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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP Tiago Cappi Janini COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA: ANÁLISE DO PROCESSO DE CAUSALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

Tiago Cappi Janini

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA: ANÁLISE DO PROCESSO DE

CAUSALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE EXTINÇÃO DA

OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

Tiago Cappi Janini

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA: ANÁLISE DO PROCESSO DE

CAUSALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE EXTINÇÃO DA

OBRIGAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em

Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, sob orientação da Profa. Doutora Clarice Von

Oertzen de Araujo.

São Paulo

2008

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Banca Examinadora

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Aos meus pais Antonio (in memorium) e Sonia, e

ao meu irmão Antonio Alberto.

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AGRADECIMENTOS

Por problemas de afasia, certamente algum nome ficará de fora desta lista, porém não

significa que o meu reconhecimento pelo apoio e conselhos não deixe de atingir a todos que

colaboraram com a feitura desta dissertação.

A todos os meus familiares que sempre estiveram presentes no caminho desse

estudo.

À Clarice von Oertzen de Araujo, pela inestimável colaboração. Sem seu trabalho de

orientação, sempre dedicado, atencioso e cuidadoso, nada teria sido alcançado.

Aos professores com quem tive o privilégio de estudar no COGEAE e no mestrado:

Roque Antonio Carrazza, Celso Fernandes Campilongo, Marcelo de Oliveira Figueiredo,

Tacio Lacerda Gama, Maria Rita Ferragut, Robson Maia Lins, Tárek Moysés Moussallem,

Fabiana Del Padre Tomé, Ercias Rodrigues de Sousa, Daniela de Andrade Braghetta e Eurico

Marcos Diniz de Santi. Aos professores de minha graduação, em especial a Julio da Costa

Barros.

Aos grandes amigos que o estudo nos proporciona, Frederico Seabra de Moura,

Danilo Aoad Gimenez, Raquel Mercedes Motta, Marcos Feitosa, Diego Bomfim, Rodrigo

Dalla Pria, Maíra Oltra, Charles McNaughton, Rubya Floriani, Alexandre Pacheco, Samuel

Gaudêncio, Patrícia Fudo, Thiago Boscoli Ferreira, Marcelo de Carvalho Lima, Luiz Paulo

Gomes, Vanessa Canado, Miguel Martucci e Ronny Pereira.

A todos os amigos do escritório Paiva & Arruda que sempre me apoiaram e me

incentivaram no presente trabalho desde o seu nascimento. Taís Amaral, obrigado pela

paciência na ajuda da formatação deste trabalho.

Ao professor Paulo de Barros Carvalho, pela oportunidade em participar deste seleto

grupo de estudiosos.

À CAPES, agradeço pelo financiamento de boa parte dos meus estudos, e à PUC/SP

por me permitir aprender com grandes mestres do direito.

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[...] Palavras não são más

Palavras não são quentes

Palavras são iguais

Sendo diferentes [...]

(Marcelo Fromer / Sérgio Britto)

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JANINI, Tiago Cappi. Compensação tributária: análise do processo de casualidade

jurídica para fins de extinção da obrigação jurídica tributária. 2008. 280 f. Dissertação

(Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2008.

RESUMO

O objetivo do trabalho consiste na análise da causalidade jurídica das normas envolvidas na compensação tributária. Descrevem-se as cadeias de positivação das normas que vão constituir o fato jurídico da compensação, ou seja, a formalização do crédito tributário e a constituição da relação de débito do Fisco, e das normas que determinam a relação jurídica da compensação. Dedica-se ao estudo de três maneiras possíveis para se extinguir a obrigação tributária sob a ótica da compensação, de acordo com o sujeito emissor da norma individual e concreta: (i) pela autoridade administrativa; (ii) pelo contribuinte; e (iii) pela autoridade judiciária. Utiliza-se o método do constructivismo lógico-semântico, abordando o direito como um processo comunicacional, construído, modificado e extinto somente por meio de linguagem jurídica competente. Em face das premissas, identificam-se várias cadeias de positivação de normas da compensação tributária, sempre se encerrando com a produção de uma norma individual e concreta cujo conteúdo é a extinção da relação jurídica tributária. Este estudo evidencia que a compensação tributária é um ato jurídico complexo, necessitando de vários fluxos normativos para atingir seu objetivo. Palavras-chave: Compensação tributária; Extinção do crédito tributário; Processo de positivação de normas.

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JANINI, Tiago Cappi. Tax compensation: analysis of the judicial causality for the tax judicial obligation’s extinction. 2008. 280 f. Dissertation (Master of Law), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

ABSTRACT

The work’s purpose is to analyse the judicial causality of the rules of law included in the tax compensation. Describe the rules accomplishment series that will compose the compensation judicial fact, that is, the tax credit formalization and the Treasury debit relation, and the rules that composes the compensation judicial relation. Devote to study the three possible ways to supress the tax obligation under compensation view, in accordance with the individual and concrete rule sender: (i) for the administrative authority; (ii) for the taxpayer; (iii) for the judiciary authority. Use the logic-semantic construction method, approaching the law like a communication process, constituted, modified and extinted only for judicial language. In view of the premise, identify several rules accomplishment series of the tax compensation, always finishing with the individual and concrete rule production whose content is the tax judicial relation’s extinction. This study make evident that tax compensation is a complex judicial act, needing several rules accomplishment series to hit yours objective.

Keywords: Tax compensation; Tax credit’s extinction; Rules accomplishment series.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................12 2 LINGUAGEM E DIREITO......................................................................................18 2.1 Realidade, conhecimento e linguagem .................................................................18 2.2 O Direito e a virada lingüística ................................................................................23 2.3 A realidade social e a realidade jurídica...............................................................26 2.4 O direito como um sistema autopoiético..............................................................29 3 O DIREITO COMO UM FENÔMENO COMUCACIONAL.............................. 31 3.1 Um modelo comunicacional do Direito................................................................31 3.2 As normas jurídicas como mensagem ..................................................................34 3.2.1 Classificação das normas jurídicas.....................................................................38 3.2.1.1 Normas de estrutura e normas de comportamento.......................................39 3.2.1.2 Norma superior e norma inferior ....................................................................41 3.2.1.3 Normas gerais e individuais, abstratas e concretas .......................................43 3.2.1.4 Normas primárias e normas secundárias .......................................................43 3.3 O código no processo comunicacional do direito................................................45 3.4 O canal físico da comunicação do direito.............................................................48 3.5 O destinatário e o emissor da norma jurídica ......................................................51 3.6 O contexto na comunicação jurídica .....................................................................51 3.7 A interpretação do direito em conformidade com o modelo comunicacional proposto.............................................................................................53 4 A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA DA NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA ..........................................................................................56 4.1 Ser e dever-ser: a importância do processo de positivação da norma jurídica .56 4.2 O fenômeno da incidência e a produção da norma individual e concreta ........59 4.3 O fluxo da causalidade jurídica.............................................................................63 4.4 Fontes do direito positivo ......................................................................................64 4.5 Competência tributária ..........................................................................................68 4.5.1 A questão da validade na produção normativa................................................72 4.6 Ação, norma e procedimento ................................................................................73 4.7 A fenomenologia da produção normativa ...........................................................79 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA ..........................................................................................86 5.1 Uma breve análise sintática da relação jurídica...................................................86 5.2 Descrevendo a relação jurídica: um conceito fundamental ................................88 5.3 A relação jurídica obrigacional..............................................................................89

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5.4 Relação jurídica efectual e relação jurídica intranormativa ................................92 5.5 A obrigação tributária ............................................................................................94 6 A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ............................................96 6.1 Definindo as expressões crédito tributário e débito do fisco....................................96 6.2 O processo de positivação de constituição do crédito tributário .......................97 6.3 A regra-matriz de incidência tributária ................................................................99 6.3.1 O antecedente da regra-matriz de incidência tributária...................................100 6.3.1.1 Tempo do fato e tempo no fato..............................................................................102

6.3.2 O conseqüente da regra-matriz de incidência tributária..................................104 6.4 O ato de aplicação da regra-matriz de incidência tributária ..............................106 6.5 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de aplicação da autoridade administrativa.....................................................................107 6.5.1 Acepções para a expressão lançamento tributário...............................................107 6.5.2 O processo de produção do ato-norma lançamento.........................................111 6.5.3 O produto decorrente do ato-fato lançamento..................................................113 6.5.4 Descrição da fenomenologia da incidência da norma jurídica tributária com o ato de aplicação realizado pela autoridade administrativa...........................115 6.6 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de aplicação do particular (autolançamento ou lançamento por homologação) .........117 6.6.1 O eixo de positivação da constituição do crédito tributário por norma ......... individual e concreta expedida pelo particular .........................................................119 6.6.1.1 O ato de produção de normas .........................................................................121 6.6.1.2 A norma introduzida: o ato-norma autolançamento.....................................122 6.6.2 O ato de homologação na fenomenologia do autolançamento .......................123 7 FORMAS DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ...........................127 7.1 Sobre a extinção da relação jurídica......................................................................127 7.1.1 A resolução do conflito de normas ....................................................................129 7.2 A extinção da obrigação tributária........................................................................133 7.3 Formas de extinção da obrigação tributária .........................................................135 7.3.1 O pagamento........................................................................................................136 7.3.2 A transação...........................................................................................................139 7.3.3 A remissão............................................................................................................141 7.3.4 A prescrição e a decadência................................................................................142 7.3.4.1 A decadência .....................................................................................................143 7.3.4.2 A prescrição.......................................................................................................144 7.3.5 A conversão de depósito em renda....................................................................146 7.3.6 O pagamento antecipado e a homologação.......................................................147 7.3.7 A consignação em pagamento............................................................................148 7.3.8 A decisão administrativa irreformável ..............................................................149 7.3.9 A decisão judicial passada em julgado ..............................................................149 7.3.10 A dação em pagamento de bens imóveis ........................................................149

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8 A CONSTITUIÇÃO E EXTINÇÃO DO DÉBITO DO FISCO............................151 8.1 A relação de débito do Fisco..................................................................................151 8.2 As relações de débito do Fisco...............................................................................152 8.3 A relação de débito do Fisco nos tributos não-cumulativos ...............................152 8.4 A relação de débito do Fisco nos casos de retenção na fonte .............................154 8.5 A relação de débito do Fisco nos empréstimos compulsórios............................156 8.6 O pagamento indevido e a relação de débito do Fisco repetição .......................158 8.6.1 A regra-matriz de repetição................................................................................160 8.6.2 Hipóteses de constituição do débito do Fisco repetição...................................161 8.6.3 A extinção da relação de débito do Fisco ..........................................................163 8.6.4 O tributo indevido, a penalidade pecuniária indevida e a correção monetária ......................................................................................................................165 9 TEORIA GERAL DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.....................................169 9.1 Definição do conceito de compensação ................................................................169 9.2 Espécies de compensação ......................................................................................170 9.3 A compensação tributária e o Direito Civil ..........................................................172 9.4 Requisitos essenciais para a compensação tributária ..........................................176 9.4.1 A exigência de existir a relação jurídica tributária e a relação de débito do Fisco...............................................................................................................................177 9.4.2 Reciprocidade da relação jurídica tributária e da relação de débito do Fisco...............................................................................................................................178 9.4.3 Homogeneidade das relações jurídicas envolvidas na compensação.............178 9.4.4 A liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco.......................179 9.4.5 A necessidade de expressa permissão legal ......................................................182

9.4.5.1 Brevíssimo escorço histórico da legislação ordinária acerca da compensação tributária................................................................................................182 9.5 O processo de positivação da norma de compensação .......................................183 9.6 A norma individual e concreta da compensação: a extinção da obrigação tributária......................................................................................................189 10 A COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO .........................................................................192 10.1 A norma geral e abstrata da compensação de ofício .........................................192 10.2 O procedimento da compensação de ofício e o Decreto 2.138/97.....................196 11 A AUTOCOMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA.........................................................200 11.1 A evolução legislativa no tempo .........................................................................200 11.2 A aplicação da legislação da compensação no tempo .......................................202 11.3 A norma geral e abstrata da autocompensação .................................................210 11.3.1 A autocompensação das multas pecuniárias ..................................................212 11.4 A norma individual e concreta da autocompensação .......................................213 11.5 A homologação da norma individual e concreta da autocompensação ..........215 11.5.1 O emissor da norma individual e concreta da autocompensação e o art.

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166 do CTN ...................................................................................................................217 11.6 A homologação da norma individual e concreta da autocompensação ..........221 11.6.1 Conseqüências da não homologação da declaração de compensação..........222 11.6.1.1 A prescrição do Fisco no caso de não homologação da declaração de compensação............................................................................................................224 11.7 A autocompensação considerada não-declarada...............................................227 11.8 O prazo para o contribuinte produzir a enunciação-enunciada da autocompensação....................................................................................................233 11.8.1 A decadência e a Lei Complementar 118/05....................................................236 11.8.2 Decadência na hipótese de a relação de débito do Fisco ser constituída por decisão judicial ......................................................................................................237 12 A COMPENSAÇÃO JUDICIAL ...........................................................................240 12.1 A compensação tributária em crise .....................................................................240 12.2 O prazo prescricional para o contribuinte se valer do processo judicial no caso da compensação ...................................................................................................241 12.3 A norma individual e concreta inserida no sistema pela Autoridade Judiciária ..................................................................................................243 12.4 A compensação judicial e o art. 170-A do CTN .................................................246 CONCLUSÃO..............................................................................................................250 REFERÊNCIAS ............................................................................................................266

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INTRODUÇÃO

Sabe-se que as palavras são potencialmente vagas e ambíguas, e a expressão

compensação tributária não foge dessa regra. Por isso, muitas vezes, os estudiosos, sem

se atentarem para esse problema, mesclam o instituto sob as perspectivas de norma

jurídica, fato jurídico, relação jurídica, procedimento, veículo introdutor, etc.

A compensação tributária se enquadra como uma das formas de extinção da

obrigação tributária escolhida pelo CTN (art. 156, II). Somente ocorrerá esse

fenômeno com a edição da norma individual e concreta que documente a incidência

da norma de compensação, ou seja, por meio de linguagem jurídica competente.

Apesar de estar previsto no Código Tributário Nacional desde 1966, o

instituto da compensação tributária obteve progressos apenas com a edição da Lei

8.383/91. Posteriormente, adveio a Lei 9.430/96, com as suas ulteriores modificações

pelas Leis 10.637/02, 10.833/03 e 11.051/04, determinando o vigente procedimento da

compensação.

Boa parte da doutrina define a compensação como um encontro de contas1,

em que os sujeitos da relação jurídica são credores e devedores uns dos outros e

aproveitam essa situação para extinguir as obrigações recíprocas. Entretanto, lembre-

se que o termo compensação tributária é usado em diversas acepções. Conforme atesta

Eurico de Santi, compensação é norma, fato e relação jurídica2.

Analisando a fenomenologia da incidência da norma de compensação, fica

assente que é necessária a existência de duas relações jurídicas para que ela ocorra:

uma que determina o crédito tributário; e outra que determina a relação de débito do

Fisco. Além dessas, há uma terceira relação que é a própria compensação cuja

finalidade é extinguir a obrigação tributária.

1 Confira-se, por exemplo, José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 251; Orlando GOMES, Obrigações, p. 129; Hugo de Brito MACHADO, Curso de direito tributário, p. 232; Ruy Barbosa NOGUEIRA, Curso

de direito tributário, p. 315; Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 298. 2 Compensação e restituição de “tributos”. Repertório IOB Jurisprudência, n. 03, p. 68.

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A primeira relação jurídica, resultado do processo de positivação da regra-

matriz, irá constituir o crédito tributário determinando os sujeitos da obrigação

tributária, bem como a quantia que deve ser recolhida a título de tributo. Esse

vínculo somente ingressa no mundo do direito por meio de uma norma individual e

concreta, que pode ser expedida tanto pela autoridade administrativa (lançamento)

como pelo particular (lançamento por homologação).

O outro eixo de positivação de normas se encerra com a norma individual e

concreta que estipula o débito do Fisco. Aqui se encontra o Fisco na posição de

sujeito passivo; e o contribuinte está no pólo ativo da relação. Inverte-se a situação

prescrita na relação jurídica anterior que institui o crédito tributário: o Fisco é

devedor; e o contribuinte, o credor.

Ao eleger a compensação como forma de extinguir a relação jurídica

tributária, tem-se o início de um novo eixo de positivação de normas, que culminará

com a produção de uma norma individual e concreta cujo conseqüente prevê a

extinção das relações. É outro eixo de positivação de normas que se inicia, a

compensação tributária. Eis o objeto essencial do estudo proposto: analisar o

procedimento a ser seguido para se produzir uma norma individual e concreta de

compensação, fulminando a obrigação tributária. Outro corte metodológico que

delimita o estudo apenas às compensações tributárias realizadas no âmbito federal,

regidas, principalmente, pela Lei 9.430/96.

Parte-se da distinção processo/produto para se analisar com acuidade o

procedimento de produção da norma individual e concreta inserida no sistema

jurídico com o escopo de extinguir a obrigação tributária. É essa norma que irá

realizar o cálculo relacional entre o crédito tributário e o débito do fisco. Assim, a

compensação, consoante observou Eurico de Santi, pode ser vista como processo,

fenômeno interproposicional entre duas relações distintas, e como produto, resultado

dessa interação relacional3.

A compensação é o ato (norma individual e concreta) que encerra a cadeia

3 Compensação e restituição de “tributos”. Repertório IOB Jurisprudência, n. 03, p. 66.

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normativa da obrigação tributária. Para que se dê esse término de positivação é

preciso que a pessoa competente para sua emissão observe o procedimento descrito

em normas do direito positivo. São as normas que dizem como produzir outras

normas.

Diante desse fenômeno complexo que é a compensação, julga-se oportuno

realizar um estudo que busque diferenciar o procedimento, o ato e a norma da

compensação tributária, traçando o seu processo de positivação, até atingir o nível

máximo de concretude e individualidade, culminando com a extinção da obrigação

tributária.

O trabalho pretende, portanto, estudar toda a causalidade jurídica que

envolve a compensação tributária, até atingir a finalidade prevista no art. 156, II, do

CTN: extinguir a obrigação tributária. Assim, devem-se analisar a compensação

tributária e seus requisitos, desde o enfoque das normas que constituem o crédito

tributário e a relação de débito do Fisco, bem como a norma jurídica da compensação

cujo conteúdo prescreve a relação jurídica da compensação, o procedimento da

compensação e o fato jurídico da compensação como fenômenos distintos que são.

Toda pesquisa pressupõe um método, entendido como o procedimento de

investigação organizado que garante a obtenção de resultados válidos4. É o caminho

a ser percorrido para se resolver um problema. O direito, como objeto, é

pluridimensional, possibilitando sua abordagem por diversos ângulos5 ou por

diversos métodos.

Toda observação é um procedimento seletivo6. A ciência realiza cortes no real

delimitando o seu objeto, porquanto não é possível esgotar a realidade. Ensina

Lourival Vilanova que: “A realidade é sempre mais rica em determinação que o seu

correspondente conceito, e este mais pobre que a intuição dessa realidade. Da

multiplicidade de coisas, fenômenos, propriedades, atributos, relações, o conceito

4 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de filosofia, p. 668. 5 Tercio Sampaio FERRAZ JR., Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, p. 05. 6 José Souto Maior BORGES, Obrigação tributária: uma introdução metodológica, p. 22.

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escolhe alguns. Tem ele função seletiva do real”7. A descrição de um objeto, portanto,

é sempre feita sob um aspecto, um ponto de vista. Sempre haverá algo mais para se

falar acerca desse objeto. Por isso, imperioso efetuar cortes no sentido de delimitação

do objeto a ser estudado, mesmo assim, alerte-se que não será possível esgotá-lo.

A análise aqui proposta pressupõe a divisão do direito em direito positivo e

ciência do direito. O direito positivo, identificado como o plexo de normas válidas

num certo tempo e espaço, é o objeto de estudo da ciência do direito. O ponto de

partida para se realizar o estudo do direito são os enunciados prescritivos, o que

pode ser feito por meio de três planos: (i) sintático, em que se estuda o processo de

produção do enunciado; (ii) semântico, plano em que o intérprete constrói as normas

jurídicas; e (iii) pragmático, quando a análise se volta para a maneira como os

emitentes e destinatários da linguagem jurídica a utilizam8. Aqui há a primeira

demarcação deste trabalho: o estudo do direito brasileiro positivo. A opção

metodológica consiste em circunscrever a investigação científica às normas válidas

no sistema jurídico positivo, porém sem desconsiderar outras formas de se analisar o

objeto. É o que esclarece José Souto Maior Borges9:

Quando as proposições descritivas da ciência do Direito se voltam exclusivamente sobre o ordenamento jurídico positivo, pode-se dizer que essa orientação envolve uma postura metodológica, consistente na opção pelo positivismo jurídico. Não se trata de uma posição ideologicamente positivista; ela apenas desconsidera, no âmbito de suas investigações, quaisquer outros tipos de abordagem estranhos ao estudo do ordenamento jurídico vigente. Não nega a existência de outros campos de investigação legítima, como a Sociologia do Direito. É metodologicamente positivista, porque o seu método consiste em descrever o direito positivo – e só este.

Já atuando dentro do direito positivo realiza-se outro corte metodológico,

separando-se as normas de direito tributário. E, por fim, ingressando no ramo direito

tributário, a ênfase será nas regras que tratam da compensação como forma de

extinção da obrigação tributária nos dizeres do art. 156 do CTN, principalmente

7 Sobre o conceito de direito, Escritos jurídicos e filosóficos, p. 6-7. 8 Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 01. 9 Obrigação tributária: uma introdução metodológica, p. 98.

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quando realizada sob os auspícios da Lei 9.430/96.

Assim, para se estudarem as regras da compensação tributária, o método

jurídico adotado é a análise lingüística do direito positivo, aceitando-o como um

fenômeno comunicacional, de acordo com as teorias de Paulo de Barros Carvalho e

Gregorio Robles. Aceita essa premissa, a Semiótica assume lugar de relevo nesta

pesquisa, permitindo a investigação da linguagem jurídica em três planos: o

sintático, o semântico e o pragmático.

O tema proposto fundamenta-se, portanto, na escola do constructivismo

lógico-semântico, defendida e desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho. Com isso,

será traçado um caminho com uma profunda verificação semântica e lógica dos

conceitos jurídicos, tendo como pano de fundo a compensação tributária.

Parte-se da premissa que a linguagem é elemento essencial à constituição do

direito. Dentro do processo de positivação das normas, que consiste no caminho que

se inicia com as normas da mais ampla generalidade e abstração até chegar aos níveis

máximos de individualidade e concreção, o fenômeno lingüístico é imprescindível

para constituir o fato jurídico e determinar a relação jurídica que deve ser seguida.

Nesse ponto cabe destacar a norma individual e concreta como o

instrumento normativo que avança em direção ao comportamento das pessoas, na

tentativa de o sistema jurídico alimentar suas expectativas de efetiva regulação das

condutas humanas.

Para se seguir o encadeamento lógico do processo de positivação das normas

de compensação, serão trabalhadas categorias da Teoria Geral do Direito, da

Epistemologia e da Axiologia jurídicas, bem como os campos da Lingüística, da

Semiótica e da Teoria da Comunicação.

Assim, o desenvolvimento do presente trabalho pode ser divido em três

partes em virtude do objeto de estudo. A primeira, importante para a fixação das

premissas metodológicas, consiste na demonstração do direito como um fenômeno

comunicacional e está identificada nos dois primeiros capítulos. O inicial dedica

espaço para o estudo da linguagem como forma de conhecer a realidade; é por meio

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da linguagem que o homem tem acesso ao mundo físico. Nesse contexto deve-se

incluir o direito como objeto cultural que é, constituído essencialmente por

linguagem e, por meio dela, ele se realiza e se transforma. No terceiro capítulo, o

enfoque será o direito como um processo comunicacional. Em razão da sua essência

lingüística, o direito pode ser estudado como um grandioso processo de

comunicação.

A segunda parte da dissertação concentra energia sobre assuntos

relacionados ao âmbito tributário, demarcando, principalmente, as premissas para se

analisar o fenômeno do processo de positivação da compensação tributária. Com

isso, no capítulo quarto, o estudo abrangerá a fenomenologia da incidência da norma

jurídica e o percurso que deve percorrer para atingir os mais elevados níveis de

individualidade e concretude. Analisar-se-ão institutos como: processo de

positivação de normas; fontes do direito; competência tributária; e o procedimento de

produção de normas. Os capítulos quinto, sexto, sétimo e oitavo podem ser incluídos

também nessa etapa, pois versam, respectivamente, sobre a obrigação tributária; a

constituição do crédito tributário; a sua extinção e a formalização do débito do Fisco,

traçando as peculiaridades inerentes a cada eixo de positivação.

Delimitadas as premissas essenciais para o estudo específico da

compensação, a última parte do trabalho enfoca o processo de positivação dessa

modalidade de extinção da obrigação tributária. Assim, no capítulo nono se

estabelece uma teoria geral da compensação tributária para se estudar, em seguida,

separadamente, a compensação de ofício, a autocompensação e a compensação

judicial. O capítulo décimo dedica-se à compensação tributária realizada de ofício

pela autoridade administrativa. Em seguida, analisa-se o procedimento realizado

pelo próprio contribuinte para efetivar a extinção da obrigação tributária pela

compensação. O último capítulo está voltado para a compensação no âmbito judicial.

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2 LINGUAGEM E DIREITO

2.1 Realidade, conhecimento e linguagem

No começo do século XX, iniciou-se uma nova era filosófica. Tomando como

critério a importância dada pelos filósofos ao objeto de seus estudos, pode-se separar

a filosofia em fases: (i) a investigação do ser, dando maior relevo à ontologia dos

objetos; (ii) a filosofia da consciência, cujo enfoque era a reflexão sobre as

representações da razão; e (iii) a filosofia da linguagem10. Foi com o Giro Lingüístico

que os filósofos deixaram de lado questões relativas ao ser e à consciência e se

atinaram para a temática da linguagem. É o período da filosofia da linguagem como

um verdadeiro marco cultural de nossa época11, reconhecida como a terceira fase da

filosofia.

Passa-se, então, com a virada lingüística, a considerar a linguagem como

elemento essencial ao conhecimento e à realidade, e não mais um simples

instrumento para representar as coisas, conforme entendiam os filósofos dos

períodos anteriores.

Com a nova visão lingüística do mundo, não se fala mais em uma relação

sujeito-objeto de forma direta, em que as palavras tinham uma relação natural com as

coisas que representavam, como se previa na chamada Filosofia da Consciência, em

que a linguagem estava relacionada com a essência dos objetos12.

10 “De forma sintética pode dizer-se que a ‘filosofia primeira’ não é mais a investigação da ‘natureza’ ou da ‘essência’ das ‘coisas’ ou dos ‘entes’ (‘ontologia’), e também não a reflexão sobre as ‘representações’ ou os ‘conceitos’ da ‘consciência ou da ‘razão’ (‘teoria do conhecimento’), mas a reflexão sobre a significação ou o ‘sentido’ das expressões lingüísticas (‘análise da linguagem’)”. Karl Otto-Apel, Apud. CASTANHEIRA NEVES, O

actual problema metodológico da interpretação jurídica, p. 117-8. 11 Ibid. p. 117. 12 John HOSPERS, Introducción al análisis filosófico, p. 17.

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19

Afirma Eugenio Coseriu13:

Durante muitos séculos, o problema da linguagem foi apenas um problema secundário ou ocasional da filosofia: fez-se filosofia com

linguagem, mas nunca sobre a linguagem. E o problema da linguagem – na medida em que chegou a ser proposto – foi encarado sobretudo como problema metodológico de um instrumento para o tratamento de outros problemas, e não como um problema filosófico em si mesmo.

Na atual época, a linguagem é vista como uma atividade criadora da

realidade. Torna-se “condição necessária para a comprovação da existência das

coisas”14. É somente por meio da linguagem que se tem acesso aos acontecimentos do

mundo físico. Manfredo Araújo de Oliveira noticia a linguagem como condição

necessária para a existência do mundo: “não existe mundo totalmente independente

da linguagem, ou seja, não existe mundo que não seja exprimível na linguagem”15.

Verifica-se, desse modo, a dualidade linguagem e mundo físico como dois conjuntos

distintos.

Para Vilém Flusser16, somente com as palavras atinge-se a realidade

ordenada. O mundo físico existe como um caos a ser organizado e compreendido

pelo ser humano. Tal empreitada é realizada pela linguagem. Conforme Eugenio

Coseriu17, “o mundo das coisas (ou “objetos”) está dado ao homem, mas só através

do mundo dos significados: através da configuração lingüística”. Isso autoriza a

dizer, com Flusser18, que o conhecimento, a realidade e a verdade são aspectos da

língua.

O termo realidade é utilizado de maneira ambígua, referindo-se à realidade

trazida pelas palavras e à realidade do mundo físico. Porém, segundo Vilém Flusser,

a realidade dos dados brutos consiste de palavras in statu nascendi19. Dito de outra

forma, o mundo físico, embora ainda não descrito em linguagem, está apto a ser e só

13 O homem e sua linguagem, p. 45-6. (grifo do original). 14 Ibid. p. 26. 15 Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 13. 16 Língua e realidade, p. 41. 17 O homem e sua linguagem, p. 27. 18 Língua e realidade, p. 34. 19 Ibid. p. 40.

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20

assim chegará ao nosso conhecimento. Para o filósofo tcheco-brasileiro20, os dados

brutos não seriam de fato realidade, e sim potencialidade.

É inegável que exista uma realidade mesmo quando não descrita por

linguagem. Apesar de nada se falar acerca dos dados do mundo físico, lá ele estará e

não deixará de existir. John Hospers também considera que os dados brutos existem

mesmo quando não descritos por uma linguagem: “Sem embargo, quando

aprendemos o significado das nuvens escuras, aprendemos fatos da natureza que

existiriam mesmo que não houvesse convenções humanas”21. O simples fato de dizer

“árvore” não significa que uma brotou na Mata Atlântica ou na Amazônia, mas deve-

se ter consciência de que as “árvores” são conhecidas e compreendidas por meio da

linguagem. O fato bruto continua existindo mesmo sem uma linguagem que o

descreva, porém somente se torna acessível ao ser humano pela via das palavras.

Tárek Moysés Moussallem, em posição que aparenta destoar, afirma que a

realidade é instaurada pela linguagem, e não criada22. Acredita-se que esse autor, ao

introduzir essa distinção, quis ressaltar que a realidade do mundo físico não deve ser

confundida com a realidade criada pela linguagem, por serem dois conjuntos

distintos, inconfundíveis.

Parece que não há uma distinção tão grande entre a afirmação de Tárek

Moussallem e a de Vilém Flusser. Apenas o autor capixaba foi criterioso, no entanto a

conclusão de ambos se aproxima: os acontecimentos do mundo físico somente

atingem o ser humano por meio de linguagem. Isso porque Tárek Moussallem não

nega que é por meio de linguagem que o sujeito tem acesso à realidade: “Ao

descrever eventos ou coisas não se criam fatos ou coisas. Mas claro está que, para se

ter acesso aos fatos ou às coisas, necessária se faz a aquisição de linguagem a eles

referente”23. De forma inversa, sem linguagem não há acesso aos acontecimentos do

20 Gustavo Bernardo KRAUSE, A filosofia da palavra, Revista de direito tributário, n. 97, p. 23. 21 Introducción al análisis filosófico, p. 15 (tradução livre). No original: “Sin embargo, cuando aprendemos el significado de las nubes oscuras, aprendemos hechos de la naturaleza que existirían aunque no hubiese convenciones humanas”. 22 Revogação em matéria tributária, p. 06. 23 Ibid. p. 08.

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21

mundo bruto e é como se esses acontecimentos não existissem para o ser humano,

pois ainda não foram por ele apreendidos. São dados brutos que estão aguardando a

linguagem para ingressar no conhecimento humano; mera potencialidade, portanto.

Lenio Luis Streck24 enfatiza a necessidade da linguagem para a construção do

mundo:

A linguagem, então, é totalidade; é a abertura para o mundo; é, enfim, condição de possibilidade. Melhor dizendo, a linguagem, mais do que condição de possibilidade, é constituinte e constituidora do saber, e, portanto, do nosso modo-de-ser-no-mundo, que implica as condições de possibilidade que temos para compreender e agir. Isto porque é pela linguagem e somente por ela que podemos ter mundo e chegar a esse mundo. Sem linguagem não há mundo enquanto mundo. Não há coisa alguma onde falte a palavra. Somente quando se encontra a palavra para uma coisa é que a coisa é uma coisa.

A importância que a linguagem tem para a realidade apreendida pelo

homem pode ser descrita por um exemplo. Até pouco tempo atrás, Plutão pertencia à

classe dos planetas. Hoje, ao se relacionarem os planetas, deve-se excluir Plutão. E

por quê? Simplesmente porque foram alterados os critérios que permitem classificar

os objetos como planetas. Nenhuma alteração teve a realidade do mundo físico, pois

a massa, a atmosfera e a órbita do ex-planeta continuam as mesmas, apenas a

linguagem que conota planeta é que foi modificada. Com a nova classificação, Plutão

passa a ser um “planeta-anão”.

Só se conhece Plutão em razão da linguagem. O conhecimento tem uma

função: ordenar o mundo caótico na tentativa de melhor compreendê-lo com o

escopo de dominá-lo e modificá-lo. O ser humano, ao nascer, é jogado em um

ambiente e, a partir de então, passa a ajustá-lo. “Dando sentido às coisas que o

cercam, interpretando-as, o ser humano pode viver (ou, no mínimo, sobreviver).

Quer dizer, o ser humano reconhece as coisas, ‘entende-as’, sabe valer-se delas, para

seu benefício”25. Visando a essa finalidade, o sujeito cognoscente apreende um objeto

por meio de atos de percepção e de julgamento para, então, emitir enunciados sobre

24 Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 196. (grifo do original). 25 Leônidas HEGENBERG, Saber de e saber que: alicerces da racionalidade, p. 25.

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22

suas conclusões.

É por meio da linguagem que se atinge o conhecimento. É o que afirma

Lourival Vilanova: “O conhecimento ocorre num universo-de-linguagem e dentro de

uma comunidade-do-discurso”26. O conhecimento somente é fixado e transmitido

por meio da linguagem27.

Paulo de Barros Carvalho, tratando do “mundo da vida”, ressalta a relação

entre linguagem, realidade e conhecimento:

O que sucede neste domínio e não é recolhido pela linguagem social não ingressa no plano por nós chamado de ‘realidade’, e, ao mesmo tempo, tudo que dele faz parte encontra sua forma de expressão nas organizações lingüísticas com que nos comunicamos; exatamente porque todo o conhecimento é redutor de dificuldades, reduzir as complexidades do objeto da experiência é uma necessidade inafastável para se obter o próprio conhecimento28.

Como é possível notar, o conhecimento é uma relação que ocorre dentro de

um processo comunicacional, entre o sujeito cognoscente, emissor de enunciados

sobre o objeto em direção a outro sujeito, que é o destinatário29. Isso demonstra que o

homem habita um mundo que só existe para ele em virtude da linguagem. Eis a

linguagem constituindo a realidade: “o mundo-realidade sem a linguagem que de

qualquer modo o diga ou se lhe refira (que dele ou para ele diga algo) seria um

acervo absolutamente extensivo de uma indeterminação irracional”30.

Importante abrir um parêntese para distinguir linguagem, língua e fala. Esses

três termos foram abstratamente correlacionados por Roland Barthes da seguinte

forma: “A Língua é então, praticamente, a linguagem menos a Fala”31. A separação

entre língua e fala como elementos da linguagem surgiu com Ferdinand de

Saussure32. A língua pode ser definida como um conjunto de signos que exprimem

26 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 38. 27 Paulo de Barros CARVALHO, IPI – Comentários sobre as regras gerais de interpretação da Tabela NBM/SH (TIPI/TAB), Revista dialética de direito tributário, n. 12, p. 42. 28 Direito tributário, linguagem e método, p. 07. 29 Tárek Moysés MOUSSALLEM, Fontes do direito tributário, p. 29. 30 A. CASTANHEIRA NEVES, O actual problema metodológico da interpretação jurídica, p. 249. 31 Elementos de semiologia, p. 17. 32 Curso de lingüística geral, p. 27.

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23

idéias33, em vigor numa determinada comunidade social, cuja principal finalidade é

servir como instrumento de comunicação entre seus membros34.

A fala é um ato individual feito por seleções e combinações elaboradas a

partir de um repertório lexical comum entre os falantes35. Enquanto a fala é inerente a

cada indivíduo de forma isolada, a língua só tem sentido quando vista de forma

social, coletiva, independente do indivíduo.

Assim, a palavra linguagem é mais abrangente, e seu significado consiste na

capacidade de o ser humano utilizar-se da língua para se comunicar. Diante da

dicotomia apresentada por Saussure entre língua e fala como formas de estudo da

linguagem, percebe-se a confusão entre linguagem e fala. Permanecerá, porém, neste

trabalho, o uso do termo linguagem, por razões metodológicas e por sua maior

utilização na doutrina.

2.2 O Direito e a virada lingüística

Hodiernamente, portanto, surge uma nova fase filosófica em que a

linguagem alcançou o status de elemento essencial do conhecimento. É pela

linguagem que se compreende a realidade.

O direito não pode ficar alheio a essa reviravolta lingüística, pois somente é

apreendido por meio da linguagem; e sem ela não existe. A importância da

linguagem para o mundo do direito já havia sido percebida por Alfredo Augusto

Becker: “A linguagem intervem (sic) necessariamente para transmitir o conhecimento

das regras de conduta – regra jurídica – na vida social, porque, em última análise, as

referidas regras de conduta só poderão ser transmitidas através de palavras e

33 Curso de lingüística geral, p. 24. 34 É importante ressaltar que os seres humanos se comunicam por meio de inúmeros códigos, não apenas pela língua. A mímica, o vestuário, a culinária, a música, a arquitetura e até mesmo o silêncio são outras formas que se prestam para fins comunicacionais. 35 Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 37.

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24

frases”36.

Gregorio Robles sustenta que a essência do direito é ser texto. “O direito

surge com o homem, como expressão de sua capacidade de configurar a vida em

sociedade. Aparece em sociedade; é um fenômeno social. Mas sua essência consiste

em palavras, sem as quais não é nada”37. Afirma que a única forma de o direito se

expressar é pela linguagem38.

Dessa forma, pode-se perceber que, para construir a realidade jurídica, é

necessária uma linguagem jurídica que a instaure. Conforme ensina Paulo de Barros

Carvalho39:

(...) da mesma forma que a linguagem natural constitui nosso mundo circundante, a que chamamos de realidade, a linguagem do direito cria o domínio do jurídico, isto é, o campo material das condutas intersubjetivas, dentro do qual nascem, vivem e morrem as relações disciplinadas pelo direito.

Sem uma linguagem jurídica específica que introduza no sistema do direito

os acontecimentos sociais, não se pode falar em conseqüências jurídicas desses

eventos. Poderão ter conseqüências sociais, morais e até mesmo religiosas, mas

distantes de serem jurídicas. Tome-se o casamento como exemplo. Num primeiro

momento, conta-se a amigos e familiares que uma pessoa se casou. Nada de jurídico

nesse relato aconteceu. Há apenas conseqüências sociais. Indo-se à igreja, confirma-

se, nos documentos sacros, que em determinado dia e hora houve uma cerimônia

religiosa de casamento naquele templo, gerando aí conseqüências religiosas. Os

efeitos jurídicos somente surgirão com o efetivo relato desse evento em linguagem

jurídica. É por meio da certidão de casamento registrada em cartório que os efeitos

jurídicos para esse casal surgirão.

O direito, portanto, cria suas realidades por meio da linguagem jurídica. É

somente mediante a formulação dessa linguagem que direitos, deveres e qualidades

36 Teoria geral do direito tributário, p. 118. 37 O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 48. 38 Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, p. 67. 39 Paulo de Barros CARVALHO, IPI – Comentários sobre as regras gerais de interpretação da Tabela NBM/SH (TIPI/TAB), Revista dialética de direito tributário, n. 12, p. 42.

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25

jurídicas existirão40. Os fenômenos jurídicos somente aparecem no mundo lingüístico

do direito. Fato jurídico, norma jurídica, relação jurídica, fontes do direito, coisa

julgada são institutos jurídicos constituídos pela linguagem do direito.

Alerta-se que não há a pretensão de reduzir o direito à linguagem, ao texto,

mas sim alertar que o jurista, ao interpretá-lo, não pode deixar de considerá-lo como

essencialmente formulado mediante linguagem. O direito manifesta-se por uma

linguagem que lhe sirva de veículo de expressão41.

Com essa reviravolta lingüística “salienta-se a importância fundamental da

linguagem para a ciência do direito, pois esta deve construir seu objeto sobre dados

que são expressos pela própria linguagem, ou seja, a linguagem da ciência jurídica

fala sobre algo que já é linguagem anteriormente a esta fala”42.

Posto isso, verifica-se que tanto o direito positivo quanto a ciência do direito

são fenômenos lingüísticos, “cada qual portador de um tipo de organização lógica e

de funções semânticas e pragmáticas diversas”43. O direito positivo é um discurso

lingüístico prescritivo, composto por normas jurídicas válidas num dado espaço

territorial, cuja finalidade é comunicar aos seus destinatários padrões de

comportamentos sociais. Por sua vez, a ciência do direito é formada por um estrato

de linguagem descritiva que se destina a estudar o direito positivo.

Tomado o plano da hierarquia das linguagens, sempre que existir uma

linguagem, encontra-se a opção de emitir outro enunciado lingüístico discorrendo

sobre ela. Nesse caso, podem-se reconhecer nos níveis de linguagem a linguagem-

objeto, que é aquela da qual se fala, e a metalinguagem, utilizada para se falar da

linguagem-objeto. Assim, a ciência do direito é uma metalinguagem de outra, o

direito positivo, ou seja, a linguagem-objeto.

O direito positivo, portanto, consiste nas normas válidas cuja finalidade é

prescrever condutas intersubjetivas. Já a ciência do direito deve descrever as

40 Karl OLIVECRONA, Linguagem jurídica e realidade, p. 62. 41 Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 109. 42 Luis Alberto WARAT, O direito e sua linguagem, p. 38. 43 Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 01.

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26

construções do direito positivo, ordenando-o. Verificam-se profundas diferenças

entre o direito positivo e a ciência do direito, que podem ser sistematizadas da

seguinte forma:

(i) quanto ao tipo de linguagem: o direito positivo se vale da linguagem

prescritiva, e a ciência do direito usa a linguagem descritiva;

(ii) quanto à hierarquia das linguagens: o direito positivo é linguagem-objeto,

e a ciência do direito é metalinguagem;

(iii) quanto à lógica: ao direito positivo corresponde a lógica deôntica,

enquanto a ciência do direito tem a lógica apofântica;

(iv) quanto à valência da linguagem: ao direito positivo aplicam-se os valores

válido ou não-válido, e para a ciência do direito os valores são verdadeiro ou falso44.

Conclui-se que a linguagem é condição necessária para o direito, pois sem

linguagem não existe o direito positivo; sem linguagem não há como construir a

realidade jurídica. É, portanto, com base nesta premissa (de que o mundo jurídico é

construído num universo de linguagem) que o presente trabalho será desenvolvido.

2.3 A realidade social e a realidade jurídica

O Direito Positivo existe para regular as condutas humanas intersubjetivas.

Para isso, seu escopo é a realidade social. Nos dizeres de Lourival Vilanova45: “altera-

se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a

linguagem das normas do direito”. O direito, por meio de sua linguagem, visa definir

os comportamentos sociais seguindo determinada ideologia.

Retornando à hierarquia das linguagens, o direito positivo seria uma

metalinguagem, ao passo que a linguagem da realidade social seria a linguagem-

objeto. Assim, o objeto da linguagem do direito positivo são as condutas presentes na

44 Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 03 e 04. 45 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 40.

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27

realidade social. O objeto é sempre mais amplo do que se pode descrever e nunca

poderá ser esgotado pela linguagem. Lourival Vilanova, tratando do conceito

fundamental de uma ciência, ensina que não se consegue captar toda a

multiplicidade do real:

A realidade é sempre mais rica em determinação que seu correspondente conceito, e este mais pobre que a intuição dessa realidade. Da multiplicidade de coisas, fenômenos, propriedades, atributos, relações, o conceito escolhe alguns. Tem ele uma função seletiva em face do real46.

Ressalta-se que, para o saudoso professor pernambucano, o conhecimento

por meio de conceitos requer linguagem. “Mediante a linguagem fixam-se as

significações conceptuais e se comunica o conhecimento”47. Com isso, afirma-se que a

linguagem é redutora do seu objeto. Transportando para o mundo do direito, a

linguagem do direito positivo separa, no mundo social, o jurídico do não-jurídico48.

Em outras palavras, a realidade social é muito mais ampla do que a realidade

jurídica.

Aqui há dois conjuntos distintos: o da realidade social e o da realidade

jurídica. Essa diferença já havia sido percebida por Hans Kelsen, que separou o

mundo do ser do dever-ser49. O direito prescreve uma conduta que deseja ver

realizada, porém o sujeito irá agir de acordo com sua vontade, obedecendo ou não ao

preceito legal.

Ao criar as normas jurídicas, o legislador escolhe acontecimentos do mundo

real e os juridiciza, fazendo-os adentrarem no campo do direito: “o fato se torna fato

jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a

hipótese”50. A linguagem jurídica traduz os acontecimentos do mundo social,

imputando-lhes efeitos jurídicos. Todavia, deve-se alertar que essa tradução não é

perfeita, ou seja, o fato social não é idêntico ao fato jurídico, mesmo que tenha

46 Sobre o conceito de direito, Escritos jurídicos e filosóficos, p. 6-7. 47 Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 37-8. 48 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 13. 49 Teoria pura do direito, p. 6. 50 Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 89.

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28

servido de suporte para a criação da norma jurídica.

Para Vilém Flusser, não existe uma perfeita tradução entre idiomas, pois

cada língua possui uma personalidade própria, proporcionando uma realidade

específica51. Sendo assim, a tradução somente se daria de forma aproximada, uma

vez que a realidade criada por duas línguas distintas não é a mesma52. Roman

Jakobson aponta um interessante exemplo que serve para mostrar a dualidade das

realidades criada por línguas distintas. A palavra “pecado” em russo é do gênero

masculino e em alemão pertence ao feminino. Diante dessa diferença de gêneros da

palavra “pecado”, causava estranheza ao pintor russo Repin ver o “pecado”

representado por uma mulher pelos artistas alemães53, pois, para a realidade russa,

“pecado” era masculino. Porém, bastava conhecer que a realidade dos alemães para

“pecado” pertencia ao conjunto dos objetos femininos.

O direito positivo, ao traduzir a realidade social, o faz de forma aproximada

e cria suas próprias realidades. O fato social “morte”, ao ingressar no mundo do

direito, é traduzido por “homicídio doloso”, “homicídio culposo”, “sucessão”,

“ausência”54, etc. Dessa forma, o direito positivo mantém uma ampla conversação55

com a linguagem social, permitindo o seu ingresso no mundo do direito por meio

das normas jurídicas.

51 Língua e realidade, p. 61. 52 Segundo Benjamin LEE WHORF, “Os fatos são diferentes para pessoas cuja formação lingüística lhes fornece uma formulação diferente para expressar tais fatos.” Apud Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 66. Gustavo Bernardo KRAUSE, baseado em Vilém FLUSSER, afirma que “a cada estrutura de cada língua individual corresponde um cosmos significativo diferente.” A filosofia da palavra, Revista de direito tributário, n. 97, p. 26. 53 Lingüística e comunicação, p. 71. 54 Para Gregório ROBLES, “Sempre existirá, na realidade natural, o matar, mas matar não é o mesmo que cometer

homicídio. Para cometer homicídio é necessário cumprir os requisitos exigidos pela norma: capacidade, ação com determinadas características etc.” O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 13 (grifos do original). 55 A conversação, segundo Vilém FLUSSER, é constituída por redes formadas por intelectos que irradiam e absorvem frases, transformando-as em novas informações a serem transmitidas. Língua e realidade, p. 136.

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29

2.4 O direito como um sistema autopoiético

Entende-se por sistema autopoiético aquele que utiliza seus próprios

elementos para produzir novos elementos. O sistema é que constitui sua organização

e reprodução específica. A teoria dos sistemas desenvolvida por Niklas Luhmann

pressupõe uma diferenciação funcional dos sistemas sociais. Cada sistema possui

uma função que não pode ser realizada por outro sistema. Por isso, afirma-se que o

sistema é fechado, somente reagindo aos estímulos externos de acordo com suas

operações internas. Daí, segundo Raffaele de Giorgi, resulta a auto-referência e a

autopoiese do sistema56.

Será autopoiético o sistema que possui suas estruturas produzidas por

operações internas57. Assim, para elaborar novos elementos em seu interior, um

sistema até pode receber influência de outros, já que é aberto cognitivamente, mas

somente as reproduz conforme suas operações próprias. O ambiente não pode operar

dentro do sistema, apenas provoca irritações, que serão absorvidas de acordo com as

suas estruturas específicas.

O direito pode ser visto como um sistema autopoiético em que “cada

operação do sistema jurídico parte da operação anterior e cria condições para a

operação seguinte, todas elas encerradas no mesmo código recursivo: a distinção

direito/não-direito”58.

O direito regula sua própria criação por meio das normas jurídicas que

prescrevem como novas normas devem ingressar no sistema jurídico. É o que

descreve Lourival Vilanova: “Cada norma provém de outra norma e cada norma dá

lugar, ao se aplicar à realidade, a outra norma. O método de construção de

proposições normativas está estipulado por outras normas”. Em seguida, arremata:

“As normas que estatuem como criar outras normas, isto é, as normas-de-normas, ou

56 Luhmann e a teoria jurídica dos anos 70, in Celso Fernandes CAMPILONGO, O direito na sociedade complexa, p. 191. 57 Niklas LUHMANN, El derecho de la sociedad, p. 118. 58 Celso Fernandes CAMPILONGO, O direito na sociedade complexa, p. 85.

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30

proposições-de-proposições, não são regras sintáticas fora do sistema. Estão no

interior dele”59.

Pode-se verificar, portanto, que o direito cria as normas jurídicas que irão

participar na produção de novas normas jurídicas. São normas que tratam do

procedimento para introduzir novas normas no sistema. Por isso, é um sistema

autopoiético.

59 Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 164.

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31

3 O DIREITO COMO UM FENÔMENO COMUCACIONAL

3.1 Um modelo comunicacional do Direito

Consoante se demonstrou, o direito necessita da linguagem jurídica para

construir suas realidades; somente surgem os efeitos jurídicos com a linguagem eleita

pelo sistema do direito como competente. Sem essa linguagem não há conseqüências

jurídicas, fatos jurídicos, normas jurídicas.

John Hospers elenca a linguagem como o principal instrumento da

comunicação60. A comunicação entre os homens se dá por meio de uma linguagem.

Gregorio Robles, ao destacar a linguagem como elemento essencial para a existência

da sociedade, afirma que “toda ação coletiva ou ação em comum (e ação desse tipo é

o mero conviver) precisa da existência de um sistema de signos (isso é a linguagem)

que assegure a comunicação dos seus membros”61. Em outras palavras, a sociedade é

um sistema de comunicação entre seus membros. Para Lucia Santaella, comunicação

significa “a transmissão de qualquer influência de uma parte de um sistema vivo ou

maquinal para uma outra parte, de modo a produzir mudança. O que é transmitido

para produzir influência são mensagens, de modo que a comunicação está

basicamente na capacidade para gerar e consumir mensagens”62.

Como o direito somente se expressa por meio de linguagem, ele pode ser

estudado como um sistema de comunicação em que a linguagem do direito positivo

é usada para comunicar à sociedade as condutas a serem seguidas por meio de

mensagens. Essa forma de pensar segue a doutrina de Paulo de Barros Carvalho,

para quem “o direito se realiza no contexto de um grandioso processo

60 Introducción al análisis filosófico, p. 13. 61 Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, p. 65. (grifo do original – tradução livre). No original: “toda acción colectiva o acción en común (y acción de este tipo es el mero convivir) precisa de la existencia de un sistema de signos (eso es el lenguaje) que asegure la comunicación entre sus miembros”. 62 Comunicação e pesquisa: projetos para mestrado e doutorado, p. 22.

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32

comunicacional”63.

Gregorio Robles toma o direito como um fato comunicacional, de acordo com

a Teoria Comunicacional do Direito. Para o autor espanhol, o direito é uma forma de

comunicação social, cuja finalidade consiste na organização da sociedade por meio

da expressão lingüística dos conteúdos normativos64. Conclui que “o direito é um

sistema de comunicação, cujas unidades de mensagem são as normas. Trata-se de um

sistema de comunicação prescritivo, ordenador, razão pela qual suas unidades

elementares (as normas) são expressões lingüísticas prescritivas”65.

Na teoria dos sistemas sociais apresentada por Niklas Luhmann, o critério

que diferencia a sociedade do ambiente é a comunicação66. Nessa perspectiva, há

duas classes distintas: o sistema social, que inclui todas as comunicações; e o

ambiente, desprovido de comunicação.

Dentro da classe do sistema social é possível ainda visualizar vários

subsistemas: o econômico, o religioso, o político, o jurídico, cada um portador de um

tipo de comunicação específica. A comunicação gerada pelo sistema do direito não se

confunde com aquela produzida por qualquer outro dos subsistemas.

O direito possui, pois, uma forma própria de comunicação que o distingue

dos demais subsistemas sociais. E essa comunicação se dá por meio das normas

jurídicas. Conforme assinala Celso Campilongo, “na rede de comunicações da

sociedade, o direito se especializa na produção de um tipo particular de comunicação

que procura garantir expectativas de comportamento assentadas em normas

jurídicas”67.

63 Curso de direito tributário, p. 438. 64 O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 78. 65 Ibid. p. 87. 66 El derecho de la sociedad, p. 110. 67 O direito na sociedade complexa, 162.

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33

Definido o direito como um sistema comunicacional, com seu tipo específico

de comunicação, resta saber como ocorreria esse fenômeno. Para tanto, primeiro

serão descritos os fatores presentes nos processos de comunicação, segundo a teoria

de Roman Jakobson:

O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou ‘referente’, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação68.

É fácil visualizar a presença dos seis fatores de que necessita o processo de

comunicação: remetente, contexto, mensagem, canal físico, código e destinatário, que

podem ser assim descritos:

(a) emissor: aquele que produz e remete a mensagem;

(b) contexto: a situação a que a mensagem se refere e as circunstâncias de sua

transmissão;

(c) mensagem: é o objeto, o conteúdo da comunicação;

(d) canal físico: a via de circulação das mensagens, que é o ar na comunicação

verbal e o papel na comunicação escrita;

(e) código: é o conjunto de símbolos e suas regras de combinação;

(f) destinatário: aquele para quem a mensagem é enviada.

Ao se comunicar, o remetente tem a intenção de transmitir para o receptor

seus interesses, pedidos, perguntas, informações, exigências ou emoções69. A partir

68 Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 123. (grifo do original). Deve-se elucidar que o modelo comunicacional jakobsoniano é diverso daquele apresentado por Luhmann. Jakobson trata a comunicação em conformidade com os modelos lineares, em que se leva a mensagem de um emissor para um receptor, porém com a extração das funções da linguagem conforme a referencialidade da mensagem. Tal modelo recebe o nome de lingüístico-formal por Lucia SANTAELLA, Comunicação e pesquisa, p. 55. Já a teoria de Luhmann se ampara nos sistemas autopoiéticos, em que a comunicação é compreendida como um sistema fechado completo, capaz de produzir os componentes a partir da própria comunicação. Esse modelo, apesar de antagônico aos modelos dominantes das ciências cognitivas, é incluído, por SANTAELLA como um modelo cognitivo. Comunicação e

pesquisa, p. 61. 69 Lucia SANTAELLA; Winfried NÖTH, Comunicação e semiótica, p. 91.

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daí, mediante um processo de seleção e combinação, o remetente formula as

mensagens que são transmitidas para o destinatário. “Falar implica a seleção de

certas entidades lingüísticas e sua combinação em unidades lingüísticas de mais alto

grau de complexidade”70. Assim, o legislador, diante da sua intenção de receber certa

quantia daquele que aufere renda, seleciona as palavras mais adequadas para

transmitir a mensagem e as combina de forma que seja possível ao receptor

compreendê-la. A próxima etapa consiste na transmissão da mensagem e na sua

recepção pelo destinatário, para que se possa entender o seu conteúdo conforme o

contexto em que foi produzida. Note-se, portanto, que, para a efetiva realização do

processo comunicacional, os fatores descritos devem estar presentes. A existência de

algum problema em qualquer um desses elementos gera um ruído71 na transmissão

da informação.

3.2 As normas jurídicas como mensagem

Utilizando o modelo acima descrito como paradigma, passa-se a aplicá-lo ao

direito. Inicia-se tal empreitada com a mensagem. A mensagem do direito é

prescrever condutas humanas intersubjetivas com o escopo de organizar a vida em

sociedade. Uma lei de trânsito que comunica “é proibido estacionar” tem como

finalidade direcionar os comportamentos para não estacionar em determinado local.

Sendo assim, as unidades de mensagem do direito são as normas jurídicas72.

Por meio delas o legislador se comunica com a sociedade, estipulando quais

comportamentos ele deseja que sejam seguidos. No entanto, para que uma norma

jurídica seja considerada como mensagem, tem de possuir um mínimo de sentido,

70 Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 37. 71 Décio PIGNATARI define ruído como todas as fontes de erros de um sistema de comunicação. Informação

linguagem comunicação, p. 22. Isaac EPSTEIN denomina ruído como todo fenômeno produzido numa comunicação que não pertence à mensagem intencionalmente emitida. É uma forma de perturbar a fiel recepção da mensagem, modificando-a. Teoria da informação, p. 21. 72 Cf. Gregorio ROBLES, O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 87.

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caso contrário jamais poderá ser compreendida pelo destinatário. É, portanto, como

“unidade irredutível de manifestação do deôntico”73 que a norma jurídica aparece

como mensagem no processo comunicacional do direito.

Aqui é necessário ressaltar a distinção feita por Paulo de Barros Carvalho

entre enunciado prescritivo e norma jurídica. Enunciado prescritivo é o resultado da

atividade de enunciação74 do legislador. A norma jurídica é composta por um

antecedente e um conseqüente, na forma de juízo condicional, ligando, pelo

conectivo “dever-ser”, um efeito jurídico à realização de um fato previsto no

antecedente75. Desse modo, não há como confundir o texto de lei com a norma

jurídica.

Por conseguinte, qualquer artigo de lei é um enunciado prescritivo, todavia

nem todo enunciado prescritivo é uma norma jurídica. Para ser norma jurídica em

sentido estrito, necessita-se de um mínimo de significação deôntica na estrutura de

um juízo condicional. O simples enunciado matar alguém não atinge o objetivo de

transmitir uma mensagem, permitindo, proibindo ou obrigando uma conduta. Há aí

apenas o antecedente de uma norma jurídica que se completará com a inclusão do

conseqüente: pena de reclusão de seis a vinte anos. Por isso, muitas vezes, para se

construir uma norma jurídica, não basta um único artigo ou texto de lei.

Apenas será mensagem a norma jurídica cujos enunciados estejam

estruturados na forma de juízos hipotéticos condicionais, regidos pelo princípio da

imputação, em que o modal deôntico “dever-ser” conecta uma conseqüência jurídica

ao fato descrito na hipótese. Conforme Clarice Araujo, somente com esse “mínimo de

significação é que o sintagma alça o status de informação, assim entendida a

inteligibilidade da mensagem jurídica que veicula programação de conduta,

comunicando um dever-ser”76.

73 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 20. 74 A diferença entre enunciação e enunciado decorre da dualidade processo e produto. A enunciação é o processo que resulta no enunciado, este o produto do ato de produção. Confira o item 4.4 do Capítulo 4, para maiores elucidações sobre a distinção. 75 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 21-22. 76 Semiótica do direito, p. 67.

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Deve-se distinguir os princípios das regras jurídicas, ambos considerados

como normas jurídicas (em sentido amplo). O critério usado para diferenciá-los é a

forma como se apresentam seus enunciados: somente as regras jurídicas têm

estrutura biproposicional77.

Alerta-se que a palavra princípio possui vasta variedade conotativa. Paulo de

Barros Carvalho encontra quatro usos distintos, porém não únicos, e sim os mais

freqüentes no universo jurídico:

a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma78.

No presente estudo, ter-se-á a noção de princípio como valor jurídico inserido

no sistema jurídico. Portanto, os princípios não possuem a estrutura lógica comum às

regras jurídicas79: um antecedente que implica um conseqüente. Os princípios são

linhas diretivas para a interpretação de determinados institutos jurídicos, portadoras

de elevada carga axiológica.

Diante dessas considerações, os termos norma jurídica, regra jurídica, princípio

e enunciado prescrito podem ser elucidados da seguinte forma: a) norma jurídica (em

sentido amplo) ou enunciado prescritivo, que é o texto normativo positivado; b)

regra jurídica (ou norma jurídica em sentido estrito), como as significações

construídas a partir dos textos positivados, de estrutura bimembre na forma de juízo

condicional; c) princípio é o valor usado para a compreensão de um dado feixe de

normas. O princípio pode ser um enunciado prescritivo explícito no sistema jurídico

77 Cf. Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário, linguagem e método, p. 252. 78 Ibid. p. 257. 79 Deve-se asseverar que alguns doutrinadores não aceitam essa distinção entre regras e princípios. Humberto ÁVILA critica esse critério de diferenciação, afirmando que os “princípios podem ser reformulados de modo hipotético, como demonstram os seguintes exemplos: ‘Se o poder estatal for exercido, então deve ser garantida a participação democrática’ (princípio democrático); ‘Se for desobedecida a exigência de determinação da hipótese de incidência de normas que instituem obrigações, então o ato estatal será considerado inválido’ (princípio da tipicidade).” Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 41. Entende-se que tais considerações decorrem da ambigüidade da palavra princípio.

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ou não, quando não presente formalmente no ordenamento (implícitos).

Por isso, toda e qualquer regra jurídica deve ser composta por um

antecedente e um conseqüente conectados pelo condicional, em conformidade com a

seguinte estrutura: “se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’, deve fazer ou deve

omitir ou pode fazer ou omitir a conduta C ante outro sujeito S’’”80. Verifica-se que o

primeiro membro da regra descreve um fato de possível ocorrência no mundo

fenomênico, enquanto o segundo prescreve a relação jurídica que irá se instaurar

com a concretude do fato descrito na hipótese81.

Em linguagem simbólica teríamos: D [f → R (S’ S’’)], sendo D o modal

deôntico que recai sobre toda a proposição, permitindo identificá-la como norma

jurídica; f é o antecedente normativo descritor de um evento de possível ocorrência; o

símbolo → é o sincategorema82 que demonstra o caráter implicacional de tal estrutura

jurídica; R (S’ S’’) indica a relação jurídica a ser instaurada pelo acontecimento do

evento; S’ significa o sujeito portador do direito subjetivo da relação jurídica; S’’

indica o sujeito portador do dever jurídico; e R é a modalização da conduta em

permitida, proibida ou obrigatória.

Assim, as mensagens, no processo comunicacional do direito, são as regras

jurídicas (ou normas jurídicas em sentido estrito) estruturadas na forma de um juízo

condicional, contendo um mínimo de significação para que possam ser

compreendidas pelo destinatário. Constituirão mensagens tanto as normas gerais e

abstratas quanto as individuais e concretas. Excluem-se os enunciados prescritivos, já

que nem sempre transmitem uma informação completa.

80 Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 95. (grifo do original). 81 Lourival VILANOVA, Lógica jurídica, p. 113-4. 82 As formas lógicas são construídas por variáveis e constantes, ou seja, por símbolos que podem ser substituídos por objetos e símbolos que exercem funções operatórias fixas. As constantes lógicas são denominadas por sincategoremas. “O sincategorema é um termo incompleto, que, por si só, é insuficiente para montar uma estrutura”. Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, op. cit., p. 46. Classificam-se como sincategorema as partículas: e, não, ou, se...então, se e somente se.

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38

3.2.1 Classificação das normas jurídicas

Classificar é uma operação lógica que consiste em agrupar determinados

objetos em conformidade com critérios comuns entre eles, separando-os de outros

com características distintas. Paulo de Barros Carvalho definiu a operação de

classificar da seguinte forma: “separar os objetos em classes de acordo com as

semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente

determinadas com relação às demais classes”83. Desse modo, as normas jurídicas

podem ser agrupadas de diversas maneiras, dependendo do interesse do intérprete.

O ato de classificar é artificial e atende aos anseios do sujeito cognoscente, segundo

os critérios que se mostrarem mais convenientes aos seus propósitos. É o que afirma

John Hospers: “as classes são artificiais no sentido de que o ato de classificar é uma

atividade dos seres humanos, dependente dos seus interesses e necessidades”84. Por

isso, muitos dizem que a classificação, antes de ser verdadeira ou falsa, é mais ou

menos útil. Porém, há regras lógicas a serem observadas no ato de classificar,

garantindo que os gêneros e espécies sejam, realmente, gêneros e espécies. É o

motivo por que no direito as classificações devem ser formuladas com base em

critérios eminentemente jurídicos. Roque Antonio Carrazza acentua essa

necessidade: “uma classificação jurídica, no entanto, deverá necessariamente levar

em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica”85.

Nesta dissertação apresentar-se-ão quatro classificações das normas jurídicas

(em sentido estrito) de acordo com os seguintes critérios: (i) a conduta regulada pelo

direito; (ii) os graus de hierarquia dentro de um ordenamento; (iii) a abstração ou

concretude do antecedente das normas ou a generalidade ou individualidade do

conseqüente; e (iv) o fato de se tratar de direito material ou processual.

83 IPI – Comentários sobre as regras gerais de interpretação da Tabela NBM/SH (TIPI/TAB), Revista dialética de

direito tributário, n. 12, p. 54. 84 Introducción al análisis filosófico, p. 68. (grifo do original – tradução livre). No original: “las clases son artificiales en el sentido de que el acto de clasificar es uma actividad de los seres humanos, dependiente de sus intereses y necesidades.” 85 Curso de direito constitucional tributário, p. 438. (grifo do original).

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3.2.1.1 Normas de estrutura e normas de comportamento

Paulo de Barros Carvalho dividiu as regras em regras de estrutura e regras de

conduta. As primeiras têm como finalidade ferir, de modo incisivo, as condutas

intersubjetivas, enquanto as últimas são normas que servem para traçar as diretrizes

para a elaboração de outras normas86. Lourival Vilanova as chama de normas-de-

normas87, e Luís Cesar Souza de Queiroz de normas de produção normativa88.

Tárek Moysés Moussallem , num primeiro momento, defende que as normas

de estrutura também se referem à forma de revisão de outras normas. Assim,

classifica-as em normas: de produção jurídica; de revisão sistêmica; e de conduta89. O

autor, tomando como critério para a sua classificação o efeito do ato de aplicação de

uma norma, a explica:

(1) quando a aplicação da norma N1 tiver como efeito imediato e mediato regular uma conduta C, chamaremos N1 de norma de

conduta; e (2) quando a aplicação de uma norma N1 tiver como objetivo imediato regular uma conduta C para mediatamente produzir uma norma N2, chamaremos N1 de norma de produção

normativa; (3) quando a aplicação de uma norma N1 tiver como escopo principal, não uma conduta humana, mas a de modificação ou extinção de uma norma N2, estaremos diante de uma revisão do sistema do direito positivo e passaremos a designá-la de norma de

revisão sistêmica. Nesta, o efeito imediato é a norma N2, a conduta é o efeito mediato90.

No seu excelente trabalho Revogação em matéria tributária, publicado

posteriormente, Tárek Moussallem revê a sua classificação. Nessa nova perspectiva,

o autor capixaba fica apenas com as espécies norma de conduta e norma de produção

normativa. Exclui, portanto, as normas de revisão sistêmica, pelos seguintes motivos: (a)

não são normas em sentido estrito, por não serem reconstruídas na estrutura lógica

antecedente/conseqüente; (b) integram o antecedente ou o conseqüente de uma

86 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 38-9. 87 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 164. 88 Sujeição passiva tributária, p. 54. 89 Fontes do direito tributário, p. 93. 90 Ibid. p. 93. (grifo do original).

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estrutura normativa; e (c) não são passíveis de aplicação, apenas surgem como efeito

da promulgação do texto que as contém. Por essas razões, o correto seria chamá-las

de enunciados prescritivos de revisão sistêmica91.

Já Daniel Monteiro Peixoto, verificando que as normas de comportamento

servem também para regular a produção normativa e que as normas de estrutura

regulam tanto o comportamento do sujeito credenciado a produzir novas normas

como o comportamento de obediência à norma produzida, postula uma nova

classificação92 e sugere que as normas sejam subdivididas em normas que orientam as

condutas normativas; e normas que orientam condutas não-normativas:

As primeiras são aquelas que condicionam o exercício da competência (...); as outras modalizam as condutas intersubjetivas em termos definitivos, isto é, atestam denotativamente a ocorrência do fato jurídico e prescrevem, através da implicação deôntica, os comportamentos a serem seguidos, sem necessidade de interposição de outro ato de produção normativa93.

Com isso, para esse autor, somente as normas concretas é que têm o condão

de regular condutas não-normativas. As normas de antecedente abstrato, por

informarem a produção de normas de inferior hierarquia, orientam as condutas

normativas94.

As classificações apresentadas não divergem muito, pois têm como critério

diferenciador a conduta de produzir novas normas e a conduta de não produzir

novas normas. Em suma, o direito possui o escopo de regular as condutas humanas,

tanto as que produzem como as que não produzem normas. Por isso, neste trabalho,

manter-se-á a nomenclatura consagrada por Paulo de Barros Carvalho, sendo normas

de estrutura aquelas que dispõem acerca da criação, modificação ou extinção de

outras normas jurídicas, e normas de comportamento as que orientam diretamente

comportamentos humanos que não se caracterizam pela produção de novas normas.

91 Revogação em matéria tributária, p. 124-5. 92 Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 77-9. 93 Ibid. p. 79-80. 94 Ibid. p. 80.

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3.2.1.2 Norma superior e norma inferior

Para se realizar uma classificação das normas jurídicas em superior e inferior,

é necessário pressupor um ordenamento jurídico escalonado, composto por normas

de diferentes hierarquias.

O direito regula a sua própria criação, seja determinando o procedimento

que outra norma é produzida, seja prescrevendo o seu conteúdo. Por isso, pode ser

visto como um sistema autopoiético95. Com base nessa diferenciação, Hans Kelsen

apresenta o critério de distinção entre normas superiores e normas inferiores: “A

norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as

determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de

normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas

é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas”96.

Sendo assim, a norma superior é o fundamento de validade de outra norma,

a inferior. Esta, para ser produzida, deve observar as diretrizes previstas naquela

norma. “Normas que prescrevem como e com que conteúdo outras serão produzidas

prevalecem sobre estas”97. Na teoria kelseniana, o último fundamento de validade é a

norma fundamental, dando unidade ao sistema jurídico98. Trabalhando apenas com

as normas positivas, a Constituição encontra-se no ápice do sistema normativo,

garantindo a sustentabilidade das demais regras jurídicas. É o princípio da

supremacia da Constituição, que, segundo José Afonso da Silva, “requer que todas as

situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição”99.

Para Roque Carrazza, “uma norma jurídica só será considerada válida se estiver em

harmonia com as normas constitucionais”100. Em suma, todos os atos normativos

95 Cf. Capítulo 2, tópico 2.4. 96 Teoria pura do direito, p. 247. 97 Tercio Sampaio FERRAZ JR, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 238. 98 Ibid. p. 222. 99 Curso de direito constitucional positivo, p.48. 100 Curso de direito constitucional tributário, p. 28.

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produzidos pelos cidadãos e pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário

buscam sua validade na Lei das Leis, direta ou indiretamente.

Acontece que a estrutura escalonada do direito não fica adstrita ao cotejo

entre a Constituição e as leis. A pirâmide jurídica é mais evoluída, contendo no seu

interior outras espécies normativas, que vão sendo distribuídas abaixo das leis: os

decretos, os regulamentos, as portarias e muitas outras, todas organizadas

hierarquicamente.

O direito tributário também segue essa estrutura escalonada. A Constituição

Federal do Brasil detalha minuciosamente o Sistema Tributário Nacional. Aí se

encontram os princípios basilares a que o sistema tributário deve obedecer, as

competências dos entes políticos para instituírem tributos, as matérias das leis

complementares, etc. Em suma, os alicerces da tributação no Brasil estão todos

presentes no Texto Magno.

O princípio da supremacia constitucional, no direito tributário, vem

explicitado no art. 110 do CTN, que proíbe a lei tributária de alterar a definição, o

conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados,

expressa ou implicitamente, na Constituição Federal. Entretanto, a lei tributária não

pode alterar nenhum conceito ou norma previstos no Texto Supremo, e não apenas

aqueles de direito privado. Caso isso fosse possível, alerta Hugo de Brito Machado,

que “poderia o legislador ordinário, por essa via alterar a Constituição, modificando

o sentido e o alcance de qualquer de suas normas”101. Era o que avisava o Ministro

Luiz Gallotti em seu clássico voto no RE 71.758: “se a lei pudesse chamar de compra

o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não

é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na

Constituição”.

101 A importância dos conceitos jurídicos na hierarquia normativa – natureza meramente didática do art. 110 do CTN, Revista dialética de direito tributário, n.98, p. 72.

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43

3.2.1.3 Normas gerais e individuais, abstratas e concretas

Outra forma de se classificarem as normas jurídicas adota como critério os

destinatários inseridos no conseqüente da estrutura condicional normativa. Desse

ponto de vista, elas podem ser gerais ou individuais. O primeiro tipo é aquele que

tem como destinatário um grupo de sujeitos indeterminados, enquanto a

individualizada atinge sujeitos-de-direito identificados.

Por sua vez, a classificação em normas abstratas e concretas toma como

fundamento o antecedente das normas. Quando se encontram no antecedente das

normas apenas marcas, critérios, características do fato jurídico, se está diante da

norma abstrata. Agora, a partir do momento em que o fato jurídico está

individualizado (linguagem protocolar), as normas são do tipo concreta.

Combinando as quatro possibilidades, chega-se às seguintes espécies de

normas: concretas e gerais; concretas e individuais; abstratas e gerais; e abstratas e

individuais.

Uma das premissas adotadas no presente estudo consiste na importância da

linguagem para o direito. Um evento ocorrido no mundo fenomênico somente terá

importância para o mundo do direito e repercutirá seus efeitos jurídicos se

constituído mediante linguagem. A realização das normas gerais e abstratas se dá

mediante a linguagem das normas jurídicas individuais e concretas em virtude do

processo de positivação102.

3.2.1.4 Normas primárias e normas secundárias

A norma jurídica para ser completa, segundo a teoria de Lourival Vilanova,

tem uma estrutura dúplice: norma primária e norma secundária. Na segunda, o

suporte fáctico consiste na não-verificação da conduta prescrita no conseqüente da

102 Sobre a fenomenologia da incidência das normas jurídicas, verifique o Capítulo 4.

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norma primária103. A norma primária seria de direito material, e a norma secundária

trata do direito processual; desse modo, têm pontos de incidência diversos. O

saudoso professor pernambucano as distingue da seguinte forma: “Ainda que

eventualmente juntas, por conveniência pragmática, linguisticamente formuladas

como unidade, logicamente são duas proposições normativas. Lógica e

juridicamente, são diversas, pelos sujeitos intervenientes, pelos fatos jurídicos e

efeitos. Norma de direito substantivo, ali; norma de direito adjetivo, aqui. Normas

diversas que têm como ponto de incidência fatos diversos”104.

A norma primária de Lourival Vilanova pode ter dois conteúdos diversos:

uma conduta lícita ou uma conduta ilícita. Por esse motivo, Eurico de Santi a

desmembrou em norma primária dispositiva e norma primária sancionadora; a

primeira norma estabelece relações jurídicas que decorrem de fatos lícitos, enquanto

na norma sancionadora os fatos que originam a relação jurídica são ilícitos105.

Assim, obtêm-se os seguintes tipos de normas: (i) norma primária

dispositiva, que traz no antecedente a descrição de um fato lícito e no conseqüente

uma conduta dispositiva; (ii) norma primária sancionadora, cujo antecedente

descreve um fato ilícito, e o conseqüente prescreve uma conduta sancionadora; e (iii)

norma secundária, que possui um antecedente descritor de uma não realização da

conduta dispositiva ou sancionadora e no conseqüente a relação jurídica processual.

No direito tributário, para exemplificar, há a norma dispositiva tratando da

instituição do crédito tributário; a norma sancionatória, que decorre do não-

pagamento e estabelece uma relação jurídica cujo objeto é uma multa pecuniária; e,

por fim, o não-pagamento da obrigação tributária e/ou o não-pagamento da multa ,

que ensejaria a execução fiscal, com o Fisco se valendo do Poder Judiciário para

exigir o adimplemento das obrigações, decorrente da concretização do fluxo das

103 Causalidade e relação no direito, p. 188-9. 104 Ibid. p. 189. 105 Lançamento tributário, p. 43-4. Luís Cesar Souza de QUEIROZ afirma que a composição jurídica é formada pelas seguintes normas: (i) primária principal, que impõe uma conduta em função de fato lícito; (ii) primária punitiva, que prescreve uma punição em razão de um fato ilícito; e (iii) secundária, que regula o processo, Sujeição passiva

tributária, p. 34.

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45

normas adjetivas (norma secundária). Esse é um simples exemplo que representa a

complexidade do fenômeno jurídico em seu processo de positivação. Nada impede,

contudo, a incidência de outras inúmeras normas nesse percurso, como as que

instituem os deveres instrumentais, as de produção de provas, as que determinam o

procedimento do lançamento, as que determinam a suspensão da exigibilidade do

crédito tributário, etc.

3.3 O código no processo comunicacional do direito

Outro elemento do processo comunicacional é o código, que, conforme Décio

Pignatari, “é um sistema de símbolos que, por convenção preestabelecida, se destina

a representar e transmitir uma mensagem entre a fonte e o ponto de destino”106. Para

que exista uma troca de informação entre o emissor e o destinatário, é necessário que

ambos conheçam o mesmo código aplicado na comunicação. É a partir do código que

o receptor compreende a mensagem107.

Importante distinguir o código do repertório. O repertório se refere a um

acúmulo de experiências108, é a memória em que os indivíduos registram as

informações que absorvem. Trata do nível cultural, da instrução do emissor e do

receptor. Assim, o código é um elemento objetivo (uma convenção preestabelecida), e

o repertório é subjetivo, intrínseco a cada sujeito. O repertório está relacionado a um

código padrão e hegemônico109. Portanto, a construção de um repertório depende do

código dos comunicadores; é a partir do código que se constrói o repertório. Por isso,

quanto mais se manipula um código maior será o repertório110. Um exemplo: a

mensagem você sofre de arteriosclerose transmitida por um médico para seu paciente é

106 Informação linguagem comunicação, p. 23. 107 Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 23. 108 Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 48. Segundo José TEIXEIRA COELHO NETTO “Entende-se por repertório uma espécie de vocabulário, de estoque de signos conhecidos e utilizados por um indivíduo”. Semiótica, informação e comunicação: diagrama da teoria do signo, p. 123. 109 Décio PIGNATARI, Contracomunicação, p. 54. 110 Ibid. p. 53.

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feita por meio de um código comum a ambos, a língua portuguesa, porém o

repertório do paciente não permite a compreensão do mal que o aflige. Num

momento posterior, após o médico explicar que arteriosclerose decorre do

endurecimento e espessamento da parede das artérias, provocando alterações na

pressão sanguínea, o repertório do paciente já será outro, acrescido de nova

informação decorrente de um acúmulo de experiência. Logo, pode-se dizer que o

repertório é o conhecimento armazenado de cada indivíduo111.

Segundo Francis Vanoye, não é suficiente que o código seja comum para se

realizar uma comunicação perfeita112. Além dessa identidade, deve existir certa

semelhança entre os repertórios do emissor e do receptor permitindo uma troca de

informações. A ausência de um repertório comum ou a existência de um repertório

idêntico entre os comunicadores também inviabiliza o processo comunicacional.

J. Teixeira Coelho Netto ensina que “uma mensagem é elaborada pela fonte

com elementos extraídos de um determinado repertório e será decodificada por um

receptor que, nesse processo, utilizará elementos extraídos de outro repertório”113.

Para que haja uma transferência de informação, os repertórios do emissor e do

destinatário não podem ser idênticos nem completamente distintos um do outro, ou

seja, os repertórios têm de possuir algum setor em comum. Tal situação pode ser

demonstrada, como faz o autor, por dois círculos, cada um representando um

repertório. Para que a mensagem seja significativa, os círculos devem ser secantes,

com algum ponto em comum.

No processo comunicacional do direito, a função de código é exercida pelo

direito positivo:114 as normas jurídicas válidas numa determinada época e num certo

país. Nesse sentido afirma Gregorio Robles que o direito somente terá

111 Roti Nielba TURIN define repertório como “os dados acumulados do nosso saber. O repertório é o nosso banco de dados, o conjunto dos nossos saberes, o conjunto das realizações que nós detemos, ou seja: o conjunto das linguagens que temos a capacidade de operacionalizar. São todas as informações acumuladas durante gerações que constituem nosso patrimônio de conhecimento e nossa identidade”. Aulas: introdução ao estudo das linguagens, p. 25. 112 Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita, p. 04. 113 Semiótica, informação e comunicação: diagrama da teoria do signo, p. 124. 114 Nesse sentido, Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 49.

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implementação social quando seus destinatários puderem entender seus conteúdos

verbalizados115. E tal compreensão depende diretamente do repertório, pois sem um

repertório comum não haverá um processo comunicacional.

Sendo assim, o sistema jurídico presumiu que todos os emissores e receptores

de normas jurídicas possuem o mesmo código e repertório. Essa presunção está

expressa no art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil, que proíbe a alegação de

não se cumprir a lei por não conhecê-la. Essa identidade serve como fechamento

operativo do sistema, buscando assegurar sua finalidade pragmática: “manutenção

de uma estabilidade ou paz social, institucionalizando os procedimentos de

discussão e decisão de conflitos”116.

O direito não permite ao destinatário de uma mensagem jurídica alegar que

não cumpriu um determinado comando legal por desconhecer o conteúdo de uma lei

(código) ou por não a compreender (repertório). Com isso, só resta ao destinatário

cumprir ou descumprir a norma jurídica, não há a possibilidade de uma terceira

opção. Conforme Tercio Sampaio Ferraz Jr., as reações do ouvinte em relação a uma

mensagem do emissor são três: confirmação, situação em que o ouvinte compreende

e concorda com a mensagem; rejeição, quando o ouvinte compreende e discorda da

mensagem; ou desconfirmação, que é a não-compreensão ou ignorância da

mensagem. Porém, o direito, segundo o autor, só reconhece duas: a confirmação ou a

rejeição117. Isso porque não é dado ao destinatário alegar o desconhecimento ou

ignorância da lei.

Sabe-se, todavia, que é impossível que todos os destinatários conheçam e

compreendam todas as normas. Advertem Lucia Santaella e Winfried Nöth,

fundamentados nas lições de Lotman, que não há uma perfeita sintonia entre os

códigos do emissor e do receptor, estabelecendo o princípio da “não-identidade” de

seus códigos118. Entretanto, parece que os autores estão fazendo menção ao repertório

115 Gregorio ROBLES, O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 78-9. 116 Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 51. 117 Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, p. 57. 118 Comunicação e semiótica, p. 140.

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48

dos comunicadores, e não ao código. O repertório do médico e do paciente não é o

mesmo; o médico sabe manipular mais o código quando se trata de diagnósticos e

doenças.

Essa “não-identidade” de repertórios é que explica por que um destinatário

D1, ao ser comunicado de uma norma geral e abstrata N1, realiza uma conduta C1,

entendendo cumprir a ordem prescrita, enquanto outro destinatário D2, diante da

mesma mensagem N1, vem e realiza outra conduta C2, também acreditando que

realizou a conduta prescrita. O direito, apesar de presumir que todos os destinatários

conhecem e compreendem seus dispositivos normativos, previu que poderia haver

situações em que existiria o conflito entre as condutas. Daí, a figura do Poder

Judiciário para resolver confrontos de interesses.

3.4 O canal físico da comunicação do direito

O fenômeno comunicacional requer um canal físico entre o remetente e o

destinatário que lhes possibilite entrar e permanecer em comunicação. Os canais

podem ser definidos como “os modos pelos quais os sinais de um código são

transmitidos de uma fonte a um lugar de recepção da mensagem”119. No direito, o

canal físico utilizado é a linguagem escrita. A mensagem jurídica somente irá

aparecer por meio da linguagem escrita. Há no sistema jurídico procedimentos orais,

como as informações prestadas por testemunhas, mas, mesmo nesses casos, o canal

físico continua sendo a linguagem escrita, porquanto os procedimentos orais são

sempre reduzidos a essa forma.

É, portanto, por meio do canal que a mensagem atinge o destinatário. Para

que ocorra a comunicação, é imperioso que a mensagem chegue ao destinatário,

levando a intenção de comunicar do remetente. Assim, ao enviar uma carta, somente

haverá a comunicação quando o destinatário efetivamente tiver acesso à mensagem,

119 Patrick CHARAUDEAU; Dominique MAINGUENEAU, Dicionário de análise do discurso, p. 92.

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49

caso contrário existirá um ruído no canal. O fato de o destinatário não ter recebido a

mensagem inviabiliza por inteiro o processo comunicacional.

O ordenamento jurídico utiliza a linguagem escrita como seu canal. O canal,

porém, tem de levar a mensagem ao destinatário. Aqui surge a importância da

publicação das normas jurídicas. O processo comunicacional do direito, como

fenômeno autopoiético que é, pois cria as próprias normas de funcionamento do

sistema, exige a publicação das normas jurídicas na imprensa oficial. Somente com

esse ato é que o destinatário terá acesso à mensagem jurídica. A publicidade da

mensagem faz com que o canal se complemente no sistema comunicacional do

direito. Sem a publicação no veículo próprio, ocorrerá um ruído na comunicação

jurídica, devendo a mensagem ser considerada inválida, ou seja, não pertencente ao

sistema.

A Constituição Federal traz no art. 37 o princípio da publicidade. De acordo

com esse dispositivo, todos os atos da Administração serão públicos. Diante desse

enunciado, se questiona se apenas a atividade administrativa está vinculada ao

princípio da publicidade ou se os demais atos jurídicos expedidos pelo Poder

Judiciário, pelo Poder Legislativo e até mesmo pelo particular também devem

respeitá-lo.

Com relação às normas expedidas pelo Poder Judiciário, a própria

Constituição responde ao afirmar no art. 93, IX, que todos os julgamentos dos órgãos

do Poder Judiciário serão públicos, limitados apenas por lei os casos de preservação

do direito à intimidade do interessado no sigilo sem prejudicar o acesso público à

informação.

Verifica-se que o Texto Magno elegeu como princípio o interesse público pela

informação, não podendo ser tolhido sem que haja uma razão. Já o Legislativo,

apesar de não conter nenhum enunciado explícito na Constituição, também necessita

ter seus atos publicados. Tal obrigatoriedade pode ser encontrada no art. 1º da Lei de

Introdução ao Código Civil, estabelecendo que a lei somente começa a vigorar

quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, salvo disposição em

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50

contrário. Portanto, para uma norma jurídica ser válida, isto é, pertencer ao sistema

do direito, é imprescindível a sua publicação na imprensa oficial. Já para começar a

produzir efeitos, em regra, aguardam-se quarenta e cinco dias da sua publicação nos

Diários Oficiais. Percebe-se que a publicidade é requisito essencial também para a

complementação do percurso da mensagem jurídica.

Deve-se mencionar a Lei 11.419/06, que regulamenta o uso de meio eletrônico

na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças

processuais. Vivencia-se hoje uma era eletrônica, com o surgimento de novos

ambientes tecnológicos originando paradigmas que modificam a estrutura da

mensagem e influenciam no volume de transmissão de informações120. É nesse

contexto que aparece a lei acima aludida: “As novas tecnologias e ambientes

tecnológicos contribuem também para a criação de novas formas de relações

jurídicas, estabelecidas em linha (on-line), assim entendida a comunicação feita no

ambiente da Internet”121.

Como se pode observar, a Lei 11.419/06 regula a comunicação eletrônica dos

atos processuais em consonância com os novos padrões tecnológicos, permitindo-se

intimações, citações, cartas precatórias e rogatórias feitas por meio eletrônico. É a

“virtualização” dos atos processuais122. Passa-se a utilizar uma nova maneira de

envio da mensagem jurídica. A forma mecânica (Imprensa Oficial) começa a perder

espaço para os meios on-lines. O canal do sistema comunicacional do direito inicia

sua adequação aos tempos atuais, passando da publicação impressa para a via

eletrônica. Essa substituição do modo de publicação das normas jurídicas não

significa uma ruptura total com os padrões antigos, pois a linguagem escrita ainda

predomina, apenas começam a se alterar as formas de a mensagem chegar ao

destinatário.

120 Clarice ARAUJO; Paulo CONRADO, Penhora on-line e o devido processo legal: “o meio é a mensagem”. Tributação e processo, p. 130. 121 Ibid. p. 132. 122 Ibid. p. 134.

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51

3.5 O destinatário e o emissor da norma jurídica

Identificar o emissor e o destinatário da norma jurídica parece ser de simples

solução. Emissor é o sujeito que o próprio sistema jurídico outorgou competência

para emitir normas jurídicas. Com isso, conforme poderá se perceber no decorrer

deste trabalho, são competentes para produzir enunciados prescritivos o Poder

Legislativo, o Poder Judiciário, o Poder Executivo e até mesmo o particular. Além de

serem emissores de normas (em sentido lato), os mesmos entes também poderão ser

destinatários de normas. Salienta Tercio Sampaio Ferraz Jr. que “ambos os

comunicadores do discurso normativo são, em princípio, ao mesmo tempo,

emissores e receptores” 123.

Desse modo, para identificar qual é o emissor e o destinatário de uma

mensagem jurídica, tem-se um corte a fazer na cadeia de positivação do direito e aí

encontrar quem emitiu o enunciado prescritivo e para quem foi emitido. Por

exemplo, a legislação do imposto sobre a renda tem, como emissor, o Poder

Legislativo e, como destinatário, o particular. Agora, na norma de competência para

instituir o imposto sobre a renda, o emissor é o Poder Legislativo (constituinte); e o

destinatário, o Poder Legislativo (ordinário).

Como é possível notar, há uma troca constante entre emissor e destinatário

da norma jurídica no fluxo do processo de positivação, tudo conforme as regras

criadas pelo próprio direito.

3.6 O contexto na comunicação jurídica

Toda comunicação se refere a um determinado contexto considerado como a

situação ou os objetos reais aos quais a mensagem faz referência. Assim, a mensagem

produzida pelo emissor tem de se reportar a determinadas situações ou objetos,

123 Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa, p. 39.

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52

considerado o contexto do processo comunicacional. Apenas dentro de um

determinado contexto é possível compreender plenamente uma mensagem. Uma

mensagem solta, sem um contexto, impede, dificulta ou, no mínimo, retarda a sua

devida compreensão pelo receptor. Diante da ordem compre uma vela, qual seria a

conduta do receptor: comprar uma vela de carro, uma vela de aniversário ou uma

vela de navio? Somente com a observação do contexto é que o destinatário da

mensagem irá compreendê-la adequadamente124.

Os termos possuem um significado de base e um significado contextual. Luis

Alberto Warat explica ambos: “O primeiro é aquele que reconhecemos no plano

teórico quando abstraímos a significação contextual e consideramos o sentido

congelado, a partir dos elementos de significação unificados por seus vínculos

denotativos. O segundo pode ser entendido como o efeito de sentido derivado dos

processos efetivos da comunicação social”125. Compulsando os léxicos, encontram-se

para vela os significados: (i) dispositivo dos motores de explosão, destinado a

produzir a centelha elétrica para inflamar a mistura combustível na câmara de

combustão ou cabeça dos cilindros; (ii) rolo de substância gorda e combustível com

pavio e que serve para dar luz; (iii) pano longo de linho ou de outro qualquer tecido

que se desfralda ao longo dos mastros ou das vergas para receber a ação do vento em

virtude do qual é impelida a embarcação126. Esses são os significados de base que a

palavra possui. Agora, diante da ordem compre uma vela, apenas com o seu

significado contextual é que se conhecerá a exata mensagem transmitida pelo

emissor. O contexto é que auxiliará a corrigir a ambigüidade de um termo.

Manfredo de Oliveira, analisando a segunda fase de Wittgenstein, ensina que

somente é possível compreender a linguagem se tiver como base o contexto em que

124 Outro interessante exemplo sobre a importância do contexto para a mensagem pode ser encontrado em Luis Alberto WARAT. Um cartaz contendo a expressão “é proibido usar tanga” terá um sentido quando colocado na praia de Ipanema e outro se estiver numa praia de nudismo. No primeiro caso, o contexto indica que o banhista tem de usar um traje de banho maior, já na outra situação o contexto enseja a compreensão de que nada devem usar os freqüentadores daquela praia. Percebe-se que é o contexto que indica o exato comportamento que a mensagem deseja que seja adotado, O direito e sua linguagem, p. 67. 125 O direito e sua linguagem, p. 65. 126 Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 5.239-5.240.

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53

os seres humanos se comunicam127. Sendo assim, a significação das palavras e das

mensagens no processo de comunicação, será reconhecida pelo receptor em

conformidade com a intenção da informação que o remetente deseja transmitir, de

acordo com o contexto a que se referem.

Como foi enunciado, a finalidade do direito é regular condutas humanas

intersubjetivas. Para tanto, o legislador recorta fenômenos sociais imputando-lhes

efeitos jurídicos. Por isso, “para a realidade jurídica, a comunicação estará sempre

envolvida em um contexto social e cultural; as interações humanas constituem o

contexto que interessa ao Direito como sistema de regulamentação de condutas”128.

Posto isso, o contexto a que se refere a mensagem jurídica é o mundo social,

buscando regular as condutas humanas intersubjetivas de acordo com uma

ideologia129.

3.7 A interpretação do direito em conformidade com o modelo comunicacional

proposto

Paulo de Barros Carvalho, tomando como premissa a linguagem como o

dado constitutivo do direito, desenvolve um percurso de construção de sentido do

texto jurídico subdividido em quatro planos distintos, partindo da literalidade

textual (S1) até atingir a forma superior do sistema normativo (S4), passando pelo

plano dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos (S2) e pelo conjunto

das normas jurídicas (S3)130.

O primeiro plano para a construção do sentido do texto jurídico é o sistema

da literalidade textual visto como o suporte físico das significações jurídicas. É em S1

que o intérprete tem o primeiro contato com o texto legislado, iniciando a sua

127 Reviravolta lingüístico pragmática na filosófica contemporânea, p. 132. 128 Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 57. 129 Com relação à análise da linguagem social e a linguagem jurídica, ver item 2.3. 130 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 61-66.

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trajetória de interpretação.

Linhas acima, buscou-se apresentar um modelo de direito sob a óptica

comunicacional. Portanto, o sistema jurídico é estudado com base na elaboração de

uma mensagem jurídica pelo emissor, fazendo com que ela chegue ao destinatário

levando as informações que deseja serem transmitidas. Para isso, utiliza-se de um

código, que é o direito positivado, e um canal físico: o texto escrito. Todos esses

fatores estão inseridos dentro de um contexto social.

Com isso, o intérprete inicia o percurso gerador de sentido jurídico (S1) com o

canal físico: a literalidade do texto normativo. Como se disse, o canal físico do

modelo comunicacional do direito é a linguagem escrita, uma vez que todos os seus

atos, mesmo quando usada a linguagem verbal, são transportados para a escrita.

Em S2 o exegeta já passa para o conteúdo de significação dos enunciados

prescritivos. “Lida, agora, com o significado dos signos jurídicos, associando-os e

comparando-os, para estruturar não simplesmente significações de enunciados, mas

significações de cunho jurídico, que transmitam algo peculiar ao universo das

regulações das condutas intersubjetivas”131. Entra em ação, portanto, o domínio do

código e o repertório do receptor da mensagem. Agora, começam a ser identificados

os signos jurídicos, associando-se a eles significações. Passa-se a reconhecer o que é

“circulação de mercadoria”, “contribuinte”, “fato gerador”, “tributo”, “base de

cálculo”, “alíquota”.

Feita essa correlação entre os enunciados prescritivos e o repertório do

destinatário, parte-se para estruturar a norma jurídica com a finalidade de produzir

unidades completas de sentido. O intérprete já se encontra em S3, construindo a

mensagem jurídica, com sua estrutura mínima de significação, no sentido de orientar

a conduta humana. Nesse plano é que se obtém a norma jurídica naquela sua

estrutura bimembre: antecedente que implica um conseqüente (fato jurídico que

implica uma relação jurídica).

O passo seguinte do intérprete é realizar a organização das mensagens

131 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 71.

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55

jurídicas construídas no plano anterior. O nível S4 permite que o destinatário

organize as normas jurídicas de forma hierárquica, pois essas unidades não podem

aparecer soltas, sem pertencer à totalidade do sistema jurídico. É aí que o exegeta

verificará se a mensagem recebida foi produzida de acordo com as normas de

estrutura que estabelecem como as normas jurídicas devem ser inseridas no

ordenamento. É a organização do direito como um sistema comunicacional.

A construção de sentido da comunicação jurídica se dá pelo percurso nos

planos S1, S2, S3 e S4, iniciando-se com o canal físico do sistema comunicacional, para

logo em seguida se produzir a mensagem jurídica com a utilização do código e do

repertório do destinatário, organizando-a dentro do sistema comunicacional do

direito.

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56

4 A FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA DA NORMA JURÍDICA

TRIBUTÁRIA

4.1 Ser e dever-ser: a importância do processo de positivação da norma jurídica

O direito e a realidade social são dois conjuntos distintos, cada um portador

de uma comunicação específica. Entretanto, tais sistemas mantêm uma ampla

conversação entre si, trocando informações. Com isso, aspectos do ambiente são

processados segundo as regras específicas de cada sistema. O sistema jurídico recebe

informações do seu ambiente (demais sistemas sociais) e as processa em

conformidade com as normas jurídicas. Note-se que os sistemas não vivem isolados,

sendo possível adquirir informações de outros sistemas, que neles ingressam por

operações próprias.

Para Celso Campilongo, ”política, economia e direito podem trocar

prestações, mas nunca atuar com lógicas intercambiáveis. Dito de outro modo: os

sistemas sociais particulares são funcionalmente isolados e, por isso, só podem ser

autocontrolados e auto-estimulados”132. Assim, cada sistema opera segundo seus

próprios padrões, sem que sofra uma sobreposição de funções de outros. Os sistemas

executam suas operações de acordo com as suas estruturas e seus elementos, a fim de

garantir a função que lhes é inerente. Por isso que o direito, por meio de suas

estruturas (normas jurídicas), desempenha a sua função específica de garantir

expectativas normativas.

Luhmann defende que os sistemas são operativamente fechados, porém

abertos cognitivamente. Essa abertura permite uma correlação entre os sistemas, com

constantes trocas de informações que serão processadas conforme as estruturas

internas de cada sistema, em razão do seu fechamento operativo, ou seja, um sistema

132 O direito na sociedade complexa, p. 74.

Page 58: Tiago Cappi Janini.pdf

57

não pode operar com as estruturas de outro. O direito é irritado pela economia, pela

política, pela religião e pelos demais subsistemas sociais em razão da abertura

cognitiva que possui. É o que ensina Lourival Vilanova: “o sistema jurídico é sistema

aberto, em intercâmbio com os subsistemas sociais (econômicos, políticos, éticos)”133.

Todavia, essa conversação do direito com o seu ambiente é realizada por meio de sua

comunicação específica, as normas jurídicas.

O direito não só recebe informações dos outros sistemas, como também as

transmite para eles. Na política, por exemplo, é o direito que estipula a forma de

governo, as regras de eleição, quem pode votar, etc. Na economia, o direito cria

situações que favorecem o desenvolvimento de determinados setores, elevando ou

diminuindo a carga tributária, e estabelece formas de financiamento de imóveis.

Inúmeros outros casos poderiam ser descritos demonstrando o direito interagindo

com os outros subsistemas sociais. Entretanto, repita-se, é a estrutura de cada um

desses subsistemas sociais que determina a forma com que essa comunicação jurídica

será representada internamente, de modo que somente serão fatos políticos,

econômicos, etc., se forem constituídos de acordo com a comunicação específica de

cada subsistema em virtude do fechamento operativo que possuem.

Percebe-se, então, que o direito, por regular condutas humanas (econômicas,

políticas, religiosas, etc.), produz informação que age em outros sistemas sociais,

irritando-os. Em vista disso, o direito gera comunicação jurídica que será processada

pelas estruturas dos demais subsistemas sociais na autopoiese específica de cada um.

Em razão do fechamento operativo, o direito não consegue alterar a realidade social

diretamente, principalmente porque uma conduta prescrita em uma norma jurídica

pode ser desobedecida pelo seu destinatário. O simples fato de uma norma jurídica

proibir matar alguém não impede que essa conduta ocorra. É, portanto, o fechamento

operativo de cada subsistema que permite a Paulo de Barros Carvalho concluir que

“não se transita livremente do mundo do ‘dever-ser’ para o do ‘ser’”134.

133 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 180. (grifo do original). 134 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 225.

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58

Essas irritações de um sistema em outro são denominadas de acoplamento

estrutural por Luhmann: “fala-se de acoplamentos estruturais quando um sistema

importa determinadas características de seu ambiente”135. O direito provoca irritações

na sociedade, prescrevendo como deseja que determinadas condutas humanas sejam

materializadas. Acontece que essa informação vai ser processada pelo sistema social

de acordo com suas próprias estruturas, podendo alterá-lo ou não.

Aí importa a distinção entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser como

dois conjuntos distintos que operam conforme suas estruturas específicas: o sistema

jurídico e o seu ambiente. Paulo de Barros Carvalho alerta que “A mensagem

deôntica, emitida em linguagem prescritiva de condutas, não chega a tocar,

diretamente, os comportamentos interpessoais”136, isto é, o “dever-ser” não atinge o

“ser”.

A lei jurídica é regida pelo modal “dever-ser”, podendo acontecer de o seu

efeito E (a conduta prescrita no conseqüente) vir a não se materializar. Isso porque o

destinatário da norma jurídica, em conformidade com sua vontade, pode realizar ou

não a conduta prescrita. Ao ler a regra “se causar dano deve indenizar”, o receptor

da mensagem, ao concretizar o fato de causar dano, terá duas opções de conduta:

indenizar ou não a vítima. A conduta eleita pelo direito positivo como lícita é a de

indenizar, entretanto nada garante que o sujeito assim procederá. Não há meios de

assegurar que, uma vez realizado o fato descrito na hipótese, dar-se-á exatamente o

comportamento prescrito no conseqüente da norma jurídica. Nessa tentativa, o

direito sempre busca ferramentas para fazer com que seja cumprida a relação jurídica

instaurada. Muitas vezes utiliza a sanção, a coação, o acesso ao Judiciário, porém não

se pode afirmar com segurança que, ao final, a conduta executada será aquela

inicialmente prescrita.

Sabe-se que a finalidade do direito é regular as condutas intersubjetivas. Mas

como o fazer se ele não atinge o mundo do “ser”? Aí reside a importância do que

135 El derecho de la sociedad, p. 508. (tradução livre). No original: “se habla de acoplamientos estructurales cuando un sistema supone determinadas características de su entorno”. 136 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 225.

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59

Paulo de Barros Carvalho denominou “processo de positivação do direito”, definido

como o “caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mas distantes,

para chegar às proximidades da região material das condutas intersubjetivas, ou, em

terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para

chegar a normas individuais e concretas”137. Para Gregorio Robles é o fenômeno da

concreção: “Na medida em que se vai descendo a pirâmide normativa, passa-se do

mais geral ao mais particular, produz-se um processo de concreção ou determinação

do fenômeno normativo, até chegar, finalmente, aos atos individualizados de

aplicação”138.

A influência do mundo do dever-ser sobre o universo ontológico depende da

aplicação da norma geral e abstrata produzindo uma norma individual e concreta.

Somente com a produção desse instrumento normativo é que o direito positivo irá

direcionar o comportamento humano. É nesse sentido que conclui Paulo de Barros

Carvalho: “Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo, motivando alterações

no terreno da realidade social, sem que os comandos gerais e abstratos ganhem

concreção em normas individuais.”139. É a norma individual e concreta, portanto, que

provoca maiores irritações nos demais subsistemas sociais.

4.2 O fenômeno da incidência e a produção da norma individual e concreta

O direito, a fim de produzir uma melhor conversação com os demais

subsistemas sociais, deve atingir níveis máximos de concretização e individualização

das normas gerais e abstratas, para assim influenciar de maneira mais incisiva as

condutas humanas.

137 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 226. 138 Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, v. 1, p. 239. (tradução livre). No original: “A medida que se va desciendo en la pirámide normativa, se pasa de lo más general a lo más particular, se produce un proceso de concreción o determinación del fenómeno normativo, hasta llegar, finalmente, a los actos individualizados de aplicación.” 139 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 227.

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60

Ao analisar a positivação do sistema jurídico, não se pode deixar de registrar

que a norma jurídica é resultado do ato de aplicação realizado pelo homem. A idéia

de Alfredo Augusto Becker de que a incidência da norma é automática e infalível140

encontra-se superada. Para Paulo de Barros Carvalho, aplicar o direito consiste na

produção de novas normas jurídicas com fundamento em regras superiores: “Aplicar

o direito é dar curso ao processo de positivação, extraindo de regras superiores o

fundamento de validade para edição de outras regras”141. Sem esse ato humano, não

há o fenômeno da incidência, ou seja, sem a interferência do homem não é possível o

ingresso de novas normas no ordenamento. É o sistema comunicacional do direito

operando, com o emissor produzindo mensagens jurídicas de acordo com o que

prescreve o direito positivo.

Para que se dê a incidência da norma sobre o fato, é imperiosa a ocorrência

desse fato no mundo fenomênico. Aqui é importante destacar outra distinção feita

por Paulo de Barros Carvalho entre fato e evento. Apoiado nas lições de Tércio

Sampaio Ferraz Jr., o autor considera como fato a constituição lingüística que

organiza a realidade, e como evento o acontecimento concreto que se exaure no

tempo, que não deixa vestígios, a não ser com a sua constituição por linguagem, ou

seja, é o acontecimento despido de qualquer articulação lingüística142. Clarice Araujo,

analisando a distinção entre fato e evento sob o prisma da semiótica, conclui: “Um

fato jurídico, portanto, constitui-se em uma representação jurídica de uma situação

intersubjetiva, de um estado de coisas, de uma conduta praticada. Em sua condição

semiótica, o fato jurídico é signo de caráter indicial, ao trazer para o universo jurídico

vetores de espaço e tempo relativos à ocorrência do evento, em si mesmo

inapreensível e somente em parte representado”143.

Cada subsistema terá seus próprios fatos conforme o seu revestimento

lingüístico específico. Assim, um fato social para o sistema do direito será um mero

140 Teoria geral do direito tributário, p. 307 et seq. 141 Curso de direito tributário, p. 90. 142 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 93-4. 143 Fato e evento tributário – uma análise semiótica, Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 355. (grifo do original).

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61

evento, pois ainda não foi revestido pela linguagem jurídica. É o que afirma Paulo de

Barros Carvalho:

Com efeito, se as mutações que se derem entre os objetos da experiência vierem a ser contadas em linguagem social, teremos os fatos, no seu sentido mais largo e abrangente. Aquelas mutações, além de meros ‘eventos’, assumem a condição de ‘fatos’. Da mesma forma, para o ponto de vista do direito, os fatos da realidade social serão simples eventos, enquanto não forem constituídos em linguagem jurídica própria144.

Apesar da sua constituição em linguagem, o fato, para se tornar jurídico,

impõe a linguagem própria do direito, as normas jurídicas. Nas normas gerais e

abstratas, a abstração está presente no antecedente, em que estão contidos critérios,

notas, traços e características que possibilitam identificar o fato jurídico. Não inclui,

propriamente, o fato jurídico, mas apenas as notas que um acontecimento requer

para se transformar em tal tipo de fato. Por isso, afirma-se que o antecedente das

normas abstratas é composto por enunciados conotativos que se projetam para o

futuro, selecionando marcas, aspectos, pontos de vista, linhas, traços, caracteres

relativos a um número indeterminado de situações145.

Somente haverá a incidência da norma com a ocorrência efetiva do fato

jurídico; e a comprovação desse acontecimento é feita pela linguagem das provas em

direito admitidas. É o que ensina Fabiana Del Padre Tomé, em seu excelente trabalho

sobre a teoria das provas:

É por meio das provas que se certifica a ocorrência do fato e seu perfeito quadramento aos traços tipificadores veiculados pela norma geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato à norma e em implicação entre antecedente e conseqüente, operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidência normativa146.

Primeiro, portanto, é preciso que se reconheça o fato jurídico de acordo com

as provas que o sistema jurídico prescreve para, depois, ocorrer o fenômeno da

144 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 97. (grifo do original). 145 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 96. 146 A prova no direito tributário, p. 31.

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62

incidência da norma jurídica sobre o fato147.

Percebe-se toda a complexidade do fenômeno normativo em sua dinâmica.

Tem de existir uma norma geral e abstrata que descreva as notas, os critérios e as

características que um evento precisa possuir para se tornar fato jurídico. Depois,

deve ficar comprovado que o evento realmente aconteceu no mundo fenomênico, por

meio da linguagem das provas. A partir de então é que haverá a incidência da norma

jurídica sobre o evento, produzindo-se uma norma individual e concreta que conterá

em seu antecedente a constituição do fato jurídico.

A fenomenologia da incidência da norma jurídica pode ser descrita por duas

operações lógicas:

a primeira, de subsunção ou de inclusão de classe, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito148.

Há um ato humano que cria uma norma com alto grau de generalidade e

abstração. Posteriormente, em razão da ocorrência do fato descrito no antecedente da

norma geral e abstrata, tem-se outro ato humano, de aplicação, produzindo uma

nova norma, agora individual e concreta, com fundamento de validade naquela geral

e abstrata, determinando quais os efeitos jurídicos que devem ser imputados em

razão da ocorrência do fato. É o sistema jurídico como um fenômeno autopoiético

gerando a si mesmo, com as próprias normas que o ajustam determinando

mecanismos para criar novas normas e para transformar as existentes.

Desse modo, as normas jurídicas estão interligadas numa estrutura linear,

percorrendo um fluxo que vai da norma geral e abstrata até atingir níveis normativos

máximos de concretude e individualização, para buscar a sua finalidade de regular

os comportamentos humanos.

147 Gabriel IVO, A incidência da norma jurídica: o cerco da linguagem, Revista de direito tributário, n. 79, p. 195. 148 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 11.

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63

Em suma, para que se tenha a produção de uma norma individual e concreta

que venha a irritar o sistema social, é preciso que se percorra o seguinte caminho: (i)

a existência de uma norma geral e abstrata que contenha no seu antecedente a

conotação do fato jurídico; (ii) a ocorrência do evento no mundo fenomênico; (iii) a

comprovação de que esse evento existiu e que seus critérios se encaixam na definição

do fato por meio da linguagem das provas jurídicas; (iv) a incidência da norma

jurídica, com a produção do fato jurídico e a correspondente implicação dos efeitos

jurídicos contidos (v) na norma jurídica individual e concreta produzida.

4.3 O fluxo da causalidade jurídica

O fenômeno da concretização do direito culmina com a produção da norma

individual e concreta. Entretanto, não é fácil presenciar um processo de positivação

do direito de forma linear e simples. Isso porque há várias incidências concomitantes

na fenomenologia jurídica, sendo possível apenas o seu recorte para fins acadêmicos

de descrição do objeto.

Lourival Vilanova percebeu que no direito nem sempre uma só hipótese

implica uma só conseqüência: “Várias hipóteses H’, H’’, H’’’... têm uma mesma

conseqüência C, ou, inversamente, várias conseqüências C’, C’’, C’’’, ... correspondem

a uma só hipótese H”149. Diante da complexidade jurídica, um acontecimento social

pode desencadear diversos fluxos normativos, cada qual estabelecendo efeitos

próprios. É o que Eurico de Santi chama de fluxo de causalidade jurídica: “cordão,

ponto-posponto, formado de normas que se orientam em intermináveis cadeias

normativas e que se difundem nas mais diversas direções, compondo múltiplas

séries causais que entrelaçam, em sua urdidura, os diversos ramos do direito”150.

Cita-se, a título de exemplo, a ação de um filho assassinar o pai. Tal

149 Causalidade e relação no direito, p. 75. 150 Decadência e prescrição no direito tributário, p. 152.

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64

acontecimento estará gerando efeitos na esfera criminal e também no âmbito civil,

com relação ao direito de herança. Há, nesse caso, dois fluxos normativos distintos,

cada qual dando seguimento a uma cadeia de normas distintas; uma delas culminará

com a aplicação ou não da sanção penal em virtude do assassinato, e a outra decidirá

sobre o direito do filho à herança. Assim, a causalidade jurídica pode se dar da

seguinte maneira: um antecedente implica um conseqüente; vários antecedentes

implicam um conseqüente; um antecedente implica vários conseqüentes; vários

antecedentes implicam vários conseqüentes.

O que se pretende deixar assente é que o fenômeno jurídico da positivação

das normas é sobremodo complexo, ocasionando diversos fluxos normativos, cada

um finalizando com a edição de uma norma individual e concreta. Com a edição

desse tipo de norma, o direito esgota o seu processo de positivação. Porém, nada

impede que essa norma dê início a um novo fluxo de causalidade jurídica, como no

caso das normas processuais, por exemplo151.

O presente trabalho vai se dedicar especialmente à análise da cadeia de

positivação de normas que versam acerca da compensação tributária. No entanto,

antes é importante traçar alguns comentários sobre a incidência da norma tributária

que constitui o crédito tributário, e a incidência da norma que culmina com o débito

do Fisco, construindo essas duas cadeias normativas, cada uma com sua

peculiaridade.

4.4 Fontes do direito positivo

Uma ambigüidade comum pertencente às palavras é a processo/produto. É

fruto da utilização do mesmo termo para designar dois significados: um relativo ao

processo, e o outro referente ao produto desse processo. Surge, relata Hospers,

porque “freqüentemente usamos uma palavra para representar um processo, e

151 Confira o tópico 3.2.1.4 do Capítulo 3.

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65

usamos novamente a mesma palavra para representar o produto resultante de tal

processo. Quando alguém diz ‘foram ver a construção’, pode-se querer significar que

foram ver 1) as pessoas no processo de construir algo ou 2) a coisa que foi

construída”152.

O direito convive com essa ambigüidade, pois facilmente se encontra uma

palavra significando ora o processo ora o produto decorrente desse processo. No

direito positivo é possível perceber a existência desse problema semântico. Para isso,

basta analisar o Código Tributário Nacional e se deparar com a expressão

“lançamento tributário”, usada para designar tanto o processo153 como o produto154.

Na Lingüística é feita a diferenciação entre o produto e o processo, usando-se

os termos enunciado e enunciação. O enunciado, conforme Paulo de Barros Carvalho, é

“um conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de

determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para

ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação”155. É a expressão em seu

sentido material, o suporte físico de um signo, ou seja, o produto. Já o processo que

origina o enunciado é denominado enunciação; é o ato produtor do enunciado.

Assim, enunciação é definida como “um conjunto de operações constitutivas de um

enunciado, o conjunto de atos que o sujeito falante efetua para construir, no

enunciado, um conjunto de representações comunicacionais”; e enunciado é o

“produto do ato de produção” 156.

Acontece que a enunciação se perde no tempo e no espaço, restando apenas

os fatos enunciativos. Esses fatos possibilitam a reconstrução da enunciação por meio

152 Introducción al análisis filosófico, p. 29. (tradução livre). No original: “A menudo usamos una palabra para representar un proceso, y usamos de neuvo la misma palabra para representar el producto resultante de tal proceso. Cuando alguien dice ‘fueron a ver la construcción’, puede querer significar que fueran a ver 1) a gente en el proceso de construir algo o 2) la cosa que ha sido construida.” 153 Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. 154 Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149. 155 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 22. 156 Patrick CHARAUDEAU; Dominique MAINGUENEAU, Dicionário de análise do discurso, p. 193-4 e 195.

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66

das marcas lingüísticas encontradas no discurso identificando o emissor, o tempo e o

lugar da enunciação. Percebendo esse problema, Tárek Moussallem, com fulcro nas

lições de José Luiz Fiorin, identifica dois tipos de enunciados: a enunciação-enunciada,

que são essas marcas encontradas no texto que se referem ao processo de enunciação,

e o enunciado-enunciado, que é o texto desprovido das marcas da enunciação157.

Tomando como premissa que o mundo jurídico é construído num universo

de linguagem, tal distinção é importante porque é por meio da enunciação-enunciada

que o operador do direito irá identificar o órgão competente, o espaço, o tempo e o

procedimento do ato produzido158. É mediante a enunciação-enunciada que o jurista

reconstrói a atividade do processo de produção de normas jurídicas, já que a

enunciação se esvai no espaço e no tempo. Em outras palavras, o ato de produção

utilizado pelo emissor da mensagem jurídica somente pode ser identificado pelas

marcas encontradas no texto da mensagem.

Feita essa identificação dos elementos que constituem uma mensagem

lingüística, e aí se inclui a norma jurídica, Tárek Moussallem afirma que a fonte do

direito é a enunciação, isto é, a atividade produtora dos enunciados do documento

normativo, porém ela desaparece no tempo e no espaço159. Assim, fonte do direito é o

processo, e o documento normativo é o produto advindo desse processo. Essa nova

visão sobre o tema fontes do direito rompe com a doutrina tradicional, que considerava

como fontes a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência; refuta-se, com isso, a

dicotomia fonte material/fonte formal160. Considerar-se-á fonte do direito o processo

de produção de normas jurídicas.

É sobremaneira importante a expressão elaborada por Paulo de Barros

Carvalho “instrumentos introdutórios de normas” ao invés de se usar “fontes

157 Fontes do direito tributário, p. 78-9. 158 Tárek MOUSSALLEM, Fontes do direito tributário, p. 80. 159 Ibid. p. 137. 160 Fontes materiais, segundo Maria Helena DINIZ, consistem no conjunto de fatores sociais e axiológicos que determinam a elaboração do conteúdo das normas jurídicas, e fontes formais são os modos de manifestação do direito, Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 280 e seguintes. Ruy Barbosa NOGUEIRA, de modo diverso, define como fontes reais os suportes fácticos das imposições tributárias, Curso de direito tributário, p. 47 e seguintes.

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67

formais”161. É com a enunciação-enunciada presente no documento normativo que se

constrói a norma jurídica geral e concreta162, cuja finalidade é introduzir novas

normas no sistema. O ato de produção de normas, porque se esvai no tempo e no

espaço, reconstruído pelas marcas deixadas no documento normativo, apenas pode

ser identificado pela análise do instrumento introdutor de normas. Por isso, pode-se

falar em normas introduzidas e normas introdutoras, sendo no veículo introdutor de

normas que serão revelados os indícios do procedimento aplicado para a elaboração

do documento normativo, reconstruindo-se a fonte do direito. Contudo, o

documento normativo (produto) somente surge quando a enunciação (processo)

desaparecer.

Com isso, encontram-se em um documento normativo dois tipos de

enunciados: (i) a enunciação-enunciada, que são as marcas de espaço, tempo, emissor

e procedimento produtor do documento; e (ii) o enunciado-enunciado, que são as

disposições normativas.

É no canal físico do sistema comunicacional do direito que o receptor terá o

primeiro contato com a mensagem. Aí se encontra a enunciação-enunciada que

permitirá a construção da norma jurídica veículo introdutor de normas. Retorna-se à

atividade produtora para verificar se o emissor era a pessoa competente e se utilizou

o correto procedimento estampado no direito. É também no canal físico que está

presente o enunciado-enunciado, entendido como o conteúdo da mensagem normativa,

ou seja, aquilo que o direito pretende regular.

A partir desse contato com o plano da literalidade, convencionado por Paulo

de Barros Carvalho como S1163, é que o receptor irá produzir as mensagens jurídicas

(normas jurídicas em sentido estrito), em conformidade com o seu código e

repertório. Por isso, se diz que a partir de um único código (texto de lei) várias

161 Curso de direito tributário, p. 56. 162 “Concreta, porque atesta, em seu antecedente, o fato jurídico exercício da competência, precisamente delimitado em suas coordenadas espaço-temporais (agente x, dia y, na localidade w, praticou o procedimento z) e geral, porque, em seu conseqüente, instaura uma relação jurídica que atribui a todos o dever jurídico (Op) de observar as disposições introduzidas no sistema”, Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na

aplicação do direito tributário, p. 100-1. 163 Confira o Capítulo 3, tópico 3.7.

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68

mensagens jurídicas (normas jurídicas) poderão ser construídas.

4.5 Competência tributária

A expressão competência tributária, como tantas outras no direito, é ambígua,

possuindo diversos significados. Cristiane Mendonça encontrou dez formas de uso

para o termo164. Realizando um processo de elucidação, a autora restringe o conceito

de competência tributária à “autorização conferida pelo direito positivo às distintas

pessoas políticas para a edição e a alteração de normas jurídicas tributárias em

sentido estrito, quer gerais e abstratas, quer individuais e concretas”165. Percebe-se

que a competência não está restrita à produção de normas gerais e abstratas. Há,

ainda, uma acepção mais ampla para a expressão: a autorização para a produção e

modificação de todos os demais dispositivos normativos que versem sobre matéria

tributária166.

Sendo assim, o termo competência tributária pode ser tomado em sentido

estrito, significando a autorização que as pessoas políticas possuem para produzir

novas normas cujo conteúdo trate apenas da instituição de tributos, e em sentido

amplo, quando a permissão é para a produção de qualquer tipo de norma tributária.

Roque Carrazza trabalha com um conceito restrito de competência tributária.

Segundo o ilustre professor, a competência tributária é apenas a legislativa, cujo

escopo é instituir tributos: “competência tributária é a possibilidade de criar, in

abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus

sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”167. Ao se

exercer a competência tributária, observando as lições do autor, estão sendo inseridas

164 Competência tributária, p. 37-8. 165 Ibid. p. 79. Entretanto, em seu trabalho a autora se restringiu apenas ao estudo da norma de competência como autorização para a produção de normas tributárias gerais e abstratas, Ibid, p. 86. 166 Ibid. p. 105. Nesse sentido, Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na aplicação do direito

tributário, p. 81. 167 Curso de direito constitucional tributário, p. 415.

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69

normas gerais e abstratas que versam sobre tributos.

Entretanto, parece que a expressão competência tributária pode ser usada

não só pra designar a aptidão de criar normas gerais e abstratas. Eurico de Santi e

Daniel Peixoto segregam as normas de competência dividindo-as em “competência

legislativa”, para a permissão de se colocarem no sistema normas gerais e abstratas;

“competência administrativa”, como a possibilidade de se criarem normas

individuais e concretas168; “competência privada”, que é a autorização para se

criarem atos no âmbito privado; e “competência judicante”, relativa à solução de

litígios169. Teriam, portanto, autorização para introduzir novas normas no sistema

jurídico os órgãos legislativo, administrativo e judicial, além do particular170. Percebe-

se que, enquanto a competência legislativa está atrelada à edição de normas gerais e

abstratas, as demais se vinculam à produção de normas individuais e concretas.

Trabalhando com a competência legislativo-tributária em sentido estrito, se

produz uma norma jurídica, que, em razão do princípio da homogeneidade

sintática171, possui a mesma estrutura bimembre de todas as normas, ou seja, um

antecedente que implica um conseqüente. Identifica-se como antecedente o fato de

ser pessoa política no território nacional em certo tempo, e como conseqüente a

autorização para distintos sujeitos de direito, de acordo com certos limites formais e

materiais, editarem enunciados prescritivos de tributos e o dever jurídico que a

168 Roque CARRAZZA distingue a competência tributária como a permissão editar normas jurídicas (em sentido lato), da capacidade tributária ativa que consiste no direito de arrecadar o tributo. Curso de direito constitucional

tributário, p. 419. 169 PIS e Cofins na importação, competência: entre regras e princípios. Revista dialética de direito tributário, n. 121, p. 35-6. Cristiane MENDONÇA trabalha com a possibilidade de a competência tributária ser exercida pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Deixa de fora os particulares em razão do objeto do seu estudo que compreende apenas a autorização para a produção de normas gerais e abstratas que instituam tributos. Competência tributária, p. 98-9. 170 O direito positivo não outorga competência para o particular criar normas gerais e abstratas que versem sobre a criação de exações. Apenas é autorizado pelo sistema jurídico a expedir normas individuais e concretas, como o autolançamento e o contrato. 171 Esse princípio determina que as normas jurídicas em sentido estrito (ou regras jurídicas) serão todas compostas na mesma organização sintática: um juízo condicional, que contém um antecedente descreve um fato e o conseqüente prescreve uma relação deôntica entre dois sujeitos de direitos. Opõe-se ao princípio da heterogeneidade semântica, que postula o preenchimento das estruturas sintáticas da norma jurídica conforme livre escolha do legislador.

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70

comunidade tem de respeitar tal exercício172.

As outras normas de competência tributária (administrativa, jurisdicional e

privada) não são construídas com a edição de uma única estrutura lógica como

acontece com a competência legislativa. Alerta Daniel Peixoto que, em se tratando da

autorização para a produção de normas individuais e concretas, não é possível a

construção de uma única norma, mas sim o agrupamento de três normas gerais e

abstratas que irão traçar os critérios para a produção dessas normas: (i) a norma de

competência-desempenho; (ii) a norma de competência formal; e (iii) a norma de

competência material173. Assim, as competências administrativa, judicante e privada

derivam da incidência de três instrumentos normativos.

É importante registrar que as pessoas autorizadas a editar normas têm essa

atividade limitada pelo próprio direito. É o critério delimitador presente no

conseqüente da norma de competência legislativa, desenhado pelos limites materiais

e formais. Os primeiros são restrições quanto ao conteúdo da norma a ser inserida no

sistema; já os formais dizem respeito ao procedimento a ser obedecido para a

realização do ato de produção de normas. Segundo Cristiane Mendonça, é a dupla

finalidade do critério delimitador da autorização: “i) regrar a forma de atuação do

sujeito ativo (enunciação) quando da produção dos dispositivos legais tributários

stricto sensu; ii) fixar o conteúdo dos versículos jurídico-tributários (enunciado-

enunciado) que serão imitidos no mundo jurídico”174.

Na produção de normas individuais e concretas, os limites são postos pelas

172 Cristiane MENDONÇA, Competência tributária, p. 69-70. Pouca diferença se encontra na norma construída por Eurico de SANTI e Daniel PEIXOTO, apenas acrescentam no antecedente certas circunstâncias que devem ou não ocorrer para surgir a autorização de produzir normas, PIS e Cofins na importação, competência: entre regras e princípios. Revista dialética de direito tributário, n. 121, p. 37. 173 Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 85. 174 Competência tributária, p. 130. Para a autora são limites materiais: i) os critérios constitucionais relativos à classificação dos tributos (vinculação à uma atividade estatal; destinação do produto arrecadado e a restituição do valor recolhido); ii) os princípios constitucionais tributários, tanto na acepção de valores como de limite objetivo; iii) as imunidades tributárias. Ibid, p. 181. Semelhante o posicionamento de Eurico de SANTI e Daniel PEIXOTO, PIS e Cofins na importação, competência: entre regras e princípios. Revista dialética de direito tributário, n. 121, p. 38-9. Roque CARRAZZA assevera que o legislador, ao exercitar a competência tributária, está sujeito aos seguintes limites jurídicos: a) observar as normas constitucionais; b) os princípios constitucionais; c) vedação ao confisco; além de outras disposições indiretas, como o direito de propriedade, o direito de exercer atividades lícitas, etc. Curso de direito constitucional tributário, p. 419 et seq.

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três normas que traçam a aplicação do direito. Na norma de competência-

desempenho está a obrigação ou a faculdade de se produzir o ato. Já os requisitos

formais e materiais são descritos pelas outras duas normas.

Com isso, para se inserir uma nova norma no sistema, seja do tipo geral e

abstrata, seja do tipo individual e concreta, não basta que a sua elaboração ocorra por

meio de veículo introdutor próprio de acordo com o procedimento aplicável à

espécie. É imprescindível que os enunciados normativos produzidos tenham o

conteúdo em conformidade com a norma de competência. O emissor da mensagem

deôntica está condicionado ao cumprimento dessas exigências, sob pena de

invalidade da norma editada. Desse modo, uma lei poderá ser declarada inválida

formalmente quando elaborada por órgão incompetente ou quando não seguir o

procedimento descrito pelo sistema (inobservância da norma de competência formal

ou do critério delimitador da norma de competência legislativa); e poderá ser

declarada inválida materialmente quando houver incompatibilidade com o conteúdo

do ato normativo (inobservância da norma de competência material ou do critério

delimitador da norma de competência legislativa).

Analisando o processo de positivação das normas, pode-se dizer que ele se

inicia com o exercício da competência legislativa175, criando as normas gerais e

abstratas. O próximo passo da concretização consiste na aplicação das normas gerais

e abstratas, produzindo normas individuais e concretas, momento em que se

exercem as competências administrativa, judicante ou até mesmo a privada.

Percebe-se, portanto, que todo ato de produção de normas pressupõe uma

norma de competência contendo os requisitos formais e materiais a serem

obedecidos pelo órgão produtor de normas. É na norma de competência que estão

presentes o modo e o processo para se produzirem normas, o órgão competente e o

conteúdo a ser observado. A administração, para aplicar a norma geral e abstrata por

meio do lançamento tributário, produzindo uma norma individual e concreta que

175 É possível o Poder Judiciário e o Poder Executivo exercerem, atipicamente, a função legislativa. Aqui ficaria de fora apenas a competência privada.

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constitui o crédito tributário, deve seguir a norma de competência administrativa que

traz o procedimento a ser seguido pela autoridade administrativa, bem como qual o

conteúdo dessa norma.

É importante registrar que é na norma de competência que se encontram o

procedimento e o conteúdo para a aplicação da norma de compensação, conforme

será visto adiante.

4.5.1 A questão da validade na produção normativa

Várias teorias surgiram para interpretar a validade das normas jurídicas176.

Apesar dessa grande produção sobre o tema, para o presente estudo considera-se

validade como relação de pertinência de uma norma jurídica a um determinado

sistema jurídico177. Nesses termos, validade equivale à existência da norma jurídica.

Por esse motivo, classificar a norma jurídica como válida constitui um pleonasmo

segundo Luís Cesar Souza de Queiroz, já que sua qualificação como não-válida é o

mesmo que dizer que a norma não é jurídica178. Afirmar a norma como jurídica já

pressupõe a sua validade.

Essa posição de que as normas válidas são aquelas pertencentes à

determinado sistema decorre das lições de Hans Kelsen, para quem norma válida é a

produzida em conformidade com as regras ditadas por uma norma superior179.

Entretanto, há um paradoxo presente no sistema jurídico: é possível encontrar

normas que foram introduzidas em desconformidade com os critérios da norma

superior. E essas normas permanecerão no sistema até serem retiradas por outra. É o

que afirma Marcelo Fortes de Cerqueira: “mesmo que as normas veiculadas não

sejam especificamente da competência direta do órgão habilitado que promoveu o

176 Cf. Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, A validade e a eficácia das normas jurídicas, p. 63-86. 177 Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 81. 178 Sujeição passiva tributária, p. 124. 179 Teoria pura do direito, p. 232.

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73

ingresso, ou que o procedimento utilizado não seja o adequado, não há como negar

que houve nessa situação o ingresso de regra jurídica no ordenamento, embora de

forma irregular”180. Como está inserida no sistema, a norma irregular tem aptidão

para produzir efeitos que poderão ser desconsiderados depois com a edição de outra

norma.

Assim, a norma jurídica, uma vez introduzida no sistema jurídico de forma

regular ou irregular, permanecerá válida até que outra venha e a retire da ordem

jurídica. Basta pertencer ao sistema para ser considerada válida. Quando ingressam

no ordenamento positivo, as leis presumem-se constitucionais, ou seja, válidas. De

acordo com Pontes de Miranda, somente o Poder Judiciário é competente para retirar

uma norma do sistema por inconstitucionalidade. Se o Poder Executivo e o

Legislativo deixam de aplicar ou executar alguma lei por reputarem-na inválida

agem por sua responsabilidade. “Qualquer poder pode recusar-se a cumprir a lei,

por lhe parecer contrária à Constituição; mas, se assim procede, é a seu risco que o

faz. Só ao poder a que incumbe sentenciar cabe decretar a inconstitucionalidade das

leis”181.

4.6 Ação, norma e procedimento

O direito positivo cuida das condutas humanas, ou, conforme diz Gregorio

Robles, o direito é um texto cuja função é dirigir as ações dos homens182. Essas ações,

consoante a classificação em normas de estrutura e normas de conduta, podem ser

ações que tratam da criação, modificação ou extinção de normas jurídicas, ou ações

que se referem aos comportamentos humanos propriamente ditos, qualificados pelo

direito como permitidos, proibidos ou obrigatórios. Gabriel Ivo também percebeu

essa dualidade: “Mas o direito não regula apenas a conduta das pessoas nas suas

180 Repetição do indébito tributário, p. 124. 181 Comentários à Constituição de 1967; com a emenda n. 1 de 1969, p. 102. 182 Teoría del derecho: fundamentos de teoria comunicacional del derecho, p. 251.

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relações intersubjetivas. Há uma outra conduta também objeto da disciplina do

direito. A conduta de produzir normas, a ser promovida pelos órgãos competentes

para sua produção, que, por sua vez, são também competentes em face de outras

normas”183.

O direito seleciona quais condutas ou ações deseja regular. Trabalha, nesse

momento, no eixo paradigmático de organização do discurso jurídico184, em que o

legislador possui uma ampla liberdade de escolha dos fatos sociais para imputar à

sua ocorrência o surgimento de certas relações jurídicas. As escolhas feitas

caracterizam os atos de produção de normas ou os comportamentos humanos nas

suas relações intersubjetivas. Apesar de a produção de normas também ser um

comportamento humano, é possível distingui-las daquelas condutas ou ações

reguladas pelo direito que não se caracterizam por produzir normas. Assim, o gênero

condutas humanas (em sentido amplo) se subdivide nas classes comportamentos humanos

(condutas humanas em sentido estrito) e atos de produção de normas. Os comportamentos

são os eventos sociais eleitos pelo legislador para fazer parte do antecedente das

normas de conduta, regulando-os como permitido, obrigatório ou proibido. Por

exemplo: a ação de matar, a ação de realizar operações com produtos

industrializados, a ação de comprar, etc.

Tal elucidação é importante para esclarecer o uso do termo procedimento neste

trabalho. Porém, é fácil perceber a confusão, pois usa-se a mesma palavra para

designar situações diversas. É procedimento o conteúdo da norma de estrutura; é

procedimento a ação de produzir normas; como também é procedimento o

comportamento humano. Quando o emissor deseja produzir uma mensagem jurídica

(procedimento), sua ação deve necessariamente observar as regras descritas por uma

norma superior (procedimento). O destinatário da norma, para realizar um

comportamento humano (procedimento) nela descrito, deve seguir as notas

prescritas (procedimento). Para se concretizar a conduta de homicídio, o sujeito, no

183 Norma jurídica: produção e controle, p. XXVI. 184 Clarice ARAUJO, Semiótica do direito, p. 29.

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universo ontológico, tem de matar alguém, e este só será um comportamento

humano relevante para o direito, se o procedimento for realizado consoante aquele

descrito no art. 121 do Código Penal. Caso contrário, não se trata de homicídio.

Como é possível notar, procedimento, norma e ação são aspectos de um

mesmo fenômeno. Mais uma vez recorre-se a Gregorio Robles, para quem “onde há

ação, há procedimento, e também há norma. São três conceitos que se co-implicam,

que vão acompanhados sempre. Não é possível pensar em um sem o relacionar de

imediato com os outros dois”185. Em razão dessa proximidade dos termos, muitas

vezes se utiliza a mesma expressão para designá-los. No direito, pode-se observar

esse problema com a palavra contrato, por exemplo, que pode significar: (i) a norma

geral e abstrata que traz os requisitos para se elaborar o contrato; (ii) o fato de se

elaborar um contrato; (iii) a norma individual e concreta produzida; (iv) o

instrumento contrato. Por isso, com a finalidade de se evitarem essas ambigüidades,

parte-se para elucidar ação e procedimento, já que ficou consignado ser norma jurídica,

em sentido estrito, ou regra jurídica, aquele enunciado de estrutura dúplice,

composto por um antecedente e um conseqüente186.

Para esclarecer o uso da palavra ação, é preciso rememorar o binômio

evento/fato jurídico. Evento é aquele acontecimento do plano social despido de

linguagem jurídica e, portanto, situado fora do ordenamento. Fato jurídico é o

acontecimento relatado em linguagem competente, apto a produzir efeitos

jurídicos187. Para existir fato jurídico, é preciso uma norma jurídica concreta que o

constitua; antes, trata-se de mero evento. Percebe-se que há três momentos que

podem ser definidos por ação: (i) a descrição conotativa no antecedente da norma

geral e abstrata; (ii) o seu acontecimento no mundo fenomênico (evento); e (iii) o fato

jurídico. Regressando ao exemplo do homicídio: qual a ação de matar alguém? A

descrita na norma geral e abstrata, a sua ocorrência (evento), ou o fato jurídico?

185 Teoría del derecho: fundamentos de teoria comunicacional del derecho, p. 265. (tradução livre). No original: “donde hay acción, hay procedimiento, y también hay norma. Son tres conceptos que se coimplican, que van acompañados siempre. No es posible pensar uno sin relacionarlo de inmediato con los otros dos.” 186 Confira Capítulo 3, item 3.2. 187 Veja tópico 4.2 acima.

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76

Utilizar-se-á ação como sinônimo de evento, já que consagrada a expressão fato

jurídico. Mas, para designar os caracteres que um evento precisa ter para ingressar

no conjunto dos fatos jurídicos descritos no antecedente de uma norma geral e

abstrata, prefere-se o termo procedimento. Qual o procedimento para realizar a ação

de homicídio? Basta olhar o art. 121 do Código Penal.

Como se falou mais de uma vez, o direito regula dois tipos de condutas: os

comportamentos humanos (ação) e os atos de produzir normas. A falta de clareza no

uso de norma, procedimento e ação também aparece quando se trata da atividade

produtora de enunciados prescritivos. Nessa fenomenologia existe norma geral e

abstrata, evento e fato jurídico, tudo dentro do processo de positivação daquelas

normas que regulam as formas de criação, modificação ou extinção do direito.

Acima já se restringiu o uso de ação para significar aquele acontecimento

ainda não relatado em linguagem jurídica. Dentro do processo de positivação das

normas de estrutura, a atividade produtora (ação) dos enunciados normativos,

também chamada de enunciação, é a fonte do direito. Esse é o entendimento de Tárek

Moussallem, que define como fonte do direito “a atividade exercida por órgão

credenciado pelo sistema do direito positivo, que tem por efeito a produção de

normas”188. Desse modo, ao se subdividirem as condutas humanas, encontrou-se a

subclasse dos atos humanos produtores de normas, o que nada mais é do que a fonte do

direito.

Para efetuar a produção de normas, o emissor tem de seguir o procedimento

traçado pelo direito tanto para produzir normas gerais e abstratas quanto para inserir

normas individuais e concretas. Assim, todo ato de produção de novas normas no

sistema jurídico pressupõe a observação a um procedimento prescrito pelo próprio

direito. São os limites formais previstos no conseqüente das normas de competência

legislativa, ou normas procedimentais. O emissor da mensagem jurídica não pode

produzi-la como bem entender, ao contrário, deve seguir uma série de diretrizes

impostas pelo direito. Diante da pergunta: qual o procedimento para se produzir o

188 Fontes do direito tributário, p. 138. Confira também item 4.4 desse Capítulo.

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77

ato-norma de lançamento tributário?, deve-se procurar no próprio direito a sua

resposta: o art. 142 do CTN.

Ao produzir normas gerais e abstratas, o emissor (legislador) observará a

norma jurídica de competência legislativa. No conseqüente de sua estrutura

bimembre estão os critérios delimitadores da autorização de produção de novas

normas. Aí está descrito o procedimento eleito pelo direito para se inserir uma nova

norma no sistema. Caso o legislador infraconstitucional deseje instituir uma lei

ordinária que verse sobre o imposto de renda, deverá necessariamente caminhar

conforme a norma de competência prescrita na Constituição Federal: (i) quem pode

apresentar o projeto de lei (art. 61); (ii) onde se inicia a votação do projeto: Câmara ou

Senado (art. 64); (iii) a forma de aprovação do projeto (art. 69); (iv) a revisão, por uma

Casa, do projeto de lei aprovado por outra (art. 65); (v) a sanção ou veto do

Presidente da República (art. 66).

Todo esse percurso, traçado pelo próprio direito, há de ser percorrido pelo

legislador que quiser inserir um veículo introdutor de normas no sistema jurídico do

tipo lei ordinária. Esse foi o procedimento escolhido pelo constituinte. Caso o emissor

da mensagem jurídica venha a se desvencilhar desse trajeto, essa norma poderá ser

considerada inválida. Diz-se poderá, porque, mesmo não produzida pelo órgão

competente e sem seguir o procedimento, uma norma pode pertencer ao sistema até

ser dele retirada por outra norma.

Ao dar seguimento ao processo de positivação de normas, o ato de aplicação,

que gera a norma individual e concreta, também pressupõe um procedimento. É

nesse sentido a afirmação de Tércio Ferraz Jr.: “aplica-se o direito, por um

procedimento, à realidade social”189.

Para que exerça a competência administrativa, a Administração deve seguir à

risca os dizeres legais para colocar no sistema a norma individual e concreta do

lançamento tributário. É o direito que determina quem pode/deve efetuar o

lançamento; em que momento; de que forma e qual o seu conteúdo. O mesmo alerta

189 Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 93.

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78

serve para os particulares ao criarem um contrato, por exemplo. Sem produzir o

contrato em conformidade com o Código Civil, esse instrumento não terá valor para

o direito. O juiz, ao emitir normas individuais e concretas por meio do veículo

introdutor sentença, não pode realizar essa ação de produção de normas como bem

entende, sob pena de tornar-las inválidas, já que há um rito específico a obedecer.

Eurico de Santi define procedimento como “o fato jurídico que se configura

pelo agir do agente público competente”190. Também é a afirmação de Gabriel Ivo,

para quem “procedimento, ou seja, a série de atos necessários para a postura de uma

norma jurídica, também significa fato jurídico”191. Acontece que esse procedimento

(como fato jurídico) tem de estar previsto, conotativamente, em uma norma de

estrutura, que determina como deve agir o emissor. Só será fato jurídico com a edição

do veículo introdutor, linguagem competente para constituí-lo.

Em posição diversa da dos autores, entende-se procedimento, em sentido

estrito, como as notas, os caracteres, os critérios presentes numa norma de estrutura

ou de competência, que traça qual o percurso que o emissor da norma deve obedecer

para inseri-la no sistema jurídico. É o aspecto formal da produção normativa.

Como deve proceder o cientista do direito para verificar se uma norma foi

produzida de acordo com o procedimento exigido pelo direito? Percebe-se que é no

veículo introdutor que se encontrarão os indícios do procedimento aplicado para a

elaboração do diploma normativo. É na enunciação-enunciada do documento

normativo que ficam as marcas indicadoras de como a norma foi posta no

ordenamento jurídico. Por aí é que o intérprete deve iniciar o processo de

investigação para se aferir a validade formal de uma norma.

O percurso de positivação do direito, mesclando ações, normas e

procedimentos, pode ser projetado da seguinte forma: (i) previsão na Constituição

para se produzir uma norma geral e abstrata de conduta (norma de competência

legislativa que descreve um procedimento); (ii) ação de produção da norma geral e

190 Lançamento tributário, p. 160. 191 A incidência da norma jurídica: o cerco da linguagem, Revista de direito tributário, n. 79, p. 190.

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79

abstrata (fonte do direito); (iii) a norma geral e abstrata; (iv) ação de se realizar o fato

descrito no antecedente da norma geral e abstrata (evento ou fato social); (v) ação de

realizar a incidência do fato sobre norma (fonte do direito), conforme (vi) regras de

estrutura que versem sobre a produção de uma norma individual e concreta (norma

de competência administrativa, judicial ou particular, contendo um procedimento);

(vii) a norma individual e concreta. Somente após todo esse percurso é que uma

norma jurídica atinge seu nível máximo de concretude e individualidade, visando

irritar o subsistema social.

Retornando para a dualidade processo/produto, o procedimento está para o

processo e o seu resultado; o veículo introdutor está para o produto. Paulo de Barros

Carvalho, tratando do lançamento tributário, apresenta a sua distinção para norma,

ato e procedimento: “Norma, no singular, para reduzir as complexidades de

referência aos vários dispositivos que regulam o desdobramento procedimental para

a produção do ato (i); procedimento, como a sucessão de atos praticados pela

autoridade competente, na forma da lei (ii); e ato, como o resultado da atividade

desenvolvida no curso do procedimento (iii)”192.

Nesse percurso produtor de normas, preferem-se as expressões: (i) norma de

competência; (ii) fonte do direito ou ação de produção de normas; e (iii) veículo

introdutor de normas àquelas. Assim, reservar-se-á o termo procedimento para

significar os critérios previstos nas normas de estrutura que devem ser seguidos

quando se tratar da produção de novas normas jurídicas no sistema.

4.7 A fenomenologia da produção normativa

Há duas condutas que são regidas pelo direito: os comportamentos humanos

e a produção de normas. Ambas reguladas por normas jurídicas. A criação de

enunciados normativos depende da norma de produção jurídica. É o direito criando

192 Direito tributário, linguagem e método, p. 438.

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suas próprias realidades. Como a norma jurídica para ser inserida no ordenamento

depende de uma atividade enunciação, esse processo será regulado pelo direito

positivo. A enunciação não permanece no sistema, restando apenas seu produto, ou

seja, o documento normativo produzido. Por isso Gabriel Ivo declara que a

enunciação não tem imanência193. Assim, para se estudar o processo de produção de

normas, parte-se da análise do produto, cotejando-o com as regras de estruturas

previstas pelo direito posto. Em outras palavras, somente a partir do momento em

que for inserida uma mensagem jurídica, abre-se a possibilidade de se conhecer o seu

modo de produção.

O direito é criado mediante ação realizada por uma pessoa competente

seguindo um procedimento previsto numa norma de estrutura. É um mero evento

para o direito. Acontece que esse agir humano desaparece no tempo e somente é

resgatado na enunciação-enunciada do documento normativo. A produção

normativa também é um fato jurídico que surge com a incidência da norma de

produção. Lourival Vilanova explica: “As normas de organização (e de competência)

e as normas do ‘processo legislativo’, constitucionalmente postas, incidem em fato e

os fatos se tornam jurígenos. O que denominamos ‘fontes do direito’ são fatos

jurídicos criadores de normas: fatos sobre os quais incidem hipóteses fácticas, dando

em resultado normas de certa hierarquia”194.

Gabriel Ivo também vê a produção de normas como fato jurídico: “A

incidência das normas de produção normativa ocorre no momento em que o fato

jurídico da enunciação é traduzido em linguagem. Isso ocorre por meio da

enunciação enunciada. O fato jurídico do processo de produção jurídica está

localizado no antecedente da norma concreta e geral, construído por intermédio da

enunciação enunciada”195. É, portanto, na enunciação-enunciada que se encontram as

marcas do processo de produção de normas.

Nota-se que a produção normativa também possui uma fenomenologia de

193 Norma jurídica: produção e controle, p. 40. 194 Causalidade e relação no direito, p. 56. 195 Norma jurídica: produção e controle, p. 42.

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incidência de normas. Há normas que revelam como se deve agir para que outra seja

inserida no sistema, o que ocorre com a incidência da norma de estrutura. Descreve-

se a produção normativa desta forma: (i) norma de estrutura que contém as regras

referentes ao procedimento (norma de competência formal ou critério delimitador

formal da norma de competência legislativa); (ii) ação de produzir normas

(enunciação); (iii) norma geral e concreta veículo introdutor que constitui o (iv) fato

jurídico de produção de normas.

O veículo introdutor decorre da aplicação de uma norma geral e abstrata. É

da aplicação da norma de competência que surge a norma introdutora de outras

normas gerais e abstratas ou individuais e concretas. Nessa norma introdutora estão

presentes os elementos que permitem confirmar se a ação produtora foi realizada de

acordo com os limites formais estabelecidos pelo direito. “A construção dessa norma,

concreta e geral, que deixa evidente o processo de positivação do direito, sua faceta

dinâmica, é possível a partir da enunciação enunciada”196.

A atividade produtora de normas é limitada pelo próprio direito, tanto o seu

procedimento quanto o seu conteúdo estão prescritos por outras normas jurídicas.

Na norma de competência legislativa, são os critérios delimitadores que tratam da

forma de atuação do emissor na produção dos dispositivos legais, bem como fixam o

conteúdo dos enunciados inseridos no sistema. Já nas demais competências, a

administrativa, a privada e a judicante, que basicamente inserem normas individuais

e concretas no ordenamento, há, pelo menos, duas normas que regulam a produção:

a norma de competência formal e a norma de competência material197. A primeira é

formada por um antecedente que contém “os critérios que irão orientar a atividade

de enunciação (pessoa, espaço, tempo e procedimento) e, no conseqüente, a prescrição do

dever geral de obediência aos enunciados introduzidos em função daquela

atividade”198. Essa norma regula as ações que tratam da criação, modificação ou

extinção de normas jurídicas. Agora, a norma de competência material orienta as

196 Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 66. (grifo do original). 197 Ver item 4.5 acima. 198 Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 135.

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82

ações que se referem aos comportamentos humanos propriamente ditos, por isso

possui os critérios para a composição do fato jurídico no seu antecedente e, no

conseqüente, a relação jurídica a ser instaurada com o acontecimento do fato.

Percebe-se, então, que a enunciação é uma atividade regulada pelo direito.

Como ela não é perdurável, sua “reconstrução” somente é possível por meio da

enunciação-enunciada contida no documento normativo, originando-se uma norma

concreta e geral, o veículo introdutor de normas.

Mais uma vez entra em cena o princípio da homogeneidade sintática das

normas jurídicas: a norma veículo introdutor também é composta por uma estrutura

bimembre, o antecedente e o conseqüente ligados por um modal “dever-ser”. Por ser

concreta, traz descrito no antecedente o fato jurídico da produção de normas, em sua

feição denotativa, precisamente delimitado quanto ao sujeito, ao procedimento e às

coordenadas espaço-temporal. Esse fato implica o seu conseqüente, que instaura uma

relação jurídica obrigando todos, por isso geral, a observar o conteúdo (enunciado-

enunciado) introduzido no sistema.

O fato jurídico da produção normativa pode ser assim descrito: o exercício da

competência pelo sujeito x, em conformidade com o procedimento y, no dia z, no

local w. São esses elementos presentes na enunciação-enunciada que permitem a

(re)construção da enunciação como atividade produtora de normas. Tais marcas, que

remetem ao contexto extralingüístico do ato da enunciação, são denominadas

dêiticos pela lingüística.

Os dêiticos presentes na enunciação-enunciada do documento normativo

possibilitam identificar: (i) o agente emissor da mensagem normativa; (ii) o

procedimento utilizado; (iii) o local da produção; e (iv) o momento em que foi

produzido o documento normativo. O veículo introdutor será uma norma produzida

sem vícios formais se os dêiticos descritos observarem os critérios da norma de

estrutura.

O dêitico de autoridade refere-se à pessoa que emitiu o veículo introdutor.

Indica que a norma de competência foi aplicada pelo sujeito autorizado fazendo

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83

surgir uma nova norma. “A enunciação-enunciada recorta, por meio do dêitico de

autoridade, parte da enunciação e lança-a para o enunciado, com a finalidade de

dizer que o texto produzido o foi por meio da autoridade autorizada a fazê-lo”199.

Outra informação que pode ser obtida com o dêitico de autoridade é sobre o

âmbito territorial de vigência do instrumento normativo inserido200. Assim, um

enunciado colocado no sistema por um Estado-membro somente poderá produzir

efeitos dentro dos limites desse Estado-membro. Já uma lei federal aplica-se em todo

o território brasileiro. É, portanto, no dêitico de autoridade que se encontram as notas

sobre a aplicação territorial de uma norma.

Mais uma vez se recorre às marcas da enunciação para demonstrar o dêitico

do procedimento. Aqui estão presentes as indicações sobre a forma a ser seguida

para se elaborar o documento normativo. O seu modo de produção é identificado

pelo nome que recebe o veículo introdutor. Desse modo, como salienta Gabriel Ivo,

um documento pertence à categoria de lei porque em seu corpo físico está grafado o

termo lei201. Daí decorre que foram aplicadas as normas reguladoras do procedimento

de criação de uma lei.

O local onde ocorreu o processo de criação do documento normativo é

identificado pelo dêitico de espaço. Essa marca na enunciação-enunciada define o

local onde foi exercida a competência para a criação de uma norma. A importância

desse dêitico ressalta que uma mensagem jurídica não pode ser emitida em qualquer

lugar, mas sim onde as autoridades estão juridicamente situadas.

Por fim, o dêitico de tempo revela o exato instante em que a norma ingressou

no sistema. A data presente no texto normativo aponta o fim da atividade de

enunciação. É fundamental para se definir quando o veículo criado passou a ter

validade no mundo do direito.

Após essa breve exposição, pretende-se identificar todos os elementos até

aqui mencionados no documento normativo abaixo colacionado:

199 Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 72. 200 Ibid. p. 72. 201 Ibid. p. 69.

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84

LEI Nº 11.687, DE 2 JUNHO DE 2008. Dispõe sobre a instituição do “Dia Nacional do Imigrante Italiano” e dá outras providências.

O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º É instituído o “Dia Nacional do Imigrante Italiano” a ser anualmente comemorado no dia 21 de fevereiro, em todo o território nacional. Art. 2º (VETADO) Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 2 de junho de 2008; 187º da Independência e 120º da República. JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA Fernando Haddad Gilberto Gil

No diploma normativo apresentado, a enunciação-enunciada possibilita

identificar: (i) o sujeito emitente da norma, no caso o Vice-Presidente e o Congresso

Nacional; (ii) o momento em que foi inserida no sistema, o dia 02 de junho de 2008;

(iii) o local onde foi produzida, Brasília; e (iv) o procedimento adotado, que é o

específico das leis ordinárias descrito na Constituição Federal. São os dêiticos que

permitem a construção da atividade de produção normativa. Já o enunciado-

enunciado é formado pelos artigos fonte de produção da norma jurídica em sentido

estrito de criação do dia do imigrante italiano.

A norma corretamente inserida no sistema deve seguir à risca o

procedimento descrito por este, sob pena de ser declarada inválida. Esse vício formal

é detectado pelo cotejo entre a norma geral e abstrata que apresenta as regras de

competência para produção de enunciados prescritivos e o veículo introdutor de

Enunciação-enunciada

Enunciado-enunciado

Enunciação-enunciada

Dêitico de procedimento

Dêitico de tempo

Dêitico de autoridade

Dêitico de autoridade

Dêitico de espaço

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normas (dêitico de procedimento). É pelo produto que se constrói a atividade de

produção de normas e se verifica se ela foi inserida corretamente no sistema.

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86

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO

JURÍDICA TRIBUTÁRIA

5.1 Uma breve análise sintática da relação jurídica

Podem-se definir relações como as funções proposicionais diádicas ou

poliádicas, compostas, portanto, de duas ou mais variáveis202. É uma das formas de

apresentação do predicado, que podem ser monádicos, ou unitários, quando

expressam propriedades que um único objeto pode possuir203, como “a árvore é

verde”, “José é feliz”, ou podem ser poliádicos (binários, ternários, etc.) conforme

apresentam relações entre dois ou mais indivíduos. Em linguagem formal, as

relações são descritas da seguinte maneira: x R y, que significa ”o indivíduo ou objeto

x tem a relação R com o indivíduo ou objeto y”; em que o tópico de predecessor é

ocupado por x e o de sucessor por y, sempre se referindo à relação R.

A relação jurídica, por ser relação antes mesmo de ser jurídica, requer seu

estudo com fundamento na lógica, precisamente no capítulo dos Predicados

Poliádicos, que investiga as regras de formação e transformação das relações. É nos

precisos termos do cálculo relacional que a relação jurídica, como espécie do gênero

relação, será modificada ou extinta. É, também, por esse ramo da lógica que se

analisam as três propriedades das relações aplicadas às relações jurídicas:

reflexibilidade, simetria e transitividade.

A relação será reflexiva quando acontecer que cada objeto esteja em relação

consigo mesmo204. Em outras palavras, o objeto tem relação perante si mesmo: x R x,

ou seja, a relação é válida para predecessores e sucessores idênticos. Entretanto, há

vínculos que nunca podem ser reflexivos, tais como, “maior que”; “pai de”; “mais

202 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de filosofia, p. 844. 203 W. H. NEWTON-SMITH, Lógica: um curso introdutório, p. 193. 204 Ibid. p. 196.

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velho que”, etc. As relações jurídicas são exemplos de relações irreflexivas, pois não é

possível estar, juridicamente, em relação consigo mesmo205. Seria um sem-sentido

deôntico o sujeito estar permitido, proibido ou obrigado consigo mesmo. É o que

afirma Lourival Vilanova206, para quem:

Direitos, faculdades, autorizações, poderes, pretensões, que se conferem a um sujeito-de-direito estão em relação necessária com condutas de outros sujeitos-de-direito, portadores de posições que se colocam reciprocamente às posições do primeiro sujeito-de-direito, condutas qualificadas como deveres jurídicos em sentido amplo. Para se marcar tais posições, reciprocamente contrapostas, denominam-se sujeito-de-direito ativo e sujeito-de-direito passivo.

Sendo assim, no direito as relações se dão entre sujeitos distintos, já que o seu

objeto é regular condutas intersubjetivas; não interessa o comportamento do ser

humano perante si mesmo. Há, na relação jurídica, um sujeito ativo que possui um

direito subjetivo em face de um sujeito passivo detentor de um dever jurídico. Tal

relação pode ser formalizada da seguinte forma: Sa R Sp.

A simetria consiste na propriedade das relações que estabelece a igualdade

entre a relação e a sua conversa. A relação conversa é a obtida pela inversão da

ordem de seus membros, em que o sucessor passa para o lugar do predecessor e este

assume a posição do sucessor. Assim, “A é irmão de B” é o mesmo que “B é irmão de

A”. No direito não existe essa identidade, por isso é uma relação assimétrica. A

relação jurídica conversa é sempre distinta: o sujeito ativo tem um direito subjetivo

em face do sujeito passivo, enquanto o sujeito passivo tem um dever jurídico em face

do sujeito ativo. Os exemplos que comprovam a assimetria no mundo do direito são

inúmeros: se x é o locador em face de y, este será o locatário em razão de x; se w é o

credor de z, este será o devedor em relação a w, etc.

A propriedade da transitividade se configura quando um objeto x está numa

relação com y; e se y está em relação com w, pode-se concluir que x está em relação

com w. Por exemplo: “João é mais velho que Pedro”, e “Pedro é mais velho que José”;

205 Cf. Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 151. 206 Causalidade e relação no direito, p. 121.

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então “João é mais velho do que José”. Tendo em vista essa propriedade, o direito,

em termos operacionais, se mantém indiferente, “podendo os vínculos jurídicos

apresentar-se com o caráter transitivo ou intransitivo, segundo os interesses políticos

atinentes à regulação da conduta”207. Por esse motivo, pode ser considerada com uma

relação semitransitiva.

5.2 Descrevendo a relação jurídica: um conceito fundamental

O conceito de relação jurídica é tido como fundamental, pertencendo o seu

estudo à Teoria Geral do Direito208. Conceito fundamental é aquele que delimita o

campo de objetos de uma ciência específica. Desse conceito, outros decorrem. Por

isso, afirma Lourival Vilanova que o conceito fundamental tem duas funções: (i)

delimitar o campo de objetos próprio da ciência; e (ii) articular a multiplicidade dos

conceitos numa coerente sistematização lógica209. Assim, o conceito de relação

jurídica permeia todos os âmbitos jurídicos, não sendo específico do direito civil,

penal, administrativo ou tributário, delimitando a própria ciência do direito. Os

conceitos fundamentais são indefinidos, sendo a única opção para o exegeta

descrevê-los, ora evidenciando suas notas essenciais constituintes, ora indicando seu

campo de aplicação210.

Com isso, descreve-se a relação jurídica211 como um vínculo entre dois sujeitos

distintos com a finalidade de se cumprir certa prestação. De plano, identificam-se

dois elementos presentes na relação jurídica, o subjetivo e o prestacional. O primeiro

207 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 153. 208 Lourival VILANOVA, Causalidade e relação no direito, p. 238. 209 Sobre o conceito de direito, Escritos jurídicos e filosóficos, p. 10. 210 Lourival VILANOVA, Causalidade e relação no direito, p. 234. 211 É importante ressaltar que a expressão relação jurídica é ambígua, possuindo vários significados. Luís Cesar de Souza QUEIROZ encontrou sete acepções para o termo: a) relação entre o homem e a norma; b) relação entre a norma e o fato; c) relação entre a norma e a conduta; d) relação internormativa – entre normas; e) relação intranormativa – dentro da norma abstrata e geral, entre o antecedente e o conseqüente; f) relação existente no conseqüente da norma abstrata e geral; g) relação determinada e individualizada, que é efeito da incidência da norma abstrata e geral, Sujeição passiva tributária, p. 210.

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consiste nos sujeitos postos em relação entre si: o sujeito ativo, titular do direito

subjetivo de exigir certa prestação, e o sujeito passivo, que possui o dever de cumprir

a conduta. O outro elemento, o prestacional, trata diretamente da conduta,

modalizada como obrigatória, proibida ou permitida. É aqui que se encontra a

prestação que satisfaz ao direito subjetivo do sujeito ativo e, ao mesmo tempo, ao

dever jurídico do sujeito passivo da relação jurídica. Esses elementos se entrelaçam

num vínculo abstrato, que pode ser representado da seguinte forma:

Sa Obj Sp

Direito subjetivo Dever jurídico

Os elementos de uma relação jurídica são cinco: (i) o sujeito ativo, titular de

um (ii) direito subjetivo de exigir uma (iii) prestação do (iv) sujeito passivo, que, por

sua vez, tem o (v) dever jurídico de cumpri-la.

5.3 A relação jurídica obrigacional

Uma classificação das relações jurídicas interessante ao presente estudo é

sobre o seu objeto, cujo critério seletivo é o caráter patrimonial da prestação. Assim,

segregam-se as relações jurídicas conforme a prestação ser ou não suscetível de

avaliação econômica. Na hipótese de ser possível essa avaliação, as relações serão

obrigacionais212; no caso de impossibilidade, serão vínculos não-obrigacionais. Dessa

212 Deve-se alertar que a palavra obrigação, como tantos outros termos no direito, também é multissignificativa, conforme afirma Maria Helena DINIZ: “O termo obrigação contém vários significados, o que dificulta sua exata delimitação na seara jurídica. (...) Juridicamente, emprega-se esse vocábulo em acepções diferentes; afirma-se, p. ex., que o inquilino tem a obrigação de pagar o aluguel; que o mandatário é obrigado a aceitar a revogação do mandato ordenada pelo mandante; que os cidadãos são obrigados a pagar imposto de renda, conforme sua capacidade contributiva; que o réu tem obrigação de contestar o pedido formulado pelo autor ou os fatos em que a pretensão se funda; que os rapazes, em certa idade, são obrigados a cumprir serviço militar.” Curso de direito

civil brasileiro, p. 29. Orlando GOMES também encontra diversas acepções para o termo obrigações, sendo comumente usada para designar toda a relação obrigacional, Obrigações, p. 11.

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90

feita, quando se fala em obrigação, significa dizer que se está diante de uma relação

jurídica cujo objeto prestacional é de natureza patrimonial. Maria Helena Diniz

afirma que a prestação da obrigação precisará ser patrimonial, “pois é imprescindível

que seja suscetível de estimação econômica, sob pena de não constituir uma

obrigação jurídica”213. Também tal entendimento pode ser observado em Orlando

Gomes: “a relação obrigacional é um vínculo jurídico entre duas partes, em virtude do

qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de interesse da

outra, que pode exigi-la, se não for cumprida espontaneamente, mediante agressão

ao patrimônio do devedor”214.

Como é possível notar, a relação jurídica tributária em sentido estrito é uma

obrigação, porquanto consiste na conduta de o contribuinte entregar uma quantia em

dinheiro ao Fisco. O art. 3º do CTN estipula o tributo como uma prestação

pecuniária, garantindo o caráter nitidamente patrimonial ao vínculo tributário.

Entretanto, há outras relações na seara tributária que não tratam diretamente do

tributo. Seu objeto é uma prestação que consiste numa obrigação de fazer ou não-

fazer.

Esses dois tipos de relações jurídicas tributárias são denominados pelo CTN,

no art. 113, de obrigação principal e obrigação acessória. As primeiras seriam aquelas

relações que têm por objeto o pagamento do tributo. Já as obrigações acessórias

possuem como objeto as prestações, positivas ou negativas, previstas no interesse da

arrecadação ou da fiscalização dos tributos. A principal distinção entre ambas

consiste no fato de que o objeto da obrigação principal é de cunho patrimonial,

enquanto as acessórias não têm essa característica. Por esse motivo, Paulo de Barros

Carvalho achou melhor denominá-las deveres instrumentais ou formais, e assim

explica o porquê: “Deveres, com o intuito de mostrar, de pronto, que não têm

essência obrigacional, isto é, seu objeto carece de patrimonialidade. E instrumentais

ou formais porque, tomados em conjunto, é o instrumento de que dispõe o Estado-

213 Curso de direito civil brasileiro, p. 39. 214 Obrigações, p. 10.

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91

Administração para o acompanhamento e consecução dos seus desígnios

tributários”215.

Com isso, reserva-se a expressão obrigação tributária para assinalar a relação

jurídica tributária que consiste no pagamento do tributo. Para as demais relações,

como o preenchimento de documentos, a formalização do crédito, usam-se deveres

instrumentais ou formais.

Deve-se ressaltar a posição de José Souto Maior Borges, para quem é possível

a existência de obrigações patrimoniais e não-patrimonias, porquanto há a expressa

previsão no CTN de obrigações não-patrimoniais: as obrigações acessórias216. De

acordo com os ensinamentos do autor, somente pelo fato de a obrigação acessória

não ser patrimonial, atribuir-lhe outra denominação é uma mera troca de rótulos que

não atinge a linguagem-objeto217. Desse modo, existiria uma simples impropriedade

técnica, sem retirar a validade do § 2º, do art. 113 do CTN218. Demonstra a sua crítica

do seguinte modo:

A asserção de que toda obrigação é patrimonial consiste na metalinguagem doutrinária por meio da qual se pretende descrever, entre outros, o art. 113, § 2º, do CTN (linguagem objeto). E como esse dispositivo contempla hipótese de obrigação não patrimonial, segue-se que essa proposta não corresponde à realidade normativa que pretende descrever. Noutros termos: não há confirmação, na linguagem do objeto, da metalinguagem que pretende descrevê-lo219.

Em suma, o autor não distingue as obrigações pelo seu objeto ser patrimonial

ou não, uma vez que o sistema do direito positivo prevê a existência de obrigações

não-patrimoniais. Entretanto, apesar da ressalva, manter-se-á a distinção entre

deveres instrumentais e obrigações tributárias.

215 Curso de direito tributário, p. 294. 216 Obrigação tributária: uma introdução metodológica, p. 81. 217 Ibid. p. 76. 218 Ibid. p. 63. 219 Ibid. p. 101.

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92

5.4 Relação jurídica efectual e relação jurídica intranormativa

A relação jurídica foi descrita como o vínculo entre dois sujeitos distintos em

torno da prestação de um objeto (S’ R S’’). Na estrutura lógica das normas, compostas

por um antecedente e um conseqüente ligados pelo conectivo “dever-ser”, as relações

jurídicas estão presentes no suposto da norma, prescrevendo a conduta que o direito

deseja que seja realizada com o acontecimento do fato jurídico descrito no prescritor.

Na norma geral e abstrata há as notas, as características, os critérios que

possibilitam a construção da relação jurídica formal. Nesses termos, ainda não se tem

o vínculo jurídico concreto, caracterizado pela eficácia jurídica do evento descrito na

norma. Para Lourival Vilanova, para que existir a relação jurídica, não é suficiente a

sua previsão em uma norma jurídica, é também necessário o fato jurídico, resultado

da incidência da hipótese da norma jurídica220. É como conclui o saudoso professor

pernambucano: “sendo a relação jurídica eficácia de pressupostos fácticos, vindo

depois da realização do fato (pela causalidade jurídica), a relação jurídica é concreta,

individuada. É a realização, a concreção da conseqüência jurídica, como o fato jurídico é a

realização da hipótese fáctica. Nesse sentido, descabe falarmos em relações jurídicas

abstratas”221.

Em virtude dessa complexidade presente na identificação da relação jurídica,

Eurico de Santi elucida a distinção separando a relação jurídica em efectual

intranormativa: as efectuais não possuem revestimento lingüístico, enquanto as

intranormativas apresentam suporte físico lingüístico decorrente das normas

individuais e concretas222. As relações jurídicas efectuais decorrem do fato social e,

embora não revestidas de linguagem jurídica competente, já possuem os elementos

da relação determinados. Porém, é com a constituição do fato jurídico que se

propagam os efeitos prescritos no conseqüente da norma, aptos a regular de forma

efetiva os comportamentos humanos, com a instituição da relação jurídica

220 Causalidade e relação no direito, p. 235. 221 Ibid. p. 187. (grifo do original). 222 Lançamento tributário, p. 78.

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93

intranormativa, com conteúdo bastante preciso: direitos e deveres individualizados.

Para que exsurja a relação jurídica intranormativa, é necessário que a relação jurídica

efectual esteja relatada em linguagem jurídica competente.

Paulo de Barros Carvalho considera a relação jurídica como um enunciado

fáctico223. Desse modo, quando se afirma que ocorrido o fato nasce a relação jurídica,

têm-se aí dois fatos: o fato-causa (fato jurídico) e o fato-efeito (relação jurídica).

Assim, fato jurídico pode ser: (i) o fato jurídico stricto sensu, enunciado protocolar e

denotativo, declarando um evento que ocorreu no passado e que assume a forma

sintática dos predicados monádicos: S é P; e (ii) o fato jurídico relacional, igualmente

na forma de enunciado protocolar e denotativo, só que voltado para o futuro,

prescrevendo que, a partir de determinado momento, uma conduta será permita,

proibida ou obrigatória por um sujeito perante outro, revestindo a forma dos

predicados poliádicos: Sa R Sp224. Ambos estão previstos conotacionalmente na

norma geral e abstrata, com a diferença que os critérios determinantes que no fato

jurídico em sentido estrito estão localizados no antecedente, e os do fato relacional,

no conseqüente da norma.

Essa ressalva é sobremodo importante para o andamento do presente

trabalho, porquanto, uma relação jurídica, por ser um enunciado, somente será

modificada ou extinta por existência de outro enunciado. No direito, tal enunciado

será necessariamente de igual ou superior hierarquia. É o que afirma Paulo de Barros

Carvalho: “Um enunciado jurídico-prescritivo somente poderá ser alterado ou

extinto por força de outro enunciado jurídico-prescritivo de mesma ou de superior

hierarquia”225. Assim, uma norma somente poderá ser retirada do sistema por outra

norma igual ou superior hierarquicamente.

223 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 137-8. 224 Ibid. p. 141. 225 Ibid. p. 139.

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94

5.5 A obrigação tributária

Feita essa singela abordagem acerca das relações jurídicas, pode-se seguir

adiante identificando os elementos da obrigação tributária. A obrigação consiste no

vínculo jurídico de conteúdo patrimonial entre dois sujeitos distintos, titulares,

respectivamente, de direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos. Desse modo, a

obrigação tributária, por também pertencer à classe das relações jurídicas, é

composta pelos elementos comuns a todas as relações jurídicas: o subjetivo e o

prestacional.

O elemento subjetivo é formado pelo núcleo ativo e passivo. Na obrigação

tributária os sujeitos de direito postos em relação são o ativo, que possui o direito

subjetivo de exigir um valor a título de tributo, e o passivo, com o dever de cumprir a

conduta que corresponda à exigência do sujeito ativo.

O segundo componente da obrigação tributária consiste no comportamento

de entregar certa quantia aos cofres públicos. Esse valor é determinado pelo cotejo da

alíquota com a base de cálculo, determinando o montante pecuniário a ser pago pelo

sujeito passivo para cumprimento da prestação. O objeto do comportamento consiste

no total a ser recolhido.

A obrigação tributária efectual está descrita no conseqüente da regra-matriz

de incidência tributária, em que se acharão os sujeitos ativo e passivo possíveis, bem

como a base de cálculo e a alíquota que, conjugadas, permitirão individualizar o

quantum debeatur. Já na obrigação tributária intranormativa, esses elementos estão

efetivados em linguagem jurídica competente, identificando os sujeitos da relação e

dando liquidez e exigibilidade ao objeto prestacional: o tributo.

Deve-se alertar que a relação jurídica tributária sempre envolve o tributo.

Mais uma vez o legislador foi infeliz ao determinar que a obrigação tributária tem

por objeto o pagamento de penalidade pecuniária (art. 113, § 1º do CTN). O art. 3º do

CTN exclui do conceito de tributo a prestação decorrente de sanção de ato ilícito.

Essa confusão entre os artigos mencionados foi percebida por Ricardo Lobo Torres,

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95

que assinala a seguinte solução: “Sucede que a penalidade pecuniária é cobrada junto

com o crédito tributário. Daí porque o CTN, impropriamente, assimilou-a ao próprio

tributo. Mas é irretorquível que tem ela uma relação de acessoriedade com referência

ao tributo e nesse sentido deve ser interpretado o art. 113, § 1º”226.

Acontece que essa parte final do § 1º, do art. 113, não pode ser confundida

com a relação jurídica tributária, sob pena de se desvirtuar o conceito de tributo. Na

verdade são dois vínculos distintos, a obrigação tributária e a relação jurídica

sancionadora, que não podem ser tratados com se fossem a mesma coisa. A

obrigação tributária não tem por objeto o pagamento de penalidade tributária.

226 Curso de direito financeiro e tributário, p. 236-7.

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96

6 A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

6.1 Definindo as expressões crédito tributário e débito do fisco

Reiteradas vezes foi explicitado neste trabalho que o direito não consegue se

expressar a não ser por meio de uma linguagem competente. Se não houver

linguagem, não haverá normas jurídicas e, por conseqüência, não haverá direito. Por

isso, somente haverá a constituição das relações jurídicas com a edição de uma

norma individual e concreta que apresenta, em seu antecedente, o fato jurídico como

um enunciado protocolar e, no seu conseqüente, o fato jurídico relacional que

estabelece a conduta devida.

No âmbito tributário, a relação jurídica determina que, uma vez ocorrido o

fato jurídico tributário, o contribuinte está obrigado a recolher certa quantia em

dinheiro aos cofres públicos, denominada obrigação tributária em conformidade com

o art. 113 do CTN. Todavia, podem-se encontrar outras relações jurídicas tributárias

diversas dessa que tratam da constituição e cobrança do tributo. É o caso da relação

jurídica em que o Fisco surge no pólo passivo, titular do dever jurídico de pagar uma

quantia ao contribuinte.

Note-se que essas são duas relações jurídicas existentes no direito tributário,

mas não as únicas. Entretanto, para esta dissertação, a relação que constitui o crédito

tributário e a que constitui o débito do Fisco são sobremaneira importantes, devendo

ser estudadas com maior afinco. Motivo que leva a utilizar termos distintos para

identificar de qual das duas obrigações está se tratando. Eurico de Santi as

denominou crédito tributário e débito do Fisco, usando como critério classificatório a

função do sujeito Fisco presente nessas relações: “crédito tributário é o direito

subjetivo do Fisco de receber a prestação patrimonial; débito do Fisco, o dever jurídico

do Fisco de devolver determinada quantia em dinheiro ao sujeito passivo (direito

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97

subjetivo do contribuinte)”227. Expressões estas que serão utilizadas neste trabalho. A

relação jurídica tributária que contém o crédito tributário é a obrigação tributária, e a

relação de débito do fisco é aquela em que o Fisco está presente no critério subjetivo

passivo.

Sabe-se, porém, que essas relações decorrem imediatamente do ato de

aplicação que dá curso ao processo de positivação do direito. São relações jurídicas

intranormativas. Sem a produção da norma individual e concreta, não existirá nem

crédito tributário nem débito do Fisco.

Doravante, utilizar-se-á a expressão relação de crédito tributário (ou obrigação

tributária) quando o Fisco figurar no pólo ativo da relação jurídica tributária e o

termo relação de débito do fisco sempre que o pólo passivo de uma relação jurídica

tributária for ocupado pela Fazenda Pública. Há relações de débito do fisco que podem

ser diferenciadas em razão da origem da prestação pecuniária objeto da relação

jurídica. Desse modo, é possível ter relação de débito do fisco quando há (i) o fato

jurídico do pagamento indevido ou a maior; (ii) o fato jurídico dos créditos para fins

de não-cumulatividade dos tributos; (iii) o fato jurídico de antecipação do pagamento

do tributo (retenção na fonte); (iv) o fato jurídico do reembolso nos casos de

empréstimo compulsório. Mais adiante, tratar-se-á especificamente de cada relação

de débito do fisco, demonstrando o fato que ocasiona o seu nascimento228.

6.2 O processo de positivação de constituição do crédito tributário

Apesar de se demonstrar acima um uso para a expressão crédito tributário, é

evidente que ele não é o único em decorrência da ambigüidade do termo. Marcelo

Fortes de Cerqueira demonstra essa polissemia ao precisar algumas acepções para

227 Decadência e prescrição no direito tributário, p. 98. 228 Capítulo 8.

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98

crédito tributário229.

Paulo de Barros Carvalho define crédito tributário de forma restrita,

representando apenas o direito subjetivo do sujeito ativo de uma obrigação

tributária230. Em contrapartida, em virtude da fenomenologia das relações jurídicas,

há o dever de adimplir o objeto, que é designado de débito tributário. Com isso, a

obrigação tributária pode ser estruturada da seguinte forma:

Sa $ Sp

Crédito tributário Débito tributário

O crédito tributário, portanto, constitui um dos elementos da obrigação

tributária. Assim, com a inserção da norma individual e concreta que determina a

obrigação tributária, institui-se, também, o crédito tributário. Não há como ter uma

obrigação sem crédito ou crédito sem obrigação. Percebe-se que este estudo não se

coaduna com a teoria dualista, em que a obrigação surgiria com a ocorrência do

evento (fato gerador) e o crédito seria constituído apenas com o ato de lançamento231.

Defende-se aqui que o crédito tributário nasce no exato instante em que exsurge a

obrigação, ou seja, com o relato em linguagem competente do direito, em virtude da

aplicação da regra-matriz. É o que pensa também Ricardo Lobo Torres: “A obrigação

e o crédito não só se extinguem com também nascem juntamente”232.

O processo de positivação é o caminho percorrido desde as normas de maior

generalidade e abstração até chegar aos máximos níveis de concretude e

229 Repetição do indébito tributário, p. 187 et seq. 230 Curso de direito tributário, p. 366. 231 A teoria dualista considera distintos o momento da constituição do crédito e o da obrigação tributária. Nas palavras de Ruy Barbosa NOGUEIRA: “O crédito tributário, em substância, tem a mesma natureza da obrigação, por ser dela decorrente ou extraído. Há entre eles uma separação no tempo ou em dois momentos: a obrigação nasce com a lei e a realização do fato tributável como ‘pretensão’; o crédito decorre da obrigação, mas depende para sua determinação de um procedimento administrativo ou de constituição formal, isto é, de declaração de sua existência, quantia, identificação do devedor, e para a sua exigibilidade ou eficácia depende da notificação deste ao devedor para pagar o débito no prazo legal ou assinado. A obrigação, enquanto pretensão, é indeterminada, ao passo que o crédito é sua própria determinação”. Curso de direito tributário, p. 291. (grifo do original). 232 Curso de direito financeiro e tributário, p. 237.

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99

individualidade, com o escopo de regular as condutas humanas. No que tange ao

crédito tributário, a cadeia normativa se encerra com a norma individual e concreta

que constitui os elementos da obrigação tributária, identificando individualmente os

sujeitos ativo e passivo e o exato montante do valor a ser pago. Somente se diz que

surgiu o crédito tributário quando se der a aplicação da norma geral e abstrata que

contém as notas referentes ao fato jurídico tributário e à relação jurídica efectual,

fazendo-a incidir sobre um evento ocorrido concretamente. Daí irrompe o laço

obrigacional.

A análise da fenomenologia do crédito tributário identifica os seguintes

elementos do processo de positivação: (i) a norma geral e abstrata, ou, conforme a

denominação de Paulo de Barros Carvalho, a regra-matriz de incidência tributária233;

(ii) a ocorrência do evento no mundo social; (iii) o ato de aplicação; (iv) a norma

individual e concreta que constitui o crédito tributário.

6.3 A regra-matriz de incidência tributária

A regra-matriz de incidência tributária é norma jurídica geral e abstrata, cuja

finalidade é apresentar os critérios que permitem identificar o fato jurídico tributário

no seu antecedente e a relação jurídica tributária no seu conseqüente. Uma vez

concretizado, o fato jurídico descrito dará origem à relação tributária intranormativa,

caracterizando a obrigação tributária e definindo, assim, a incidência do tributo.

Pode-se verificar no antecedente da regra-matriz a presença dos elementos

que possibilitam reconhecer qual o evento que, ocorrido no mundo fenomênico,

ensejará a aplicação da própria regra-matriz, resultando numa linguagem individual

e concreta. O conseqüente dessa norma tributária em sentido estrito alude aos efeitos

jurídicos que tal acontecimento irá desencadear, estabelecendo os sujeitos da

obrigação tributária e o seu objeto.

233 Curso de direito tributário, p. 242.

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100

Assim, por meio dos critérios da regra-matriz se identificam o fato jurídico

tributário e a relação jurídica a ser instaurada, definindo a incidência do tributo. Seus

elementos estão distribuídos desta forma: no antecedente há os critérios material,

temporal e espacial, enquanto na conseqüência estão presentes o critério pessoal,

contendo o sujeito ativo e o sujeito passivo da obrigação, e o critério quantitativo

constituído, pela base de cálculo e pela alíquota do tributo.

6.3.1 O antecedente da regra-matriz de incidência tributária

Conforme já referido, o antecedente da regra-matriz de incidência tributária

traz consigo as notas, os critérios, os caracteres que possibilitam identificar o evento

que, ocorrido, irá instaurar a relação jurídica tributária. Para isso, é composto pelos

critérios material, espacial e temporal. Aqui está previsto, de forma abstrata, o fato

jurídico tributário.

O critério material estabelece um acontecimento do mundo social, que, uma

vez relatado em norma individual e concreta, irá ensejar a relação jurídica tributária.

Pode ser considerado como o núcleo do antecedente, formado por um verbo e seu

complemento, por exemplo: “auferir renda”, “vender mercadorias”, “industrializar

produtos”, “importar produtos estrangeiros”, entre outros. Esse aspecto, conjugado

com o espacial e o temporal, permite identificar os caracteres que um evento precisa

ter para poder se tornar fato jurídico tributário.

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101

Já no critério espacial se encontram as notas utilizadas para identificar o lugar

onde se deve dar a consumação do evento, para que seja possível a aplicação da

norma geral e abstrata. Somente poderá ser fato jurídico o evento que se realizar no

local determinado pelo critério espacial. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a

delimitação desse elemento pode-se dar de três formas:

a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares234.

Assim, o critério espacial serve para identificar onde o evento tem de ocorrer

para que se dê a sua subsunção à regra-matriz de incidência tributária. É mais um

aspecto a ser observado pelo enunciado protocolar que constitui o fato jurídico

tributário.

O último elemento do antecedente da regra-matriz, o critério temporal, é que

“permite identificar a condição que atua sobre determinado fato (também

representado abstratamente – critério material), limitando-o no tempo”235. Geraldo

Ataliba define o critério temporal como a propriedade da hipótese de incidência

utilizada para “designar (explícita ou implicitamente) o momento em que se deve

reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível”236. Aparece explícita

ou implicitamente porque tal critério pode vir expresso ou não no texto legal.

Enquanto o critério espacial traz as notas que permitem identificar onde deve

acontecer o evento, o critério temporal serve para identificar quando acontece o

evento. A partir de então, com a linguagem competente, surgirá a relação tributária

com o Estado no pólo ativo detentor de um direito subjetivo de exigir que o sujeito

passivo cumpra seu dever: o pagamento do tributo.

234 Curso de direito tributário, p. 262. 235 Paulo de Barros CARVALHO, Teoria da norma tributária, p. 134. 236 Hipótese de incidência tributária, p. 94.

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102

6.3.1.1 Tempo do fato e tempo no fato

Aqui é importante apresentar uma distinção feita por Paulo de Barros

Carvalho entre tempo do fato e tempo no fato237. Na fenomenologia da incidência da

norma jurídica, percebe-se que a norma geral e abstrata é fundamento de validade

para a edição de uma norma individual e concreta, desde que aconteça no mundo

fenomênico o evento descrito no antecedente da norma geral e abstrata. Assim,

identificam-se os seguintes marcos temporais: o da ocorrência do evento no mundo

fenomênico e o da constituição do fato jurídico tributário.

Tempo do fato, segundo o ilustre professor da USP e da PUC/SP, serve para

demarcar o instante em que o enunciado denotativo ingressa no ordenamento

jurídico por meio das normas individuais e concretas, constituindo os direitos e

deveres correlatos. Por sua vez, tempo no fato consiste no momento da ocorrência de

um evento, porém somente haverá acesso a essa data com a linguagem competente.

Por isso, o antecedente da norma individual e concreta volta-se para o passado,

declarando um evento que ocorreu.

Um exemplo pode ajudar a compreender a distinção: (i) há no sistema

jurídico uma norma geral e abstrata que determina: dado o fato de ser proprietário

de um imóvel na cidade de São Paulo no dia 1º de janeiro de cada ano, deve ser a

obrigação de o proprietário pagar 3% do valor venal do imóvel à Prefeitura de São

Paulo a título de IPTU; (ii) acontece no mundo fenomênico o evento de João ser

proprietário de um imóvel em São Paulo no dia 1º de janeiro do ano de 2008; (iii) no

dia 12 do mês de março de 2008, a Prefeitura de São Paulo efetua o lançamento

tributário (norma individual e concreta); dado o fato de João ser proprietário de

imóvel na cidade de São Paulo no dia 1º de janeiro de 2008, deve ser a obrigação de

pagar o valor X para a Prefeitura a título de IPTU. Identifica-se em t(ii) o momento

em que ocorreu o evento, ou conforme a terminologia acima, o tempo no fato ocorre

em t(ii). Já em t(iii) há o tempo do fato, pois é nesse instante que a norma individual e

237 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 130 et seq.

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103

concreta ingressa no sistema jurídico.

Tal distinção é importante para determinar as normas a serem aplicadas, pois

há duas condutas distintas envolvidas. A primeira consiste no comportamento

humano a ser regulado, e a segunda é a produção da norma individual e concreta do

lançamento. Assim, há a incidência de duas normas: a geral e abstrata, que determina

os critérios necessários para se conceituar um fato jurídico (norma de conduta), e a de

competência (no caso, competência administrativa), cujo conteúdo contém a forma

(procedimento) como o emissor da norma individual e concreta deve agir (norma de

estrutura). Trata-se de um problema de vigência. O aplicador faz incidir a regra em

vigor no momento em que se realizou o evento para se constituir o fato jurídico

(norma de conduta) que corresponde ao tempo no fato. E a norma de competência, a

ser aplicada, referente ao ato de produção de outra norma, é aquela em vigor no

tempo do fato, isto é, a vigente no momento da produção da norma individual e

concreta. Voltando ao exemplo do IPTU, a norma a ser aplicada para a constituição

do fato jurídico tributário é aquela em vigor no dia 1º de janeiro de 2008; e a norma a

ser aplicada para a produção do lançamento é aquela em vigor no dia 12 de março de

2008.

O tempo do fato permite identificar o procedimento e o órgão competente para

a feitura de novos enunciados prescritivos, ou seja, “os atos relativos à estruturação

formal do enunciado jurídico serão governados pela legislação que estiver em vigor no

momento de sua realização”238. O tempo no fato está relacionado com o acontecimento do

evento no mundo fenomênico, sendo a legislação aplicável a vigente na data a que o

fato se refere, ou seja, a data do evento239.

238 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 131. 239 Ibid. p. 132.

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104

6.3.2 O conseqüente da regra-matriz de incidência tributária

O conseqüente dessa estrutura lógica normativa indica a relação jurídica

tributária formal instaurada entre dois sujeitos-de-direitos que não se confundem, e

tem como objeto uma prestação pecuniária, o pagamento do tributo. Desse modo, no

conseqüente têm-se as notas que permitem a identificação do liame obrigacional,

reconhecendo os sujeitos ativo e passivo no critério pessoal e a importância da

prestação pecuniária a ser solvida no critério quantitativo.

É por meio do critério pessoal que se identificam os sujeitos da obrigação

tributária formal. Consoante demonstrado, o conseqüente de uma norma traz uma

relação jurídica entre dois sujeitos distintos, S’ R S’’, em que S’ não pode ser S’’: é o

seu caráter irreflexivo.

O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária.

Em regra, o sujeito ativo, como credor da obrigação tributária, é o Estado em sentido

amplo. Mas nem sempre isso ocorre. Há previsões no direito positivo que permitem

a outra pessoa figurar no pólo ativo; inclusive nada impede que venha a ser uma

pessoa física240. Não se deve confundir o titular da competência tributária com o

portador da capacidade tributária ativa. O primeiro está autorizado a inserir novas

normas no sistema, enquanto o segundo é aquele que pode figurar no pólo ativo da

obrigação tributária. Não precisam ser necessariamente a mesma pessoa.

O sujeito passivo, contudo, é de determinação um pouco mais complexa do

que o sujeito ativo em virtude das figuras estipuladas pelo Código Tributário

Nacional. Via de regra é o contribuinte, ou seja, aquela pessoa de quem se exige o

cumprimento da obrigação tributária, o titular da capacidade tributária. Segundo

Luís Cesar de Souza Queiroz, o critério pessoal passivo “é o que informa os sinais

necessários para identificar o sujeito de direito da relação jurídica tributária,

denominado sujeito passivo, que está obrigado (modal obrigatório – “O”) a entregar

(conduta modalizada – “p”) certa quantia em dinheiro, equivalente à parte (alíquota)

240 Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 301.

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105

da riqueza (base de cálculo) de que é titular, a outro sujeito de direito (sujeito

ativo)”241.

Em decorrência do princípio constitucional da capacidade contributiva, o

sujeito passivo de uma relação jurídica tributária só pode ser o titular da riqueza

mensurável constante no critério material da regra-matriz de incidência tributária. É

o que reza a definição prevista no artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código

Tributário Nacional. E esse sujeito seria denominado contribuinte.

Entretanto, deve-se alertar que a própria legislação tributária trouxe outras

possibilidades de sujeição passiva. É o que aduz o artigo 128 do CTN: “Sem prejuízo

do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade

pelo crédito a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,

excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter

supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Desse modo, além

do contribuinte, é possível determinar a outrem a obrigação de se realizar a conduta

de pagar tributo242.

O outro critério presente no conseqüente da regra-matriz é o quantitativo,

cujas notas servem para dimensionar o valor do tributo a ser recolhido. É composto

pela base de cálculo e pela alíquota.

A base de cálculo é um critério abstrato que serve para mensurar a conduta

prevista no antecedente da regra-matriz. Empreendendo um maior rigor científico,

afirma Aires Barreto: “consiste a base de cálculo na descrição legal de um padrão ou

unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato

tributário”243. As funções da base de cálculo para Paulo de Barros Carvalho são: (i)

função mensuradora, quando serve para medir as proporções reais do fato; (ii)

função objetiva, porque a base de cálculo é usada para compor a específica

determinação da dívida; e (iii) função comparativa, em que a base de cálculo serve

241 Sujeição passiva tributária, p. 179. 242 Para maior análise das possibilidades de responsabilidade tributária ver: Luís Cesar Souza de QUEIROZ, Sujeição passiva tributária, p. 184 et seq. 243 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, p. 51.

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106

como parâmetro para confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material

do antecedente normativo244.

A alíquota é o aspecto quantitativo que, conjugado com a base de cálculo,

define o valor do tributo a ser recolhido aos cofres públicos. Esse critério “é a quota

(fração), ou parte da grandeza contida no fato imponível que o estado se atribui

(editando a lei tributária)”245.

6.4 O ato de aplicação da regra-matriz de incidência tributária

Para que surja a obrigação tributária e, conseqüentemente, o crédito

tributário é necessário um ato humano de aplicação que resultará na norma

individual e concreta em decorrência da operação lógica de subsunção do fato à

regra-matriz. Pelo sistema do direito positivo, esse ato de aplicação poderá ser feito

pela Administração mediante o lançamento tributário, ou pelo particular por meio do

lançamento por homologação ou autolançamento. São atos diversos, pois praticados por

sujeitos distintos. É o que ensina Paulo de Barros Carvalho: “o subsistema prescritivo

das regras tributárias prevê a aplicação por intermédio do Poder Público, em

algumas hipóteses, e, em outras, outorga esse exercício ao sujeito passivo, de quem se

espera, também, o cumprimento da prestação pecuniária”246. Entretanto, nada

impede que outras pessoas possam emitir a mensagem jurídica individual e concreta

que determinará a prestação pecuniária, desde que permitidas por lei247. Porém,

devido ao objeto do presente trabalho, restringir-se-á a análise da constituição do

crédito pelo particular e pela autoridade administrativa.

244 Curso de direito tributário, p. 330 et seq. 245 Geraldo ATALIBA, Hipótese de incidência tributária, p. 114. 246 Curso de direito tributário, p. 373. 247 Ressalta-se o disposto no art. 114 da CF, VIII, que estipula à Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Nessa situação haveria a constituição do crédito pelo Juiz do Trabalho, nas palavras de Paulo Cesar Baria de CASTILHO, “o juiz irá executar de ofício, sem lançamento, o crédito tributário decorrente da sentença condenatória proferia pela Justiça Especializada”. Crédito tributário sem lançamento e execução de ofício da contribuição previdenciária pela Justiça do Trabalho, Revista dialética de direito tributário, n. 89, p. 63.

Page 108: Tiago Cappi Janini.pdf

107

Embora esses dois atos sejam ponentes de normas individuais e concretas no

ordenamento do direito positivo, há duas cadeias distintas de positivação para a

constituição do crédito tributário, cada uma organizada por regimes jurídicos

diferentes: a realizada mediante ato de aplicação da autoridade administrativa, por

meio do lançamento tributário, e a movimentada por ato de aplicação do particular,

realizado pelo autolançamento. Passa-se, abaixo, a descrever esses processos de

positivação.

6.5 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de

aplicação da autoridade administrativa

O art. 142 do CTN outorga a competência administrativa para a produção do

veículo introdutor lançamento tributário contendo a norma jurídica individual e

concreta denotando o fato jurídico e a obrigação tributária. O emissor dessa norma é

a autoridade administrativa e seu destinatário, o contribuinte. Eis mais um fluxo da

causalidade jurídica tributária, cujo enfoque está voltado para a constituição do

crédito tributário.

6.5.1 Acepções para a expressão lançamento tributário

Para se produzir uma norma individual e concreta, é imprescindível que o

emissor obedeça aos ditames legais que trazem as regras de elaboração do

documento normativo. Com o direito tributário não é diferente. O ato de aplicação de

produção de uma nova norma no sistema deve observar as normas de estrutura que

estabelecem o procedimento para a inclusão de nova norma no sistema, a pessoa

Page 109: Tiago Cappi Janini.pdf

108

competente para produzi-la, bem com o lugar e o tempo de sua elaboração.

A norma individual e concreta que constitui o crédito tributário é inserida no

ordenamento segundo uma regra específica (procedimento e órgão competente). No

direito positivo há dois procedimentos para a produção dessa norma: aquele

realizado pela autoridade administrativa, e aquele outro materializado pelo

particular. Note-se que a autoridade administrativa e o particular têm certos limites

formais e materiais a serem, obrigatoriamente, seguidos.

Descrevendo o eixo de positivação movimentado pela autoridade

administrativa, encontra-se no seu final a norma individual e concreta produzida

pelo lançamento tributário. A autoridade administrativa, diante de um evento

concreto que se subsume aos critérios contidos na regra-matriz de incidência

tributária, deve realizar o ato de aplicação, produzindo a norma que constitui o fato

jurídico tributário e prescreve a relação jurídica individualizada com o exato valor a

ser pago a título de tributo.

A autoridade administrativa, ao realizar o ato de aplicação, tem de observar

duas normas jurídicas: a regra-matriz de incidência tributária, e a norma

procedimental, ou de competência formal, segundo Daniel Peixoto248, que estabelece

o órgão fiscal e o procedimento para elaboração de outras normas.

O art. 142 do CTN dispõe que a autoridade administrativa deve constituir o

crédito tributário pelo lançamento e o define como o procedimento administrativo

tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,

determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o

sujeito passivo e, se for o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Apesar dessa descrição do que é lançamento tributário feita pelo art. 142 do

CTN, esse termo não escapa do problema da polissemia. Suas divergências

semânticas decorrem, principalmente, da fenomenologia da incidência da norma

jurídica tributária. Como já se demonstrou, há a ação humana de se elaborar o

instrumento normativo; a norma jurídica que descreve a forma de se realizar esse

248 Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 88.

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109

fato; a norma introduzida; e o seu veículo introdutor. Aí aparece o problema: todos

esses fenômenos são chamados de lançamento tributário. Eurico Marcos Diniz de Santi

encontrou dez significações para o emprego do termo “lançamento”249. Dentre as

possíveis acepções apresentadas pelo autor, interessa, no presente estudo, esclarecer

duas: uma referente ao procedimento administrativo, cuja finalidade é constituir o

crédito tributário; e outra referente ao produto desse procedimento, a norma

individual e concreta que constitui o crédito. Eis a ambigüidade processo/produto

presente mais uma vez, em que o mesmo termo é usado para designar tanto o

processo quanto o produto resultado desse processo. Já Paulo de Barros Carvalho

considera lançamento tributário como a norma do veículo introdutor, ao defini-lo

como “o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e

vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma

individual e concreta (...)”250. Mais adiante arremata: “O ato jurídico administrativo

de lançamento é ponente de u’a norma individual e concreta no sistema do direito

positivo, funcionando como um veículo introdutor”251.

Para elucidar a ambigüidade processo/produto, Eurico de Santi propõe a

seguinte convenção: “ato-fato, ao fato da autoridade administrativa que configura o

fato jurídico suficiente do ato-norma; e este, ato-norma, à norma individual e concreta

produzida por esse ato-fato, deixando a expressão ‘ato administrativo’ para designar

o gênero que envolve estas duas espécies”252. Há, então, o ato-fato administrativo de

lançamento e o ato-norma administrativo de lançamento. O primeiro indica o

processo a que a autoridade administrativa deve obedecer para realizar o ato-norma

de lançamento, que, por sua vez, representa a norma individual e concreta que

constitui o crédito. Ainda falta a acepção de lançamento como o veículo introdutor

de normas.

249 Lançamento tributário, p. 145-6. 250 Curso de direito tributário, p. 390. Também acatam lançamento tributário na acepção de veículo introdutor Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 167; e Marcelo Fortes de CERQUEIRA, Repetição do indébito tributário, p. 199. 251 Curso de direito tributário, p. 410. 252 Lançamento tributário, p. 89.

Page 111: Tiago Cappi Janini.pdf

110

Como já foi dito, o processo de produção de normas se esvai no tempo,

restando apenas suas marcas no enunciado, é com a enunciação-enunciada que se

constrói a norma do veículo introdutor. Eis a afirmação de Tárek Moysés

Moussallem: “Pela leitura das orações que compõem a enunciação-enunciada

construímos uma norma jurídica já denominada veículo introdutor, que é resultado

da aplicação da norma sobre produção jurídica”253. Com isso, o ato-fato do

lançamento tributário é efêmero, só sendo construído por meio da enunciação-

enunciada do documento lançamento. A norma do veículo introdutor que insere no

sistema a norma individual e concreta formalizadora do crédito tributário também se

denomina lançamento tributário. Nessa norma se encontram os dêiticos que permitem

construir o fato jurídico de produção dos enunciados prescritivos, confrontando-os

com o procedimento descrito na norma de estrutura.

Em suma, diante do eixo de positivação de normas que institui o crédito

tributário por meio de aplicação da autoridade administrativa, verifica-se o uso da

expressão lançamento tributário para designar: (i) o fato jurídico criador da norma

individual e concreta (enunciação); (ii) a norma jurídica veículo introdutor

(enunciação-enunciada); (iii) a norma individual e concreta que constitui o crédito

(enunciado-enunciado); e (iv) o suporte físico que contém os enunciados da norma

veículo introdutor e da norma individual e concreta. Com base nessas observações,

constata-se que a discussão acerca de o lançamento ser procedimento ou ato254 é

estéril255, porquanto lançamento tributário significa tudo isso, dependendo do seu

emprego pelos utentes da linguagem.

Nunca é demais repetir que o nascimento da obrigação tributária só se dá por

253 Fontes do direito tributário, p. 138. Nesse sentido ver também Daniel Monteiro PEIXOTO, Competência

administrativa na aplicação do direito tributário, p. 100. 254 Há grande discussão doutrinária acerca de o lançamento ser ato ou procedimento. Parece que a discussão recai na dualidade processo/produto. O lançamento será procedimento caso se faça alusão à forma da inclusão da norma individual e concreta no sistema. Por outro lado, será ato que for o resultado do procedimento. 255 Para Guibourg, Ghigliani e Guarinoni os homens das leis são os campeões em inventar debates estéreis e “dedicados desde hace muchos siglos a inventar clasificaciones y a trazar sutiles (y siempre convenientes) distinciones, escriben extensos argumentos sobre la naturaleza jurídica del matrimonio, del préstamo a la gruesa o de las asignaciones familiares. Todos estos problemas son insolubles si se los plantea de esa manera, porque su solución no depende de la realidad ni de la naturaleza sino de ciertas decisiones clasificatorias y lingüísticas”, Apud. Tárek Moysés MOUSSALLEM, Classificação dos tributos: uma visão analítica, Tributação e processo, p. 603.

Page 112: Tiago Cappi Janini.pdf

111

meio de uma norma individual e concreta. Nesse caso, têm-se duas condutas: (i) o

fato jurídico tributário; e (ii) a produção do ato-norma lançamento. Com isso, há a

incidência de duas normas: (a) a regra-matriz; e (ii) a norma de estrutura do

lançamento tributário (art. 142 do CTN). Essa última estabelece o procedimento a ser

obedecido pela autoridade administrativa para produzir o documento normativo

lançamento tributário (enunciação-enunciada).

6.5.2 O processo de produção do ato-norma lançamento

A norma individual e concreta que constitui o crédito tributário é resultado

da atividade produtora de norma realizada pela autoridade administrativa. O ato-

fato lançamento tributário consiste no fato jurídico produtor de normas individuais e

concretas. Como é um ato de enunciação, o ato-fato se perde no tempo, restando

apenas as marcas registradas no enunciado. É construído pela enunciação-enunciada

presente no documento lançamento tributário, modelando o fato jurídico produtor

da norma lançamento tributário.

Essa conduta está descrita numa norma geral e abstrata que contém os

critérios de autoridade, procedimento, tempo e espaço conotativamente previstos.

Não há fato ainda, apenas as marcas necessárias para se qualificar um evento como

fato jurídico. Essa norma está prevista no art. 142 do CTN, que descreve o trajeto a

ser seguido pela autoridade para inserir o ato-norma administrativo.

O procedimento a ser observado pela autoridade administrativa consiste na

verificação da ocorrência do fato jurídico por meio da linguagem das provas, com a

apuração do exato valor do tributo devido e a penalidade aplicável, se for o caso,

identificando individualmente o contribuinte. Conforme alerta Daniel Monteiro

Peixoto, por se tratar de atividades intelectivas, é preciso também “a formalização em

linguagem, ou seja, a atividade de enunciação de toda esta operação lógica de

subsunção, demonstrando-se os fundamentos de fato e de direito que levaram à

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112

prática do ato, bem como as relações jurídicas com seus termos subjetivos e objetivos

devidamente identificados”256. É inevitável que a mensagem chegue ao destinatário,

por isso a necessidade da notificação expressa ao sujeito passivo para que se encerre

o procedimento.

Contudo, somente é possível atingir a atividade produtora do ato-norma

lançamento com os dêiticos encontrados no veículo introdutor de normas

(enunciação-enunciada). O fato jurídico produtor de normas é composto pelos

dêiticos de autoridade, de procedimento, de espaço e de tempo. O conseqüente é a

prescrição que todos devem respeitar a norma introduzida. Esses dêiticos e a relação

jurídica efectual, de forma abstrata, são prescritos por outra norma, a norma de

competência administrativa.

O lançamento é um ato administrativo e, portanto, só pode ser expedido por

uma autoridade administrativa. Como diz Eurico de Santi, o agente competente para

realizar o ato-fato seria “aquele agente público (fiscal, auditor etc.) que constatando o

fato jurídico tributário (motivo do ato-fato) se vê na contingência legal de, mediante o

procedimento previsto em lei, constituir o suporte físico do ato de lançamento (o

documento de lançamento), conferindo suporte existencial à linguagem prescritiva

do ato-norma, para que assim ingresse no ordenamento jurídico”257. O emissor do

lançamento, na sua acepção como norma individual e concreta, tem de ser

necessariamente um ente público.

Desse modo, seguindo o art. 142 do CTN, a única pessoa competente para

expedir o ato-norma administrativo de lançamento é a autoridade administrativa.

Esse dêitico de autoridade serve para diferençar a norma individual e concreta

produzida pela autoridade administrativa daquela elaborada pelo particular, o

autolançamento.

Procedimento consiste nos critérios previstos na norma de estrutura que

determinam o percurso formal a ser observado pela autoridade administrativa para

256 Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 175. 257 Lançamento tributário, p. 160.

Page 114: Tiago Cappi Janini.pdf

113

inserir o veículo introdutor no sistema. Assim, ao se verificar que o documento

normativo é um lançamento tributário, percebe-se que a autoridade administrativa

realizou aquela atividade descrita no art. 142 do CTN.

O dêitico de tempo presente na enunciação-enunciada serve para demonstrar

o exato instante em que o ato-norma lançamento foi inserido no sistema. É de suma

importância para se determinarem os prazos de decadência e de prescrição dos atos

de instituição e de cobrança do crédito tributário, bem como a legislação aplicável

regulando o seu procedimento (tempo do fato).

Por fim, o dêitico de espaço sinaliza o âmbito de atuação da autoridade

administrava para emitir a mensagem jurídica individual e concreta. É o local onde

pode ser exercida validamente a competência administrativa. Ressalte-se que todos

esses elementos são encontrados no veículo introdutor lançamento tributário,

possibilitando a construção da atividade de produção (enunciação) que se perdeu no

tempo.

6.5.3 O produto decorrente do ato-fato lançamento

O lançamento, tomado na sua acepção de ato-norma administrativo, possui a

mesma estrutura sintática de todas as demais normas jurídicas, ou seja, um

antecedente e um conseqüente ligados por um modal deôntico neutro: dever-ser. É

uma norma individual e concreta construída com base no enunciado-enunciado do

documento lançamento. O seu antecedente contém a descrição do fato já ocorrido no

tempo, tornando-o jurídico. É um enunciado protocolar denotativo que representa a

realização de um evento.

O conseqüente do ato-norma administrativo de lançamento, como relação

jurídica que é, é composto pelos seguintes critérios: sujeito ativo, sujeito passivo e

objeto. Esse enunciado institui uma relação jurídica de conteúdo patrimonial

perfeitamente individualizada quanto aos sujeitos-de-direito e à prestação. É também

Page 115: Tiago Cappi Janini.pdf

114

um fato jurídico, relacional, que se projeta para o futuro estabelecendo a partir de

que momento a conduta estabelecida será devida. E essa conduta prescrita na relação

jurídica do ato-norma de lançamento “é a própria proposição que prescreve o

comportamento obrigatório do sujeito passivo pagar quantia líquida e certa ao sujeito

ativo”258.

Ressalta-se que essa norma decorre da aplicação da regra-matriz de

incidência tributária. Nela estão presentes todos os elementos abstratamente

descritos que dizem respeito à montagem do conteúdo do ato-norma de lançamento.

Na arquitetura formulada por Daniel Peixoto, é a norma de competência material

que serve para orientar a composição da norma introduzida-material259.

O ato-norma lançamento tributário é construído pelo enunciado-enunciado

presente no documento lançamento tributário. É por meio desses signos que se

constitui o fato jurídico tributário, bem como se individualiza a relação jurídica

tributária, especificando os sujeitos e o valor do tributo a ser recolhido260.

Para finalizar, há a discussão sobre a natureza declaratória ou constitutiva do

lançamento tributário. Os defensores da eficácia declaratória usam como argumento

que compete ao lançamento declarar a obrigação tributária constituída com o

surgimento do fato261. Aqueles que segregam o crédito tributário da obrigação

tributária, como o faz Hugo de Brito Machado, sustentam a posição em que o

lançamento é constitutivo do crédito tributário e declaratório da obrigação

correspondente262. Diante das premissas adotadas, faz-se a seguinte descrição: o ato-

norma lançamento, em seu antecedente, declara a ocorrência do evento e constitui o

fato jurídico tributário, retornando-se à dicotomia tempo do fato/tempo no fato. Já o

conseqüente constitui a relação jurídica tributária, que, a partir de então, passa a ser

exigível.

258 Eurico Marcos Diniz de SANTI, Lançamento tributário, p. 171. 259 Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 148. 260 Ressalte-se aqui a posição de Sacha Calmon Navarro COÊLHO, para quem o lançamento não institui o crédito, porquanto não é lei e sim forma de aplicá-la. Para o autor, o lançamento apenas confere exigibilidade para o crédito tributário. Manual de direito tributário, p. 421-2. 261 Ricardo Lobo TORRES, Curso de direito financeiro e tributário, p. 276. 262 Curso de direito tributário, p. 201.

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115

6.5.4 Descrição da fenomenologia da incidência da norma jurídica tributária com o

ato de aplicação realizado pela autoridade administrativa

A norma jurídica tributária para produzir efeitos também deve percorrer o

processo de positivação, isto é, aquela estrutura linear em que as normas jurídicas

gerais e abstratas chegam ao seu máximo grau de concretude e individualidade.

Passa-se, agora, a descrever a concretização da constituição do crédito tributário por

meio de ato de aplicação da autoridade administrativa.

Inicia-se o processo de positivação com a norma jurídica abrigando os

elementos da competência legislativa tributária que a Constituição Federal cuidadosa

e exaustivamente delineou. Na seara tributária, nossa Carta Magna discriminou os

tributos a serem criados e por quem podem ser criados. A competência tributária

consiste na permissão constitucional ao legislador infraconstitucional para instituir

tributos por meio de normas gerais e abstratas.

Entendido o direito como um fenômeno comunicacional, podem-se

encontrar nesse momento o emissor da mensagem jurídica, que é o legislador

constitucional; o destinatário, que é o legislador ordinário; e o conteúdo da

mensagem, a norma de competência legislativa desenhada da seguinte forma: o

antecedente é o fato de ser pessoa política no território nacional num tempo

determinado; e o conseqüente constitui-se da autorização para distintos sujeitos de

direito, de acordo com certos limites formais e materiais, editarem enunciados

prescritivos de tributos e do dever jurídico de todos em respeitar tal exercício.

Exercendo sua competência tributária, o Poder Legislativo de cada ente

político edita um texto legal, seguindo as regras prescritas pelo próprio direito, no

caso, o processo legislativo, que permitirá ao intérprete encontrar os critérios para a

construção da regra-matriz de incidência tributária.

A regra-matriz de incidência tributária, por ser norma geral e abstrata, traz

em seu antecedente a descrição do fato jurídico tributário e no seu conseqüente

prescreve os efeitos jurídicos advindos caso ocorra tal fato, a obrigação tributária.

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116

Nessa norma jurídica estão previstos os enunciados conotativos que permitem

identificar o fato a ensejar efeitos jurídicos se ingressar no mundo do direito. Seus

enunciados são, portanto, voltados para o futuro, informando um comportamento

humano que ainda não ocorreu. Aqui, o emissor é o legislador ordinário; a

mensagem é a regra-matriz; e o destinatário é o aplicador, ou seja, a autoridade

administrativa.

O passo seguinte consiste na incidência da norma geral e abstrata, em razão

da ocorrência de um evento, gerando a norma individual e concreta que constitui o

crédito. Desse modo, dada a ocorrência do suporte fáctico, o aplicador analisa os

preceitos contidos na norma geral e abstrata fazendo-a incidir. O resultado dessa

operação é a norma individual e concreta que formaliza o fato jurídico tributário e

estabelece a conduta a ser seguida. Essa norma jurídica é composta por um

antecedente, descrevendo denotativamente o fato jurídico tributário, e por um

conseqüente, indicando com exatidão os sujeitos passivo e ativo da obrigação

tributária e o valor a ser desembolsado, resultado da operação matemática realizada

pelo cotejo da base de cálculo e alíquota. É o ato-norma de lançamento tributário. A

comunicação, nessa situação, ocorre entre a autoridade administrativa (emissor) e o

contribuinte (receptor), e a mensagem jurídica é o ato-norma lançamento tributário.

Para que se dê essa incidência, há outro fluxo normativo prescrito por uma

norma geral e abstrata procedimental ou de competência administrativa formal.

Trata-se da normatização da conduta de produzir normas. Existe, portanto, uma

comunicação entre o legislador infraconstitucional (emissor) e a autoridade

administrativa (destinatário) cujo conteúdo é a norma procedimental. Essa cadeia se

encerra com o produto: a norma veículo introdutor lançamento tributário, que é

emitido pela autoridade administrativa para o destinatário, isto é, toda a sociedade.

A mensagem jurídica contida no veículo introdutor é a norma geral e concreta. No

documento lançamento tributário é identificada pela enunciação-enunciada,

contendo os dêiticos responsáveis por permitirem a construção do fato jurídico

produtor de normas.

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117

O sujeito passivo, identificado por meio da norma individual e concreta (ato-

norma lançamento tributário) expedida pela autoridade administrativa competente,

tem duas condutas observávies: ou realiza o seu dever tributário, extinguindo a

relação jurídica tributária; ou não a resolve, ficando devedor no Fisco. Realiza-se aqui

um corte, determinando um eixo de positivação do direito, encerrando-se com a

constituição do crédito tributário. A sua conseqüência, pagamento ou não, configura

outro fluxo normativo, que se finaliza com a expedição de outra norma jurídica apta

a extinguir a obrigação tributária. Em outros termos, o direito, visto pelo seu aspecto

dinâmico, enseja inúmeras cadeias normativas que vão se positivando a todo

instante, criando complexidades para descrever o objeto, possível apenas mediante

cortes metodológicos feitos pelo cientista do direito.

6.6 O processo de positivação da norma jurídica tributária mediante ato de

aplicação do particular (autolançamento ou lançamento por homologação)

O art. 150 do CTN apresenta uma modalidade de constituição do crédito que

gera grandes discussões na doutrina. Muitos defendem que o lançamento por

homologação previsto naquele artigo não é uma forma de o particular instituir o

crédito tributário no sistema. Para essa linha, o crédito somente pode ser inserido por

ato da autoridade administrativa. É o pensamento de Hugo de Brito Machado263:

A constituição do crédito tributário é da competência privativa da autoridade administrativa. Só esta pode fazer o lançamento. Ainda que ela apenas homologue o que o sujeito passivo efetivamente fez, como acontece nos casos do art. 150 do CTN, que cuida do lançamento dito por homologação. Sem essa homologação não existirá, juridicamente,

263 Curso de direito tributário, p. 199-200. Ives Gandra MARTINS também defende que o crédito é constituído somente por autoridade fiscal: “Nem o Presidente da República, nem um Ministro do S.T.F., nem um Juiz federal ou estadual, nem um membro do ‘parquet’ federal ou estadual, nem o próprio legislador federal, estadual ou municipal pode ‘constituir’ o crédito tributário, pois a lei complementar determina que esta constituição é ação ‘privativa’ da autoridade fiscal”. Função privativa da autoridade fiscal de constituir o crédito tributário e declarar a respectiva obrigação – não há sonegação fiscal sem crédito tributário constituído – procedibilidade penal e prejudicial, Revista dialética de direito tributário, n. 34, p. 90.

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118

o lançamento, e não estará por isto mesmo constituído o crédito tributário. Ainda quando de fato seja o lançamento feito pelo sujeito passivo, o Código Tributário Nacional, por ficção legal, considera que a sua feitura é privativa da autoridade administrativa, e por isto, no plano jurídico, sua existência fica sempre dependente, quando feito pelo sujeito passivo, de homologação da autoridade competente.

Acontece que o art. 142 do CTN não veda o particular de constituir o crédito

tributário, mas sim o proíbe de utilizar o lançamento tributário para fazê-lo. A

constituição do crédito tributário via lançamento é de competência privativa da

autoridade administrativa. O contribuinte tem de utilizar procedimento diverso que

resultará outro produto, ambos pré-estabelecidos pelo direito, para constituir a

obrigação tributária. Sendo o ato administrativo, classe a que pertence o lançamento,

privativo da Administração, “é claramente incoerente falar do lançamento de um

tributo efetuado pelo particular. Somente é lançamento, em sentido técnico-jurídico,

aquele ato emitido pela Administração que fixa, em concreto, a quantia do débito

tributário”264. Mas não é incoerente falar em constituição do crédito tributário por ato

do particular.

O posicionamento do STJ é também no sentido de ser possível o contribuinte

constituir o crédito tributário, sem qualquer intervenção da autoridade

administrativa:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARAÇÃO DO DÉBITO PELO CONTRIBUINTE. FORMA DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, INDEPENDENTE DE QUALQUER OUTRA PROVIDÊNCIA DO FISCO. 1. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. Precedentes EREsp 576661/RS, 1ª Seção, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26.10.2006; REsp 839220/RS, 1ª T., Ministro José Delgado, DJ de 26.10.2006; REsp 742524/RS, 1ª T., Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 30.04.2007; REsp 644802/PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 13.04.2007.

264 Estevão HORVATH, Lançamento e tributário e “autolançamento”, p. 79.

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119

2. Recurso Especial a que se nega provimento. (Resp. 666.132/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 13.05.2008, DJ 28.05.2008, p. 1).

Distinguem-se, neste trabalho, o ato de produção de normas feito pelo

particular e o ato de homologação a ser realizado pela autoridade administrativa. Há,

portanto, dois eixos de positivação de normas presentes no art. 150 do CTN: (i) o que

autoriza o particular a emitir a norma individual e concreta do crédito tributário; e

(ii) o que autoriza a autoridade administrativa a homologar a atividade do particular.

Passa-se, então, a tratar dessas duas cadeias normativas.

6.6.1 O eixo de positivação da constituição do crédito tributário por norma

individual e concreta expedida pelo particular

Há algumas situações em que o direito positivo outorga competência para o

particular inserir norma individual e concreta no sistema jurídico. É o que acontece

quando dois particulares realizam entre si um contrato. O contrato é uma norma

individual e concreta com os sujeitos da relação individualizados com seus

respectivos direitos e deveres, bem como o objeto líquido e certo. Está tudo

denotativamente previsto no veículo contrato.

Com relação ao crédito tributário, o art. 150 do CTN autorizou o contribuinte

a emitir uma norma individual e concreta que o formaliza. Porém, não por meio do

lançamento tributário, porquanto essa é uma atividade privativa da autoridade

administrativa. O particular está autorizado a constituir o crédito tributário, só que

para isso deve utilizar procedimento próprio, o autolançamento.

De acordo com Eurico de Santi há duas formas de se produzir a relação

jurídica tributária, “uma formalizada por ato-norma administrativo, editado por

agente público competente; outra, formalizada em linguagem prescritiva por ato-

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120

norma expedido pelo próprio particular e que, por isso, não é ato-norma

administrativo”265. Sempre buscando a precisão que a linguagem científica requer, o

autor denomina o ato do particular instituidor do crédito tributário de ato-norma

formalizador instrumental266. Em virtude de uma maior aceitabilidade da palavra

autolançamento na doutrina, prefere-se, neste trabalho, esta denominação àquela.

Mais uma vez se está diante do problema da multissignificatividade de um

termo no direito positivo. Autolançamento, assim como o lançamento tributário, pode

ser usado para designar: (i) a atividade (enunciação) de produzir a norma individual

e concreta (ato-fato); (ii) a norma de competência privada com as regras de emissão

dessa norma; (iii) a própria norma individual e concreta (enunciado-enunciado)

inserida no sistema jurídico que constitui o crédito (ato-norma); (iv) o veículo

introdutor (enunciação-enunciada); e (v) o documento normativo.

Desse modo, o particular pode, também, fixar o crédito tributário emitindo

uma norma individual e concreta. Essa competência para produzir o ato-norma

autolançamento tem de ser necessariamente outorgada por lei que, inclusive,

discriminará todo o procedimento seguido pelo contribuinte. É o próprio direito

dando “competência ao contribuinte para constituir o fato jurídico e a obrigação

tributária que dele decorre, pelo fenômeno da causalidade jurídica”267.

Há, no direito positivo, mais precisamente no art. 150 do CTN, a autorização

para o particular formalizar o fato jurídico tributário e todos os elementos integrantes

da relação jurídica tributária, individualizados. É o particular que aplica a regra-

matriz de incidência tributária com o acontecimento do evento no mundo social,

inserindo a norma individual e concreta contendo o crédito tributário no sistema do

direito.

Na fenomenologia da incidência da norma posta no sistema pelo particular,

assim como no ato ponente de normas realizado pela autoridade administrativa,

existe uma norma geral e abstrata de competência privada, estabelecendo o

265 Lançamento tributário, p. 185. 266 Ibid. p. 185. 267 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 257.

Page 122: Tiago Cappi Janini.pdf

121

procedimento a ser obedecido, e a regra-matriz de incidência, cujo conteúdo são os

limites materiais para a constituição do crédito. De outra forma, o intérprete, ao se

deparar com o documento normativo, elabora pelo menos duas normas jurídicas em

sentido estrito: (i) a norma geral e concreta contida no veículo introdutor

(enunciação-enunciada do documento); e (ii) a norma individual e concreta presente

no conteúdo do texto (enunciado-enunciado do documento).

6.6.1.1 O ato de produção de normas

A atividade de produção de normas não é imanente. Por isso, sua

reconstrução ocorre com a enunciação-enunciada presente no documento

autolançamento. É por meio dos dêiticos que se chega à enunciação. Aqui reside a

principal distinção entre o ato-norma do lançamento tributário e o ato-norma do

autolançamento: o emissor de mensagem jurídica.

A norma de competência tributária privada é estruturada desta forma: o

antecedente contém conotativamente o fato de produção de normas pelo particular

(ato-fato autolançamento) formado pelos critérios: (i) subjetivo, que determina o

particular como emissor da norma individual e concreta; (ii) procedimental, descritor

do caminho a ser seguido pelo contribuinte; (iii) espacial, delimitando o âmbito de

aplicação da norma; e (iv) temporal, determinando o momento para se produzir a

norma. O conseqüente prescreve uma relação jurídica em que o particular está

obrigado a produzir a norma. É uma norma que estabelece um dever instrumental

por prescrever uma relação jurídica cujo objeto é um fazer: inserir uma norma no

sistema.

Há um procedimento específico para o particular produzir a norma. Diante

da autorização prevista na norma de competência e com a ocorrência do evento,

deve-se produzir a norma. Essa atividade de produção de enunciados, a enunciação,

desaparece no tempo. A constituição do fato produtor de normas é feita pela norma

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122

geral e concreta veículo introdutor autolançamento. É, portanto, com a enunciação-

enunciada presente no documento normativo que se chega ao modo de elaboração

dos enunciados prescritivos.

Ao se deparar com o veículo introdutor autolançamento, percebe-se que o

dêitico de autoridade é preenchido pelo particular. Por isso não é ato-norma

administrativo. Afirma Marcelo Fortes de Cerqueira que “o ato administrativo de

lançamento é ato administrativo em sentidos material e formal, ao passo que o ato de

auto-imposição do contribuinte não pode receber a mesma denominação, embora

também seja ato de aplicação do direito. Em suma: o ato de auto-imposição não é ato

jurídico administrativo”268.

6.6.1.2 A norma introduzida: o ato-norma autolançamento

O ato-norma autolançamento possui a mesma estrutura sintática das demais

normas jurídicas: um juízo hipotético condicional associando à ocorrência do fato

jurídico uma relação jurídica. No antecedente dessa norma individual e concreta está

a constituição do fato jurídico tributário, e seu conseqüente contém a relação jurídica

tributária com os elementos especificados. É aqui que o crédito tributário aparece

com os sujeitos determinados e com a quantia a ser recolhida já calculada.

Diante do documento normativo, a norma que constitui o crédito é

formulada por meio dos enunciados-enunciados presentes. É nessa espécie de

enunciados que se identificam o fato jurídico tributário, o valor do tributo e os

sujeitos da obrigação tributária. A partir desse momento, o contribuinte pode seguir

a conduta prescrita pelo direito como lícita e pagar o tributo; ou pode não realizar o

comando contido na relação jurídica tributária e não pagar o tributo.

268 Repetição do indébito tributário, p. 208.

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123

6.6.2 O ato de homologação na fenomenologia do autolançamento

O art. 150 do CTN prevê a possibilidade de o contribuinte realizar a

constituição do crédito tributário por meio do autolançamento269. Eis um eixo de

positivação de normas se encerrando com a imposição de uma norma individual e

concreta no sistema jurídico.

Acontece que o mesmo dispositivo prescreve outro eixo de positivação de

normas que se inicia com o fim da atividade de produção de normas pelo particular,

ou seja, com o produto. Essa nova cadeia de normas consiste no ato de homologação

a ser realizado pela autoridade administrativa.

O legislador do CTN outorgou à administração o poder para fiscalizar a

forma com que o particular instituiu a norma individual e concreta, bem como a

obrigação tributária constituída. E tal tarefa é realizada pelo “ato de homologação”.

Esse, sim, é de competência da autoridade administrativa, enquanto o ato de

constituir o crédito é realizado pelo contribuinte.

Note-se que não se deve confundir o ato de homologação com o ato-norma

administrativo de lançamento. O primeiro trata de um ato de fiscalização do

procedimento e da norma inserida no sistema pelo particular, “em que o Estado,

zelando pela integridade de seus interesses, verifica o procedimento do particular,

manifestando-se expressa ou tacitamente sobre ele”270. Já o lançamento serve para a

autoridade administrativa constituir o crédito.

Com a inserção da norma individual e concreta que constitui o crédito pelo

particular, encerra-se um eixo de positivação de normas e abre-se espaço para que

um fluxo normativo se inicie: a homologação.

Percebe-se a atividade de produção de normas, regulada por uma norma

geral e abstrata de competência administrativa, cujo conteúdo é o procedimento a ser

269 Deve-se mencionar a posição de Marcelo Fortes de CERQUEIRA, para quem é a homologação que constitui o crédito tributário. Segundo esse autor, a homologação atinge o ato do contribuinte, constituindo o crédito; e o pagamento antecipado, extinguindo a obrigação, Repetição do indébito tributário, p. 209 e 246. 270 Paulo de Barros CARVALHO, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 259.

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124

seguido pela autoridade administrativa quando ela desejar realizar a homologação.

Retorna-se à dualidade processo/produto mais uma vez. Há o processo de produção

do ato de homologação e a norma individual e concreta da homologação, o produto.

A atividade administrativa de fiscalização pode chegar a dois resultados

distintos: a conformidade do ato-norma autolançamento com as regras que o

disciplinam ou a irregularidade dessa norma produzida pelo particular. No primeiro

caso, a autoridade administrativa emite uma norma individual e concreta que

confirma o autolançamento (e o seu pagamento). Nesse caso, pergunta-se qual o

conteúdo da norma individual e concreta da homologação, ou seja, o que se

homologa: o crédito constituído ou o pagamento antecipado?

Defende-se aqui que a homologação é do pagamento, e não do ato de

produção do crédito271. Isso porque o crédito constituído pelo contribuinte é extinto

pelo pagamento antecipado. O Fisco, ao fiscalizar o ato de produção de normas

exercido pelo particular, vai verificar se o pagamento antecipado foi suficiente para

exaurir o crédito tributário. Caso se verifique alguma irregularidade na constituição

do crédito, o seu pagamento não será homologado devido a sua insuficiência para

eliminar a obrigação tributária. Outro argumento para se afirmar que a homologação

é do pagamento é que, caso haja a constituição do crédito pelo particular, mas esse

não efetive seu pagamento, o Fisco irá inscrevê-lo em Dívida Ativa para a sua

cobrança sem realizar qualquer ato de homologação da atividade produtora do ato-

norma autolançamento.

Já na hipótese de norma irregularmente produzida por não ter observado as

regras de estrutura que a fundamentam, o Fisco emitirá uma norma cuja finalidade é

retirar o ato-norma autolançamento do sistema e também constituir outra obrigação

tributária. É o que pensa Marcelo Fortes de Cerqueira: “constatada alguma

irregularidade no proceder do contribuinte, incumbirá ao Fisco, havendo tempo,

celebrar o ato administrativo de lançamento, alterando os termos da auto-imposição

271 Nesse sentido, Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 218; Ricardo Lobo TORRES, Curso de direito financeiro e tributário, p. 283; Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de

direito tributário, p. 438.

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125

(em algumas situações apenas é necessário o lançamento suplementar) além de

aplicar penalidades ao particular”272.

O CTN no § 4º do art. 150 prevê a homologação tácita. Segundo esse artigo,

caso não haja previsão em lei de prazo para a homologação, será ele de cinco anos, a

contar da ocorrência do fato jurídico. Uma vez expirado esse prazo sem que haja

qualquer manifestação da Fazenda Pública, considera-se homologado o pagamento e

definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude

ou simulação.

Deve-se alertar que esse prazo é de decadência, consoante o pensamento de

Sacha Calmon Navarro Coêlho273:

É que a Fazenda tem cinco anos para verificar se o pagamento é suficiente para exaurir o objeto da obrigação tributária, isto é, o crédito tributário. Mantendo-se inerte, o Código considera esta inércia como homologação tácita, perdendo a Fazenda a oportunidade de operar lançamentos suplementares em caso de insuficiência de pagamento (preclusão). Daí que no termo do qüinqüênio ocorre a decadência do direito de crédito da Fazenda Pública, extinguindo-se a obrigação.

Havendo o chamado pagamento antecipado, a autoridade administrativa,

portanto, tem o prazo de cinco anos para produzir o ato-norma de lançamento

substituindo o ato-norma autolançamento. Agora, não ocorrendo o pagamento

antecipado, a regra de decadência do direito de o Fisco lançar é outra. Nesse caso, o

prazo decadencial vem descrito no art. 173, I, do CTN, sendo de cinco anos contados

do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que tenha ocorrido o evento

272 Repetição do indébito tributário, p. 211. 273 Liminares e depósitos antes do lançamento por homologação: decadência e prescrição, p. 60-1. Também é esse o posicionamento de Eurico da SANTI: “O ‘fato gerador’ dessa regras decadencial iniciará seu curso de cinco anos com a ocorrência do evento jurídico tributário, conforme dispões expressamente a primeira parte do § 4º do Art. 150 do CTN.” Decadência e prescrição no direito tributário, p. 170. O mesmo pensa Ricardo Lobo TORRES, Curso de

direito financeiro e tributário, p. 283. Em sentido contrário, Luciano AMARO afirma: “O lançamento por homologação não é atingido pela decadência, pois, feito o pagamento (dito ‘antecipado’), ou a autoridade administrativa anui e homologa expressamente (lançamento por homologação expressa) ou deixa transcorrer, em silêncio, o prazo legal e, dessa forma anui tacitamente (lançamento por homologação tácita). Em ambos os casos, não se pode falar em decadência (do lançamento por homologação), pois o lançamento terá sido realizado (ainda que pelo silêncio)”. Direito tributário brasileiro, p. 406-7.

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126

tributário274.

274 Essa é a linha do STJ: “(...) 2. A partir da interpretação sistemática das normas jurídicas acima, o Superior Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário pode ser estabelecido da seguinte maneira: (a) em regra, segue-se o disposto no art. 173, I, do Código Tributário Nacional, ou seja, o prazo é de cinco anos contados “do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”; (b) nos tributos sujeitos a lançamento por homologação cujo pagamento ocorreu antecipadamente, o prazo é de cinco anos contados do fato gerador, nos termos do art. 150, § 4º, do referido Código. Todavia, se não houver o pagamento antecipado, incide a regra do art. 173, I. Confiram-se, a título de exemplo, os seguintes precedentes: AgRg nos EREsp 216.758/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10.4.2006; REsp 232.838/PB, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 1º.7.2005. (...)”. (AgRg. no Ag. 933.185/SC, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 04.03.2008, DJ 27.03.2008, p. 1).

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127

7 FORMAS DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

7.1 Considerações sobre a extinção da relação jurídica

A relação jurídica é um fato jurídico instaurado por um enunciado

lingüístico, protocolar e denotativo. É com a produção da norma individual e

concreta que as relações jurídicas aparecem no sistema do direito positivo.

Assim, como os vínculos jurídicos nascem com os enunciados lingüísticos

das normas individuais e concretas posicionadas no conseqüente, suas eventuais

modificações e extinção também necessitam de um enunciado lingüístico para

operar. É com a edição de outra norma que as relações são extintas ou alteradas.

Lourival Vilanova salienta que “constituída uma relação jurídica obrigacional, em

decorrência de fato que uma norma o fez fato jurídico, essa relação, por outro fato

jurídico, se desconstitui”275. É preciso, portanto, uma linguagem jurídica competente

para constituir uma relação jurídica e também para extingui-la.

Paulo de Barros Carvalho também assevera nesse sentido: “A derradeira

transformação, supressora do vínculo, também advirá numa camada de linguagem, o

que nos permite concluir que as relações jurídicas e, entre elas, as de cunho

tributário, nascem, vivem e desaparecem no plano das construções comunicativas,

mais precisamente, no estrato da linguagem jurídica competente”276. Ressalte-se que

um mero comportamento social não extingue um vínculo jurídico, a não ser se

devidamente documentado277.

Para ocorrer a extinção de uma relação jurídica, deve-se emitir uma nova

mensagem jurídica no sistema comunicacional do direito. Não é possível sua

275 Causalidade e relação no direito, p. 210. 276 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 196. 277 Tácio Lacerda GAMA, Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho, Revista tributária e de finanças públicas, n. 50, p. 107.

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128

supressão do ordenamento sem que se produza outra norma individual e concreta

com essa finalidade como seu conteúdo.

Como se viu, a relação jurídica é composta por cinco elementos: o sujeito

ativo; o objeto; o sujeito passivo; o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir a

prestação e o dever jurídico do sujeito passivo em cumprir a prestação. É com a

reunião desses componentes que se tem uma relação jurídica.

A ausência de qualquer um dos elementos acima descritos prejudica a

relação jurídica, ou melhor, não se forma uma relação jurídica sem a presença dos

cinco componentes conjuntamente. Por isso, afirma Paulo de Barros Carvalho que a

privação de um deles faz a relação jurídica perder a sua configuração lógica,

esfacelando-a278.

Desse modo, para se extinguir uma relação jurídica, é imprescindível

dissipar pelo menos um dos cinco elementos que a constitui. Não há espaço lógico

para outra possibilidade279 além destas: (a) desaparecimento do sujeito ativo; (b)

desaparecimento do objeto; (c) desaparecimento do sujeito passivo; (d)

desaparecimento do direito subjetivo do sujeito ativo de exigir a prestação; e (e)

desaparecimento do dever jurídico do sujeito passivo possui de cumprir a prestação.

É necessário, portanto, para a extinção de uma relação jurídica, a produção

de outro enunciado prescritivo cuja relação que dele exsurge suprima um dos

elementos da relação a ser extinta. Note-se a presença de outro eixo de positivação de

normas em curso, agora com a produção de uma norma individual e concreta cuja

finalidade é extinguir a relação jurídica.

Na fenomenologia da extinção das relações jurídicas estão presentes pelo

menos duas cadeias de positivação de normas: N1 que constitui a relação jurídica; e

N2, determinando a sua extinção. Ao se findar o segundo processo de concretização,

haverá duas normas individuais e concretas no sistema com conteúdos divergentes,

278 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 200. 279 Ibid. p. 200.

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129

ou seja, relações jurídicas contraditórias280. Tome-se, a título de exemplo, a obrigação

tributária e seu pagamento. Há a N1, que constitui o crédito tributário, determinando

quem e quanto se deve pagar; e a N2, que descreve o pagamento. Assim, N1

determina a conduta de pagar, e N2 prescreve a ação de não-pagar.

7.1.1 A resolução do conflito de normas

Para que se dê a extinção, deve haver uma relação entre as relações jurídicas.

É o que Paulo de Barros Carvalho chama de “cálculo das relações”, cujo “objetivo

principal é o estabelecimento de leis formais que regem as operações por meio das

quais se constroem relações a partir de outras relações dadas”281.

Diante de duas normas que prescrevem conteúdos diversos, o próprio

sistema jurídico deve determinar o procedimento a ser observado para ocorrer o

cálculo entre as relações. Lourival Vilanova ensina que “o sistema do direito positivo

contém p-normativas de valências contraditórias e a invalidade só elimina a

proposição contradizente quando o próprio sistema diz como e quando”282.

O direito positivo, dentro de sua auto-referencialidade, dita o caminho a ser

seguido quando há um conflito de normas, que somente é resolvido pela produção

de outras normas. “O sistema do direito positivo está equipado com normas (sempre

em sentido amplo) que se voltam à solução dos conflitos entre normas”283. É o direito

atuando no seu aspecto dinâmico.

A antinomia aparece dentro do sistema do direito positivo quando se está

diante de duas normas válidas excluindo-se mutuamente. Tercio Sampaio Ferraz Jr.

280 Para a Lógica, são proposições contraditórias aquelas que não podem ser simultaneamente verdadeiras. Se uma for verdadeira a outra deverá ser falsa necessariamente. ECHAVE, URQUIJO, GUIBOURG, Lógica,

proposición y norma, p. 115. No âmbito da Lógica Deôntica duas normas contraditórias não podem ser simultaneamente válidas: “se uma é válida, a outra em conflito é necessariamente contra-válida”. Lourival VILANOVA, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 28. 281 Direito tributário, linguagem e método, p. 107. 282 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 80. 283 Tárek MOUSSALLEM, Revogação em matéria tributária, p. 192.

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130

afirma que a antinomia jurídica é a pragmática, e decorre do preenchimento das

condições:

(1) forte relação complementar entre o emissor de uma mensagem e seu receptor, isto é, relação fundada na diferença (superior-inferior, autoridade-sujeito, senhor-escravo, chefe-subordinado etc.); (2) nos quadros dessa relação é dada uma instrução que deve ser obedecida, mas que também deve ser desobedecida para ser obedecida (isto é, pressupõe-se uma contradição no sentido lógico-matemático e semântico); (3) o receptor, que ocupa posição inferior, fica numa posição insustentável, isto é, não pode agir sem ferir a complementaridade nem tem meios para sair da situação284.

A antinomia surge sempre que houver incompatibilidade de normas

demonstráveis por meio de operadores deônticos opostos que modalizam uma

mesma conduta. Os modais deônticos, permitido, proibido e obrigatório, são

interdefiníveis285 conforme a seguinte tabela:

P p ≡ –O –p ≡ –V p –P p ≡ O –p ≡ V p P –p ≡ –O p ≡ –V –p –P –p ≡ O p ≡ V –p

Sendo os significados: P é permitido; O é obrigatório; V é proibido; – é

negação; ≡ é o conectivo equivalente e p significa a conduta. Assim, a sentença é

proibido matar equivale dizer é obrigatório não matar ou ainda não é permitido matar.

A antinomia surge quando há duas normas determinando a mesma conduta,

mas modalizadas de forma oposta. Seriam conflitantes as normas é proibido matar e é

permitido matar. Havendo normas incompatíveis, qual deve prevalecer? A resposta é

encontrada no próprio direito, nas regras de estrutura cuja finalidade é determinar

qual das normas deve permanecer no sistema.

284 Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 209. 285 ECHAVE, URQUIJO, GUIBOURG, Lógica, proposición y norma, p. 123.

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131

O ato de revogar consiste na retirada de uma norma do sistema286, o que

pode se dar de forma expressa ou tácita. O critério usado para distinguir as duas

espécies é a presença ou não do conflito de normas. Haverá revogação expressa

quando a lei revogadora atinge diretamente os enunciados prescritivos

mencionando-os expressamente; e será tácita em razão da existência de normas

incompatíveis no sistema. Nas palavras de Gabriel Ivo, “o que caracteriza, portanto,

a revogação tácita é que em seu contexto não há a identificação expressa do

enunciado prescritivo que fica revogado”287.

Interessa particularmente ao presente estudo a revogação tácita. Tal motivo

decorre do fato de que para a extinção de uma relação jurídica estar-se-á diante de

duas normas contraditórias com conteúdos divergentes288: enquanto N1 estabelece é

obrigatório pagar; N2 prescreve é obrigatório não pagar. A revogação tácita acontece

no plano das normas jurídicas em sentido estrito289. Por isso, é importante a

interpretação dos enunciados prescritivos nesse tipo de revogação.

A solução das antinomias jurídicas é feita pelas regras presentes no sistema

jurídico, mais precisamente no art. 2º do Decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução ao

Código Civil). Do enunciado-enunciado desse artigo constroem-se as seguintes

regras: (i) a norma superior revoga a inferior, em virtude da hierarquia; (ii) a norma

286 Tercio Sampaio FERRAZ JR, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 204. Para Paulo de Barros CARVALHO, a norma revogada permanece válida no sistema até se cumprir o tempo de sua possível aplicação, afirmando que a regra ab-rogatória corta “a vigência da norma por ela alcançada, de tal arte que não terá mais força para juridicizar os fatos que vierem a ocorrer depois da ab-rogação”, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 57. Tárek MOUSSALLEM, aplicando a teoria dos atos de fala, demonstra que a revogação atinge a validade, a vigência e a aplicação de determinada norma, sempre na dependência de qual sistema normativo se toma como referência. Revogação em matéria tributária, p. 186 et seq. 287 Norma jurídica: produção e controle, p. 105. 288 O STJ já se manifestou entendendo que a revogação tácita decorre da incompatibilidade de normas: “ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. CONTRADIÇÃO ENTRE A LEI 8072/90 (CRIMES HEDIONDOS) E A LEI 8069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). REVOGAÇÃO TÁCITA, POR INCOMPATIBILIDADE, DO PARÁGRAFO ÚNICO DOS ARTS. 213 E 214 DO CODIGO PENAL (ACRESCENTADOS PELA LEI 8069/90) COM O NOVO SISTEMA DE PUNIÇÃO INSTITUÍDO PELA LEI 8072/90. Não é possível admitir-se tenha o legislador pretendido estabelecer benefícios em favor de atentados sexuais contra crianças de tenra idade, em leis de objetivos manifestamente opostos a esse. Aumento de pena previsto no art. 9. da Lei 8072 aplica-se apenas às hipóteses de lesão grave ou morte, ante a expressa remissão da lei ao art. 223, "caput", e parágrafo do Código Penal, expressos quanto a exigência de "lesão corporal grave" ou "morte". Pena a ser executada em regime fechado. Legalidade. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido”. (REsp 21.258/PR, Rel. Min. Jesus Costa Lima, julgado em 17.06.1992, DJ 05.10.1992, p. 17114). 289 Cf. Gabriel IVO, Norma jurídica: produção e controle, p. 104.

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132

posterior, no tempo, revoga a anterior; (iii) a norma especial revoga a geral no que

esta tem de especial.

São esses os critérios eleitos pelo direito positivo que servem como

fundamento para se determinar qual das normas incompatíveis deve permanecer no

sistema. Trata-se, neste estudo, particularmente, de duas relações jurídicas inseridas

no sistema por meio de normas individuais e concretas. O conflito ocorre no nível da

individualidade e concretude das normas jurídicas dentro do processo de positivação

do direito. Está-se diante de uma antinomia em face do acréscimo de uma disposição

normativa nova no sistema, ou seja, uma norma individual e concreta posterior

incompatível com a anterior.

Nessa situação, a resolução do conflito se faz pela utilização da regra: a

norma posterior revoga a anterior. Essa também é a forma de pensar de Tácio

Lacerda Gama: “É o confronto (antinomia real) entre duas normas, uma anterior

estabelecendo a obrigação de pagar o tributo (N1) e outra posterior estabelecendo a

permissão de não pagar (N2), que promove a extinção das obrigações tributárias.

Neste caso, há duas normas que prescrevem condutas opostas para a mesma

situação, devendo, portanto, prevalecer a posterior – lex posterior derrogat lex

anterior”290.

Diante de duas normas individuais e concretas que prescrevem condutas

antagônicas, deve prevalecer no sistema aquela que nele ingressou por último. É uma

das regras postas pelo direito para a revogação tácita como forma de resolução de

conflitos de normas.

Deve-se fazer um alerta. A revogação de uma norma incompatível com outra

necessita sempre de uma terceira norma291. Somente com mais um eixo de

positivação o sistema poderá excluir uma norma, em razão de um conflito com outra

norma. Eis mais um ato de aplicação do direito que resultará na revogação de uma

norma de acordo com os critérios eleitos pelo ordenamento jurídico. Pode-se extrair

290 Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho, Revista tributária e de

finanças públicas, n. 50, p. 108. 291 Tárek MOUSSALLEM, Revogação em matéria tributária, p. 197.

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133

esse entendimento das lições de Tárek Moussallem, para quem “a revogação (como

efeito do ato de revogação) não decorre automática e infalivelmente do conflito de

normas. É necessária a norma concreta que eleve o mero conflito de normas a

categoria de fato jurídico a ensejar a revogação de uma das duas normas conflitantes

de acordo com o prescrito no sistema normativo”292.

Ao se deparar com a existência de duas normas incompatíveis, o aplicador

do direito dará ensejo a produção de uma terceira norma individual e concreta para

fins de resolver o conflito. Isso porque o cálculo entre relações jurídicas não é

automático; requer-se a presença humana para solucionar a disputa. Nessa terceira

norma estarão presentes: o fato jurídico em seu antecedente, descrevendo o conflito

de normas; e no conseqüente, a relação jurídica que determina a norma a permanecer

no sistema. Sem a linguagem competente, portanto, não há revogação tácita de

normas individuais e concretas.

7.2 A extinção da obrigação tributária

A obrigação tributária consiste numa relação jurídica de conteúdo

patrimonial, cujo objeto reside no pagamento de tributos. Ela surge no momento em

que a norma individual e concreta, produzida pelo particular (autolançamento) ou

pela autoridade administrativa (lançamento), ingressa no direito positivo. Em outras

palavras, com a ocorrência do fato jurídico há a instauração da obrigação tributária.

Desse modo, a obrigação tributária, por ser uma espécie de relação jurídica, é

extinta segundo o prescrito para todas as relações, isto é, pelo desaparecimento de

um de seus elementos, dissipando a sua estrutura lógica. É evidente que também não

prescinde da linguagem competente para a sua extinção, visto que a obrigação

tributária nasce, modifica-se e extingue-se por força de uma manifestação de

linguagem.

292 Revogação em matéria tributária, p. 200.

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134

Diante da opção feita neste trabalho de que a expressão crédito tributário é

usada para designar apenas um dos elementos da obrigação tributária, o direito

subjetivo de o Fisco exigir o valor do tributo, deve-se advertir que a extinção é da

obrigação. O CTN, no art. 156, dispõe as situações que extinguem o crédito tributário,

mas, na verdade, a extinção é do todo (obrigação tributária). O crédito tributário faz

parte da obrigação tributária e, com seu desaparecimento, a obrigação tributária

decompõe-se, pois não pode persistir com a ausência de um de seus componentes

lógicos293.

Tal ambigüidade faz com que autores defendam a tese de que é possível a

extinção do crédito sem a extinção da obrigação. Essa posição advém principalmente

do entendimento de o crédito ser distinto da obrigação. É o que pensa Hugo de Brito

Machado, para quem a extinção do crédito nem sempre implica a dissolução da

obrigação tributária respectiva: “É possível, entretanto, que a extinção do crédito

afete apenas a forma, sem afetar o conteúdo. Neste caso, em face da subsistência da

relação obrigacional, persiste o direito de lançar, vale dizer, de constituir novo

crédito”294. Mais adiante, o ilustre autor apresenta duas situações em que pode não

ocorrer a extinção da obrigação, apesar do desaparecimento do crédito: “Nas

hipóteses de extinção do crédito tributário em decorrência de decisão administrativa

irreformável, ou de decisão judicial passada em julgado, não ocorrerá a extinção da

obrigação tributária se a decisão extinguir o crédito tributário por vício formal em

sua constituição”295.

O crédito tributário, ao ser extinto, acarreta também a supressão da

obrigação, porquanto é um elemento da sua estrutura lógica. Sem crédito não há

obrigação e sem obrigação não existe crédito. Por isso, de acordo com as premissas

deste trabalho não é possível a extinção do crédito tributário sem implicar a extinção

da obrigação tributária.

293 Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 453. 294 Curso de direito tributário, p. 220-221. 295 Ibid. p. 221.

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135

7.3 Formas de extinção da obrigação tributária

O CTN elencou, no art. 156, as seguintes formas de extinção da obrigação

tributária: (i) o pagamento; (ii) a compensação; (iii) a transação; (iv) a remissão; (v) a

prescrição e a decadência; (vi) a conversão de depósito em renda; (vii) o pagamento

antecipado e a homologação; (viii) a consignação em pagamento; (ix) a decisão

administrativa irreformável; (x) a decisão judicial passada em julgado; (xi) a dação

em pagamento de bens imóveis.

Dúvida que surge é se além dessas há outras causas que extinguem a

obrigação tributária. Para Hugo de Brito Machado, é possível aplicar causas

extintivas do direito privado em matéria tributária296. Ricardo Lobo Torres também

entende que o elenco das causas extintivas presente no art. 156 do CTN não é

exaustivo, podendo outras figuras, como a confusão e a morte do devedor, extinguir

a obrigação297. O STF também já se posicionou favorável à não exaustividade do rol

do art. 156 do CTN298.

Ruy Barbosa Nogueira classifica as causas de extinção da obrigação tributária

em: 1) causas de fato, em razão de a extinção ocorrer em virtude de eventos ou

situações de fato, supervenientes; 2) causas de direito da extinção, por esta decorrer de

disposições legais que atingem o direito material, extinguindo o direito de lançar, e o

direito formal, extinguindo o meio de cobrança do crédito tributário299. Seriam,

portanto, modalidades de direito apenas a decadência e a prescrição, dentre todas as

numeradas pelo CTN.

Entretanto, todas as formas de extinção têm de estar previstas pelo direito

positivo e também necessitam da ocorrência fáctica no mundo fenomênico. Para que

se tenha a extinção de uma relação jurídica tributária, é preciso uma cadeia de

296 Curso de direito tributário, p. 220. 297 Curso de direito financeiro e tributário, p. 288. Luciano AMARO também entende por não ser taxativo o rol do art. 156 do CTN, Direito tributário brasileiro, p. 390. 298 “Extinção de crédito tributário criação de nova modalidade (dação em pagamento) por lei estadual: possibilidade do Estado-membro estabelecer regras específicas de quitação de seus próprios créditos tributários”. (ADI-MC 2405, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 06.11.2002, DJ 17.02.2006, p. 54). 299 Curso de direito tributário, p. 309.

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136

positivação com a finalidade de instituir uma norma para esse fim. Mais uma vez se

está diante da fenomenologia da incidência de normas jurídicas. Cada uma das

formas de extinção da obrigação tributária pressupõe: (i) a previsão em uma norma

geral e abstrata; (ii) a ocorrência do evento de extinção no mundo fenomênico; (iii) o

ato de aplicação que resultará na (iv) produção de uma norma individual e concreta

que extingue a obrigação. Por isso, se fala em pagamento como norma, fato e relação

jurídica.

Adiante analisar-se-ão, de forma sintética, as causas de extinção da obrigação

tributária previstas no art. 156 do CTN, ficando de fora, nesse momento, apenas a

compensação, estudada com maior afinco em capítulo próprio.

7.3.1 O pagamento

A obrigação tributária tem como forma habitual de extinção o pagamento,

principalmente por se tratar de uma relação jurídica cujo objeto é a conduta de

recolher uma quantia em dinheiro a título de tributo. Motivo que levou o legislador

do CTN a dedicar mais espaço a essa modalidade de extinção em vista das demais.

Como se disse, uma relação é extinta apenas por outra relação. Assim, é

inevitável um processo de positivação de normas que culmine com a inserção de

outra norma individual e concreta cujo conseqüente possua uma relação jurídica

capaz de extinguir outra.

É o que acontece com o pagamento. Somente será forma de extinção com a

sua concretização. Sem a norma individual do pagamento, não há extinção da

obrigação tributária. O contribuinte, ao realizar o fato do pagamento em

conformidade com o procedimento prescrito pelo próprio direito positivo, estará

efetivando aquela conduta prevista no conseqüente do ato-norma lançamento ou no

ato-norma autolançamento. Ferreiro Lapatza define pagamento “como a realização

da prestação (a entrega de uma soma de dinheiro) que constitui o objeto da

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137

obrigação”300.

Há o fato jurídico do pagamento, que é a ação de entregar dinheiro aos cofres

públicos em razão de uma conduta prescrita no conseqüente de uma norma

individual e concreta. Esse fato dá origem a uma nova relação jurídica: o contribuinte

tem o direito subjetivo de não pagar a dívida tributária301, e o Fisco tem o dever

jurídico de não cobrá-la. Eis mais um eixo de positivação do direito.

Identifica-se, portanto, a existência de duas normas individuais e concretas

no sistema: N1, que estabelece a obrigação de o contribuinte pagar o tributo; e N2,

prescrevendo o pagamento do tributo. Em N1 tem-se a concretização do fato jurídico

tributário no seu antecedente e, no conseqüente, a prescrição da obrigação jurídica

tributária, figurando como sujeito ativo o Fisco, como sujeito passivo o contribuinte,

e o objeto é a conduta de pagar o tributo. Já N2 contém o fato jurídico do pagamento

como seu antecedente implicando o conseqüente, isto é, a relação jurídica em que é

permitido o contribuinte não pagar o tributo para o Fisco. É do cotejo entre essas

duas normas que se dá a extinção da obrigação tributária.

Tem-se dito até agora que o direito é um fenômeno comunicacional, sendo a

linguagem seu elemento imprescindível. Para se construir uma norma, portanto, é

necessário o seu suporte físico, com a presença dos enunciados-enunciados que

permitirão ao intérprete elaborá-la. No caso da norma do pagamento, qual seria seu

suporte físico? Como dizer que o contribuinte realizou o comportamento de pagar? É

mediante o documento recibo que se obtêm essas informações. Ele serve para

identificar o fato protocolar do pagamento, com suas coordenadas de espaço e tempo

individualizadas. É o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho302:

300 Direito tributário: teoria geral do tributo, p. 313. 301 Tácio Lacerda GAMA, Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho, Revista tributária e de finanças públicas, n. 50, p. 108. 302 Curso de direito tributário, p. 459. Ricardo Lobo TORRES se alinha ao esposado, explicando que a prova do pagamento é feita mediante recibo ou documento passado pela repartição fazendária ou pelos estabelecimentos bancários autorizado, contendo o nome do devedor, o valor e a espécie da dívida, Curso de direito financeiro e

tributário, p. 289.

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138

Saliente-se, porém, que não é o evento do pagamento que extingue a obrigação. Esta desaparecerá tão-somente quando aquele evento for relatado na linguagem prevista pelo ordenamento jurídico, surgindo aquilo que se chama de ‘documento de quitação’ ou ‘recibo de pagamento’. Tal documento contém os enunciados necessários e suficientes para a construção de uma norma individual e concreta, cujo antecedente descreve o fato da existência de dívida e cujo conseqüente prescreve um liame que, no cálculo das relações, anula o vínculo primitivo.

A ação de pagar devidamente documentada em linguagem competente

suprime tanto o crédito tributário como o débito tributário. Com a concretização do

seu eixo de positivação, não há mais o direito subjetivo de o Fisco exigir o valor do

tributo e tampouco persiste o dever jurídico de o contribuinte levar uma quantia em

dinheiro aos cofres públicos.

O fato jurídico suficiente do pagamento, para fins de extinção da obrigação

tributária, deve preencher alguns requisitos. Eusébio González e Ernesto Lejeune

apontam os seguintes: a) subjetivos; b) objetivos; c) formais; e d) temporais303.

O pressuposto subjetivo diz respeito aos sujeitos hábeis para realizar o

pagamento e aos sujeitos competentes para recebê-lo. Esses sujeitos nada mais são do

que aqueles previstos no conseqüente da norma individual e concreta instituidora do

crédito tributário: sujeito ativo (Fisco) e sujeito passivo (contribuinte).

Outro elemento da obrigação tributária, além dos sujeitos, é o seu objeto, a

prestação de pagar o tributo. Motivo pelo qual o pagamento tem de totalizar o valor

integral do tributo feito em dinheiro. É a identidade e a integralidade a que se

referem os autores espanhóis304. O pagamento efetuado pelo contribuinte somente

extingue a obrigação tributária se compreender a totalidade da dívida para com o

Fisco.

Os requisitos formais referem-se ao modo como deve acontecer o pagamento.

No direito brasileiro o recolhimento dos tributos é feito por meio de guias

preenchidas conforme procedimentos prescritos em normas jurídicas. Qualquer erro

303 Derecho tributario I, p. 281 et seq. 304 Ibid p. 283-284.

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nesse ato descaracterizará a ação como pagamento do tributo. O art. 165 do CTN

estipula que o pagamento deve ser realizado em dinheiro, cheque ou vale postal e,

em casos previstos em lei, por estampilhas.

Por fim, o período para o pagamento dos tributos é preenchido pelo requisito

temporal. Com a constituição do crédito tributário, o contribuinte tem um prazo para

efetuar o recolhimento da dívida tributária. Segundo o art. 160 do CTN são trinta

dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento,

quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento.

Em suma, o pagamento tem de se realizar em conformidade com o prescrito

na norma individual e concreta do lançamento ou do autolançamento, com relação

aos valores e sujeitos. Já em se tratando do procedimento e prazo para efetuá-lo, são

normas gerais e abstratas que os regulam. Porém, somente com a expedição da

norma individual e concreta do pagamento haverá o cotejo entre normas: a que

obriga o pagamento do tributo e a que desobriga o pagamento do tributo.

7.3.2 A transação

Transação significa o instituto em que as partes interessadas, credor e

devedor, fazendo concessões mútuas, põem fim a um litígio extinguindo a obrigação.

Consoante Maria Helena Diniz, é um acordo amigável entre as partes, cada uma

abrindo mão de parte de suas pretensões, com a finalidade de cessar suas

discórdias305.

Para fins do direito tributário, alerta Hugo de Brito Machado que a transação

necessita de previsão legal e só é possível após a instauração do litígio, não servindo,

portanto, para evitá-lo306. Outra advertência a ser feita é acerca da acepção do

vocábulo litígio. Abrange a discussão administrativa ou apenas a judicial? Para Paulo

305 Curso de direito civil brasileiro, p. 311. 306 Curso de direito tributário, p. 237.

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de Barros Carvalho independe o âmbito do conflito, seja judicial ou não, para a

possibilidade de existir a transação307.

Desse modo, a efetiva extinção da obrigação tributária pela transação

pressupõe a previsão legal e a existência de um litígio judicial ou não. Isso, porém,

não evita sua constituição em linguagem. A extinção de uma relação jurídica só é

possível quando ela entra em cálculo com outra relação. Eis a necessidade da

positivação da norma geral e abstrata da transação.

Entretanto, deve-se observar que a transação geralmente não serve para

extinguir a obrigação tributária, mas para terminação do litígio. Hugo de Brito

Machado afirma que a transação tem com objetivo extinguir o litígio: “a transação

destina-se essencialmente a extinguir o litígio. Pode ocorrer, por exemplo, que em

face da transação seja concedido um novo prazo para o pagamento, de uma só vez ou

em parcelas, do crédito tributário respectivo. Desde que tenham sido feitas

concessões mútuas com o objetivo de terminar o litígio estará caracterizada a

transação”308.

De fato, nesses casos, a extinção da obrigação tributária dar-se-á pelo

pagamento. Para o STJ “O parcelamento do débito tributário é espécie de transação,

muito embora não determine a extinção imediata do crédito, que fica suspenso até o

seu adimplemento total pelo devedor”309. Note-se que a transação não extingue

propriamente a obrigação tributária, e sim cria novas condições para o seu

307 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 207. Também nesse sentido Hugo de Brito MACHADO, A transação no direito tributário, Revista dialética de direito tributário, n. 75, p. 63. 308 A transação no direito tributário, Revista dialética de direito tributário, n. 75, p. 62-63. Um exemplo sobre a transação pode ser visto em Ives Gandra da Silva MARTINS, Transação tributária realizada nos exatos termos do art. 171 do Código Tributário Nacional – inteligência do dispositivo – prevalência do interesse público em acordo envolvendo prestação de serviços e fornecimento de material – rigoroso cumprimento da legislação complementar federal e municipal, Revista dialética de direito tributário, n. 148, p. 143 et seq. Nesse texto, o autor analisa a transação efetuada entre a Prefeitura de Santa Cruz do Rio Pardo e uma empresa de construção, sobre o pagamento de ISS. Fica aventado, em lei, o recebimento do ISS devido em materiais e prestação de serviços. Percebe-se que a extinção da obrigação é pela consignação em pagamento, e não pela própria transação. Outro exemplo de transação são os parcelamentos concedidos pela legislação federal, REFIS, PAES e PAEX, em que se exige a desistência da ação em curso para se incluir o crédito tributário nos referidos programas. “O REFIS, espécie de transação, só autoriza a suspensão da execução quando homologado” (STJ, REsp. 427.358/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 27.08.2002, DJ 16.09.2002 p. 177); e também Hugo de Brito Machado, A transação no direito tributário, Revista dialética de direito tributário, n. 75, p. 68. 309 REsp. 399.703/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 03.04.2003, DJ 12.05.2003, p. 273.

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adimplemento. “Transacionar não é pagar, é operar para possibilitar o pagar. É

modus faciendi, tem feitio processual, preparatório do pagamento”310.

Como é possível perceber, a transação consiste num novo eixo de positivação

de normas que tem a finalidade de modificar a dívida tributária anteriormente

prescrita para fins de seu pagamento. Esse, sim, um fluxo de normas que confirma a

extinção da obrigação tributária.

7.3.3 A remissão

Outra forma de extinção da obrigação tributária eleita pelo CTN é a

remissão, cujo significado consiste no perdão, isto é, na dispensa do pagamento. É

um direito exclusivo do credor, conforme ensina Maria Helena Diniz: “A remissão das

dívidas é a liberação graciosa do devedor pelo credor, que voluntariamente abre mão

de seus direitos creditórios, com o escopo de extinguir a obrigação, mediante o

consentimento expresso ou tácito do devedor”311.

O CTN, no art. 172, condiciona a remissão à lei que deve autorizar a

autoridade administrativa a concedê-la por meio de despacho fundamentado, desde

que atenda: (a) à situação econômica do sujeito passivo; (b) ao erro ou ignorância

escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato; (c) à diminuta importância do

crédito tributário; (d) a considerações de eqüidade, em relação com as características

pessoais ou materiais do caso; e (e) a condições peculiares a determinada região do

território da entidade tributante.

O seu processo de positivação se encerra com a produção de uma norma

individual e concreta pela autoridade administrativa, cuja mensagem consiste no

perdão da dívida tributária. Essa norma é o despacho fundamentado a que faz alusão

o art. 172 do CTN. Sem a finalização dessa cadeia normativa, não há a extinção da

310 Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de direito tributário, p. 472. 311 Curso de direito civil brasileiro, p. 337. (grifo do original).

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obrigação tributária.

A remissão não deve ser confundida com a figura da anistia. Aqui há o

perdão do crédito tributário, enquanto anistia refere-se às penalidades. Duas relações

jurídicas distintas, dois institutos diversos. Entretanto, para Tercio Sampaio Ferraz

Jr., a diferenciação acima feita é uma fórmula muito pobre, pois “o exame da

sistematicidade orgânica exige, para além da estrutura do contexto normativo, a

consideração da gênese dos conceitos”312. Segundo o ilustre professor, é possível estar

diante do instituto da remissão mesmo no caso de cancelamento ou redução de

penalidades. O critério estrutural para identificar se é caso de anistia ou remissão é a

verificação das condições a que se vincula a concessão legal. Sendo assim, quando as

condições forem do art. 172 do CTN, será remissão; agora, se ela se reporta às do art.

181 do CTN, o caso é de anistia313. Em suma, o critério está voltado para a

contextualização dos institutos.

7.3.4 A prescrição e a decadência

A prescrição é a perda do direito de o Fisco exigir o crédito tributário

constituído; e a decadência é a perda do direito de o Fisco constituir o crédito

tributário, ambos em razão do decurso do tempo.

São dois eixos de positivação de normas encerrando-se com a produção de

uma norma individual e concreta para ocorrer a extinção do vínculo tributário. É o

que afirma Eurico de Santi, para quem a norma geral e abstrata da decadência e da

prescrição “requer, como as demais unidades desse jaez, a edição de normas

individuais e concretas que objetivem os fatos decadencial ou prescricional,

precisando seus termos e determinando o objeto da relação extintiva. E isso se faz

312 Remissão e anistia fiscais: sentido dos conceitos e forma constitucional de concessão, Revista dialética de direito

tributário, n. 92, p. 70. 313 Ibid. p. 73.

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com a indigitada trajetória de positivação”314.

Somente haverá prescrição ou decadência com a produção das suas

respectivas normas individuais e concretas. Seu antecedente contém o fato do

transcurso de tempo em que o titular do direito permaneceu inerte, e seu

conseqüente prevê a perda do direito de constituir o crédito ou de cobrá-lo.

Para fins do presente trabalho, apresentar-se-ão apenas algumas

considerações acerca dos institutos separadamente, mas ressalvando a existência de

muita controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre decadência e prescrição, sem a

pretensão de resolvê-las aqui.

7.3.4.1 A decadência

O art. 173 estabelece para a Fazenda Pública o prazo de cinco anos para

constituir o crédito tributário, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele

em que o lançamento poderia ser efetuado; ou da data em que se tornar definitiva a

decisão anulando, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Os atos de

lançamento têm de observar essa norma. Sobre os lançamentos por homologação, a regra

decadencial a ser observada é a prescrita no art. 150, § 4º, também do CTN315.

A finalidade das normas de decadência é determinar o desaparecimento do

direito de a Fazenda exercer sua competência administrativa para constituir o crédito

tributário. Como é possível notar, nesse caso, a decadência não extingue o vínculo

jurídico tributário, apenas evita sua constituição pelo Fisco. A extinção da obrigação

tributária pela decadência pressupõe a constituição do crédito tributário. Sem a

norma individual e concreta que dá existência ao crédito, não é possível haver uma

314 Decadência e prescrição no direito tributário, p. 159. Veja-se, nesse sentido, o que pensa o STJ: “Entrementes, impende ressaltar que a decadência, assim como a prescrição, nasce em razão da realização do fato jurídico de omissão no exercício de um direito subjetivo. (REsp. 849.273/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 04.03.2008, DJ 07.05.2008 p. 1). 315 Eurico de SANTI, mesclando quatro critérios encontrados no direito positivo, encontra seis normas referente a decadência de o Fisco lançar. Cada qual com sua peculiaridade referente a determinação do dies a quo para a contagem do prazo decadencial, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 163 et seq.

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norma decadencial extinguindo-o.

Desse modo, para fins da extinção da obrigação tributária, faz-se coro às

lições de Paulo de Barros Carvalho: “A caducidade será extintiva do vínculo apenas

nas circunstâncias em que tiver sido alegada pelo interessado e reconhecida pelo

órgão credenciado pelo sistema, depois de ter nascido a obrigação tributária. Aqui,

sim, o efeito será terminativo da relação”316. Para ocorrer a extinção da obrigação

tributária por via decadencial, é imprescindível mais uma cadeia de causalidade

jurídica, que culminará com a produção de uma norma individual e concreta cujo

conteúdo é rechaçar o vínculo jurídico do sistema em razão de o crédito tributário ter

sido constituído fora dos prazos previstos em lei.

7.3.4.2 A prescrição

Consoante disposição do direito positivo, mais precisamente do art. 174 do

CTN, a Fazenda Pública possui cinco anos para ingressar com a ação de cobrança do

crédito tributário, contados da data da sua constituição definitiva. Surge, de plano,

uma primeira questão: quando o crédito é definitivamente constituído?

Hugo de Brito Machado demonstra a divergência doutrinária sobre qual o

momento em que se deve considerar constituído o crédito tributário: a) quando o

Fisco determinar o montante a ser pago e intimar o sujeito passivo para fazê-lo; b)

quando houver decisão, pela procedência da ação fiscal, em primeira instância

administrativa; c) quando existir decisão administrativa definitiva; e d) quando o

crédito tributário for inscrito como dívida ativa317. O autor opta pela posição c),

afirmando que “o lançamento está consumado, e não se pode mais cogitar de

decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser

316 Direito tributário, linguagem e método, p. 489. 317 Curso de direito tributário, p. 238.

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145

discutida na esfera administrativa”318.

Em virtude das premissas adotadas, entende-se que o crédito tributário fica

constituído com o ato-norma de lançamento ou de autolançamento319. Havendo

impugnação, se inicia outro eixo de positivação, que se encerrará com mais uma

norma individual e concreta no sistema, especificando se a formação do crédito

tributário foi de acordo ou não com os procedimentos eleitos pelo ordenamento

jurídico. O exercício do direito de o Fisco constituir o crédito já foi exercido, tanto é

que o contribuinte pode optar pelo seu pagamento de imediato sem oferecer

impugnação. Caso a decisão administrativa final seja pela ratificação da forma de

constituição do crédito, não se está diante de um novo lançamento.

Em suma, para fins de contagem do prazo prescricional, considera-se

constituído o crédito tributário com a norma individual e concreta inserida no

sistema pelo particular ou pela autoridade administrativa. É o ensinamento de Eurico

de Santi, para quem “no caput do Art. 174 do CTN, há de se entender constituição

definitiva do crédito como o momento da constituição do ato-norma, seja aquele

administrativo efetuado pelo agente público competente, seja o ato-norma editado

pelo particular”320.

O que acontece quando há a interposição de recurso na esfera administrativa

é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, de acordo com o art. 151, III, do

CTN. Nesse período, deve ser descontado o tempo em que o crédito ficou obstado

pela causa suspensiva321.

318 Hugo de Brito MACHADO, Curso de direito tributário, p. 239. 319 Ver Capítulo 6, tópicos 6.5 e 6.6. 320 Decadência e prescrição no direito tributário, p. 217. 321 Cf. Eurico de SANTI, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 219. O STJ assim se posiciona: “O Código Tributário Nacional estabelece três fases distintas quanto aos prazos prescricional e decadencial: a primeira estende-se até a notificação do auto de infração ou do lançamento ao sujeito passivo – período em que há o decurso do prazo decadencial (art. 173); a segunda flui dessa notificação até a decisão final no processo administrativo – período em que se encontra suspensa a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III) e, por conseguinte, não há o transcurso do prazo decadencial, nem do prescricional; por fim, na terceira fase, com a decisão final do processo administrativo, constitui-se definitivamente o crédito, dando-se início ao prazo prescricional de cinco anos para que a Fazenda Pública proceda à devida cobrança (art. 174)”. (REsp. 686.834/RS, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 18.09.2007, DJ 18.10.2007 p. 268).

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146

7.3.5 A conversão de depósito em renda

O CTN determina que com a conversão do depósito em renda implica-se a

extinção da obrigação tributária. O depósito é uma das formas de suspensão da

exigibilidade do crédito tributário. Ao final do litígio, os valores depositados são

convertidos em renda do sujeito ativo concretizando o pagamento do tributo.

Concretizada a demanda com uma norma individual e concreta que

determina a obrigação tributária e tendo sido depositado no curso do processo o

montante integral do tributo discutido, o crédito restará extinto ao se converterem os

valores depositados. Por isso, o depósito convertido em renda nada mais é do que

mais uma forma de pagamento322.

Discute-se, se ao final da lide o autor dos depósitos tem o condão de levantá-

los quando a sentença judicial lhe é desfavorável. Em outros termos, é possível a

conversão automática do deposito em renda?

Hugo de Brito Machado defende que a conversão deve ser determinada de

ofício pelo juiz tão logo transite em julgado a sentença, em virtude dos princípios

processuais323. Segundo Maria Leonor Leite Vieira, por sua vez, nesse caso o

magistrado estará “imiscuindo-se em seara a que não está permitido, ou a que está

impedido, pois que, além de adentrar na propriedade do sujeito passivo (autor), estará

em muitos casos (quiçá em todos), lançando tributo cuja competência é exclusiva da

administração pública”324. Resolvendo a peleja, o STJ entende ser possível a

conversão, pertencendo o depósito ao contribuinte ou à Fazenda Pública, se a ação

322 O STJ julga da seguinte forma: “Deveras, a conversão do depósito em renda não deixa de ser uma modalidade de pagamento, o que resta explícito no inciso II, do § 3º, do artigo 1º, da Lei 9.703/98, segundo o qual o valor dos depósitos, repassados pela Caixa Econômica para a Conta Única do Tesouro Nacional, será transformado em pagamento definitivo, proporcionalmente à exigência do correspondente tributo ou contribuição, inclusive seus acessórios, quando se tratar de sentença ou decisão favorável à Fazenda Nacional, mediante ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, após o encerramento da lide ou do processo litigioso”. (REsp. 797.387/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 08.05.2007, DJ 16.08.2007, p. 289). 323 Curso de direito tributário, p. 247. Também defende essa linha de pensamento Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de direito tributário, p. 479. 324 A suspensão da exigibilidade do crédito tributário, apud. José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 262.

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147

for bem ou mal-sucedida:

Tributário. Depósito judicial. Indisponibilidade. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, embora voluntário, o depósito dos tributos controvertidos fica vinculado ao processo e sujeito ao regime de indisponibilidade até o seu término, sendo o respectivo montante devolvido ao autor ou convertido em renda da Fazenda Pública, conforme a ação seja bem ou mal sucedida. Recurso especial conhecido e provido. (REsp. 116.480/PE, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 15.05.1997, DJ 02.06.1997, p. 23782).

Portanto, resta ao contribuinte levantar o depósito apenas nos casos em que

for vencedor do litígio.

7.3.6 O pagamento antecipado e a homologação

O CTN estipula que o pagamento antecipado e a homologação do lançamento são

causa extintiva do vínculo tributário. Acontece que a homologação não é do

lançamento, pois o ato da autoridade administrativa nas hipóteses de lançamento por

homologação é emitir a norma individual e concreta da homologação, ou seja, não há

lançamento nesses casos.

O chamado lançamento por homologação é forma de o particular inserir no

sistema jurídico norma individual e concreta formalizando o crédito tributário, sendo

facultado à autoridade administrativa realizar a fiscalização desse procedimento

efetuado pelo contribuinte mediante o ato de homologação325.

Consoante ficou expresso acima, o ato de homologação é do pagamento,

sendo infeliz a locução apresentada pelo CTN, pois não há qualquer atividade de

lançamento aqui. O Fisco verifica se o pagamento foi suficiente para a extinção do

crédito. A lei determina que o contribuinte pague e dá um prazo de cinco anos à

Fazenda para verificar se o pagamento está correto326.

Assim, é o pagamento antecipado que extingue a obrigação tributária e não a

325 Confira Capítulo 6, item 6.6. 326 Veja o tópico 6.6.2 do Capítulo 6.

Page 149: Tiago Cappi Janini.pdf

148

homologação do lançamento, que, na verdade nem existe. O ordenamento jurídico

expressamente prevê desse modo, com a inclusão da LC 118/05, que, no art. 3º,

específica que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a

lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o

§ 1º do art. 150 do CTN. A homologação tácita, já se disse, é prazo decadencial para a

Fazenda constituir o crédito. Findo aquele prazo de cinco anos sem atuação do Fisco,

não poderá haver nenhum lançamento suplementar, decaindo seu direito ao crédito.

7.3.7 A consignação em pagamento

A consignação em pagamento pode ser vista como uma forma de

pagamento, porém com algumas peculiaridades. Diante da recusa de o credor

receber a prestação, ou no caso de o devedor ter dúvidas a quem pagar, o pagamento

pode ser efetuado pelo depósito judicial.

A extinção da obrigação tributária nesse caso é concretizada com o

pagamento, embora o seu procedimento seja diferente daquele descrito acima (item

7.3.1). Aqui se utiliza a via processual para depositar o valor devido a título de

tributo, com a conseqüente extinção do vínculo obrigacional por supressão do dever

jurídico do contribuinte em realizar a prestação.

De acordo com o art. 164 do CTN, o contribuinte pode efetuar o pagamento

em consignação nos casos de (i) recusa de recebimento, ou subordinação deste ao

pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação

acessória; (ii) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências

administrativas sem fundamento legal; e (iii) exigência, por mais de uma pessoa

jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.

Diante dessas situações, o contribuinte ingressa no Judiciário com o fim

específico de se determinar o pagamento do tributo. Com a sentença proferida, ficará

extinta a obrigação tributária, e o depósito será convertido em renda.

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149

7.3.8 A decisão administrativa irreformável

O processo administrativo, em que se discute a constituição do crédito,

consiste é mais um eixo de positivação do direito positivo. Diante de uma norma que

constitui o crédito, é possível buscar sua retificação ainda em âmbito administrativo,

cujo ato final é uma decisão que põe fim à discussão.

Essa decisão final nada mais é do que uma norma individual e concreta

determinando se a constituição do crédito tributário está de acordo com o sistema

jurídico. O emissor dessa mensagem é a própria Administração representada por

órgãos colegiados, e o seu destinatário é o contribuinte. Quando o conteúdo da

norma for favorável ao contribuinte, total ou parcialmente, extingue-se o crédito na

medida da decisão.

7.3.9 A decisão judicial passada em julgado

A decisão judicial também é uma norma individual e concreta que encerra

um processo de positivação, o da norma secundária. Com a decisão judicial

definitiva, o Judiciário insere uma mensagem jurídica cuja relação prescrita no seu

conseqüente determina a extinção da obrigação tributária. Assim, “na condição de

norma individual e concreta, produzida pelo Poder Judiciário, a decisão judicial

passada em julgado se sobrepõe à norma que prevaleceu até aquele momento,

expulsando-a do sistema”327.

7.3.10 A dação em pagamento de bens imóveis

Essa possibilidade de extinção da obrigação tributária foi inserida no CTN

327 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 223.

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150

pela Lei Complementar 104/2001. Tem como finalidade a entrega de coisa diversa de

dinheiro como pagamento de tributos. É um instituto do direito civil em que o credor

pode consentir em receber uma prestação diversa daquela que lhe era devida. Seus

requisitos são: (i) a existência de um débito; (ii) a intenção de efetuar o pagamento;

(iii) a diversidade de objeto oferecido em relação ao devido; (iv) concordância do

credor na substituição328.

A obrigação tributária nasce e se quantifica em dinheiro e consiste em

entregar uma soma em pecúnia. Mas o devedor pode cumpri-la executando outra

prestação, a entrega de bens imóveis. Desse modo, no âmbito tributário há uma

substituição na entrega da coisa, objeto da obrigação; ao invés de dinheiro, permite a

extinção da obrigação tributária com a entrega de bem imóvel.

É preciso a edição de uma lei329 (norma geral e abstrata) determinando o

procedimento a ser seguido para que se concretize a norma da dação em pagamento.

Somente com uma norma individual e concreta que estabeleça o fato da dação em

pagamento é que exsurgirá a relação jurídica que extingue a obrigação tributária.

328 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 272-3. 329 Sem uma legislação regulando e traçando o procedimento da dação em pagamento é impossível sua utilização. O STJ já definiu que “o inciso XI, do art. 156 do CTN (incluído pela LC 104/2001), que prevê, como modalidade de extinção do crédito tributário, ‘a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei’, é preceito normativo de eficácia limitada, subordinada à intermediação de norma regulamentadora. O CTN, na sua condição de lei complementar destinada a ‘estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária’ (CF, art. 146, III), autorizou aquela modalidade de extinção do crédito tributário, mas não a impôs obrigatoriamente, cabendo assim a cada ente federativo, no domínio de sua competência e segundo as conveniências de sua política fiscal, editar norma própria para implementar a medida”. (REsp. 884.272/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 06.03.2007, DJ 29.03.2007, p. 238).

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151

8 A CONSTITUIÇÃO E EXTINÇÃO DO DÉBITO DO FISCO

8.1 A relação de débito do Fisco

Como se disse, há diversas espécies de relações jurídicas tributárias. Duas

importantes para este trabalho são a que constitui o crédito tributário, definido como

o direito subjetivo de o Fisco exigir do contribuinte um valor pecuniário a título de

tributo, e a que constitui o débito do Fisco, em que o contribuinte possui um direito

subjetivo de exigir do Fisco uma importância em dinheiro. Essa classificação é feita

de acordo com a posição do Fisco na relação jurídica: se sujeito ativo, trata-se de

crédito tributário; se sujeito passivo, é relação de débito do Fisco.

O crédito tributário já foi analisado em capítulo anterior. Parte-se, agora,

para estudar a relação de débito do Fisco. Por também ser relação jurídica, é formada

por um sujeito ativo que possui um direito subjetivo de exigir uma determinada

conduta de um sujeito passivo, que, em contrapartida, tem o dever jurídico de

obedecer. O sujeito ativo é o contribuinte, que exige do Fisco, sujeito passivo, uma

quantia em dinheiro.

Acontece que essa relação jurídica somente ingressa no mundo do direito por

meio da linguagem competente. O direito não tem como escapar do cerco da

linguagem. Assim, de acordo com a ocorrência de um evento deve ser a aplicação da

norma que resultará na norma individual e concreta, que, por sua vez, constitui o

fato e a relação jurídica de débito do Fisco. A norma percorrerá todo o processo de

positivação do direito, partindo de normas gerais e abstratas até atingir os máximos

níveis de individualização e concretização.

Desse modo, deve existir uma norma geral e abstrata descrevendo um fato

jurídico e que, se comprovada a sua ocorrência no mundo fenomênico por meio das

provas em direito admitidas, ensejará a relação jurídica de débito tributário. É pelo

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152

ato de produção de normas que exsurge a relação jurídica de débito do Fisco

intranormativa, composta pelos sujeitos individualizados e com o valor a ser pago

determinado.

8.2 As relações de débito do Fisco

Percorrendo o direito positivo, há, pelo menos, quatro fatos jurídicos

suficientes para o nascimento de relações em que o Fisco figura como sujeito passivo:

(i) o pagamento indevido; (ii) certas aquisições nos tributos não-cumulativos; (iii) a

antecipação do pagamento (retenção na fonte); e (iv) o reembolso dos empréstimos

compulsórios. Cada fato decorre de um fluxo normativo; são cadeias de positivação

do direito distintas que ensejam normas individuais e concretas cujo vínculo jurídico

consiste no dever que o Fisco possui de entregar uma quantia em dinheiro para o

contribuinte.

8.3 A relação de débito do Fisco nos tributos não-cumulativos

A Constituição Federal estabelece quatro tributos com técnicas de apuração

que permitem classificá-los como não-cumulativos: ICMS, IPI, PIS e COFINS330. A

criação de um tributo não-cumulativo visa evitar a chamada cobrança “em cascata”,

determinando apenas uma incidência do tributo por etapa da operação.

Para se atingir a não-cumulatividade, há a técnica de compensação dos

tributos devidos nas anteriores aquisições de bens e serviços com aqueles incidentes

nas operações e serviços praticados pelo contribuinte. Em que pese existam duas

técnicas distintas, uma para apurar o PIS e a COFINS e outra para definir o

330 Confira os artigos 153, § 3º, II; 155, § 2º, I; e 195 § 12, todos da Constituição Federal.

Page 154: Tiago Cappi Janini.pdf

153

recolhimento do IPI e do ICMS331, entende-se que é possível determinar uma teoria

geral da não-cumulatividade comum a todos os tributos. Por isso, passa-se a analisar

de modo unitário a não-cumulatividade apenas para fins de se especificar a relação

de débito do Fisco nesses casos.

Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, tratando do ICM na Constituição

anterior, descreveram a apuração da não-cumulatividade da seguinte maneira: “O

esquema constitucional, portanto – ao mencionar ‘abatimento’ – pode ser visto como

um processo matemático de dedução no qual, por imposição constitucional, o

montante de ICM devido é o ‘minuendo’, e o montante de ICM anteriormente

cobrado é o ‘subtraendo’”332. Tal operação matemática pode ser visualizada em todas

as espécies tributárias sujeitas à não-cumulatividade.

A fenomenologia da não-cumulatividade pode ser traçada com a incidência

de três normas jurídicas: (i) a regra-matriz do tributo (ICMS, IPI, PIS e COFINS); (ii) a

norma que determina a relação efectual de débito do Fisco; e (iii) a norma jurídica

que determina a compensação entre o tributo e o débito. Em suma, “na entrada

tributada no estabelecimento nascerá um débito para o Fisco e um crédito para o

contribuinte, e na saída tributada um crédito para o Fisco e um débito para o

contribuinte”333.

Com relação ao PIS e a COFINS, já se escreveu:

A forma de apuração do PIS/COFINS não-cumulativo deve se dar com o cotejo entre débito e crédito. Já podemos identificar duas relações jurídicas aí presentes: i) a utilizada para apurar o valor do débito (art. 1º, § 2º c.c. art. 2º, das Leis 10.637/02 e 10.833/03); e ii) a que gera o direito ao crédito (art. 3º da Lei 10.637/02 e da Lei 10.833/03). Após a determinação desses valores (débito e crédito) teremos uma terceira relação jurídica que identificará o valor do tributo a ser recolhido, mediante o cotejo do débito com o crédito (art. 3º, caput, das Leis 10.637/02 e 10.833/03). Esta relação origina uma das situações: (a) ou o valor do crédito é maior e utiliza-se o restante em

331 Nesse sentido: Fabiana Del Padre TOMÉ, Natureza jurídica da “não-cumulatividade” da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS: conseqüências e aplicabilidade, PIS – COFINS: Questões atuais e polêmicas, p. 544; Ricardo Lobo TORRES, A não-cumulatividade no PIS/COFINS, PIS – COFINS: Questões atuais e polêmicas, p. 61-62. 332 ICM – Abatimento constitucional – Princípio da não-cumulatividade, Revista de direito público, n. 29-30, p. 117. 333 Christine MENDONÇA, A não-cumulatividade do ICMS, p. 94.

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154

operações posteriores; (b) ou o valor do débito é maior e recolhe-se a diferença; (c) ou os valores são idênticos e não há importância a recolher nem crédito a manter334.

Percebe-se, portanto, que a não-cumulatividade tem três eixos de positivação

de normas, que se encerram com normas individuais e concretas, que constituem a

relação de crédito; a relação de débito do Fisco e a relação de compensação entre

crédito e débito.

Apesar de serem consideradas duas técnicas distintas, uma para apuração do

PIS e da COFINS e outra para o IPI e o ICMS, é evidente que em ambas há

necessariamente a presença do processo de positivação da norma que garante o

direito subjetivo ao contribuinte de exigir do Fisco um valor que pode surgir do fato

jurídico de adquirir mercadorias tributadas pelo IPI e pelo ICMS335 e do fato da

aquisição de bens, serviços e insumos, no caso do PIS e da COFINS336. É, porém, com

a formalização das normas gerais e abstratas, cujo conteúdo descreve

conotativamente esses fatos suficientes, que nasce a relação de débito do Fisco.

Assim, ocorrendo esses fatos no mundo fenomênico e havendo a expedição

da linguagem competente, surge a relação intranormativa, em que o Fisco figura

como sujeito passivo com o dever de restituir certa importância ao contribuinte.

Ressalte-se que a extinção dessas relações jurídicas ocorre, em regra, pela

compensação, como técnica para se atingir a não-cumulatividade dos tributos.

8.4 A relação de débito do Fisco nos casos de retenção na fonte

Tem sido rotineira a inserção de enunciados prescritivos em nosso

ordenamento jurídico determinando o recolhimento antecipado dos tributos. É a

334 Tiago Cappi JANINI, PIS/Cofins: análise acerca da possibilidade de crédito nas operações com entrada ou saída sem tributação. Aplicação à Zona Franca de Manaus, Revista dialética de direito tributário, n. 123, p. 81. 335 Cf. Christine MENDONÇA, A não-cumulatividade do ICMS, p. 137 et seq. 336 Cf. Fabiana Del Padre TOMÉ, Natureza jurídica da “não-cumulatividade” da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS: conseqüências e aplicabilidade, PIS – COFINS: Questões atuais e polêmicas, p. 549-50.

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155

chamada retenção na fonte. Essa forma trata de antecipação do tributo que poderá ser

abatida na sua apuração final. É o que ocorre, por exemplo337, com o imposto de

renda e com as contribuições sociais PIS, COFINS e CSLL.

Para fins do presente trabalho, tratar-se-á da retenção na fonte de forma

genérica, apenas para demonstrar o nascimento de uma relação de débito do Fisco

nessas situações. Alerta-se que tal sistemática é sobremodo complexa, coexistindo

diversos eixos de positivação de normas. Por isso, uma análise detalhada da retenção

na fonte fugiria aos propósitos desta dissertação338. Nesse sentido, afirma Julia de

Menezes Nogueira sobre o imposto de renda: “O legislador ordinário, tendo presente

sua liberdade para instituir diversas regras-matrizes de incidência tributária de

imposto sobre a renda, criou um intricado conjunto de normas relacionadas entre si,

com a finalidade de exercer de modo exaustivo sua competência tributária”339.

Percebe-se que essa fenomenologia, vista de forma sintética340, prevê a

existência de uma norma geral e abstrata que dará origem a uma cadeia normativa se

encerrando com a norma individual e concreta da retenção, e a possibilidade,

autorizada pelo direito, de se compensar o valor retido com o tributo.

A relação de débito do Fisco surge com a incidência da norma geral e

abstrata da retenção. Essa norma pode ser assim descrita: dado o fato de se efetuar

pagamentos, instaurar-se-á a relação jurídica em que a fonte pagadora deverá pagar

ao Estado tributo incidente sobre o montante dos valores pagos, de acordo com

certas alíquotas. É com a formalização dessa norma por linguagem competente que

surge o débito do Fisco.

337 Deve-se alertar que há outras formas de retenção previstas no sistema jurídico tributário. 338 Para um maior aprofundamento acerca do tema, sugere-se: Julia de Menezes NOGUEIRA, Imposto sobre a renda

na fonte, Aldo de PAULA JUNIOR, O perfil da retenção na fonte da COFINS, do PIS e da CSLL instituídas pela Lei 10.833/2003 – natureza e efeitos, PIS – COFINS: questões atuais e polêmicas, p. 509-534. 339 Imposto sobre a renda na fonte, p. 125. 340 Diz-se de forma sintética, porque há incidência de mais normas, originando outras relações jurídicas. Aldo de PAULA JUNIOR encontrou as seguintes: “i) relação jurídica de substituição entre o tomador e a União; ii) relação jurídica tributária entre o prestador e a União que tem por objeto o pagamento de tributo; iii) relação jurídica entre o tomador e o prestador (que tem por objeto a retenção); iv) relação jurídica entre o prestador e a União que tem por objeto o direito de compensação do valor retido pelo tomador”. O perfil da retenção na fonte da COFINS, do PIS e da CSLL instituídas pela Lei 10.833/2003 – natureza e efeitos, PIS – COFINS: questões atuais e polêmicas, p. 522.

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156

Ao sofrer a retenção, o contribuinte tem o direito subjetivo de exigir do Fisco

o valor da importância retida conforme a apuração do tributo. É outro eixo de

positivação de normas que culmina com a produção de uma norma individual e

concreta cuja relação jurídica estabelece a compensação com o tributo apurado ao

final de certo período.

Assim, se o contribuinte sofrer retenção sobre pagamentos recebidos, terá

direito de compensar com o tributo devido o montante retido. O fato jurídico que dá

ensejo à relação de débito do Fisco é sofrer retenção. Essa relação é extinta por meio da

compensação com o tributo devido no final de um período de apuração. É o que se

extrai das lições de Julia Nogueira: “A legislação pertinente evita a sobreposição de

incidências, seja mediante enunciados que excluem das respectivas bases de cálculo

os rendimentos tributados na fonte, seja através de norma que permite o crédito do

tributo retido contra aquele que se tornará devido em virtude de outra regra-matriz

(Normas de Crédito)”341.

É evidente que, para cada tributo sujeito à retenção na fonte, haverá regras-

matrizes próprias e específicas cadeias normativas. Apenas traçou-se, de forma

genérica e simplória, um paradigma da constituição da relação de débito do Fisco

nos casos em que ocorre a retenção na fonte.

8.5 A relação de débito do Fisco nos empréstimos compulsórios

O empréstimo compulsório é considerado pela doutrina342 e pela

341 Imposto sobre a renda na fonte, p. 186. 342 Nesse sentido confira: Eurico de SANTI, Classificações no sistema tributário, Justiça Tributária, p. 143; José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 69; Márcio Severo MARQUES, Classificação constitucional

dos tributos, p. 192; Paulo de Barros CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 32; Roque Antonio CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário, p. 480; Alfredo Augusto BECKER, Teoria geral do direito tributário, p. 394.

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157

jurisprudência343 como uma espécie de tributo. Tem como peculiaridade a previsão

de restituição da quantia arrecadada, conforme expressamente prevê o parágrafo

único do art. 15 do CTN. Márcio Severo Marques destaca que os empréstimos

compulsórios têm as seguintes características:

(i) não há exigência constitucional de vinculação da materialidade do antecedente normativo (hipótese tributária) a uma atuação por parte do Estado, referida ao contribuinte, e (ii) há exigência constitucional de previsão legal de destinação específica para o produto de sua arrecadação; e (iii) há exigência constitucional de previsão legal de restituição do produto arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período344.

Na fenomenologia dos empréstimos compulsórios, duas incidências se

destacam: a do pagamento do tributo e a da restituição do montante pago. Já afirmou

Alfredo Augusto Becker a existência dessas relações, descrevendo-as do seguinte

modo: “A primeira relação jurídica é de natureza tributária: o sujeito passivo é um

determinado indivíduo e o sujeito ativo é o Estado. A segunda relação jurídica é de

natureza administrativa: o sujeito ativo é aquele indivíduo e o sujeito passivo é o

Estado”345.

Desse modo, primeiro deve ocorrer o processo de positivação da regra-

matriz do empréstimo compulsório, com a formalização da relação jurídica

intranormativa em que o Fisco tem o direito de exigir do contribuinte uma quantia

em dinheiro. Para extinguir essa relação jurídica, o sujeito passivo deve realizar o

pagamento do tributo.

Com a concretização da regra-matriz do empréstimo compulsório e seu

efetivo pagamento, nasce outra relação, em que o Fisco figura no pólo passivo com o

343 O STF tem admitido a submissão do empréstimo compulsório às normas gerais de direito tributário, conforme se extrai dos julgados RE 111.954 e RE 146.615. O min. Celso de Melo, no seu voto no RE 146.615 afirma: “Não hesito em reconhecer que a figura do empréstimo compulsório, em nosso sistema jurídico-constitucional, assume a qualificação de inquestionável espécie de ordem tributária, submetendo-se, em conseqüência, aos modelos normativos que, inscritos no texto da Constituição, definem, regulam e limitam o exercício, pelo Estado, do seu poder de tributar. (...) Torna-se digno de nota o registro de que também a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, inclinando-se na linha desse magistério doutrinário, tem identificado, na figura do empréstimo compulsório, uma típica modalidade tributária que se sujeita, por isso mesmo, ao regime jurídico-constitucional inerente aos tributos em geral”. 344 Classificação constitucional dos tributos, p. 192. 345 Teoria geral do direito tributário, p. 395.

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158

dever de restituir ao contribuinte o valor pago anteriormente. Aqui tem-se mais uma

relação de débito do Fisco, decorrendo do fato jurídico do pagamento do empréstimo

compulsório. Roque Carrazza assevera que “ao pagar o empréstimo compulsório,

nasce para o contribuinte o direito subjetivo de reaver a quantia recolhida. Em

contrapartida, surge para a União o dever jurídico de restituir o que recebeu,

observados, evidentemente, os prazos e as condições de resgate estipulados na lei

que instituiu o gravame”346.

Assim, constituído o fato jurídico do pagamento de empréstimo

compulsório, exsurge a relação jurídica intranormativa de débito do Fisco, que tem o

contribuinte (aquele que pagou o empréstimo compulsório) como sujeito ativo, com

o direito subjetivo de exigir a devolução do valor recolhido do Fisco, que tem o dever

jurídico de restituir a importância recolhida.

8.6 O pagamento indevido e a relação de débito do Fisco repetição

Para fins do presente trabalho, importa essa última relação. Por isso, dedicar-

se-á mais espaço para o estudo de sua normativa. O surgimento da relação de débito

do Fisco pressupõe a ocorrência de um fato jurídico com a incidência da norma geral

e abstrata. Sem o seu acontecimento no mundo fenomênico, não há aplicação do

direito e, por conseguinte, não existe a produção da norma individual e concreta que

constitui a relação jurídica.

A norma individual e concreta, inserida no sistema pelo veículo introdutor

lançamento tributário ou pelo autolançamento, tem de observar estritamente o

prescrito nas normas superiores, gerais e abstratas, que lhe servem de fundamento de

validade. Existindo qualquer incompatibilidade nesse cotejo e tendo sido

concretizado o pagamento pelo contribuinte ou responsável, existirá o direito

subjetivo à restituição daquilo que foi indevidamente pago. O contribuinte tem o

346 Curso de direito constitucional tributário, p. 487.

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159

direito de ser tributado com base em normas perfeitamente compatíveis com o

sistema jurídico.

Alguns doutrinadores defendem que o pagamento de tributo indevido não é

pagamento de tributo, mas simplesmente prestação indevida, por isso não se falaria

em indébito tributário. Ricardo Lobo Torres é dessa opinião, pois “Para que haja

tributo, portanto, é necessário que a lei o tenha instituído e que a autoridade

administrativa proceda ao lançamento de acordo coma norma preexistente. Se o

cidadão recolhe uma importância não prevista em lei ou exigida pela autoridade

administrativa em desconformidade com a lei, aquele prestação não será tributo, mas

erro, violência, engano, excesso, em suma, prestação de fato” 347.

Entretanto, ao ser inserida uma norma individual e concreta no sistema

determinando o pagamento de um tributo, ela é presumidamente válida, pertencente

ao sistema jurídico tributário, mesmo quando produzida em desconformidade com

as normas superiores. O tributo só se torna indevido quando sobrevier norma

individual e concreta que assim o qualifique. “’Tributo indevido’ só haverá após a

expulsão da norma tributária relativamente válida do Sistema Tributário Brasileiro.

Antes, tem-se simplesmente tributo, cobrado por força de norma válida”348.

O fato jurídico do pagamento indevido faz surgir a relação jurídica de débito

do Fisco repetição349. Aqui é preciso uma norma geral e abstrata que contenha em seu

antecedente as notas que o evento precisa possuir para pertencer ao conjunto dos

fatos jurídicos pagamento indevido. Essa norma é construída com fundamento no

texto do artigo 165 do CTN350. É a regra-matriz de repetição do indébito.

347 Restituição dos tributos, p. 31. Gabriel TROIANELLI também entende que “Se a prestação exigida a título de tributo for ilegal, não será tributo”, Compensação do indébito tributário, p. 12. Luciano AMARO afirma que “na restituição (ou repetição) do indébito, não se cuida de tributo, mas de valores recolhidos (indevidamente) a esse título”, Direito tributário brasileiro, p. 419. 348 Marcelo Fortes de CERQUEIRA, Repetição do indébito tributário, p. 240. 349 Expressão utilizada por Christine MENDONÇA, A não-cumulatividade do ICMS, p. 58. 350 Consoante alerta Marcelo Fortes de CERQUEIRA, como toda norma deve procurar seu fundamento de validade na Constituição Federal em razão da estrutura escalonada do direito, a norma que garante a restituição está fundamentada no princípio da estrita legalidade tributária, Repetição do indébito tributário, p. 308.

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160

8.6.1 A regra-matriz de repetição do indébito

Construindo a regra-matriz de repetição, tem-se seu antecedente composto

por enunciados conotativos, que se referem às situações fácticas do pagamento

indevido; são os elementos caracterizadores dos fatos jurídicos pagamento indevido.

O conseqüente prescreve a conduta de o contribuinte exigir o indébito, uma relação

jurídica efectual. Com isso, a regra jurídica pode ser estruturada desta forma: dado o

fato de ter ocorrido o pagamento indevido em determinado local e dia; deve ser a

relação jurídica de o contribuinte exigir do Fisco a restituição do tributo

indevidamente pago. É o pensamento de Marcelo Fortes de Cerqueira, para quem a

“regra-matriz de repetição do indébito demarca abastratamente no antecedente o

evento do ‘pagamento indevido’ e define formalmente no conseqüente os termos e o

objeto da relação jurídica de devolução do indébito efectual”351.

O comportamento humano regulamentado nessa norma é o “pagamento

indevido”. A definição conotativa desse evento está no antecedente da regra-matriz

de repetição. Esse pagamento efetuado pelo contribuinte, num primeiro momento, é

válido e eficaz, porquanto realizado com base em norma individual e concreta posta

no sistema, que pode ser invalidável, pois produzida em desconformidade com as

regras do sistema tributário. As normas inseridas no sistema jurídico são

presumidamente válidas, sendo passíveis de invalidação por meio da produção de

outra norma de igual ou superior hierarquia352. Por isso, Marcelo Fortes de Cerqueira

afirma que pagamento indevido “é expressão elíptica empregada para significar

pagamento (devido) realizado com fulcro em norma tributária individual e concreta

portadora de validade apenas relativa”353.

Desse modo, pagamento indevido, como suporte fáctico da obrigação

efectual de repetição, pode ser definido como a conduta realizada pelo contribuinte

de entregar uma soma em dinheiro aos cofres públicos, com base em norma

351 Repetição do indébito tributário, p. 312. 352 Cf. Capítulo 4, item 4.5.1. 353 Repetição do indébito tributário, p. 319.

Page 162: Tiago Cappi Janini.pdf

161

individual e concreta irregularmente inserida no sistema por motivos formais ou

materiais.

Alerte-se que é preciso, mais uma vez, a presença do ser humano aplicando a

norma geral e abstrata (regra-matriz) do débito do Fisco repetição. Não basta a

simples ocorrência do evento do pagamento indevido354; para nascer a relação de

débito do Fisco repetição, é necessária a produção de uma norma individual e

concreta. A produção dessa norma requer outra norma geral e abstrata determinando

o procedimento a ser percorrido pelo emissor da mensagem. Assim, para se inserir

norma individual e concreta que constitua o débito do Fisco, é necessária a

observação das normas de estrutura que regulamenta a atividade produtora. É o

direito positivo ordenando o procedimento a ser seguido.

8.6.2 Hipóteses de constituição do débito do Fisco repetição

Para se constituir o débito do Fisco repetição, tem-se de realizar o ato de

aplicação, vertendo em linguagem competente a relação de débito do Fisco repetição,

formalizando os seus sujeitos e seu objeto, bem como o fato do pagamento indevido

que serve de fundamento para a sua implicação. É com a norma individual e

concreta que se constitui o fato jurídico do pagamento indevido e se determina o

valor a ser restituído pelo Fisco ao contribuinte.

Esse ato ponente da norma individual e concreta do pagamento indevido

pode ser elaborado pela autoridade administrativa, pelo Judiciário e pelo próprio

contribuinte. Eurico de Santi encontrou quatro veículos normativos que formalizam

o débito do Fisco repetição: (i) a decisão final em processo administrativo; (ii) a

decisão final em processo judicial; (iii) o ato-norma administrativo de invalidação do

354 Marcelo Fortes de CERQUEIRA também faz a distinção entre o evento do pagamento indevido e o fato do pagamento indevido, “o primeiro consiste num acontecimento do mundo sensível, ao passo que o segundo reside num articulado de linguagem que, referindo-se ao evento, dá existência jurídica formal ao mesmo”, Repetição do

indébito tributário, p. 325.

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162

lançamento; e (iv) a norma produzida pelo contribuinte, que efetua a apuração do

débito do Fisco355.

A decisão em processo administrativo favorável ao contribuinte insere no

sistema jurídico uma norma individual e concreta, expedida pela autoridade

administrativa, que descreve, no antecedente, o fato jurídico do pagamento indevido

e, no conseqüente, estabelece a relação de débito do Fisco. Seu fundamento de

validade está previsto no art. 165, III, do CTN.

Outro procedimento usado é aquele que insere uma norma individual e

concreta por ato da autoridade judiciária. É mais conduta de produção de normas

contendo, no antecedente, o fato do pagamento indevido e, no conseqüente, a relação

de débito do Fisco repetição. O emissor é que se altera, no caso o Poder Judiciário.

Também o ato-norma administrativo de invalidação do lançamento é uma

forma de se emitir uma nova mensagem jurídica determinando o direito subjetivo

que possui o contribuinte em face de um pagamento indevido realizado. Esse ato

visa alterar o ato-norma de lançamento já inserido no sistema jurídico em razão de

possuir algum vício formal ou material na sua constituição. Conforme afirma Eurico

de Santi, “a alteração do ato-norma de lançamento pressupõe a edição de outra

norma que o substitua ou que o invalide”356. De acordo com o art. 145 do CTN, esse

ato de invalidação é motivado por impugnação do sujeito passivo, recurso de ofício

ou iniciativa de ofício da própria Administração.

Por fim, pode o direito positivo autorizar o contribuinte a editar uma norma

individual e concreta constituindo o fato jurídico do pagamento indevido e a relação

de débito do Fisco repetição. É o que se pode extrair do disposto no parágrafo único

do art. 170 do CTN, permitindo ao contribuinte efetuar a apuração do débito do Fisco

para fins de compensação.

Note-se que o direito positivo prescreve diversos fluxos normativos sempre

se encerrando com a produção de uma norma individual e concreta apta a constituir

355 Decadência e prescrição no direito tributário, p. 141 e 142. 356 Lançamento tributário, p. 268.

Page 164: Tiago Cappi Janini.pdf

163

o débito do Fisco. São processos distintos de produção normativa, cada um com suas

peculiaridades, mas cuja norma final, aquela mais próxima ao mundo do ser, contém

uma relação jurídica intranormativa que estabelece ao contribuinte o direito subjetivo

de exigir do Fisco a restituição do valor pago indevidamente.

São quatro procedimentos previstos por normas de estrutura que

regulamentam as ações humanas de produção de normas, se encerrando com o

veículo introdutor de normas. Vale ressaltar que o enunciado-enunciado presente no

documento normativo do veículo introdutor é que servirá de suporte para a

construção da norma individual e concreta do débito do Fisco. Com essa norma se

encerra mais um fluxo normativo do direito.

8.6.3 A extinção da relação de débito do Fisco

Com a norma individual e concreta inserida no sistema, fica formalizada a

relação de débito do Fisco. Diante disso, o contribuinte tem duas opções: exercer seu

direito subjetivo de exigir do Fisco a restituição do valor pago indevidamente ou

simplesmente ficar inerte e não realizar o direito que possui. É, portanto, a partir do

reconhecimento formal (linguagem) da ocorrência do evento do pagamento indevido

que surge o direito do contribuinte à restituição.

Caso escolha a primeira opção, ter-se-á início mais um eixo de positivação de

normas. Trata-se da fenomenologia da extinção da relação de débito do Fisco. O

direito positivo escolheu dois procedimentos que podem ser usados para dar fim à

relação de débito do Fisco repetição formalmente constituída, o pagamento ou a

compensação. Observe que, caso o contribuinte não manifeste seu direito subjetivo,

haverá a extinção da relação de débito do Fisco pela decadência ou prescrição.

Paulo Cesar Conrado alerta que ambas as situações (pagamento e

compensação) são concorrentes em virtude de possuírem objetivos idênticos,

cabendo ao contribuinte optar por apenas uma: ou a repetição ou a compensação. Eis

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164

seus dizeres:

Deveras, tomando-se em consideração o regime de concorrência que se hospeda entre tais institutos, é natural que o sistema imponha ao titular do direito subjetivo de que se está cuidando o dever de optar por outro caminho, providência que se espera seja executada para que se encerre o próprio regime (de concurso, de concorrência), em virtude do qual o sistema do direito positivo, embora o preveja, não reserva tolerância desmedida, eterna, até porque prestigia, acima de tudo, a idéia de segurança357.

Percebe-se a presença de duas cadeias de normas cuja finalidade é extinguir

a relação de débito do Fisco. Cada eixo de positivação possui suas peculiaridades,

com procedimentos próprios previstos em normas de estrutura. Ambas têm a mesma

finalidade: a restituição do pagamento indevido ao contribuinte.

Até o momento empregou-se as palavras restituição e repetição sem qualquer

critério. Porém, é preciso elucidá-las. Paulo Cesar Conrado utiliza a expressão

restituição do indébito tributário para designar o gênero que abrange as espécies

compensação e a repetição358. Analisando a monografia de Marcelo Fortes de

Cerqueira, Repetição do indébito tributário, pode-se concluir que ele usa essa expressão

para designar o direito do contribuinte à devolução daquilo indevidamente pago,

segregando as formas de sua extinção em pagamento e compensação359.

Elucidando a opção adotada neste trabalho, ter-se-á repetição ou restituição em

sentido amplo sempre que houver o direito subjetivo de o contribuinte exigir o

tributo indevidamente pago. A extinção dessa relação jurídica, ou seja, a devolução

do tributo pago indevido, pode se dar pela compensação ou pelo pagamento

(repetição ou restituição em sentido estrito). Percebe-se que se usarão os termos como

sinônimos, explicitando-os pelo sentido amplo ou estrito, conforme o seu emprego.

A extinção pela via do pagamento decorre da positivação de um eixo de

normas contendo o procedimento específico a ser seguido pelo contribuinte com a

finalidade de exercer o seu direito de receber o que pagou indevidamente em

357 Compensação e processo, p. 116. Para o autor repetição é a extinção pela via do pagamento. 358 Ibid. p. 116. 359 Repetição do indébito tributário, p. 309 et seq.

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165

pecúnia. A sua norma geral e abstrata pode ser construída com fundamento nos

enunciados prescritivos contidos no art. 66, § 2º da Lei 8.383/91.

Diante de um débito do Fisco formalmente constituído, o contribuinte pode

movimentar uma cadeia de normas, exigindo o pagamento do recolhido

indevidamente a título de tributo. Acontece que essa forma de extinção do débito do

Fisco tem suas regras específicas por se tratar de uma despesa pública. É o

ensinamento de Marcelo Fortes de Cerqueira: “O pagamento sub examine constitui-se

numa despesa pública; como tal, deve inexoravelmente, vir precedido das fases

pertinentes à efetivação de toda e qualquer despesa pública”360. Por isso, quando se

tratar de débito reconhecido e apurado judicialmente, o pagamento realizar-se-á por

meio de precatórios, de acordo com o art. 100 da CF.

Entretanto, é somente com a norma individual e concreta do pagamento que

o Fisco extingue seu débito para com o contribuinte. Em outras palavras, a relação de

débito do Fisco é extinta com a produção de outro enunciado normativo: a norma

individual e concreta do pagamento.

No que tange à extinção pela compensação, mais espaço lhe será dedicado,

estudando-a com maior afinco em capítulo próprio.

8.6.4 O tributo indevido, a penalidade pecuniária indevida e a correção monetária

Muitas vezes a obrigação tributária é cumprida pelo contribuinte com o

acréscimo de penalidades pecuniárias, como juros e multas. Assim, não é somente o

pagamento indevido que pode ser restituído. Uma vez considerado indevido o valor

pago a título de tributo, também são indevidas as penalidades pecuniárias impostas

em sua decorrência.

O objeto da restituição não deve se ater apenas ao tributo indevido; o direito

subjetivo do contribuinte atinge também a devolução das penalidades pecuniárias

360 Repetição do indébito tributário, p. 428.

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166

pagas indevidamente, ou seja, o Fisco tem o dever de ressarcir as multas e juros

cobrados de forma indevida.

A norma geral e abstrata que estipula a devolução das penalidades

indevidamente pagas é elaborada a partir do texto do art. 167 do CTN, que

prescreve: “A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma

proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a

infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição”.

A questão que surge refere-se à atualização do débito do Fisco desde o

momento da ocorrência do evento do pagamento indevido até o tempo em que for

restituído o valor pago indevidamente. Percebe-se a existência de dois marcos

temporais: (i) a ocorrência do evento do pagamento indevido (tempo no fato361); e (ii)

o momento da restituição do pagamento indevido, quando se dá a extinção da

relação de débito do Fisco. Desde o pagamento indevido até o fato jurídico da

restituição, decorre um lapso temporal, pois nesse período deve se dar a positivação

de pelo menos dois eixos normativos: (i) o da constituição do fato jurídico do

pagamento indevido; e (ii) o da repetição ou compensação do débito tributário

constituído. Desse modo, questiona-se se deve haver a atualização do tributo pago

indevidamente do momento de seu acontecimento até a restituição.

A Lei 9.250/96, art. 39, § 4º, instituiu a incidência da Selic na compensação ou

restituição em sentido estrito do indébito tributário. Sobreveio a Lei 9.532/97, no art.

73, especificando que o termo inicial para o cálculo dos juros é o mês subseqüente ao

do pagamento indevido ou a maior que o devido.

Está claro que o valor pago a título de tributo indevido deve ser restituído

atualizado monetariamente. Mas, qual é o marco inicial? A dúvida surge porque o

termo pagamento indevido é usado para designar o evento e o fato jurídico362. Assim, a

atualização deve ocorrer a partir do momento da constituição do fato jurídico

tributário pela linguagem jurídica competente (tempo do fato) ou com a ocorrência

361 Sobre a distinção tempo do fato/tempo no fato veja Capítulo 6, item 6.3.1.1. 362 Ver item 8.6.1 deste Capítulo.

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167

do evento no mundo fenomênico (tempo no fato)?

Como já foi dito, há quatro procedimentos para a constituição do fato

jurídico do pagamento indevido: (i) a decisão final em processo administrativo; (ii) a

decisão final em processo judicial; (iii) o ato-norma administrativo de invalidação do

lançamento; e (iv) a norma produzida pelo contribuinte, que efetua a apuração do

débito do Fisco. Todos esses atos são produtores de normas individuais e concretas

que determinam a relação de débito do Fisco repetição e constituem o fato jurídico

do pagamento indevido. Antes, já teria ocorrido o evento do pagamento indevido. É

a dualidade tempo do fato/tempo no fato. O momento em que ocorreu o evento é o

tempo no fato. Já o tempo do fato é o instante em que a norma individual e concreta

ingressa no sistema jurídico.

Consoante já se afirmou, o fato jurídico é um enunciado descritivo de um

evento que ocorreu no passado. Refere-se, portanto, aos eventos comprovados

mediante as provas admitidas pelo direito. Desse modo, o pagamento indevido deve

ser atualizado desde o instante de sua ocorrência no mundo fenomênico, e não

quando ingressa para o mundo do direito. Inclusive, parece ser essa orientação do

STJ ao utilizar a expressão recolhimento indevido para identificar o termo inicial da

atualização monetária363.

No caso de pagamento indevido dos juros e das penalidades pecuniárias,

esses também são restituídos corrigidos monetariamente desde o momento do

evento pagamento indevido. Transcreve-se a posição do STJ sobre o tema:

363 “A orientação prevalente no âmbito da 1ª Seção firmou-se no sentido do paradigma, podendo ser sintetizada da seguinte forma: (a) antes do advento da Lei 9.250/95, incidia a correção monetária desde o pagamento indevido até a restituição ou compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros de mora a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ), nos termos do art. 167, § único, do CTN; (b) após a edição da Lei 9.250/95, aplica-se a taxa SELIC desde o recolhimento indevido, ou, se for o caso, a partir de 1º.01.1996, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque a SELIC inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real.” (EREsp. 267.080/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 22.10.2003, DJ 10.11.2003, p. 150 – grifo nosso). Trecho do voto do Min. José Delgado no EREsp. 72.479/SP deixa claro ao “estabelecer o entendimento prevalente nesta Corte de Justiça no sentido de ser devida a correção monetária a partir do desembolso”.

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TRIBUTÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE MULTA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. 1. A correção monetária incide sobre o valor da multa recolhida indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito da Fazenda Pública. 2. "A correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação. Portanto, independe de culpa das partes litigantes" (Primeira Turma, AgRg no REsp. 258.039/PR, relator Ministro José Delgado, DJ de 23.10.2000). 3. Recurso especial improvido. (REsp 525.402/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17.10.2006, DJ 07.12.2006, p. 284).

Asssim, tanto o pagamento indevido de tributos como o pagamento indevido

de multas ensejam a sua restituição, ambas corrigidas monetariamente desde o

evento, mediante provocação do contribuinte.

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169

9 TEORIA GERAL DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

9.1 Definição do conceito de compensação

A palavra compensação significa equilíbrio, igualdade, proporção364. Maria

Helena Diniz apresenta a etimologia do termo, derivado do substantivo latino

compensatio, onis, cujo significado é compensação, balança, remuneração. Esse

substantivo, por sua vez, se origina dos verbos compensare e compendere, que têm

como prefixo a preposição com, no sentido de pesar com, pesar ao mesmo tempo nos

pratos de uma balança365. É empregada no direito positivo e na ciência do direito com

significados distintos: fato, norma, relação jurídica, procedimento, veículo introdutor,

etc. Sabe-se que o art. 156 do CTN elegeu a compensação como forma de extinção da

obrigação tributária. Todavia, importa saber qual a acepção para o vocábulo

compensação de que legislador do código se valeu.

A doutrina geralmente define compensação como o encontro de contas entre

pessoas que são, ao mesmo tempo, credoras e devedoras umas das outras366. Aí se

emprega a palavra como o fato jurídico que determina a extinção da obrigação

tributária367.

O art. 156 do CTN elege a compensação como uma das formas de extinção da

obrigação tributária. Porém, a compensação em que sentido? O fato jurídico da

compensação? A relação jurídica da compensação? A norma da compensação?

Conforme as premissas adotadas no presente trabalho, é somente com uma norma

individual e concreta que haverá a extinção do vínculo tributário368.

364 Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 871 365 Curso de direito civil brasileiro, p. 297-8. 366 José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 251; Orlando GOMES, Obrigações, p. 129; Hugo de Brito MACHADO, Curso de direito tributário, p. 232; Ruy Barbosa NOGUEIRA, Curso de direito tributário, p. 315; Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 298. 367 Cf. Eurico de SANTI, Compensação e restituição de “tributos”, Repertório IOB de jurisprudência, n. 03, p. 68. 368 Capítulo 7, item 7.1.

Page 171: Tiago Cappi Janini.pdf

170

Para ocorrer a extinção de uma relação jurídica, deve-se emitir uma nova

mensagem jurídica, ou seja, produzir outra norma individual e concreta que

contenha essa finalidade. A extinção não ocorre automática e infalivelmente. Por isso,

entende-se que o legislador do CTN empregou o termo compensação no sentido de

norma individual e concreta cuja finalidade é suprimir a obrigação tributária do

ordenamento.

Registre-se que o contexto369 será um elemento útil para se identificar qual o

uso da expressão compensação tributária. Para efeitos desta dissertação, sempre que

possível buscar-se-á elucidar em qual sentido está se empregando a locução.

9.2 Espécies de compensação

A compensação é um instituto que surgiu no âmbito civil, como forma de

extinção das obrigações em geral. O Código Civil de 2002, no art. 368, trata da

compensação: “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da

outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. Motivo que

levou a doutrina civilista, a tempo, enfrentar os problemas relativos ao fenômeno da

compensação.

Buscando identificar as espécies de compensação, os estudiosos do Direito

Civil encontram as seguintes classes: a) compensação legal, que possui efeitos que

operam de pleno direito; b) compensação judicial, quando declarada pelo Poder

Judiciário; c) compensação voluntária ou convencional, decorrente de acordo entre as

partes370.

Com base nessa classificação, os tributaristas enquadram a compensação

tributária na espécie compensação legal, “porque o tributo é ex lege, indisponível pelo

369 Capítulo 3, item 3.6. 370 Cf. Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro, p. 299 e Orlando GOMES, Obrigações, p. 130.

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171

Estado-Administração”371.

Dentro da classe compensação tributária, buscar-se-ão critérios que

permitam subdividi-la em outras subclasses. Classificar372 consiste numa operação

lógica com a finalidade de se agrupar determinados objetos em razão de possuírem

algum aspecto em comum. No que tange à compensação tributária, tomada como

norma individual e concreta, as subclasses serão separadas utilizando-se como

critério o seu emissor. Desse modo, poderão inserir a mensagem jurídica da

compensação no sistema jurídico a autoridade administrativa, o Poder Judiciário e o

particular.

Têm-se, portanto, a compensação de ofício, aquela realizada pela autoridade

administrativa; a compensação judicial cujo emissor da norma individual e concreta é o

juiz; e, por fim, a autocompensação produzida pelo próprio particular. Note-se que,

com o nome compensação encontram-se três diversas tipologias normativas, cada uma

com suas peculiaridades.

Outra forma de se classificar a compensação decorre da origem da relação de

débito do Fisco. Como se estudou, há pelo menos quatro fatos que implicam vínculos

jurídicos cujo pólo passivo é ocupado pelo Fisco373. Dentre essas situações, aparece a

compensação como forma da extinção da obrigação tributária em três: (i) no

pagamento antecipado de tributos (retenção na fonte); (ii) nos tributos não-

cumulativos; e (iii) no pagamento indevido.

Quando há a retenção na fonte, o contribuinte possui o direito subjetivo de

exigir do Fisco o valor pago antecipadamente. Como forma de exercer esse direito,

foi criada a sistemática de compensar o valor retido com o tributo a ser apurado em

determinado período. Eis mais um eixo de positivação de normas presente no

ordenamento374.

No caso dos tributos não-cumulativos, há a possibilidade de se compensarem

371 Sacha Calmon Navarro COÊLHO, Manual de direito tributário, p. 470. 372 Cf. Capítulo 3, 3.2.1. 373 Capítulo 8. 374 Cf. item 8.4, do Capítulo 8.

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172

os valores cobrados na cadeia anterior com o tributo apurado, como mecanismo para

evitar a incidência do tributo mais de uma vez dentro de cada etapa da cadeia de

produção. Há, portanto, três normas jurídicas tratando da matéria: (i) a regra-matriz,

que determina o valor do tributo; (ii) a relação de débito do Fisco, oriunda do fato

jurídico adquirir determinadas mercadorias e serviços; e (iii) a compensação, que

consiste na operação matemática de subtração do valor do tributo apurado na regra-

matriz com o valor do débito do Fisco, resultando na efetiva importância a ser

recolhida aos cofres públicos375.

O contribuinte, ao efetuar um pagamento indevido de tributo, contrai um

crédito com o Fisco a ser usado como forma de extinção de dívida tributária. Aparece

mais uma vez a compensação, realizando o encontro de contas: o crédito tributário

com o débito do Fisco.

Apesar de a fenomenologia da compensação ser semelhante nas três

hipóteses descritas, decorrente de uma relação entre as relações que originam o

crédito tributário e o débito do Fisco, cada compensação é regida por uma legislação

específica, contendo características próprias que as diferenciam. Pode-se dizer,

portanto, que a compensação na retenção na fonte, a compensação na não-

cumulatividade e a compensação dos pagamentos indevidos são distintas,

classificadas em razão da aplicação de normas diversas para a sua formalização. Este

trabalho elegeu a compensação decorrente do pagamento indevido como foco de

estudo.

9.3 A compensação tributária e o Direito Civil

Com a edição do novo Código Civil em janeiro de 2002, surgiu a discussão

sobre um possível conflito entre o direito tributário e o direito civil, isso porque a lei

privada trouxe em seu bojo o art. 374 prescrevendo que a compensação, no que

375 Cf. item 8.3, do Capítulo 8.

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173

concerne às dívidas fiscais, é regida pelo capítulo específico da compensação

presente no Código Civil.

Porém, o mencionado dispositivo foi revogado pela MP 75/02. Só que, para

causar mais confusão, essa medida provisória foi rejeitada pelo Plenário da Câmara

dos Deputados sendo, depois, “reeditada” pela MP 104/03, por sua vez convertida na

Lei 10.677/03. Eis todo o emaranhado legislativo sobre a vigência do art. 374 do CC.

O principal problema é a inconstitucionalidade da MP 104/03 por vício de

procedimento.

O art. 62, § 10, presente na Constituição Federal veda a reedição de medida

provisória rejeitada pelo Congresso Nacional na mesma sessão legislativa. Desse

modo, como a MP 104/03 não observou essa restrição, surgindo na mesma sessão

legislativa que rejeitou a MP 75/02, sua produção não corresponde ao procedimento

eleito pelo ordenamento jurídico, já que eivada de inconstitucionalidade. Portanto, o

resultado dessa afirmação é que o art. 374 do CC ainda estaria em vigor376. Sobre isso

pensa Nelson Nery Junior377:

Apesar de a L 10.677, de 22.5.2003, objeto de conversão da MedProv 104, de 9.1.2003, haver revogado o dispositivo [art. 374 do CC], ele está em vigor porque referida revogação se deu de maneira inconstitucional e não pode produzir nenhum efeito. É inconstitucional por vício de origem (inconstitucionalidade formal), porque a MedProv da qual se originou foi fruto de reedição pelo Presidente da República, na mesma sessão legislativa na qual o Congresso Nacional já havia rejeitado anterior medida provisória sobre a mesma matéria, procedimento absolutamente vedado pela CF 62 § 10.

Acontece que, como se vem salientando ao curso deste estudo, o direito é um

376 O STJ entende que o art. 374 do Código Civil está revogado: “Se as normas que regulam a compensação tributária não prevêem a forma de imputação do pagamento, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916) e não se pode concluir que houve lacuna legislativa, mas silêncio eloqüente do legislador que não quis aplicar à compensação de tributos indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que o art. 374 do CC/2002, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e parafiscais seria regida pelo disposto no Capítulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo após a entrada em vigor do CC/2002”. (REsp. 987.943/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 19.02.2008, DJ 28.02.2008, p. 89). 377 Compensação tributária e o Código Civil, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 28 (explicou-se nos colchetes – grifo do original). O mesmo pensamento encontra-se em Fabio Artigas GRILLO, Compensação tributária e direito privado, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 497-8.

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174

fenômeno comunicacional não conseguindo se afastar do cerco da linguagem. A

inconstitucionalidade da revogação do art. 374 do CC é evidente, segundo a

doutrina, mas, para operar no sistema jurídico, requer outra norma jurídica de igual

ou superior hierarquia, que declare efetivamente o vício da MP 104/03, restaurando o

art. 374 do CC. De outro modo, a Lei 10.677/03 permanece válida e em vigor,

rechaçando o dispositivo da legislação civil, até mesmo porque os enunciados

emitidos pela ciência do direito não possuem força para alterar o direito positivo.

Sendo assim, o art. 374 do CC está revogado, em que pese o procedimento para a sua

exclusão esteja em desacordo com o direito.

Outra questão aparece: é possível utilizar as disposições do direito privado

quando se tratar da compensação tributária? Dizendo de outro modo: qual a

legislação a ser aplicada quando o objeto for a compensação tributária?

Hugo de Brito Machado defende que é injustificável a revogação do art. 374

do CC, sendo a normatização da compensação de competência do Direito Civil, uma

vez que é um direito inerente às relações obrigacionais, e não própria da relação de

tributação378. Para Nelson Nery Junior, havendo confronto entre a compensação

prevista em lei tributária e o regime do Código Civil, este prevalece379.

O direito é uno, apenas divisível de forma didática, cortado e recortado pelos

seus estudiosos para fins de uma melhor aproximação ao objeto. Por esse motivo,

inúmeras vezes, ao trabalhar com institutos nitidamente tributários, o cientista do

direito se depara com questões que o fazem manusear livros referentes aos direitos

civil, administrativo, constitucional, etc. Com a compensação não poderia ser

diferente. Trata-se de um instituto jurídico pertencente à teoria geral do direito.

Assim, a compensação deve ser estudada com seus elementos básicos como

categoria da teoria geral do direito. Todavia, o regime jurídico aplicado será o

tributário quando penetrado nesse âmbito. A compensação tributária tem seu

fundamento de validade no art. 170 do CTN, e dele decorre toda a legislação

378 Curso de direito tributário, p. 232. 379 Compensação tributária e o Código Civil, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 36.

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175

ordinária. O que se defende aqui não é uma completa dissociação da compensação

tributária com as regras prescritas no Código Civil, até mesmo porque essas regras

são pertencentes à teoria geral das compensações. Só que nada impede que o direito

tributário eleja características peculiares à compensação tributária, como o fez no art.

170 do CTN, sem que isso cause vício na sua produção.

Guilherme Adolfo Mendes defende a separação entre a compensação

tributária e a prevista no Código Civil: “Apesar de a compensação tributária ter seus

esteios fixados na compensação do direito privado, não se aprisiona pelos seus

grilhões”. Reforça a tese lembrando que o art. 109 do CTN permite a modificação de

institutos do direito privado pela legislação tributária com o escopo de atender aos

anseios tributários. Desse modo, afirma que: “Este dispositivo autoriza à legislação

tributária adaptar os institutos do direito privado conforme suas finalidades, desde

que não componham competência tributária”380.

Em suma, ao se adentrar na órbita tributária, o eixo de positivação das

normas de compensação deve seguir as diretrizes traçadas pelo CTN e pela

legislação tributária específica, aplicando-se, de forma subsidiária, o Código Civil381.

380 Compensação de ofício, Tributação e processo, p. 232. Paulo Cesar CONRADO também defende a aplicação, para a compensação tributária, de regime específico, pois “quando penetramos na órbita tributária, o que se há de observar de verdadeiramente relevante é que o regime jurídico que se lhe aplicará será bem outro, que não o do direito privado”. Compensação tributária e processo, p. 106. 381 Eis o ensinamento de Aroldo Gomes de MATTOS: “Admite-se, em tese, que as regras de Direito Privado (princípios, institutos, conceitos e formas) sejam aplicadas subsidiária e interdisciplinarmente ao Direito Tributário. A sua autonomia didática e estrutural, pois, não é absoluta, mas relativa, já que ele se comunica com todos os demais ramos da ciência jurídica, participando de sua unicidade global, como num sistema de vasos comunicantes”. Repetição do indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no

direito tributário, p. 64. Tratando do cotejo entre a prescrição prevista no Código Civil e aquela regulada no CTN, o STJ definiu assim a relação entre os ramos do direito: “A prescrição, por definição do CTN, é instituto de direito material, sendo regulada por Lei Complementar, a que a lei ordinária há de ceder aplicação. De conseqüência, o art. 156, V, do CTN, por ser norma de natureza complementar, se sobrepõe às regras inseridas nos arts. 166 do CC, e 128 e 219, par. 5., do CPC”. (REsp. 29.432/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julgado em 21.05.1998, DJ 29.06.1998, p. 26). Sobre o tema específico, o Colendo Tribunal já definiu que “A compensação tributária deve ser feita de acordo com as regras específicas estabelecidas para regular tal forma de extinção do débito. Não-aplicabilidade do sistema adotado pelo Código Civil”. (REsp. 921.611/RS, Rel. Min. José Delgado, julgado em 01.04.2008, DJ 17.04.2008 p. 1). Gabriel TROIANELLI defende a aplicação da legislação civil quando inexistir lei específica estabelecendo as condições da compensação tributária, O indébito tributário e a compensação do tributo indevidamente pago, Revista dialética de direito tributário, n. 6, p. 35.

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176

9.4 Requisitos essenciais para a compensação tributária

Para que surja a possibilidade de se emitir uma norma concreta e individual

no sistema cuja finalidade é extinguir a obrigação tributária pela via da compensação,

é preciso preencher alguns requisitos essenciais comuns a todos os tipos de

compensação tributária (compensação de ofício, autocompensação e compensação

judicial).

A compensação pode extinguir as obrigações civis e as tributárias. A ciência

do direito civil descreveu os pressupostos e requisitos da compensação no âmbito

privado que, de acordo com Orlando Gomes, são: a) dívidas recíprocas originadas

em títulos diversos; e b) dívidas homogêneas, líquidas e exigíveis382.

Dívidas recíprocas porque é necessária a presença de dois sujeitos-de-direito,

credor e devedor, ao mesmo tempo, um do outro. A origem das dívidas em títulos

diversos decorre da impossibilidade de se admitir a compensação entre os vínculos

da mesma relação jurídica: o direito com o dever. “Se o vendedor pudesse recusar-se

a entregar a coisa vendida sob o fundamento de que essa obrigação se compensa com

a dívida do comprador representada pelo preço, o contrato seria uma farsa”383.

Para ocorrer a compensação, a dívida há de ser homogênea, isto é, os débitos

devem ser fungíveis. A liquidez das dívidas significa que devem ser certas quanto à

existência e determinadas quanto ao objeto. Por fim, exige-se que as dívidas estejam

vencidas, por isso, exigíveis.

Ao se analisar a compensação tributária, verifica-se que o fundamento de

validade de toda a sua legislação é o art. 170 do CTN. Eis o seu teor:

A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

382 Obrigações, p. 130. 383 Ibid. p. 130.

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177

Passa-se, agora, a descrever com maior acuidade os requisitos essenciais para

que surja o direito à compensação tributária.

9.4.1 A exigência de existir a relação jurídica tributária e a relação de débito do

Fisco

O primeiro dos pressupostos necessários para fazer nascer o direito subjetivo

à compensação tributária é a existência de duas relações jurídicas, corretamente

formalizadas: a de débito do Fisco e a obrigação tributária, com sujeitos-de-direito

comuns. Tanto para a constituição do débito do Fisco quanto para a instituição da

obrigação tributária é imprescindível a linguagem jurídica competente. Com a norma

individual e concreta do lançamento ou do autolançamento exsurge a obrigação

tributária e, conseqüentemente, o crédito tributário. Essa relação pode ser descrita do

seguinte modo: o Fisco tem o direito subjetivo de exigir a conduta de pagar tributo

do contribuinte, que possui o dever jurídico de fazê-lo. Formalizando, chega-se à

seguinte estrutura: Fi Rob Co. Imputando valores semânticos aos símbolos, tem-se: Fi

é o Fisco figurando no pólo ativo; Rob é a obrigação tributária que determina o

crédito tributário; Co é o contribuinte como sujeito passivo.

A relação de débito do Fisco possui a mesma arquitetura lógica da relação

que constitui o crédito, só que quem aparece como sujeito ativo é o contribuinte, e o

sujeito passivo, nesse caso, é o Fisco: Co Rjd Fi, em que Co indica o contribuinte; Rjd

significa a relação de débito do Fisco; e Fi consiste no Fisco ocupado o pólo passivo.

Esse vínculo pode ser descrito da seguinte forma: o contribuinte tem o direito

subjetivo de exigir certa quantia em dinheiro do Fisco, que possui o dever jurídico de

adimplir.

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9.4.2 Reciprocidade da relação jurídica tributária e da relação de débito do Fisco

Não basta a existência das duas relações jurídicas mencionadas para

possibilitar a compensação. Requer-se, também, a identidade dos seus sujeitos.

Assim, o contribuinte, que é o sujeito ativo na relação de débito do Fisco, deve ser o

mesmo sujeito-de-direito que figura no pólo passivo na obrigação tributária. A idéia

de reciprocidade indica que o credor de uma obrigação necessariamente deve ser

devedor na outra, e vice-versa. Valendo-se da forma sintática, chega-se à estrutura:

Co (Rjd) = Co (Rob). O mesmo aplica-se ao Fisco: a autoridade administrativa da

obrigação tributária é aquela presente na relação de débito, porém em pólos inversos:

Fi (Rjd) = Fi (Rob)384. Não se trata de relações simétricas385. São duas relações jurídicas

assimétricas; na obrigação tributária, o Fisco é credor do contribuinte, e a sua relação

conversa é: o contribuinte é devedor do Fisco; na relação de débito do Fisco, o

contribuinte é credor do Fisco, cuja relação conversa consiste em o Fisco ser devedor

do contribuinte. A assimetria, como característica das relações jurídicas, não é afetada

por esse requisito.

9.4.3 Homogeneidade das relações jurídicas envolvidas na compensação

O terceiro requisito é a obrigatoriedade de ambas as relações jurídicas, Rob e

Rjd, apresentarem um objeto prestacional de conteúdo patrimonial, ou seja, as

prestações deverão ser da mesma natureza. “A fungibilidade das coisas

compensadas constitui conseqüência necessária do princípio legal de que ninguém

pode ser obrigado a receber coisa diversa daquela que lhe é devida”386. A conduta

regulada pelos vínculos jurídicos pode ser resumida assim: é obrigatório entregar

384 Cf. Eurico de SANTI, Compensação e restituição de “tributos”, Repertório IOB de jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo, n.03, p. 65. 385 Cf. Capítulo 5, item 5.1. 386 José Eduardo Soares de MELO, Curso de direito tributário, p. 252.

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179

uma quantia em dinheiro. São duas dívidas pecuniárias, portanto.

9.4.4 A liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco

Outro pressuposto essencial da compensação são a liquidez e certeza do

crédito tributário e do débito do Fisco. Não é possível a compensação quando um

dos objetos da relação jurídica não tiver seu valor exato determinado. Isso decorre da

necessidade de se constituir o crédito tributário e o débito do Fisco. Em outras

palavras, antes das normas individuais e concretas que determinam o exato valor do

crédito tributário e do débito do Fisco, não é possível realizar a incidência da norma

de compensação. Isso porque a linguagem é o suporte existencial do direito e a

liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco decorrem da ponência

das respectivas normas individuais e concretas no sistema, quantificando os valores

das prestações. É o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho387:

Do mesmo modo que crédito tributário líquido e certo é aquele formalizado pelo ato do lançamento ou do contribuinte, débito do Fisco líquido e certo é o que foi objeto de decisão administrativa ou decisão judicial, ou, ainda, reconhecido pelo contribuinte com fundamento em expressa autorização legal. Tais atos, formalizando o fato do pagamento indevido, introduzem-no no sistema. Tanto o crédito tributário como o débito do Fisco são líquidos e certos quando estão identificados (i) o credor e o devedor, (ii) o montante do objeto da prestação e (iii) o motivo de surgimento do vínculo relacional.

Aqui é preciso mencionar a teoria de Paulo Cesar Conrado. Segundo o autor,

é impossível cogitar uma relação jurídica que não fosse líquida e certa, motivo que

retira a qualidade de tais itens como pressupostos para a compensação388. Por isso, a

questão da “liquidez” e “certeza” da relação de débito do Fisco é vista, pelo autor,

como aspectos da competência e do procedimento para inserir a norma individual e

concreta que constitui a relação de débito do Fisco. Eis a conclusão apresentada pelo

387 Direito tributário, linguagem e método, p. 479. 388 Compensação tributária e processo, p. 133.

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ilustre professor389:

(...) tomada essa linha, seria possível reduzir a questão da ‘liquidez’ e ‘certeza’ a uma única indagação: a norma (individual e concreta) que põe no sistema a relação de débito do fisco o foi por pessoa competente e segundo o procedimento para tanto previsto? Se sim, o débito é ‘líquido’ e ‘certo’; caso contrário, o débito não é ‘líquido’ e ‘certo’, apesar de, no sentido usual desses termos, todo débito, justamente por ser débito, estar dotado de tais elementos.

Entende-se, porém, que o problema de competência e procedimento está

voltado para a validez da norma jurídica no sistema. Se uma norma jurídica for

produzida por emissor não autorizado ou desobedecendo ao procedimento inscrito

no sistema jurídico, ela é passível de ser dele rechaçada. Assim, uma norma

permanece no ordenamento jurídico, mesmo quando elaborada em desacordo com as

regras de produção, até ser excluída por outra norma de mesma ou superior

hierarquia. Pode, inclusive, existir uma norma no sistema, individual e concreta, que

constitua o débito, porém produzida afrontando as normas de estrutura. Essa norma

formaliza a relação de débito do Fisco, tornando-a líquida e certa, mesmo que não

tenha sido criada por pessoa jurídica competente nem tenha sido usado o adequado

procedimento. Por isso, liquidez e certeza significa a formalização dos sujeitos-de-

direito do vínculo jurídico e do valor do objeto prestacional, bem como do fato

jurídico do qual se originaram390.

Menciona o art. 170 do CTN que a compensação pode ser efetuada com

créditos do sujeito passivo vencidos e vincendos. Fabio Grillo aponta ser esse aspecto

uma importante diferença entre a compensação descrita pela legislação tributária e

compensação do Código Civil: “Ao mesmo tempo em que o art. 170 do CTN autoriza

que lei discipline compensação de créditos vencidos ou vincendos, o artigo 369 do

389 Compensação tributária e processo, p. 145. 390 Registra-se a opinião de Hugo de Brito MACHADO, para quem pode haver compensação de créditos ilíquidos e incertos, quando se tratar da compensação prevista no art. 66 da Lei 8.383/91. A compensação autorizada pelo art. 66 da Lei 8.383/91, Repertório IOB de jurisprudência. n. 15, p. 273. O STJ tem decido exigindo a liquidez e certeza dos créditos apurados: “A primeira turma do STJ, por maioria, em inúmeros precedentes tem assentado que a compensação prevista no art. 66, da Lei 8.383/1991, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do credito a ser utilizado pelo contribuinte”. (REsp. 128.631/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 03.11.1997, DJ 15.12.1997, p. 66246).

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181

NCC somente admite compensação entre dívidas vencidas”391.

Urge, então, questionar o que seriam créditos vincendos para fins da

compensação tributária. Já se afirmou reiteradas vezes no curso deste estudo que o

direito tem a linguagem como elemento essencial à sua constituição. Somente há

crédito tributário e débito do Fisco com a edição da norma individual e concreta que

define quem deve pagar, para quem se deve pagar e quanto se deve pagar. Sem essa

norma não é possível se falar em crédito tributário nem em débito do Fisco. O art. 170

do CTN ao mencionar créditos vincendos está se referindo à relação de débito do Fisco,

pois nesse vínculo o contribuinte é o sujeito ativo que tem o crédito, ou seja, o direito

subjetivo de exigir a conduta prestacional contra a Fazenda Pública.

Nos léxicos, vincendo significa aquele crédito que está por vencer392, ou seja,

ainda não pode ser exigido. Acontece que essa hipótese não se verifica na

fenomenologia do débito do Fisco. A relação jurídica que constitui o débito do Fisco

decorre do fato jurídico pagamento indevido. Ora, construído esse fato jurídico por

meio da linguagem competente do direito, a dívida do Fisco já se torna exigível pelo

contribuinte. Teria tido mais sucesso o legislador tributário se determinasse a

compensação dos créditos tributários vincendos. Isso porque, com a constituição do

fato jurídico tributário, o contribuinte fica obrigado a pagar o tributo ao Fisco. A

partir desse momento, o sujeito passivo possui o prazo de trinta dias para adimplir a

obrigação, salvo disposição em contrário (art. 160 do CTN). Aí, sim, existiriam

créditos vincendos, aqueles constituídos por norma individual e concreta (líquidos e

certos, portanto) que se encontram no curso do prazo para a sua quitação. Agora, são

créditos vencidos os que já tiveram o prazo para seu pagamento expirado.

Paulo Cesar Conrado propõe uma interpretação diferente para os créditos do

sujeito passivo vencidos e vincendos, tomando como ponto de referência o fato de a

obrigação tributária estar ou não constituída. Conclui o autor que “o débito do fisco

será tido como (i) vencido, se constituído antes ou simultaneamente com o crédito

391 Compensação tributária e direito privado, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 500. (grifo do original). 392 Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 4227.

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182

tributário; e (ii) vincendo, se constituído depois do crédito tributário”393.

9.4.5 A necessidade de expressa permissão legal

O ordenamento tributário, no art. 170 do CTN, exige lei expressamente que

autorize a compensação tributária. Sem a produção de enunciados prescritivos

disciplinando a forma de se proceder a compensação tributária, torna-se impossível

sua realização. Há autores que defendem ser uma norma de aplicação imediata. No

entanto, como existe legislação ordinária versando sobre o tema, acredita-se que tal

discussão carece de sentido.

9.4.5.1 Brevíssimo escorço histórico da legislação ordinária acerca da compensação

tributária

A Lei 5.172/66, denominada Código Tributário Nacional, acolhida com status

de lei complementar pela Constituição Federal de 1988, trouxe o fundamento de

validade para a legislação ordinária editar os enunciados que regulamentem a

compensação tributária.

Com base no art. 170 do CTN, foram inseridos diversos veículos introdutores

de normas, contendo em seus enunciados-enunciados dispositivos reguladores do

procedimento de compensação.

O primeiro deles foi o Decreto-lei 2.287/86, alterado pela Lei 11.196/05, cujo

conteúdo trata da compensação efetuada de ofício pela autoridade administrativa

quando verificadas, concomitantemente, a presença de pedido de restituição e a

existência de um crédito tributário em face do requerente.

Depois adveio a Lei 8.383/91, trazendo em seu bojo o art. 66, que veio

393 Compensação tributária e processo, p. 163-4.

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regulamentar, na esfera federal, a previsão do CTN, apesar de existirem posições

distintas, entendendo que o art. 170 do mencionado diploma trata de hipótese

diversa daquela prevista no art. 66 da Lei 8.383/91, em razão de essa lei aplicar-se

unicamente aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Após alterações

trazidas pela Lei 9.069/95, a redação do mencionado artigo ficou da seguinte forma:

Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente. § 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie. § 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição. § 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo ou contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na variação da UFIR. § 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.

Logo em seguida, a Lei 9.250/95 determinou que a compensação somente

seria possível com tributos ou receitas patrimoniais de mesma espécie e destinação

constitucional apurados em períodos subseqüentes. Também determinou a aplicação

da taxa SELIC como índice de juros para fins de compensação.

Posteriormente, surgiram os arts. 73 e 74 da Lei 9.430/96 regulamentando a

compensação. O seu conteúdo original foi substancialmente alterado pelas Leis

10.637/02, 10.833/03 e 11.051/04, conforme se verá adiante.

9.5 O processo de positivação da norma de compensação

O instituto da compensação tributária serve para sobrepujar a complexidade

em que se encontra envolto o direito. A compensação engloba um intricado conjunto

de relações jurídicas: (i) a obrigação tributária, constituindo o crédito tributário; (ii) a

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relação de indébito, constituindo o débito do Fisco; e (iii) a relação de compensação,

cotejando as outras duas, extinguindo-as394.

Sem a constituição por linguagem jurídica competente do crédito tributário e

do débito do Fisco, é impossível utilizar-se do instituto da compensação. Paulo de

Barros Carvalho não deixou passar essa peculiaridade: “Para que a compensação seja

efetuada é imprescindível a existência de duas normas jurídicas individuais e

concretas: uma, constituindo o débito do contribuinte; outra, formalizando o débito

do Fisco”395. O emissor da norma individual e concreta da compensação somente

poderá dar início a essa cadeia de positivação quando estiver diante de duas relações

jurídicas intranormativas. Por isso, sobremaneira importante o estudo da

fenomenologia da incidência da obrigação tributária e da relação de débito do Fisco

nos capítulos anteriores para fins deste trabalho. Sem se precisar a constituição do

crédito tributário e do indébito, impossível atingir a compensação.

O início do processo de positivação da compensação tributária está no art.

170 do CTN. É nesse artigo que se encontra o enunciado prescritivo que autoriza o

legislador ordinário a emitir outros enunciados regulando o instituto de extinção do

vínculo jurídico tributário. Não se acredita que o fundamento da compensação esteja

diretamente previsto na Constituição Federal396. Aqui se faz coro às lições de Marcelo

Fortes de Cerqueira397:

394 Cf. Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário, linguagem e método, p. 480. 395 Direito tributário, linguagem e método, p. 481. 396 Sabe-se que a compensação, como forma de se efetivar a não-cumulatividade, está expressa na Constituição Federal, porém não é dessa espécie que se está tratando, mas sim daquela que decorre o fato jurídico do pagamento indevido. Schubert de Farias MACHADO defende que a compensação tem suas raízes no Texto Magno, em decorrência dos princípios da moralidade e da equidade, O direito à repetição do indébito tributário, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 414. Hugo de Brito MACHADO encontra cinco fundamentos para afirmar que o direito à compensação está previsto na Constituição Federal: cidadania, justiça, isonomia, propriedade e moralidade, Curso de direito tributário, p. 234-5. Ainda a favor da base constitucional da compensação, porém com fundamento nos princípios da legalidade, da moralidade, do direito de propriedade, da vedação do confisco, e da responsabilidade objetiva do Estado por danos causados a terceiros, Alexandre Macedo TAVARES, Compensação do indébito tributário, p. 30. Para Marcos Vinicius NEDER, apesar de a Constituição ser o fundamento de validade da compensação tributária, em razão dos princípios da moralidade e da eficiência, é necessário, para a sua instrumentalização, obediência aos limites estabelecidos pelo legislador, Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e processo, p. 458. 397 Repetição do indébito tributário, p. 432.

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O direito subjetivo à compensação, que apenas nasce quando presentes tanto a obrigação tributária quanto a obrigação de devolução (sendo inclusive disciplinado pela lei (ordinária) vigente à época) não tem sede constitucional. Não consiste ele numa exigência impostergável do Sistema Constitucional Tributário. Logo, em sendo a sua previsão uma prerrogativa do legislador ordinário, aceitará vedações, restrições e condicionamentos criados por este, desde que mediante lei.

O direito à compensação decorre das disposições previstas na legislação

infraconstitucional, ao contrário do que se afirma acerca da restituição em sentido

estrito em razão do pagamento indevido. Essa sim encontra guarida no sistema

constitucional, pois o contribuinte só pode ser tributado por meio de regra individual

e concreta válida absolutamente (sem vícios); e qualquer pagamento realizado em

desacordo com essa sistemática ofenderá o sistema constitucional tributário, em

especial o princípio da estrita legalidade, devendo, portanto, ser restituído398. Caso

não houvesse qualquer menção acerca da compensação tributária na legislação

ordinária, não haveria como o contribuinte exigir a extinção do crédito tributário por

essa via. Já com relação à restituição dos valores que pagou indevidamente, seria

possível sua exigência com fundamento na Constituição Federal, principalmente por

afronta ao princípio da legalidade.

Retornando, o ponto de partida do fluxo normativo da compensação

tributária é o art. 170 do CTN. Consiste em verdadeira norma de estrutura399 que

outorga ao legislador ordinário a competência para emitir enunciados prescritivos

versando sobre a compensação. Consoante se afirmou acima, sem a edição de lei não

é possível que o contribuinte exerça seu direito subjetivo à compensação. Ou melhor,

a norma individual e concreta da compensação só pode ser expedida se tiver uma lei

ordinária regulando seu procedimento de produção e seu conteúdo.

398 Marcelo Fortes de CERQUEIRA, Repetição do indébito tributário, p. 302. 399 Pensam da mesma forma José Artur Lima GONÇALVES e Márcio Severo MARQUES para quem o art. 170 do CTN é “norma jurídica de estrutura, dirigida ao legislador ordinário (produtor de norma de comportamento), para autorizá-lo a disciplinar as hipóteses de compensação de créditos tributários (créditos da Fazenda Pública, decorrentes de tributos) com ‘créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”, O direito à restituição do indébito tributário, Repetição do indébito e compensação no direito

tributário, p. 214. Segue a mesma trilha Oswaldo Othon de Pontes SARAIVA FILHO, Repetição do indébito tributário e compensação, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 295.

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186

Assim, pode-se afirmar que o art. 170 é uma norma de competência

legislativa400 contendo os critérios para se determinar a produção normativa acerca

da compensação ainda em plano abstrato e geral. A regra de competência legislativa

possui um antecedente prescritor, conotativamente, do fato: ser pessoa política no

território nacional em determinado período; e um conseqüente, cuja relação a ser

estabelecida consiste na autorização para os sujeitos-de-direito, em conformidade

com certos limites formais e materiais, editarem enunciados prescritos e o dever

jurídico que a comunidade tem de respeitar tal exercício.

O limite formal é o procedimento para a edição de leis ordinárias. Assim,

para inserir enunciados prescritivos, o legislador deve observar a Constituição

Federal nos artigos que regulamentam a atividade de produzir leis ordinárias (art. 60

e seguintes). Desse modo, o intérprete, ao se deparar com um documento legislativo

cujos enunciados-enunciados tratem de compensação tributária, deverá analisar seus

dêiticos presentes na enunciação-enunciada, para confirmar se a sua elaboração

ocorreu de acordo com o procedimento escolhido pelo direito para se editar leis

ordinárias.

O legislador ordinário não poderá inserir qualquer tipo de enunciado-

enunciado no documento normativo. Os limites materiais que restringem a emissão

da norma geral e abstrata acerca da compensação são aqueles acima descritos como

requisitos essenciais para o direito à compensação. Em outras palavras, a

compensação prevista na legislação ordinária não pode afrontar os dizeres do art. 170

do CTN. A norma geral e abstrata da compensação é que possibilitará o cotejo entre

duas relações jurídicas, a que constitui o crédito tributário e a que determina o débito

do Fisco, cujos sujeitos de direito sejam idênticos, e o objeto, uma quantia em

dinheiro, líquido e certo.

Não obedecer a esses limites, os materiais e os formais, faz com que a norma

inserida no sistema tenha sido produzida ilegalmente, portanto passível de ser

suprimida por outra norma, de igual ou superior hierarquia. As leis que tratam da

400 Cf. item 4.5 e 4.7., Capítulo 4.

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187

compensação, principalmente as Leis 8.383/91 e 9.430/97, devem estar em

conformidade com o art. 170 do CTN. Já se nota que não se compartilha da teoria

traçada por parte da doutrina tributária e aceita pelo STJ401 de que a compensação do

art. 66 da Lei 8.383/91 é distinta daquela prevista no Código Tributário Nacional.

Conforme Hugo de Brito Machado:

Enquanto o art. 170 do Código Tributário Nacional diz que a lei poderá autorizar a autoridade da Administração Tributária a aceitar a compensação, o art. 66, da Lei nº 8.383/91, é norma dirigida ao contribuinte, facultando a este a utilização do valor de tributo que tenha pago indevidamente, para a quitação de débito seu, necessariamente concernente ao mesmo tributo, ou a tributo da mesma espécie402.

Alexandre Macedo Tavares pensa de igual forma, explicando a distinção

entre o art. 170 do CTN e o art. 66 da Lei 8.383/91 do seguinte modo:

Ao passo que a primeira é norma dirigida à autoridade administrativa e pressupõe a existência de créditos tributários líquidos e certos devidamente constituídos pela regular atividade administrativa de lançamento; a segunda prescrição normativa constitui norma dirigida ao contribuinte, viabilizadora da utilização do procedimento compensatório no âmbito do lançamento por homologação, em decorrência de um recolhimento indevido ou a maior de tributos403.

Gabriel Troianelli não vê qualquer incompatibilidade entre a compensação

de tributos sujeitos ao lançamento de homologação e os lançados de ofício, bastando que

401 “Não há confundir a compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional com a compensação a que se refere o art. 66 da Lei 8.383/91. A primeira é norma dirigida à autoridade fiscal e concerne a compensação de créditos tributários, enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento por homologação”. (REsp. 820.38/DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 13.06.1996, DJ 01.07.1996, p. 24035). Registre-se que a mesma Corte já decidiu de modo diverso: “O art. 66 da Lei 8.383/1991, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior”. (REsp. 128.631/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 03.11.1997, DJ 15.12.1997, p. 66246). 402 A compensação autorizada pelo art. 66 da Lei 8.383/91, Repertório IOB de jurisprudência: tributária, constitucional e administrativa, n. 15, p. 273. 403 Compensação do indébito tributário, p. 64. Cíntia de ALBUQUERQUE distingue as formas de compensação do seguinte modo: a) a compensação do art. 170 do CTN é forma de extinção e a do art. 66 da Lei 8.383/91 não implica a extinção do crédito tributário; b) a compensação do CTN pressupõe crédito já constituído, e da Lei 8.383/91 tem por objeto créditos futuros; c) a compensação do CTN exige créditos líquidos e certos, e da Lei 8.383/91 não; d) a compensação do CTN atinge quaisquer tributos e contribuições, e da Lei 8.383/91 exige tributos e contribuições da mesma espécie e destinação constitucional; e) a compensação do CTN exige prévio requerimento, e da Lei 8.383/91 não. A compensação do indébito tributário como direito subjetivo do contribuinte, Revista tributária e de finanças públicas, n. 41, p. 113.

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188

aguarde, nesse último caso, o ato da autoridade administrativa para, então, efetuar a

compensação. E conclui o autor que “aplicando-se o artigo 66 da Lei nº 8.383/91 a

todo e qualquer tipo de tributo, e não apenas àqueles autoliquidáveis, em nada se

distingue, essencialmente, a compensação nele disciplinada daquela prevista no

artigo 170 do Código Tributário Nacional”404.

O art. 170 do CTN é uma norma que outorga competência para a elaboração

da norma geral e abstrata acerca da compensação. Esse dispositivo não pode servir

de fundamento de produção de enunciados individuais e concretos. O art. 66 da Lei

8.383/91, bem como os artigos 73 e 74 da Lei 9.430/97 são resultado do exercício da

norma de competência prevista no Código Tributário e, portanto, não podem ter

conteúdo que afronte aquele previsto no art. 170. Agora, para se produzirem as

normas individuais e concretas da compensação tributária, é preciso o exercício da

competência descrita pelas leis ordinárias. A validade dessas normas decorre do seu

cotejo com a legislação ordinária. Em outras palavras, a compensação prevista em

qualquer lei ordinária não pode ser diversa do que determina o art. 170 do CTN,

pois, se assim fosse, não respeitaria o modo de produção previsto, podendo ser

rechaçada do sistema jurídico tributário.

Desse modo, entende-se que não há problema se a legislação ordinária

prescrever restrições ao exercício da compensação, desde que não afronte o art. 170

do CTN. Exercendo essa competência, o legislador ordinário criou enunciados

prescritivos versando acerca da compensação tributária. Conforme já exposto, esses

enunciados podem ser agrupados de acordo com a pessoa competente para emitir a

norma individual e concreta da compensação. Com isso, haverá (i) a sistemática da

compensação de ofício; (ii) a sistemática da autocompensação; e (iii) a sistemática da

compensação judicial. Cada uma com regras próprias, que serão estudadas

separadamente, em capítulos individualizados.

404 Repetição de indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 128.

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189

9.6 A norma individual e concreta da compensação: a extinção da obrigação

tributária

O art. 156, II do CTN determina a extinção da obrigação tributária pela

compensação. No entanto, é indispensável uma linguagem jurídica de mesmo nível

hierárquico para que ocorra a supressão do vínculo do sistema jurídico. A

compensação tributária necessita de uma norma individual e concreta para produzir

efeitos jurídicos. Antes, é apenas uma relação jurídica efectual descrita de forma

geral. De acordo com Paulo de Barros Carvalho:

(...) o aplicar-se da norma de compensação gera a extinção do crédito tributário e do débito do Fisco. Mas, para que esta se concretize, necessário o relato em linguagem competente não apenas das relações que se pretende compensar, mas também do fato da compensação. Apenas se descrito no antecedente de norma individual e concreta irradiará os efeitos previstos no conseqüente normativo, operando-se a extinção dos vínculos obrigacionais405.

Como é possível notar, somente com a produção de três normas individuais

e concretas é que se operacionalizará a extinção da obrigação tributária pela

compensação. É essencial a existência de uma norma individual e concreta

constituindo o crédito tributário; de outra formalizando o débito do Fisco; e uma

terceira realizando o encontro entre essas duas.

A norma individual e concreta da compensação, independentemente de ser

inserida no sistema por ato da autoridade administrativa, do Poder Judiciário ou do

particular, tem aquela estrutura lógica comum a todas as regras jurídicas (ou normas

em sentido estrito): um antecedente que implica o seu conseqüente.

O fato jurídico descrito no antecedente da regra da compensação é composto

pelas relações jurídicas que constituem o crédito tributário e o débito do Fisco. É com

o surgimento desses dois vínculos que se tem o fato suficiente para produzir os

efeitos jurídicos da compensação: a extinção da obrigação tributária. Se um deles não

estiver devidamente relatado em linguagem jurídica, não há a possibilidade de se

405 Direito tributário, linguagem e método, p. 481.

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190

efetivar a compensação tributária.

Com o acontecimento do fato jurídico no mundo fenomênico e seu relato em

linguagem, haverá a relação jurídica da compensação. É no conseqüente da norma

individual e concreta que se encontra a relação jurídica da compensação, que pode

ser descrita da seguinte maneira: o sujeito ativo (contribuinte, Fisco ou Judiciário406)

tem o direito subjetivo de exigir a compensação dos créditos e débitos em face do

sujeito passivo (Fisco ou contribuinte), que terá o dever de se submeter a essa forma

de extinção da obrigação tributária. É evidente que esses elementos estarão

devidamente individualizados nos enunciados-enunciados do documento normativo

que contêm essa norma individual e concreta.

A fenomenologia da compensação, assim como todo o direito, é sobremodo

complexa. São três normas individuais e concretas no sistema, cada uma com

disposições próprias: a norma N1, que determina o contribuinte devedor do Fisco

(obrigação tributária) no valor exato $1; a norma N2, que determina o Fisco devedor

do contribuinte (relação de débito do Fisco) no valor exato $2; e a norma N3, que

determina o encontro entre os valores $1 e $2.

Essa operação matemática do encontro de contas que resume a compensação

pode ter três diferentes resultados: (i) $1>$2, restando um crédito tributário; (ii) $1<$2,

persistindo um valor de débito do Fisco; e (iii) $1=$2, situação que não restará nem

crédito para o contribuinte nem para o Fisco.

Como já se disse, a compensação tributária é forma de extinção tanto da

obrigação tributária quanto da relação de débito do Fisco. Assim, utilizando os

resultados obtidos com a compensação, haverá a extinção da obrigação tributária nas

situações (ii) e (iii) e a extinção da relação de débito nas hipóteses (i) e (iii) acima

descritas. É que a compensação só tem o poder de extinguir ambas as relações

quando seus valores forem idênticos. Por isso, em (i) a obrigação tributária não está

extinta, já que a compensação não conseguiu suprimir por inteiro o direito subjetivo

406 Os sujeitos ativo e passivo são diversos conforme o tipo da compensação tributária. Ao se analisar cada espécie individualmente identificar-se-ão com maior exatidão os titulares do direito subjetivo à compensação e aqueles que deverão a ela se submeter.

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191

do Fisco.

Paulo de Barros Carvalho ensina que, não havendo identidade entre os

objetos das relações, a compensação funcionará como um redutor, sem ser

considerada extintiva, pois “a compensação só extingue relações jurídicas em que os

valores coincidam. Caso inexista essa parificação dos montantes prestacionais, algo

remanescerá para qualquer dos sujeitos, permanecendo vivo, juridicamente, o laço

obrigacional”407.

Somente haverá a extinção da obrigação tributária quando o objeto da

relação de débito do Fisco tiver seu valor maior ou igual ao previsto na relação do

crédito tributário. Caso contrário, quando o crédito tributário é maior que o débito do

Fisco, não haverá a sua extinção. Em todas essas situações não se nega que a

compensação operou-se e que produzirá um efeito: ou a extinção da relação de

débito do Fisco; ou a extinção da obrigação tributária; ou a extinção de ambas.

No caso em que remanesce um saldo do crédito tributário, o contribuinte

deve pagá-lo, ou extingui-lo de acordo com as outras formas previstas no art. 156 do

CTN. Se assim não proceder, a autoridade fazendária poderá cobrá-lo judicialmente,

inscrevendo em dívida ativa e executando, pois o crédito já consta devidamente

constituído, porquanto é requisito essencial para se proceder a compensação a sua

liquidez, certeza e exigibilidade.

407 Direito tributário, linguagem e método, p. 478.

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192

10 A COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO

10.1 A norma geral e abstrata da compensação de ofício

A compensação de ofício é a cadeia de positivação de normas cujo ponto final é

inserido pela autoridade administrativa. Esse é o órgão habilitado para colocar a

norma individual e concreta no sistema jurídico estipulando a compensação entre o

crédito tributário e o débito do Fisco.

Como se viu no capítulo anterior, a compensação tributária requer o

cumprimento de certos requisitos para poder ser efetivada. No caso da compensação

de ofício, o legislador ordinário, exercendo a competência do art. 170 do CTN,

estabeleceu outros pressupostos além daqueles essenciais a todos os tipos de

compensação, porém sem inviabilizar o seu procedimento. A norma de estrutura

tributária não impede a criação de uma espécie de compensação cuja estrutura seja

movimentada pela autoridade administrativa. Por isso, foi produzido o Decreto-lei

2.287/86, que, no art. 7º, com redação dada pela Lei 11.196/05, concede o direito

subjetivo à Receita Federal do Brasil, ao verificar a existência de débito em nome do

contribuinte e pedido de restituição ou de ressarcimento de tributos, de compensá-

los.

A análise da compensação de ofício inicia-se com esse dispositivo. Nele se

encontra o primeiro critério que a norma geral e abstrata da compensação de ofício

deverá possuir: o pedido de restituição de tributo pago indevidamente.

O contribuinte, ao realizar a conduta pagamento indevido, tem a escolha de

movimentar duas cadeias de normas para reaver o valor pago408: (i) o pedido de

restituição (em sentido estrito); ou (ii) o pedido de compensação. São opções

concorrentes; impossível realizar as duas. Dizendo de outra forma, há duas maneiras

408 Cf. Capítulo 8, item 8.6.3.

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193

de se extinguir a relação de débito do Fisco: com o pagamento ou com a

compensação.

Ao eleger o pedido de restituição, o contribuinte tem de seguir o

procedimento que o direito positivo escolheu para receber os valores indevidamente

pagos. Percebe-se que se está diante de outro eixo de positivação de normas,

iniciando-se com o pedido de restituição e que se findará com a norma individual e

concreta do pagamento.

Eleita essa possibilidade, a autoridade administrativa federal, ao ficar diante

do pedido de restituição e verificar a existência de um crédito tributário líquido e

certo, irá determinar a compensação desses valores. Note-se que a relação de débito

do Fisco é formalizada, em linguagem competente, pelo pedido de restituição feito

pelo contribuinte. Eis o débito do Fisco líquido e certo. Com isso, o fato jurídico

suficiente para que o Fisco emita uma norma individual e concreta determinando a

compensação é acontecer o pedido de restituição pelo contribuinte e existir uma

relação de crédito. A diferença aventada é a forma como se apresenta a relação de

débito do Fisco, o veículo introdutor exigido é o pedido de restituição formalizado

pelo contribuinte.

Em razão do § 1º do Decreto-lei 2.287/86 usar a palavra débito409, surge a

questão de qual tipo seria esse débito410. Como se viu, a compensação tributária deve

acontecer entre o crédito tributário e o débito do Fisco. Assim, o débito seria o crédito

tributário constituído pela linguagem do lançamento ou do autolançamento; líquido,

certo e exigível, portanto. Por isso, não se pode realizar a compensação de ofício

quando o crédito tributário esteja com a sua exigibilidade suspensa por qualquer

uma das causas previstas no art. 151 do CTN. Os Tribunais Regionais têm

enveredado por essa trilha, conforme se verifica nos julgados:

409 Eis o seu teor: “Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito”. 410 Alexandre Macedo TAVARES, Compensação do indébito tributário, p. 80.

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194

a) CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. DÉBITOS COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA. COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. PRAZO DE 30 DIAS. RAZOÁVEL. 1. A jurisprudência desta Corte não admite a compensação de ofício de créditos reconhecidos pela Fazenda Pública em favor do contribuinte com débitos tributários cuja exigilidade esteja suspensa. 2. Em se tratando processo de ressarcimento, afigura-se razoável o prazo de 30 dias para operacionalização do pedido, considerando a estrutura administrativa da Fazenda Nacional. (TRF4, AG 2006.04.00.027290-7, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 06/12/2006). b) (...) 4. O cerne da questão encontra-se na análise da possibilidade de realização da compensação administrativa, de ofício, dos créditos apurados de IPI com débitos previdenciários parcelados em face de adesão ao programa Refis III, que implica na suspensão de sua exigibilidade, na modalidade de parcelamento, prevista no inc. VI do art. 151 do CTN, o que impediria a cobrança ou a retenção de quaisquer valores sob esse título, enquanto vigente o parcelamento. 5. O preceito legal acima mencionado possibilita a compensação de débitos vencidos, de ofício, restringindo-se porém aos débitos em aberto, não alcançando, entretanto, os débitos cuja exigibilidade esteja suspensa, devendo prevalecer, in casu, o previsto no art. 151, VI, do CTN. (TRF3, AMS 2006.61.13.003713-0, Sexta Turma, Relatora Consuelo Yoshida, DJU 13/08/2007, p. 430).

A norma jurídica geral e abstrata da compensação de ofício pode ser

construída com os seguintes enunciados: dado o fato de haver pedido de restituição

pelo contribuinte e de existir um crédito tributário deve ser a relação jurídica em que

o sujeito ativo é a Secretaria da Receita Federal do Brasil, cujo direito subjetivo é

realizar a compensação dos créditos e débitos descritos no fato em face de um sujeito

passivo, o contribuinte, detentor do dever jurídico de aceitar a compensação.

Cotejando a norma geral e abstrata da compensação de ofício, produzida

com base nos enunciados prescritivos contidos no Decreto-lei 2.287/86, com o seu

fundamento de validade, que é o art. 170 do CTN, conclui-se que não há ruptura com

o sistema jurídico tributário da compensação. Isso porque a regra da compensação de

ofício não afronta os requisitos essenciais de toda compensação tributária. Prevê a

existência de duas relações jurídicas recíprocas, em que o sujeito ativo de uma é o

sujeito passivo da outra, e vice-versa. Ainda, são homogêneas, pois versam sobre

valores expressos em pecúnia. E, por último, requer a liquidez e certeza dos vínculos,

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195

com exata identificação do credor e do devedor e o montante objeto da prestação.

Alexandre Macedo Tavares entende que a compensação de ofício é

inconstitucional, pois desrespeita o princípio do devido processo legal por ser um

meio coercitivo de cobrança das obrigações fiscais e afronta o art. 146, III, “b” da CF

em razão de criar uma nova modalidade extintiva de crédito tributário, matéria de

competência de lei complementar411.

Não parece que seja desse modo. A compensação de ofício encontra seu

fundamento de validade no art. 170 do CTN. Essa forma de extinção do crédito

tributário tem como peculiaridade a autoridade administrativa como sujeito-de-

direito competente para inserir a norma individual e concreta da compensação no

sistema. Isso não a caracteriza como um meio coercitivo de cobrança de tributos nem

um cerceamento ao direito de restituição do indébito tributário. O contribuinte tem

os instrumentos de defesa para questionar a compensação realizada pelo Fisco caso a

considere ilegal ou abusiva, o que descaracteriza esse tipo de encontro de contas

como um procedimento coercitivo. Em suma, o simples fato de ser efetuado pela

Secretaria da Receita Federal não quer dizer que o instituto da compensação teve sua

natureza jurídica corrompida. Trata-se, apenas, de um meio mais eficiente e

econômico de realização tanto do crédito tributário como do débito do Fisco.

Também não assiste razão o argumento de inconstitucionalidade por

violação do art. 146 da CF. A compensação de ofício possui todas as características

comuns ao gênero compensação tributária, e, por isso, não é uma nova forma de

extinção da obrigação tributária. Além disso, a competência da lei complementar é

para versar acerca da prescrição e decadência, e não de todas as formas de extinção

da relação jurídica tributária.

Assim, considera-se a compensação de ofício, instituída pelo art. 7º do

Decreto-lei 2.287/86, com redação dada pela Lei 11.196/05, constitucional e legal, pois

esse veículo introdutor de normas foi produzido respeitando os limites formais e

411 Compensação do indébito tributário, p. 80 et seq.

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196

materiais prescritos pela norma de competência412.

10.2 O procedimento da compensação de ofício e o Decreto 2.138/97

O Decreto-lei 2.287/86 atribuiu competência ao Ministério da Fazenda e da

Previdência Social para estabelecer os procedimentos a fim de se efetivar a

compensação de ofício. Porém, esse procedimento foi inserido no sistema usando-se

um veículo introdutor de normas diverso: um Decreto. Daí já decorre uma dúvida:

há vício formal no Decreto 2.138/97 que regulamentou a compensação de ofício?

Entende-se que não há qualquer problema no procedimento de produção do

Decreto 2.138/97. De acordo com o art. 84, IV, da Constituição Federal, o Presidente

da República é competente para expedir decretos e regulamentos para fiel execução

das leis. Exercendo essa competência, o Presidente da República editou o Decreto

2.138/97, estabelecendo a maneira que a Receita Federal do Brasil deve proceder para

realizar a compensação de ofício. O simples fato de uma lei determinar a competência

para o Ministério da Fazenda regular a compensação de ofício não retira a

autorização para se produzir normas constitucionalmente outorgada ao Presidente

da República. É o que pensa Guilherme Mendes413:

Apesar de a Lei atribuir competência ao Ministério da Fazenda, não há ilegalidade formal do Decreto. É do presidente da República a competência constitucional (art. 84, IV) para editar decretos regulamentares com o fio de promover a fiel execução das leis. Assim, um diploma legal ao conferir tal competência a um ministro não suprime a do presidente, apenas possibilita a disciplina direta por ato ministerial. Evidentemente, se houvesse conflito entre o presidencial e o do Ministério, prevaleceria aquele.

Há duas normas de competência no sistema: (i) a que autoriza o Presidente

412 Registra-se que o STJ entende ser impossível a compensação de ofício, porquanto a compensação deve ser uma opção para o contribuinte, e nunca uma imposição, já que se refere a uma parcela de seu patrimônio, ao qual o Estado não tem livre disponibilidade (REsp. 938.097/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008, DJ 16.04.2008, p. 1 – ver ementa transcrita abaixo). 413 Compensação de ofício, Compensação tributária, p. 78-9.

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197

da República a emitir normas com a finalidade de executar o prescrito em veículos

introdutores da espécie lei, prevista no art. 84, IV da CF; e (ii) a que autoriza o

Ministério da Fazenda a emitir norma de estrutura contendo o procedimento para a

compensação de ofício. Por isso, a edição do Decreto 2.138/97 não violou nenhuma

das regras para a sua produção.

Diante do pedido de restituição e da existência de uma dívida tributária, a

autoridade administrativa pode emitir a norma individual e concreta da

compensação de ofício. Por ser uma espécie de compensação diversa das demais, ela

possui um procedimento específico trilhado pelo Decreto 2.138/97.

Acontece que o art. 6º do Decreto 2.138/97 exigiu a notificação ao sujeito

passivo para se manifestar sobre a compensação de ofício, aquiescendo-a ou não

como condição para a Secretaria da Receita Federal do Brasil produzir aquela norma

individual e concreta. Aceita a compensação de ofício, o processo de positivação de

normas seguirá seu fluxo, extinguindo a relação do crédito tributário e a relação de

débito do Fisco, com a unidade da Secretaria da Receita Federal efetuando o encontro

das contas em conformidade com o disciplinado pelo art. 5º do mesmo diploma legal.

Agora, se o contribuinte não aceitar a compensação de ofício, o § 3º do art. 6º

do Decreto 2.138/97 prescreve que a autoridade administrativa reterá o valor da

restituição ou ressarcimento até a liquidação total do débito. Como é possível notar,

há dois eixos de positivação previstos: (i) o da própria compensação, com a

aquiescência do contribuinte, que culmina com a extinção das relações jurídicas; e (ii)

o da retenção, quando o sujeito passivo não concorda com a compensação de ofício.

Esse procedimento de retenção não encontrou guarida no STJ. De acordo

com o Tribunal, o Decreto 2.138/97 extrapolou suas funções ao facultar que a Receita

Federal determine de ofício a compensação e violou a garantia constitucional do

respeito ao patrimônio individual ao prever a retenção dos créditos do contribuinte.

Eis o seu teor:

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198

TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DIREITO DO CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE DO FISCO REALIZA-LÁ DE OFÍCIO. RETENÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. Inexiste dispositivo legal autorizando a Fazenda Nacional a proceder compensação tributária de ofício e, em caso de não-concordância do contribuinte com os valores encontrados, proceder a retenção dos respectivos créditos. 2. O Decreto 2.138, de 29.01.97, em seu art. 6º, extrapolou a sua função regulamentadora. 3. A compensação é regida por dispositivos que consagram ser um direito do contribuinte, a quem lhe é outorgado a opção de realizá-la ou não. 4. A homenagem ao princípio da legalidade tributária não autoriza a prática de compensação de ofício pelo fisco e a retenção de créditos do contribuinte. 5. Recurso especial não-conhecido. (REsp. 938.097/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008, DJ 16.04.2008, p. 1) 414.

Da mesma forma que o Decreto foi além determinando a retenção, também

extrapola sua competência ao exigir a autorização do contribuinte para que a

autoridade administrativa efetive a compensação de ofício. Em momento algum, o

Decreto-lei 2.287/86, com a redação dada pela Lei 11.196/05, exigiu como condição a

manifestação do contribuinte para autorizar ou não a compensação de ofício. Por

isso, tanto a determinação da retenção como a exigência de aquiescência do

contribuinte são ilegais, ou seja, foram inseridas no sistema jurídico em desacordo

com sua norma de estrutura.

Entende-se que a correta interpretação da compensação de ofício não exige a

autorização do sujeito passivo tributário, sendo um ato unilateral da administração

pública. Isso não significa afirmar o tolhimento do direito de defesa do contribuinte.

Ele pode, e deve, movimentar tanto a esfera administrativa como a judicial, iniciando

novos eixos de positivação de normas, sempre que se defrontar com uma

compensação formalizada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil de forma ilegal

ou abusiva, questionando a sua atividade de enunciação.

Concluindo, consideram-se ilegais as exigências feitas pelo art. 6º do Decreto

414 O TRF da 4ª Região também defende o excesso do Decreto 2.138/97, que “ao dispor sobre o procedimento de compensação de ofício, admitindo a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento até a liquidação do débito, desbordou dos limites da lei”. (TRF4, AMS 2006.71.08.011814-3, Primeira Turma, Rel. Vilson Darós, D.E. 15/07/2008).

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199

2.287/86, mas deve prevalecer o procedimento lá previsto para a compensação de

ofício a ser seguido pela unidade da SRF que a efetuar, que consiste na: (i)

certificação, no processo de restituição ou ressarcimento, do valor utilizado na

compensação e, se for o caso, do valor do saldo a ser restituído ou ressarcido; (ii)

certificação, no processo de cobrança, do montante do crédito tributário extinto pela

compensação e, sendo o caso, do valor do saldo remanescente do débito; (iii) emissão

de documento comprobatório de compensação, com a indicação de todos os dados

relativos ao sujeito passivo e aos tributos objetos da compensação necessários para o

registro do crédito e do débito; (iv) expedição de ordem bancária, na hipótese de

saldo a restituir ou ressarcir, ou de aviso de cobrança no caso de saldo do débito; (v)

realização dos ajustes necessários nos dados e informações dos controles internos do

contribuinte.

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200

11 A AUTOCOMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

11.1 A evolução legislativa no tempo

A autocompensação consiste no fluxo normativo cuja norma individual e

concreta da compensação tributária tem como emissor o contribuinte. O legislador

ordinário, exercendo a competência outorgada pelo art. 170 do CTN, inseriu uma

norma de estrutura, autorizando o particular a produzir normas individuais e

concretas para compensar o crédito tributário com o débito do Fisco.

O primeiro veículo introdutor tratando da autocompensação foi a Lei

8.383/91. O seu art. 66, já com a redação dada pela Lei 9.069/99, prevê a possibilidade

de o contribuinte efetuar a compensação nos casos de pagamento indevido ou a

maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas

patrimoniais, ficando restrito aos tributos, contribuições e receitas da mesma espécie.

A Lei 9.430/96, no art. 74 em sua redação original, aludia à autorização da

autoridade administrativa para o administrado utilizar créditos que seriam

restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob a

administração da Secretaria da Receita Federal, mediante requerimento. Segundo

Alexandre Macedo Tavares, essa lei não revogou, na época, o art. 66 da Lei 8.383/91,

pois não são instrumentos incompatíveis entre si, contendo duas diferenças: (i) no

procedimento, a Lei 8.383/91 opera-se de forma automática e unilateral, e a Lei

9.430/96 exige um prévio requerimento e autorização fazendária; (ii) na abrangência,

enquanto a Lei 8.383/91 permite a compensação apenas com tributos da mesma

espécie, a Lei 9.430/96 viabiliza a compensação dos tributos administrados pela

Secretaria da Receita Federal do Brasil415. Essa distinção foi percebida pelo STJ:

415 Compensação do indébito tributário, p. 68-9. Maria Teresa LÓPEZ e Emanuel de ASSIS também identificam a coexistência de dois regimes de compensação, um previsto pela Lei 8.383/91 e outro pela redação original do art. 74 da Lei 9.430/96, Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos

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No regime da Lei n. 8.383, de 1991 (art. 66), a compensação só podia se dar entre tributos da mesma espécie, mas independia, nos tributos lançados por homologação, de pedido a autoridade administrativa. Já no regime da Lei n. 9.430, de 1996 (art. 74), mediante requerimento do contribuinte, a Secretaria da Receita Federal está autorizada a compensar os créditos a ela oponíveis “para a quitação de quaisquer tributos ou contribuições sob sua administração” (Lei n. 9.430, de 1996). Quer dizer, a matéria foi alterada tanto em relação à abrangência da compensação quanto em relação ao respectivo procedimento, não sendo possível combinar os dois regimes, como seja, autorizar a compensação de quaisquer tributos ou contribuições independentemente de requerimento a Fazenda Pública. (Edcl. no Resp. 118.570/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 04.08.1997, DJ 25.08.1997, p. 39344).

Assim, subsistiam dois procedimentos diversos para a autocompensação: (i)

o previsto na Lei 8.383/91, em que o contribuinte realizava a compensação já

procedendo a extinção da obrigação tributária, com tributos da mesma espécie e

destinação constitucional; e (ii) aquele contido na Lei 9.430/96, segundo o qual o

particular deveria fazer um pedido de compensação condicionado à aceitação da

autoridade fazendária, momento em que se daria a extinção da obrigação tributária.

Percebe-se que a linguagem jurídica competente para extinguir a relação jurídica tem

características diversas: na Lei 8.383/96, é produzida pelo contribuinte416; e na Lei

9.430/96 quem emite é o Fisco, concordando com o pedido formulado pelo particular.

Em nenhuma das hipóteses a compensação ocorre automaticamente; é

imprescindível o ser humano produzindo a sua norma individual e concreta.

Porém, esse panorama legislativo foi alterado com a publicação da Lei

10.637/02, fruto da conversão da MP 66/02. A nova redação do art. 74 da Lei 9.430/96

passou a permitir ao contribuinte que apurar crédito relativo a tributo ou

contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição

diversos, a depender da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida. Segurança jurídica e irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 91-2. 416 Na época, a norma individual e concreta da compensação era veiculada direitamente em DCTF. O STJ admite a utilização desse veículo introdutor como forma de se viabilizar a compensação: “Comunicado pelo contribuinte, na Declaração de Contribuições de Tributos Federais (DCTF), que o valor do débito foi quitado por meio da utilização do mecanismo compensatório, não há por que falar em confissão de dívida suficiente à inscrição na dívida ativa”. (REsp. 419.476/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23.05.2006, DJ 02.08.2006, p. 233).

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ou de ressarcimento, utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a

quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão. Foi incluído o §

2º determinando que a declaração de compensação entregue pelo particular extingue

a obrigação tributária sob condição resolutória de sua ulterior homologação pela

autoridade administrativa.

Como é possível perceber, com a modificação do art. 74 da Lei 9.430/96, a

extinção da obrigação tributária também passou a ser no momento da entrega da

declaração de compensação pelo contribuinte, não necessitando aguardar a aceitação

da Receita Federal. Com isso, entende-se que a sistemática da compensação tributária

efetivada pelo administrado é, atualmente, regida pela Lei 9.430/96 com suas

posteriores alterações417. Desse modo, o objeto de estudo do presente trabalho

restringir-se-á à análise da mencionada lei, principalmente do seu art. 74.

11.2 A aplicação da legislação da compensação no tempo

Como se viu, várias transformações atingiram a legislação que versa acerca

da compensação tributária. No decurso do tempo, considerando-se a partir da edição

da Lei 8.383/91, têm-se vários sistemas jurídicos diversos em razão das alterações

417 De acordo com Maria Teresa LÓPEZ e Emanuel de ASSIS, apenas parte do art. 66 da Lei 8.383/91 foi revogado. Eis como se manifestam os autores: “A nosso ver, o que houve foi derrogação parcial. O art. 49 da MP nº 66/02, no que introduziu o § 2º no art. 74 da Lei nº 9.430/96 para determinar que a entrega da nova declaração de compensação (...) extingue o crédito tributário compensado, introduziu uma sistemática de compensação aplicável tão-somente aos tributos arrecadados pela antiga Secretaria da Receita Federal, que se mostra incompatível com a anterior”, Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos diversos, a depender da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida. Segurança jurídica e irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 95. O STJ entende ser o regime em vigor aquele previsto no art. 74 da Lei 9.430/96, com suas posteriores alterações, principalmente a efetivada pela Lei 10.637/02. Porém, o Min. Teori Albino Zavascki, em seu voto no EREsp. 488.992, asseverou que as inovações legislativas do art. 74 da Lei 9.430/96, em suas sucessivas redações, atinge apenas os tributos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal. Assim, ainda estaria em vigor a sistemática do art. 66 da Lei 8.383/91 acerca das contribuições recolhidas ao INSS. (EREsp. 488.992/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 26.05.2004, DJ 07.06.2004, p. 156). A mesma Corte já decidiu que “O regime de compensação instituído pela Lei 8.383/91 foi revogado com o advento da Lei 9.430/96, posteriormente alterada pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2002, de modo que o contribuinte, na vigência das leis novas, não pode mais optar por qualquer dos regimes, devendo submeter-se às regras vigentes quando formulado o pedido de compensação”. (REsp. 987.943/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 19.02.2008, DJ 28.02.2008, p. 89).

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203

sofridas. Diante dessa multiplicidade, aparecem enormes dificuldades para se

identificar qual sistemática deverá ser aplicada.

Tárek Moussallem diferencia o ordenamento do sistema jurídico,

especificando que o conjunto do ordenamento jurídico é composto por vários

subconjuntos de sistema do direito, sucessivos no tempo, modificados por outras

regras. Assim, haverá um sistema de direito positivo, SDP1, em determinado tempo

t1, contendo certas normas jurídicas. Em razão de sua modificação, em t2, haverá

outro sistema SDP2, distinto de SDP1, com conseqüências normativas diferentes. Essa

distinção entre os conjuntos não é total, “pois devem possuir ao menos um elemento

em comum (in casu, as regras constitutivas constitucionais)”418. Com isso, nada

impede que uma norma pertença ao SDP1, sem que seja incluída no SDP2, ou que

esteja nos dois conjuntos.

Útil essa breve explicação para fins de identificar a legislação aplicável.

Versando acerca do instituto da compensação tributária especificamente, têm-se as

Leis 8.383/91 e 9.430/96, com suas seguidas mutações, que permitem elaborar a

seguinte distribuição dos sistemas normativos de compensação no tempo: (a) a partir

de 30/12/91, t1, com a publicação da Lei 8.383, caracterizando SDP1; (b) a partir de

29/06/95, t2, com a publicação da Lei 9.069, alterando a Lei 8.383, caracterizando SDP2;

(c) 27/12/96, t3, com a publicação da Lei 9.430, caracterizando SDP3; (d) a partir de

30/12/02, t4, com a publicação da Lei 10.637, alterando a Lei 9.430, caracterizando

SDP4; (e) a partir de 29/12/03, t5, com a publicação da Lei 10.833, alterando a Lei 9.430,

caracterizando SDP5; e (f) a partir de 29/12/2004, t6, com a publicação da Lei 11.051,

alterando a Lei 9.430, caracterizando SDP6. São, portanto, pelo menos, seis sistemas

de direito positivo versando acerca da compensação tributária, principalmente da

autocompensação; SDP2 e SDP3 tiveram coexistência harmoniosa, já que havia dois

procedimentos distintos possíveis para a autocompensação, consoante foi acima

descrito.

Não sendo suficiente a dificuldade em se conhecer a norma em vigor, maior

418 Revogação em matéria tributária, p. 131.

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204

desordem é criada em virtude de a compensação tributária ser um plexo de relações:

a obrigação tributária; a do débito do Fisco; e a compensação entre as outras duas.

São três diferentes fatos ocorrendo no mundo fenomênico.

Assim, caso a norma que constitua a relação de débito do Fisco seja

produzida quando estiver em vigor SDP4, e o contribuinte deseja fazer a

autocompensação no mês de janeiro de 2005, em SDP6, qual a legislação a ser

aplicada? A dúvida surge em razão de o fato jurídico da compensação ser a

existência da obrigação tributária e da relação de débito do Fisco. Com a existência

dessas duas linguagens no mundo do direito, o contribuinte já poderia efetuar a

compensação e, com isso, teria o direito adquirido ao regime vigente na época?

Para solucionar a divergência, é oportuno relembrar a distinção entre tempo

do fato e tempo no fato419. O tempo do fato serve para designar o exato momento em que

uma norma entra no sistema, constituindo o fato jurídico (refere-se à atividade

produtora de normas); o tempo no fato é usado para determinar quando se deu a

ocorrência do evento no mundo fenomênico (refere-se ao comportamento humano).

A distinção é relevante para fins da legislação a ser aplicada: o tempo do fato vai

disciplinar qual o procedimento e o órgão competente para a feitura de novos

enunciados prescritivos; o tempo no fato permite identificar a legislação aplicável na

data em que aconteceu o evento. Um exemplo para melhor esclarecer: o contribuinte

tem de inserir a norma individual e concreta de autolançamento no sistema

tributário. Nessa situação há dois momentos distintos com legislações diversas

aplicáveis: (i) o acontecimento do evento tributário; e (ii) a produção do

autolançamento (veículo introdutor). Desse modo, o contribuinte se valerá da norma

em vigor no tempo do fato para seu ato de produção do veículo normativo; e da

legislação do tempo no fato para a constituição do fato jurídico e os efeitos que produz.

Utilizando a distinção acima na autocompensação, haverá o tempo no fato

referente ao aparecimento do crédito tributário e do débito tributário no mundo

social, o evento da compensação; e o tempo do fato, tratando da legislação a ser

419 Cf. Capítulo 6, item 6.3.1.1.

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205

aplicada no momento da produção da norma individual e concreta da

autocompensação, ou seja, na emissão da declaração de compensação.

Antes de apresentar um entendimento acerca da matéria, analisar-se-á qual a

trilha seguida pelos tribunais e pela doutrina. Iniciando pelas decisões dos órgãos

judiciários superiores, encontram-se no STJ dois posicionamentos, que podem ser

demonstrados da seguinte forma:

a) a legislação que trata da compensação a ser aplicada é aquela vigente na data

do encontro de contas (tempo do fato). Nesse sentido podem-se mencionar os

seguintes julgados: “O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de

que a lei aplicável, na compensação, é a vigente na data do encontro dos

créditos e débitos, incidindo as limitações impostas pelas Leis nºs. 9.032/95 e

9.129/95, a partir de sua publicação”. (AgRg. no REsp. 237.728/SC, Rel. Min.

Garcia Vieira, julgado em 24.02.2000, DJ 27.03.2000, p. 77); “Reconhecido o

direito à compensação, os valores compensáveis até a data das publicações

(Leis 9.032/95 e 9.129/95) estão resguardados dos limites percentuais fixados

(art. 89, § 3º), enquanto que os créditos remanescentes, cujos débitos

venceram-se posteriormente, sujeitam-se àquelas limitações”. (EREsp.

227.060/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, julgado em 27.02.2002, DJ

12.08.2002, p. 162);

b) as normas de compensação a serem aplicadas são aquelas em vigor no

momento da constituição do débito do Fisco (tempo no fato). Seguem essa trilha

as decisões: “TRIBUTÁRIO - COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA - LIMITAÇÃO

LEGAL - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. 1. As limitações das Leis ns.

9.032/95 e 9.129/95 só incidem a partir da data de sua vigência. 2. Os

recolhimentos indevidos efetuados até a data da publicação das leis em

referência não sofrem limitações. 3. Embargos de divergência rejeitados”.

(EREsp. 164.739/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 08.11.2000, DJ

12.02.2001, p. 91); “Declarada a inconstitucionalidade da contribuição

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206

previdenciária a cargo da empresa sobre os pagamentos a administradores,

autônomos e empregados avulsos, os valores a esse título recolhidos

anteriormente à edição das Leis 9.032/95 e 9.129/95, ao serem compensados,

não estão sujeitos às limitações percentuais por elas impostas, em face do

princípio constitucional do direito adquirido”. (AgRg. no REsp. 830.268/SP,

Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27.11.2007, DJ 27.02.2008, p. 163); “É pacífico o

entendimento desta Corte no sentido de que as limitações para a compensação

de créditos tributários instituídas pelas Leis ns. 9.032/95 e 9.129/95 só se

aplicam a partir da entrada em vigor dos referidos atos normativos, não tendo

eficácia retroativa. Os créditos decorrentes de recolhimentos efetuados antes

da vigência das leis referenciadas devem ser compensados sem a limitação”.

(REsp. 412.776/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 21.05.2002, DJ

28.10.2002, p. 302).

Persiste, no Colendo Tribunal, como entendimento majoritário e mais

recente, a possibilidade de se aplicar a lei vigente no tempo em que surgiu o evento

da compensação. Assim, a legislação aplicável é aquela do instante em que ocorreu o

fato jurídico no mundo fenomênico, e não quando se dá o procedimento da

autocompensação.

Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal tem-se posicionado no sentido

de que “se o crédito se constituiu após o advento do referido diploma legal, é fora de

dúvida que a sua extinção, mediante compensação, ou por outro meio, há de

processar-se pelo regime nele estabelecido e não pelo da lei anterior, posta aplicável,

no caso, o princípio segundo o qual não há direito adquirido a regime jurídico”420. A

manifestação do Colendo Tribunal tornou-se ambígua, pois o problema surge com o

crédito constituído antes da nova legislação. Maria Teresa López e Emanuel da Assis,

interpretando o citado trecho, entendem que o regime jurídico aplicável é o no

420 RE 254.459/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 23.05.2000, DJ 10.08.2000, p. 12.

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momento do encontro de contas421. Portanto, seria a sistemática existente no tempo do

fato a eleita pelo STF para reger a autocompensação. Porém, analisando o voto do

Min. Ilmar Galvão, parece que a opção é pela legislação do tempo no fato, pois o

ilustre Ministro registra como incensurável a decisão do acórdão recorrido, que assim

prescreve: “o limite de 30% só não incidirá se o indébito e o crédito tributário com o

qual a parte pretenda efetuar a compensação forem anteriores à vigência daquelas

leis; ao contrário, se lhe forem posteriores, ainda que apenas o crédito tributário o

seja, têm pela aplicação as disposições das Leis nºs. 9.032/95 e 9.129/95 quanto à

limitação imposta”.

Para Alexandre Macedo Tavares, “o regime aplicável à compensação é o

vigente à data em que é apresentada à reclamada declaração para a Secretaria da

Receita Federal (Lei nº 9.430/96, art. 74, § 2º) e promovido o encontro entre o crédito

utilizado e os respectivos débitos compensados, vale dizer, a data em que a operação

de compensação é efetivada”422. Maria Teresa López e Emanuel de Assis defendem

que a lei que regulamenta a compensação não é aquela que originou o indébito, mas

sim a do momento da compensação, ou seja, se aplica a legislação da data do

encontro de contas, equivalente à realização da compensação pelo contribuinte423. Em

posição contrária situa-se Aroldo Gomes de Mattos, para quem a compensação rege-

se de acordo com a lei contemporânea ao pagamento do tributo indevido424.

Realizado esse breve apanhado acerca de qual sistema de direito deve ser

aplicado quando se tratar de autocompensação, passa-se a demonstrar a escolha feita

neste trabalho.

A Lei 9.430/96 contém enunciados prescritivos que permitem ao intérprete a

construção de duas normas jurídicas: (i) uma de estrutura, determinando a pessoa

421 Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos diversos, a depender da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida. Segurança jurídica e irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 103. 422 Compensação do indébito tributário, p. 119. 423 Compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil. Regimes jurídicos diversos, a depender da data do pedido ou da PER/DCOMP. Prazo de homologação. Confissão de dívida. Segurança jurídica e irretroatividade das leis, Compensação tributária, p. 104. 424 Repetição do indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 68.

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208

competente, o procedimento, o tempo e o espaço para se produzir o veículo

introdutor da norma individual e concreta da autocompensação; (ii) outra de

conduta, referente ao fato jurídico que institui a relação jurídica da

autocompensação. Com a análise do produto, percebe-se a incidência dessas duas

normas gerais e abstratas. Ao se deparar com a declaração de compensação,

encontram-se dois tipos de enunciados: a enunciação-enunciada, que se refere à

atividade produtora da norma (veículo introdutor), e o enunciado-enunciado, que

constitui o conteúdo da norma (a norma individual e concreta da compensação).

São duas condutas distintas, produção de normas e o comportamento do

contribuinte em ser credor e devedor do Fisco, regulamentadas pela Lei 9.430/96. O

particular, diante do fato jurídico de ter uma relação de crédito tributário e ter uma

relação de débito com o Fisco, irá criar a norma da autocompensação, extinguindo as

relações. Percebe-se que somente com a expedição dessa norma individual e concreta

é que o fato jurídico da autocompensação surge para o universo jurídico, sendo,

antes, um mero evento. Tem-se o tempo no fato, que serve para identificar o momento

em que o contribuinte se tornou credor e devedor do Fisco; instante em que ocorre o

evento no mundo fenomênico. Nessa situação, como se viu, aplica-se a legislação

vigente na época do evento.

Demonstrada a existência de uma obrigação tributária e de uma relação de

débito do Fisco por meio das provas admitidas em direito, o contribuinte irá realizar

a conduta humana de produzir um veículo introdutor de normas. Esse é o tempo do

fato, demonstrando que a legislação a ser utilizada para identificar o procedimento de

autocompensação é aquela em vigor no momento da entrega da declaração à

autoridade fazendária.

Diante do produto, ou seja, do documento jurídico declaração de

compensação, verifica-se que na produção do veículo introdutor (norma geral e

concreta) as regras a serem observadas são aquelas existentes e aptas a produzir

efeitos no momento em que a declaração foi elaborada pelo particular (tempo do fato).

Cotejando os dêiticos presentes na enunciação-enunciada com a norma geral e

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209

abstrata de estrutura presente na Lei 9.430/96 é possível identificar se o procedimento

de produção da norma foi realizado conforme a legislação em vigor. Já o conteúdo da

norma, o comportamento humano de possuir uma relação de crédito tributário e

uma relação de débito do Fisco, identificado pelo enunciado-enunciado do

documento, é constituído pelas leis em vigor quando o fato acontecer no mundo

fenomênico (tempo no fato), e não no instante em que for relatado em linguagem.

Supõe-se que um contribuinte C1 tornou-se sujeito ativo na relação de débito

do Fisco cujo objeto referia-se à “crédito-prêmio de IPI” no dia 20/11/2004,

pertencendo a SDP5. O mesmo contribuinte C1, no dia 07/12/2004, situa-se no pólo

passivo na relação de crédito tributário que tem como objeto o pagamento de uma

soma a título de COFINS. Entretanto, realiza o procedimento de autocompensação

no dia 30/04/2006, já com a Lei 11.051 em vigor (que considera a autocompensação

com crédito-prêmio de IPI não-declarada), criando outro sistema, o SDP6. Relembre-

se de que o fato jurídico da compensação é ser credor e devedor do Fisco, ao mesmo

tempo. A Lei 11.051/04 restringiu as hipóteses para um evento se tornar fato jurídico

da compensação ao versar sobre os créditos que não podem extinguir imediatamente

a obrigação tributária. Assim, o contribuinte C1, ao construir a norma individual e

concreta da autocompensação, deverá obedecer à legislação do dia 30/04/2006 acerca

do procedimento a ser seguido para se inserir o veículo introdutor no sistema (tempo

do fato) e à legislação em vigor no dia 20/11/2004 para se constituir o fato jurídico da

compensação (tempo no fato)425. Poderá, portanto, compensar o “crédito-prêmio” de

IPI com o débito da COFINS, utilizando-se da declaração de compensação prescrita

425 Luiz Roberto DOMINGO, tratando das alterações trazidas pela Lei 11.051/04, afirma que essas restrições à compensação não são normas de cunho processual, e, portanto, não se aplica o primado do tempus regit actum. Segundo o autor, “o ato praticado pelo contribuinte – declaração de compensação – está regido pela lei vigente à época da ação, ou seja, que autorizava a compensação sem as limitações do § 12”, Alterações do art. 74 da Lei nº 9.430/96 – efeitos jurídicos, Compensação tributária, p. 144. A posição adotada por Luiz DOMINGO se assemelha à defendida nesta dissertação, porém com uma pequena diferença no fundamento: o autor afirma que as alterações referentes ao procedimento ou ao processo administrativo são aplicadas de imediato e as que tratam do instituto jurídico da compensação não. Informa-se que o TRF da 4ª Região já decidiu que a legislação a ser aplicada é a em vigor no momento da apresentação da declaração de compensação: “Aplica-se ao caso concreto as limitações trazidas pela IN SRF nº 460/2004 e pela Lei nº 11.051/2004, porquanto já estavam vigentes por ocasião do protocolo das Declarações de Compensação”. (TRF4, AG 2005.04.01.029277-7, Segunda Turma, Rel. Dirceu de Almeida Soares, DJ 26/10/2005).

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210

pela Lei 9.430/96.

Em suma, o particular ao produzir a norma individual e concreta da

autocompensação tem de ficar atento para aplicar os enunciados prescritivos de

maneira adequada. Aqueles enunciados que versam sobre o fato jurídico da

compensação seguem a sistemática do tempo no fato para fins de aplicação; já a norma

jurídica que estabelece o procedimento para se produzir o veículo introdutor é

elaborada pelas leis vigentes no tempo do fato.

11.3 As normas gerais e abstratas da autocompensação

Como se viu, a Lei 9.430/96 traz os enunciados prescritivos que serão

utilizados para a construção de duas normas gerais e abstratas: (i) uma regulando a

conduta de produzir o veículo introdutor da norma individual e concreta da

autocompensação; e (ii) outra tratando do fato jurídico da compensação tributária, ou

seja, do comportamento humano426.

A norma individual e concreta da autocompensação pressupõe a atividade

de enunciação realizada pelo contribuinte. É uma ação humana regulada pelo art. 74

da Lei 9.430/96 que consiste na conduta de produzir normas jurídicas: a norma

individual e concreta da autocompensação, cuja finalidade é extinguir a obrigação

tributária. Acontece que essa atividade produtora tem o seu procedimento prescrito

pelo próprio direito positivo, no exercício de sua autopoiese. De outro modo, para o

contribuinte inserir a norma de autocompensação válida no sistema, tem de obedecer

ao disposto pelo ordenamento jurídico. A enunciação da autocompensação, como

atividade que resultará na ponência de normas no sistema, encontra-se

regulamentada no art. 74 da Lei 9.430/96.

É nessa norma de competência formal ou norma de estrutura da

autocompensação que estarão presentes os critérios orientadores da atividade de

426 São as normas de competência formal e de competência material. Cf. tópicos 4.5 e 4.7.

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211

enunciação da norma individual e concreta da autocompensação. O seu antecedente

contém os critérios de pessoa, espaço, tempo e procedimento a ser seguido pelo

particular. No seu conseqüente, presencia-se a relação jurídica do dever de

obediência aos enunciados introduzidos.

A segunda norma geral e abstrata construída a partir do texto do art. 74 da

Lei 9.430/96 regulamentará um comportamento humano: o fato de o contribuinte ser

credor e devedor do Fisco ao mesmo tempo. Eis a regra que determina o limite

material (norma de competência material) para o exercício da competência particular,

ou seja, refere-se aos comportamentos humanos propriamente ditos. Diante disso,

caso o contribuinte possua crédito na Secretaria da Receita Federal do Brasil e débito

em relação a esse mesmo órgão haverá a relação jurídica da autocompensação. É essa

a norma geral e abstrata que determina, conotativamente, os critérios essenciais ao

fato jurídico da autocompensação para se instaurar o vínculo da extinção da

obrigação tributária e da relação de débito do Fisco.

Mais uma vez aparece a linguagem como elemento essencial ao direito. A

constituição do crédito tributário e do débito do Fisco são requisitos indispensáveis

para a autocompensação. Sem a presença dessas duas relações jurídicas

intranormativas, não há como o contribuinte realizar sua atividade de produção da

norma individual e concreta da autocompensação.

Com isso, pode-se construir a seguinte norma, geral e abstrata, de conduta,

que contém o limite material para a produção da norma individual e concreta da

autocompensação: dado o fato de o contribuinte apurar crédito tributário e débito do

Fisco, deve ser a relação jurídica efectual, em que o contribuinte tem o direito

subjetivo de realizar o encontro das dívidas em face da Secretaria da Receita Federal

do Brasil.

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212

11.3.1 A autocompensação das multas pecuniárias

Delimitado o fato jurídico suficiente para a autocompensação, surge uma

indagação: a expressão crédito tributário usada pelo legislador no art. 74 da Lei

9.430/96 abrange também as multas? O contribuinte pode efetuar a autocompensação

cotejando dívida decorrente de sanções pecuniárias?

O posicionamento do STJ tendia a negar essa possibilidade pelo fato de que a

multa não tem natureza tributária, e sim administrativa427, o que a exclui do conceito

de crédito tributário. Porém, o Colendo Tribunal modificou seu entendimento,

principalmente depois das inovações trazidas pela Lei 9.430/96. De acordo com as

novas orientações, a expressão crédito tributário prevista no art. 74 da Lei 9.430/96,

com redação dada pela Lei 10.637/02, deve ser interpretada de forma ampla, e não

restritiva. Outro argumento usado pelo STJ é que o CTN, no art. 113, alarga o

conceito de crédito tributário, incluindo também as penalidades. Transcreve-se a

seguinte ementa:

A compensação de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, originariamente admitida apenas em hipóteses estritas, submete-se, atualmente, a um regime de virtual universalidade. O art. 74 da Lei 9.430/1996, com a redação dada pela Lei 10.637/2002, autoriza o aproveitamento de quaisquer “créditos relativos a tributos ou contribuições” que sejam passíveis de restituição, para fins de compensação com “débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão”. Ora, o conceito de crédito tributário abrange também a multa (CTN, art. 113, §§ 1º e 3º e art. 139; Lei 9.430/96, art. 43), razão pela qual, no atual estágio da legislação, já não se pode negar a viabilidade de utilizar os valores indevidamente pagos a título de crédito tributário de multa para fins de compensação com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Tal possibilidade é reconhecida, inclusive, pelas autoridades fazendárias (arts. 2º, §1º, 26, 28, §§ 1º e 2º, 35, pár. único e 51, § 8º, da Instrução Normativa-SRF nº 460, de 18 de outubro de 2004). (REsp 798.263/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 15.12.2005, DJ 13.02.2006, p. 717)428.

427 “É pacífica a jurisprudência desta Corte, quanto à impossibilidade de compensação de multa moratória com contribuição de caráter tributário”. (AgRg. no REsp. 469.919/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16.09.2003, DJ 10.11.2003, p. 172). 428 No mesmo sentido: EREsp 760290/PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 13.06.2007, DJ 19.05.2008, p. 1.

Page 214: Tiago Cappi Janini.pdf

213

Muito embora também aqui se defenda que a compensação efetivada pelo

contribuinte pode ter por objeto as multas, não se concorda que o conceito de crédito

tributário abrange o de multa. São duas coisas distintas, devendo possuir nomes

diversos, portanto. Primeiro, porque a acepção para crédito tributário usada nesta

dissertação não deve ser confundida com a obrigação tributária: crédito é o direito

subjetivo que o Fisco tem de exigir a prestação pecuniária do contribuinte; é um

elemento da obrigação tributária429. Segundo, o art. 3º do CTN veda as condutas

ilícitas como fato jurídico dos tributos, motivo pelo qual elas não podem ser exigidas

por meio de relações jurídicas estritamente tributárias.

Sacha Calmon Navarro Coêlho, criticando a “conversão” da obrigação

acessória em principal, referida no § 3º do art. 113 do CTN, conclui que “o legislador

expressou-se mal. Quis dizer uma coisa e acabou dizendo outra. Quis dizer, afinal,

que as multas tributárias seriam cobradas como se tributos fossem, gozando dos

mesmos privilégios do crédito tributário”430.

Assim, entende-se que o legislador ordinário empregou o termo crédito

tributário no mesmo sentido equivocado usado no CTN, abrangendo as multas

pecuniárias. Até mesmo porque a Lei 9.430/96 não poderia restringir o previsto no

art. 167 do Código Tributário Nacional, que prevê a restituição das multas

pecuniárias indevidamente pagas431.

11.4 O veículo introdutor da norma individual e concreta da autocompensação

São duas normas gerais e abstratas que podem ser construídas pelos

enunciados prescritivos previstos no art. 74 da Lei 9.430/96. Ao se dar seguimento

nesses eixos de positivação, resulta-se a produção de outras duas normas: (i) o

veículo introdutor da norma individual e concreta da autocompensação (enunciação-

429 Cf. Capítulo 6, item 6.2. 430 Teoria e prática das multas tributárias, p. 44. 431 Cf. Capítulo 8, item 8.6.4.

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214

enunciada); e (ii) a própria norma individual e concreta da autocompensação

(enunciado-enunciado).

Para ingressar no ordenamento jurídico, a norma individual e concreta da

autocompensação necessita de um veículo introdutor. Consoante o § 1º do art. 74 da

Lei 9.430/96, esse documento normativo será a declaração de compensação432, composto

por uma enunciação-enunciada, aquelas marcas presentes no documento para se

identificar a atividade produtora de normas, e o enunciado-enunciado, que irá

constituir o fato jurídico suficiente e a relação jurídica da autocompensação.

Percebe-se que a mencionada lei também regula a atividade de produzir

normas jurídicas, contendo, portanto, enunciados prescritivos referentes à norma de

competência formal que regula a elaboração da autocompensação. Tárek Moussallem

e Sergio de Castro descrevem essa produção do seguinte modo: “A enunciação do

contribuinte tem o condão de ejetar enunciados-enunciados no sistema do direito

positivo cujo objetivo é extinguir o enunciado-enunciado denominado crédito

tributário”433. Os critérios que irão orientar a enunciação referente ao órgão

competente, procedimento, tempo e espaço para a feitura de novas normas podem

ser encontrados no art. 74 da Lei 9.430/96. Não proceder da forma prevista significa

inserir uma norma passível de ser rechaçada do sistema.

A via eleita pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para se inserirem as

normas individuais e concretas da autocompensação, de acordo com a Instrução

Normativa 600/06, foi o programa PER/DCOMP ou, na impossibilidade de sua

utilização, o formulário Declaração de Compensação. Transmitido o programa via

eletrônica ou entregue o formulário em uma Secretaria da Receita Federal, o

particular insere uma nova mensagem jurídica no sistema. Não usar um desses dois

caminhos significa que o procedimento eleito pelo contribuinte não está de acordo

com o que exige o direito positivo, podendo ser invalidado. A verificação se a

432 Karem Jureidini DIAS também considera a declaração de compensação como um veículo introdutor de normas. Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição de multa, Tributação e processo, p. 331. 433 Do momento da extinção da relação jurídico-tributária pelo fato jurídico da compensação, Compensação

tributária, p. 173.

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215

atividade de enunciação está em conformidade com o texto normativo ocorrerá

apenas com a análise do veículo introdutor produzido. É aí que se encontrarão os

dêiticos que permitem reconstruir a produção da declaração de compensação.

O documento da declaração de compensação conterá as informações

relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados, ou seja, é

essa a linguagem eleita pelo sistema do direito positivo para constituir o fato jurídico

da autocompensação: a existência do crédito tributário e do débito do Fisco.

11.5 A norma individual e concreta da autocompensação

Diante do acontecimento do fato jurídico descrito no antecedente da norma

geral e abstrata da autocompensação, o contribuinte pode produzir a norma

individual e concreta para extinguir os vínculos jurídicos. É nessa norma que se

identificarão os valores exatos compensados, bem como o contribuinte e a Secretaria

da Receita Federal do Brasil, já que a Lei 9.430/96 trata apenas dos tributos por ela

administrados.

O fato jurídico da autocompensação conterá as relações jurídicas

intranormativas: (i) a que constitui o crédito tributário, especificando o valor do

tributo a ser recolhido; e (ii) a que constitui o débito do Fisco, quantificando o

pagamento indevido. A relação jurídica da autocompensação determina a extinção

das obrigações constantes no seu antecedente em razão do encontro dos créditos e

débitos.

O eixo de positivação da norma de autocompensação se encerra com a

produção da sua norma individual e concreta gerando seus efeitos jurídicos: a

extinção da obrigação tributária e da relação de débito do Fisco. Assim, basta a

produção da declaração de compensação com a notificação à autoridade fazendária

Page 217: Tiago Cappi Janini.pdf

216

para que ocorra a extinção da obrigação tributária434. É o que afirma Tárek

Moussallem e Sergio de Castro: “Não se há que negar que a apresentação da

compensação-enunciação-enunciada tem por efeito jurídico determinar que o

momento da extinção do crédito tributário ocorre na data da protocolização da

‘declaração de compensação’”435.

O fato de estar sujeita à homologação do Fisco não é condição suficiente para

evitar que a declaração de compensação produza os efeitos jurídicos que o

ordenamento lhe conferiu: extinguir a relação. Como afirma Karem Jureidini Dias, “a

extinção fica sujeita à posterior averiguação por parte da autoridade administrativa,

mas a averiguação posterior em nada prejudica a definitividade da extinção da

obrigação tributária, já que a definitividade é, sem dúvida, sempre provisória, até

que outra norma jurídica introduzida no ordenamento retire sua validade, alterando

a situação do fato jurídico”436.

Nada impede que se verifiquem, imediatamente, os efeitos jurídicos da

norma produzida pelo particular, até mesmo porque o § 2º da Lei 9.430/96

determinou ser o ato de homologação condição resolutória e não suspensiva. Desse

modo, a extinção da obrigação tributária se dá no momento da entrega do veículo

introdutor da norma individual e concreta da autocompensação: a declaração de

compensação.

Encerrado esse eixo de positivação de normas, o agente administrativo

poderá agir de quatro formas: i) homologar expressamente a autocompensação; ii)

ficar inerte por um período de cincos anos, sendo homologado tacitamente o produto

da atividade do contribuinte; iii) não homologar expressamente a autocompensação;

434 Para Danilo Monteiro de CASTRO a extinção apenas acontece com a homologação da autocompensação, A necessidade de constituição, via lançamento de ofício, dos débitos fiscais inseridos em declaração de compensação desconsiderada pelo Fisco, Revista dialética de direito tributário, n. 139, p. 23. Guilherme CEZAROTI entende que a compensação fica sujeita à condição suspensiva da homologação, Crédito tributário decorrente de decisão judicial transitada em julgado. Compensação. Prazo prescricional, Revista dialética de direito tributário, n. 139, p. 42-3. 435 Do momento da extinção da relação jurídico-tributária pelo fato jurídico da compensação, Compensação

tributária, p. 173. 436 Decadência e prescrição para constituição e cobrança do crédito tributário objeto de compensação, Compensação

tributária, p. 34.

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217

e iv) considerar não declarada a compensação apresentada pelo administrado. São

mais fatos jurídicos desencadeando novos processos de positivação de normas.

11.5.1 O emissor da norma individual e concreta da autocompensação e o art. 166

do CTN

Verificou-se que os sujeitos de direito envolvidos no fato jurídico da

compensação têm de ser recíprocos437, isto é, o credor em uma relação será devedor

na outra relação jurídica. Para produzir uma norma individual e concreta que realize

o cotejo entre as contas, o contribuinte, que figura na obrigação tributária como

sujeito passivo, deverá ser o titular de um direito subjetivo de receber uma quantia

em dinheiro do mesmo órgão administrativo de que é devedor.

A importância em se individualizar o sujeito autorizado a produzir a norma

individual e concreta decorre do disposto no art. 166 do CTN, com o seguinte

conteúdo: “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência

do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o

referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este

expressamente autorizado a recebê-la”.

Esse enunciado prescritivo surgiu principalmente em decorrência da

dicotomia contribuinte de fato/contribuinte de direito. Essa divisão nasce da

possibilidade de repercussão do tributo. A doutrina acolheu a distinção identificando

como contribuinte de fato a pessoa que suporta o ônus econômico do tributo; e o

contribuinte de direito é o sujeito passivo da obrigação tributária. Assim, tributos

como o IPI e o ICMS são exemplos práticos que permitem visualizar a distinção: o

vendedor de uma mercadoria coloca no seu preço final o valor do ICMS; o

consumidor, então, pagaria o valor do bem mais o tributo incluso no preço. O

contribuinte de direito seria o vendedor, aquele que efetivamente participa da

437 Cf. item 9.4.2.

Page 219: Tiago Cappi Janini.pdf

218

relação jurídica do ICMS; e o contribuinte de fato é o consumidor, pois arca com o

ônus econômico do tributo.

Todavia, tal classificação não encontra amparo na ciência do direito por não

constar de elementos puramente jurídicos. Talvez fosse mais interessante para outras

ciências, como a econômica ou a financeira. Alfredo Augusto Becker há tempos já

qualificava essa divisão como falsa e impraticável pela falta de critérios científicos

para fundamentá-la438.

Apesar de ser uma classificação que não satisfaz os anseios jurídicos, ela vem

sendo amplamente difundida pela doutrina e aceita pelos Tribunais, motivo pelo

qual “a erronia das decisões dos tribunais em matéria tributária e a irracionalidade

das leis tributárias são devidas, em grande parte, à classificação dos tributos em

direitos e indiretos segundo o critério da repercussão econômica”439.

Por isso, tem-se interpretado o art. 166 do CTN com base na repercussão

econômica do tributo, sendo a sua restituição (em sentido lato) somente possível com

a comprovação do encargo financeiro ou por meio de autorização expressa. Para a

doutrina de José Soares de Melo, “ocorrendo as hipóteses previstas no art. 165 (CTN),

e, em se tratando de tributos (IPI e ICMS) que impliquem a transferência do

respectivo encargo financeiro, torna-se imprescindível a autorização dos terceiros

(adquirentes dos bens) para receber os valores recolhidos indevidamente pelo sujeito

passivo”. Continua o autor, explicitando o escopo do art. 166 do CTN: “O preceito

do art. 166 visa obstar a duplicidade de reposição de valores ao sujeito passivo: a) do

terceiro, mediante o pagamento de preço dos produtos incluindo os valores

tributários; e b) da Fazenda, ao proceder à restituição desses mesmos valores”440.

No que tange à compensação, surgiu a discussão acerca da aplicabilidade do

art. 166 do CTN ou não. Se possível, somente poderiam ser compensados aqueles

valores economicamente suportados pelo contribuinte de direito.

Alexandre Macedo Tavares defende a impossibilidade de aplicação do

438 Teoria geral do direito tributário, p. 538. 439 Ibid. p. 537. 440 Curso de direito tributário, p. 249.

Page 220: Tiago Cappi Janini.pdf

219

mencionado dispositivo, pois não se deve erguer analogicamente uma barreira para a

autocompensação, atribuindo-lhe a qualidade de espécie de restituição441.

O STJ tem enveredado pelo sentido de que o art. 166 do CTN atinge tanto a

restituição, em sentido estrito, quanto a compensação, conforme se pode verificar nos

seguintes trechos de ementas:

a) O art. 166 do CTN, que exige a comprovação da ausência de repercussão financeira dos tributos ditos indiretos, aplica-se não apenas aos casos de típica repetição de indébito, mas também aos pedidos de compensação ou de creditamento na escrita fiscal decorrentes de pagamentos indevidamente realizados. Precedentes. (REsp 766.682/SP, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 01.04.2008, DJe 30.05.2008). b) Em se tratando de devolução de ICMS (restituição ou compensação), o contribuinte deve provar que assumiu o ônus ou está devidamente autorizado por quem o fez a pleitear o indébito, nos termos do art. 166 do CTN. (AgRg. no REsp. 1036508/MT, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17.06.2008, DJe 26.06.2008). c) Conforme dispõe o art. 166 do CTN, nas hipóteses de tributos indiretos, como é o caso do ICMS, em que se pleiteia a restituição ou compensação de valores indevidamente pagos, é necessária a comprovação do não-repasse do encargo financeiro a terceiros. (REsp. 784.264/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, julgado em 15.05.2008, DJe 09.06.2008). d) Conforme dispõe o art. 166 do CTN, nos casos de tributos indiretos em que se pleiteia a restituição ou compensação de valores indevidamente pagos, é necessária a comprovação do não-repasse do encargo financeiro a terceiros. (REsp 797.870/SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, julgado em 15.05.2008, DJe 09.06.2008).

Defende-se aqui não só a aplicação do art. 166 do CTN para fins de

compensação, bem como toda a seção do pagamento indevido prevista no diploma

tributário. Porém, a leitura que se faz do enunciado prescritivo mencionado não é a

mesma aduzida pela doutrina que diferencia contribuinte de fato e contribuinte de

direito.

441 Compensação do indébito tributário, p. 133. Entendem que não se aplica o art. 166 do CTN às compensações, Schubert de Farias MACHADO, O direito à repetição do indébito tributário, Repetição do indébito e compensação no

direito tributário, p. 415; Gabriel Lacerda TROIANELLI, Repetição de indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 135. Já pela aplicabilidade, Ricardo Mariz de OLIVEIRA, Repetição do indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 388.

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220

Entende-se que a repercussão a que alude o art. 166 do CTN é a jurídica e não

a econômica. Ferreiro Lapatza alerta para essa dualidade: “Transferência econômica

e transferência ou repercussão jurídica do tributo são fenômenos diferentes, de modo

que pode haver transferência econômica ser repercussão jurídica e repercussão

jurídica sem transferência econômica”442.

E o que seria a repercussão jurídica? Para tanto, se vale aqui das lições de

Maria Rita Ferragut: “Repercussão jurídica é norma que permite ao sujeito passivo

transferir o encargo econômico do tributo a ser por ele pago”. E adiante conclui: “o

tributo comporta a transferência do respectivo encargo financeiro quando se verificar

que a norma autoria expressamente que o sujeito passivo transfira o ônus fiscal para

outras pessoas”443.

Percebe-se que somente haverá a repercussão jurídica com a sua previsão em

normas jurídicas, como no caso da substituição tributária para frente e na retenção na

fonte. A repercussão econômica, portanto, só é relevante para o direito quando por

ele normatizada. Por isso, o contribuinte de fato não é contribuinte, por não figurar

na relação jurídica tributária.

Assim, as decisões do STJ aplicando o art. 166 do CTN nas

autocompensações não estão de acordo com a interpretação que se almeja. O fato de

haver transferência econômica do tributo, como nos casos do ICMS e do IPI, não

enseja a autorização ou a comprovação do ônus para que o particular efetue o

procedimento compensatório. Deve, sim, ser aplicado, quando ocorrer uma retenção

indevida na fonte, a ser restituída pela compensação.

O emissor da norma individual e concreta da autocompensação não sofre

qualquer alteração em virtude do art. 166 do CTN, consoante a interpretação que se

propõe, pois será o sujeito de direito que realizou o pagamento indevido, bastando,

nos casos de repercussão jurídica, a comprovação do ônus.

442 Direito tributário: teoria geral do tributo, p. 244. 443 Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, p. 43. (grifo do original).

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221

11.6 A homologação da norma individual e concreta da autocompensação

Conforme expressamente prescreve o direito positivo no § 2º do art. 74 da Lei

9.430/96, a declaração de compensação produzida pelo particular extingue a

obrigação tributária a partir do momento de sua apresentação. Entretanto, o sistema

jurídico outorga à autoridade fazendária a oportunidade de realizar a homologação

do ato exarado pelo contribuinte.

Entregue a declaração de compensação pelo administrado, a Secretaria da

Receita Federal do Brasil tem o período de cinco anos para fiscalizar a produção da

norma individual e concreta da autocompensação de acordo com o disposto nos §§ 2º

e 5º da Lei 9.430/96.

Percebe-se o surgimento de mais um fluxo de normas no sistema decorrente

da fiscalização pela autoridade administrativa da declaração de compensação

produzida pelo particular. Essa cadeia normativa encerrar-se-á com a produção de

outra norma individual e concreta cujo conteúdo será ou a homologação ou não

expressa da autocompensação444. Alerte-se que a possibilidade de homologação tácita

decorre da inércia da autoridade administrativa no prazo de cincos após a entrega da

declaração de compensação. Então, se presume que a ação do particular

correspondeu aos anseios legais.

Trata-se de outro eixo de positivação de normas que não se confunde com

aquele referente à produção normativa feita pelo particular. A extinção da obrigação

jurídica se dá com a norma individual e concreta posta no sistema jurídico pelo

contribuinte por meio da declaração de compensação. A homologação consiste na

atividade fiscalizadora da autoridade administrativa, que irá inserir outra norma no

ordenamento, também individual e concreta, concordando ou não com o que foi

realizado pelo particular.

444 A não homologação, diferente da homologação da declaração de compensação, somente pode ser expressa. É o que pensa também Karem Jureidini DIAS, para quem “a não homologação do fato jurídico da compensação deve ser expressa”, Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição de multa, Tributação e processo, p. 334.

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222

11.6.1 Conseqüências da não homologação da declaração de compensação

Em virtude de a autoridade administrativa concordar, expressa ou

tacitamente, com o ato do particular, não decorrem tantas divergências, já que apenas

se confirma a extinção da obrigação tributária. Importante, porém, analisar com

maior acuidade a seguinte hipótese: (i) norma individual e concreta da

autocompensação; e (ii) posterior norma individual e concreta da não homologação

do ato produtor de normas do particular.

A primeira dúvida que aparece é referente à possibilidade de a Secretaria da

Receita Federal exigir o crédito tributário de imediato ou se é imprescindível o

lançamento de ofício. Conforme já se disse, para que o contribuinte produza a norma

individual e concreta da autocompensação, é pressuposto o crédito tributário

constituído por linguagem jurídica competente: o lançamento ou o

autolançamento445. Com isso, não homologada a atividade produtora do particular, o

Fisco já tem em mãos o sujeito passivo individualizado e o valor devido da obrigação

tributária, podendo executá-lo. Para se evitar a discussão que o lançamento por

homologação suscitou acerca de sua direta inscrição em dívida ativa, o legislador da

Lei 9.430/96 foi mais evidente, determinando expressamente: a declaração de

compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência

dos débitos indevidamente compensados.

Dessa forma, não homologada expressamente a autocompensação, o Fisco

pode incluir o débito na dívida ativa da União (art. 74, § 8º, da Lei 9.430/96) e

executá-lo, caso o contribuinte, devidamente cientificado da não homologação, não

realizar uma das seguintes condutas: (i) efetuar o pagamento (art. 74, § 7º, da Lei

9.430/96); ou (ii) apresentar manifestação de inconformidade (art. 74, § 9º, da Lei

9.430/96). Com o contribuinte não realizando o pagamento e não apresentando a

445 A própria declaração de compensação poderia ser instrumento introdutor da norma instituidora do crédito. Karem Jureidini DIAS afirma que o veículo introdutor da compensação pode servir também como veículo introdutor da norma que determina os créditos compensáveis. Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição de multa, Tributação e processo, p. 335.

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223

manifestação de inconformidade, o Fisco encontra-se apto a cobrar o crédito

tributário mediante a Execução Fiscal.

Verifica-se a possibilidade de três novas cadeias de positivação se

instaurarem em razão da não homologação da declaração de compensação, cada uma

em razão de um fato diverso: (i) inclusão do débito tributário em dívida ativa e sua

posterior execução; (ii) o pagamento do débito indevidamente compensado; e (iii) a

apresentação de manifestação de inconformidade pelo contribuinte.

Caso inscreva o débito em dívida ativa, em conformidade com o art. 202 do

CTN, o eixo de positivação de normas é o prescrito na Lei 6.830/80, versando sobre a

cobrança do crédito tributário. Ao se tratar do pagamento, tem-se o modo habitual de

extinção da obrigação tributária, conforme visto no Capítulo 7, principalmente no

tópico 7.3.1.

No caso de apresentação de inconformidade pelo contribuinte, dá-se novo

fluxo normativo no âmbito processual administrativo, que culminará com mais uma

norma individual e concreta no sistema, tendo como emissor a autoridade

administrativa, e cujo conteúdo é a manutenção da norma de autocompensação no

sistema ou a sua exclusão. Tal possibilidade, conforme Marcos Vinicius Neder, “tem

natureza de recurso administrativo, cuja finalidade é atender a garantia

constitucional de ampla defesa administrativa prevista no art. 5º, inciso LV, da

Constituição Federal”446.

A Lei 9.430/96 ainda prevê a possibilidade de recurso no Conselho de

Contribuintes se houver decisão que julgar improcedente a manifestação de

inconformidade apresentada pelo contribuinte. Tanto o recurso como a manifestação

de inconformidade são exercidos pelo contribuinte e devem seguir o rito processual

do Decreto 70.235/72.

O que se deve ressaltar é que ambos os procedimentos se enquadram no

disposto no art. 151, III, do CTN, referente à suspensão da exigibilidade do crédito

tributário. Essa disposição foi acrescentada pela Lei 10.833/03, merecendo aplausos,

446 Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e processo, p. 461.

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224

pois o STJ vinha considerando que o recurso administrativo em face de

indeferimento de pedido de compensação não produzia efeitos suspensivos447. Com

isso, após o ato de não homologação da autocompensação, a obrigação tributária

passa a ser exigível, porém poderá ser suspensa se houver manifestação de

inconformidade às Delegacias de Julgamento e de recurso voluntário aos Conselhos

de Contribuintes448.

Alerte-se que a suspensão é apenas do crédito tributário objeto da declaração

de autocompensação. Muitas vezes o contribuinte utiliza-se desse instrumento para

adimplir apenas parte de sua obrigação tributária, restando um saldo devedor no

Fisco. No caso de não homologação seguida de recursos administrativos, a suspensão

da exigibilidade irá atingir somente a parcela do crédito tributário objeto da

compensação, e não o seu valor total.

11.6.1.1 A prescrição do Fisco no caso de não homologação da declaração de

compensação

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário é importante para

determinar a prescrição do Fisco. Com a não homologação da autocompensação, o

Fisco fica diante de um crédito líquido, certo e exigível, pois somente com essas

características é possível utilizá-lo para fins de compensação. A partir desse

447 “O recurso administrativo interposto em face de indeferimento de pedido de compensação não tem o condão de suspender a exigibilidade dos débitos que se busca compensar, pelo que se mostra legítima a recusa do Fisco em fornecer a CND no caso. Precedentes: Resp 637.850/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª T., DJ 21.03.2005; AgRg no Resp 641.516/SC, Rel. Ministro José Delgado, 1ª T., DJ 04.04.2005; RESP 161.277/SC, Rel. MIN. Peçanha Martins, 2ª T., DJ 13.10.1998; Resp 164.588/SC, Rel. MIN. Peçanha Martins, 2ª T., DJ 03.08.1998”. (REsp. 635.970/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 17.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 226). Já sob a vigência da Lei 10.833/03, o Tribunal concede efeitos suspensivos à manifestação de inconformidade: “a Lei 10.833/2003, ao acrescentar os §§ 7º a 12 ao art. 74 da Lei 9.430/96, veio positivar no ordenamento jurídico a orientação jurisprudencial de que a ‘manifestação de inconformidade’ suspende a exigibilidade do crédito tributário, conforme consta do § 11, transcrito a seguir: ‘A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9º e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação’”. (AgRg. no REsp. 671.121/RS, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 19.04.2007, DJ 14.06.2007, p. 254). 448 Marcos Vinicius NEDER, Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e

processo, p. 462.

Page 226: Tiago Cappi Janini.pdf

225

momento o Fisco pode-se valer do Poder Judiciário para exigir o seu adimplemento.

Porém, há um prazo para exercitar seu direito de ação sob pena de perdê-lo.

Duas são as situações que precisam ser analisadas para fins de determinar o

termo inicial de contagem do prazo que o Fisco possui para exigir o crédito tributário

por meio de seu direito de ação: (i) a não homologação sem manifestação de

inconformidade e sem recurso voluntário (causas suspensivas da exigibilidade do

crédito tributário); e (ii) a não homologação com manifestação de inconformidade e

com recurso voluntário.

O caput do art. 174 do CTN escolheu como dies a quo a data da constituição

definitiva do crédito tributário, ou seja, o momento em que ingressa no ordenamento

jurídico a norma individual e concreta que formaliza os sujeitos de direito e

quantifica a dívida tributária449. Assim, o Fisco possui cinco anos contados da

linguagem competente apta a constituir o crédito tributário.

Com a declaração de compensação, há a extinção da obrigação tributária por

ato exarado pelo particular. Em seguida, por não concordar com esse procedimento,

o Fisco não homologa a autocompensação. Diante dessa complexidade jurídica,

indaga-se: qual o marco temporal inicial para a cobrança da dívida tributária? Qual a

linguagem competente nessa hipótese: lançamento/autolançamento, declaração de

compensação ou o ato da não homologação?

Já se exclui de plano, como marco inicial da contagem do prazo prescricional,

o lançamento ou o autolançamento, pois o próprio CTN, no art. 174, parágrafo único,

IV, considera como causa interruptiva o reconhecimento do débito pelo devedor. A

declaração de compensação constitui confissão de dívida, determinando o reinício do

prazo de prescrição anterior. Com isso, a dúvida se restringe à declaração de

compensação ou à norma de não homologação.

Da mesma forma, afasta-se a entrega da declaração de autocompensação

como dies a quo para a contagem do prazo que o Fisco tem para cobrar o crédito, pois

nesse momento lhe falta um dos elementos essenciais: a exigibilidade. Ora, se o

449 CF. Capítulo 7, item 7.3.4.2.

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226

veículo introdutor da compensação emitido pelo particular tem, conforme

expressamente prevê o direito positivo, o poder de extinguir a obrigação tributária,

não é cabível contar o prazo para o exercício de ação se o Fisco encontra-se impedido

de exercê-lo. Como se falar em execução fiscal se não há crédito? O crédito tributário

será novamente constituído pelo ato de homologação, instante em que começa a fluir

o tempo para cobrá-lo.

Defende-se que o termo inicial de contagem da prescrição do direito de o

Fisco exigir o crédito tributário é a notificação ao contribuinte da não homologação

da declaração de compensação. Verifica-se que é concebido prazo decadencial para o

Fisco se manifestar acerca da autocompensação produzida pelo contribuinte,

homologando-a ou não. Exercido esse direito, nova norma ingressa no sistema,

contendo a relação jurídica de que a obrigação tributária não foi extinta na forma

desejada pelo particular, reconstruindo o crédito tributário. A declaração de

compensação é instrumento apto a extinguir a obrigação tributária, que somente

pode ressurgir para o direito por meio de outra norma individual e concreta, no caso,

o ato de não homologação. Essa norma individual e concreta da homologação é

condição resolutória, e, por isso, de acordo com o art. 117, II do CTN, os seus efeitos

retroagem à prática do ato de autocompensação.

Karem Jureidini Dias defende que a não homologação pela autoridade

administrativa interrompe o prazo prescricional450. Apesar de produzir o mesmo

efeito jurídico da opção que elegeu como início do fluxo temporal para a cobrança da

dívida tributária a notificação da não homologação, ainda se prefere este

entendimento àquele emitido pela autora, pois as causas interruptivas da prescrição

estão descritas no parágrafo único do art. 174 do CTN, e não se consegue incluir o ato

de não homologação nessas hipóteses.

Assim, o Fisco tem o prazo de cinco anos para ingressar no Judiciário

exigindo a dívida tributária, contado da notificação ao contribuinte do ato de não

450 Decadência e prescrição para constituição e cobrança do crédito tributário objeto de compensação, Compensação tributária, p. 41.

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227

homologação da declaração de compensação.

Agora, se acontecer de o contribuinte não concordar com a norma de não

homologação e apresentar manifestação de inconformidade e recurso voluntário,

causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, a contagem do prazo

prescricional ganha um novo elemento.

Nessa hipótese o fluxo de cinco anos para o Fisco exercer seu direito de ação

conta da data em que for suprimida a condição que suspendeu a exigibilidade do

crédito tributário. Desse modo, o prazo prescricional iniciar-se-á com a decisão final

administrativa sobre a autocompensação não homologada.

11.7 A autocompensação considerada não-declarada

Uma novidade inserida na Lei 9.430/96 pela Lei 11.051/04 foi a hipótese da

compensação não-declarada. O § 12 do art. 74 da Lei 9.430/96 contém as situações

que aquela declaração de compensação apresentada pelo contribuinte não produz

efeitos jurídicos. Desse modo, a declaração de compensação não extingue a obrigação

tributária quando a relação de débito do Fisco presente no fato jurídico da

autocompensação se referir a (i) créditos de terceiros; (ii) “crédito-prêmio” de IPI; (iii)

título público; (iv) decisão judicial não transitada em julgado; (v) tributos não

administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB); (vi) saldo a restituir

apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física; (vii)

débitos relativos a tributos no registro da Declaração de Importação; (viii) débitos

relativos a tributos já encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para

inscrição em Dívida Ativa da União; (ix) débito consolidado em qualquer

modalidade de parcelamento concedido pela (RFB); (x) débito que já tenha sido

objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre

pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; ou (xi) pedido de restituição

ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da (RFB), ainda que o

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228

pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa. Situações

em que o crédito tributário permanece no sistema jurídico, podendo ser cobrado pela

autoridade administrativa.

É um novo fluxo normativo. O contribuinte apresenta a declaração de

compensação, mas, em virtude da natureza dos débitos do Fisco, ela não produz o

seu efeito jurídico de extinção da obrigação tributária. O direito nega vigência a essa

norma individual e concreta desde a sua constituição. Acontece que para a

autocompensação ser considerada não declarada é preciso a autoridade

administrativa se manifestar, emitindo uma linguagem jurídica competente para

retirar os efeitos que o ordenamento jurídico lhe conferiu. Karem Jureidini Dias

concorda com essa necessidade asseverando que “para as compensações

consideradas ‘não declaradas’ haverá ato-norma administrativo (despacho decisório)

que assim a declare. Se não houver despacho decisório, não se tratará de

compensação ‘não-declarada’. A ausência de despacho decisório acarreta a

homologação tácita da extinção da relação jurídica obrigacional”451.

Diante do despacho decisório, norma individual e concreta expedida pela

autoridade administrativa que considerou a autocompensação inapta a produzir a

extinção da obrigação tributária, o contribuinte pode exercer uma das seguintes

condutas: (i) ficar inerte e ter sua dívida tributária cobrada pelo Fisco; (ii) pagar a

dívida tributária; (iii) se socorrer ao contencioso administrativo; ou (iv) se socorrer ao

Poder Judiciário.

Optando pelo contencioso administrativo, o particular irá encontrar um

obstáculo presente no § 13 do art. 74 da Lei 9.430/96. Esse dispositivo proíbe a

instauração e o prosseguimento do processo administrativo do Decreto 70.235/70,

iniciado com a manifestação de conformidade. Em outras palavras, o contribuinte

não se pode valer dos mesmos instrumentos colocados à sua disposição quando a

declaração de compensação não é homologada pelo Fisco.

451 Efeitos da declaração de compensação: constituição do crédito tributário, prazo decadencial e imposição de multa, Tributação e processo, p. 353.

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229

Porém, de acordo com Flávio de Sá Munhoz, “o direito ao contencioso

administrativo deriva de norma de índole constitucional e concebida em acepção

ampla, o que revela nítida contrariedade entre as disposições da Lei nº 11.051 e o texto

constitucional, no que pretenderam estabelecer limitações à instauração do processo

administrativo”452.

Em decorrência dessa inafastabilidade do contencioso administrativo,

Marcos Vinicius Neder defende que apesar de proibida a instauração e o

desenvolvimento do processo administrativo pelo rito específico previsto no Decreto

70.235/72 no caso das autocompensações não declaradas, mas não impede o acesso ao

contencioso administrativo pelo rito geral da Lei 9.784/99. Eis as palavras do autor:

“se determinado litígio não está abrangido pelas regras do Decreto nº 70.235/72,

aplicam-se as regras processuais gerais previstas na Lei nº 9.784/99”453.

Sendo assim, o contribuinte pode recorrer ao contencioso administrativo pelo

rito geral da Lei 9.784/99 para atacar a norma individual e concreta (despacho

decisório) da autoridade administrativa que considerou a autocompensação como

não declarada454.

Garantida a possibilidade de se recorrer, pelo rito geral da Lei 9.784/99, do

despacho decisório que considera não declarada a autocompensação, aparece a

dúvida se esse recurso suspende a exigibilidade do crédito tributário nos termos do

452 Compensação tributária e o processo administrativo fiscal federal, Compensação tributária, p. 311. (grifos do original). 453 Compensação tributária na perspectiva do conselho de contribuintes, Tributação e processo, p. 456. NEDER ainda cita o entendimento, no mesmo sentido, do Primeiro Conselho de Contribuintes, com a seguinte ementa: NORMAS PROCESSUAIS - O Decreto 70. 235/72 segue rito processual distinto da regra geral de tramitação das petições dirigidas à União, atualmente estabelecida no artigo 56 da Lei nº 9.784/99. Carece competência a este Conselho para apreciar procedimento que envolve o reconhecimento do benefício previsto no art. 11 da MP nº 38/2002 não previsto nem no Decreto nº 70.235/72, tampouco no art. 25 do Regimento Interno desse Conselho (Portaria MF nº 55/98). Recurso não conhecido. (1º Conselho de Contribuintes, 7ª Câmara, Acórdão 107-07.777 em 16.09.2004). 454 O TRF da 4ª Região infirma o entendimento acerca da possibilidade de recurso administrativo no caso de compensação não declarada: “(...) 2. Quando a Lei determina que a compensação não se considera declarada, sequer existe decisão não-homologatória. Por esse motivo, não há recurso cabível e a compensação jamais terá o efeito de extinguir o crédito tributário sob condição resolutória de sua ulterior homologação. 3. A ausência de previsão legal de recurso contra a decisão que não considerou declarada a compensação não implica afronta ao contraditório e à ampla defesa, porque o crédito postulado não se reveste dos atributos de liquidez e certeza, para que o contribuinte possa opô-lo ao Fisco”. (TRF4, REO 2005.72.01.003071-6, Primeira Turma, Rel. do Acórdão Joel Ilan Paciornik, DJ 11/10/2006).

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230

art. 151, III, do CTN.

Já se adianta que o art. 61 da mencionada lei determina que o recurso não

tem efeito suspensivo, a não ser que exista disposição legal em contrário. Esse

dispositivo não pode ser visto isoladamente, pois a Lei 9.784/99 está sendo aplicada

subsidiariamente ao procedimento administrativo tributário por não haver um

recurso específico para o caso de autocompensação não declarada. Por isso, a lei não

pode ser conflitante com os dispositivos do Código Tributário Nacional.

O art. 151, III, do CTN expressamente prevê: as reclamações e os recursos,

nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a

exigibilidade do crédito tributário. A expressão nos termos das leis reguladoras não

significa uma autorização ao legislador ordinário para escolher se o recurso ou as

reclamações podem ter efeito suspensivo ou não. Porém, esse foi o entendimento de

Daniel Carneiro ao defender que os recursos administrativos com efeitos de

suspender a exigibilidade do crédito tributário devem constar expressamente em lei.

Conclui o autor da seguinte maneira: “Destarte, o que ressalta com hialina clareza é

que o inciso III do art. 151 do CTN condiciona a suspensão da exigibilidade do

crédito aos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário”455.

Não parece que seja a melhor interpretação para o artigo em comento do

Código Tributário Nacional. A locução nos termos das leis significa que somente os

recursos admissíveis em conformidade com a legislação podem suspender a

exigibilidade do crédito tributário. Realmente, não é qualquer recurso administrativo

que tem esse efeito, apenas aqueles interpostos de acordo com as regras estabelecidas

pelo direito positivo. Todavia, isso não é o mesmo que condicionar o efeito

suspensivo à lei ordinária. Todos os recursos administrativos em matéria tributária

suspendem a exigibilidade do crédito tributário, desde que validamente interpostos.

Hugo de Brito Machado reforça esse entendimento, ao afirmar que: “As leis,

todavia, não podem negar oportunidade para reclamações e recursos. Podem

455 A suspensão da exigibilidade do crédito tributário pela manifestação de inconformidade a que alude a Lei 9.430/96, Revista dialética de direito tributário, n. 121, p. 12.

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231

organizar o processo administrativo fiscal, mas, ao fazê-lo, devem respeitar o devido

processo legal, no qual se inclui o direito de defesa. Não podem as leis negar efeito

suspensivo às reclamações e aos recursos. Seja diretamente, seja por via oblíqua,

mudando o nome da reclamação ou do recurso”456. O STJ também condiciona o efeito

suspensivo quando pendente recurso administrativo interposto de acordo com a

legislação pertinente457.

Assim, os recursos administrativos em matéria tributária suspendem a

exigibilidade do crédito tributário sempre quando interpostos de acordo com o

procedimento eleito pelo direito positivo. Quando se tratar de autocompensação não

declarada, deve-se utilizar, de forma subsidiária, o procedimento previsto na Lei

9.784/99 para interpor recurso em face dessa decisão administrativa, que, em

conformidade com o art. 151, III, do CTN, suspenderá a exigibilidade do crédito

tributário.

Registra-se a posição de Maria Rita Ferragut, para quem o “recurso

eventualmente interposto em face de decisão que julgar não declarada a

compensação não terá o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário,

uma vez que tal efeito encontra-se previsto no § 11 (da Lei 9.430/96), inaplicável por

456 Curso de direito tributário, p. 217. 457 Cf. EDcl no REsp 701.553/RS. É importante ressaltar que o mesmo Tribunal determina que o recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário somente quando versar sobre a constituição do próprio crédito. Desse modo, se o recurso não contestar a existência ou legitimidade do crédito não terá efeitos suspensivos, isso porque o art. 151 tem sua localização topográfica no CTN no Capítulo que versa sobre o crédito tributário. (REsp. 868.587/CE, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 27.02.2007, DJ 09.03.2007, p. 301). Entretanto, parece que não se pode restringir o alcance dos efeitos do recurso administrativo em matéria tributária, condicionando a suspensão do crédito tributário em razão do conteúdo do recurso interposto. Versando expressamente sobre a compensação não declarada o TRF da 3ª e da 4ª Região, negam efeito suspensivo: “(...) 7. Admitir a possibilidade de manifestação de inconformidade contra a decisão que considerou não declarada a compensação, e ainda atribuir a tal recurso efeito suspensivo, além de ferir dispositivo legal, afigura-se contrária ao princípio de que a ninguém é dado beneficiar-se com a própria torpeza, pois estar-se-ia legitimando conduta do contribuinte, desde o início vedada por lei, e lhe concedendo a vantagem da suspensão da exigibilidade do crédito tributário”. (TRF4, AMS 2006.72.01.001161-1, Segunda Turma, Rel. Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 01/08/2007). “Consoante preceitua o § 12, II, "d", c/c. § 2º, do art. 74, da Lei 9.430/96, será não declarada a compensação na hipótese de crédito decorrente de decisão judicial não transitada em julgado, caso em que, conforme o § 13, do art. 74, da Lei 9.430/96, a compensação não-declarada à Secretaria da Receita Federal não extingue o crédito tributário, nem suspende, daí a impossibilidade de exclusão do nome da parte impetrante do CADIN”. (TRF3, AMS 2002.61.09.005949-7, Quarta Turma, Rel. Alda Basto, D.E. 15/08/2007).

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232

expressa determinação do § 13”458. O fundamento para se suspender a exigibilidade

do crédito tributário está previsto no Código Tributário Nacional, e não pode ser

negado pelo legislador ordinário. Assim, não se admite que o § 13 da Lei 9.430/96

possa restringir o efeito suspensivo concedido para o crédito tributário quando

interposto recurso no âmbito administrativo.

Paulo Camargo Tedesco concorda com a suspensão da exigibilidade do

crédito tributário objeto de autocompensação não declarada, porém com

fundamentos diversos. O autor apresenta dois argumentos para sua tese. No

primeiro, a ausência de efeito suspensivo na Lei 9.784/99 justifica-se pela ampla fase

de instrução que não é observada no caso das compensações. Já o segundo, parte da

consideração de que o CTN permite à legislação esparsa afastar a atribuição da

suspensão da exigibilidade do crédito tributário, porém, como a Lei 9430/96 é omissa

no que concerne ao recurso cabível, aplica-se o art. 151, III, do CTN, que não pode ser

revogado implicitamente pelo art. 61 da Lei 9.784/99459.

Proferido o despacho decisório pela autoridade administrativa, é necessário

o lançamento de ofício ou o crédito tributário já se encontra constituído com a

apresentação da compensação considerada não declarada? Tal situação não

apresentaria dúvidas se o § 13, do art. 74, da Lei 9.430/96 não prescrevesse

expressamente que o § 6º, cujo conteúdo concede efeitos de confissão de dívida à

declaração de compensação, não se aplica aos casos de compensação não declarada.

Por isso, Maria Rita Ferragut, considerando que não é qualquer linguagem

apta a produzir efeitos jurídicos, mas apenas aquela eleita pelo direito para esse

determinado fim, afirma que “o § 6º do art. 74 da Lei nº 9.430/96 considera como

linguagem competente somente a relativa às compensações devidamente conhecidas

pelo fisco – homologadas ou não – razão pela qual entendemos ser imprescindível a

existência do lançamento de ofício na hipótese de compensação não declarada”460.

458 Compensação não declarada e lançamento de ofício, Compensação tributária, p 189. (explicou-se nos parênteses). 459 O efeito suspensivo do recurso interposto contra compensação não declarada, Revista dialética de direito

tributário, n. 144, p. 40-44. 460 Compensação não declarada e lançamento de ofício, Compensação tributária, p 191.

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233

Posição semelhante é a adotada por Karem Jureidini Dias, que apenas

ressalta que a DCTF apresentada com saldo a pagar positivo constitui documento

hábil a amparar a execução fiscal, uma vez que conterá o crédito tributário declarado

e não pago; agora, se o dever instrumental deixa de constar saldo positivo a pagar, a

hipótese é de lançamento de ofício461.

Verifica-se que o direito positivo constrói suas próprias realidades em

virtude de ser um sistema que se auto-reproduz e se auto-organiza. Com isso, ao

retirar os efeitos de constituição de dívida do veículo introdutor da autocompensação

considerada não declarada, o direito inviabiliza a inscrição em dívida ativa do

crédito tributário por não ser a linguagem competente. A autoridade administrativa

deve buscar outra enunciação-enunciada admitida pelo direito para constituir o

crédito tributário. Caso não exista, deverá emitir o ato norma de lançamento

tributário.

11.8 O prazo para o contribuinte produzir a enunciação-enunciada da

autocompensação

A legislação ordinária que trata da autocompensação não previu a norma

jurídica especificando o prazo para o administrado exercer seu direito ao cotejo do

crédito tributário e do débito do Fisco. De outra forma também não poderia agir, pois

a Constituição Federal concede à Lei Complementar a competência para versar sobre

prescrição e decadência, conforme o art. 146, III, b.

A respeito do prazo para se produzir a enunciação-enunciada da

autocompensação, a doutrina tem apresentado divergências. Alexandre Macedo

Tavares afirma que a compensação é um direito potestativo não podendo ser afetada

461 Decadência e prescrição para constituição e cobrança do crédito tributário objeto de compensação, Compensação

tributária, p. 51. Defende também a necessidade de lançamento de ofício para os casos de compensação desconsiderada pelo Fisco, Danilo Monteiro CASTRO, A necessidade de constituição, via lançamento de ofício, dos débitos fiscais inseridos em declaração de compensação desconsiderada pelo Fisco, Revista dialética de direito

tributário, n. 139, p. 29.

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234

pelo decurso do tempo462. Outra crítica aduzida pelo autor é que o direito de o

contribuinte realizar a compensação tem sido associado, de forma equivocada, ao

direito de pedir a restituição, até mesmo no que diz respeito ao prazo para o seu

exercício463.

De acordo com Gabriel Lacerda Troianelli, as normas que impõem limites

temporais ao ressarcimento são ilegítimas, “não havendo, portanto prazo lícito de

caducidade para o contribuinte obter o justo ressarcimento do indébito tributário,

podendo, assim, o contribuinte, a qualquer tempo compensar o tributo

indevidamente pago ou requerer a sua restituição”464. Em trabalho posterior, o autor

condiciona a compensação aos créditos do contribuinte que não estejam prescritos

“bastando, para tanto, que a dívida de quem alega a compensação surja antes do

decurso do prazo de caducidade próprio do crédito objeto da compensação”465.

Já para alguns, como Ricardo Mariz de Oliveira, aplica-se o previsto no art.

168 do CTN, pois a compensação seria uma modalidade de restituição, e o prazo

decadencial é empregado tanto para a restituição em espécie quanto à

compensação466. Assim, o prazo seria contado da seguinte forma: a) nos tributos

lançados de ofício: o termo inicial é a data do pagamento indevido; b) nos tributos

lançados por homologação: o termo inicial é a homologação, tácita ou expressa, do

lançamento467; c) quando houver reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão

462 Compensação do indébito tributário, p. 91. 463 Ibid. p. 89. Schubert de Farias MACHADO alude aos mesmos fundamentos para concluir que “O direito à compensação do indébito tributário nasce sem essa limitação originária de tempo para ser exercido. O art. 168 do CTN trata apenas do direito de pleitear a restituição, não podendo ser aplicado ao direito de compensar, que, por isso, não está sujeito ao prazo decadencial nele previsto”, O direito à repetição do indébito tributário, Repetição do

indébito e compensação no direito tributário, p. 420. 464 Compensação do indébito tributário, p. 131. 465 Repetição de indébito, compensação e ação declaratória, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 137. 466 Ibid. p. 391. 467 Essa tese, conhecida com 5 + 5, foi aceita pelo STJ ao decidir que o prazo começaria a ser contado da homologação; caso fosse tácita, só começaria a fluir o prazo após cinco anos da ocorrência do fato jurídico, somando-se mais cinco anos. “Está uniforme na 1ª Seção do STJ que, no caso de lançamento tributário por homologação e havendo silêncio do Fisco, o prazo decadencial só se inicia após decorridos 5 (cinco) anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um qüinqüênio, a partir da homologação tácita do lançamento. Estando o tributo em tela sujeito a lançamento por homologação, aplicam-se a decadência e a prescrição nos moldes acima delineados”. (EREsp 435.835/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ Acórdão Min. José Delgado, julgado em 24.03.2004, DJ 04.06.2007 p. 287).

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235

condenatória: o termo inicial é a data em que se tornar definitiva a decisão

modificadora468.

Para um melhor deslinde da questão, necessita-se precisar os termos

decadência e prescrição do direito do contribuinte. Ressalva-se à expressão decadência do

direito do contribuinte a extinção de se pleitear o valor constituído pela relação de

débito do Fisco pela via administrativa; e usa-se prescrição do direito do contribuinte

para significar a mesma extinção, porém, pela via judicial469. Note-se que, quando o

administrado não exercer seu direito de reaver o pagamento indevido no âmbito

administrativo em determinado lapso temporal, estará decaindo o seu direito;

quando o particular, por certo prazo, não movimentar o judiciário com o escopo de

recuperar a importância paga de forma indevida, estará prescrevendo o seu direito.

O contribuinte, diante do fato jurídico do pagamento indevido pode

extingui-lo juntamente com um crédito tributário, por meio da autocompensação.

Esse procedimento é feito no âmbito administrativo pela entrega da declaração de

compensação. Com isso, o prazo que o contribuinte possui para exercer o seu direito

subjetivo é decadencial, de acordo com a opção semântica acima.

Opta-se por usar o art. 168 do CTN para se determinar a decadência do

direito do contribuinte em produzir o veículo introdutor da autocompensação. Tal

escolha decorre de uma simples situação: o contribuinte, se pleitear a restituição em

pecúnia, está adstrito a um prazo para exercê-la, mas, pelo fato de não haver

previsão legal expressa acerca da compensação, poderia efetuar o encontro de contas

em qualquer tempo. Seria algo paradoxal. No direito positivo, há o inegável direito

ao particular de reaver aquilo que pagou indevidamente a título de tributo, seja pela

restituição em sentido estrito, seja pela compensação tributária. Condicionar apenas

uma dessas opções à ação do tempo não parece ser a melhor interpretação do sistema

tributário.

Dois são os termos iniciais para a contagem do prazo decadencial que o

468 Repetição do indébito tributário e compensação, Repetição do indébito e compensação no direito tributário, p. 289-90. 469 Eurico de SANTI, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 253.

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236

contribuinte possui para realizar a autocompensação: (i) o pagamento indevido que

extinguiu o crédito tributário; (ii) a data da reforma, anulação, revogação ou rescisão

de decisão condenatória judicial ou administrativa que determinou o pagamento470.

Diante das premissas adotadas, inclusive nos casos de lançamento por

homologação, o termo em que se começa a contagem do prazo para o contribuinte

realizar a autocompensação é o pagamento indevido.

11.8.1 A decadência e a Lei Complementar 118/05

Nos casos do chamado lançamento por homologação, boa parte da doutrina

entendeu que a contagem do prazo decadencial iniciar-se-ia com a homologação, e

não em decorrência do pagamento. O fundamento usado para sustentar essa posição

era que a extinção do crédito só se realiza com a ulterior homologação do

lançamento. Assim, no caso de ausência de homologação expressa, o prazo

qüinqüenal do art. 168 do CTN somente começa a contar após cinco anos da

ocorrência do fato jurídico do pagamento.

Tal tese foi acolhida pelo STJ, determinando que para os tributos sujeitos ao

lançamento por homologação o marco inicial é a própria homologação, expressa ou

tácita471. Porém, com o advento da Lei Complementar 118/05, cujo artigo 3º estipula

que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento

por homologação, no momento do pagamento antecipado, esse argumento perdeu o

sentido.

O mesmo diploma legal concedeu status de lei interpretativa ao artigo suso

mencionado, permitindo sua aplicação a fatos pretéritos, de acordo com o art. 106, I,

do CTN.

470 Cf. Eurico de SANTI, Decadência e prescrição no direito tributário, p. 258. 471 Cf. nota 467.

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237

Acontece que, segundo o Superior Tribunal de Justiça472, a LC 118/05 não

pode ser considerada como uma lei interpretativa, porquanto seus dizeres inovaram

o ordenamento jurídico tributário. É que as denominadas leis interpretativas

possuem eficácia declaratória quanto às leis interpretadas, sem poder de inovar, no

sentido de criar nova regra imprevista na lei anterior.

A partir da entrada em vigor da LC 118/05, tem-se a aplicação de dois prazos

distintos: i) nos pagamentos indevidos posteriores à vigência da LC 118/05, a

decadência para a sua restituição é contada do instante em que ocorre o pagamento

indevido; ii) nos pagamentos indevidos anteriores à vigência da LC 118/05, o prazo

decadencial se inicia com a homologação do lançamento.

Entretanto, independente do lançamento ser por homologação ou não,

entende-se que o termo inicial da decadência para o contribuinte efetuar a

autocompensação é de cinco anos contado do pagamento indevido.

11.8.2 Decadência na hipótese de a relação de débito do Fisco ser constituída por

decisão judicial

Há vários caminhos que levam à produção da norma individual e concreta

apta a constituir o crédito em favor do contribuinte em face do Fisco (aquilo que se

denominando débito do Fisco). Um deles é a via judicial, em que o Judiciário define o

credor e o devedor, bem como o montante do objeto da prestação a que o

contribuinte tem direito. A definitividade do débito surge com o trânsito em julgado

da decisão que reconhece essa relação jurídica.

Definido o débito, o contribuinte pode se valer da autocompensação para

liquidar possíveis créditos tributários que possui perante a Secretaria da Receita

Federal do Brasil, compensado-os. Regulamentando essa possibilidade, foi criado o

472 Cf. AgRg no Ag 783.645/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.12.2006, DJ 18.12.2006 p. 326. Paulo de Barros CARVALHO também identifica o caráter inovador da disposição do art. 3º da LC 118/05, Direito tributário,

linguagem e método, p. 495.

Page 239: Tiago Cappi Janini.pdf

238

“Pedido de habilitação de crédito reconhecido por decisão judicial transitada em

julgado” pela IN 600/05, segundo o qual o particular tem de informar à autoridade

fazendária o montante e a origem de seus créditos, que primeiro deverão ser

homologados pelo Fisco para, depois, serem usados na autocompensação.

A IN 600/05 criou mais um eixo de positivação de normas, também a ser

movimentado pelo contribuinte, requerendo do Fisco a expedição de uma norma

individual e concreta confirmando o direito subjetivo do contribuinte. Como é

possível notar, exige-se mais um requisito para o exercício da autocompensação: a

habilitação do débito do Fisco reconhecido judicialmente.

Contudo, a instrução normativa não é o veículo introdutor de normas

adequado para prescrever o procedimento da autocompensação. O máximo que

pode fazer é determinar o modo de operação, assim como fez com relação ao

PERD/COMP, e não criar outros requisitos para o fato jurídico da compensação

efetivada pelo particular. Em virtude do seu caráter secundário, o STF já definiu que

esse tipo de ato regulamentar deve obediência aos contornos da lei. Eis como se

decidiu:

As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Essas Instruções nada mais são, em sua configuração jurídico-formal, do que provimentos executivos cuja normatividade está diretamente subordinada aos atos de natureza primária, como as leis e as medidas provisórias, a que se vinculam por um claro nexo de acessoriedade e de dependência. Se a Instrução Normativa, editada com fundamento no art. 100, I, do Código Tributário Nacional, vem a positivar em seu texto, em decorrência de má interpretação de lei ou medida provisória, uma exegese que possa romper a hierarquia normativa que deve manter com estes atos primários, viciar-se-á de ilegalidade e não de inconstitucionalidade. (ADI-AgR 365/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 07.11.90, DJ 15.03.91, p. 2645).

Desse modo, a competência da autoridade administrativa para editar

Instruções Normativas e os demais instrumentos complementares a que alude o art.

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239

100 do CTN deve ser exercida respeitando sempre o fundamento de validade: as leis.

Qualquer descompasso entre a Instrução Normativa e um instrumento primário é

condição suficiente para a sua exclusão do sistema jurídico tributário.

A IN 600/05, ao condicionar a autocompensação de débito do Fisco

constituído por decisão judicial à apresentação de pedido de habilitação de crédito,

não respeita os contornos da Lei 9.430/96, sendo, portanto, passível de ser excluída

do sistema jurídico.

Retornando ao foco principal deste tópico, o contribuinte tendo o crédito

constituído em seu favor por uma norma individual e concreta proferida pelo Poder

Judiciário, poderá utilizá-lo para fins da autocompensação, porém tem o prazo

decadencial de cinco anos para realizar a autocompensação, iniciado com o trânsito

em julgado473 da sentença que constitui a relação de débito do Fisco.

473 Nesse sentido ver Guilherme CEZAROTI, Crédito tributário decorrente de decisão judicial transitada em julgado. Compensação. Prazo prescricional, Revista dialética de direito tributário, n. 139, p. 54.

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240

12 A COMPENSAÇÃO JUDICIAL

12.1 A compensação tributária em crise

Classificou-se a compensação tributária tomando-se como critério a pessoa

encarregada de produzir a norma individual e concreta necessária para a sua

efetivação e propagação de seus efeitos. Com isso, chega-se às seguintes espécies: (i)

compensação de ofício, realizada pela autoridade administrativa; (ii)

autocompensação, produzida pelo particular; e (iii) compensação judicial, emanada

pelo Poder Judiciário.

Essa terceira forma de se produzir a enunciação-enunciada da compensação

inicia-se com um conflito de interesses entre contribuinte e o Fisco a ser resolvido

pelo Poder Judiciário. É o que Paulo Cesar Conrado designou de compensação

tributária em crise: “fenômeno decorrente das potenciais divergências havidas entre

as normas pretendidas e/ou construídas por cada um dos sujeitos de direito atuantes

(Fisco e contribuinte)”474.

A norma individual e concreta da compensação se insere no sistema jurídico

tanto pela autoridade administrativa (compensação de ofício) quanto pelo particular

(autocompensação). Pode ocorrer, em virtude do fenômeno da interpretação, que o

Fisco não concorde com a autocompensação efetuada pelo administrado, resultando

na sua não homologação, conforme estudado no capítulo precedente. Assim, o Fisco

não reconhece a extinção da obrigação tributária pela norma do particular. É o

processo de interpretação feito pela autoridade administrativa colidindo com a

posição adotada pelo contribuinte475.

Diante desse conflito de interesses, o contribuinte pode se valer do Poder

Judiciário para requerer o reconhecimento do seu direito à compensação. Para isso, é

474 Compensação tributária e processo, p. 167. 475 Ibid. p. 168.

Page 242: Tiago Cappi Janini.pdf

241

necessária a movimentação do aparato judicial, com a proposição da competente

ação judicial cujo pedido é a permissão de efetuar a extinção da obrigação tributária

pela via da compensação.

12.2 O prazo prescricional para o contribuinte se valer do processo judicial no caso

da compensação

Consoante a denominação adotada acima, designa-se prescrição do direito do

contribuinte para significar a extinção do direito de cobrar o débito do Fisco pela via

judicial. Reitere-se o alerta feito por Eurico de Santi de que “as normas gerais e

abstratas da decadência e da prescrição do direito do contribuinte são construídas,

basicamente, a partir dos mesmos dispositivos do CTN, coisa que pode parecer

estranha ao intérprete mais apegado ao plano da literalidade”476.

Desse modo, é possível a criação de três regras jurídicas de prescrição do

direito do contribuinte. A primeira determina o prazo de cinco anos com início na

data da extinção da obrigação tributária, ou seja, o contribuinte tem o lapso de cinco

anos a partir do pagamento indevido, para requerer a manifestação do Poder

Judiciário para declarar a relação de débito do Fisco.

A outra regra é fundamentada no art. 169 do CTN, que pressupõe uma

decisão administrativa que denegue a restituição. Diante dessa norma individual e

concreta inserida no sistema pela autoridade administrativa, o particular tem o fluxo

de dois anos para pleitear na via judicial a realização do seu direito ao ressarcimento

do pagamento indevido.

Por fim, a terceira norma jurídica em sentido estrito que pode ser construída

determina a contagem do prazo prescricional de cinco anos contados da data da

reforma, anulação, revogação ou rescisão da decisão condenatória judicial ou

administrativa que determinou o pagamento.

476 Decadência e prescrição no direito tributário, p. 253.

Page 243: Tiago Cappi Janini.pdf

242

Reitere-se aqui aquilo já dito acerca da chamada tese dos “cinco mais

cinco”477. O STJ elegeu, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, como o

momento da extinção da obrigação tributária a homologação expressa ou tácita do

pagamento antecipado. Com isso, o administrado possui o prazo de dez anos,

somados os cinco anos da homologação tácita com os cinco anos da prescrição.

Em que pese o entendimento aqui defendido de que a extinção ocorre com o

pagamento indevido e não com a homologação, refutando-se a tese dos dez anos,

surgiu a LC 118/05 determinando expressamente esse marco como início para a

contagem do prazo.

O posicionamento do STJ pode ser resumido com a transcrição da seguinte

ementa:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PRESCRIÇÃO. TESE DOS "CINCO MAIS CINCO". ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ERESP 644.736/PE. 1. A Corte Especial, ao julgar a Argüição de Inconstitucionalidade nos EREsp 644.736/PE (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.8.2007), sintetizou a interpretação conferida por este Tribunal aos arts. 150, §§ 1º e 4º, 156, VII, 165, I, e 168, I, do Código Tributário Nacional, interpretação que deverá ser observada em relação às situações ocorridas até a vigência da Lei Complementar 118/2005, conforme consta do seguinte trecho da ementa do citado precedente: “Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador”. (REsp. 1055903/SC, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 19.06.2008, DJ 04.08.2008, p. 1).

Às situações ocorridas até 09 de junho de 2005 (momento em que a LC 118/05

477 Cf. Capítulo 11, tópico 11.7.

Page 244: Tiago Cappi Janini.pdf

243

entrou em vigor), aplica-se, ainda, a tese consagrada no STJ, de que o contribuinte

tem o prazo de dez anos para ingressar com a ação judicial pleiteando a relação de

débito do Fisco. A partir desse instante, o fluxo inicia-se com o pagamento

antecipado.

12.3 A norma individual e concreta inserida no sistema pela autoridade judiciária

Conforme se apreende do que foi até agora apurado, o contribuinte pode se

valer dos meios disponibilizados pelo direito positivo para instar o Poder Judiciário a

se manifestar em razão de alguma divergência interpretativa acerca da compensação

tributária. Diante dessa provocação, a autoridade judiciária, por meio do veículo

introdutor de normas denominado sentença, irá inserir uma nova norma individual e

concreta no sistema, resolvendo o conflito de interesses surgido.

O conflito de interesses na compensação pode surgir de duas formas:

preventiva ou repressiva. Na primeira, o administrado pressupõe que o Fisco não irá

aceitar o seu pedido de autocompensação e, por isso, de antemão, busca no Judiciário

garantir um direito subjetivo que eventualmente possui. Já no segundo caso, o Fisco

expressamente não homologa ou considera não declarada a autocompensação

apresentada pelo particular, o que o leva a ir ao Poder Judiciário.

Nesse contexto aparece a seguinte dúvida: qual o conteúdo da norma

individual e concreta inserida pela autoridade judiciária no sistema?

O STJ tem enveredado pelo sentido de que a autoridade judiciária pode

declarar o crédito como compensável uma vez reconhecido o recolhimento indevido.

Constituída a qualidade de compensável, prossegue-se com a compensação. O Min.

Ari Pargendler, em seu voto no REsp. 89.031/MG478, chega a afirmar que o acórdão

transitado em julgado serve de título para a compensação. A seguinte ementa bem

traduz o pensamento do STJ: “Sobre a questão da comprovação da liqüidez e certeza,

478 REsp. 89.031/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 12.09.1996, DJ 30.09.1996 p. 36620.

Page 245: Tiago Cappi Janini.pdf

244

havendo prova nos autos de que houve o recolhimento indevido, com a juntada das

respectivas guias de recolhimento do tributo, não há como não se declarar a sua

compensabilidade, ressalvado o direito da Administração de verificar a correção do

procedimento, exigindo, se for o caso, o débito tributário remanescente” 479.

Alexandre Macedo Tavares afirma que o magistrado não pode declarar

extinto o crédito tributário por meio de uma decisão judicial reconhecendo apenas a

compensabilidade de uma relação de débito do Fisco, “pois, sendo o lançamento

uma atividade privativa da autoridade administrativa (inteligência do art. 142 do

CTN), não pode ele – juiz – fazer as vezes do administrador”480. Mesmo nos casos do

chamado lançamento por homologação a extinção ainda fica restrita a uma atividade da

autoridade administrativa (homologação expressa ou tácita), o que impediria o juiz

de determinar a compensação. A determinação da liquidez e certeza dos créditos e

débitos a serem compensáveis, por esse raciocínio, é de competência exclusiva da

administração pública.

Assim, de acordo com essa postura, a autoridade judiciária não poderia

emitir uma norma individual e concreta contendo no seu conseqüente a relação

jurídica com a finalidade de extinguir a obrigação tributária. Apenas produz uma

norma autorizando a compensação, que será efetivada por ato do particular ou do

Fisco. Tal conclusão se reflete na classificação adotada no nono capítulo, pois não

haveria o ato produtor de normas elaborado pelo juiz. Só se existiriam, então, a

compensação de ofício e a autocompensação.

Entretanto, apesar de ir de encontro com as orientações do Superior Tribunal

de Justiça, ainda se sustentam as três espécies de compensação eleitas anteriormente.

Não se encontra no ordenamento jurídico nacional enunciado prescritivo que proíba

o Poder Judiciário de emitir uma norma individual e concreta que fulmine a

obrigação tributária pela compensação. Ao contrário, há previsões permitindo a

produção da norma realizando o encontro de contas.

479 REsp 171.102/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 05.03.2002, DJ 03.06.2002, p. 169. 480 Compensação do indébito tributário, p. 164-5.

Page 246: Tiago Cappi Janini.pdf

245

Já se defendeu neste trabalho481 que não só a autoridade administrativa tem

competência para constituir o crédito tributário, como também pode fazê-lo o

contribuinte por meio do lançamento por homologação. Ressalte-se que são duas fontes

produtoras de normas distintas que resultam fluxos normativos específicos. O fato de

a Lei 9.430/96 vincular a extinção da obrigação tributária ao ato de homologação não

é fator impeditivo para o Poder Judiciário proferir uma sentença cujo conteúdo seja o

encontro de contas. Não há usurpação de funções entre os Poderes Administrativo e

Judiciário nessa situação. O juiz não está agindo como um administrador quando

determina a extinção da obrigação tributária pela compensação, apenas exerce a

função que a própria Constituição Federal lhe outorgou. A proibição à autoridade

judiciária é de realizar o lançamento tributário ou o ato de homologação da

autocompensação. Essas normas individuais e concretas, sim, são de competência

exclusiva da Administração Pública Fazendária. Tal como a sentença é de

competência exclusiva do Poder Judiciário.

Desse modo, diante das provas em direito admitidas que confirmem o fato

jurídico da compensação, ou seja, a existência da relação de crédito tributário e de

débito do Fisco, devidamente líquidas, certas e exigíveis, nada impede que a

autoridade judiciária, por meio do veículo introdutor sentença, produza a seguinte

norma individual e concreta: dado o fato da existência do crédito tributário x e do

débito do Fisco y, deve ser a relação jurídica de compensação envolvendo x e y.

Não se pode negar que a exigência de se determinar o crédito e o débito

objetos da compensação como líquidos, certos e exigíveis influencia no tipo de ação

judicial escolhida. Sabe-se que o mandado de segurança tem por característica

precípua a discussão apenas de direito, sem demandar provas, em razão de proteger

direito líquido e certo, que pode ser definido como “toda invocação de direito

subjetivo cujos respectivos fatos estejam comprovados documentalmente (prova pré-

constituída) ou não necessitem de prova, independentemente da complexidade

481 Capítulo 5, item 5.6.

Page 247: Tiago Cappi Janini.pdf

246

jurídica da questão submetida à tutela mandamental”482.

Assim, o contribuinte pode eleger o mandado de segurança como o

instrumento adequado para requerer ao Poder Judiciário determinar a compensação

tributária, porém tanto o crédito tributário quanto o débito do Fisco devem estar

líquidos, certos e exigíveis, sem possíveis discussões. Se for necessária a

comprovação desses requisitos essenciais da compensação, o mandado de segurança

deixa de ser a via adequada. Nesse caso, poderá se utilizar desse instrumento para

declarar o débito do Fisco como compensável483. Desse modo, é possível impetrar o

mandado de segurança com o pedido de declarar o crédito compensável ou com o

pedido de extinguir a relação jurídica tributária pela compensação. Em ambos os

casos, é requisito essencial a prova pré-constituída.

12.4 A compensação judicial e o art. 170-A do CTN

Diante de uma divergência de interpretações, o STJ editou a Súmula 212, cujo

conteúdo é o seguinte: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida

em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”. Segundo Márcio

Severo Marques, essa súmula resultou de uma confusão semântica causada em

relação aos pedidos de liminares e tutelas antecipadas envolvendo a compensação de

tributos484.

O art. 151 do CTN específica que as liminares e tutelas antecipadas são

482 James MARINS, Direito processual tributário brasileiro: administrativo e judicial, p. 467. 483 O STJ editou a Súmula 213 com o seguinte teor: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”. Para esse tribunal, não deixa de ser oportuno repetir, cabe à autoridade administrativa o direito de fiscalizar a liquidez e certeza dos créditos compensáveis. A dualidade de pedido no mandado de segurança já foi percebida pelo Min. Castro Meira, no seu voto no RMS 24.437/SE, em que afirma: “Há que se distinguir a impetração do mandado de segurança que visa declarar o direito à compensação tributária (Súmula 213) do writ utilizado para efetivar a própria compensação. Nesta hipótese, cabe ao impetrante oferecer prova documental hábil a demonstrar a certeza e a liquidez do crédito, o que não ocorreu no presente caso, que também se ressente da ausência de comprovação de haver o contribuinte atendido os requisitos administrativos necessários à realização da compensação”. 484 A Lei Complementar nº 104/01 – o novo artigo 170-A do CTN e o direito à compensação, Revista dialética de

direito tributário, n. 69, p. 103.

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247

causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Distintas são as causas

extintivas da obrigação tributária eleitas pelo art. 156 do mesmo estatuto. São duas

situações que se excluem “pois ou bem o crédito tributário foi extinto (e portanto não

há que se falar em suspensão de sua exigibilidade; nem tampouco de lançamento) ou

bem se encontra suspensa a sua exigibilidade (e deve-se proceder ao lançamento),

razão por que logicamente não se poderia operar alguma das suas formas de

extinção, previstas pelo aludido artigo 156 do CTN”485.

Mesmo diante dessa clara incompatibilidade, os pedidos liminares para a

extinção da obrigação tributária pela compensação continuaram a se suceder,

inclusive, algumas vezes, com êxito. Com isso, o STJ se posicionou afirmando que “é

vedado o deferimento da compensação através de liminar em medida cautelar, tendo

em vista o caráter satisfativo da medida”486. Eis o motivo, de forma sucinta, para a

edição da Súmula 212 pelo Tribunal.

Logo em seguida, editou-se o art. 170-A do CTN, expressamente vedando a

compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial

pelo sujeito passivo antes do trânsito em julgado da respectiva decisão.

Paulo Cesar Conrado alerta que estando o Estado-juiz diante de uma

situação cujos requisitos que autorizam a concessão de liminar estejam presentes, o

sistema jurídico exige que seja outorgada a medida487. Isso significa dizer que o teor

do art. 170-A do CTN e da Súmula 212 do STJ não impede a concessão de liminar ou

tutela antecipada quando o objeto da lide seja a compensação. O que se proíbe é a

extinção da obrigação tributária em processo judicial ainda não transitado em

julgado. É o que pode ser observado nas seguintes lições do ilustre autor: “a

compensação tributária autorizada por medida liminar não faz outra coisa senão

suspender a exigibilidade do crédito tributário que constitui uma das pontas do ato

compensatório, ficando a extinção da correspondente obrigação tributária, assim como

485 A Lei Complementar nº 104/01 – o novo artigo 170-A do CTN e o direito à compensação, Revista dialética de

direito tributário, n. 69, p. 103. 486 REsp. 116.555/PE, Rel. Min. Adhemar Maciel, julgado em 16.10.1997, DJ 17.11.1997, p. 59485. 487 Compensação tributária e processo, p. 222.

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248

a da relação de débito do fisco que se lhe contrapõe, na dependência de um

provimento jurisdicional dotado de definitividade”488.

Tal conclusão pode fundamentar a posição de James Marins, para quem o

art. 170-A do CTN não inovou a ordem jurídica tributária489. O sistema jurídico

tributário já veda a extinção da obrigação tributária por meio de medidas liminares

ou tutela antecipada, reservando-lhes apenas a condição de fatos jurídicos

suspensivos da exigibilidade do crédito tributário. O mencionado artigo, portanto,

não acrescentou nova regra no ordenamento tributário.

Duas situações precisam ser diferençadas: (i) a extinção da obrigação

tributária pela compensação; (ii) a suspensão da exigibilidade do crédito tributário

envolvido no processo de compensação. A norma individual e concreta da

compensação produzida pelo contribuinte não pode ser reconhecida por meio de

medida liminar ou tutela antecipada, porém não há fato impeditivo para o Poder

Judiciário conceder a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que

preenchidos os requisitos exigidos em lei, por decisão que não seja definitiva490.

James Marins entende que a regra do art. 170-A está voltada ao particular e à

autoridade administrativa, sendo, portanto, uma regra de procedimento

administrativo, e não judicial. Ela veda a utilização de relação de débito do Fisco nos

casos em que o pagamento indevido esteja em discussão judicial sem que esta

transite em julgado. Assim, o contribuinte ao elaborar o veículo introdutor da

autocompensação encontra-se proibido de compensar o débito do Fisco não

transitado em julgado. A sentença transitada em julgado é que seria o veículo

introdutor competente do fato jurídico do pagamento indevido491.

Diante disso, a distinção entre os arts. 170-A e 151 do CTN, segundo Paulo

Cesar Conrado, pode ser apresentada da seguinte forma: “o art. 170-A explicita qual

488 Compensação tributária e processo, p. 223. 489 Direito processual tributário brasileiro: administrativo e judicial, p. 491. 490 Paulo Cesar CONRADO, Compensação tributária e processo, p. 231. 491 Paulo Cesar CONRADO, Compensação tributária e suspensão da exigibilidade do crédito tributário: confronto e compatibilização dos arts. 170-A e 151 do Código Tributário Nacional, Revista dialética de direito tributário, n. 94, p. 111.

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249

ato (sentença) está capacitado a constituir o fato jurídico do pagamento indevido

(necessário à efetivação da compensação tributária), o art. 151, de outro, relaciona os

tipos de ato judicial constitutivos do fato jurídico da suspensão da exigibilidade da

obrigação tributária, inclusive da que estaria envolvida no contexto de eventual

norma individual e concreta de compensação tributária”492.

Pode-se apresentar, sumariamente, o seguinte fluxo normativo: (i) a não

aceitação pela autoridade administrativa da norma individual e concreta produzida

pelo contribuinte; (ii) a proposição de ação judicial pelo contribuinte com pedido de

liminar ou tutela antecipada; (iii) a emissão da norma individual e concreta pela

autoridade judiciária, dotada de provisoriedade, cujo conteúdo é a suspensão da

exigibilidade do crédito tributário a ser compensado (concessão da medida liminar

ou da tutela antecipada); (iv) a emissão da sentença judicial, que contém uma norma

individual e concreta, determinando a compensação tributária com a extinção do

crédito tributário e da relação de débito do Fisco, até onde se equivalerem.

492 Compensação tributária e suspensão da exigibilidade do crédito tributário: confronto e compatibilização dos arts. 170-A e 151 do Código Tributário Nacional, Revista dialética de direito tributário, n. 94, p. 112.

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250

CONCLUSÃO

1.1. Com o Giro Lingüístico alterou-se o foco dos pensamentos filosóficos,

passando-se a considerar a linguagem como elemento essencial ao conhecimento e à

realidade e não mais um simples instrumento para representar as coisas.

1.2. O conhecimento é uma relação que ocorre dentro de um processo

comunicacional, entre o sujeito cognoscente que emite enunciados sobre o objeto em

direção a outro sujeito, o destinatário, sendo-lhe imprescindível a linguagem.

1.3. O direito também é apreendido por meio da linguagem, sem ela não

existe: para se construir a realidade jurídica é necessária uma linguagem jurídica que

a realize. Requer uma linguagem jurídica específica capaz de introduzir no seu

sistema os acontecimentos sociais, prescrevendo as conseqüências jurídicas que eles

acarretarão.

1.4. o direito positivo e a ciência do direito são fenômenos lingüísticos, com

organização lógica e funções semânticas e pragmáticas diversas. O direito positivo

consiste em um discurso lingüístico prescritivo, composto por normas jurídicas

válidas num dado espaço territorial, cuja finalidade é comunicar aos seus

destinatários padrões de comportamentos sociais. A ciência do direito é formada por

um estrato de linguagem descritiva que se destina a estudar o direito positivo.

1.5. A linguagem jurídica traduz os acontecimentos do mundo social,

imputando-lhes efeitos jurídicos. Essa tradução não é perfeita, uma vez que o fato

social não é idêntico ao fato jurídico, mesmo que tenha servido de suporte para a

criação da norma jurídica.

1.6. O direito pode ser visto como um sistema autopoiético, pois regula a sua

própria criação por meio das normas jurídicas que prescrevem como novas normas

jurídicas devem ingressar no sistema jurídico. São normas que tratam do

procedimento para introduzir novas normas.

Page 252: Tiago Cappi Janini.pdf

251

2.1. Como o direito se expressa por meio de linguagem, ele pode ser

estudado como um sistema de comunicação, em que a linguagem do direito positivo

é usada para comunicar à sociedade as condutas a serem seguidas.

2.2. O processo de comunicação, conforme a teoria de Roman Jakobson, conta

com a presença de seis fatores: remetente, contexto, mensagem, canal físico, código e

destinatário.

2.3. Aplicando-se o modelo comunicacional jakobsoniano ao direito,

identifica-se a mensagem como sendo a norma jurídica em sentido estrito (ou regra

jurídica), excluindo-se os enunciados prescritivos. Apenas será mensagem a norma

jurídica cujos enunciados estejam estruturados na forma de juízos hipotéticos

condicionais, regidos pelo princípio da imputação, em que o modal deôntico “dever-

ser” conecta uma conseqüência jurídica ao fato descrito na hipótese.

2.4. O código consiste no sistema de símbolos que, por convenção

preestabelecida, visa a transmitir uma mensagem entre a fonte e o ponto de destino.

Distinto do repertório, que se refere a um acúmulo de experiências, é a memória em

que os indivíduos registram as informações que absorvem. O código é um elemento

objetivo e o repertório é subjetivo, intrínseco a cada sujeito. No processo

comunicacional do direito, a função de código é exercida pelo direito positivo, assim

entendido como as normas jurídicas válidas numa determinada época e num certo

país.

2.5. O art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil, ao proibir a alegação de

que não se cumpriu a lei por não conhecê-la, presumiu que todos os emissores e

receptores de normas jurídicas possuem o mesmo código e repertório. O direito não

permite ao destinatário de uma mensagem jurídica alegar que não seguiu um

determinado comando legal por desconhecer o conteúdo de uma lei (código) ou por

não a compreender (repertório).

2.6. Os canais são as formas de transmissão dos sinais de um código. No

direito, o canal físico utilizado é a linguagem escrita.

2.7. Emissor é aquele que o sistema jurídico outorgou competência para

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252

emitir normas jurídicas. Destinatário é o sujeito para quem as normas são

produzidas.

2.8. É dentro de um determinado contexto que se compreende plenamente

uma mensagem. Como a finalidade do direito é regular condutas humanas

intersubjetivas, o contexto a que se refere a mensagem jurídica é o mundo social.

2.9. O intérprete inicia o percurso gerador de sentido jurídico (S1) com o canal

físico: a literalidade do texto normativo. Passa-se, em seguida, em S2, a se identificar

os signos jurídicos, associando a eles significações. O intérprete, em S3, constrói a

mensagem jurídica, com sua estrutura mínima de significação, no sentido de orientar

a conduta humana. A norma jurídica em sentido estrito é obtida no plano S3

construindo a mensagem jurídica. O nível S4 permite que destinatário organize as

normas jurídicas de forma hierárquica.

3.1. O sistema jurídico é operativamente fechado, porém aberto

cognitivamente. É essa abertura que permite uma correlação com os outros

subsistemas, com constantes trocas de informações.

3.2. O direito provoca irritações na sociedade prescrevendo como deseja que

determinadas condutas humanas sejam materializadas, sendo processada pelo

sistema social de acordo com suas próprias estruturas, podendo alterá-lo ou não.

Tem-se a distinção entre o “ser” e o “dever-ser”, como dois conjuntos distintos que

operam conforme suas estruturas específicas, o sistema jurídico e o seu ambiente,

que somente se aproximam por meio do processo de positivação do direito, pois é

com a produção da norma individual e concreta que o direito positivo irá direcionar

o comportamento humano.

3.3. A positivação do sistema jurídico é resultado do ato de aplicação das

normas jurídicas realizado pelo homem. Aplicar o direito consiste na produção de

novas normas jurídicas com fundamento em regras superiores.

3.4. Distingue-se o fato do evento. O fato é constituição lingüística que

organiza a realidade, e evento, o acontecimento concreto que se exaure no tempo, sem

deixar vestígios, a não ser com a sua constituição por linguagem. Assim, o fato, para

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253

se tornar jurídico, impõe a linguagem própria do direito, as normas jurídicas.

3.5. A incidência normativa requer uma norma geral e abstrata que descreva

as notas, os critérios e as características que um evento precisa possuir para se tornar

fato jurídico. Depois, tem de ficar comprovado que o evento realmente aconteceu no

mundo fenomênico, por meio da linguagem das provas. Só então é que haverá a

incidência da norma jurídica sobre o evento, produzindo-se uma norma individual e

concreta que conterá, em seu antecedente, a constituição do fato jurídico.

3.6. Um acontecimento social pode desencadear diversos fluxos normativos,

cada qual estabelecendo efeitos próprios. São cadeias de normas que se difundem

nas mais diversas direções até atingir os níveis de individualidade e concretude

exigidos pelo processo de positivação.

3.7. A fonte do direito é a enunciação, isto é, a atividade produtora dos

enunciados do documento normativo. Fonte do direito, portanto, é o processo, e o

documento normativo é o produto advindo desse processo.

3.8. O termo competência tributária pode ser tomado em sentido estrito,

significando a autorização que as pessoas políticas possuem para produzir novas

normas cujo conteúdo trate apenas da instituição de tributos e em sentido amplo,

quando a permissão é para a produção de qualquer tipo de norma tributária. Todo

ato de produção de normas pressupõe uma norma de competência contendo os

requisitos formais e materiais a serem obedecidos pelo órgão produtor de normas.

3.9. O direito positivo cuida das condutas humanas que podem ser divididas

em ações que tratam da criação, modificação ou extinção de normas jurídicas, ou

ações que se referem aos comportamentos humanos propriamente ditos.

3.10. Na produção de normas, o emissor tem de seguir o procedimento

traçado pelo direito. São os limites formais previstos no conseqüente das normas de

competência legislativa, ou as normas procedimentais.

3.11. O termo procedimento é reservado para significar os critérios previstos

nas normas de estrutura que devem ser seguidos quando se tratar da produção de

novas normas jurídicas no sistema.

Page 255: Tiago Cappi Janini.pdf

254

3.12. Para se estudar o processo de produção de normas parte-se da análise

do produto, cotejando-o com as regras de estruturas previstas pelo direito posto. A

produção normativa também possui uma fenomenologia de incidência de normas,

concretizada pelas normas que revelam como se deve agir para que outra norma seja

inserida no sistema, ou seja, com a incidência da norma de estrutura.

3.13. O fato jurídico da produção de normas, em sua feição denotativa é

precisamente delimitado quanto ao sujeito, ao procedimento e às coordenadas

espaço-temporal. O conseqüente instaura uma relação jurídica obrigando todos, por

isso geral, a observarem o conteúdo (enunciado-enunicado) introduzido no sistema.

4.1. A relação jurídica, por ser relação antes mesmo de ser jurídica, requer seu

estudo com fundamento na lógica, precisamente no capítulo dos Predicados

Poliádicos, que investiga as regras de formação e transformação das relações.

4.2. A relação jurídica é descrita como um vínculo entre dois sujeitos

distintos com a finalidade de se cumprir certa prestação. Eis os seus elementos: o

subjetivo e o prestacional. O primeiro consiste nos sujeitos postos em relação entre si,

o sujeito ativo, titular do direito subjetivo de exigir certa prestação, e o sujeito

passivo, que possui o dever de cumprir a conduta. O outro elemento, o prestacional,

trata diretamente da conduta, modalizada como obrigatória, proibida ou permitida.

Esses dois elementos estão presentes no conseqüente da estrutura lógica da norma

jurídica, prescrevendo a conduta que o direito deseja que seja realizada com o

acontecimento do fato jurídico descrito no antecedente.

4.3. A obrigação tributária é composta pelos elementos comuns a todas as

relações jurídicas: o subjetivo e o prestacional. O subjetivo é formado pelo núcleo

ativo e passivo que, na obrigação tributária, são: (i) o ativo, que possui o direito

subjetivo de exigir um valor a título de tributo; e (ii) o passivo, com o dever de

cumprir a conduta que corresponda à exigência do sujeito ativo. O segundo

componente da obrigação tributária consiste no comportamento de entregar certa

quantia aos cofres públicos.

5.1. A expressão relação de crédito tributário (ou obrigação tributária) é usada

Page 256: Tiago Cappi Janini.pdf

255

quando o Fisco figurar no pólo ativo da relação jurídica tributária e o termo débito do

fisco significa a relação em que o pólo passivo de uma relação jurídica tributária for

ocupado pela Fazenda Pública.

5.2. O crédito tributário surge quando se der a aplicação da norma geral e

abstrata que contém as notas referentes ao fato jurídico tributário e à relação jurídica

efectual, fazendo-a incidir sobre um evento ocorrido concretamente.

5.3. A regra-matriz de incidência tributária é norma jurídica geral e abstrata

cuja finalidade é apresentar os critérios que permitem identificar o fato jurídico

tributário no seu antecedente e a relação jurídica tributária no seu conseqüente.

5.4. O tempo do fato permite identificar o procedimento e o órgão competente

para a feitura de novos enunciados prescritivos. O tempo no fato está relacionado com

o acontecimento do evento no mundo fenomênico, sendo a legislação aplicável a

vigente na data a que o fato se refere, a data do evento.

5.5. Para que surja a obrigação tributária e, conseqüentemente, o crédito

tributário, é imprescindível um ato humano de aplicação, que resultará na norma

individual e concreta, em decorrência da operação lógica de subsunção do fato à

regra-matriz. Pelo sistema do direito positivo, esse ato de aplicação poderá ser feito

pela Administração mediante o lançamento tributário, ou pelo particular, por meio do

lançamento por homologação ou autolançamento. São atos diversos, pois praticados por

sujeitos distintos.

5.6. O eixo de positivação movimentado pela autoridade administrativa

culmina com a produção da norma individual e concreta lançamento tributário,

constituindo o fato jurídico tributário e prescrevendo a relação jurídica

individualizada com o exato valor a ser pago a título de tributo. Para realizar o ato de

aplicação, a autoridade administrativa, tem de observar duas normas jurídicas: (i) a

regra-matriz de incidência tributária; e (ii) a norma de competência formal que

estabelece o órgão fiscal e o procedimento para elaboração de outras normas.

5.7. A expressão lançamento tributário é usada para designar: (i) o fato jurídico

criador da norma individual e concreta (enunciação); (ii) a norma jurídica veículo

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256

introdutor (enunciação-enunciada); (iii) a norma individual e concreta que constitui o

crédito (enunciado-enunciado); e (iv) o suporte físico que contém os enunciados da

norma veículo introdutor e da norma individual e concreta.

5.8. A norma individual e concreta que constitui o crédito tributário é

resultado da atividade produtora de norma realizada pela autoridade administrativa.

O fato jurídico produtor de normas individuais e concretas é um ato de enunciação

que se perde no tempo, restando apenas as marcas registradas no enunciado. É

construído, portanto, pela enunciação-enunciada presente no documento lançamento

tributário.

5.9. O lançamento, tomado na sua acepção de ato-norma administrativo,

possui a mesma estrutura sintática de todas as demais normas jurídicas, cujo

antecedente contém a descrição do fato já ocorrido no tempo, tornando-o jurídico, e

seu conseqüente institui uma relação jurídica de conteúdo patrimonial. É uma norma

individual e concreta, construída com base no enunciado-enunciado do documento

lançamento.

5.10. O ato de produção de norma individual e concreta que constitui o

crédito tributário feito pelo particular possui dois eixos de positivação de normas

presentes no art. 150 do CTN: (i) que autoriza o particular a emitir a norma

individual e concreta do crédito tributário; e (ii) que autoriza a autoridade

administrativa homologar a atividade do particular.

5.11. O particular está autorizado a constituir o crédito tributário, só que para

isso deve utilizar procedimento próprio: o autolançamento. Nessa fenomenologia

existe uma norma geral e abstrata de competência privada, estabelecendo o

procedimento a ser obedecido, e a regra-matriz de incidência cujo conteúdo é os

limites materiais para a constituição do crédito.

5.12. Com a inserção da norma individual e concreta que constitui o crédito

pelo particular se encerra um eixo de positivação de normas e abre espaço para que

um fluxo normativo se inicie, da homologação pela autoridade administrativa.

6.1. Os vínculos jurídicos nascem com os enunciados lingüísticos das normas

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257

individuais e concretas, posicionadas no conseqüente, bem como as suas eventuais

modificações e extinção também necessitam de um enunciado lingüístico para

operar. Esse enunciado deverá conter uma relação jurídica que faça desaparecer pelo

menos um dos cinco elementos da relação jurídica tributária.

6.2. Na fenomenologia da extinção das relações jurídicas estão presentes,

pelo menos, duas cadeias de positivação de normas: N1, que constitui a relação

jurídica e N2, determinando a sua extinção. Ao se findar o segundo processo de

concretização, haverá duas normas individuais e concretas no sistema, com

conteúdos divergentes.

6.3. Somente com a produção de outras normas, reguladas pelo direito

positivo, é que se soluciona um conflito de normas. Havendo normas incompatíveis,

o próprio direito determina qual deve permanecer no sistema. As regras que versam

sobre a revogação das normas incompatíveis no sistema jurídico brasileiro são: (i) a

norma superior revoga a inferior, em virtude da hierarquia; (ii) a norma posterior, no

tempo, revoga a anterior; (iii) a norma especial revoga a geral no que essa tem de

especial.

6.4. A obrigação tributária nasce, modifica-se e extingue-se por força de uma

manifestação de linguagem. O CTN elencou, no art. 156, onze formas de extinção da

obrigação tributária. Esse rol não é exaustivo, podendo outras figuras, como a

confusão e a morte do devedor, extinguir a obrigação tributária.

6.5. O pagamento é uma forma de extinção da obrigação tributária que se

efetiva com a sua concretização. Sem a norma individual do pagamento não há

extinção da obrigação tributária. A ação de pagar devidamente documentada em

linguagem jurídica competente suprime tanto o crédito tributário como o débito

tributário.

6.6. Transação é outra via de extinção da obrigação tributária que significa o

instituto em que as partes interessadas, credor e devedor, fazendo concessões

mútuas, põem fim a um litígio extinguindo a obrigação. Observa-se que a transação

geralmente não serve para extinguir a obrigação tributária, mas para terminação do

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258

litígio.

6.7. A remissão consiste no perdão, na dispensa do pagamento. O seu

processo de positivação se encerra com a produção de uma norma individual e

concreta pela autoridade administrativa cuja mensagem consiste no perdão da dívida

tributária.

6.8. A prescrição é a perda do direito de o Fisco exigir o crédito tributário

constituído, e a decadência é a perda do direito de o Fisco constituir o crédito

tributário, ambos em razão do decurso do tempo. Para conseguir a extinção da

obrigação tributária requer-se a produção das suas respectivas normas individuais e

concretas. Seu antecedente contém o fato do transcurso de tempo em que o titular do

direito permaneceu inerte, e seu conseqüente prevê a perda do direito de constituir o

crédito ou de cobrá-lo.

6.9. O depósito é uma forma de suspensão da exigibilidade do crédito

tributário. Com o final do litígio, os valores depositados são convertidos em renda do

sujeito ativo, concretizando o pagamento do tributo.

6.10. O ato de homologação é do pagamento, fiscalizado pelo Fisco que

apenas verifica se esse pagamento foi suficiente para a extinção do crédito. É,

portanto, o pagamento antecipado que extingue a obrigação tributária e não a

homologação. O ordenamento jurídico expressamente prevê, com a inclusão da LC

118/05, que, no art. 3º, específica que a extinção do crédito tributário ocorre, no caso

de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento

antecipado de que trata o § 1º do art. 150 do CTN.

6.11. Diante da recusa de o credor receber a prestação, ou no caso de o

devedor ter dúvidas a quem pagar, o contribuinte se utiliza da via processual,

realizando a consignação em pagamento, para depositar o valor devido a título de

tributo, com a conseqüente extinção do vínculo obrigacional.

6.12. A decisão final em processo administrativo é uma norma individual e

concreta, determinando se a constituição do crédito tributário está de acordo com o

sistema jurídico. Quando o conteúdo da norma for favorável ao contribuinte, total ou

Page 260: Tiago Cappi Janini.pdf

259

parcialmente, extingue-se o crédito na medida da decisão.

6.13. Com a decisão judicial definitiva, o Judiciário insere uma mensagem

jurídica cuja relação prescrita no seu conseqüente determina a extinção da obrigação

tributária.

6.14. A dação em pagamento de bens imóveis tem como finalidade a entrega

de coisa diversa de dinheiro como pagamento de tributos.

7.1. A relação de débito do Fisco é formada por um sujeito ativo, o

contribuinte que possui um direito subjetivo de exigir uma quantia em dinheiro do

Fisco, que, em contrapartida, tem o dever jurídico de adimplir.

7.2. A relação de débito do Fisco pode decorrer de diversos fatos jurídicos.

Nos tributos não-cumulativos a relação de débito do Fisco advém do fato jurídico de

adquirir mercadorias tributadas pelo IPI e pelo ICMS ou do fato da aquisição de

bens, serviços e insumos, no caso do PIS e da COFINS.

7.3. Nos tributos retidos na fonte, a relação de débito do Fisco surge com a

incidência da norma geral e abstrata da retenção. Assim, em virtude do fato efetuar

pagamento instaurar-se-á a relação jurídica em que a fonte pagadora deverá pagar ao

Estado tributo incidente sobre o montante dos valores pagos, conforme certas

alíquotas. Ao sofrer a retenção, o contribuinte tem o direito subjetivo de exigir do

Fisco o valor da importância retida, conforme a apuração do tributo.

7.4. O empréstimo compulsório tem como peculiaridade a previsão de

restituição da quantia arrecadada. Em sua fenomenologia, duas incidências se

destacam: (i) a do pagamento do tributo e (ii) a da restituição do montante pago.

7.5. O fato jurídico do pagamento indevido faz surgir uma relação jurídica de

débito do Fisco. A regra-matriz de repetição do indébito contém o fato jurídico de ter

ocorrido o pagamento indevido em determinado local e dia, e a relação jurídica de o

contribuinte exigir do Fisco a restituição do tributo indevidamente pago.

7.6. Para se constituir o débito do Fisco repetição tem-se de realizar o ato de

aplicação, vertendo em linguagem competente essa relação, objetivando os seus

sujeitos e seu objeto. Só com a norma individual e concreta é que se constitui o fato

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260

jurídico do pagamento indevido e se determina o valor a ser restituído pelo Fisco ao

contribuinte. Tal norma pode ser inserida pelos seguintes veículos normativos: (i) a

decisão final em processo administrativo; (ii) a decisão final em processo judicial; (iii)

o ato-norma administrativo de invalidação do lançamento; e (iv) a norma produzida

pelo contribuinte, que efetua a apuração do débito do Fisco.

7.7. É a partir do reconhecimento formal (linguagem) da ocorrência do

evento do pagamento indevido que surge o direito do contribuinte à restituição.

7.8. Se o contribuinte exercer seu direito subjetivo de exigir do Fisco a

restituição do valor pago indevidamente, ter-se-á início mais um eixo de positivação

de normas. Trata-se da fenomenologia da extinção da relação de débito do Fisco, que

pode se dar com o pagamento ou com a compensação.

7.9. Diante de um débito do Fisco formalmente constituído o contribuinte

pode movimentar uma cadeia de normas, exigindo o pagamento do que foi recolhido

indevidamente a título de tributo. Acontece que essa forma de extinção do débito do

Fisco tem suas regras específicas por se tratar de uma despesa pública.

8.1. A expressão compensação tributária possui diversas acepções. Destaca-se a

usada pelo CTN, art. 156, como norma individual e concreta, e a empregada pela

doutrina, no sentido de encontro de contas, como fato jurídico.

8.2. Classifica-se a compensação tributária, utilizando-se como critério o seu

emissor, da seguinte forma: a compensação de ofício, aquela realizada pela autoridade

administrativa, a compensação judicial cujo emissor da norma individual e concreta é o

Juiz, e a autocompensação produzida pelo próprio particular.

8.3. A compensação, no âmbito civil, requer os seguintes pressupostos: a)

dívidas recíprocas originadas em títulos diversos; e b) dívidas homogêneas, líquidas

e exigíveis. Dívidas recíprocas porque é necessária a presença de dois sujeitos de

direitos, credor e devedor, ao mesmo tempo, um do outro; ser homogênea, significa

que os débitos devem ser fungíveis; liquidez pressupõe a certeza quanto à existência

e determinada quanto ao objeto; e vencidas, por isso, exigíveis.

8.4. Na compensação tributária os seus requisitos estão previstos no art. 170

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261

do CTN, que são: a existência de duas relações jurídicas, a de débito do Fisco e a

obrigação tributária, com sujeitos-de-direito comuns.

8.5. Outro requisito da compensação tributária é a identidade dos seus

sujeitos. O contribuinte que figura na relação de débito do Fisco deve ser o mesmo

contribuinte na relação de crédito, só que em uma ele está presente no pólo ativo e,

na outra, encontra-se no pólo passivo da relação.

8.6. O terceiro requisito é a obrigatoriedade de ambas as relações jurídicas,

objeto da compensação, apresentarem um objeto prestacional de conteúdo

patrimonial, ou seja, as prestações deverão ser da mesma natureza.

8.7. A compensação exige a liquidez e certeza do crédito tributário e do

débito do Fisco, que decorrem da ponência da norma individual e concreta no

sistema, quantificando os valores da prestação.

8.8. O último requisito exigido pelo art. 170 do CTN é a exigência de lei

expressamente autorizando a compensação tributária.

8.9. A compensação engloba um intricado conjunto de relações jurídicas: (i) a

obrigação tributária, constituindo o crédito tributário; (ii) a relação de indébito,

constituindo o débito do Fisco; e (iii) a relação de compensação, cotejando as outras

duas, extinguindo-as.

8.10. O ponto de partida do fluxo normativo da compensação tributária é o

art. 170 do CTN. Consiste verdadeira norma de estrutura que outorga ao legislador

ordinário a competência para emitir enunciados prescritivos versando sobre a

compensação.

8.11. Para se produzir as normas individuais e concretas da compensação

tributária é preciso o exercício da competência descrita pelas leis ordinárias,

advindas do exercício da competência legislativa do art. 170 do CTN. A validade

dessas normas decorre do seu cotejo com a legislação ordinária.

8.12. A compensação tributária necessita de uma norma individual e concreta

para produzir efeitos jurídicos. O fato jurídico descrito no antecedente da regra da

compensação é composto pelas relações jurídicas que constituem o crédito tributário

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262

e o débito do Fisco. A relação jurídica da compensação pode ser descrita da seguinte

maneira: o sujeito ativo (contribuinte, Fisco ou Judiciário) tem o direito subjetivo de

exigir a compensação dos créditos e débitos em face do sujeito passivo (Fisco ou

contribuinte), que terá o dever de se submeter a essa forma de extinção da obrigação

tributária.

8.13. A fenomenologia da compensação requer a positivação de três normas:

a norma N1, que determina o contribuinte devedor do Fisco (obrigação tributária) no

valor exato $1; a norma N2, que determina o Fisco devedor do contribuinte (relação de

débito do Fisco) no valor exato $2; e a norma N3, que determina o encontro entre os

valores $1 e $2. A compensação só tem o poder de extinguir ambas as relações quando

seus valores sejam idênticos.

9.1. A compensação de ofício é a cadeia de positivação de normas cujo ponto

final é inserido pela autoridade administrativa, órgão habilitado para colocar a

norma individual e concreta no sistema jurídico estipulando a compensação entre o

crédito tributário e o débito do Fisco.

9.2. A compensação de ofício está prevista no Decreto-lei 2.287/86, com

redação dada pela Lei 11.196/05, que concede o direito subjetivo à Receita Federal do

Brasil, ao verificar a existência de débito em nome do contribuinte e pedido de

restituição ou ao ressarcimento de tributos, compensá-los.

9.3. O pedido de restituição de tributo pago indevidamente é requisito para

que a autoridade administrativa produza a norma da compensação. Assim, fica a

norma geral e abstrata da compensação de ofício: dado o fato de haver pedido de

restituição pelo contribuinte e de existir um crédito tributário deve ser a relação

jurídica, em que o sujeito ativo é a Secretaria da Receita Federal do Brasil cujo direito

subjetivo é realizar a compensação dos créditos e débitos descritos no fato, em face

de um sujeito passivo que é o contribuinte.

9.4. O Decreto 2.138/97 regulamentou a compensação de ofício. Para que seja

exercida, exigiu a notificação ao sujeito passivo para se manifestar, aquiescendo com

o procedimento do Fisco ou não. Se o contribuinte não aceitar a compensação de

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263

ofício a autoridade administrativa reterá o valor da restituição ou ressarcimento até

que o débito seja liquidado. Tais exigências são ilegais, uma vez que o Decreto

2.138/97 extrapola sua competência quando as prescreve.

10.1. A partir da edição da Lei 8.383/91 várias transformações atingiram a

legislação que versa acerca da compensação tributária dificultando a identificação de

qual sistemática deve ser aplicada. A Lei 9.430/96 regulamenta duas condutas

distintas: a produção de normas e o comportamento do contribuinte em ser credor e

devedor do Fisco. Com isso, tem-se o tempo no fato a fim de identificar o momento em

que o contribuinte se tornou credor e devedor do Fisco, situação em que se aplica a

legislação vigente na época do evento; e o tempo do fato demonstrando que a

legislação a ser utilizada para identificar o procedimento de autocompensação é

aquela em vigor no momento da entrega da declaração à autoridade fazendária.

10.2. A norma geral e abstrata de conduta da autocompensação pode ser

construída assim: dado o fato de o contribuinte apurar crédito tributário e débito do

Fisco, deve ser a relação jurídica efectual em que o contribuinte tem o direito

subjetivo de realizar o encontro das dívidas em face da Secretaria da Receita Federal

do Brasil.

10.3. A norma individual e concreta da autocompensação constitui o fato

jurídico com as relações jurídicas intranormativas: a que constitui o crédito tributário,

especificando o valor do tributo a ser recolhido, e a que constitui o débito do Fisco,

quantificando o pagamento indevido. A relação jurídica da autocompensação

determina a extinção das obrigações constantes no seu antecedente em razão do

encontro dos créditos e débitos.

10.4. O veículo introdutor da norma individual e concreta é a declaração de

compensação prevista no § 1º do art. 74 da Lei 9.430/96. O eixo de positivação da

norma de autocompensação se encerra com a produção da sua norma individual e

concreta gerando seus efeitos jurídicos, a extinção da obrigação tributária e da

relação de débito do Fisco. O fato de estar sujeita à homologação do Fisco não é

condição suficiente para evitar que a declaração de compensação produza os efeitos

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264

jurídicos que o ordenamento lhe conferiu: extinguir a relação. É com a simples

entrega da declaração de compensação que a extinção da obrigação tributária ocorre.

10.5. Entregue a declaração de compensação pelo administrado, a Secretaria

da Receita Federal do Brasil tem o período de cinco anos para fiscalizar a produção

da norma individual e concreta da autocompensação, de acordo com o disposto nos

§§ 2º e 5º da Lei 9.430/96. inicia-se outro eixo de positivação de normas que não se

confunde com aquele referente à produção normativa feita pelo particular.

10.6. Com a não homologação da declaração apresentada pelo particular

existe a possibilidade de três novas cadeias de positivação se instaurarem: (i) a

inclusão do débito tributário em dívida ativa e sua posterior execução; (ii) o

pagamento do débito indevidamente compensado; e (iii) a apresentação de

manifestação de inconformidade pelo contribuinte.

10.7. O termo inicial de contagem do prazo que o Fisco possui para exigir o

crédito tributário, por meio de seu direito de ação, no caso da não homologação sem

manifestação de inconformidade e sem recurso voluntário (causas suspensivas da

exigibilidade do crédito tributário) é o ato de homologação proferido pela autoridade

administrativa, instante em que começa a fluir o tempo para cobrá-lo. Em se tratando

de não homologação com manifestação de inconformidade e com recurso voluntário,

o início do prazo prescricional decorre da data em que for suprimida a condição que

suspendeu a exigibilidade do crédito tributário.

10.8. A compensação não-declarada consiste na situação em que a declaração

de compensação apresentada pelo contribuinte não produz os efeitos jurídicos da

extinção da obrigação tributária. É por meio do despacho decisório que a autoridade

administrativa considera a compensação não-declarada.

10.9. Diante de um despacho decisório o contribuinte pode se socorrer no

contencioso administrativo. Porém, o § 13 do art. 74 da Lei 9.430/96 proíbe a

instauração e o prosseguimento do processo administrativo do Decreto 70.235/70,

iniciado com a manifestação de conformidade. Deve-se valer, nessa situação, do rito

geral da Lei 9.784/99, inclusive com a suspensão da exigibilidade do crédito

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tributário.

10.10. O contribuinte tem o prazo decadencial, para realizar a

autocompensação, de cinco anos contados: (i) o pagamento indevido que extinguiu o

crédito tributário; (ii) a data da reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão

condenatória judicial ou administrativa que determinou o pagamento.

11.1. A terceira forma de se produzir a enunciação-enunciada da

compensação inicia-se com um conflito de interesses entre contribuinte e o Fisco, a

ser resolvido pelo Poder Judiciário, a compensação tributária em crise. Para isso, é

necessária a movimentação do aparato judicial, propondo a competente ação judicial.

11.2. A doutrina e o STJ entendem que a autoridade judiciária não pode

emitir uma norma individual e concreta contendo no seu conseqüente a relação

jurídica com a finalidade de extinguir a obrigação tributária. Apenas produz uma

norma autorizando a compensação a ser efetivada por ato do particular ou do Fisco.

Entretanto, não se encontra no ordenamento jurídico nacional enunciado prescritivo

que proíbe o Poder Judiciário de emitir uma norma individual e concreta que

fulmine a obrigação tributária pela compensação. Ao contrário, há previsões

permitindo a produção da norma realizando o encontro de contas.

11.3. Deve-se interpretar o 170-A do CTN entendendo-se que a proibição é da

extinção da obrigação tributária em processo judicial ainda não transitado em

julgado por medidas liminares ou tutela antecipada, e não impedir a concessão

desses instrumentos quando o objeto da lide seja a compensação.

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