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Methodenstreit – A interpretação de Louzek O debate entre Gustav von Schmoller e Carl Menger, conhecido por Methodenstreit, suscitou importantes questões a respeito da metodologia da ciência econômica. Schmoller vinha do movimento intelectual conhecido por historicismo alemão, com importante influência de Wilhelm Roscher (MILFORD, 1995). Em contraposição, Carl Menger era vinculado à Escola Austríaca e à revolução marginalista. Em uma boa síntese do debate, Louzek (2011) aponta para três discordâncias fundamentais entre os autores: i) o método indutivo-empírico/ dedutivo-abstrato; ii) as leis empíricas/leis exatas; iii) coletivismo metodológico/individualismo metodológico. A seguir, será feita uma discussão sobre essas três principais divergências contidas no Methodenstreit, seguida de uma sugestão de possíveis impactos no pensamento econômico no século XX. Carl Menger argumentava que a Economia é uma ciência teórica. Tal conclusão parte de uma separação que o economista faz entre as ciências históricas e teóricas. Para Menger, as ciências históricas se concentrariam em uma análise da especificidade e individualidade do fenômeno, enquanto as teóricas tratariam de se debruçar sobre uma análise geral, algo que se apresentasse sistematicamente em uma variedade de processos econômicos. (LOUZEK, 2011). Nesse sentido, Menger apresenta uma crença na capacidade da ciência econômica em estabelecer algumas leis gerais de uma economia nacional, a partir do estabelecimento de alguns

Tine Udin

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Methodenstreit A interpretao de LouzekO debate entre Gustav von Schmoller e Carl Menger, conhecido por Methodenstreit, suscitou importantes questes a respeito da metodologia da cincia econmica. Schmoller vinha do movimento intelectual conhecido por historicismo alemo, com importante influncia de Wilhelm Roscher (MILFORD, 1995). Em contraposio, Carl Menger era vinculado Escola Austraca e revoluo marginalista. Em uma boa sntese do debate, Louzek (2011) aponta para trs discordncias fundamentais entre os autores: i) o mtodo indutivo-emprico/ dedutivo-abstrato; ii) as leis empricas/leis exatas; iii) coletivismo metodolgico/individualismo metodolgico. A seguir, ser feita uma discusso sobre essas trs principais divergncias contidas no Methodenstreit, seguida de uma sugesto de possveis impactos no pensamento econmico no sculo XX.Carl Menger argumentava que a Economia uma cincia terica. Tal concluso parte de uma separao que o economista faz entre as cincias histricas e tericas. Para Menger, as cincias histricas se concentrariam em uma anlise da especificidade e individualidade do fenmeno, enquanto as tericas tratariam de se debruar sobre uma anlise geral, algo que se apresentasse sistematicamente em uma variedade de processos econmicos. (LOUZEK, 2011). Nesse sentido, Menger apresenta uma crena na capacidade da cincia econmica em estabelecer algumas leis gerais de uma economia nacional, a partir do estabelecimento de alguns pressupostos. Entre eles se destaca uma teoria do sujeito bem peculiar o homo economicus. Trata-se de interpretar a ao humana de acordo com a maximizao da utilidade e do bem-estar individual (nota-se a influncia do pensamento utilitarista, bastante corrente na poca). A posio crtica de Schmoller se refere descrena na abstrao e a deduo como mtodo autossuficiente. Para o economista alemo, a desvinculao entre os fatos reais e a teoria era prejudicial para a compreenso dos processos econmicos, dado que a economia s pode ser compreendida dentro de um determinado contexto histrico e, por isso, deve-se partir da empiria para se desenvolver uma anlise concreta dos fatos. (MAXIMO, 2010).A adoo do mtodo dedutivo-abstrato para anlise econmica resulta na produo de leis gerais, universais e eternamente vlidas sobre o funcionamento da economia. Como foi dito anteriormente, para sustentar essa hiptese parte-se de uma concepo nica do sujeito, centrado na maximizao da sua utilidade. Novamente em discordncia, Schmoller contesta a universalidade dessa racionalidade econmica, apontando para a necessidade de se interpretar essas leis, tidas como gerais, dentro do seu espao e tempo. (MAXIMO, 2010). Isso significa, pois, um rompimento com a concepo de homo economicus (substituda pela concepo de homo sociologicus, uma vez que, para o historicismo alemoHuman action is shaped by the institutional framework of the economy which consists of such ethical factors as customs, laws and morals. Granted this, economic life cannot be understood without a knowledge of the historical development of [these] three norms. MILONAKIS; FINE (2009, p.81) apud SHIONOYA (1995).Por fim, Menger e Schmoller divergiam em relao a relao entre indivduo e sociedade na anlise econmica. O economista austraco defendia uma anlise centrada no comportamento individual, compreendendo o comportamento institucional como um agregado de aes individuais. Essa interpretao conhecida por individualismo metodolgico. Em contraponto s teorizaes de Menger, Schmoller argumenta que a unidade de anlise da cincia econmica no deve ser o indivduo, mas a sociedade como um todo. Segundo Milonakis e Fine (2009), trata-se de uma compreenso orgnica do social, encarando-o como um organismo vivo com determinados fins comuns. Portanto, treating social entities in an organicist way means that these social wholes are in a state of perpetual change, continually growing and developing. So the notion of development is a necessary corollary of the treatment of society as a living organism. (MILONAKIS; FINE, 2009. p. 81)A herana do debateLouzek (2011) ressalta a presena dos dois mtodos (dedutivo-abstrato e indutivo-emprico) na produo cientfica em economia no sculo XX. Dois exemplos ilustram bem o argumento do autor. Primeiramente, a escola neoclssica fundamentada no pressusposto do homo economicus e tem como mtodo preponderante o dedutivo-abstrato, enquanto a conhecida de teoria da curva de Phillips fora concebida a partir da anlise de sries histricas de inflao e desemprego, logo, utiliza-se o mtodo indutivo-emprico. Porm, neste ensaio gostaramos de pontuar e explorar a ascenso do mtodo dedutivo-abstrato na cincia econmica no sculo XX, a partir do estabelecimento da teoria neoclssica como mainstream.

Como bem assinala Sen (1999), com a ascenso do marginalismo e, posteriormente, a economia neoclssica, a vinculao entre economia e tica foi progressivamente marginalizada em benefcio da economia positiva, ou seja, uma cincia econmica que procura se ausentar de juzos de valores para apresentar solues matemticas precisas para problemas concretos.A concepo de que a economia um mtodo positivo permitiu que a cincia econmica explorasse reas que eram de predominncia de outras cincias. Essa expanso do territrio da cincia econmica tem sido denominada imperialismo da economia (MAKI, 2008; HIRSHLEIFER, 1985; LAZEAR, 2000; STIGLER, 1984; HURTADO, 2008). Trata-se da insero da cincia econmica no estudo de objetos at ento pertencentes s outras cincias, como a demografia, a sociologia, antropologia, dentre outras. Maki (2008) alerta para uma importante diferenciao ao conceituar esse fenmeno expansionismo da economia diferente de imperialismo da economia. Uma expanso da economia pode no ser imperialista se os novos fenmenos a serem explicados no se localizarem na matriz explicativa de nenhuma outra disciplina/cincia. Logo, podemos concluir que todo ato imperialista da cincia econmica se caracteriza como expansionista, sendo a recproca falsa. Podemos citar alguns dos impactos dessa variao epistemolgica na cincia econmica. Essa expanso imperialista se difundiu abertamente entre os policy makers em vrios cantos do mundo. A reforma social chilena no governo Pinochet, coordenada pelos chicago boys um bom exemplo. O sistema educacional chileno fora transformado a partir de fundamentos puramente econmicos, como sustenta a teoria de Milton Friedman e seu propagado sistema de vouchers, visando liberdade de escolha no mercado educacional. (OLIVA, 2010).Por fim, possvel questionar quais efeitos de poder guardam relao com esse imperialismo da cincia econmica. Sobre a centralidade da racionalidade econmica nos processos sociais, Brckling[footnoteRef:1] (apud Simons, 2006) argumenta que o processo de economicizao do social deve ser entendido como um tribunal econmico permanente. No se trata de uma invaso da esfera econmica na esfera social, mas de uma tica econmica e utilitarista que permeia toda a ao humana, funcionando como um verdadeiro tribunal. Logo, a separao entre o social e o econmico torna-se obsoleta para anlise da contemporaneidade. [1: BRCKLING, U., KRASMANN, S. & LEMKE, T. (eds) Gouvernementalit der Gegenwart. Studien zur konomisierung des Sozialen (Frankfurt am Main, Suhrkamp), 2000.]