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Tio Sam pelo Tio Sam: a fronteira tecnológica conquistada [uma busca por simetrias históricas em prol das AMAZONIDADES] Antônio José Botelho Esta síntese-reflexão decorre da leitura do livro intitulado “Trajetórias Tecnológicas: a mudança tecnológica nos Estados Unidos da América no século XX”, de autoria de David C. Mowery e Nathan Rosenberg, publicado na cidade de Campinas, pela Editora Unicamp em 2005, como tomo da coleção Clássicos da Inovação. Tio Sam pelo Tio Sam porque se tratam de dois autores americanos, decanos da academia americana, dissertando sobre o progresso industrial e tecnológico da nação estadunidense. O subtítulo sinaliza que o poder da institucionalização da inovação oportunizou a hegemonia política para esse país, considerado o mais rico do planeta, detendo 29% do PIB do planeta terra [Banco Mundial, 2006: US$ 13 tri/US$ 48 tri]. A fronteira tecnológica é caracterizada pelo somatório dos conhecimentos de ponta disponíveis para aplicação econômica nos diversos setores que ofertam bens e serviços às demandas da sociedade através do mercado. No caso estadunidense, a liderança se deu nas indústrias automobilísticas [atualmente agonizando com a grave crise financeira internacional, mas que já estava abalada em função dos novos modelos de negócios dos japoneses e chineses], no campo dos produtos químicos, na geração e uso de energia elétrica [atualmente sob a ameaça de longo prazo com a liderança brasileira na energia renovável] e no domínio da eletrônica e da informática. Essa glória política, lastrada pela dimensão industrial e tecnológica, ocorreu durante o século XX, a partir das transformações econômicas promovidas pelas inovações radicais capitaneadas, sobretudo, pelos laboratórios de pesquisas industriais das e nas empresas americanas. Claro, não menosprezando os avanços da ciência norte- americana, que passou a ter como agenda os compromissos econômicos das firmas do Tio Sam. O qual o objetivo desta síntese-reflexão? É sinalizar que o início desse século XXI também traz em seu bojo um conjunto de oportunidades para o Brasil, especialmente, a partir da e para a Amazônia. A lógica está centrada na perspectiva já subliminarmente em construção de um novo marco civilizatório centrado no desenvolvimento sustentável. Os tijolos desse novo modo de pensar e agir se dará pela transformação de insumos e dos saberes da floresta [AMAZONIDADES] em produtos e serviços realizados no mercado por firmas criadas por capital de origem local-regional, argamassados sob a égide da tecnologia limpa [também de origem local-regional], dos investimentos verdes e do consumo inteligente. É o que sugere o subtítulo entre colchetes desta síntese-reflexão! Adotar-se-á como sistemática de análise [reflexão] a comparação registrada em forma de nota de roda pé de toda passagem da história do desenvolvimento industrial e tecnológico do Tio Sam que estabeleça confronto com a pertinente história do Brasil [por observação teórica e não por dado prático] e de Manaus, quando couber, além das considerações assentadas ao final dessa síntese-reflexão. A lógica é estabelecer contraditórios-criativos [entenda-se como pontos passíveis de se buscar simetrias históricas em prol das AMAZONIDADES a partir da fronteira tecnológica conquistada pelo Tio Sam] entre as duas histórias, tantas quantas possíveis frente à experiência deste autor de quase 25 anos de profissionalidade junto ao Projeto ZFM, tendo atuado entre 2002 e 2007 como professor da disciplina Política Industrial e Inovação Tecnológica do Instituto Superior de Ensino Fucapi [CESF]. Nas notas de roda pé estão lançadas sementes para a superação do estado de passividade do nosso modelo de desenvolvimento [amazônico, onde os insumos e saberes da floresta são adotados como almoxarifado global, ao invés de plataforma de endogenia], considerando a busca por um desenvolvimento industrial e tecnológico mínima e adequadamente autônomo. Ao se explicitar [síntese] a oportunidade histórica construída e aproveitada pelo Tio Sam durante o século XX, poder-se-á vislumbrar iguais condições [reflexão] para que a Amazônia adote estratégias visando sua autonomia [mínima e adequada] industrial e tecnológica no curso desse século XXI [ratificando]. A Institucionalização da Inovação na Terra do Tio Sam Mowery e Rosenberg introduzem a questão parafraseando Alfred North Whitehead, que em 1925, no livro Science and the Modern Word sentenciou: “A maior invenção do século XIX foi a invenção do método da invenção”. Portanto, estava aberta a conexão [que o Brasil tarda a confirmar] do conhecimento científico ao mundo dos artefatos ofertados à sociedade na forma de demanda do mercado. Em suma, o jogo jogado no sistema capitalista. É dele que sobrevive a humanidade; é nela que todos os países devem buscar, e buscam suas soluções de solvência política, econômica, tecnológica, cultural, enfim, em todas as dimensões da esfera humana.

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Tio Sam pelo Tio Sam: a fronteira tecnológica conquistada [uma busca por simetrias históricas em prol das AMAZONIDADES]

Antônio José Botelho

Esta síntese-reflexão decorre da leitura do livro intitulado “Trajetórias Tecnológicas: a mudança tecnológica nos Estados Unidos da América no século XX”, de autoria de David C. Mowery e Nathan Rosenberg, publicado na cidade de Campinas, pela Editora Unicamp em 2005, como tomo da coleção Clássicos da Inovação. Tio Sam pelo Tio Sam porque se tratam de dois autores americanos, decanos da academia americana, dissertando sobre o progresso industrial e tecnológico da nação estadunidense. O subtítulo sinaliza que o poder da institucionalização da inovação oportunizou a hegemonia política para esse país, considerado o mais rico do planeta, detendo 29% do PIB do planeta terra [Banco Mundial, 2006: US$ 13 tri/US$ 48 tri]. A fronteira tecnológica é caracterizada pelo somatório dos conhecimentos de ponta disponíveis para aplicação econômica nos diversos setores que ofertam bens e serviços às demandas da sociedade através do mercado. No caso estadunidense, a liderança se deu nas indústrias automobilísticas [atualmente agonizando com a grave crise financeira internacional, mas que já estava abalada em função dos novos modelos de negócios dos japoneses e chineses], no campo dos produtos químicos, na geração e uso de energia elétrica [atualmente sob a ameaça de longo prazo com a liderança brasileira na energia renovável] e no domínio da eletrônica e da informática. Essa glória política, lastrada pela dimensão industrial e tecnológica, ocorreu durante o século XX, a partir das transformações econômicas promovidas pelas inovações radicais capitaneadas, sobretudo, pelos laboratórios de pesquisas industriais das e nas empresas americanas. Claro, não menosprezando os avanços da ciência norte-americana, que passou a ter como agenda os compromissos econômicos das firmas do Tio Sam. O qual o objetivo desta síntese-reflexão? É sinalizar que o início desse século XXI também traz em seu bojo um conjunto de oportunidades para o Brasil, especialmente, a partir da e para a Amazônia. A lógica está centrada na perspectiva já subliminarmente em construção de um novo marco civilizatório centrado no desenvolvimento sustentável. Os tijolos desse novo modo de pensar e agir se dará pela transformação de insumos e dos saberes da floresta [AMAZONIDADES] em produtos e serviços realizados no mercado por firmas criadas por capital de origem local-regional, argamassados sob a égide da tecnologia limpa [também de origem local-regional], dos investimentos verdes e do consumo inteligente. É o que sugere o subtítulo entre colchetes desta síntese-reflexão! Adotar-se-á como sistemática de análise [reflexão] a comparação registrada em forma de nota de roda pé de toda passagem da história do desenvolvimento industrial e tecnológico do Tio Sam que estabeleça confronto com a pertinente história do Brasil [por observação teórica e não por dado prático] e de Manaus, quando couber, além das considerações assentadas ao final dessa síntese-reflexão. A lógica é estabelecer contraditórios-criativos [entenda-se como pontos passíveis de se buscar simetrias históricas em prol das AMAZONIDADES a partir da fronteira tecnológica conquistada pelo Tio Sam] entre as duas histórias, tantas quantas possíveis frente à experiência deste autor de quase 25 anos de profissionalidade junto ao Projeto ZFM, tendo atuado entre 2002 e 2007 como professor da disciplina Política Industrial e Inovação Tecnológica do Instituto Superior de Ensino Fucapi [CESF]. Nas notas de roda pé estão lançadas sementes para a superação do estado de passividade do nosso modelo de desenvolvimento [amazônico, onde os insumos e saberes da floresta são adotados como almoxarifado global, ao invés de plataforma de endogenia], considerando a busca por um desenvolvimento industrial e tecnológico mínima e adequadamente autônomo. Ao se explicitar [síntese] a oportunidade histórica construída e aproveitada pelo Tio Sam durante o século XX, poder-se-á vislumbrar iguais condições [reflexão] para que a Amazônia adote estratégias visando sua autonomia [mínima e adequada] industrial e tecnológica no curso desse século XXI [ratificando].

A Institucionalização da Inovação na Terra do Tio Sam Mowery e Rosenberg introduzem a questão parafraseando Alfred North Whitehead, que em 1925, no livro Science and the Modern Word sentenciou: “A maior invenção do século XIX foi a invenção do método da invenção”. Portanto, estava aberta a conexão [que o Brasil tarda a confirmar] do conhecimento científico ao mundo dos artefatos ofertados à sociedade na forma de demanda do mercado. Em suma, o jogo jogado no sistema capitalista. É dele que sobrevive a humanidade; é nela que todos os países devem buscar, e buscam suas soluções de solvência política, econômica, tecnológica, cultural, enfim, em todas as dimensões da esfera humana.

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Essa constatação trouxe a institucionalização da inovação. Primeiro porque o processo inventivo foi sistematizado, significando que a inovação ocorreu, e ocorre numa [sempre] crescente proximidade com a pesquisa organizada. Ressalte-se que essa pesquisa não estava mais, e, talvez para sempre, não está confinada ao âmbito da ciência, e muito menos à pesquisa científica de natureza fundamental. Segundo porque sua organização [do processo inventivo] se deu pela exigência de melhorias e refinamentos significativos dos produtos e serviços aos quais os avanços científicos estavam, e continuam a estar incorporados. Esse processo de aprendizado incremental, junto com o prolongado processo de adoção de novas tecnologias, especialmente as radicais, exige tempo considerável para os efeitos econômicos amadurecerem pela ação da [ampla] difusão tecnológica. Portanto, está claro, e Schumpeter demonstrou isso: quem [o país e seu somatório de empresas nacionais] sai na frente toma a liderança, construindo a fronteira tecnológica [protegida por patentes e oxigenada por royalties], cujos benefícios retroalimentam o desenvolvimento industrial e tecnológico. Mowery e Rosenberg informam que foi somente na metade do século XX que os economistas compreenderam plenamente a extensão do crescimento econômico decorrente do processo de mudança tecnológica. A primeira conexão entre mudança tecnológica e o crescimento econômico norte-americano experimentado no século XX, oportunizado pela construção de uma estrutura conceitual e uma metodologia para agregar as atividades que constituem a vida diária de uma economia [cálculo da renda e do produto nacional], foi a constatação de que 85% do crescimento medido do produto estadunidense resultou predominantemente da extração de mais produto de cada unidade de insumo na atividade econômica, ao invés do mero uso de mais insumo. Ou seja, a conquista da maior e melhor produtividade via inovações tecnológicas incrementais 1 [a famosa agregação de valor]. Há, contudo, outra conexão entre mudança tecnológica e o crescimento econômico dos EUA no século XX. É o fato de que a inovação tecnológica cria indústrias inteiramente novas, dedicadas à produção de novos bens. Essas novas indústrias têm tipicamente um crescimento rápido em suas fases iniciais. Como a taxa de crescimento de toda a economia é a soma das taxas de crescimento dos setores que a compõem, o crescimento econômico sustentado reflete um deslocamento contínuo do produto da economia e da sua composição setorial. Ou seja, em grandes linhas quanto maior for o número de desenvolvimento de inovações radicais [que se dão de tempos em tempos relativamente longos e estamos vivenciando uma grande transformação técnico-econômica que representa o fulcro de uma oportunidade para a Amazônia] maior será a geração de novas atividades econômicas, contribuindo para a expansão da renda e do produto. Tal expectativa não minimiza o impacto positivo das inovações tecnológicas nos setores tradicionais da economia. Muito ao contrário, e tudo se dá pelo fluxo intersetorial de novas tecnologias, propiciando um significativo crescimento de produtividade geral 2. Mowery e Rosenberg focaram três grupos de inovações radicais que dominaram a tecnologia norte-americana no século XX, usando seu desenvolvimento como base para um tratamento mais geral das características centrais das inovações incrementais dos EUA e de seus impactos econômicos. Esses três conjuntos foram os motores de combustão interna, a química, a eletricidade e a eletrônica 3. Esses três conjuntos têm uma série de características comuns. Eles são abrangentes, pois seus impactos econômicos têm sido mais amplos do que geralmente se pensa. E eles ostentam uma alta densidade de pesquisa, pesquisa no sentido amplo, portanto não confinada à pesquisa fundamental nas fronteiras da ciência, como já salientado. Trata-se de reconhecer que estão presentes todos os componentes empregados no conceito de P+D. E mais, as novas tecnologias de modo algum têm sido sempre dependentes de novos conhecimentos científicos. Isto é, a inovação foi sendo forjada durante o século XX a partir de conhecimentos tecnológicos já existentes, e até mesmo há casos em que algumas inovações tecnológicas apareceram antes das teorias científicas que explicaram seu desempenho ou seu desenho. Sem falar nos melhoramentos e refinamentos consideráveis das toscas versões iniciais dos produtos que incorporam os avanços tecnológicos, conforme já indicado 4. 1 Hoje essa perspectiva está ampliada na conquista de competitividade via inovações tecnológicas. 2 Mowery e Rosenberg informam que os fluxos internacionais de tecnologia também foram importantes para o crescimento econômico dos EUA, mas certamente isso foi possível por força da capacitação científica e tecnológica da academia e do setor produtivo nacionais. 3 Esta síntese-reprodução dará ênfase às inovações ocorridas na química, pela sua sinergia com a biodiversidade amazônica, e com a eletrônica, pela sua sinergia com o Pólo Industrial de Manaus – PIM. 4 Mowery e Rosenberg registram a importância que a estrutura geográfica e a dotação de recursos naturais tiveram no desenvolvimento dos EUA. Essa característica é fundamentalmente importante no caso da biodiversidade enquanto acaso amazônico para o desenvolvimento sustentável a partir da Amazônia, moldador de um novo marco civilizatório.

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Para tanto, já no final do século XIX, as empresas estadunidenses começavam a organizar sistemáticos programas internos de P+D. O aparecimento desses laboratórios de pesquisas industriais na economia do Tio Sam começaram ocorreu paralelamente ao crescimento de novas disciplinas de engenharia e ciências aplicadas nas universidades. Tudo convergiu para a notação de Schumpeter de que a própria inovação se tornou reduzida à rotina 5. A Rotinização da Inovação na Terra do Tio Sam pela Indústria, pela Academia e pelo Governo

Norte-Americano [1900-1995] 6 O desenvolvimento da pesquisa industrial organizada foi iniciado durante os anos 1870 por empresas da indústria química alemã. Contudo, empresas industriais de produtos químicos e de outros ramos dos EUA rapidamente emularam esse desenvolvimento e, já por volta dos anos 1920, as firmas norte-americanas tornaram-se coletivamente os principais empregadores industriais de cientistas e engenheiros 7. O emprego de cientistas e engenheiros em pesquisa na indústria estadunidenses cresceu de aproximadamente 3 mil em 1921 para quase 46 mil em 1946. Os principais empregadores de pesquisadores do pré-guerra continuaram figurando entre as indústrias com maior densidade de pesquisa durante boa parte do período pós-guerra, apesar do crescente financiamento federal para a pesquisa na indústria. As indústrias de produtos químicos, borracha, petróleo e maquinário elétrico eram responsáveis por mais de 53% do emprego na pesquisa industrial em 1940 e representavam 39,7% dos empregos em pesquisa da indústria norte-americana em 1995. O sistema de P+D americano [leia-se sistema nacional de inovação] que se originou no início do século XX sofreu profundas mudanças estruturais durante esse século. Essas mudanças tiveram dois amplos componentes. O primeiro foi a rápida exploração pelas firmas norte-americanas da “invenção da arte de inventar”, antes iniciada na Alemanha. O segundo componente relacionado com a evolução do sistema de P+D foi o constante deslocamento dos papéis da indústria, do governo e das universidades como financiadoras e realizadoras das pesquisas [leia-se hélice tríplice]. Mowery e Rosenberg asseguram que, num sentido bem realista, o Tio Sam desenvolveu no pós-guerra um sistema de P+D que era único em nível internacional. Os laboratórios de P+D empresarial trouxeram grande parte do processo de desenvolver e melhorar a tecnologia industrial dos EUA, reduzindo a importância dos inventores independentes na geração de patentes. Complementarmente, o crescimento da P+D industrial e acadêmico estadunidense foi influenciado por avanços na física e na química, que criaram um considerável potencial para a aplicação lucrativa de conhecimentos científicos e tecnológicos. Por outro lado, as seções internas de pesquisa das grandes empresas norte-americanas não se preocupavam exclusivamente com a criação

5 Antes de explicitar a institucionalização da inovação, Mowery e Rosenberg salientam a relação sinérgica entre receitas [além da produtividade discutida] e mudança tecnológica por constituir uma via de duas mãos. A relação positiva se estabelece quando tão logo a renda de uma sociedade aumenta a composição de suas demandas muda e, junto com essas mudanças da demanda, a lucratividade das invenções em diferentes setores da economia também. De fato, a mudança tecnológica no século XX produziu uma ampla oferta de novos produtos e serviços e de novos processos de produção, gerando um círculo virtuoso de desenvolvimento econômico. É essa oportunidade que as AMAZONIDADES poderão oferecer para o desenvolvimento econômico da Amazônia na lógica do desenvolvimento sustentável. Esta síntese-reflexão, claro seguindo a estrutura do livro de Mowery e Rosenberg abordará somente o lado da oferta, mas desde já se registre que a inadequada distribuição de renda no Brasil foi um dos gargalos para o seu crescimento sustentado e que, portanto, quanto a Amazônia, além da acumulação primitiva de capital, deve haver acumulação de renda para a expansão da demanda. Lembremo-nos que as condições de demanda são um dos determinantes do diamante de Porter junto ao conceito de cluster. 6 Observar a defasagem do Brasil em relação a esse processo na medida em que nossa Política de Inovação é posta em marcha no final dos anos 1900, com a adoção da letra I na sigla C&T&I, e ganha curso efetivo com a edição da Lei de Inovação em 2005. 7 Ainda hoje no Brasil, 100 anos depois desse paradigma, a maioria de nossos cientistas [mestres e doutores] está a serviço do governo, desfrutando de status equivocado ao ocuparem cargos públicos. Três possibilidades para essa disfunção: a primeira decorre da tardialidade de nossa industrialização, estruturada na atração de investimentos; a segunda que historicamente nossa política científico-tecnológica pendeu mais para o cientificismo puro; a terceira [a mais grave] porque tal titulação em grande parte cobre o vazio da perda dos títulos de nobreza [visconde; marques] que sucumbiram com a emergência da República [não à toa que qualquer ocupante de cargo de confiança recebe gratuita e graciosamente o tratamento de Doutor]. Mas temos chance [aqui na Amazônia], pois a Política de Inovação começa a oferecer oportunidades para o desenvolvimento econômico brasileiro, exatamente na oportunidade histórica da AMAZONIDADES.

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de novas tecnologias. Elas também passaram a monitorar desenvolvimentos tecnológicos fora da firma e a aconselhar seus administradores na aquisição de tecnologias desenvolvidas externamente. 8 9 As atividades de pesquisa foram reconhecidas como profissões importantes tanto na indústria dos EUA como no ensino superior apenas ao final do século XIX, e a pesquisa em ambos foi influenciada pelo exemplo [e, no caso da indústria norte-americana, pela pressão competitiva] da indústria e da academia alemãs. A dependência de muitas universidades dos EUA em relação aos financiamentos do Estado, a modesta dimensão desse financiamento e a rápida expansão de suas atividades de treinamento contribuíram para o crescimento dos vínculos formais e informais entre a pesquisa industrial e a universitária. Esses vínculos entre pesquisa acadêmica e a industrial foram poderosamente influenciados pela estrutura e financiamento descentralizados do ensino superior nos EUA, especialmente das instituições públicas dentro do sistema. O proeminente papel dos governos estaduais no financiamento do sistema de ensino superior dos EUA no pré-guerra levou as universidades públicas a procurar oferecer benefícios econômicos às suas regiões através de vínculos formais e informais com o setor industrial. O treinamento de cientistas e engenheiros pelas universidades públicas para empregos em pesquisa industrial também uniu as universidades à indústria durante no período 1900-1940. Os doutores treinados em universidades públicas tiveram uma participação importante na expansão do emprego na pesquisa industrial durante esse período. Os gastos federais em P+D durante os anos 1930 representaram de 12% a 20% dos gastos totais dos EUA em pesquisa. A indústria arcou com quase dois terços do valor total. O restante veio das universidades, dos governos estaduais, de fundações privadas e de institutos de pesquisa. Em 1940, último ano a não ser dominado pelos grandes gastos associados à mobilização do período da Guerra, as despesas federias totais em pesquisa, desenvolvimento e infra-estrutura de P+D chegaram a US$ 74,1 milhões. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941 transformaram abruptamente o bucólico cenário dos gastos federais em P+D sinalizado acima. O total de gastos federais em P+D [em dólares de 1930] subiu de US$ 83,2 milhões em 1940 para um pico de US$ 1.313,6 milhões em 1945. Durante o mesmo período, os gastos com pesquisa do Departamento de Defesa subiram de US$ 29,6 milhões para US$ 423.6 milhões [em dólares de 1930]. O sucesso e a estrutura organizacional do maciço programa federal de P+D durante a Guerra deixaram diversos legados importantes. O término bem-sucedido do Projeto Manhattan deu origem a um complexo de pesquisa e de produção de armas que introduziu a era da verdadeira big science. Muito menor em termos financeiros, mas relevante como inovação institucional foi o Office of Scientific Research and Development – OSDR [Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico], uma agência civil que passou a firmar contratos de pesquisa com empresas privadas e universidades. Alguns dos grandes programas de P+D que foram montados por exigências da Guerra geraram, no entanto, enormes benefícios sociais nos anos pós-guerra. Um “drástico” programa da 8 Mowery e Rosenberg desenvolvem longos argumentos para a Política Antitruste do Tio Sam no contexto das origens da pesquisa industrial, no sentido de demonstrar que a mudança estrutural em muitas grandes empresas industriais norte-americanas que fomentaram investimentos em P+D foi influenciada por essa política. A oposição do Departamento de Justiça dos EUA às fusões horizontais levou as grandes empresas norte-americanas a procurar formas alternativas de crescimento corporativo. Por outro lado, as ameaças de uma ação antitruste resultantes de sua dominância em um único setor levaram-nas a diversificar suas atividades para outras áreas. A P+D interna contribui para essa diversificação, dando suporte à comercialização de novas tecnologias que foram desenvolvidas internamente ou compradas de fontes externas. Portanto, a ameaça por processos antitrustes levou as empresas estadunidenses a perceberem que a pesquisa industrial como meio de apoiar a diversificação e por conseqüência o crescimento corporativo. Não abordaremos essa questão nessa síntese-reflexão, mas registramos que tal como a Política de Inovação, essa política também está sendo realizada no Brasil com um atraso de quase 100 anos. 9 Mowery e Rosenberg também argumentaram que mudanças na estrutura do sistema de propriedade intelectual dos EUA no início do século XX intensificaram os incentivos às empresas tanto para internalizar a pesquisa industrial como para investir em tecnologias de fontes externas. De igual forma, que direitos mais fortes de propriedade intelectual e mais consistentes também melhoraram o funcionamento do mercado de propriedade intelectual, facilitando o uso de instalações de pesquisa internas às empresas para adquirir novas tecnologias. Da mesma forma que a questão da Política Antitruste registrada na nota de roda pé acima, não abordaremos essa questão nessa síntese-reflexão, cuja abordagem privilegiará a lógica conceitual dos sistemas de inovação, da hélice tríplice na formação das trajetórias de inovação que promovem mudanças tecnológicas.

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época gerou a penicilina, talvez a maior descoberta médica do século XX, amplamente disponível para o tratamento de moléstias infecciosas. Outro programa de grande escala, que será mais bem explorado no caso de sucesso dos produtos químicos, fez que a borracha sintética de baixo custo se tornasse amplamente disponível e teve efeitos duradouros nas indústrias químicas e petroquímicas nos EUA 10. E as pesquisas da época em microeletrônica, dirigida a objetivos militares como as melhorias de sistemas de radares deixaram um rico legado de capacidades tecnológicas ampliadas para o mundo pós-guerra. O contraste entre a organização da P+D durante os períodos da Primeira e da Segunda Guerra Mundial reflete as capacidades de pesquisa mais avançadas das universidades e do setor privado durante o segundo conflito. Os arranjos contratuais desenvolvidos pelo OSDR durante a Segunda Guerra permitiram o aproveitamento de um amplo conjunto de capacidades de P+D acadêmicas e industriais instaladas no período entre as duas Guerras. O êxito desses arranjos contratuais com o setor privado durante a Guerra contribuiu, no pós-guerra, para o crescimento de um sistema de P+D que dependia fortemente do financiamento federal para pesquisa e desenvolvimento extramuros. Em 1940, o grosso dos recursos da P+D federal destinara-se a apoiar pesquisas realizadas no setor público, por funcionários públicos federais. No período pós-guerra, pelo contrário, a maioria dos fundos de P+D federais apoiaram a realização de pesquisa por parte de organizações não-governamentais. Além disso, o dramático crescimento do financiamento federal para pesquisa nas universidades contribuiu para a criação de um enorme complexo de pesquisa básica. Junto com os contratos federais de compras, o financiamento federal para P+D na indústria teve profundas conseqüências para o surgimento de uma série de novas industriais de alta tecnologia no pós-guerra 11. As duas características marcantes no dispêndio em P+D do pós-guerra são a magnitude do investimento nacional [Tio Sam] total e o tamanho do orçamento federal para P+D. Durante o período de 1940-1995, os gastos federais em P+D representaram grande fração do amplo investimento nacional em P+D. O volume total dos recursos destinados à P+D desde o fim da Segunda Guerra Mundial não somente tem sido grande quando comparado à história prévia do EUA, mas também em comparação como o de outros países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE]. Com efeito, ainda em 1969, quando as despesas em P+D combinadas das maiores economias estrangeiras [Alemanha Ocidental + França + Reino Unido + Japão] eram de US$ 11,3 bilhões, as despesas dos EUA alcançavam US$ 25,6 bilhões. Foi somente no final dos anos 1970 que a soma daqueles quatro países passou a exceder o total dos Estados Unidos. No âmbito do sistema de P+D do pós-guerra, os gastos federais financiaram algo entre a metade e dois terços do total da P+D, cuja maior parcela foi realizada por empresas industriais privadas 12. Em 1995, a indústria foi responsável por 71% do total nacional de P+D; pouco mais de 36% da P+D financiada pelo governo federal foi realizada pela indústria privada. Somente 27% da P+D financiada pelo governo federal foi realizada em laboratórios de âmbito federal, embora fontes federais tivessem financiado mais que 35% de todas as P+D dos EUA em 1995 13. 14

10 Esse avanço tecnológico deve ser adotado como emblemático para a biodiversidade amazônica, pois a lógica industrial capitalista busca apropriação do princípio ativo dos insumos da floresta nos laboratórios de P+D para transformá-los em produtos com produção em escala econômica viável, portanto, com redução de custos substantivos frente à lógica extrativista. 11 Na Amazônia, temos que conduzir o desenvolvimento industrial e tecnológico como se em guerra estivéssemos. Não há tempo a perder para a construção secular de AMAZONIDADES. As mudanças climáticas são o inimigo; a lógica do desenvolvimento sustentável é a nossa bomba atômica; as AMAZONIDADES são o nosso reator, incluindo nesse contexto a liderança brasileira em energia renovável. Para demonstrar maior similitude estamos experimentando a maior crise econômica após a Grande Depressão dos anos 1930 [ambas em início de século com transformações radicais em níveis industriais e tecnológicos]. 12 Este sintetizador-pensador percebe que essa possibilidade, isto é, financiamento de pesquisa industrial com dinheiro público, somente se tornou factível de ser realizada no Brasil com a Lei de Inovação, via subvenção econômica, representando uma quebra de paradigma. Um grande obstáculo, inclusive formador da mentalidade empresarial, foi o modelo de substituição de importações via a simples atração de investimentos com seus respectivos pacotes tecnológicos atrelados. No seu primeiro desdobramento optou-se pela aquisição de tecnologia por firmas nacionais, pelas facilidades de repasse dos custos ao mercado protegido. Somente hoje é que se está construindo as bases de competição imanente ao sistema capitalista, com a abertura da economia efetivada e a busca da competitividade via inovações tecnológicas. 13 Mais uma vez percebe-se uma assimetria do desenvolvimento tecnológico brasileiro. Já é fato sabido e divulgado que a indústria “nacional” [entre aspas porque a de maior importância em termos tecnológicos, de faturamento e exportação – pelo menos no PIM - constituída em grande parte de capital forâneo] apresenta uma percentagem invertida, cabendo à infra-estrutura de C&T&I pública a maior parcela de realização de P+D com maior parcela de financiamento público. Mais uma vez a Lei de Inovação se apresenta como uma grande esperança de canalizar recursos e iniciativas para que a inovação

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Os serviços militares têm dominado o orçamento federal estadunidense de P+D. Até 1960, a P+D vinculada à defesa representou algo em torno de 80% dos fundos federais aplicados. Entre 1960 e 1980, houve uma distribuição mais ou menos equitativa em torno de 50% dos recursos entre despesas para defesa e não-defesa. A partir de 1980, os gastos de P+D com defesa voltaram a predominar atingindo um ponto máximo em 1990 em torno dos 70%, quando voltam a declinar com tendência para o equilíbrio em torno dos 50%. Em algumas tecnologias-chave, como dos semicondutores e computadores, os investimentos em P+D relacionados à defesa geraram importantes transferências tecnológicas das aplicações militares para aplicações civis durante os anos 1950. Freqüentemente, as exigências comerciais e militares de desempenho, custo, robustez e outras características são muito parecidas entre si no desenvolvimento inicial de uma nova tecnologia. Essa ampla similitude de requisitos parece ter estado associada a significativas transferências de tecnologia microeletrônica no início dos 1960, quando as demandas dos mercados comercial e militar por miniaturização, baixo calor na operação e robustez não divergiram muito drasticamente. A semelhança entre os requerimentos comerciais e militares em microeletrônica declinou, entretanto, e a demanda militar é atualmente responsável por uma parcela muito menor da produção total de semicondutores nos EUA. Com o passar do tempo, apesar do fato de em 1950 mais de 90% dos gastos federais em P+D eram controlados pelo Departamento de Defesa e pela Agência de Energia Atômica, o tamanho e até a direção da transferência dessas tecnologias sofreram mudanças. A base desse novo elemento na estrutura do sistema de pesquisa dos EUA no pós-guerra foi a expansão da pesquisa financiada publicamente nas universidades norte-americanas. Qualquer que seja o critério de avaliação, a pesquisa acadêmica cresceu drasticamente. A partir de um nível estimando em aproximadamente US$ 500 milhões em 1935-36, a pesquisa universitária aumentou para mais de US$ 2,4 bilhões em 1960 e para US$ 16,8 bilhões em 1995, em valores de 1987. O aumento no apoio federal à pesquisa universitária transformou as principais universidades estadunidenses em centros mundiais para a realização de pesquisa científica, um papel que difere significativamente do papel da Academia dos EUA nos anos de pré-guerra. O governo federal não se limitou a expandir a demanda por pesquisa universitária 15. As ações federais no lado da oferta aumentaram o estoque de pessoal científico e apoiaram a aquisição de equipamentos materiais e de instalações essenciais para a realização de pesquisas de alta qualidade. Após a Segunda Guerra Mundial, os programas federais também aumentaram o apoio financeiro para estudantes do ensino superior 16.

se realize no chão de fábrica das empresas nacionais. A esperança maior, todavia, é que essa sinergia ocorra frente à lógica das AMAZONIDADES. Observar a ressalva ao conceito de empresa nacional, emendado à Constituição Federal de 1988, feita por este autor na reflexão “Ameaças e Oportunidades do Processo de Inovação”, disponível no site www.argo.com.br/antoniojosebotelho . 14 Mowery e Rosenberg registraram a importância da pesquisa básica como fonte fundamental de crescimento econômico, a qual deve ser ativamente financiada pelo Estado em todas as áreas, tanto da defesa como de não-defesa, incluindo saúde. Para tanto, citam o famoso relatório de 1945 sobre a política científica federal estadunidense do pós-guerra: Science: The Endless Frontier. A argumentação principal é a favor da direção da pesquisa básica militar realizada por civis, refletindo as experiências da época da Guerra. Na oportunidade foi defendida a criação de uma agência federal única encarregada de focar o seu apoio financeiro a pesquisas extramuros, principalmente em universidades da nação do Tio Sam. Porém, em lugar de uma única agência civil coordenando toda a política científica e os financiamentos federais, várias agências específicas, incluindo as militares e os Institutos Nacionais de Saúde, assumiram papéis importantes no apoio à pesquisa básica e aplicada. Na realidade, houve um ajustamento, já que no fim do ano fiscal de 1950, mais de 90% dos gastos federais em P+D eram controlados pelo Departamento de Defesa e pela Agência de Energia Atômica. 15 No Brasil, ao contrário, é rarefeita a demanda por soluções tecnológicas, pelos mesmos motivos levantados nas notas de roda pé nos 12 e 13. Tal demarcação histórica levou ao ditado popular que diz que no Brasil, os resultados da pesquisa universitária não chegam à sociedade via negócios, isto é, o conhecimento gerado não é novamente transformado em dinheiro. Ao contrário, ficam confinados nas bibliotecas e arquivos acadêmicos. Adicionalmente, pode-se argumentar o não-cruzamento das Políticas Industriais e Tecnológicas ao longo do processo tardio de industrialização brasileiro, isto é, muito pouco ou nada da industrialização servia como demanda às possibilidades de oferta tecnológicas que poderiam ser geradas nas pesquisas universitárias. Há exceções honrosas, como a experiência da Petrobrás e da Embraer. Mas é muito pouco para um processo de autonomia mínima e adequadamente de um desenvolvimento industrial e tecnológico. Se isso é verdadeiro para o centro dinâmico brasileiro, o que não se poderá dizer quanto a Amazônia. Percebem-se sinais de mudança, mas os passos devem ser acelerados. 16 No Brasil tivemos a experiência exitosa, mas não libertadora, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes. Uma fomentando a pesquisa e instalando infra-estrutura; a outra financiando a formação. Instituições importantes brasileiras foram criadas na metade do século XX, que contribuíram para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nacional, tais como o Instituto

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Ao fornecer simultaneamente fundos para o ensino universitário e para o apoio à pesquisa acadêmica, o governo federal fortaleceu o compromisso das universidades com a pesquisa e reforçou os vínculos entre a pesquisa e o ensino. A combinação de pesquisa e ensino nas universidades tornou-se mais aprofundada nos Estados Unidos do que me qualquer outro lugar 17. Ademais, desde o início dos anos 1980, o papel central do governo federal no apoio à pesquisa acadêmica tem sido suplementado pelo crescente financiamento vindo das firmas, com ligações entre universidades e o setor produtivo. Apesar dos altos e baixos, já em 1992, o apoio industrial para pesquisas acadêmicas tem sido responsável por aproximadamente 7% dos gastos pertinentes. Outras importantes instituições acadêmicas foram fontes de inovações enormemente significativas durante o período do pós-guerra: os centros médicos universitários, combinando a pesquisa científica com a prática clínica, foram capazes de conectar a ciência e a inovação num grau notável por parte dos médicos no desenvolvimento de novos dispositivos e procedimentos, facilitando os testes clínicos de novos fármacos, e contribuindo poderosamente para inovações tanto em dispositivos médicos quanto em produtos farmacêuticos 18. Portanto, as empresas privadas continuaram a dominar a P+D dos EUA durante o pós-guerra, mediante deslocamentos das fontes de seu financiamento ao desenvolvimento tecnológico. Em 1993, realizando 68% do total da P+D do Tio Sam, a indústria foi responsável por mais de 50% dos investimentos para o desenvolvimento tecnológico estadunidense. Sua primazia como órgão executivo de P+D significou, ademais, um crescimento contínuo dos empregos em pesquisa industrial, de menos de 50 mil em 1946, conforme já registrado, para aproximadamente 300 mil cientistas e engenheiros em 1962; 376 mil em 1970; e quase 800 mil em 1996 19.

Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica – ITA, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, dentre outros, além das universidades federais e estaduais. O ITA representou forte vínculo com o desenvolvimento da indústria aeronáutica: caso-ícone Embraer. A EMBRAPA é em grande parte responsável pelo sucesso do agro-business brasileiro. O INPA ainda deve soluções solventes de mercado. Este é o foco: gerar conhecimento para gerar negócios. Essa é a perspectiva das AMAZONIDADES. 17 No Brasil essa sinergia foi frágil durante o século XX, mais uma vez por força dos argumentos contidas nas notas de roda pé nos 12 e 13. Isso sem falar na tal da indexação à academia global, que induz o pesquisador dos países emergentes a publicar antes dos experimentos em seus laboratórios nacionais, favorecendo a massa crítica dos países que conquistaram a fronteira tecnológica se anteciparem nas pesquisas de novas idéias. Essa condicionante perversa, porque formalmente estabelecida no Brasil como indicador de produtividade, que confere status ao acadêmico brasileiro, fica exponenciada com a falta de condições de trabalho para os cientistas nacional, e como já dito, com a ausência da cultura do chão de fábrica pela busca de inovações tecnológicas. Podemos listar dois grandes indicadores de observações diretas da balança comercial brasileira que tangenciam negativamente os dois casos de sucessos estadunidense que serão sintetizados a diante e que trazem interesse para o PIM e para as AMAZONIDADES: i) o déficit comercial brasileiro de semicondutores; e, ii) e a não-existência de produtos da biodiversidade como líderes de exportação brasileira. 18 Guardadas as devidas reservas por força do método de observação direta, portanto não empírica, podemos dizer que o processo de desenvolvimento industrial e tecnológico vinculado à saúde teve a mesma simetria de dependência da forma histórica de como se desenvolveu a indústria brasileira em geral, isto é, mediante importação de equipamentos e procedimentos desenvolvidos alhures, onde a prática médica mais que apreendia e aplicava as tecnologias adquiridas do que as desenvolvia. Essa deficiência, claro, foi prejudicial para o desenvolvimento da biodiversidade em termos farmacológicos. Por outro lado é evidente que o Brasil desenvolveu e criou alguns métodos e procedimentos médico-hospitalares, mas a regra é que os equipamentos disponíveis nos vários setores da saúde são de origem estrangeira. Esta é uma observação direta deste autor quando precisa tirar alguma ressonância magnética ou realizar algum exame ocular, sem falar nas drogas, todas desenvolvidas por laboratórios forâneos, muitas vezes com princípios ativos da biodiversidade brasileira e com sinalizações dos saberes tradicionais. 19 Mowery e Rosenberg asseguram que, apesar da Política Antitruste ter permanecido como influência importante na pesquisa e inovação industrial estadunidense, a natureza de sua influência foi refinada, reforçada. Essa política revisada tornou mais difícil para as grandes empresas dos EUA a aquisição de empresas com tecnologias ou atividades correlatas, levando-as a empenhar-se mais firmemente no desenvolvimento de fontes intrafirmas para as suas novas tecnologias. Como resultado, as descobertas e o desenvolvimento internos de novos produtos tornaram-se uma necessidade fundamental, determinando a expansão de P+D da empresa estadunidense no pós-guerra, em contraste complementar com a estratégia mais simplória das firmas em P+D anterior à Segunda Guerra Mundial. Lembremo-nos que tanto o desenvolvimento de fornecedores com tecnologias afins quanto o desenvolvimento de tecnologias correlatadas simbolizam um dos determinantes do diamante de Porter vinculado ao conceito de cluster.

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Ao mesmo tempo em que empresas estabelecidas estavam mudando estratégias de P+D que muitas delas vinham empregando desde o início do século XX [ou por força do refinamento da Política Antitruste – vide notas de roda pé nos 8 e 19 ou por força do crescimento corporativo via aquisições de empresas de ramos não-relacionados, criando conglomerados com poucas ou até sem conexões tecnológicas de produtos e processos, e neste caso, enfraquecendo tanto o entendimento quanto o comprometimento em relação ao desenvolvimento tecnológico, porque corroendo a qualidade e a consistência de suas tomadas de decisão relativas à tecnologia], novas firmas começaram a ter um papel importante no desenvolvimento das novas tecnologias geradas pelo sistema de P+D do Tio Sam do pós-guerra. A proeminência das pequenas empresas na comercialização de novas tecnologias em eletrônica nos Estados Unidos do pós-guerra contrastava com seu papel mais modesto nesse setor durante o período de entre-guerras. Em indústrias que efetivamente não existiam antes de 1940 20, tal como as de computadores e de biotecnologia, as maiores inovações foram comercializadas basicamente através das iniciativas de novas e pequenas firmas. Não obstante, as significativas contribuições feitas por grandes empresas no campo dos semicondutores não terem sido compatíveis como seu papel na comercialização dessas tecnologias, na biotecnologia, as pequenas empresas desempenharam um papel na comercialização dessas [novas] tecnologias e na comercialização de seus conteúdos. Até porque, tanto no caso dos semicondutores como no dos computadores, novas pequenas firmas cresceram rapidamente até atingirem posições de tamanho considerável com amplas fatias de mercado. Diversos fatores têm contribuído para esse papel proeminente das empresas novas e pequenas no sistema de inovação do pós-guerra. Os grandes estabelecimentos de pesquisa existentes em universidades, no governo e em diversas empresas privadas serviram de “incubadoras” para o desenvolvimento de inovações que “saíram pela porta” com os indivíduos que criaram suas firmas para comercializá-las 21. Esse padrão foi particularmente significativo nas indústrias de biotecnologia, de microeletrônica e de computadores 22. De fato, os altos índices de mobilidade funcional dentro das aglomerações regionais de empresas de alta tecnologia serviram tanto como um importante canal de difusão da tecnologia quanto como imã para outras empresas com tecnologias afins. A proteção formal da propriedade intelectual teve efeitos complexos no crescimento pós-guerra de novas empresas na várias industriais de alta tecnologia dos EUA. Em diversas dessas indústrias, uma proteção formal relativamente fraca auxiliou o crescimento precoce dessas novas firmas. Em outras, a comercialização de inovações foi auxiliada pelo regime de propriedade intelectual permissivo, que facilitou a difusão de tecnologia e eximiu as novas empresas de encargo de litígios relativos a invenções que se originaram parcialmente empresas estabelecidas. Em casos específicos, sentenças judiciais vinculadas à Política Antitruste reduziram as barreiras à entrada de novas firmas embrionárias 23.

20 Esse é outro viés positivo vinculado à lógica da sustentabilidade que exigirá investimentos verdes, tecnologias limpas e consumo inteligente [AMAZONIDADES], pois tudo o que acontecerá de diferente no século XXI, em termos de firmas, produtos e processos, portanto em termos de uma nova economia, ainda está por ser criado. Portanto, esse início de século, respeitada uma postura agressiva imanente à perspectiva capitalista, reserva a oportunidade histórica para o desenvolvimento em si e para si da Amazônia. 21 Start-up´s; spin-off´s; empresas de base tecnológica – EBT´s. 22 Não há maior e melhor oportunidade para o PIM e para as AMAZONIDADES do que essa perspectiva histórica de aprendizado que a fronteira tecnológica conquistada pelo Tio Sam oferece, claro, transformada em negócios. Ou seja, ambientes acadêmicos e produtivos servindo de plataforma tecnológica para a emergência de star-up’s e spin-off’s, enfim para EBT’s. 23 É bom que se registre que essas possibilidades são oferecidas dentro do território norte-americano, entre firmas de capital estadunidense. Não é o que acontece mundo afora, na medida em que “através dos direitos da propriedade intelectual, o primado da origem é mais ou menos sub-repticiamente evocado e traduzido para garantir o primado do centro sobre a periferia, do primeiro mundo sobre o terceiro, do colonizador sobre o colonizado” [p.147]. Ivan da Costa Marques, autor dessa frase, contida na introdução da reflexão “Novos espaços de possibilidade para a inovação tecnológica em condições de desigualdade global”, parte do segundo tomo de subtítulo “instituições, políticas e sociedade”, do livro intitulado “Brasil em desenvolvimento” [RJ: Civilização Brasileira, 2005], expõe o que denominou “O caso UNITRON” [p. 149/159] para demonstrar a fragilidade do país acometido da dependência tecnológica enquanto condição inseparável do seu desenvolvimento, que reproduzo trechos: “Durante a década de 70 [do século XX], em meio ao autoritarismo militar, o Brasil institucionalizou uma política especial para a indústria de minicomputadores. Depois, durante a década de 80, a ditadura carreou muito dos procedimentos adotados para a indústria dos minicomputadores para a regulamentação da indústria de microcomputadores. As empresas que quisessem fabricar microcomputadores eram obrigadas a apresentar seus projetos de desenvolvimento [local], cronogramas e orçamentos ao governo, e tê-los aprovados antes de iniciar suas operações ... Há duas maneiras de se produzirem clones. A primeira, simplesmente copiando o modelo original; a segunda, através da engenharia reversa. Por meio desta, é possível duplicar a funcionalidade de um sistema de computador sem propriamente copiá-lo ... a UNITRON era uma empresa com sede em São Paulo que em novembro de 1985 apresentou à

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O ingresso e a expansão de novas empresas de alta tecnologia foram beneficiados por outra política federal do pós-guerra, as compras militares. A política de aquisições militares contribuiu para o crescimento de um considerável número de novas empresas de microeletrônica e contribuiu também para os altos índices de transferência de tecnologia entre firmas, que fluíam para os produtos civis. A fundação e a sobrevivência de novas e vigorosas empresas também dependeram de um sofisticado sistema financeiro privado que apoio as novas empresas durante a sua infância. O mercado de capital de risco desempenhou um papel especialmente importante na implantação de muitas empresas de microeletrônica durante as décadas de 1950 e 1960, contribuindo para o crescimento das indústrias de biotecnologia e de computadores 24.

Casos de Sucesso 25

SEI [Secretaria Especial da Informática] um projeto para a produção de um clone da Macintosh que afirmava ter desenvolvido. Em 1987, a SEI comissionou duas universidades para que preparassem relatórios técnicos independentes. Ambas concluíram que a UNITRON havia realizado engenharia reversa e que não havia na verdade copiado os circuitos e os programas da Apple ... A primeira versão do produto, denominada MAC 512, foi apelidada “Mac da periferia”, numa alusão à sua origem num país periférico. A UNITRON utilizara um gabinete externo que era uma cópia exata do gabinete da Apple. Em 1987, isso deu à Apple uma oportunidade de com facilidade denunciar publicamente a UNITRON em Washington, D.C., como sendo uma empresa pirata ... Em novembro de 1987, entretanto, de acordo com o relatório da SEI, “a Apple não havia registrado nenhuma patente relativa ao Macintosh no Brasil, e não teria como fazê-lo em virtude do tempo que se passara desde que ele fora lançado no mercado”. O relatório concluía que, “dentro dos limites técnicos, o projeto [de fabricação do clone da Macintosh] obedece à legislação em vigor e recomendamos a sua aprovação” ... O governo brasileiro estava sendo compelido a aprovar o projeto UNITRON. Mas este fato era inaceitável para a Apple e para o governo americano, que em retaliação ameaçou impor barreiras comerciais às exportações de empresas brasileiras para os Estados Unidos ... Em 21 de março de 1988, a SEI indeferiu o projeto UNITRON, alegando que “a UNITRON havia começado a comercialização do produto antes de sua aprovação final” ... A UNITRON reavaliou a situação e decidiu não parar. Abandonou o modelo 512 e resolveu estudar e clonar o Mac 1024, o modelo seguinte da Apple. Em 29 de março de 1988, deu entrada em um novo projeto para a fabricação de um clone do Macintosh, denominado Unitron 1024. Em agosto de 1988, ela havia mudado tanto o gabinete externo quanto as características internas do novo modelo de seu computador. Após uma nova rodada de contatos, negociações e contratos com instituições governamentais, universidades e uma companhia americana, a UNITRON alegou ter completado o projeto de um clone do Macintosh mediante o uso de técnicas de “engenharia reversa” ... No entanto, em 1 de agosto de 1988, a SEI indeferiu a aprovação do projeto UNITRON com base em “deficiências técnicas”. Em 10 de agosto de 1988, a UNITRON apelou ao CONIN [Conselho Nacional de Informática] para que revisse a decisão da SEI .. . As decisões do CONIN eram fortemente enviesadas pelos interesses governamentais, pois sua representação era composta de oito delegados de ministros do governo federal e oito representantes independentes da sociedade civil. Em 19 de dezembro de 1988, o CONIN manteve a decisão da SEI em uma votação de oito a sete. Todos os sete representantes independentes presentes à reunião votaram a favor da UNITRON. Todos os ministros votaram a favor da SEI, com exceção do ministro da Aeronáutica, que se absteve. Geraldo Azeredo Antunes, o principal acionista da UNITRON, declarou que iria mover uma ação contra decisão do CONIN nos tribunais do poder judiciário, mas não o fez. A UNITRON fechou”. Percebamos como, além das dificuldades inerentes à tardialidade do desenvolvimento tecnológico, se interpõe aspectos subliminares vinculados à uma mente colonizada. Ilustra, ainda o autor: “Na véspera do encontro do CONIN, o ministro da Ciência e Tecnologia, que o chefiava, declarou que o “Unitron 1024 é substancialmente diferente do Macintosh e tudo dependerá das instruções que serão dadas pelo Sr. Sarney”. Tudo indica que o José Sarney efetivamente instruiu os votos dos ministros, que, conforme já dito, votaram consistentemente contra a UNITRON, com exceção do ministro da Aeronáutica, que se absteve”. O autor sugere que prevaleceram os interesses maiores do governo americano e os interesses menores do empresário Mathias Machline, amigo do presidente Sarney. Em prejuízo do desenvolvimento industrial e tecnológico nacional, podemos supor. 24 Nos quatro últimos parágrafos, ficaram registradas quatro grandes ferramentas de política industrial indispensáveis para o desenvolvimento das AMAZONIDADES: i) incentivo ao empreendedorismo científico-tecnológico; ii) proteção à propriedade intelectual; iii) aplicação do poder de compra dos governos; e, iv) apoio financeiro irrestrito às iniciativas empreendedoras. Voltaremos a registrá-las novamente no último tópico dessa síntese-reflexão. 25 Mowery e Rosenberg, em ambos os casos que serão sintetizados [produtos químicos e revolução eletrônica], relatam, em paralelo, tanto o processo de evolução das respectivas trajetórias tecnológicas, consideradas únicas de mudança para cada uma das tecnologias envolvidas propriamente dita, quanto a dimensão econômica de cada trajetória tecnológica. No nosso relato, específico em cada caso para a dimensão tecnológica, será dado prioridade à dimensão econômica, sinalizando aqui acolá a perspectiva da dimensão tecnológica. De qualquer sorte, estabelecem claro, sintonia fina com a síntese do tópico anterior intitulado “A Rotinização da Inovação na Terra do Tio Sam pela Indústria, pela Academia e pelo Governo Norte-Americano [1900-1995]”. Isto é, demonstram, para cada trajetória tecnológica, os passos dados para a evolução das relações entre as universidades norte-americanas e o setor industrial, a evolução das estruturas de financiamento, a evolução das disciplinares e cursos vinculantes, das alianças estratégicas entre os agentes do processo de inovação estadunidense, da criação de redes entre academia, indústria e governos, da estrutura de financiamento, hora mais derivada

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Produtos Químicos 26 1. A Amônia Sintética A indústria de produtos químicos dos EUA beneficiou-se no século XX dos avanços científicos e tecnológicos originados em outros lugares da economia global. Os primeiros contribuintes para o conhecimento fundamental de Química nas décadas iniciais daquele século foram os europeus. Com o passar do tempo, entretanto, a contribuição científica norte-americana cresceu, e a partir de 1945, o centro da pesquisa fundamental em Química passou a localizar-se nos Estados Unidos. Um aspecto central da mudança tecnológica na indústria de produtos químicos naquele século foi sem sombra de dúvidas o crescimento da indústria petroquímica, ou seja, o deslocamento dos produtos químicos orgânicos cuja matéria-prima era o carvão para os baseados em petróleo e gás natural 27. A liderança estadunidense nesse caso foi avassaladora, favorecida com sua base de recursos naturais, que desempenhou um importante papel na condução do desenvolvimento do processamento de produtos químicos estruturados em petróleo por empresas nacionais 28. A mudança tecnológica na indústria química norte-americana foi influenciada por diversos fatores: o grande e rápido crescimento do mercado dos EUA e suas oportunidades oferecidas para explorar os benefícios derivados da produção em larga escala e da produção em processo contínuo, combinada com a dotação de recursos naturais, conforme já dito, que criaram facilidades únicas para transformar a base de recursos da indústria química orgânica e obter significativas economias de custo, aliado com o desenvolvimento de um processo tecnológico adequado. Durante o período anterior a 1945, a mudança tecnológica correspondeu às grandes diferenças das dotações de recursos naturais, numa era em que os desenvolvimentos políticos militavam contra uma ampla confiança em suprimentos estrangeiros de matérias-primas. O Tio Sam, então, criou novas tecnologias que exploraram intensamente sua abundância de matérias-primas, enquanto que a indústria alemã de produtos químicos elaborou novas tecnologias que compensavam a ausência delas 29. Durante a maior parte do período 1900-1945, as empresas químicas alemãs perseguiram o desenvolvimento de tecnologias de alta pressão para a produção de amônia sintética, em resposta às restrições impostas pela indisponibilidade de recursos naturais. A liderança técnica alemã na indústria de produtos químicos desse período foi enfatizada por uma das descobertas tecnológicas mais importantes do século XX: processo Haber-Bosch de fixação do nitrogênio, desenvolvido pela BASF. O desenvolvimento desse processo em 1913 libertou a Alemanha de sua dependência dos nitratos chilenos, que eram críticos tanto na agricultura como em aplicações militares. A tentativa de introduzir o processo Haber-Bosch para a fixação de nitrogênio nos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial fornece um relato clássico das dificuldades envolvidas em transferências

dos recursos de governo, hora mais dos da indústria, os locais mais intensos de pesquisa, hora mais nos laboratórios de chão de fábrica, hora mais nos de chão acadêmico, etc. etc. Portanto, objetivo deste tópico é enfatizar a lógica do sucesso econômico da trajetória tecnológica específica, cujos fundamentos gerais foram sintetizados no tópico anterior, como sinalização para o sucesso possível das AMAZONIDADES, enquanto trajetória tecnológica alternativa, a partir do processo de institucionalização e rotinização da inovação na Amazônia. 26 Observar desde já que essa química é aplicada aos combustíveis fósseis, cuja era está no começo do fim, e que a lógica das AMAZONIDADES exigirá o desenvolvimento de uma química verde. 27 O próximo deslocamento é a produção de energia com base em recursos renováveis, como todos já sabem. O Brasil, além de acelerar o passo, deve manter a liderança em benefício da sua expansão industrial e tecnológica a partir da nova economia que será gerada, onde as AMAZONIDADES surgem como reator dessa grande transformação. 28 O que se poderá dizer da mega-biodiversidade amazônica? Mas não é só ela, pois o desenvolvimento industrial e tecnológico não se dá sem empresas nacionais de capital local. 29 Percebe-se que em grande medida o desenvolvimento se dá em decorrência das dificuldades e da vontade política intrínseca em superá-las. O desenvolvimento industrial e tecnológico sul-coreano foi alavancado com o governo criando crises, gerando metas e desafios de superação dos limites impostos a vários setores da economia em função dos gaps pertinentes com a fronteira tecnológica [vide a síntese-reflexão “Raciocinando por fora do pensamento único: evidências subjetivas de uma esquizofrenia histórica” disponível em www.argo.com.br/antoniojosebotelho ]. O Brasil tem experiências positivas nesse sentido com o petróleo, por exemplo. Mas devemos ampliar o leque de oportunidades de desenvolvimento a partir da ameaça delineada com as mudanças climáticas vis a vis o desenvolvimento sustentável a partir das AMAZONIDADES.

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internacionais de tecnologias, mesmo para um país receptor dotado de consideráveis capacidades tecnológicas 30. Apesar da expropriação governamental das patentes da BASF e de outras empresas químicas alemãs nos EUA pelo Alien Property Custodian em 1918, após a entrada dos Estados Unidos na Guerra, os peritos norte-americanos não conseguiram replicar o processo Haber-Bosch para a fixação de nitrogênio. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que diversas melhorias adicionais no processo, muitas das quais dependiam de energia elétrica abundante e barata, transformaram o nitrato de amônio na principal fonte de nitrogênio fertilizante. Com o tempo, a facilidade de transporte, distribuição e aplicação fizeram que a própria amônia fosse diretamente injetada no solo sob a forma de amônia anídrica, solução aquosa de amônia ou solução de nitrogênio. O grande crescimento posterior a 1945 da produtividade da agricultura nos Estados Unidos, e depois, em todo o mundo, deve-se principalmente ao crescente uso de insumos químicos, incluindo não somente fertilizantes sintéticos à base de nitrogênio, mas também herbicidas e inseticidas. 2. A Indústria de Produtos Químicos Baseada em Petróleo A introdução e rápida adoção do automóvel com motor de combustão interna durante os primeiros anos do século XX trouxeram consigo uma demanda quase insaciável por combustíveis líquidos. Essa demanda, por sua vez, impulsionou, nas duas primeiras décadas do século XX, o crescimento do novo ramo industrial de refino de petróleo, especificamente calibrado para atender as necessidades do automóvel. O grande tamanho do mercado norte-americano tinha apresentado desde cedo às empresas dos EUA os problemas [e oportunidades] relacionados à produção em larga escala de produtos básicos, como o cloro, a soda cáustica, a barrilha, o ácido sulfúrico e os superfosfatos. Essa habilidade [transformação do problema em oportunidade] em lidar com grandes volumes de produção, e finalmente em gerá-los por tecnologias de processo contínuo, conforme já registrado, tornar-se-ia uma importante característica da indústria química no século XX. Nesse sentido, a precoce experiência norte-americana com produções em larga escala contribuiu para a transição da indústria química dos EUA para o uso de matérias-primas baseadas no petróleo. Além do mercado, esse desenvolvimento industrial e tecnológico contou com a perícia das empresas estadunidenses na construção e operação de plantas químicas de larga escala implementadas tanto num cuidadoso empirismo quanto em conhecimentos científicos. As novas tecnologias foram inicialmente testadas em pequena escala, geralmente em plantas-piloto. Na medida em que eram gerados dados de desenho confiáveis, e que a confiança na nova tecnologia se mostrava crescente, as empresas químicas expandiam a escala de suas instalações de produção. Vista da perspectiva dos anos 1990, a íntima conexão entre o petróleo e as indústrias químicas parece natural e, portanto, inevitável. Mas, para um observador da década de 1920, essa conexão devia ser bem menos óbvia. Na realidade, essa conexão “natural” entre os dois segmentos foi uma criação humana complexa 31. Em 1920, o petróleo era considerado um combustível e lubrificante. A indústria química via seus insumos como produtos químicos em estado menos elaborado de um lado, e as matérias-primas como subprodutos dos fornos de coque do outro. Foi somente de modo gradual que as companhias de petróleo dos EUA começaram a perceber que suas operações de refino poderiam produzir não somente combustíveis e lubrificantes, mas também compostos químicos orgânicos intermediários. A transformação da indústria química dos EUA durante o período de 1920 a 1946, estabelecendo as bases da indústria petroquímica que amadureceu nos anos subseqüentes à Segunda Guerra Mundial, foi em boa parte obra dos profissionais da Engenharia Química.

30 É uma referência clara e inequívoca da necessidade do domínio tecnológico com conseqüente desenvolvimento industrial para a soberania de um país. Não se deve admitir a possibilidade de o Projeto ZFM, que oferece motivação econômica ao PIM e ao crescimento de Manaus, ser adotado como um fim em si mesmo, considerando suas condições de dependência ao capital e à tecnologia forâneas. Por isso, deve-se persistir perscrutando sua natureza política e filosófica, ao mesmo tempo em que se deve delinear soluções possíveis como a das AMAZONIDADES. 31 Pode-se apontar uma mesma relação com o que poderá proporcionar as AMAZONIDADES em termos de desenvolvimento. Pode-se dizer que o que se conhece em termos de biodiversidade aplicados em escala econômica sustentável sejam apenas a ponta de um grande iceberg. É o que este autor tem dito há algum tempo, sem que isso represente novidade, mas que está ganhando corpo como se poderá observar nos registros finais dessa síntese-reflexão.

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A exploração dos recursos petrolíferos requeria algumas melhorias tecnológicas essenciais, principalmente técnicas de craqueamento de petróleo para quebrar moléculas grandes e pesadas de hidrocarbonetos em moléculas menores e mais leves, e, de modo crucial, tecnologias que facilitassem um deslocamento da produção em lotes para processos contínuos, cuja importância já foi salientada outras vezes. Nos anos 1930 e no início da década seguinte, técnicas mais sofisticadas de craqueamento catalítico desenvolvidas na França estabeleceram o refino do petróleo em uma base moderna, levando finalmente o processo ser realizado em cama fluida, que é a tecnologia de refino que atualmente prevalece no mundo, a primeira a produzir gasolina de alta octanagem. A tecnologia de craqueamento catalítico tornou possível um grau de controle muito maior sobre a produção que podia ser extraída de uma dada quantidade de petróleo. A vasta expansão desencadeada de produtos químicos orgânicos pela disponibilidade de novas matérias-primas foi reforçada pelas pesquisas básicas em química de polímeros realizada na Alemanha, que forneceu um entendimento sistemático da estrutura e do comportamento de termoplásticos e de plásticos termorrígidos 32. O aumento de produtos plásticos no final dos anos 1930 deu origem à criação de uma família de novos materiais que acabariam por substituir materiais convencionais como o vidro, o couro, a madeira, o aço, o alumínio e o papel. A produção de materiais plásticos cresceu a uma taxa anual média maior que 13% durante o período de 1945 a 1971 e caiu para uma taxa de crescimento médio de 5,7% por ano durante o período de 1971 a 1996. O rápido crescimento da produção, especialmente no início do período pós-guerra, foi auxiliado pelo crescente uso do polietileno, talvez o mais versátil de todos os plásticos. O polietileno tinha sido descoberta na Grã-Bretanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial e foi extensamente usado em aplicações militares durante a Guerra. A Guerra reduziu efetivamente as barreiras de entrada de tecnologias e patentes na indústria de produtos químicos, e durante o período do pós-guerra diversas empresas, muita das quais eram produtoras de petróleo, ingressam nesse ramo da indústria estadunidense. Dessa forma, o rápido crescimento da produção de termoplástico nos anos 1940 resultou em parte da entrada de novos produtos, assim como do surgimento de termoplásticos baratos, tais como o poliestireno e o cloreto de polivinil, caracterizando a mudança tecnológica vinculada à inovação na indústria química por uma diversificação robusta pelo peso econômico dos seus produtos, considerados intermediários [tintas, fertilizantes, pesticidas, herbicidas, plásticos, explosivos, fibras sintéticas, anilinas, solventes e assim por diante] para a fabricação de bens finais incorporados à vida moderna 33. 3. A Borracha Sintética Outro produto importante que emergiu das descobertas científicas da química de polímeros e da prova de fogo das necessidades urgentes do tempo da Guerra foi a borracha sintética. Em 1931, um elastômero sintético [neopreno] tinha sua aplicação econômica limitada frente ao seu preço de US$ 1,05 por libra, numa época em que a borracha vegetal tinha um preço inferior a 5 centavos por libra. Por esse motivo, em 1940, a borracha vegetal era responsável por 99,6% da oferta total de borracha nos EUA, e a borracha sintética detinha apenas 0,4%. Essa situação foi transformada depois de dezembro de 1941, quando as tropas japonesas invadiram as fontes de suprimento de borracha vegetal no Sudeste Asiático 34. Como resposta a essa condição desfavorável, o governo federal estadunidense organizou um consórcio de empresas, que deveria coletar todas as informações relativas às borrachas de estireno-butadieno, bem como as que resultassem de pesquisas futuras. O Tio Sam investiu aproximadamente US$ 700 milhões na construção de 51 fábricas produtoras do monômero essencial e dos polímeros intermediários necessários para a produção da borracha sintética. Essas instalações foram vendidas para empresas privadas em meados dos anos 1950. O programa da borracha sintética ficou atrás apenas do Projeto Manhattan35 em termos de mobilização rápida e extensiva de recursos humanos para a obtenção de um objetivo urgente durante a Guerra. Em 1945, o consumo

32 Esse parágrafo e o seguinte sugerem a importância da lógica da aquisição e da transferência de tecnologia associada à pertinente capacidade científico-tecnológica, associada, claro, às firmas nacionais e locais. 33 Conforme já sugerido, é inimaginável a infinita diversificação de produtos que os insumos e saberes da floresta poderão oferecer à vida contemporânea estruturada sob a égide da sustentabilidade. 34 Vejam em que contexto o Exército da Borracha [nordestinos convocados pelo governo para suprimento dessa matéria-prima a partir do chão amazônico] enquanto esforço brasileiro de guerra estava dependentemente incluído na lógica do desenvolvimento industrial e tecnológico. Reflitam junto com os dois parágrafos seguintes. 35 Esforço científico-tecnológico que culminou com a fabricação da Bomba Atômica.

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de borracha dos EUA não era apenas substancialmente maior do que o de 1941, mas também não menos que 85% do total representados pela borracha sintética 36. A borracha sintética foi o primeiro polímero sintético a ser produzido em grandes quantidades a partir de insumos oriundos do petróleo 37. Além disso, essa nova base material para a indústria de borracha ilustrou a existência de fortes vínculos tecnológicos entre produtores de produtos químicos, a indústria do petróleo e produtores de matérias que foram reforçados ainda mais com o desenvolvimento das fibras sintéticas. 4. As Fibras Sintéticas Nos anos que seguiram imediatamente à Segunda Guerra, as fibras têxteis sofreram uma transformação radical. Uma série de novas famílias de fibras sintéticas – principalmente poliamidas [nylon], acrílicos e poliésteres – começaram a penetrar e finalmente a dominar mercados de produtos naturais – principalmente o algodão e da lã – que durante muito tempo vinham sustentando a produção e uso de tecidos 38. O aumento do uso de fibras sintéticas levou tempo, pois a conquista de características ótimas em fibras depende de uma mistura sistemática de materiais naturais e sintéticos. As fibras sintéticas também compartilhavam características com os plásticos e a borracha sintética, inclusive quanto a suas origens nas pesquisas básicas de química de polímeros dos anos 1920 e 1930. As pesquisas sobre polimerização levaram ao desenvolvimento de novos produtos comerciais, interrompidos pelas vorazes necessidades militares. As novas fibras sintéticas eram baseadas em monômetros que podiam ser derivados tanto do carvão como do petróleo. Considerações de custos, entretanto, levaram ao domínio das matérias-primas petroquímicas na produção desses produtos sintéticos, tal como nos casos dos plásticos e da borracha sintética. Tal como ocorreu em muitos dos avanços de outras tecnologias críticas, a comercialização inicial dos novos produtos foi extremamente lenta. Um conjunto completo de tecnologias de processamento era necessário, assim como o desenvolvimento de métodos apropriados de produção de produtos intermediários, tais como ácido tereftálico para fibras de poliéster, ou a obtenção de uma oferta suficiente de ácido adípico para a produção de nylon 39. Assim, como no caso dos plásticos, a disponibilidade de fibras sintéticas de baixo custo levou seu uso a um conjunto crescente de aplicações, demasiado numerosas para serem citadas individualmente. Em 1968, as fibras produzidas pelo homem [estadunidense claro direta ou indiretamente, pois é a sociedade criadora que se apropria dos maiores benefícios] excediam [em peso] a produção somada de algodão e lã. Em 1966, as principais aplicações eram, de longe, em bens de consumo. A maior categoria responsável por quase um terço da produção de fibras sintéticas, era a do vestuário, predominantemente para mulheres e crianças. Utensílios domésticos, incluindo carpetes, cortinas e mobiliário, representavam o mesmo montante. Os usos industriais eram dominados por pneus, seguidos pelos plásticos reforçados, e depois por ampla variedade de produtos diversos – mangueiras, cabos, correias, sacos, filtros e outros. 5. Os Produtos Farmacêuticos

36 Estava decretada a falência do Ciclo da Borracha que gerou o fausto na Amazônia durante a primeira metade do século XX, em condições enganosas quanto à necessária autonomia para um desenvolvimento industrial e tecnológico duradouro. 37 Mais uma vez tentemos imaginar a quantidade infinita de produtos e serviços que os insumos e saberes da floresta [em pé] podem gerar!!! 38 Essa é uma grande lição a ser observada pela lógica do desenvolvimento sustentável. Ou seja, é a transformação laboratorial do princípio ativo da biodiversidade que gera a economicidade [viabilidade econômica] da lógica capitalista. Todavia, a perspectiva da nova economia [AMAZONIDADES] pode gerar relações de oferta e demanda favoráveis com os chamados ecoprodutos absorvidos por mercados justos. Sem falar em inovações tecnológicas como a do algodão colorido realizadas por pesquisadores nacionais, enquanto concorrente aos fios sintéticos coloridos. 39 Todos esses esforços de investimentos têm o capital reproduzido não só pela absorção dos produtos diretamente lançados no mercado estadunidense e mundial, mas complementarmente é reproduzida com a expansão da produção propriamente dita com a atração de investimentos por países de industrialização tardia, como o Brasil e Manaus, fato que se não observada a natureza política e filosófica do desenvolvimento minimamente autônomo gera perversidade pela dependência tecnológica.

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O surgimento da indústria farmacêutica estadunidense, um setor importante e diferenciado da indústria de produtos químicos, partiu de raízes que foram similares às raízes da indústria muito maior de produtos químicos norte-americanos. O desenvolvimento de ambos os ramos em meados do século XIX nos Estados Unidos baseou-se em habilidades e competências humanas originadas na Alemanha. O Tio Sam não dependia somente dos produtos farmacêuticos alemãs, mas também dos livros textos. Além disso, algumas das primeiras e mais bem-sucedidas empresas da indústria farmacêutica dos [ou nos?] EUA, como Pfizer e Merck, eram de origem alemã 40. Durante o século XX, a indústria farmacêutica norte-americana começou a explorar um estoque crescente de conhecimentos científicos locais. Mas, a transição para uma indústria baseada na ciência foi lenta. Já bem dentro do século XX, poucos produtos farmacêuticos novos podiam ser descritos como originados de pesquisas científicas. A Alemanha e a Suíça dominavam os mercados farmacêuticos mundiais ao eclodir a Primeira Guerra Mundial. Mesmo assim, as reformas da educação médica nos EUA durante os primeiros anos do século XX e a ampliação dos currículos das escolas médicas com a inclusão de treinamento em ciências biomédicas assentaram as bases para as futuras pesquisas nesse campo [Bacteriologia + Bioquímica + Imunologia dentre outras]. A Segunda Guerra Mundial deu início nos Estados Unidos à transição para uma indústria farmacêutica baseada em pesquisa própria e, com o passar do tempo, em vínculos mais fortes com as universidades estadunidenses que também estavam se movendo em direção à fronteira do conhecimento nas ciências biomédicas. A urgente demanda de antibióticos durante essa Guerra levou a um intenso esforço estadunidense em explorar a descoberta de Alexander Fleming das propriedades bactericidas da penicilina. Apesar da notável descoberta de Fleming ter sido feita em 1928, mais se uma década depois poucos esforços sistemáticos haviam sido desenvolvidos para fabricar a droga em escala comercial. Um programa maciço de desenvolvimento tecnológico para a fabricação de penicilina em larga escala foi coordenado durante a Segunda Guerra Mundial pelo governo federal, envolvendo mais de vinte firmas farmacêuticas, diversas universidades e o Departamento de Agricultura 41. O êxito desse “programa drástico” marcou o início de uma nova era de mudança tecnológica na indústria farmacêutica do Tio Sam. E a solução dos problemas relacionados com a produção em larga escala da penicilina não veio de químicos farmacêuticos, mas de engenheiros químicos. Esses engenheiros refinaram a técnica de fermentação aeróbica submersa, que se tornou a tecnologia de produção dominante, demonstrando a sua viabilidade e melhorando seus rendimentos. Os engenheiros conseguiram esses resultados ao desenhar e operar uma planta-piloto para resolver os complicados problemas de transferência de calor e massa. Essa realização conjunta de microbiologistas e engenheiros químicos pode ser considerada o primeiro grande sucesso da engenharia bioquímica. A época do pós-guerra na indústria farmacêutica estadunidense começou com uma expectativa generalizada no ramo de que existia um enorme mercado potencial para novos produtos farmacêuticos, e que o abastecimento deste mercado, apesar de custoso, acabaria sendo altamente lucrativo. Essas expectativas foram abundantemente preenchidas 42. Grandes empresas farmacêuticas, como a Merck, a Pfizer, a Eli Lilly e a Bristol-Myers tiveram um crescimento rápido e lucros elevados durante o período do pós-guerra. A alta lucratividade da indústria esteve associada a um alto nível de intensidade em P+D – em média os gastos com P+D financiados pelas empresas correspondiam a mais de 9% das vendas entre os realizadores de P+D nessa indústria entre 1984 e 1994, o maior nível entre as indústrias de transformação dos EUA 43. Durante o período do pós-guerra, os Estados Unidos tornaram-se, e têm

40 Essa é uma frase obscura dos autores, pois não esclarece se as firmas quando migraram para operação nos Estados Unidos passaram a ter capital norte-americano. 41 Observem que a presença do capital produtivo é uma tônica, uma referência em todas as trajetórias tecnológicas construídas pelo Tio Sam. Portanto, não há desenvolvimento tecnológico se não houver desenvolvimento industrial, e, evidentemente, vice-versa. E o melhor a fazer é realizá-las [as trajetórias tecnológicas] com capital próprio, nacional, considerando a égide da organização política estruturada em estados nacionais. 42 Essa é a esperança depositada nas AMAZONIDADES!!! 43 As despesas (Média Geral) em P&D e P&D&E das empresas brasileiras, por faturamento bruto, tanto por subsetor, quanto por porte, foram, respectivamente, 1,73%, para 248 empresas informantes, e 1,13%, para 293 empresas informantes da Base de Dados 2000, da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras – ANPEI, que constituem os “Indicadores Empresariais de Inovação Tecnológica”, cuja metodologia foi implementada e está sendo operada desde 1992, que contou com a participação, inicialmente, de 334 empresas informantes. Hoje essa base deve

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permanecido desde então, a principal fonte de novos produtos farmacêuticos, assim como o maior mercado para esses produtos. Uma listagem de novos produtos preencheria e de fato preenche um grande volume. As principais categorias incluem um grande número de “antis”, começando por uma ampla gama de antibióticos e prosseguindo com anti-hipertensivos, antiinflamatórios, remédios contra úlcera, colesterol, antidepressivos e anti-histamínicos. É importante notar que não havia produtos nessas categorias antes de 1940 [da mesma forma que em 2100 poder-se-á constatar que todas as AMAZONIDADES produzidas ao longo do século XXI não existiam antes]. Categorias adicionais incluem vacinas [de modo mais notável, a contra a poliomielite], analgésicos, medicamentos cardiovasculares e para o sistema nervoso central, diuréticos, vasodilatadores, anticoncepcionais orais e alfa e betabloqueadores. Uma importante descoberta na área da Biologia Molecular deu início em 1953 a uma nova fase de mudança tecnológica na indústria farmacêutica estadunidense. A identificação da estrutura de dupla hélice do DNA por Watson & Crick levou a métodos mais efetivos para a descoberta de drogas que gradualmente substituíram os testes aleatórios que por muito tempo dominaram essa indústria. Mais de quarenta anos depois dessa grande descoberta científica, a indústria da biotecnologia ainda está nos estágios iniciais de seu desenvolvimento 44. Um passo crítico em direção a novos métodos de criação e manufaturada de medicamentos foi a técnica de entrelaçamento de genes, obtida por Stanley Cohen e Herberty Boyer em 1973, a qual tornou possível a alteração do código genético de um organismo e a manipulação de sua subseqüente produção de proteínas. O novo método representou uma descontinuidade fundamental na natureza da pesquisa farmacêutica, uma transição do âmbito da química para o da biologia. A revolução em curso na Biologia Molecular progrediu através de diversas trajetórias, ao invés de um único paradigma de desenvolvimento tecnológico. A biotecnologia criou novas técnicas de descoberta de drogas, assim como novas técnicas para a produção de drogas já existentes, como a insulina 45. Todo o empreendimento biotecnológico tem sido financiado por enormes gastos federais estadunidenses em P+D, incluindo a “Guerra ao Câncer” 46 da administração Nixon no início dos anos 1970. Embora grandes investimentos tivessem sido feitos na indústria de biotecnologia desde os anos 1970, um grande fluxo de novos produtos só foi aparecendo de modo gradual. A insulina humana, o primeiro produto de biotecnologia [baseado no uso de processos de produção biotecnológicos] a ser comercializado, recebeu a aprovação da Food and Drug Administration [FDA] em 1982. Durante o período de 1989 a 1996, o número de empresas do Tio Sam com ações negociadas em bolsa que desenvolveram drogas baseadas em biotecnologia aumentou de 45 para 113, e o número de tais drogas em desenvolvimento aumentou de 80 para 284. Já no fim de 1996, o FDA tinha aprovado 33 produtos farmacêuticos baseados em biotecnologia. Além disso, outros 450 produtos farmacêuticos se encontravam em desenvolvimento e mais de 120 estavam em testes da fase III 47. A Revolução da Eletrônica

Uma importante característica da evolução das tecnologias elétricas, assim como as dos produtos químicos e do moto de combustão interna, tem sido o freqüente aparecimento de “gargalos tecnológicos”, muitas vezes centrados em torno de componentes individuais ou da interconexão de componentes dentro do sistema. Tais pontos de estrangulamento também têm induzido e orientado a evolução das tecnologias eletrônicas. O surgimento de um “gargalo” crítico em telecomunicações levou os laboratórios da Bell Telephone a empreender um programa de pesquisa que produziu os primeiros transistores, e que em última análise desencadeou a revolução eletrônica do pós-guerra 48. O subseqüente desenvolvimento dos componentes eletrônicos e dos sistemas computacionais nos quais eles foram incorporados foi influenciado pela contínua necessidade de

estar ampliada, além de contar com pesquisa dados e informações da PINTEC, sob a responsabilidade do IBGE. Todavia, é pouco provável que as empresas brasileiras tenham atingido um nível tão elevado de aplicação em P+D+E. 44 Essa é a esperança intrínseca das AMAZONIDADES a partir da biodiversidade amazônica!!!

45 Todo esse parágrafo é prenhe de AMAZONIDADES!!! 46 Vejam a equivalência com guerra contra as mudanças climáticas como a que estou propondo nessa síntese-reflexão para o desenvolvimento de AMAZONIDADES. 47 Mowery e Rosenberg nos informam que uma característica específica da indústria biotecnológica norte-americana tem sido o papel preponderante das novas “empresas emergentes” [start-ups], especialmente as que envolvem professores universitários atuando como consultores ou empresários com apoio financeiro de capitalistas de risco. Essa é a esperança depositada no Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA, que, todavia, permanece com sua incubadora inoperante. Não só do CBA, mas de todos os laboratórios das universidades amazônicas. Por que não ter essa esperança? 48 Não tem jeito. No sistema capitalista a liderança cabe ao setor produtivo, ao conjunto de firmas nacionais. Portanto, como esse autor tem dito se desejamos a liberdade política e a independência econômica da Amazônia, devemos começar por induzir o contínuo empreendedorismo, quiçá com inovações permanentes, com capital e tecnologia locais.

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ultrapassar obstáculos à continuidade do progresso, impostos por outros elementos desses sistemas complexos – os exemplos incluem o número excessivo de componentes discretos, programas de computador complexos e uma falta de intercambialidade nos componentes. Os avanços na tecnologia eletrônica criaram três novas indústrias na economia dos EUA do pós-guerra: i) dos computadores eletrônicos; ii) a dos programas de computadores; e iii) a dos componentes semicondutores. As inovações baseadas em eletrônica sustentaram o crescimento de novas empresas nessas indústrias e revolucionaram as operações e tecnologias de ramos de atividades mais maduros, como as telecomunicações, os bancos e os transportes aéreo e ferroviário. A revolução eletrônica poder ser atribuída a duas inovações cruciais: o transistor e o computador. Ambos apareceram no final dos anos 1940, e sua exploração foi estimulada pelas preocupações com a segurança nacional geradas pela Guerra Fria. A criação dessas inovações também dependeu mais da ciência e das invenções norte-americanas do que muitas das inovações críticas de épocas anteriores a 1940 49. 1. Os Semicondutores O transistor foi inventado nos laboratórios da Bell Telephone no fim de 1947 e marcou uma das primeiras compensações tangíveis de um programa de pesquisa básica em Física do Estado Sólido que havia começado em 1930. Enfrentando demandas crescentes dos serviços de telefonia a longa distância, a AT&T buscou um substituto para os repetidores e relês que de outra forma teriam que ser empregados em grande número, aumentando enormemente a complexidade da manutenção da rede e reduzindo a sua confiabilidade 50. O primeiro transistor de sucesso comercial foi produzido pela Texas Instruments, em vez da AT&T, em 1954. Além disso, tal como outras inovações relevantes registradas anteriormente, o transistor da Texas Instruments constituiu uma considerável modificação do dispositivo original dos laboratórios da Bell Telephone. As mudanças no desenho baixaram os custos de fabricação e melhoraram a confiabilidade. O desenvolvimento do transistor de junção da Texas Instruments requereu extensas melhorias incrementais na fabricação e purificação do silício, assim como no planejamento do dispositivo. O transistor de junção de silício foi rapidamente adotado pelos militares dos Estados Unidos para uso em radares e aplicações de mísseis. O avanço importante seguinte na eletrônica de semicondutores foi o circuito integrado [CI], combinando uma série de transistores em um único chip de silício em 1958 51. O CI foi em grande parte uma resposta aos crescentes problemas de confiabilidade associados aos sistemas que utilizavam um grande número de transistores discretos. À medida que o número de transistores empregados em um sistema crescia, a probabilidade que a falha de um único componente ou interconexão causasse uma falha no sistema aumentava exponencialmente. O crescimento continuado da demanda por componentes semicondutores requereu uma nova classe de produtos cujos preços e características pudessem expandir as oportunidades de aplicação em sistemas. O CI foi inventado na Texas Instruments e baseou-se nas inovações de processo das tecnologias de difusão e de máscaras de óxido que haviam sido inicialmente desenvolvidas para a fabricação dos transistores de junção de silício. O desenvolvimento dos CIs tornou possível a interconexão de um grande número de transistores em um único dispositivo, e sua introdução comercial em 1961 estimulou o crescimento das vendas dessa indústria. De algo em torno de quase US$ 100 milhões em 1960, a venda de CIs nos EUA atingiu uma cifra média entre US$ 10 e 15 bilhões em 1990, tendo permanecido a venda de transistores e diodos/retificadores num nível declinante entre US$ 100 e US$ 50 milhões, para o mesmo período, em dólares de 1982.

49 Aqui há outra grande similitude entre as condições históricas do século XX com as deste século XXI. A criação de AMAZONIDADES deveria ser estimulada pelas preocupações com as ameaças de internacionalização da Amazônia, com a soberania nacional neste chão amazônico. 50 Mowery e Rosenberg ratificam mais uma vez que a Política Antitruste foi um importante fator na evolução de todo o sistema de P+D estadunidense, e no caso específico na Revolução Eletrônica. Sentenças judiciais para licenciamento de patentes a taxas nominais, por exemplo, tornou possível o acesso de todo o desenvolvimento tecnológico de semicondutores para os interessados. 51 “O período em questão é assinalado igualmente pelas primeiras atividades de pesquisa e desenvolvimento em semicondutores no país, com a criação do Laboratório de Microeletrônica [LME] da USP em 1968. É interessante observar que tais atividades, desde o princípio, desenvolveram-se com pouca articulação com a indústria, o que traria conseqüências danosas para a microeletrônica brasileira”. Sérgio Eduardo Silveira Rosa, em “Evolução Histórica e Perspectivas da Indústria Brasileira de Componentes Eletrônicos”, dissertação de mestrado submetida à UFRJ em agosto de 2001 [p. 45]. De fato, conforme esse autor indica na nota de roda pé n° 17, o atual déficit brasileiro confirma sua dependência industrial e, sobretudo tecnológica.

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Depois que os sistemas militares e espaciais [incluindo as aplicações da National Aeronautics and Space administration – NASA, da Federal Aviation Administration – FAA, e da Comissão de Energia Atômica] demonstraram a viabilidade do CI, rapidamente emergiram aplicações comerciais em computadores para a nova tecnologia. A demanda comercial por semicondutores discretos foi também grande nos primeiros anos da indústria, pois esses componentes eram usados em aparelhos de audição e rádios baratos que abasteciam amplos marcados 52. O uso de CIs em sistemas eletrônicos [por exemplo, nos computadores] começou a reestruturar a demanda dos outros componentes semicondutores. Por volta de meados dos anos 1970, os semicondutores que não fossem CIs eram usados na maioria das aplicações em sistemas como complementos aos CIs, e a demanda crescente por componentes não-CIs passou a depender do crescimento na produção total de CIs e mudanças na composição de produtos CI entre 1972 e 1990. O valor total de vendas de CIs cresceu mais de 20% por ano durante esse período. O rápido crescimento na produção foi acompanhado por significativas mudanças em sua composição. O microprocessador, inventado em 1971, era responsável por US$ 275 milhões em receitas em 1976. Um resultado do alto nível de envolvimento do governo federal na indústria de semicondutores no início do pós-guerra quer como financiador de P+D quer como comprador de seus produtos, foi o surgimento de uma estrutura para os processos de inovação e de comercialização da tecnologia que contrastavam com as das indústrias de alta tecnologia dos EUA antes de 1940, tais como as de produtos químicos e equipamentos elétricos. Em uma verdadeira reversão da situação do pré-guerra, as instalações de P+D das grandes empresas passaram a fornecer muitos dos avanços tecnológicos para firmas novas e menores comercializarem. O papel dos pequenos entrantes na introdução de novos produtos, refletido em suas freqüentemente dominantes participações no mercado de novos dispositivos semicondutores, superou significativamente o das empresas maiores. Além disso, o papel das novas empresas cresceu em importância com o desenvolvimento do circuito integrado. Em 1960, apenas um pouco antes da introdução comercial do CI, os produtores estabelecidos de sistemas eletrônicos, a maioria dos quais havia sido fundada antes de 1940 e entrou na indústria eletrônica a partir das indústrias de equipamentos de escritório, de produtos de consumo ou de maquinário elétrico, compreendiam cinco dos dez maiores fabricantes de transistores. Já em 1975, os produtores dominantes dessa indústria incluíam muito mais empresas relativamente novas, como a Intel e Fairchild, que tinham entrado no ramo ao final dos anos 1950 e tinham crescido rapidamente através da exploração de seu conhecimento especializado dos CIs. Somente duas das cinco empresas de sistemas eletrônicos que tinham estado entre os dez maiores produtores de transistores permaneceram na classificação dos dez maiores produtores de semicondutores em 1975. O CI, muito mais que o transistor, transformou a estrutura da indústria de semicondutores do Tio Sam, e as novas empresas que surgiram como líderes vendiam a maior parte de sua produção para outras firmas, em vez de produzirem primariamente para o mercado consumidor direto 53. Embora o mercado militar para CIs tivesse sido rapidamente ultrapassado pela demanda comercial, foi a demanda militar que impulsionou o crescimento inicial da indústria e as reduções de preço que no fim criariam um grande mercado comercial para CIs. A disposição dos militares norte-americanos de comprar de fornecedores não-testados foi acompanhada por condições que efetivamente impuseram uma substancial transferência e intercâmbio de tecnologia entre as empresas de semicondutores dos EUA. Ao facilitar a entrada e apoiar altos níveis de transferências entre as empresas, as políticas públicas e outras influências aumentaram a diversidade e o número das alternativas tecnológicas exploradas no âmbito da indústria de semicondutores estadunidense durante um período de significativas incertezas sobre o rumo dos futuros desenvolvimentos dessa tecnologia. As facilidades de ingresso e a rápida difusão de tecnologia entre as empresas também alimentaram uma intensa competição entre as firmas. A estrutura e conduta intensamente competitivas da indústria criaram um “ambiente seletivo” rigoroso, que implacavelmente extirpava as empresas

52 Certamente o fetiche das mercadorias eletrônicas pertinente à lógica do consumo que sustenta o sistema capitalista chegou aos países subdesenvolvidos! 53 Leia-se indústria componentista, líder mundial em tecnologia. Lembremo-nos que o fornecimento de insumos em escala ampliada e inovadora é um dos determinantes do diamante de Porter junto ao conceito de cluster.

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e soluções técnicas menos efetivas. Para um país que estava sendo pioneiro na indústria de semicondutores, essa combinação de diversidade tecnológica e de fortes pressões seletivas provou ser altamente eficiente 54. Em certo contraste com sua proeminência no desenvolvimento da indústria química ou no desenvolvimento posterior na indústria dos programas de computador, as universidades dos EUA desempenharam um papel menor como fontes diretas das tecnologias aplicadas na indústria emergente de semicondutores. Mas, as universidades norte-americanas foram rápidas no desenvolvimento de cursos e programas de estudo de pós-graduação para treinar os engenheiros e cientistas que eram necessários a essa indústria. As universidades dos EUA foram auxiliadas nessa tarefa por substancial financiamento à pesquisa por parte do governo federal, boa parte do qual estava relacionado com a defesa. 2. O Computador O desenvolvimento da indústria de computadores também foi beneficiado pelos gastos militares da Guerra Fria, mas em outros aspectos as origens e os primeiros passos dessa indústria diferem da dos semicondutores. Apesar de terem sido no máximo atores periféricos no desenvolvimento inicial da tecnologia de semicondutores, as universidades norte-americanas foram locais importantes para as primeiras atividades de desenvolvimento e pesquisa que lavaram aos primeiros computadores do Tio Sam. Os gastos federais durante o fim dos anos 1950 e 1960, de fontes militares e não-militares, proporcionaram uma importante infra-estrutura de pesquisa básica e de ensino para o desenvolvimento dessa nova indústria. O Eniac – geralmente considerado o primeiro computador digital completamente eletrônico – foi financiado pelos Arsenais do Exército, que estavam interessados na computação de mesas de tiros para artilharia. Desenvolvido na Universidade da Pensilvânia, o Eniac não dependia de programas [software], pois era conectado diretamente para resolver um conjunto específico de problemas. Em 1944, inovações refletiram-se na arquitetura da máquina subseqüente, o Edvac, que foi o primeiro computador com um programa armazenado. Em lugar de serem conectadas fisicamente, as instruções do Edvac permaneciam armazenadas na memória, facilitando suas modificações. A discussão abstrata sobre esse novo conceito [computador com programa armazenado] circulou amplamente e serviu de base lógica para praticamente todos os computadores subseqüentes. Mas, mesmo depois do novo esquema ter se tornado dominante, o que ocorreu rapidamente nos anos 1950, o software permaneceu intimamente atrelado ao hardware. Durante o início dos anos 1950, a organização que projetava o hardware também projetava geralmente o software. Mas, à medida que a tecnologia de computadores foi se desenvolvendo, e que o mercado de suas aplicações se expandiu depois de 1970, os usuários, os técnicos

54 Sérgio Eduardo Silveira Rosa, em “Evolução Histórica e Perspectivas da Indústria Brasileira de Componentes Eletrônicos”, dissertação de mestrado submetida à UFRJ em agosto de 2001 [p. 91], recapitula assim a trajetória do setor de componentes no Brasil, quanto a sua melancólica situação na atualidade: “O Brasil possuía, em meados da década de 1970, uma indústria de componentes que, embora modesta, era compatível com seu estágio de desenvolvimento industrial, sendo comparável, em linhas gerais, às indústrias congêneres da Coréia do Sul e de Formosa. O percurso seguido pela economia brasileira nas décadas seguintes, no entanto, foi freqüentemente nocivo à evolução natural da indústria. Em primeiro lugar, a concentração da produção de bens de consumo eletrônico na Zona Franca de Manaus [ZFM] significou a perda, na prática, do mercado deste setor para a indústria brasileira. Isto foi muito prejudicial para o setor, uma vez que os componentes demandados pela indústria de consumo são mais simples, em média, que os dos demais setores do complexo eletrônico. Assim a indústria de componentes perdeu acesso a grande parte do que seria seu mercado natural, levando em conta o nível de desenvolvimento tecnológico e industrial do país por volta de 1980”. Veja uma segunda conseqüência na nota de roda pé n° 56. Antes, porém registro a opinião sobre a ZFM de Ignacy Sachs, expressa no seu texto “Amazônia – laboratórios das biocivilizações do futuro”, de outubro de 2008, não sob a lógica da indústria microeletrônica nacional, mas sob a perspectiva das AMAZONIDADES [p. 7]: “Pierre Gourou chamou o mundo tropical de “terras de boa esperança”. Para que a Amazônia faça jus a esta denominação, é preciso começar por remover muitas pedras do caminho. Já falamos da complexidade da política de criação de reservas naturais e áreas indígenas e do sinal equivocado do pólo industrial de Manaus, porta de entrada para produtos vindos do exterior e não de saída para produtos amazônicos com alto valor agregado...”. Esse renomado pensador adiciona ao seu raciocínio quanto à esperança que representa as AMAZONIDADES a seguinte expressão [p.4]: “A transformação de Manaus num centro de agregação de valor aos produtos da região exportados para as demais regiões do Brasil e o mundo afora está mal começando e vai exigir no futuro grandes investimentos”. Ainda que a inteligência local [por motivação óbvia] e alguns setores nacionais e até mesmo internacionais [também por motivação óbvia] confiram função exitosa ao Projeto ZFM, permanecessem os dualismos, ora quanto ao desenvolvimento industrial e tecnológico do segmento microeletrônica, ora quanto às AMAZONIDADES.

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independentes e as empresas de serviços de computadores começaram a desempenhar papéis proeminentes no desenvolvimento de software 55. Embora esses e outros projetos tivessem começado com objetivos bem definidos, produziram princípios gerias que logo encontraram aplicações muito mais amplas. Com efeito, o projeto da Marinha de simulador de vôo, de longe o mais caro de todos os programas de computador federais do pós-guerra, somente foi absorvido quando a Força Aérea o adotou como base do programa de defesa Sage estabelecido no início dos anos 1950. Porém, além de conduzir o desenvolvimento de um sistema computacional grande e confiável, bem como das tecnologias necessárias para conectar esses computadores com redes de radares, o Sage esteve entre os primeiros programas de desenvolvimento de software em grande escala. O primeiro programa de computador armazenado e completamente funcional nos EUA foi o Seac, uma máquina construída pelo Nacional Bureau of Standards em 1950. Várias outras máquinas importantes foram desenvolvidas ou inicialmente vendidas para agências do governo federal: i) computador IAS, de 1951, construído no Instituto de Estudos Avançados de Princeton; ii) o Whirlwind, de 1949, desenvolvido no MIT; iii) o Univac, de 1953, construído pela Remington Rand; iv) o IBM 701, desenvolvido como equipamento científico para o Departamento de Defesa em 1953 pela Internacional Business Machines 56. A partir de 1954, as fileiras dos maiores fabricantes de computadores dos EUA foram dominadas por empresas estabelecidas em indústrias de equipamento de escritório e de produtos eletrônicos de consumo [RCA + Sperry Rand + IBM + Bendix Aviation]. As vendas de computadores dessas empresas destinaram-se principalmente às agências do governo federal, particularmente às agências de defesa e de espionagem. A demanda empresarial de computadores foi se expandindo gradualmente durante o início dos anos 1950 até formar um mercado substancial. A máquina de maior sucesso comercial da década, com vendas de 1.800 unidades, foi o IBM 650 de baixo custo, que levou a IBM à liderança do ramo. O grande mercado comercial para computadores que foi criado pelo IBM 650 ofereceu fortes incentivos à produção de software para a sua arquitetura, cujo processo era tedioso que se assemelhava à programação de uma calculadora mecânica. A pesquisa universitária desempenhou um papel-chave no crescimento da indústria de computadores dos Estados Unidos. As universidades foram importantes locais de pesquisa aplicada, assim como básica, em hardware e software, e contribuíram para o desenvolvimento de novo hardware. Além disso, é claro, a formação por parte das universidades de engenheiros e cientistas ativos na indústria de computadores foi extremamente importante. Por causa de seu ambiente de pesquisa relativamente “aberto” e operacional, que enfatizava as publicações, níveis relativamente elevados de rotatividade entre pesquisadores e a produção de graduados que procuravam empregos em outros lugares, as universidades serviram como locais para a disseminação e difusão das inovações por toda a indústria.

55 Com um atraso de duas décadas, o governo brasileiro só começou a construir uma política pública para o setor nos anos 1900. 56 Mowery e Rosenberg informam que “desde os primórdios de seu apoio ao desenvolvimento de tecnologia de computadores, as forças armadas dos EUA esforçaram-se para que as informações técnicas sobre as inovações alcançassem a mais ampla audiência possível. Essa atitude, que contrastava com a dos militares na Grã-Bretanha ou na União Soviética, parece ter sido gerada pela preocupação dos militares norte-americanos de que uma substancial infra-estrutura industrial e de pesquisa seria necessária para o desenvolvimento e a exploração da tecnologia de computadores”. Numa inversão lógica, os militares brasileiros, que promoveram o movimento “revolucionário” de 1964, editaram políticas públicas [baseadas no conceito de reserva de mercado] para a indústria nacional de computadores, que Sérgio Rosa [vide nota de roda pé n° 54], assim entendeu sua concepção [p. 92]: “Ainda mais grave para a produção de componentes, porém, foram as conseqüências da concepção da Política Nacional de Informática e de sua aplicação. De fato, ao privilegiar, como objetivo estratégico, a obtenção de autonomia tecnológica dos bens finais de informática, a PNI descuidou de estimular a produção local de componentes, em especial a de circuitos integrados. Isto se revelou particularmente danoso quando os minicomputadores – objeto principal da formulação inicial da PNI – foram superados, como foco dinâmico da informática, pelos microcomputadores, nos quais a tecnologia central estava nos componentes semicondutores, e não na concepção do bem final. O resultado foi que, ao longo da vigência da PNI, a indústria brasileira de informática foi quase totalmente dependente da importação de componentes. O mesmo se verificou, com exceção de alguns segmentos, com o setor de equipamentos de telecomunicações”. Essa dependência, segundo Rosa [p.69] totalizou um déficit de importação entre 1985 a outubro de 2000 da ordem de US$ 11 bilhões, exatamente o período de formação da indústria eletroeletrônica no PIM. Não à toa, escudado por Margarida Baptista [“A Indústria Eletrônica de Consumo a Nível Internacional e no Brasil: padrões de concorrência, inovação tecnológica e caráter da intervenção do Estado”; Unicamp; 1987] afirmava, quando analisava o período de 1973 a 1981[p. 52]: “A Zona Franca de Manaus, ademais, já era responsável por efeitos perniciosos sobre a produção interna de componentes eletrônicos”.

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As universidades do Tio Sam criaram importantes canais para a fertilização cruzada e a troca de informações entre a indústria e a academia, e também entre os esforços de pesquisa civis e da defesa em software e ciência da computação em geral. Foi o setor privado que realizou alguns dos primeiros passos para iniciar a construção da disciplina de Ciência da Computação nas universidades norte-americanas. Os fabricantes de computadores perceberam que, além dos benefícios em relações públicas ao apoiar o ensino superior, eles poderiam aumentar a demanda por seus produtos e facilitar a aquisição e uso de seu hardware nas universidades. O apoio à computação acadêmica iria atacar o já aparente “gargalo” de software ao treinar mais programadores, e poderia também “amarrar” futuros usuários e compradores de equipamento de computação à arquitetura ou ao desenho patenteado de uma dada empresa. As políticas federais também apoiaram o papel central das universidades de pesquisa dos EUA no avanço das tecnologias de software e hardware. Mesmo após a expansão de uma substancial indústria privada dedicada ao desenvolvimento e à produção de hardware computacional, o apoio federal à P+D auxiliou na criação da nova disciplina acadêmica de Ciência da Computação. O crescente papel do governo federal no apoio à P+D, em boa parte localizada nas universidades estadunidenses, foi suplementada durante os anos 1950 por gastos de aquisição de sistemas militares. Tanto nas áreas de software quanto nas de hardware, as necessidades do governo diferiam daquelas do setor privado, e a magnitude de transferências puramente tecnológicas da P+D e das compras militares a aplicações civis parecem ter diminuído um pouco quando a indústria de computadores entrou nos anos 1960. Mas, como no caso dos semicondutores, a demanda de licitações militares atuou como um poderoso fator de atração para novas empresas entrarem na indústria, e muitas dessas empresas entraram na nascente indústria de computadores no final dos 1950 e 1960. O progresso da tecnologia de computadores desde os anos 1950 foi guiado pela interação de diversas tendências: dramáticos declínios nas razões preço-desempenho dos componentes, incluindo unidades centrais de processamentos e periféricos tão essenciais como os dispositivos de armazenamento de dados; resultando em parte desses declínios, a rápida extensão da tecnologia de computação para novas aplicações; e, finalmente, os custos relativos crescentes dos softwares. Essas tendências criaram gargalos que influenciaram a trajetória da mudança tecnológica. O computador de grande porte IBM 360, por exemplo, que consolidou o domínio da IBM na indústria de computadores dos EUA durante os anos 1960 e 1970, criou a “família de produtos” de computadores com desempenhos e classes de preços diferentes que utilizavam um sistema operacional comum e outros softwares. A introdução dos minicomputadores acelerou a segmentação do mercado de computadores e a entrada de grandes sistemas. O desenvolvimento do minicomputador tornou-se possível graças a avanços na indústria de componentes semicondutores que reduziram os custos de unidades de processamento centrais, assim como as tecnologias de armazenamento de custos menores 57. A adoção gradual dos computadores de grande porte e de minicomputadores nas aplicações industriais, tais como o controle em tempo real dos produtos químicos e dos processos de refino de petróleo, contribuíram para quedas na intensidade do uso de energia por unidade produzida nessas indústrias 58. Além disso, ao apoiar de modo mais efetivo as modelagens e simulações de novos processos os computadores tronaram possível uma introdução mais suave de novos processos de produção ao uso comercial. O uso de “plantas-piloto” em produtos químicos e refino de petróleo, por exemplo, parece ter diminuído de importância como resultado de um melhor entendimento teórico e do controle em tempo real. Contudo, a adoção generalizada do controle computadorizado em tempo real de processos industriais complexos, requeria computadores mais baratos, tais como minicomputadores, que podiam ser empregados em uma organização de computação descentralizada. A expansão do mercado geral de computadores de grande porte e [de maior importância ainda] o crescimento de novos segmentos no mercado de computadores [incluindo minicomputadores e computadores científicos] transformaram a estrutura da indústria de computadores dos EUA. O domínio da indústria por produtores de equipamentos de escritório e indústrias relacionadas desapareceu e novas empresas ingressaram no mercado.

57 Releia as notas de roda pé n° 54 e anterior. 58 A microeletrônica ora em desenvolvimento em Manaus, junto com a química verde, convergindo para a nanotecnologia, perpassando pela biologia molecular, deverá dar substância maior e definitiva à lógica das AMAZONIDADES. Portanto, o processo poderá ser equivalente, porém numa perspectiva sustentável.

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Em 1982, justo antes da expansão dos computadores de mesa, quatro das dez maiores empresas de computadores norte-americanas tinham menos de cinqüenta anos, e três dessas quatro firmas tinham sido fundadas depois de 1950. As três maiores receitas de firmas de computadores estadunidenses, entre 1963 e 1993, foram lideradas, respectivamente, pela IBM que passou de US$ 1.2 bilhão para US$ 62.7 bilhões, pela Hewlett-Packard que em 1963 não atuava, mas que chegou em 1993 faturando US$ 15.6 bilhões, e pela Digital, que passou de US$ 10 milhões para US$ 13.6 bilhões. Logo em seguida, vem a NCR e a Unisys [antes Sperry que incorporou a Burroughs] com, respectivamente, US$ US$ 9.9 e US$ 7.2 bilhões em 1993. Em 1986, cinco dos dez maiores produtores de computadores dos EUA eram empresas novas. O rápido crescimento do mercado de computadores de mesa acelerou essa transformação e minou severamente as fortunas competitivas de quatro dos cinco maiores produtores de computadores em 1986 [IBM + DEC + Unisys + NCR, que foi adquirida pela AT&T em 1991]. O sétimo produtor de 1986, Wang, foi levado à falência em 1993 pela competição dos computadores de mesa. A entrada de novas empresas nessa indústria foi, no entanto, tipicamente regida pelo surgimento de um novo segmento de mercado para aplicação de computadores. Assim, o domínio dos IBM 360 e 370 não foi subvertido pela competição direta, mas pela expansão de substitutos próximos nos mercados de minicomputadores e [com o tempo] de estações de trabalho de mesa. Ao invés da substituição de um “design dominante”, essa indústria testemunhou a fragmentação de mercados originalmente dominados por um único desenho ou arquitetura. Assim, entre 1960-1985, o aumento rápido nas vendas de minicomputadores atinge o patamar de vendas de computadores de grande porte [mainframes], os quais se estabilizam na ordem pouco acima de US$ 10 bilhões anuais. Por sua vez, esse contexto coincidiu com o crescimento do seguinte segmento principal dessa indústria, a dos microcomputadores. As vendas de microcomputadores, partindo de um volume de algo em torno de US$ 200 milhões em 1980, atingem US$ 25 bilhões em 1990, superando os mainframes e minicomputadores, que atingem a ordem pouco acima dos US$ 15 bilhões. 3. O Microprocessador A comercialização pela Intel Corporation do microprocessador de circuito integrado em 1971 transformou a estrutura da indústria de informática do Tio Sam nos 25 anos seguintes. Assim como o IBM 360, que economizou em escassas soluções de desenvolvimento de software, o desenvolvimento do microprocessador da Intel resultou da busca de um circuito integrado que pudesse ser usado num amplo espectro de aplicações. Em vez de desenhar um “grupo de circuitos integrados” [chipset] personalizado para cada aplicação, o microprocessador permitiu que a Intel produzisse uma solução poderosa, de uso geral para muitas e diversas aplicações. O microcomputador economizou em outro recurso escasso – as soluções de design de engenharia que estavam sendo dissipadas no desenvolvimento de computadores especializados para cada nova aplicação. O microprocessador quebrou um gargalo que limitava o progresso tecnológico e freava a difusão das tecnologias de computador. O microprocessador permitiu que a tecnologia de computação fosse aplicada a uma diversidade e a um número sem precedentes de usos, acelerando sua incorporação em produtos de indústrias maduras, como as de automóveis, relojoaria e eletrodomésticos, sustentando o continuado crescimento da aplicação de computadores em ramos de serviços como bancos e comércio varejista. Além disso, o microprocessador facilitou o desenvolvimento de tecnologias de computação descentralizadas para controle de processos industriais complexos, tanto nas indústrias de processamento de materiais, como a de produtos químicos e de refino de petróleo, quanto na fabricação de produtos em massa. Ao tornar possível o desenvolvimento de computadores de mesa e de estações de trabalho, assim como o desenvolvimento de supercomputadores, o microprocessador encorajou o ingresso de novos competidores aos produtores estabelecidos. Assim, como seus computadores de mesa, a Apple e a Compaq desafiaram a IBM; nos supercomputadores, a Intel, a Maspar e a Thinking Machines desafiaram a Cray e a Control Data. Os microprocessadores permitiram que as empresas amortizassem os altos custos fixos de instalações de desenvolvimento e produção por períodos de produção mais longos; sua aplicação nos computadores de mesa teve efeitos similares na indústria de software de computadores. 4. O Crescimento da Indústria de Software para Computadores Estadunidense

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A difusão da tecnologia de computação baseada em microprocessador criou enormes mercados para produtores de software padronizados [“empacotados”] para computadores de mesa e estações de trabalho. Já nos anos 1980, o desenvolvimento rápido e interdependente das indústrias de semicondutores e de computadores havia sedimentado a base para a expansão de outra “nova” indústria do pós-guerra, a produção de software padronizado para computador para venda no mercado, ao contrário de sua produção para uso interno. O crescimento da indústria de software computacional do Tio Sam foi marcado por pelo menos quatro etapas distintas, a última das quais está apenas começando. Durante os anos iniciais da primeira etapa [1945-1965], que abrange o desenvolvimento e comercialização iniciais do computador, o software como hoje é conhecido não existia. O conceito de software computacional como um componente distinguível de um sistema computacional nasceu efetivamente com o advento da arquitetura de computadores com programas armazenados. Ainda assim, o software permaneceu intimamente ligado ao hardware durante os anos 1950. O desenvolvimento de uma indústria de software estadunidense só começou realmente quando os computadores apareceram em números significativos. A segunda etapa [1965-1978] presenciou o primeiro ingresso de vendedores independentes de software da indústria. Durante o final dos anos 1960, os produtores de computadores de grande porte nos Estados Unidos começaram a “desembutir” suas ofertas de software dos produtos de hardware, separando os preços e a distribuição de hardware e software. Esse desenvolvimento deu oportunidade à entrada de produtores independentes de sistemas operacionais padrão ou sob medida, assim como de fornecedores independentes de programas aplicáveis a computadores de grande porte. A “dissociação” do software por parte do principal produtor de hardware [a IBM, uma empresa que permanece entre os principais fornecedores de software em todo o mundo], quando se desvinculou preços e fornecimento de software e de serviços em 1968, uma decisão que foi encorajada pela ameaça de um processo antitruste, abriu oportunidades para a expansão de vendedores de software independentes. Finalmente, a introdução do minicomputador em meados de 1960 por empresas que tradicionalmente não ofereciam serviços e softwares associados abriram outro segmento de mercado para vendedores autônomos de software. Durante a terceira etapa [1978-1993], o desenvolvimento e difusão dos computadores de mesa provocaram um crescimento explosivo da indústria de software comercial. Mais uma vez, o Tio Sam foi pioneiro nessa transformação e o mercado norte-americano rapidamente emergiu como o maior mercado de software padronizado [packaged]. A rápida adoção dos computadores pessoais nos Estados Unidos deu suporte ao precoce surgimento de poucos designs dominantes na arquitetura de computadores de mesa, criando o primeiro mercado de massa de software padronizado. Os vendedores de software independentes [VSIs] que entraram no mercado durante esse período eram em sua maioria novatos na indústria. Poucos dos maiores fornecedores de software para computadores de mesa vieram das fileiras dos principais produtores independentes de software para computadores de grande porte e minicomputadores, e os VSis de minicomputadores e mainframes ainda são fatores menores no mercado de software para computadores de mesa. Tanto a entrada de fornecedores independentes de software quanto o crescimento até a dominância da arquitetura do IBM-PC estiveram relacionadas com a decisão da IBM de obter a maioria dos componentes para seu microcomputador de fornecedores externos, incluindo a Intel [fornecedora de microprocessador] e a Microsoft [fornecedora do sistema operacional do PC, MS-DOS], sem forçá-los a restringir as vendas desses componentes a outros produtores. A decisão de comprar o software do sistema operacional da Microsoft foi guiada por dois fatores. O IBM-PC foi desenvolvido como um “programa de choque” empreendido por uma unidade de negócios autônoma, que tinha uma equipe pequena ou tempo insuficiente para assegurar o desenvolvimento interno de uma família de computadores ou de um único sistema operacional. Igualmente importante, entretanto, foi a preocupação da IBM de que o PC pudesse operar em grande número de aplicações e outros programas desenvolvidos para o sistema operacional Basic da Microsoft. De fato, os IBM-PCs iniciais continham ambos os softwares para sistemas operacionais MS-DOS e Basic. A rápida difusão de hardware de baixo custo dos computadores de mesa, combinada com o surgimento rápido de poucos designs dominantes para essa arquitetura, erodiu a integração vertical entre produtores de hardware e software e abriu oportunidades para os VSIs. Reduções de custos da tecnologia de computação têm expandido continuamente a gama de aplicações potenciais para os computadores; muitas dessas aplicações dependem de software para sua realização. Uma crescente base instalada de computadores cada vez mais baratos tem sido uma fonte importante de dinamismo e de entrada na indústria do software comercial, pois a rápida expansão dos

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nichos de mercado em aplicações ultrapassou a capacidade dos fabricantes de computadores estabelecidos e dos principais produtores de software padronizado de supri-los. A partir de 1985, o software “padronizado” [software padrão para uso em computadores de grande porte, computadores pessoais ou minicomputadores] equivalia a mais de 75% do software comercial do mercado interno dos Estados Unidos, e sua parcela no consumo interno tem quase certamente crescido consideravelmente desde aquela data. O consumo interno de software padronizado cresceu rapidamente à medida que os computadores de mesa foram se difundindo amplamente dentro dos EUA. De pouco mais que US$ 16 bilhões em 1985 [em dólares de 1992], o mercado norte-americano de software padronizado cresceu a uma taxa média anual de pouco mais que 10% para US$ 33,9 bilhões em 1994 e US$ 46,2 bilhões em 1996. O grande tamanho do mercado de software padronizado estadunidense e também o fato de que ele foi o primeiro grande mercado a experimentar um rápido crescimento deram às firmas do Tio Sam, que foram as pioneiras em seu mercado interno de software padronizado, vantagens formidáveis que elas exploraram internacional 59. A parcela das firmas norte-americanas em seu mercado interno excedia 80% na maioria das classes de software padronizado e excedia 65% em todos os mercados estrangeiros exceto em software de “aplicações”. A quarta etapa no desenvolvimento da indústria de software [de 1992 até o presente 60] foi dominada pelo crescimento da interligação em redes dos computadores de mesa, seja dentro de empresas através de redes locais ligadas a um servidor, ou entre milhões de usuários através da internet. A formação de redes abriu oportunidades para o surgimento de novos segmentos de mercado de software [por exemplo, o sistema operacional atualmente [em 1997] instalado nos computadores de mesa pode residir na rede ou no servidor], para o surgimento de novos desenhos dominantes, e potencialmente para a erosão das posições das firmas de software atualmente dominantes [em 1997]. Algumas aplicações de redes que estão crescendo rapidamente, como a rede mundial de computadores [Word Wide Web], usam um software [HTML] que opera de modo igualmente efetivo em todas as plataformas, em vez de estarem amarradas a uma única arquitetura. Assim como nas etapas anteriores do desenvolvimento dessa indústria, o crescimento do número de usuários e de aplicações das redes tem sido mais rápido nos Estados Unidos do que em outras economias industrializadas dominantes nesses mercados 61 62.

O que pode e deve rolar no chão amazônico? A invenção de uma nova economia A SUPERinteressante na sua edição 259 de dezembro de 2008 traz duas reportagens que convergem para o sentimento visionário pertinentes as AMAZONIDADES enquanto base de construção de um novo marco civilizatório sob a lógica da sustentabilidade [social + econômica + política + ecológica + ambiental + cultural +

59 A lógica schumpeteriana vinculada à inovação é essa, isto é, sair na frente acumulando lucros extraordinários, que tendem a reduzir com a difusão tecnológica, mas que, por sua vez, retroalimentam a possibilidade da liderança com a manutenção da fronteira tecnológica. 60 A primeira edição do livro Mowery e Rosenberg [Trajetórias da Inovação: a mudança tecnológica nos Estados Unidos da América no século XX], ora sendo sintetizado com reflexões, é de 1998. 61 Mowery e Rosenberg relembram que tal como nos casos dos semicondutores e do hardware computacional, a indústria de software estadunidense vendeu grande parcela de sua produção em seus primeiros anos para agências do governo federal, especialmente para o Departamento de Defesa. Igualmente, que essa indústria [de software] foi grande beneficiária dos gastos federais em P+D do pós-guerra na P+D em Ciência da Computação das universidades e da indústria. E que da mesma forma, a Política Antitruste também desempenhou um papel importante no desenvolvimento dessa indústria. 62 Uma das referências que este autor adotava em suas aulas de Política Industrial e Inovação Tecnológica ministrada no Cesf-Fucapi era a Política Industrial estadunidense de Alexander Hamilton de 1791. Apesar de Mowery e Rosenberg não registrarem explicitamente esse conceito, não resta dúvidas de que todas as trajetórias tecnológicas desencadeadas ao longo de século XX nos Estados Unidos estiveram baseadas no fundamento daquela Política de 1791, qual seja a da criação. A reprodução da Política Industrial do Tio Sam está contida na reflexão desse autor intitulada “Marcos Regulatórios: evidências históricas e contemporâneas de dependência política para o desenvolvimento industrial e tecnológico”, parte do livro “Redesenhando o Projeto ZFM”, publicado em 2ª Edição em 2006 pela Editora Valer em Manaus, a qual contém sua aplicação à lógica das AMAZONIDADES. Outra redução sociológica às AMAZONIDADES está contida na reflexão “Dinâmicas de Competitividade via Inovações Tecnológicas: cluster, arranjo produtivo local [APL] e sistema local de inovação [SLI]”, também integrante dessa 2ª Edição de 2006.

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institucional + religiosa + científica + tecnológica]. Simplesmente alterando o modo de produzir e distribuir bens e serviços com investimentos verdes, tecnologia limpa e consumo inteligente. A primeira é positiva: “A invenção de uma nova economia” de uma nova economia, com entrevista ao pesquisador, estudioso importante de assuntos amazônicos, Carlos Nobre [p. 26/27]. A segunda, apesar de gerar insegurança como uma característica de ameaça, sinaliza para algumas estratégias sinérgicas à lógica da nova economia. Trata-se do texto de Daniel Schneider intitulado “E se vendêssemos a Amazônia?” [p. 56/57] Destaco algumas respostas do ilustre pesquisador:

i) O Brasil é uma potência ambiental por ser abundante em terra, água, sol e biodiversidade. Esses são os ingredientes que temos que utilizar para alavancar o que chamo de desenvolvimento tropical;

ii) Ele [o desenvolvimento tropical] tem que ser inventado e deve ser uma combinação da riqueza que nós temos em recursos humanos com a riqueza dos nossos recursos naturais;

iii) É fundamental descobrir e associar mais valor aos produtos naturais que temos. Temos que encontrar um nicho de industrialização feito a partir dos nossos recursos naturais;

iv) O modelo de desenvolvimento [que ele chama de tropical e este autor de novo marco civilizatório

sob a égide da sustentabilidade – AMAZONIDADES] deve basear-se fundamentalmente na exploração econômica e sustentável da biodiversidade da floresta;

v) [Devemos começar] industrializando e globalizado os produtos amazônicos [ou seja, assobiar economicamente de forma agressiva – via empreendedorismo e inovação – AMAZONIDADES, uma especificidade local, no mundo];

vi) [Além dos já conhecidos – açaí + cupuaçu + castanha-do-brasil] há muito mais produtos com grande potencial [na realidade, há toda a parte não invisível de um imenso iceberg] para serem globalizados: toda a fruticultura nativa, todos os óleos e uma série de fitoterápicos. Sem contar que podem existir fármacos ainda não descobertos que levem à cura de muitas doenças [é impossível citar todas as possibilidades numa simples reportagem. Cito apenas uma: a piscicultura e a bioenergia];

vii) É preciso ter indústrias locais que processem os produtos da biodiversidade; viii) Temos uma comunidade tecnológica e científica sofisticada. É preciso usar essas potencialidades

para, a partir de nossa vantagem comparativa [esse termo tem uma carga histórica extremamente maculada no que se refere à busca de vantagens competitivas dinâmicas], alavancar o desenvolvimento do país [e, sobretudo da Amazônia em si e para si];

ix) Temos empresários modernos, audaciosos e inovadores em muitas regiões do Brasil [essa potencialidade precisa ser exponenciada na Amazônia]; e,

x) Recentemente, a Academia Brasileira de Ciência propôs a criação de universidades da floresta e institutos de tecnologia da Amazônia que estabeleçam uma revolução científica e tecnológica na região para criar os recursos humanos e as soluções sustentáveis [a exponenciação da necessidade empreendedora amazônica é preferível do ponto de vista estratégico de primeira hora do que a institucionalização de novos centros e universidades de ensino e pesquisa pelo menos antes de se reformatar e redesenhar as existentes para a lógica de mercado como o belo exemplo dado pelo Tio Sam].

Por sua vez, o autor do texto sobre a venda da Amazônia, superando a lógica separatista [talvez a grande herança portuguesa tenha sido tão-somente a manutenção política de uma grande extensão territorial sob uma mesma bandeira nacional], oferece a concepção de três grandes projetos que o capital internacional, enquanto proprietário da Amazônia, poderia desenvolver para a exploração desse amplo espaço geográfico e biologicamente mega-diverso:

i) Centro Espacial Carajás: a Amazônia seria um bom lugar para construir naves espaciais, pois possui nióbio em grande quantidade, um metal que, por agüentar até 2.500° C é essencial para foguetes. Além disso, fica na linha do equador, de onde dá para lançar naves economizando combustível, já que elas pegam mais impulso da rotação da Terra nessa região. Com o turismo espacial, dá para imaginar pacotes de 6 dias na floresta e 1 noite no espaço!;

ii) Zona Franca Genética [parece um mantra, pois já temos a zona franca high tech e a zona franca verde]: A Amazônia é o maior banco de genes do mundo – estima-se que haja milhões de espécies, como plantas e microorganismos, ainda desconhecidas. E genes é a matéria-prima dos remédios de amanhã, que deverão agir direto no DNA. Hoje, o governo pode cobrar royalties sobre qualquer droga criada com material brasileiro. Sem esse inconveniente, laboratórios investiriam pesado; e,

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iii) Água S.A. [lembro do esforço intelectual do senador Bernardo Cabral para divulgar essa potencialidade]: A água doce é um recurso finito, “estocado” em rios, no subsolo e na atmosfera. E um terço dela está na bacia amazônica. Algumas regiões já sofrem uma falta crônicas, e o consumo vai aumentar 25% até 2030. Nesse cenário, daria para exportar a vazão do Rio Amazonas. A um preço hipotético de US$ 0.10 o litro, as empresas levantariam mais de US$ 400 bilhões anuais – 4 vezes o faturamento da Petrobrás em 2007.

A pergunta fundamental é: por que não fazemos isso logo [num espaço-tempo de um século], com capital e tecnologia nacional em regime de estado de guerra, enquanto política de Estado, albergado no Plano de Defesa ora em construção pelo governo federal [vide última nota de roda pé]? Um caso possível [dentre uma infinidade incontável] 63 64 Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) criam um tijolo vegetal, produzido a partir de restos florestais da região. Tão resistente quanto o tradicional, oferece inúmeras vantagens no processo de produção e de construção. O tijolo vegetal usa matéria que seria transformada em "lixo". Assim, não pressiona o desmatamento, pois não precisa de lenha pra ser queimado e, com isso, reduz as emissões de gases de efeito estufa, e não requer cimento para ser assentado. O responsável por essa explicação é Jadir de Souza Rocha, pesquisador-titular do instituto na área de Recursos Florestais, com ênfase em inovação tecnológica. De acordo com esse pesquisador, é possível construir uma casa popular, em torno de 40 metros quadrados (cerca de cinco mil tijolos), em 8 horas. O projeto recebeu o prêmio Professor Samuel Benchimol 2008, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, concedido a iniciativas que visam o desenvolvimento sustentável da Amazônia. O tijolo vegetal é produzido com o ouriço da castanha do Brasil, a casca da castanha e os mesocarpos do coco e do Tucumã (um tipo de palmeira), que oferecem grande resistência mecânica. De acordo com aquele pesquisador, há grande disponibilidade de matéria-prima na região. Só numa fazenda na estrada que liga Manaus a Itacoatiara há 1,5 milhão de pés de castanha, por exemplo. Todavia, dos materiais usados, só o tucumã não é totalmente desperdiçado, pois parte da sua produção é usada na fabricação de jóias. A solução inovadora está no fato de que os s restos vegetais são triturados e aglutinados com resinas fenólicas (caso de prensagem quente) ou resinas de laminação e catalisadores (prensagem fria) 65. Como não leva massa, os tijolos são assentados com base no sistema macho e fêmea. O tijolo vegetal mostrou-se excelente isolante térmico e apresenta grande durabilidade em uma região de elevada temperatura e umidade. Adicionalmente há um ganho na área de saúde, na medida em que não se usa argila. Na produção tradicional pertinente de tijolos com base em argila, os oleiros, ao retirá-la da jazida, deixam enormes buracos que acumulam água de chuva. Esses locais tornam-se nascedouros de mosquitos causadores de inúmeras doenças, como a dengue. O tijolo vegetal elimina esse problema. Trata-se, evidentemente de uma AMAZONIDADE. A invenção está sendo patenteada e será negociada por uma divisão do Inpa que cuida de propriedade intelectual e negócios. No momento, os pesquisadores Cynthia Lins Falcone Pontes, Tereza Maria Farias Bessa, Vânia Maria de Oliveira Câmara Lima e o próprio Rocha trabalham para completar os testes do tijolo vegetal 66. Uma estratégia possível 67

63 Fonte: http://invertia.terra.com.br/sustentabilidade . 64 Este autor, em suas manifestações, utilizou inúmeras vezes o exemplo do desenvolvimento tecnológico da casta da mandioca como alimento-protéico para o frango em substituição ração tradicional representada pelo milho, objeto de uma tese de doutorado em biotecnologia realizada em Manaus, o qual não foi adotado como possibilidade de um empreendimento [start up] sob os auspícios [financiamento + proteção + poder de compra] do Governo do Amazonas. Pelo menos até aonde este autor tem informação. 65 Química verde! 66 Novos financiamentos devem, ou deveriam viabilizar não só a finalização do projeto científico-tecnológico, mas, sobretudo, sua transformação num empreendimento, lançando no mercado o produto. 67 Elaborada com base na Nota Informativa n° 029, de novembro de 2008, de autoria deste autor que analisou para a Suframa a Indicação n° 3.295, de autoria do Deputado Carlos Souza, sobre sugestão para elaboração de políticas públicas

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A possibilidade técnico-econômica do tijolo vegetal baseado numa química verde deve ser adotada como objeto de políticas públicas, com o estabelecimento de programas e projetos para a sua transformação em produto realizado no mercado, assegurando inovação continuada, não só via reforço à pesquisa científica e tecnológica na Região Amazônica, mas, igualmente, alavancando sua expansão no mercado via gestão estratégica do empreendimento, o qual deverá ganhar musculatura com o poder de compra e a proteção emancipadora [portanto, transitória] dos governos da Amazônia, para fundamentalmente criar consumo, mercado e cultura. Do mesmo modo como foi feito o desenvolvimento econômico do Tio Sam, com as trajetórias tecnológicas vinculadas aos produtos químicos e à revolução da eletrônica. Trata-se de apenas uma dentre infinitas possibilidades de construção de AMAZONIDADES. É a parte submersa do imenso iceberg de oportunidades para a liberdade política e independência econômica da Amazônia de e para os amazônidas. Isto é, um desenvolvimento em si e para si. Precisamos acreditar; precisamos ter fé; precisamos ter diligência; precisamos ter vontade política. Existem várias dimensões vinculantes à soberania nacional junto a Amazônia. Além das questões ambiental, indígena e das comunidades ribeirinhas, pode-se adotar como a mais relevante a questão da geopolítica. Nesse bojo é que se deve entender a Amazônia não só como incorporada ao rol de políticas públicas e governamentais prioritárias do Poder Executivo, mas seu desenvolvimento deve partir do seu próprio desejo de liberdade e de independência, como se os amazônidas estivessem em guerra. Uma guerra virtual contra as mudanças climáticas em prol do desenvolvimento sustentável, em prol de um novo marco civilizatório, como o Tio Sam fez quando liderou nas duas guerras mundiais, especialmente na segunda, as forças democráticas mundiais da época contra as forças nazi-fascistas em prol de maior harmonia política no Planeta Terra. O que este autor tem chamado de novo marco civilizatório o pensador Ignacy Sachs, com a devida proficiência que o escuda sua titulação, experiência e conhecimento, chama de biocivilizações do futuro. À página 1 do texto registrado na nota de roda pé n° 54, o ilustre pensador revela sua idealização: “Somos todos Amazônidas, sem que isto justifique a internacionalização da Amazônia. Bem ao contrário, o porvir da Amazônia é responsabilidade e, direi, privilégio da Nação brasileira. Caberá a ela, no seu próprio interesse e no de toda a humanidade, colocar a Amazônia na rota de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente includente, transformando-a num laboratório pioneiro das biocivilizações do futuro. A nossa ambição há de ser de construir a partir deste gigantesco manancial de biodiversidade biocivilização socialmente includente e ambientalmente sustentável, baseada nos conceitos de agroecologia e da revolução duplamente verde e promovendo os usos múltiplos da biomassa como alimento para os homens e animais, adubo verde, bioenergias, materiais de construção 68, fibras, plásticos, um leque cada vez mais amplo de bioprodutos da química verde saindo das biorefinarias, fármacos e cosméticos. ... Não se de uma volta às “grandes civilizações do vegetal” da antiguidade...e sim de um pulo de gato [leapfrogging] alavancado pelas conquistas da ciência e tecnologia”. Portanto, em se tratando de Amazônia, a estratégia que se entende como fundamental, deve superar a lógica da ocupação pura e simples do território, centrando poder de fogo na formação e fixação de profissionais com massa crítica capaz de viabilizar economicamente os locais da Amazônia. Quanto a essa lógica de formação de capital social dos locais amazônicos [capital social = capital humano das pessoas + capital intelectual das instituições], citamos a recente proposta de responsabilidade da Academia Brasileira de Ciências – ABC, visando um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, intitulado “Amazônia: Desafio Brasileiro do Século XXI – A Necessidade de uma Revolução Científica e Tecnológica”. Esse documento explicita os seguintes desafios urgentes:

i) Criação de novas universidades públicas, atendendo às meso-regiões que possuem densidade populacionais que justifiquem tal investimento;

para o fortalecimento da pesquisa científica e tecnológica na Amazônia. O original foi ampliado com as citações de Prof. Ignacy Sachs e do consultor Jeremy Rifkin, este em forma de nota de roda pé, e reduzida sociologicamente quanto à necessidade de tornar mais explícita a perspectiva do novo marco civilizatório a partir das AMAZONIDADES. Além disso, abriu oportunidade para cunhar o conceito de capacidade tecnológica tardia, que já vinha sendo pensado por este autor há algum tempo, e foi incluída uma última nota de roda pé noticiando o lançamento do Plano Estratégico de Defesa Nacional, que deverá ser extremamente útil para a conquista da autonomia do desenvolvimento industrial e tecnológico do Brasil. 68 Veja aí o tijolo vegetal oferecido como exemplo!

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ii) Criação de institutos científico-tecnológicos associados ao ensino e pesquisa tecnológica, descentralizando a infra-estrutura de C&T e permitindo a articulação de uma rede de grande capilaridade;

iii) Ampliação e fortalecimento da pós-graduação, expandindo de forma expressiva a formação, atração e fixação de pessoal altamente qualificado em C&T&I; e,

iv) Fortalecimento das redes de informação na região, dotando-a de rede com banda mínima de 2 Gbps. As considerações finais da ABC trazem o seguinte parágrafo ilustrativo: “A geração de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, em harmonia com as diretrizes governamentais de crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade sócio-ambiental, requer um audacioso programa de investimentos em C&T&I orientado pelo novo paradigma de floresta em pé. É importante salientar que este cenário é possível e que, havendo vontade política, é factível atender grande parte dos anseios da sociedade num curto prazo de tempo, evitando que seja repetida na Amazônia a ampliação da desigualdade social, econômica e ambiental que se verifica em outras regiões do mundo que não “acordaram” a tempo”. Esse novo paradigma [da floresta em pé] converge para o que denominamos de AMAZONIDADES, isto é, a transformação de insumos e saberes da floresta em produtos e serviços realizados no mercado. Para tanto, claro, é preciso desenvolver o conhecimento profundo das potencialidades da floresta e das particularidades e vocações da cada local amazônico, considerando o perfil humano das comunidades e os recursos disponíveis. Mas não é só isso. Lembremo-nos que o Tio Sam contou com a ajuda indispensável e fundamental das firmas de capital estadunidense. O cerne da estratégia, por pressuposto, escuda-se nas atividades econômicas, que exigem empreendedorismo e inovação permanentes. Repousa, apesar de se focar um maior e melhor provimento de infra-estrutura científica e tecnológica para “pensar” a Amazônia a partir do desenvolvimento sustentável às necessidades locais e regionais, na urgente adoção de uma política integrada, envolvendo as pastas do governo federal da C&T&I e do desenvolvimento, da indústria e do comércio exterior, em associação explícita e equivalente com os esforços governamentais e municipais dos Estados federados da Amazônia, bem como de toda sociedade ativa. Adotando a perspectiva produção sustentável com inovação e competitividade preconizada pelo Plano Amazônia Sustentável – PAS, essa estratégia ganharia destaque se nele fosse incluída ações concretas de consolidação das redes amazônicas de C&T&I, estruturadas por instituições de pesquisa novas e já existentes. Para tanto, enquanto fontes de financiamentos registrem-se os atuais instrumentos de fomento [Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional - FNDR; o Fundo Constitucional (FNO); e os Fundos Setoriais ao Sistema Nacional de C&T&I], apontando para a necessidade do redimensionamento do Sistema Regional, por conta das dimensões continentais da Amazônia e pela persistência das desigualdades regionais nas dimensões científico-tecnológica e econômica, criando-se, ao final de uma década, como sugere o estudo da ABC, três novos institutos científicos e tecnológicos e três universidades. Adicionalmente aos marcos regulatórios a serviço da C&T&I citados, adicionaríamos os esforços estaduais com a instituição das FAP´s [Fundação de Apoio à Pesquisa], e da própria Suframa com a implantação do Capda [Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia], o qual ganha fôlego junto aos sistemas locais amazônicos. Portanto, não obstante o mérito da propositura da ABC é indispensável e fundamental uma estratégia alinhada entre desenvolvimento tecnológico e industrial, buscando maior sinergia com o conceito de sistemas locais de inovação, uma vez que à lógica linear da oferta de soluções tecnológicas para o crescimento econômico, se interpõe a perspectiva das demandas tecnológicas sinalizadas pelo próprio conjunto de firmas atuantes no mercado, quer sejam resultantes da atração ou da geração de investimentos, mas, em ambos os casos, pressupondo a necessidade da consolidação, via solvência econômica e tecnológica. E, ao fim e ao cabo, que esse capital seja dos naturais dos locais amazônicos. Vide os casos de sucesso das trajetórias tecnológicas do Tio Sam que oportunizaram a conquista da fronteira tecnológica associada com a sua hegemonia econômica durante o século XX. Para tanto, devemos ter em conta que a política da inovação brasileira está em curso, tendo ganhado vigor com a edição da Lei da Inovação e outros marcos regulatórios como a Lei do Bem. Na realidade, esses novos marcos regulatórios são o fulcro estratégico tanto da Política de Desenvolvimento Produtivo - PDP, sob a coordenação do MDIC, quanto do Plano de Ação 2007-2010: Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional, sob a responsabilidade do MCT. Os instrumentos e mecanismos governamentais para o

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desenvolvimento industrial e tecnológico nacional estão postos. Precisam ser sinergizados, especialmente frente aos desafios de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Destaque-se o sentimento de um novo marco lógico para a C&T&I vinculado a busca de uma revolução científico-tecnológica na Amazônia em si e para si também já está em curso. O que se pode fazer, então? Melhor: o que se deve fazer, então? Os esforços governamentais e empresarias devem sinalizar para uma solução estratégica de longo prazo, qual seja a da integração das competências dos órgãos de governo, especialmente no que concerne às políticas industriais e tecnológicas com aplicabilidade na Amazônia. Ou seja, no que concerne à Amazônia, tão importante quanto geração de conhecimento, exige-se a transformação desse conhecimento em negócios, em empreendimentos sustentáveis. Esta perspectiva deverá ter maior e melhor visibilidade caso haja uma convergência perfeita entre oferta e demandas tecnológicas locais. O ideário está vinculado a uma cultura da C&T&I a serviço da sociedade via mercado, na lógica do sistema capitalista, na medida em que pouco importa a ampliação da base científica se nossas empresas continuam adquirindo tecnologia e assistência técnica, impactando deficitariamente a balança comercial de serviços com o pagamento de royalties aos países que conquistaram a fronteira tecnológica. O Brasil tem avançado nesse particular com exemplos importantes como a Petrobrás e a Embraer, mas em nível de Amazônia, as duas grandes dinâmicas regionais se dão via capital e tecnologia exógena [Pólo Industrial de Manaus na sua banda ocidental e grandes multinacionais da exploração mineral na sua banda oriental]. A perspectiva estratégica, embora sutil, não exime o poder público de buscar a formação e a fixação, em especial nos “chão de fábrica”, de novos mestres e doutores na Amazônia, com o provimento de bolsas de fixação e produtividade, recursos financeiros correntes para P&D&E, investimentos continuados e o fortalecimento das redes de informação e conhecimento na região. Mas exige, com igual vigor, a aplicação de investimentos em parques tecnológicos, em incubadoras de empresas, no desenvolvimento de start-ups e spin-offs via a vis a consolidação de uma cultura empreendedora de base científica e tecnológica, visando a criação de AMAZONIDADES. No compasso desse ideário, é pertinente sua complementaridade com instrumentos creditícios e tributários adequados para consolidar a emergência de firmas locais, quer individuais quer cooperativadas, disponibilização de maior volume possível de capital de risco [venture capital, seed money], construção de escala de produção via poder de compra governamental, estabelecimento de barreiras protecionistas em todos os níveis [tributária; técnica; ecológico-ambiental], enfim, manutenção secular da construção de AMAZONIDADES como prioridade de Estado, argamassada por mecanismos da propriedade intelectual. Nesse sentido, a estratégia está vinculada não só ao desenvolvimento da tecnologia, mas igualmente ao desenvolvimento do capital da região, visando, inclusive, a acumulação [primitiva] necessária para o progresso social. Nesse particular, o Projeto ZFM é um retro-alimentador por excelência, pois tem injetado recursos tanto na formação de uma infra-estrutura econômica quanto de uma infra-estrutura científico-tecnológica 69. O vazio maior, talvez do tamanho da Amazônia, seja exatamente a formação de capital local-regional que promova o progresso social, pela via a acumulação capitalista. Para finalizar, visando corroborar com a estratégia ora sugerida, transcrevemos parágrafo do paper “O Papel do Estado e a Política de Inovação”, de Priscila Koeller, defendido no Seminário BRICS Project “A Comparative Study of the National Innovation Systems of Brazil, Russia, India, China and South Africa”, realizado em julho

69 Lógica da adoção do Projeto ZFM como um meio e não como um fim em si mesmo, que esse autor tem adotado ao longo de reflexões sobre a natureza política e filosófica desse “modelo de desenvolvimento”, marcadamente excludente, porque indutora do egocentrismo manauara [Manaus-cêntrica], e dependente, porque pressupõe o crescimento econômico com base da capacitação tecnológica tardia decorrente e ao mesmo tempo associada da necessidade permanente da atração de investimentos. E aqui segue a cunhagem de um novo conceito [que se junta ao de AMAZONIDADES, economia de enclave industrial e processo de growing up – contraponto ao processo de catching up - utilizados em reflexões passadas] fruto da combinação dessas reflexões: Capacitação tecnológica tardia representa o esforço e resultado de aprendizado empreendido por local emergente e periférico em processo de “catching up” quando o conjunto de firmas que promove o crescimento econômico desse local é fundamentalmente de origem estrangeira e nacional. É o caso de Manaus cujo pólo industrial é constituído por multinacionais e empresas [nacionais] de capital não-local. Portanto, é a construção por parte do seu capital social [somatório de capital humano dos indivíduos e capital intelectual das instituições] de uma oferta tecnológica a uma demanda tecnológica [certamente sempre superior em função da fronteira tecnológica de alhures] que deriva de uma estrutura de produção resultante de políticas industriais e tecnológicas exógenas ao local periférico e emergente. Assim, nesse processo duplamente tardio [industrial e tecnológico] perde-se ou retarda-se a oportunidade da construção de um modelo de desenvolvimento que liberte politicamente e que promova a independência econômica desse local periférico e emergente [processo de growing up].

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de 2007, no Brasil: “Por fim, aliado a este ponto, destaca-se que toda a lógica que permeou os instrumentos e a implementação da política de inovação no período de 1994-2006 prescindiu da visão sistêmica do processo inovativo ... as novas políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico precisam ser pensadas tendo como referência os novos conhecimentos acerca do processo inovativo. A análise dos instrumentos e da implementação da política de inovação esteve sempre calcada nas instituições científicas e tecnológicas e nas empresas, pensando, quando muito, na articulação e interação entre estes dois atores do processo inovativo...”. Não obstante essa necessária sinergia entre desenvolvimento industrial e tecnológico, a questão é muitíssimo mais ampla. Para tanto, este autor se ampara mais uma vez na proficiência do ilustre pensador Ignacy Sachs para demonstrar o tamanho do desafio [à p. 16 do texto citado na nota de roda pé n° 54]: “Vivemos os primeiros momentos da grande transição 70. Convém mobilizar todas as forças vivas para desmentir os sinais da primavera e fazer pressão sobre todos os protagonistas de processo de desenvolvimento para as sinalizações positivas, porém frouxas, se transformarem em compromissos concretos, com prazos e números. Não se pode esperar que um projeto a longo prazo para a Amazônia surja de noite para o dia. É razoável dar-se dois anos para elaborar um Projeto Amazônia Includente e Sustentável e submetê-lo a um amplo debate no Congresso e com todos os setores da sociedade, colocando-o no centro da política brasileira. Para tanto, poderia contribuir à organização de um movimento “A Amazônia é nossa”, similar ao “O Petróleo é nosso” que mudou radicalmente os destinos do Brasil nos anos 50 do século passado” 71.

70 Jeremy Rifkin, consultor em energia, defendendo a tese de que a atual crise financeira, a crise energética e o aquecimento global estão interligados e não serão solucionados separadamente na entrevista concedida à Gabriela Carelli nas páginas amarelas da Veja de 24 de dezembro de 2008, registra essa transição com as seguintes palavras: “Estamos na passagem entre duas eras. Olhar para a velha economia e buscar soluções nos parâmetros tradicionais não vai funcionar. A Grande Depressão foi uma das conseqüências da transição entre a primeira revolução industrial e a segunda, entre o vapor e a eletricidade. Está na hora de iniciarmos a terceira, a revolução verde. Ela não pode ser adiada. É o impulso que pode fazer a economia global andar de novo. É preciso ter em mente que essa transição levará décadas. Pode durar todo o século XXI”. Portanto, o Brasil como líder em tecnologias para a geração de energia com recursos renováveis está finalmente na trilha histórica em tempo real, e a Amazônia poderá se apropriar dessa perspectiva com a esperança das e nas AMAZONIDADES, enquanto berço esplêndido para experiências alternativas e verdadeiramente verdes de um novo marco de civilização. 71 Da mesma forma que na história do desenvolvimento industrial e tecnológico do Tio Sam, quando os planos e projetos vinculados à defesa estadunidense foram importantes e indispensáveis, este autor toma ciência do primeiro Plano Estratégico de Defesa Nacional [brasileiro] elaborado num ambiente democrático, lançado no dia 18.12.08 pelo Poder Executivo, aprovado pelo Conselho de Defesa Nacional em 11.12.08. Apesar deste autor não registrar nada específico desse Plano, certamente poderá, ou melhor, deverá estar a serviço da autonomia do desenvolvimento industrial e tecnológico do Brasil. As palavras do Ministro de Defesa quando da aprovação do Plano expressam essa sinergia: “A defesa é o escudo do desenvolvimento, pois permite que o país tenha capacidade de dizer não e de defender os seus interesses. E, além disso, o desenvolvimento e a defesa são inseparáveis, pois os avanços tecnológicos de um beneficiam o outro, e quem ganha é todo o país” [Fonte: www.defesanet.com.br ].