qualquer um queexamine a própria mente. E assim, a partir daí, pode prosseguir por compo­sição até determinar a justiça ou injustiça de qualquer ação proposta. Peloque dissemos, fica claro que o método para filosofar daqueles que procurama ciência simplesmente, sem propor nenhuma questão determinada, é emparte analítico, em parte sintético - analítico dos sentidos à descobertados princípios e sintético no resto.

8. Aos que procuram a causa de um determinado fenômeno ou efeitoproposto, às vezes ocorre ignorar se aquela coisa cuja causa se procura ématéria ou corpo, ou algum acidente do corpo. Pois embora em geometria,em que se procura a causa da grandeza, da proporção ou da figura, saibamoscom certeza que essas coisas, isto é, a grandeza, a proporção e a figura, sãoacidentes, em física, contudo, na qual se trata das causas dos fantasmassensíveis, os quais se oferecem, e muitos se impõem, no lugar das própriascoisas de que são fantasmas, a discriminação não é tão fácil, sobretudo noque diz respeito aos fantasmas da visão. Por exemplo, quem olha para o soltem dele uma ideia luminosa da grandeza de quase um pé de diâmetro, echama isso de sol, mesmo sabendo que o sol é de fato

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muito maior. Do mesmo modo, um fantasma de longe às vezes pareceredondo, quando, de perto, é quadrado, de modo que se tem razão paraduvidar se aquele fantasma é matéria ou um corpo natural, ou se é um aci­dente do corpo. O método para examinar tal questão consiste em compararas propriedades da matéria e do acidente, que descobrimos primeiramentepelo método sintético a partir de suas definições, com a própria ideia; sea ela convêm as propriedades do corpo ou da matéria, ela é corpo; se nãoconvêm, é acidente. Logo, se a matéria não puder por ação nossa nem sefazer, nem perecer, nem aumentar, nem diminuir, nem se mover de lugar,e se, contudo, a ideia surgir, destruir-se, aumentar, diminuir e mover-seao nosso arbítrio, é certo que não será matéria, mas acidente. Este métodoé, portanto, sintético.

9. Se a questão versa sobre o sujeito de um acidente conhecido,acerca do qual se pode por vezes duvidar, como no exemplo precedente sepôde duvidar em que sujeito estavam o esplendor e a grandeza do sol, ainvestigação se fará da seguinte maneira: primeiramente, divide-se toda amatéria em partes, como em objeto, meio, e aquele que sente, ou por umadivisão que pareça mais adequada à coisa proposta. A seguir, examina-secada uma das partes segundo a definição do sujeito, rejeitando-se aquelasque não são capazes daqueles acidentes. Por exemplo, se, por um raciocínioverdadeiro, se descobrir que o sol é maior que sua grandeza aparente, essagrandeza não está no sol; se o sol estiver numa determinada linha reta e

numa determinada distância, enquanto a grandeza e o esplendor são vistosem diversas distâncias e linhas, como ocorre através da reflexão

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e da refração, nem o esplendor nem a grandeza aparente estarão no própriosol, e, por conseguinte, o corpo solar não será o sujeito daquele esplendore daquela grandeza. E pelas mesmas razões se rejeitarão igualmente o ar eoutras partes até que não reste nada que possa ser o sujeito do esplendore da grandeza além daquele que os sente. Este método é analítico, na me­

dida em que o sujeito é dividido em partes, e sintético, na medida em queas propriedades do sujeito e do acidente são comparadas com o próprioacidente cujo sujeito buscamos.

10. Mas quando se investiga a causa de algum efeito proposto, deve-seantes de tudo pensar e compreender a noção ou a ideia perfeita daquiloque se chama causa, a saber, que causa é a soma ou o agregado de todos osacidentes, tanto no agente quanto no paciente, que concorrem para a produ­

ção do efeito proposto, de um tal modo que não se pode entender que todosexistem sem que o efeito exista, ou que, estando qualquer deles ausente, queo efeito exista.

Uma vez conhecendo-se o que é a causa, cabe examinar, um a um, cada

um dos acidentes que acompanham ou precedem o efeito e que parecemde algum modo contribuir para ele, e ver se, algum deles não existindo,pode-se ou não entender que o efeito proposto exista. Separam-se, dessemodo, aqueles que concorrem para a produção do efeito daqueles que nãoconcorrem. Feito isso, reúnem-se aqueles que concorrem e considera-se se épossível entender que, existindo todos simultaneamente, o efeito propostonão exista. Se não podemos conceber isso, aquele agregado é a causa integraldo efeito, caso contrário, não, e, nesse caso, outros acidentes devem aindaser buscados e acrescentados.

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Por exemplo, se buscamos a causa da luz, examinamos primeiramenteas coisas externas e verificamos que, todas as vezes que a luz aparece, háalgum objeto precípuo enquanto fonte de luz, sem o qual não se pode en­tendê-Ia; por conseguinte, para a geração da luz concorre, primeiramente,um objeto qualquer. A seguir, consideramos o meio e descobrimos que,a menos que esteja disposto de um certo modo, a saber, que seja transpa­rente, o efeito é suprimido, ainda que o objeto permaneça o mesmo; porconseguinte, a transparência do meio concorre para a geração da luz. Emterceiro lugar, observo o corpo que vê e detecto que, por uma má disposi­ção dos olhos, do cérebro, dos nervos, do coração, isto é, por obstruções,insensibilidade, debilidade, a luz é suprimida. Por conseguinte, a boadisposição dos órgãos para a recepção das impressões externas faz parte dacausa da luz. Além disso, de todas as coisas inerentes ao objeto que podemproduzir luz, a ação (isto é, algum movimento) é a única que, se faltar, nãose pode entender que o efeito subsista. Pois, para que algo possa luzir, nãose requer que tenha tal grandeza ou figura, nem tampouco que se desloquecom todo o seu corpo de lugar (a não ser talvez que se diga que é luz oque no solou em outro corpo existente é causa da luz, o que seria umaexceção tola, já que por luz não se entende outra coisa senão a causa daluz, sendo como se alguém dissesse que a causa da luz é o que, no sol, aproduz); resta, então, que a ação pela qual a luz é gerada seja tão-somenteum movimento das suas partes. Donde facilmente se entende em que omeio contribui, a saber, no prolongamento daquele movimento até o olho,e, por fim, no que o olho e os demais órgãos de quem sente contribuem, asaber, na continuação do mesmo movimento até o coração, o último órgãoda sensação. E, desse modo, a causa da luz será composta

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por um movimento contínuo, da origem deste à origem do movimentovital, não sendo a luz outra coisa senão a mudança do movimento vital

advinda daquele movimento. Mas que se diga tudo isso apenas a título deexemplo, pois da própria luz, de onde e de como se gera, se dirá mais eoutras coisas, em seu devido lugar. Por ora fica manifesto que, na investi­

gação das causas, é preciso que o método seja em parte analítico, em partesintético: analítico para que se concebam, uma a uma, as circunstâncias doefeito; sintético para que se componha em uma unidade o que cada umaproduz por si. Apresentado o método da descoberta, resta falar do métodode ensinar, isto é, da demonstração e dos meios de demonstrar.

II. No método de descoberta, o uso dos vocábulos consiste em que

estes são notas pelas quais o que foi descoberto pode ser evocado na me­mória. Pois, a menos que isso seja feito, tudo o que descobrimos se perde,não sendo possível que dos princípios se avance além de um ou outrosilogismo, por causa da deficiência da memória. Por exemplo, se alguém,contemplando um triângulo colocado diante dos seus olhos, descobrisseque todos os seus ângulos juntos, somados, são iguais a dois ângulos retos,se pensasse nisso tacitamente, sem qualquer uso de palavras concebidas ouexpressas, sendo-lhe apresentado um outro triângulo diferente do primei­ro, ou, ainda, o mesmo triângulo visto de outra posição, ele ignoraria seaquela propriedade se encontra neles ou não. Assim, cada um dos triân­gulos propostos, que são de uma multiplicidade infinita, seria necessáriocontemplar novamente, o que, por meio dos vocábulos (cada um dos quais,universalmente, denota o conceito das infinitas coisas singulares), não énecessário. Contudo, como foi dito, eles servem à descoberta, enquanto

notas para auxiliar a memória, e não

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como palavras para significar, de modo que um homem solitário pode tor­nar-se filósofo sem um mestre. Adão pôde. Mas ensinar, isto é, demonstrar,supõe dois e o discurso silogístico.

12. Ora, porque ensinar nada mais é do que conduzir a mente daquelea quem se ensina ao conhecimento do que foi descoberto, no rastro danossa própria descoberta, o método da demonstração será o mesmo daqueleusado na investigação, salvo pela omissão da primeira parte do método, asaber, a que procedia da sensação das coisas aos princípios universais. Pois,sendo princípios, não podem ser demonstrados, e sendo cognoscíveis pornatureza (como se disse acima no artigo quinto), certamente requerem ex­plicação, mas não demonstração. Portanto, todo método de demonstraçãoé sintético e consiste na ordem do discurso, que começa pelas proposiçõesprimeiras ou mais universais e entendidas por si mesmas e procede, por umacontínua composição das proposições em silogismos, até que o aprendizentenda a verdade da conclusão buscada.

13. Ora, aqueles princípios não são senão definições, das quais há doistipos. Algumas são de vocábulos que significam coisas cuja causa não sepode compreender; outras, de vocábulos que significam coisas cuja causase pode compreender4• Do primeiro tipo são corpo ou matéria, quantidadeou extensão, o movimento puro e simples, e, enfim, o que se encontraem toda matéria. Do segundo tipo são tal corpo, tal movimento e de tal

quantidade, tal grandeza, tal figura, e tudo pelo que se pode distinguirum corpo de outro. Os nomes do primeiro gênero são suficientementedefinidos se, pelo discurso mais

4 Seguimos aqui a sugestão de Schuhmann em sua edição crítica, que inverte a ordem

em que aparecem as expressões "pode" e "não pode", a fim de tornar a passagem com­patível com a sequência do texto.

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sucinto possível, suscitarem na mente do ouvinte ideias ou conceitos claros

e perfeitos das coisas por eles nomeadas. É assim quando definimos o movi­mento como o contínuo abandono de um lugar e aquisição de outro. Pois,embora nessa definição não se encontre nada que se mova nem a causa domovimento, ao ouvir esse discurso, apresenta-se na mente do ouvinte umaideia suficientemente clara do movimento. Já os nomes das coisas que sepode conhecer ter uma causa devem trazer em sua definição a própria causaou o modo de geração, como quando definimos o círculo como a figuraque surge da circundução da linha reta num plano etc. Além das definições,nenhuma outra proposição deve ser dita primeira, não devendo, portanto,se quisermos conduzir-nos com um pouco mais de rigor, ser adscrita aonúmero dos princípios. Pois os axiomas de Euclides, na medida em quepodem ser demonstrados, não são princípios da demonstração; mas, namedida em que não precisam de demonstração, obtiveram, pelo consensode todos, a autoridade de princípios. Além disso, as proposições que sechamam Postulados e Demandas são efetivamente princípios, mas não dademonstração, e sim da construção, isto é, não da ciência, mas do poder,ou, o que dá no mesmo, não dos teoremas, que são especulações, mas dosproblemas, que concernem à prática e à produção de algo. Mas aquelesdogmas vulgarmente acatados, tais como a natureza tem horror ao vácuo,

a natureza nada faz em vão e similares, que não são conhecidos por si nemsão de algum modo demonstráveis, e que são mais frequentemente falsosque verdadeiros, estes menos ainda devem ser tidos por princípios.

Mas, para voltar às definições, a razão pela qual

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afirmo que o que tem causa e geração deve ser definido por sua causa egeração é esta: o fim da demonstração é a ciência das causas e das gerações,a qual, se não está nas definições, não pode estar nas conclusões daquelesprimeiros silogismos, que nascem das definições. E se não se encontra naprimeira conclusão, não se encontrará em nenhuma conclusão ulterior; e,assim, nunca nascerá a ciência, o que vai contra o escopo e o desígnio dademonstração.

14. Ora, as definições, que, como dissemos, são princípios ou pro­posições primeiras, são discursos, e porque são empregadas para suscitarna mente do aprendiz a ideia de alguma coisa, se a essa coisa é impostoum nome, a definição não pode ser outra coisa senão a explicação dessenome por meio de um discurso. E se o nome for imposto em virtude deum conceito composto, a definição não é senão a resolução desse nomeem suas partes mais universais. Como quando definimos homem dizendoque homem é um corpo animado racional que sente, aqueles nomes corpo,animado etc. são as partes do todo cujo nome é homem. Donde resultaque definições desse tipo constam sempre de gênero e diferença, tal quetodos os nomes anteriores ao último estão no lugar do gênero e o último,da diferença. E, se algum nome for o mais universal em seu gênero, suadefinição não pode constar de gênero e diferença, mas deve ser feita pormeio de uma circunlocução qualquer, que seja a mais adequada a explicara força do nome. Também pode acontecer, e sempre ocorre, que o gêneroe a diferença estejam juntos sem, contudo, produzirem

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uma definição, como as palavras linha reta contêm gênero e diferença e,todavia, não são uma definição, a menos que pensemos que linha reta possadefinir-se assim: linha reta é linha reta. Mas, se houver uma palavra qualquerdiferente dessas duas que signifique o mesmo que elas, então essas duaspalavras são a definição dessa única. Do que se disse pode-se então entendercomo se define a própria definição, a saber, como a proposição cujo predicado

resolve o sujeito quando isso ftr possível; e quando não, o exemplifica.

15. As propriedades da definição são:I. Ela elimina o equívoco e, com ele, toda aquela multiplicidade de

distinções de que se servem aqueles que pensam poder adquirir filosofia pormeio de disputas. Pois a natuteza da definição é definir, isto é, determinar o

significado do nome definido, separando-o de todos os outros significadosalém daquele contido na definição. E, por isso, uma única definição tomao lugar de todas as distinções que podem ser feitas acerca do definido.

11. Ela exibe a noção universal do definido, sendo como que umapintura universal, não para o olho, mas para a mente. Pois, assim comoquem pinta um homem produz a imagem de um certo homem, quemdefine o nome homem produz a imagem de algum homem.

lH. Não é necessário disputar sobre se as definições devem ser ad­mitidas ou não. Pois, porquanto se trate de algo apenas entre o mestre eo aprendiz, se o aprendiz entende todas as partes do definido resolvidasna definição e mesmo assim não quer admitir a definição, a controvérsiaentão se encerra, pois isso é o mesmo

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que não querer ser ensinado. E, se não entende, a definição não é boa, semqualquer controvérsia, porque a natureza da definição consiste em exibirclaramente a ideia da coisa; com efeito, os princípios ou são cognoscíveispor si ou não são princípios.

IV Em filosofia as definições são anteriores aos nomes definidos. Pois

o ensino da filosofia inicia-se pelas definições e seu progresso até a ciênciados compostos é compositivo. Assim, visto que a definição é a explicaçãodo nome composto por resolução na qual se procede do resolvido ao com­posto, as definições devem ser entendidas antes dos nomes compostos. Maisainda, se as partes do nome forem explicadas no discurso, não é necessárioque haja o nome composto por elas. Por exemplo, uma vez conhecidos osnomes equilátero, quadrilátero, retângulo, não é de modo algum necessárioque em geometria haja o nome quadrado. Com efeito, os nomes definidossão empregados em filosofia apenas para abreviar.

V Os nomes compostos, definidos em uma certa parte da filosofia,podem ser definidos diferentemente em outra, como parábola e hipérbolesão definidas de um modo em geometria e de outro em retórica. Pois asdefinições são instituídas e têm serventia para uma certa disciplina. Por­tanto, se em uma parte da filosofia uma definição introduzir um nome quepareça adequado para abreviar algo em geometria, ela também pode, como mesmo direito, fazer o mesmo em outras partes. Pois o uso dos nomesé privado e (mesmo que muitos o consintam) arbitrário.

VI. Nenhum nome é definido por um único vocábulo. Pois umúnico vocábulo

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não pode ser resolutivo de um ou mais vocábulos.VII. O nome definido não deve ser repetido na definição. Pois o

definido é um todo composto, ao passo que a definição é a resolução docomposto em partes; ora, o todo não pode ser uma parte de si mesmo.

r6. Duas definições quaisquer que possam compor um silogismoconduzem a uma conclusão que, sendo derivada de princípios, isto é, dedefinições, se diz demonstrada, e a derivação ou composição ela própria,demonstração. Da mesma maneira, se se produz um silogismo a partir deduas proposições das quais uma é uma definição e a outra, uma conclusãodemonstrada, ou das quais nenhuma é uma definição, mas ambas forampreviamente demonstradas, esse silogismo também se diz ser uma de­monstração, e assim sucessivamente. A demonstração se define, portanto,da seguinte maneira: uma demonstração é um silogismo ou uma série desilogismos derivada das definições dos nomes até a última conclusão. Dondese compreende que todo raciocínio legítimo que tem início em princípiosverdadeiros é científico e constitui uma verdadeira demonstração. Pois, no

que concerne à origem do nome, embora os Gregos chamassem ànOOELSLV oque os Latinos, traduzindo a palavra, chamaram demonstração, emprega­ram-no somente para o raciocínio no qual, pela descrição de certas linhase figuras, se punha a coisa a ser provada como que diante dos olhos, oque é propriamente ànOOEl1(VVElV, ou seja, mostrar; contudo assim faziamporque lhes parecia que, além da geometria (na qual, quase unicamente, hálugar para figuras desse tipo), não havia raciocínio certo e científico acercade outras coisas, mas observavam que tudo era pleno de controvérsias eclamores; e isso

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não porque a verdade a que aspiravam não pudesse aparecer sem figu­ras, mas porque não puseram nenhum princípio legítimo nos seus ra­ciocínios. Por isso, uma vez previamente postas as definições, não hánenhuma razão para que não possa haver verdadeiras demonstraçõesem qualquer tipo de disciplina.

r7. Portanto, é próprio de uma demonstração metódica:I. Que toda série de razões seja legítima, isto é, segundo as leis dos

silogismos apresentadas acima.lI. Que as premissas de cada silogismo sejam previamente demons­

tradas a partir das primeiras definições.lII. Que se proceda, depois das definições, pelo mesmo método pelo

qual quem ensina chegou a cada uma de suas descobertas. Qual seja, queprimeiramente se demonstre o que estiver mais próximo das definiçõesuniversais (isso cabe à parte da filosofia que se diz filosofia primeira); aseguir, o que se pode demonstrar a partir do movimento puro e simples(nisso consiste a geometria); e, depois da geometria, o que se pode ensinarpor uma ação manifesta, isto é, por impulso e tração. Daí se deve descerao movimento das partes invisíveis ou mudanças, à doutrina dos sentidose da imaginação e às paixões internas dos animais, especialmente às dohomem, nas quais estão contidos os primeiros fundamentos dos deveresou da doutrina civil, que ocupa o último lugar. Ora, pode-se conhecer quea ordem de todas as disciplinas deve ser a que eu disse a partir disto:que o que dissemos dever ser ensinado posteriormente não pode ser de­monstrado a menos que se conheça o que se propôs tratar em primeirolugar. De tal método, não se pode dar outro exemplo que o estudo dospróprios elementos

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de filosofia, que iniciamos no próximo capítulo e continuamos ao longo detodo o livro.

18. Além dos paralogismos que ocorrem devido a falsidade das premis­sas ou a erro na composição dos quais se falou no capítulo precedente, há

dois outros que também concernem a demonstração: a petição de princípio

e a falsa causa, que enganam não apenas o aprendiz inábil, como às vezestambém o mestre, fazendo com que tomem por demonstrado o que não estádemonstrado. Diz-se cometer uma petição de princípio quem põe no lugarda definição, isto é, no lugar do princípio da demonstração, a conclusão aser provada, enunciada em outros termos. Assim, quem coloca como causada coisa buscada a própria coisa ou o seu efeito produz uma demonstraçãocircular. Por exemplo, quem quisesse demonstrar que a Terra está imóvelno centro do universo, e supusesse que a gravidade é a causa disso e adefinisse - a gravidade - como a qualidade pela qual um corpo pesadotende ao centro do universo, trabalharia em vão. Pois o que se busca é acausa pela qual a Terra tem essa qualidade; e por isso quem supõe quea gravidade é a causa disso põe a coisa como sua própria causa.

De falsas causas encontro um exemplo em um certo tratado no qualse pretende demonstrar que a Terra se move. Inicia-se então assim: vistoque a Terra e o Sol não mantêm a mesma posição um em relação ao outro,é necessário que um dos dois se mova de lugar, o que é verdadeiro. A se­guir, observa-se que os vapores que o Sol eleva da Terra e do mar, por essemovimento, necessariamente se movem, o que é igualmente verdadeiro.Donde se infere que nascem os ventos, o que deve também ser concedido.Diz-se que esses ventos movem as águas do mar, e que, pelo movimentodestas, o fundo

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do mar, como se fosse agitado, se mexe; concedamos isso também. Con­clui-se então que necessariamente a Terra se move. Contudo, isso é umparalogismo. Pois, se aquele vento fosse a causa pela qual desde o início aTerra girasse, e o movimento ou do Solou da Terra fosse a causa daquelevento, o movimento ou do Solou da Terra seria anterior ao vento. Se, an­

tes de surgir o vento, a Terra estivesse em movimento, então o vento nãopoderia ser a causa da revolução da Terra. Mas se a Terra estivesse paradae o Sol em movimento, é evidente que, mesmo aquele vento existindo, aTerra poderia não se mover. Logo, a causa desse movimento não é a quefoi proposta. Mas paralogismos desse tipo os há em grande quantidadeespalhados pelos escritos de física, embora não possa haver nenhum maiselaborado de que este do qual dei exemplo.

19. Pode parecer apropriado a alguém tratar neste lugar do métododaquela arte geométrica que chamam logística, qual seja, aquela arte pelaqual, supondo-se a verdade de algo que é buscado, se chega pelo raciocínioou a algo conhecido, a partir do qual se pode demonstrar a verdade do queé buscado, ou a algo impossível, a partir do qual se pode compreender que oque se supôs é falso. No entanto, essa arte não pode ser explicada aqui. Acausa disso é que esse método não pode ser empregado nem entendidosenão por quem é versado em geometria. E dentre os próprios geômetras,quanto mais teoremas se tem presente, tanto mais se pode utilizar a logís­tica, de tal modo que esta não se distinguiria realmente da geometria. Poisesse método tem três partes, das quais a primeira, que chama m equação,consiste em descobrir a igualdade entre algo desconhecido e algo conheci­do. Ora, essa equação não pode ser descoberta senão por aqueles que co­nhecem bem a natureza, as propriedades e

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transposições da proporção, bem como a adição, a subtração, a multipli­cação, a divisão e a extração de raízes das linhas e superfícies, o que jáexige um geômetra que não seja medíocre. A segunda consiste em que, apartir da equação descoberta, se possa julgar se dela se pode ou não extraira verdade ou falsidade da questão, o que concerne a uma ciência aindamaior. A terceira consiste em, uma vez descoberta a equação apropriada à

solução da questão, resolvê-la até o ponto em que sua verdade ou falsida­de se torne manifesta, o que, nas questões mais difíceis, não pode ser feitosem o conhecimento da natureza das figuras curvilíneas. Ora, conhecerbem a natureza e as propriedades das figuras curvilíneas concerne à geo­metria suprema. Além disso, ocorre de não haver um método para a des­coberta das equações, mas que nisso cada um valha tanto quanto sua sa­gacidade natural.

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