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tI!j " '-""-- ~ WI!IiD A~nossatDra.House À imagem do médico da TV,recebe pacientes em desespero de causa e tem fama de diagnosticar o que os outros não suspeitam. Eis Cristina Sales POR JOANA FILLOL D urante três horas, com evidente entusiasmo, os estudantes ou- viram a médica Cristina Sales, de 53 anos, formada pela Uni- versidade Clássica de Lisboa. Aquela ti- nha sido «uma aula tipo Dr. House» - co- mentava-se, no final. «Nos casos clínicos que apresentou, o diagnóstico mais óbvio não era overdadeiro», exemplificava Elisa Serôdio, estudante do 2. 0 ano, a justificar a comparação com o protagonista da sé- rie norte-americana de TV,que surpreen- de sempre com os diagnósticos certeiros que os colegas não são capazes de fazer. Mas houve mais, a deixar a assistên- cia rendida, quando, há poucas semanas, Cristina Sales fez, no Instituto de Ciên- cias Médicas Abel Salazar, no Porto, a convite do regente da cadeira de Fisio- logia Humana, uma comunicação sobre a Medicina vanguardista que exerce, ao aliar a prática convencional a terapêu- ticas complementares, como a Homeo- patia ou a Acupunctura: «Mostrou-nos a base científica de terapias complemen- tares de que pouco falamos, ao longo do curso», destacou Elisa Serôdio, lembran- do, empolgada, o exemplo das crianças que apresentam otites permanentes: «No caso de terem nascido por cesaria- na, a causa podia ser o facto de não terem passado pelo canal de parto e de a cabeça ter ficado com uma dinâmica alterada, o que a Osteopatia pode corrigir.» 'ABELHA MESTRA' Cristina Sales rebate a associação ao co- lega da ficção: «Os meus pacientes têm doenças absolutamente comuns e não raras, como as da série.» De facto, a Me- dicina que pratica, no seu consultório, no Porto, ocupa-se de patologias cróni- cas - não terminais, mas recorrentes. «Trata-se das doenças dos países desen- volvidos, com várias causas, que envol- vem múltiplos sistemas (respiratório, Jogo de equilíbrios Os conceitos fundamentais da prática clínica de Cristina Sales A doença será provocada por alterações num ou em vários desses equilíbrios e, para os reparar, utilizatécnicas e fármacos da Medicina convencional e preventiva, mas também das chamadas terapêuticas complementares I A Medicina Funcionallntegrativa centra- -se no paciente, mais do que na doença 2 Reconhece ao doente a responsabilidade na manutenção e recuperação da saúde nas áreas que dependem do seu estilo de vida, como, por exemplo, a ligação mente-corpo, a nutrição, o ambiente Define oito equilíbrios funcionais, questionando, assim, que a cada doença corresponda apenas uma causa e um só tratamento ~ ~ ~ -I c.. 8 4J " ~ 8 N.~ vo~ •.. (\0 TR~\~~~'" ~t\)\C\\IIA PREVEN1'tv,;t ~ ~ ~ ~ ~ ~ <'~ ~J; Os o ;li me> ~? \~ ~\ ~~~ ~~~ ~ f: PV~1il '1'10PSICOLÓGICO e <"SPII/ ITuAL 98 VISÃO 8 DE ABRIL DE 2010 w O ~ ~: §s ;;~ ~fJ digestivo ...) e que são o maior problema da medicina actual», esclarece. Refere- -se a enxaquecas, artrites reumatóides cansaço crónico, síndrome de cólon irri- tável e a uma infinidade de maleitas ~ as quais as pessoas não encontram res- posta, depois de percorrerem a via-sacra dos especialistas. Mas a médica de família que, em abandonou o Serviço Nacional de Saúd para se dedicar ao seu consultório, que tem pontos em comum com Dr. Ho~- se. Também ela tenta ir mais além nos diagnósticos, investigando quase poli- cialmente as causas que estão na origerr: da doença - não é por acaso que a primei- ra consulta demora hora e meia e alguns dos exames que faz viajam para labora- tórios europeus e americanos. Vê, igual- mente, o doente como um todo, embora. ao contrário de Dr. House, tenha com paciente uma relação de proximidade. Em 1995, arrecadou, aliás, o Prémio Aze- vedos- Humanização da Medicina. O termo Medicina Funcional Integra- tiva, que Cristina Sales criou, resulta junção de dois conceitos nascidos nos EUA. A Medicina Funcional decreta que o clínico «não pode ficar satisfeito com a eliminação dos sintomas - precisa de investigar as várias causas que estão por trás de uma doença crónica». Já a Medi- cina Integrativa defende que se abra a prática convencional «a outras aborda- gens terapêuticas baseadas em evidên- cias científicas». Cristina Sales somo as duas e concretiza-as com uma equi formada por médicos, enfermeiros, nu- tricionistas, osteopatas, fisioterapeu- tas, dentistas e psicólogos. O caminho começou na faculda- de: «Percebi que havia muitos co- nhecimentos importantes que nos escapavam e não parei de procurá-los», lembra. Hoje uma das paredes do seu coa- sultório está preenchida os diplomas que tem vindo _ coleccionar em áreas tão 6, versas como Acupunctura, Toxicologia de Metais Pesa- dos, Nutrição, Autismo, SOD logia, Homeopatia ou Medi . Ortomolecular. O conceito (7"""; criou exige-lhe isso mesmo: fi saber e em áreas diferentes, mesz; que, depois, possa ser apenas a ahe::-- mestra - que encaminha para o membr certo da equipa; que manda fazer as

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A~nossatDra.HouseÀ imagem do médico da TV,recebe pacientes em

desespero de causa e tem fama de diagnosticar o queos outros não suspeitam. Eis Cristina Sales

POR JOANA FILLOL

Durante três horas, com evidenteentusiasmo, os estudantes ou-viram a médica Cristina Sales,de 53 anos, formada pela Uni-

versidade Clássica de Lisboa. Aquela ti-nha sido «uma aula tipo Dr. House» - co-mentava-se, no final. «Nos casos clínicosque apresentou, o diagnóstico mais óbvionão era overdadeiro», exemplificava ElisaSerôdio, estudante do 2.0 ano, a justificara comparação com o protagonista da sé-rie norte-americana de TV,que surpreen-de sempre com os diagnósticos certeirosque os colegas não são capazes de fazer.

Mas houve mais, a deixar a assistên-cia rendida, quando, há poucas semanas,Cristina Sales fez, no Instituto de Ciên-cias Médicas Abel Salazar, no Porto, aconvite do regente da cadeira de Fisio-logia Humana, uma comunicação sobrea Medicina vanguardista que exerce, aoaliar a prática convencional a terapêu-ticas complementares, como a Homeo-

patia ou a Acupunctura: «Mostrou-nos abase científica de terapias complemen-tares de que pouco falamos, ao longo docurso», destacou Elisa Serôdio, lembran-do, empolgada, o exemplo das criançasque apresentam otites permanentes:«No caso de terem nascido por cesaria-na, a causa podia ser o facto de não terempassado pelo canal de parto e de a cabeçater ficado com uma dinâmica alterada, oque a Osteopatia pode corrigir.»

'ABELHA MESTRA'Cristina Sales rebate a associação ao co-lega da ficção: «Os meus pacientes têmdoenças absolutamente comuns e nãoraras, como as da série.» De facto, a Me-dicina que pratica, no seu consultório,no Porto, ocupa-se de patologias cróni-cas - não terminais, mas recorrentes.«Trata-se das doenças dos países desen-volvidos, com várias causas, que envol-vem múltiplos sistemas (respiratório,

Jogo de equilíbriosOs conceitos fundamentais da prática clínica de Cristina Sales

A doença será provocada poralterações num ou em vários

desses equilíbrios e, para os reparar,utilizatécnicas e fármacos da Medicinaconvencional e preventiva, mas tambémdas chamadas terapêuticas complementares

IA Medicina Funcionallntegrativa centra--se no paciente, mais do que na doença

2Reconhece ao doente aresponsabilidade na manutenção

e recuperação da saúde nas áreasque dependem do seu estilode vida, como, por exemplo,a ligação mente-corpo,a nutrição, o ambiente

Define oito equilíbriosfuncionais, questionando,

assim, que a cada doençacorresponda apenas umacausa e um só tratamento

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digestivo ...) e que são o maior problemada medicina actual», esclarece. Refere--se a enxaquecas, artrites reumatóidescansaço crónico, síndrome de cólon irri-tável e a uma infinidade de maleitas ~as quais as pessoas não encontram res-posta, depois de percorrerem a via-sacrados especialistas.

Mas a médica de família que, emabandonou o Serviço Nacional de Saúdpara se dedicar ao seu consultório,que tem pontos em comum com Dr. Ho~-se. Também ela tenta ir mais além nosdiagnósticos, investigando quase poli-cialmente as causas que estão na origerr:da doença - não é por acaso que a primei-ra consulta demora hora e meia e algunsdos exames que faz viajam para labora-tórios europeus e americanos. Vê, igual-mente, o doente como um todo, embora.ao contrário de Dr. House, tenha compaciente uma relação de proximidade.Em 1995,arrecadou, aliás, o Prémio Aze-vedos- Humanização da Medicina.

O termo Medicina Funcional Integra-tiva, que Cristina Sales criou, resultajunção de dois conceitos nascidos nosEUA. A Medicina Funcional decreta queo clínico «não pode ficar satisfeito coma eliminação dos sintomas - precisa deinvestigar as várias causas que estão portrás de uma doença crónica». Já a Medi-cina Integrativa defende que se abra aprática convencional «a outras aborda-gens terapêuticas baseadas em evidên-cias científicas». Cristina Sales somoas duas e concretiza-as com uma equiformada por médicos, enfermeiros, nu-tricionistas, osteopatas, fisioterapeu-

tas, dentistas e psicólogos.O caminho começou na faculda-de: «Percebi que havia muitos co-

nhecimentos importantes quenos escapavam e não parei deprocurá-los», lembra. Hojeuma das paredes do seu coa-sultório está preenchidaos diplomas que tem vindo _coleccionar em áreas tão 6,versas como Acupunctura,Toxicologia de Metais Pesa-

dos, Nutrição, Autismo, SODlogia, Homeopatia ou Medi .

Ortomolecular. O conceito (7""";

criou exige-lhe isso mesmo: fi

saber e em áreas diferentes, mesz;que, depois, possa ser apenas a ahe::--mestra - que encaminha para o membrcerto da equipa; que manda fazer as

OUSADA «Quando há uma evidência científica inquestionável, não fico à espera, para a aplicar, que os cânones oficiais a reconheçam», diz a médica

lises que trarão as pistas decisivas. EmPortugal, é a única a pedir exames paraaveriguar a toxicidade de metais pesadose recorre com frequência aos testes deintolerância alimentar.

CIÊNCIA & TEIMOSIAO que faz, está Cristina Sales convicta,«é a base da medicina emergente do sé-culo XXI que, em breve, será vulgar». Osespecialistas serão sempre necessários,mas considera que «faltam médicos queintegrem o conhecimento das especia-lidades numa visão global do doente».E a classe já terá olhado com piores olhospara esta medicina. Prova disso, diz, éque muitos dos seus pacientes são ... mé-dicos. «Quando há falta de abertura, émais por desconhecimento de muitasdestas abordagens terapêuticas do quepor contestação», afirma. Lamenta que,contrariamente ao que acontece nas me-lhores faculdades norte-americanas, asevidências científicas dessas abordagensnão sejam transmitidas aos estudantesportugueses. Regra geral, alerta, «osnossos cursos de Medicina estão como

há 30 anos». À excepção das terapias on-cológicas e das tecnologias cirúrgicas deponta, Cristina Sales diz haver um inter-valo de tempo demasiado grande (cercade 20 anos) entre a descoberta cientí-fica e o seu reconhecimento por partedos cânones das faculdades de Medicina.«Quando há uma evidência científica in-questionável, não fico à espera desse re-conhecimento», explica a médica, paraquem é uma responsabilidade ir passan-do para a prática clínica o que a Ciênciavai descobrindo.

Cecília Viegas agradece-lhe a atitude.Atribui a Cristina Sales as melhoriascomportamentais que nota no filho au-tista, hoje com 9 anos. Amédica, explica,foi a primeira, entre vários a quem recor-

'Oscursosportuguesesde Medicina estãocomo há 30 anos'Cristina Sales

reu, a prescrever as análises aos metaistóxicos e às intolerâncias alimentares,sobre os quais Cecília já tinha lido mui-to em sites clínicos norte-americanos.«Quis saber as causas, em vez de camu-flar os sintomas», conta esta mãe, de 39anos. «Foi a única médica que não achouque eu era doida.» Cristina Sales não sóterminou com as diarreias da criança(que duravam desde sempre, sem quemédico algum lhe arranjasse solução),como identificou níveis de mercúriomuito acima do normal e várias into-lerâncias alimentares. Ao corrigi-los,conseguiu que o pequeno João voltassea dormir durante toda uma noite, dei-xasse de ter crises de choro, ouvisse ospais e recuperasse o contacto visual quetinha perdido há anos. Cecília só lamen-ta o preço das análises e das consultas,«caríssimas, porque não são comparti-cípadas», A médica, essa, quer provar aoEstado que a Medicina Integrativa vale apena: «Acaba por ficar barata, porque re-solve mais depressa os problemas. Seriauma belíssima opção para poupar recur-sos públicos.» m

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