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TÍTULO - teiahistorica.files.wordpress.com · ano 80 do século passado, meu pai como funcionário público, fiel cumpridor dos seus deveres, minha mãe toda absorvida nos afazeres

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TTULO TRADUZIDO: Minha LutaTTULO ORIGINAL: Mein KampfAUTOR: Adolf HitlerGNERO: Autobiografia, PolticaANO: 1925

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NDICEPREFCIO [ ] DEDICATRIA [ ] PRIMEIRA PARTE [ ]

Captulo 1 : Na casa paterna [ ]Captulo 2 : Anos de aprendizado e de sofrimento em viena [ ]Captulo 3 : Reflexes gerais sobre a poltica da poca de minha estada em viena [ ]Captulo 4 : Munique [ ]Captulo 5 : A Guerra Mundial [ ]Captulo 6 : A Propaganda de Guerra [ ]Captulo 7 : A Revoluo [ ]Captulo 8 : Comeo de minha atividade poltica [ ]Captulo 9 : O Partido Trabalhista Alemo [ ]Captulo 10 : Causas primrias do colapso [ ]Captulo 11 : Povo e Raa [ ]Captulo 12 : O primeiro perodo de desenvolvimento do partido Nacional Socialista

dos trabalhadores Alemes [ ]

SEGUNDA PARTE [ ] Captulo 1 : Doutrina e Partido [ ]Captulo 2 : O Estado [ ]Captulo 3 : Cidados e "sditos" do estado [ ]Captulo 4 : Personalidade e concepo do estado nacional [ ]Captulo 5 : Concepo do mundo e organizao [ ]Captulo 6 : A luta nos primeiros tempos - A importncia da oratria [ ]Captulo 7 : A Luta com a Frente Vermelha [ ]Captulo 8 : O forte mais forte sozinho [ ]Captulo 9 : Ideias fundamentais sobre o fim e a organizao dos trabalhadores

socialistas [ ]Captulo 10 : Mscara do Federalismo [ ]Captulo 11 : Propaganda de organizao [ ]Captulo 12 : A questo sindical [ ]Captulo 13 : Foltica de aliana da alemanha aps a guerra [ ]Captulo 14 : Orientao para leste ou poltica de leste [ ]Captulo 15 : O Direito de Defesa [ ]

POSFCIO [ ]

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PREFCIONo dia 1. de abril de 1924, por fora de sentena do Tribunal de Munique,

tinha eu entrado no presdio militar de Landsberg sobre o Lech.

Assim se me oferecia, pela primeira vez, depois de anos de ininterrupto

trabalho, a possibilidadede dedicar-me a uma obra, por muitos solicitada e por mim

mesmo julgada conveniente aomovimento nacional socialista.

Decidi-me, pois, a esclarecer, em dois volumes, a finalidade do nosso

movimento e, ao mesmotempo, esboar um quadro do seu desenvolvimento.

Nesse trabalho aprender-se- mais do que em uma dissertao puramente

doutrinria.

Apresentava-se-me tambm a oportunidade de dar uma descrio de minha

vida, no que fossenecessrio compreenso do primeiro e do segundo volumes e

no que pudesse servir para destruiro retrato lendrio da minha pessoa feito pela

imprensa semtica.

Com esse livro eu no me dirijo aos estranhos mas aos adeptos do

movimento que ao mesmoaderiram de corao e que aspiram esclarecimentos mais

substanciais.

Sei muito bem que se conquistam adeptos menos pela palavra escrita do

que pela palavra faladae que, neste mundo, as grandes causas devem seu

desenvolvimento no aos grandes escritoresmas aos grandes oradores.

Isso no obstante, os princpios de uma doutrinao devem ser

estabelecidos para sempre pornecessidade de sua defesa regular e contnua.

Que estes dois volumes valham como blocos com que contribuo

construo da obra coletiva.

O AUTOR

Landsberg sobre o Lech, Presdio Militar.

1

DEDICATRIANo dia 9 de novembro de 1923, na firme crena da ressurreio do seu povo,

s 12 horas e 30 minutos da tarde, tombaram diante do quartel general assim como

no ptio do antigo Ministrio da Guerra de Munique os seguintes cidados:

Alfarth (Felix). Negociante, nascido a 5 de julho de 1901.

Bauriedl (Andreas). Chapeleiro, nascido a 4 de maio de 1879.

Casella (Theodor). Bancrio, nascido a 8 de agosto de 1900.

Ehrlich (Wilhelm). Bancrio, nascido a 19 de agosto de 1894.

Faust (Martin). Bancrio, nascido a 27 de janeiro de 1901.

Hechenberger (Ant.). Serralheiro, nascido a 28 de setembro de 1902.

Krner (Oskar). Negociante, nascido a 4 de janeiro de 1875.

Kuhn (Karl). Garo.Cehfe, nascido a 26 de julho de 1897.

Laforce (Karl). Estudante de engenharia, nascido a 28 de outubro de

1904.

Neubauer (Kurt). Domstico, nascido a 27 de maro de 1899.

Pope (Claus von). Negociante, nascido a 16 de agsto de 1904.

Pforden (Theodor von der). Membro do Supremo Tribunal, nascido a

14 de maio de 1873.

Rickmers (Joh.). Capito de Cavalaria, nascido a 7 de maio de 1881.

Scheubner-Richter (Max Erwin von). Engenheiro, nascido a 9 de

janeiro de 1884.

Stransky (Lorenz Ritter von). Engenheiro, nascido a 14 de maro de

1899.

Wolf (Wilhelm). Negociante, nascido a 19 de outubro de 1898.

As chamadas autoridades nacionais recusaram aos heris mortos um tmulo

comum.

Por isso eu lhes dedico, para a lembrana de todos, o primeiro volume desta

obra, a fim de que esses mrtires iluminem para sempre os adeptos do nosso

movimento.

2

Landsberg sobre o Lech, Presdio Militar, 16 de outubro de 1924.

Adolf Hitler

3

PRIMEIRA PARTE

4

CAPTULO INA CASA PATERNA

Considero hoje como uma feliz determinao da sorte que Braunau no Inn

tenha sido destinada para lugar do meu nascimento. Essa cidadezinha est situada

nos limites dos dois pases alemes cuja volta unidade antiga vista, pelo menos

por ns jovens, como uma questo de vida e de morte.

A ustria alem deve voltar a fazer parte da grande Ptria germnica, alis

sem se atender a motivos de ordem econmica. Mesmo que essa unio fosse, sob o

ponto de vista econmico, incua ou at prejudicial, ela deveria realizar-se. Povos

em cujas veias corre o mesmo sangue devem pertencer ao mesmo Estado. Ao povo

alemo no assistem razes morais para uma poltica ativa de colonizao,

enquanto no conseguir reunir os seus prprios filhos em uma ptria nica. Somente

quando as fronteiras do Estado tiverem abarcado todos os alemes sem que se lhes

possa oferecer a segurana da alimentao, s ento surgir, da necessidade do

prprio povo, o direito, justificado pela moral, da conquista de terra estrangeira. O

arado, nesse momento ser a espada, e, regado com as lgrimas da guerra, o po

de cada dia ser assegurado posteridade.

Por isso, essa cidadezinha da fronteira aparece aos meus olhos como o

smbolo de uma grande misso. Sob certo aspecto, ela se apresenta como uma

exortao nos tempos que correm. H mais de cem anos, esse modesto ninho,

cenrio de uma tragdia cuja significao todo o povo alemo compreende,

conquistou, pelo menos, na histria alem, o direito imortalidade. No tempo da

maior humilhao infligida nossa Ptria, tombou ali, por amor sua idolatrada

Alemanha, Johannes Palm, de Nuremberg, livreiro burgus, obstinado nacionalista e

inimigo dos franceses. Tenazmente recusara-se, como Leo Schlagter, a denunciar os

seus cmplices, ou melhor os cabeas do movimento. Como este, ele foi

denunciado Frana, por um representante do governo. Um chefe de polcia de

Ausburgo conquistou para si essa triste glria e serviu assim de modelo s

autoridades alems no governo de Severing.

5

Nessa cidadezinha do Inn, imortalizada pelo martrio de grandes alemes,

bvara pelo sangue, austraca quanto ao governo, moravam meus pais no fim do

ano 80 do sculo passado, meu pai como funcionrio pblico, fiel cumpridor dos

seus deveres, minha me toda absorvida nos afazeres domsticos e, sobretudo,

sempre dedicada aos cuidados da famlia. Na minha memria, pouco ficou desse

tempo, pois, dentro de alguns anos, meu pai teve que deixar a querida cidadezinha e

ir ocupar novo lugar em Passau, na prpria Alemanha.

A sorte de empregado aduaneiro austraco se traduzia, naquele tempo, por

uma constante peregrinao. Pouco tempo depois, meu pai foi para Linz, para onde

finalmente se dirigiu tambm depois de aposentado. Essa aposentadoria no devia,

porm, significar um verdadeiro descanso para o velho funcionrio. Filho de um

pobre lavrador, j noutros tempos ele no tolerava a vida inativa em casa. Ainda no

contava treze anos e j o jovem de ento fazia os seus preparativos e deixava a

casa paterna no Waldviertel. Apesar dos conselhos em contrrio dos "experientes"

moradores da aldeia, o jovem dirigiu-se para Viena, como objetivo de aprender um

ofcio manual. Isso aconteceu entre 1850 e 1860. Arrojada resoluo essa de

afrontar o desconhecido com trs florins para as despesas de viagem. Aos

dezessete anos, tinha ele feito as provas de aprendiz. No estava, porm, contente.

Muito ao contrrio. A longa durao das necessidades de outrora, a misria e o

sofrimento constantes fortaleceram a resoluo de abandonar de novo o ofcio, para

vir a ser alguma coisa mais elevada. Naquele tempo, aos olhos do pobre jovem, a

posio de proco de aldeia parecia a mais elevada a que se podia aspirar; agora,

porm, na esfera mais vasta da grande capital, a sua ambio maior era entrar para

o funcionalismo. Com a tenacidade de quem, na meninice, j era um velho, por

eleito da penria e das aflies, o jovem de dezessete anos insistiu na sua resoluo

e tornou-se funcionrio pblico. Depois dos Vinte e trs anos, creio eu, estava

atingido o seu objetivo. Parecia assim estar cumprida a promessa que o pobre rapaz

havia feito, isto , de no voltar para a aldeia paterna sem que tivesse melhorado a

sua situao.

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Agora estava atingido o seu ideal. Na aldeia, porm ningum mais dele se

lembrava e a ele mesmo a aldeia se tornara desconhecida.

Quando, aos cinqenta e seis anos, ele se aposentou, no pde suportar

esse descanso na ociosidade. Comprou, ento, uma propriedade na vila de

Lambach, na alta ustria, valorizou-a e voltou assim, depois de uma vida longa e

trabalhosa, mesma origem dos seus pais.

Nesse tempo, formavam-se no meu esprito os primeiros ideais. As correrias

ao ar livre, a longa caminhada para a escola, as relaes com rapazes

extremamente robustos - o que muitas vezes causava a minha me os maiores

cuidados - esses hbitos me poderiam preparar para tudo menos para uma vida

sedentria. Embora, mal pensasse ainda seriamente sobre a minha futura vocao,

de nenhum modo as minhas simpatias se dirigiam para a linha de vida seguida por

meu pai. Eu creio que j nessa. poca meu talento verbal se adestrava nas

discusses com os camaradas.

Eu me tinha tornado um pequeno chefe de motins, que, na escola, aprendia

com facilidade, mas era difcil de ser dirigido.

Quando, nas minhas horas livres, eu recebia lies de canto no coro

paroquial de Lambach, tinha a melhor oportunidade de extasiar-me ante as pompas

festivas das brilhantssimas festas da igreja. Assim como meu pai via na posio de

proco de aldeia o ideal na vida, a mim tambm a situao de abade pareceu a

aspirao mais elevada. Pelo menos temporariamente isso se deu.

Desde que meu pai, por motivos de fcil compreenso, no podia dar o

devido apreo ao talento oratrio do seu bulhento filho, para da tirar concluses

favorveis ao futuro do seu pimpolho, bvio que ele no concordasse com essas

idias de mocidade. Apreensivo, ele observava essa disparidade da natureza.

Na realidade a vocao temporria por essa profisso desapareceu muito

cedo, para dar lugar a esperanas mais conformes com o meu temperamento.

Revolvendo a biblioteca paterna, deparei com diversos livros sobre assuntos

militares, entre eles uma edio popular da guerra franco-alem de 1870-1871.

Eram dois volumes de uma revista ilustrada daquele tempo. Tornaram-se a minha

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leitura favorita. No tardou muito para que a grande luta de heris se transformasse

para mim em um acontecimento da mais alta significao. Da em diante, eu me

entusiasmava cada vez mais por tudo que, de qualquer modo, se relacionasse com

guerra ou com a vida militar. Sob outro aspecto, isso tambm deveria vir a ser de

importncia para mim. Pela primeira vez, embora ainda de maneira confusa, surgiu

no meu esprito a pergunta sobre se havia alguma diferena entre estes alemes

que lutavam e os outros e, em caso afirmativo, qual era essa diferena. Por que a

ustria no combateu com a Alemanha nesta guerra? Por que meu pai e todos os

outros no se bateram tambm? No somos iguais a todos os outros alemes? No

formamos todos um corpo nico? Esse problema comeou, pela primeira vez, a

agitar o meu esprito infantil. Com uma inveja intima, deveria s minhas cautelosas

perguntas aceitar a resposta de que nem todo alemo possua a felicidade de

pertencer ao imprio de Bismarck. Isso era inconcebvel para mim.

Estava decidido que eu deveria estudar.

Considerando o meu carter e, sobretudo o meu temperamento, pensou meu

pai poder chegar concluso de que o curso de humanidades oferecia uma

contradio com as minhas tendncias intelectuais. Pareceu-lhe que uma escola

profissional corresponderia melhor ao caso. Nessa opinio, ele se fortaleceu ainda

mais ante minha manifesta aptido para o desenho, matria cujo estudo, no seu

modo de ver, era muito negligenciado nos ginsios austracos. Talvez estivesse

tambm exercendo influncia decisiva nisso a sua difcil luta pela vida, na qual, aos

seus olhos, o estudo de humanidades de pouca utilidade seria. Por princpio, era de

opinio que, como ele, seu filho naturalmente seria e deveria ser funcionrio pblico.

Sua amarga juventude fez com que o xito na vida fosse por ele visto como tanto

maior quanto considerava o mesmo como produto de uma frrea disposio e de

sua prpria capacidade de trabalho. Era o orgulho do homem que se fez por si que o

induzia a querer elevar seu filho a uma posio igual ou, se possvel, mais alta que a

do seu pai, tanto mais quando por sua prpria diligncia, estava apto a facilitar de

muito a evoluo deste.

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O pensamento de uma repulsa aquilo que, para ele, se tornou o objetivo de

uma vida inteira, parecia-lhe inconcebvel. A resoluo de meu pai era, pois, simples,

definida, clara e, a seus olhos, compreensvel por si mesma. Finalmente para o seu

temperamento tornado imperioso atravs de uma amarga luta pela existncia, no

decorrer da sua vida inteira, parecia coisa absolutamente intolervel, em tais

assuntos, entregar a deciso final a um jovem que lhe parecia inexperiente e ainda

sem responsabilidade.

Seria impossvel que isso se coadunasse com a sua usual concepo do

cumprimento do dever, pois representava uma diminuio reprovvel de sua

autoridade paterna. Alm disso, a ele cabia a responsabilidade do futuro do seu filho.

E, no obstante, coisa diferente deveria acontecer. Pela primeira vez na vida

fui, mal chegava aos onze anos, forado a fazer oposio.

Por mais firmemente decidido que meu pai estivesse na execuo dos

planos e propsitos que se formara, no era menor a teimosia e a obstinao de seu

filho em repelir um pensamento que pouco ou nada lhe agradava.

Eu no queria ser funcionrio.

Nem conselhos nem "srias" admoestaes conseguiram demover-me dessa

oposio.

Nunca, jamais, em tempo algum, eu seria funcionrio pblico.

Todas as tentativas para despertar em mim o amor por essa profisso,

inclusive a descrio da vida de meu pai, malogravam-se, produziam o efeito

contrrio.

Era para mim abominvel o pensamento de, como um escravo, um dia

sentar-me em um escritrio, de no ser senhor do meu tempo mas, ao contrrio,

limitar-me a ter como finalidade na vida encher formulrios! Que pensamento

poderia isso despertar em um jovem que era tudo menos bom no sentido usual da

palavra? O estudo extremamente fcil na escola proporcionava-me tanto tempo

disponvel que eu era mais visvel ao ar livre do que em casa.

Quando hoje, meus adversrios polticos examinam com carinhosa ateno

a minha vida at aos tempos da minha juventude para, finalmente, poder apontar

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com satisfao os maus feitos que esse Hitler j na mocidade havia perpetrado,

agradeo aos cus que agora alguma coisa me restitua memria daqueles tempos

felizes.

Campos e florestas eram outrora a sala de esgrima na qual as antteses de

sempre vinham luz.

Mesmo a freqncia escola profissional que se seguiu a isso em nada me

serviu de estorvo.

Uma outra questo deveria, porm, ser decidida.

Enquanto a resoluo de meu pai de fazer-me funcionrio pblico encontrou

em mim apenas uma oposio de princpios, o conflito foi facilmente suportvel. Eu

podia, ento dissimular minhas idias ntimas, no sendo preciso contraditar

constantemente. Para minha tranqilidade, bastava- me a firme deciso de no

entrar de futuro para a burocracia. Essa resoluo era, porm, inabalvel. A situao

agravou-se quando ao plano de meu pai eu opus o meu. Esse fato aconteceu j aos

treze anos. Como isso se deu, no sei bem hoje, mas um dia pareceu-me claro que

eu deveria ser artista, pintor.

Meu talento para o desenho, inquestionavelmente, continuava a afirmar-se, e

foi at uma das razes por que meu pai me mandou escola profissional sem

contudo nunca lhe ter ocorrido dirigir a minha educao nesse sentido. Muito ao

contrrio. Quando eu, pela primeira vez, depois de renovada oposio ao

pensamento favorito de meu pai, fui interrogado sobre que profisso desejava ento

escolher e quase de repente deixei escapar a firme resoluo que havia adotado de

ser pintor, ele quase perdeu a palavra.

"Pintor! Artista!" exclamou ele.

Julgou que eu tinha perdido o juzo ou talvez que eu no tivesse ouvido ou

entendido bem a sua pergunta.

Quando compreendeu, porm, que no tinha havido mal-entendido, quando

sentiu a seriedade da minha resoluo, lanou-se com a mais inabalvel deciso

contra a minha idia.

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Sua resoluo era demasiado firme. Intil seria argumentar com as minhas

aptides para essa profisso.

"Pintor, no! Enquanto eu viver, nunca!" terminou meu pai.

O filho que, entre outras qualidades do pai, havia herdado a teimosia,

retrucou com uma resposta semelhante mas no sentido contrrio.

Cada um ficou irredutvel no seu ponto de vista. Meu pai no abandonava o

seu nunca e eu reforava cada vez mais o meu no obstante.

As conseqncias disso no foram muito agradveis. O velho tornou-se

irritado e eu tambm, apesar de gostar muito dele. Afastou-se para mim qualquer

esperana de vir a ser educado para a pintura. Fui mais adiante e declarei ento

absolutamente no mais estudar. Como eu, naturalmente, com essa declarao teria

todas as desvantagens, pois o velho parecia disposto a fazer triunfar a sua

autoridade sem consideraes de qualquer natureza, resolvi calar da por diante,

convertendo, porm, as minhas ameaas em realidade.

Acreditava que quando meu pai observasse a minha falta de aproveitamento

na escola profissional, por bem ou por mal consentiria na minha sonhada felicidade.

No sei se meus clculos dariam certo. A verdade que meu insucesso na

escola verificou-se. S estudava o que me agradava, sobretudo aquilo de que eu

poderia precisar mais tarde como pintor. O que me parecia sem significao para

esse objetivo ou o que no me era agradvel, eu punha de lado inteiramente.

Nesse tempo os meus certificados de estudos, apresentavam sempre notas

extremas, de acordo com as matrias e o apreo em que eu as tinha. Digno de

louvor e timo, de um lado; sofrvel ou pssimo do outro.

Incomparavelmente melhores eram os meus trabalhos em geografia e,

sobretudo, em histria. Eram essas as duas matrias favoritas, nas quais eu fazia

progressos na classe.

Quando, depois de muitos anos, examino o resultado daqueles tempos, vejo

dois fatos de muita significao:

1. Tornei-me nacionalista.

2. Aprendi a entender a histria pelo seu verdadeiro sentido.

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A antiga ustria era um "estado de muitas nacionalidades".

O cidado do imprio alemo, pelo menos outrora, no podia, em ltima

anlise, compreender a significao desse fato na vida diria do indivduo, em um

Estado assim organizado como a ustria.

Depois do maravilhoso cortejo triunfal dos heris da guerra franco-prussiana,

os alemes que viviam no estrangeiro eram vistos como cada vez mais estranhos

vida da nao, que, em parte, no se esforavam por apreciar ou mesmo no o

podiam.

Confundia-se, na Alemanha, sobretudo em relao aos austro-alemes, a

desmoralizada dinastia austraca com o povo que, na essncia, se mantinha so.

No se concebe como o alemo na ustria - no fosse ele da melhor

tmpera - pudesse possuir fora para exercer a sua influncia em um Estado de 52

milhes. No se concebe tambm, sem essa hiptese, que, at na Alemanha, se

tenha formado a opinio errada de que a ustria era um Estado alemo, disparate

de srias conseqncias que constitui, porm, um brilhante atestado em favor dos

dez milhes de alemes da fronteira oriental.

S hoje, que essa triste fatalidade caiu sobre muitos milhes dos nossos

prprios compatriotas, que, sob o domnio estrangeiro, acham-se afastados da

Ptria e dela se lembram com angustiosa saudade e se esforam por ter ao menos o

direito sagrada lngua materna, compreende-se, em maiores propores, o que

significa ser obrigado a lutar pela sua nacionalidade.

S ento um ou outro poder, talvez, avaliar a grandeza do sentimento

alemo na velha fronteira oriental, sentimento que se manteve por si mesmo, e que,

durar te sculos, protegera o Reich na fronteira oriental para finalmente se resumir a

pequenas guerras destinadas apenas a conservar as fronteiras da lngua. Isso se

dava em um tempo em que o governo alemo se interessava por uma poltica

colonial, enquanto se mantinha indiferente pela defesa da carne e do sangue de seu

povo, diante de suas portas.

Como sempre acontece em todas as lutas, havia na campanha pela lngua

trs classes distintas: os lutadores, os indiferentes e os traidores.

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J na escola se comeava a notar essa separao, pois o mais digno de

nota na luta pela lngua que justamente na escola, como viveiro das geraes

futuras, que as ondas do movimento se fazem sentir mais vibrantes.

Em torno da criana empenha-se a luta, e a ela dirigido o primeiro apelo:

"Menino de sangue alemo, no te esqueas de que s um alemo; menina,

pensa que um dia devers ser me alem".

Quem conhece a alma da juventude poder compreender que so

justamente os moos que com mais intensa alegria ouvem tal grito de guerra. De

centenas de maneiras diferentes costumam eles dirigir essa luta em que empregam

os seus prprios meios e armas. Eles evitam canes no alemes, entusiasmam-

se pelos heris alemes, tanto mais quanto maior o esforo para deles afast-los,

sacrificam o estmago para economizarem dinheiro para a luta dos grandes Em

relao ao estudante no-alemo, so incrivelmente curiosos e ao mesmo tempo

intratveis. Usam as insgnias proibidas da nao e sentem-se felizes em ser por

isso castigados ou mesmo batidos. So, em pequenas propores, um quadro fiel

dos grandes, freqentemente com melhores e mais sinceros sentimentos.

A mim tambm se ofereceu outrora a possibilidade de, ainda relativamente

muito jovem, tomar parte na luta pela nacionalidade da antiga ustria. Quando

reunidos na associao escolar, expressvamos os nossos sentimentos usando

lios e as cores preta, vermelha e ouro, que, entusiasticamente, saudvamos com

urras. Em vez da cano imperial, cantvamos "Deutschland ber alles", apesar das

admoestaes e dos castigos. A juventude era assim politicamente ensinada em um

tempo em que os membros de uma soi-disant nacionalidade, na maioria da sua

nacionalidade conhecia pouco mais do que a linguagem. Que eu ento no

pertencia aos indiferentes, compreende-se por si mesmo. Dentro de pouco tempo,

eu me tinha transformado em um fantico Nacional-Alemo, designao que, de

nenhuma maneira, idntica concepo do atual partido com esse nome.

Essa evoluo fez em mim progressos muito rpidos, tanto que, aos quinze

anos, j tinha chegado a compreender a diferena entre patriotismo dinstico e

nacionalismo racista. O ltimo conhecia eu, ento, muito mais.

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Para quem nunca se deu ao trabalho de estudar as condies internas da

monarquia dos Habsburgos, um tal acontecimento poder no parecer claro.

Somente as lies na escola sobre a histria universal deveriam, na ustria, lanar o

germe desse desenvolvimento, mas s em pequenas propores existe uma histria

austraca especfica.

O destino desse Estado to intimamente ligado vida e ao crescimento do

povo alemo, que uma separao entre a histria alem e a austraca parece

impossvel. Quando, por fim, a Alemanha comeou a separar-se em dois Estados

diferentes, at essa separao passou para a histria alem.

As insgnias do Imperador, sinais do esplendor antigo do Imprio,

preservadas em Viena, parecem atuar mais como um poder de atrao do que como

penhor de uma eterna solidariedade. O primeiro grito dos austro-alemes, nos dias

do desmembramento do Estado dos Habsburgos, no sentido de uma unio com a

Alemanha, era apenas efeito de um sentimento adormecido mas de razes

profundas no corao dos dois povos o anelo pela volta me-ptria nunca

esquecida.

Nunca seria isso, porm, compreensvel, se a aprendizagem histrica dos

austro-alemes no fosse a causa de uma aspirao to geral. Ai est a fonte que

nunca se estanca, a qual, sobretudo nos momentos de esquecimento, pondo de

parte as delcias do presente, exorta o povo, pela lembrana do passado, a pensar

em um novo futuro.

O ensino da histria universal nas chamadas escolas mdias ainda hoje

muito deixa a desejar. Poucos professores compreendem que a finalidade do ensino

da histria no deve consistir em aprender de cor datas e acontecimentos ou obrigar

o aluno a saber quando esta ou aquela batalha se realizou, quando nasceu um

general ou quando um monarca quase sempre sem significao, ps sobre a cabea

a coroa dos seus avs. No, graas a Deus no disso que se deve tratar.

Aprender histria quer dizer procurar e encontrar as foras que conduzem s

causas das aes que vemos como acontecimentos histricos. A arte da leitura

como da instruo consiste nisto: conservar o essencial, esquecer o dispensvel.

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Foi talvez decisivo para a minha vida posterior que me fosse dada a

felicidade de ter como professor de histria um dos poucos que a entendiam por

esse ponto de vista e assim a ensinavam. O professor Leopold Ptsch, da escola

profissional de Linz, realizara esse objetivo de maneira ideal. Era ele um homem

idoso, bom mas enrgico e, sobretudo pela sua deslumbrante eloqncia, conseguia

no s prender a nossa ateno mas empolgar-nos de verdade. Ainda hoje, lembro-

me com doce emoo do velho professor que, no calor de sua exposio, fazia-nos

esquecer o presente, encantava-nos com o passado e do nevoeiro dos sculos

retirava os ridos acontecimentos histricos para transform-los em viva realidade.

Ns o ouvamos muitas vezes dominados pelo mais intenso entusiasmo, outras

vezes comovidos at s lgrimas. O nosso contentamento era tanto maior quanto

este professor entendia que o presente devia ser esclarecido pelo passado e deste

deviam ser tiradas as conseqncias para dai deduzir o presente. Assim fornecia

ele, muito freqentemente, explicaes para o problema do dia, que outrora nos

deixava em confuso. Nosso fanatismo nacional de jovens era um recurso

educacional de que ele, freqentemente apelando para o nosso sentimento

patritico, se servia para completar a nossa preparao mais depressa do que teria

sido possvel por quaisquer outros meios. Esse professor fez da histria o meu

estudo favorito. Assim, j naqueles tempos, tornei-me um jovem revolucionrio, sem

que fosse esse o seu objetivo.

Quem, com um tal professor, poderia aprender a histria alem, sem ficar

inimigo do governo que, de maneira to nefasta, exercia a sua influncia sobre os

destinos da nao?

Quem poderia, finalmente, ficar fiel ao imperador de uma dinastia que no

passado e no presente sempre traiu os interesses do povo alemo, em beneficio de

mesquinhos interesses pessoais?

J no sabamos, ns jovens, que esse Estado austraco nenhum amor por

ns possua e sobretudo no podia possuir?

O conhecimento histrico da atuao dos Habsburgos foi reforado pela

experincia diria. No norte e no sul, o veneno estrangeiro devorava o nosso

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sentimento racial, e at Viena tornava-se, a olhos vistos e cada vez mais, estranha

ao esprito alemo.

A Casa da ustria tchequizava-se, por toda parte, e foi por efeito do punho

da deusa do direito eterno e da inexorvel lei de Talio que o inimigo mortal da

ustria alem, arquiduque Franz Ferdinando, foi vtima de uma bala que ele prprio

havia ajudado a fundir. Era ele o patrono da eslavizao da ustria, que se operava

de cima para baixo, por todas as formas possveis.

Enormes foram os nus que se exigiam do povo alemo, inauditos os seus

sacrifcios em impostos e em sangue, e, no obstante, quem quer que no fosse

cego, deveria reconhecer que tudo isso seria intil.

O que nos era mais doloroso era o fato de ser esse sistema moralmente

protegido pela aliana com a Alemanha, e que a lenta extirpao do sentimento

alemo na velha monarquia at certo ponto tinha a sano da prpria Alemanha.

A hipocrisia dos Habsburgos com a qual se pretendia dar no exterior a

aparncia de que a ustria ainda era um Estado alemo, fazia crescer o dio contra

a Casa Austraca, at atingir a indignao e, ao mesmo tempo, o desprezo.

S no Reich os j ento predestinados" nada viam de tudo isso.

Como atingidos pela cegueira, caminhavam eles ao lado de um cadver e,

nos sinais da decomposio, acreditavam descobrir indcios de nova vida.

Na fatal aliana do jovem imprio alemo com o arremedo de Estado

austraco estava o germe da Grande Guerra, mas tambm o do desmembramento.

No decurso deste livro terei que me ocupar mais demoradamente deste

problema. Basta que aqui se constate que, j nos primeiros anos da juventude, eu

havia chegado a uma opinio que nunca mais me abandonou, mas, pelo contrrio,

cada vez mais se fortificou. E essa era que a segurana do germanismo

pressupunha a destruio da ustria e que o sentimento nacional no era idntico

ao patriotismo dinstico e que, antes de tudo, a Casa dos Habsburgos estava

destinada a fazer a infelicidade do povo alemo.

Dessa convico eu j tinha outrora tirado as conseqncias: amor ao meu

bero austro-alemo, profundo dio contra o governo austraco.

16

A arte de pensar pela histria, que me tinha sido ensinada na escola, nunca

mais me abandonou. A histria universal tornou-se para mim, cada vez mais, uma

fonte inesgotvel de conhecimentos para agir no presente, isto , para a poltica. Eu

no quero aprender a histria por si, mas, ao contrrio, quero que ela me sirva de

ensinamento para a vida.

Assim como logo cedo tornei-me revolucionrio, tambm tornei-me artista.

A capital da alta ustria possua outrora um teatro que no era mau. Nle se

representava quase tudo. Aos doze anos, vi pela primeira vez "Guilherme Te!!" e,

alguns meses depois, "Lohengrin", a primeira pera que assisti na minha vida. Senti-

me imediatamente cativado pela msica. O entusiasmo juvenil pelo mestre de

Bayreuth no conhecia limites.

Cada vez mais me sentia atrado pela sua obra, e considero hoje uma

felicidade especial que a maneira modesta por que foram as peas representadas

na capital da provncia me tivesse deixado a possibilidade de um aumento de

entusiasmo em representaes posteriores mais perfeitas.

Tudo isso fortificava minha profunda averso pela profisso que meu pai me

havia escolhido. Essa averso cresceu depois de passados os dias da meninice,

que para mim foram cheios de pesares. Cada vez mais eu me convencia que nunca

seria feliz como empregado pblico. Depois que, na escola profissional, meus dotes

de desenhista se tornaram conhecidos, a minha resoluo ainda mais se afirmou.

Nem pedidos nem ameaas seriam capazes de modificar essa deciso.

Eu queria ser pintor e, de modo algum, funcionrio pblico.

E, coisa singular, com o decorrer dos anos aumentava sempre o meu

interesses pela arquitetura.

Eu considerava isso, outrora, como um natural complemento da minha

inclinao para a pintura e regozijava-me intimamente com esse desenvolvimento da

minha formao artstica.

Que outra coisa, contrrio a isso, viesse acontecer, no previa eu.

O problema da minha profisso devia, porm, ser decidido mais rapidamente

do que eu supunha.

17

Aos treze anos perdi repentinamente meu pai. Ainda muito vigoroso, foi

vtima de um ataque apopltico que, sem provocar-lhe nenhum sofrimento, encerrou

a sua peregrinao na terra, mergulhando-nos na mais profunda dor.

O que mais almejava, isto , facilitar a existncia de seu filho, para poupar-

lhe a vida de dificuldades que ele prprio experimentara, no havia sido alcanado,

na sua opinio. Apenas sem o saber, ele lanou as bases de um futuro que no

havamos previsto, nem ele, nem eu.

Aparentemente, a situao no se modificou logo.

Minha me sentia-se no dever de, conforme aos desejos de meu pai,

continuar minha educao, isto , fazer-me estudar para a carreira de funcionrio.

Eu, porm, estava ainda mais decidido do que antes, a no ser burocrata, sob

condio alguma. A proporo que a escola mdia, pelas matrias estudadas ou

pela maneira de ensin-las, afastava-se do meu ideal, eu me tornava indiferente ao

estudo.

Inesperadamente, uma enfermidade veio em meu auxlio e, em poucas

semanas, decidiu do meu futuro, pondo termo constante controvrsia na casa

paterna.

Uma grave afeco pulmonar fez com que o mdico aconselhasse a minha

me, com o maior empenho, a no permitir absolutamente. que, de futuro, eu me

entregasse a trabalhos de escritrio. A freqncia escola profissional deveria

tambm ser suspensa pelo menos por um ano. Aquilo que eu, durante tanto

tempo, almejava, e por que tanto me tinha batido, ia, por fora desse fato, uma vez

por todas, transformar-se em realidade.

Sob a impresso da minha molstia, minha me consentiu finalmente em

tirar-me, tempos depois, da escola profissional e em deixar-me freqentar a

Academia. Foram os dias mais felizes da minha vida, que me pareciam quase que

um sonho e na realidade de sonho no passaram.

Dois anos mais tarde, o falecimento de minha me dava a esses belos

projetos um inesperado desenlace.

18

A sua morte se deu depois de uma longa e dolorosa enfermidade que, logo

de comeo, pouca esperana de cura oferecia. No obstante isso, o golpe atingiu-

me atrozmente. Eu respeitava meu pai, mas por minha me tinha verdadeiro amor.

A pobreza e a dura realidade da vida foraram-me a tomar uma rpida

resoluo. Os pequenos recursos econmicos deixados por meu pai foram quase

esgotados durante a grave enfermidade de minha me. A penso que me coube

como rfo, no era suficiente nem para as necessidades mais imperiosas. Estava

escrito que eu, de uma maneira ou de outra, deveria ganhar o po com o meu

trabalho.

Tendo na mo unia pequena mala de roupa e, no corao, uma vontade

imperturbvel, viajei para Viena.

O que meu pai, cinqenta anos antes, havia conseguido, esperava eu

tambm obter da sorte. Eu queria tornar-me "algum", mas, em caso algum,

empregado pblico.

19

CAPTULO IIANOS DE APRENDIZADO E DE SOFRIMENTO EM VIENA

Quando minha me morreu, meu destino sob certo aspecto j se tinha

decidido.

Nos seus ltimos meses de sofrimento eu tinha ido a Viena para fazer exame

de admisso Academia. Armado de um grosso volume de desenhos, dirigi-me

capital austraca convencido de poder facilmente ser aprovado no exame. Na escola

profissional eu j era sem nenhuma dvida, o primeiro aluno de desenho da minha

classe. Daquele tempo para c a minha aptido se tinha desenvolvido

extraordinariamente. de maneira que, contente comigo mesmo, esperava, orgulhoso

e feliz, obter o melhor resultado da prova a que me ia submeter.

S uma coisa me afligia: meu talento para a pintura parecia sobrepujado pelo

talento para o desenho, sobretudo no domnio da arquitetura. Ao mesmo tempo,

crescia cada vez mais meu interesses pela arte das construes. Mais vivo ainda se

tornou esse interesse quando, aos dezesseis anos incompletos, fiz minha primeira

visita a Viena, visita que durou duas semanas. Ali fui para estudar a galeria de

pintura do "Hofmuseum", mas quase s me interessava o prprio edifcio do museu.

Passava o dia inteiro, desde a manh at tarde da noite, percorrendo com a vista

todas as raridades nele contidas, mas, na realidade, as construes que mais me

prendiam a ateno. Durante horas seguidas, ficava diante da pera ou admirando

o edifcio de Parlamento. A "Ringstrasse" atuava sobre mim como um conto de mil-e-

uma noites.

Achava-me agora, pela segunda vez, na grande cidade, e esperava com

ardente impacincia, e, ao mesmo tempo, com orgulhosa confiana, o resultado do

meu exame de admisso. Estava to convencido do xito do meu exame que a

reprovao que me anunciaram feriu-me como um raio que casse de um cu

sereno. Era, no entanto, uma pura verdade. Quando me apresentei ao diretor para

pedir-lhe os motivos da minha no aceitao escola pblica de pintura, assegurou-

me ele que, pelos desenhos por mim trazidos, evidenciava-se a minha inaptido

20

para a pintura e que a minha vocao era visivelmente para a arquitetura. No meu

caso, acrescentou ele, o problema no era de escola de pintura mas de escola de

arquitetura.

No se pode absolutamente compreender, em face disso, que eu at hoje

no tenha freqentado nenhuma escola de arquitetura nem mesmo tomado sequer

uma lio.

Abatido, deixei o magnfico edifcio da "Shillerplatz", sentindo-me. pela

primeira vez na vida, em luta comigo mesmo. O que o diretor me havia dito a

respeito da minha capacidade agiu sobre mim como um raio deslumbrante a revelar

uma luta ntima, que, de h muito, eu vinha sofrendo, sem at ento poder dar-me

conta do porqu e do como.

Em pouco tempo, convenci-me de que um dia eu deveria ser arquiteto. O

caminho era, porm, dificlimo, pois o que eu, por teimosia, tinha evitado aprender

na escola profissional, ia agora fazer- me falta. A freqncia da Escola de Arquitetura

da Academia dependia da freqncia da escola tcnica de construes e a entrada

para essa exigia um exame de madureza em uma escola mdia. Tudo isso me

faltava completamente. Dentro das possibilidades humanas, j no me era mais

lcito esperar a realizao dos meus sonhos de artista.

Quando, depois da morte de minha me, pela terceira vez, e desta vez para

demorar-me muitos anos, fui a Viena, a tranqilidade e uma firme resoluo tinham

voltado a mim, com o tempo decorrido nesse intervalo.

A antiga teimosia tambm tinha voltado e com ela a persistncia na

realizao do meu objetivo. Eu queria ser arquiteto. Obstculos existem no para

que capitulemos diante deles mas para os vencermos. E eu estava disposto a

arrostar com todas essas dificuldades, sempre tendo, diante dos olhos, a imagem de

meu pai, que, de simples aprendiz de sapateiro de aldeia, tinha subido at ao

funcionalismo pblico. O cho sobre que eu pisava era mais firme, as possibilidades

na luta, maiores. O que, outrora, me parecia aspereza da sorte, aprecio hoje como

sabedoria da Providncia. Enquanto a necessidade me oprimia e ameaava

aniquilar-me, crescia a vontade de lutar. E, finalmente, foi vitoriosa a vontade.

21

Agradeo queles tempos o ter-me tornado forte e poder s-lo ainda. E ainda mais

agradeo o ter-me livrado do tdio da vida fcil e ter-me tirado do conforto

despreocupado do lar, para dar-me o sofrimento como substituto de minha me e

lanar-me na luta de um mundo de misrias e de pobreza, que aprendi a conhecer e

pelo qual mais tarde deveria lutar.

Nesse tempo, abriram-se-me os olhos para dois perigos que eu mal conhecia

pelos nomes e que, de nenhum modo, se me apresentavam nitidamente na sua

horrvel significao para a existncia do povo germnico: marxismo e judasmo.

Viena, a cidade que para muitos reputada como um complexo de inocentes

prazeres, como lugar para homens que se querem divertir, vale para mim,

infelizmente, como uma viva lembrana dos mais tristes tempos da minha vida.

Ainda hoje, essa capital s desperta em mim pensamentos sombrios. Cinco anos de

misria e de sofrimentos, eis o que significa a minha estadia nessa cidade de

prazeres. Cinco anos em que, primeiro como ajudante de operrio, depois como

aprendiz de pintor, vime forado a trabalhar pelo po quotidiano, mesquinho po que

nunca bastava para saciar a minha fome habitual, A fome era ento minha

companheira fiel que nunca me deixava sozinho e que de tudo igualmente

participava. Cada livro que eu comprava aumentava a sua participao na minha

vida. Uma visita pera fazia com que ela me fizesse companhia o dia inteiro. Era

uma eterna luta com o meu impiedoso companheiro. E, no obstante isso, nesse

tempo aprendi mais do que nunca. Alm do meu trabalho em construes, das raras

visitas pera, - feitas com o sacrifcio do estmago - tinha como nico prazer a

leitura. Li muito e profundamente. No tempo livre, depois do trabalho, subia

imediatamente ao meu quarto de estudo. Em poucos anos, lancei os alicerces de

conhecimentos de que ainda hoje me utilizo. Mais importante do que tudo isso:

naqueles tempos adquiri uma noo do mundo que serviu de fundamento grantico

para o meu modo de agir de ento. A essa noo precisei acrescentar pouca coisa,

mudar nada.

Ao contrrio.

22

Estou firmemente convencido de que, em conjunto, vrias idias criadoras

que hoje possuo, j na mocidade apareciam fundadas em princpios. Fao diferena

entre a sabedoria da velhice, que vale pela sua maior profundidade e prudncia,

resultantes da experincia de uma longa vida, e a genialidade da juventude que, em

inesgotvel proliferao, cria pensamentos e idias sem poder logo elabor-las

definitivamente, em conseqncia do tumulto em que elas se sucedem. A mocidade

fornece o material de construo e os pia-nos de futuro, dos quais a velhice toma os

blocos, trabalha-os e levanta a construo, isso quando a chamada sabedoria dos

velhos no sufoca a genialidade dos moos.

A vida que eu at ali tinha levado na casa paterna diferenciava-se em pouco

ou em nada da vida dos outros. Sem cuidados, podia esperar pelo dia seguinte, e

para mim no havia questo social. As relaes da minha juventude compunham-se

de pequenos burgueses, por conseguinte de um mundo que mantinha muito poucas

relaes com o verdadeiro operrio. Por mais estranho que isso possa parecer

primeira vista, o abismo entre essa camada social, cuja situao econmica nada

tem de brilhante, e o trabalhador manual, freqentemente mais profundo do que se

pensa. A razo dessa quase inimizade jaz no receio que tem um grupo social que,

apenas h pouco tempo, elevou- se acima do nvel do proletariado, de descer

antiga e pouco prezada posio ou de, pelo menos, ser visto como pertencendo a

essa classe. A isso se acrescente, entre muitos, a desagradvel lembrana da

ignorncia dessa baixa classe, a constante brutalidade nas suas relaes uns com

os outros e compreender-se- porque a pequena burguesia, em uma posio social

ainda inferior, considera todo contato com essas nfimas camadas sociais como um

fardo insuportvel.

Isso explica porque mais freqente a uma pessoa altamente colocada, do

que a um parvenu, nivelar-se, sem afetao, com os mais humildes. O parvenu o

que, por sua prpria fora de vontade, passa, na luta pela vida, de uma posio

social a outra mais elevada. Essa luta, as mais das vezes spera, mata a compaixo

no corao humano e estanca a simpatia pelos sofrimentos dos que ficam atrs.

23

Sob esse aspecto, a sorte foi comigo compassiva. Enquanto me compelia a

voltar para esse mundo de pobreza e de incertezas, que, no decurso de sua vida,

meu pai j havia abandonado, punha, ao mesmo tempo, diante dos meus olhos, com

todos os seus aspectos repugnantes, a educao estreita dos pequenos burgueses.

S ento aprendi a conhecer os homens, aprendi a fazer a diferena entre ocas

aparncias, exteriorizaes brutais e a essncia ntima das coisas.

J no fim do sculo passado, Viena pertencia ao nmero das cidades em que

era visvel o desequilbrio social.

Brilhante riqueza e degradante pobreza revezavam-se em contrastes

violentos. No centro da cidade e nas suas adjacncias sentia-se o bater do pulso do

Imprio de cinqenta e dois milhes, com todo o seu poder mgico de atrao,

nesse Estado de vrias nacionalidades. A Corte no seu deslumbrante esplendor,

agia como m sobre a riqueza e a inteligncia do resto do Estado. A isso deve-se

juntar a forte centralizao da poltica da monarquia dos Habsburgos. Nessa

concentrao, estava a nica possibilidade de manter-se em firme unio essa salada

de povos. A conseqncia disso foi, porm, uma exagerada concentrao das

autoridades governamentais na capital, na residncia da Corte

Alm disso, Viena era, no s espiritual e politicamente, mas tambm

economicamente, o centro da antiga monarquia danubiana. Em frente ao exrcito de

oficiais superiores, funcionrios pblicos, artistas e sbios, estendia-se um exrcito

ainda maior, composto de trabalhadores; em frente da riqueza da aristocracia e do

comrcio, uma pobreza atroz. Diante dos palcios da Ringstrasse perambulavam

milhares de sem-trabalho e, por baixo dessa via triunfal da velha ustria,

amontoavam-se os sem-teto, no lusco-fusco e na imundcie dos canais.

Dificilmente em uma cidade alem se poderia to bem estudar a questo

social como em Viena. Mas ningum se iluda. esse estudo no pode ser feito de

cima para baixo. Quem no se viu nas garras dessa vbora nunca aprender a

conhecer os seus dentes venenosos. Sem essa etapa, tudo redunda em palavreado

superficial ou sentimentalismo hipcrita. Um e outro caso so de conseqncias

24

nocivas: no primeiro, porque no se pode descer ao mago da questo, no segundo,

porque se passa sobre ela.

No sei o que mais desolador: a indiferena pela misria social que se nota

diariamente na maioria dos que foram favorecidos pela sorte ou que subiram pelos

seus prprios mritos, ou a afabilidade soberba, importuna, sem tato, embora

sempre compassiva, de certas senhoras da moda que afetam sentir com o povo.

Essa gente peca por falta de instinto mais do que se pode supor. Por isso, com

surpresa sua, o resultado de sua atividade social sempre nulo, freqentemente

provoca repulsa, o que interpretado como prova da ingratido do povo.

Dificilmente entra na cabea dessa gente que uma atividade social no

consiste nisso e que, sobretudo, no se deve esperar gratido, pois, no caso, no se

trata de distribuio de favores mas apenas de restabelecimento de direitos.

Por isso, escapei de entender a questo social por essa forma. Quando ela

me arrastou aos seus domnios parecia no me convidar para aprender mas sim

para pr-me prova. No foi por seu merecimento que a cobaia, ainda sadia,

suportou a operao.

Na maior parte dos casos no era muito difcil, naquele tempo, encontrar

trabalho, uma vez que eu no era operrio tcnico, mas devia conquistar o po de

cada dia, como ajudante de operrio e muitas vezes como trabalhador de.

emergncia.

Colocava-me, por isso, no ponto de vista daqueles que sacodem dos ps a

poeira da Europa, com o irremovvel propsito de, rio Novo Mundo, criar uma nova

vida, construir uma nova ptria. Libertados de todas as noes at aqui falhas sobre

profisso, ambiente e tradies, pegam-se a todo ganho que se lhes oferece,

agarram-se a todo trabalho, lutando sempre, com a convico de que nenhuma

atividade envergonha, pouco importando de que natureza esta possa ser. Assim

estava eu tambm decidido a lanar-me de corpo e alma no mundo para mim novo e

abrir-me um caminho, lutando.

Cedo me convenci de que trabalho h sempre, mas perdemo-lo com a

mesma facilidade com que o encontramos.

25

A incerteza do ganho do po quotidiano, dentro de pouco tempo pareceu-me

ser o aspecto mais sombrio da nova vida.

O operrio tcnico no lanado to freqentemente na rua, como os que

no o so, mas ele tambm no est inteiramente ao abrigo dessa sorte. Entre eles,

ao lado da perda do po por falta de trabalho, podem concorrer o chmage e as

suas prprias greves.

Nesses casos, a incerteza do ganho do po dirio tem fortes reaes sobre

toda a economia.

O campons que se dirige s grandes cidades atrado pelo trabalho que

imagina fcil ou que o realmente, mas sempre trabalho de pouca durao, ou o

que atrado pelo esplendor da grande cidade, o que sucede na maioria dos casos,

esse ainda est habituado a uma certa segurana do po. Ele costuma s

abandonar os antigos postos, quando tem outro pelo menos em perspectiva.

A falta de trabalhadores do campo grande e, por isso, a probabilidade de

falta de trabalho ali muito pequena.

pois, um erro acreditar que o jovem trabalhador que se dirige cidade seja

inferior ao que fica trabalhando na aldeia. A experincia mostra que acontece o

contrrio com todos os elementos de emigrao, quando so sadios e ativos. Entre

esses emigrantes devem-se contar no s os que vo para a Amrica mas tambm

os jovens que se decidem a abandonar sua aldeia para se dirigirem as grandes

capitais desconhecidas. Esses tambm esto dispostos a aceitar uma sorte incerta.

Na maioria, trazem algum dinheiro, e, por isso, no se vem na contingncia de ser

arrastados ao desespero logo nos primeiros dias, se, por infelicidade, de comeo

no encontram trabalho. O pior , porm, quando perdem, em pouco tempo, o

trabalho que haviam encontrado. Encontrar outro, sobretudo no inverno, difcil, se

no impossvel. Nas primeiras semanas, a situao ainda insuportvel, pois ele

recebe da caixa do sindicato a proteo dada ao seu trabalho e atravessa como

pode os dias de desemprego. Quando o seu ltimo vintm gasto, quando a caixa,

em conseqncia da longa durao da falta de trabalho, tambm suspende o

pagamento, vem a grande misria. Ento, faminto, erra para cima e para baixo,

26

empenha ou vende os objetos que lhe restam e cada vez mais sensvel se lhe torna

a falta de roupas. Desce a uma Convivncia que acaba por envenenar-lhe o corpo e

a alma. Fica sem casa e, se isso acontece no inverno como comum, ento a

misria aumenta. Finalmente, encontra algum trabalho, mas o jogo se repete. Uma

segunda vez atingiu de maneira semelhante primeira, a terceira vez as coisas se

tornaram ainda mais difceis, e assim, pouco a pouco, ele aprende a suportar com

indiferena a eterna insegurana. Por fim, a repetio adquire fora de hbito.

E assim o homem, outrora diligente, abandona inteiramente a sua antiga

concepo da vida, para, pouco a pouco, transformar-se em um instrumento cego

daqueles que dele se utilizam apenas na satisfao dos mais baixos proveitos. Sem

nenhuma culpa sua ele ficou tantas vezes sem trabalho, que, mais uma vez, menos

uma vez, pouco lhe importa. Assim mesmo quando no se trata da luta pelos direitos

econmicos do operariado mas de destruio dos valores polticos, sociais ou

culturais, ele ser ento, quando no entusiasta de greves, pelo menos indiferente a

elas.

Essa evoluo eu tive oportunidade de acompanhar cuidadosamente em

milhares de exemplos. Quanto mais eu observava esses fatos, tanto mais

aumentava a minha averso pela cidade dos milhes que os homens, cheios de

cobia, acumulavam para, depois, to cruelmente, desperdi- los.

Eu tambm fui fustigado pela vida na grande metrpole e minha prpria

custa submeti-me a essa provao, experimentando, uma por uma todas essas

dolorosas sensaes.

Observei ainda que essa rpida mudana do trabalho para a ociosidade

forada e vice-versa, essa eterna oscilao do emprego para o desemprego, com o

tempo, haveria de destruir o sentimento de economia e as razes para um prudente

equilbrio de vida. Lentamente o corpo parece acostumar-se a viver farta nos bons

tempos e a passar fome nos maus. A fome destri todos os projetos dos operrios

no sentido de um melhor e mais razovel modus vivendi. Nos bons tempos eles se

deixam embalar por uma constante miragem pelo sonho de uma vida melhor, sonho

que empolga de tal modo a sua existncia que eles esquecem as antigas privaes,

27

logo que recebem os seus salrios. Dai resulta que o que consegue trabalho,

imediatamente, da maneira mais desrazovel, esquece uma prudente distribuio de

suas despesas, para viver larga, apenas nos dias imediatos. Isso conduz ao

transtorno da manuteno da casa durante a semana, tornando no mais possvel

uma razovel distribuio da receita. O dinheiro da semana, de comeo, d para

cinco dias em vez de sete, mais tarde para trs em vez de quatro, finalmente apenas

para um dia e, por fim, logo na primeira noite inteiramente gasto em prazeres.

Em casa, as mais das vezes, h mulher e crianas. Tambm elas recebem a

influncia dessa maneira de viver, principalmente se o chefe de famlia bom para

os seus. Nesse caso, o ganho da semana esbanjado com todos em casa nos trs

primeiros dias. Come-se e bebe-se enquanto o dinheiro dura, e, nos ltimos dias,

todos passam fome. Ento a mulher percorre humildemente a vizinhana e os

arredores, pede emprestado alguma coisa, faz pequenas dividas no vendeiro e

procura assim manter-se com os seus nos ltimos dias da semana. Ao meio-dia,

sentam-se todos juntos, diante de magros pratos, muitas vezes at esses faltam, e,

fazendo planos, esperam pelo dia do pagamento. Enquanto passam fome sonham

de novo com a felicidade. E assim as crianas desde a mais tenra idade,

acostumam-se a essa misria, o pior, porm, quando, desde o comeo, o marido

segue o seu caminho e a mulher, por amor aos filhos, levanta-se contra isso. Ento

surgem as brigas, as disputas constantes. E proporo que o marido se afasta da

mulher, aproxima-se do lcool. Todos os sbados ele se embriaga. Por instinto de

conservao, por si e pelos filhos, a mulher briga para tomar os ltimos vintns do

marido quando este se dirige da fbrica para a espelunca. Por fim, domingo ou

segunda-feira, noite, ele volta para casa, embriagado e brutal, sempre sem vintm.

Ento desenrolam-se freqentemente cenas lastimveis.

Assisti tudo isso em centenas de casos. No comeo sentia-me enojado ou

irritado para, mais tarde, compreender toda a tragdia dessa misria e as suas

causas mais profundas. Infelizes vitimas de pssimas condies sociais.

To tristes, talvez, eram, outrora, as condies das habitaes. A crise de

casas para os ajudantes de operrios de Viena era horrvel. Ainda hoje sinto

28

calafrios quando penso naqueles horrveis covis, as estalagens e nas habitaes

coletivas, naqueles sombrios quadros de sujeira e de escndalos. Que poderia

resultar da, quando desses covis de misria a torrente de escravos abandonados se

lanasse sobre a outra parte da humanidade, livre de cuidados, despreocupada?

Sim, o resto do mundo despreocupado. Despreocupado fica, deixando que

as coisas sigam o seu caminho, sem pensar que, na sua falta de intuio, a

revanche ter lugar, mais cedo ou mais tarde, se em tempo os homens no

modificarem essa triste realidade.

Quanto agradeo hoje Providncia o ter-me lanado nessa escola! A eu

no podia mais sabotar o que no me era agradvel. Essa escola educou-me

depressa e solidamente.

A menos que eu no quisesse perder a esperana nos homens com quem

convivia outrora, deveria fazer a diferena entre a vida que aparentavam e as razes

da mesma. Tudo isso deveria, pois, ser suportado sem desnimo. Ento, de toda

essa infelicidade e misria, de toda essa sujidade e degradao, deveriam surgir na

minha mente no mais homens, mas miserveis produtos de leis miserveis. Por

isso, a gravidade da luta pela vida que sustentei, evitou que eu capitulasse por mero

sentimentalismo ante os pecos resultados desse processo de evoluo.

No, isso no deveria ser compreendido assim.

J, naqueles tempos, eu havia chegado concluso de que s um caminho

duplo poderia conduzir ao objetivo da melhoria dessa situao: um mais profundo

sentimento de responsabilidade no sentido do estabelecimento de melhores bases

para a nossa evoluo, combinado isso com a brutal resoluo de demolir todas as

incorrigveis excrescncias.

Assim como a natureza concentra os seus maiores esforos no na

conservao do que existe mas no cultivo do que cria, para continuao da espcie,

assim tambm na vida humana trata-se menos de melhorar artificialmente o que h

de mau - o que, pela natureza humana, em noventa e nove por cento dos casos

impossvel - do que, desde o incio, assegurar, por melhores mtodos, a evoluo

das novas criaes

29

J durante a minha luta pela vida em Viena, tornou-se evidente ao meu

esprito que a atividade social nunca dever ser vista como uma obra de proteo

sem- finalidade e irrisria, mas sim na remoo de defeitos substanciais na

organizao de nossa vida econmica e cultural que possam concorrer para a

degenerao dos indivduos ou pelo menos para o seu desvio.

A dificuldade dessa maneira de proceder em face dos ltimos e brutais meios

contra os delitos dos inimigos do Estado, jaz justamente na incerteza do julgamento

sobre os. motivos ntimos ou causas principais dos fenmenos contemporneos.

Essa incerteza fundada na convico da culpa de cada um nessas

tragdias do passado e inutiliza toda sria e firme resoluo. Causa ao mesmo

tempo, a fraqueza e a indeciso na execuo at mesmo das mais necessrias

medidas de conservao.

Quando um tempo vier no mais empanado pela sombra da conscincia da

prpria culpabilidade, a conservao de si mesmo criar a tranqilidade ntima, a

fora exterior, brutal e sem consideraes, para matar os maus rebentos da erva

ruim.

Como o Estado Austraco praticamente desconhecia qualquer legislao

social, sua incapacidade para o combate de morte aos maus germes saltava diante

dos nossos olhos em toda sua evidncia.

Eu no sei o que naqueles tempos mais me horrorizava, se 'a misria

econmica dos meus camaradas, se a sua grosseria espiritual .e moral e o nvel

baixo de sua cultura.

Quantas vozes no se tomava de clera a nossa burguesia, quando, da boca

de algum miservel vagabundo, ouvia a declarao de que lhe era indiferente ser ou

no alemo, contanto que ele tivesse a sua subsistncia garantida.

Essa falta de orgulho nacional, , ento, censurada da maneira mais incisiva

e a repulsa por um tal modo de sentir expressa em termos enrgicos.

Quantos, porm, j se fizeram a pergunta sobre quais eram as causas de

possurem eles prprios melhores sentimentos?

30

Quantos compreendem a infinidade de recordaes pessoais sobre a

grandeza da ptria, da nao,' em todas as fronteiras da vida artstica e cultural que

lhes inspiram o justo orgulho de poderem pertencer a um povo to favorecido?

Quantos pensam na dependncia do orgulho nacional em relao ao

conhecimento das grandezas da Ptria em todos esses domnios?

Refletem nossos crculos burgueses em que irrisria extenso esses motivos

de orgulho nacional se apresentam ao povo?

Ningum se desculpe com o argumento de que "em outros pases a coisa

no se passa de outra maneira" e que, no obstante, o trabalhador orgulha-se da

sua nacionalidade. Mesmo que isso fosse assim, no poderia servir como desculpa

para a nossa prpria negligncia. Tal, porm, no se d. O que ns sempre pintamos

como uma educao "chauvinstica" dos franceses, por exemplo, no mais do que

a exaltao das grandezas da Frana em todos os domnios da Cultura, ou da

"civilisation", como a denominam os nossos vizinhos.

O jovem francs no educado para o objetivismo, mas para as opinies

subjetivas, que a gente s pode avaliar, quando se trata da significao das

grandezas polticas ou culturais da sua ptria.

Essa educao ter que ser sempre restrita aos grandes e gerais pontos de

vista que, se preciso, por meio de eterna repetio, se gravem na memria e nos

sentimentos do povo.

Entre ns, aos erros por omisso, junta-se ainda a destruio do pouco que

o indivduo tem a felicidade de aprender na escola. O envenenamento poltico do

nosso povo elimina ainda esse pouco do corao e da memria das vastas massas,

quando a necessidade e os sofrimentos j no o tinham feito.

Pense-se no seguinte.

Em um alojamento subterrneo, composto de dois quartos abafados, mora

uma famlia proletria de sete pessoas. Entre os cinco filhos, suponhamos um de

trs anos. esta a idade em que a conscincia da criana recebe as primeiras

impresses. Entre os mais dotados encontra-se, mesmo na idade madura, vestgio

da lembrana desse tempo. O espao demasiado estreito para tanta gente no

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oferece condies vantajosas para a convivncia. Brigas e disputas, s por esse

motivo, surgiro freqentemente. As pessoas no vivem umas com as outras, mas

se comprimem umas contra as outras. Todas as divergncias, sobretudo as

menores, que, nas habitaes espaosas, podem ser sanadas por um ligeiro

isolamento, conduzem aqui a repugnantes e interminveis disputas. Para as

crianas isso ainda suportvel. Em tais situaes, elas brigam sempre e esquecem

tudo depressa e completamente. Se, porm, essa luta se passa entre os pais, quase

todos os dias, e de maneira a nada deixar a desejar em matria de grosseria, o

resultado de uma tal lio de coisas faz-se sentir entre as crianas. Quem tais meios

desconhece dificilmente pode fazer uma idia do resultado dessa lio objetiva,

quando essa discrdia recproca toma a forma de grosseiros desregramentos do pai

para com a me e at de maus tratos nos momentos de embriaguez. Aos seis anos,

j o jovem conhece coisas deplorveis, diante das quais at um adulto s horror

pode sentir. Envenenado moralmente, mal alimentado, com a pobre cabecinha cheia

de piolhos, o jovem "cidado" entra para a escola.

A custo ele chega a ler e escrever. Isso quase tudo. Quanto a aprender em

casa, nem se fale nisso. At na presena dos filhos, me e pai falam da escola de tal

maneira que no se pode repetir e esto sempre mais prontos a dizer grosserias do

que pr os filhos nos joelhos e dar-lhes conselhos. O que a criana ouve em casa

no de molde a fortalecer o respeito s pessoas com que vai conviver. Ali nada de

bom parece existir na humanidade; todas as instituies so combatidas, desde o

professor at s posies mais elevadas do Estado. Trata-se de religio ou da moral

em si, do Estado ou da sociedade, tudo igualmente ultrajado da maneira mais

torpe e arrastado na lama dos mais baixos sentimentos. Quando o rapazinho,

apenas com quatorze anos, sai da escola, difcil saber o que maior nele: a

incrvel estupidez no que diz respeito a conhecimentos reais ou a custica

imprudncia de suas atitudes, aliada a uma amoralidade que, naquela idade, faz

arrepiar os cabelos.

Esse homem, para quem j quase nada digno de respeito, que nada de

grande aprendeu a conhecer, que, ao contrrio, conhece todas as vilezas humanas,

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tal criatura, repetimos, que posio poder ocupar na vida, na qual ele est

margem?

De menino de treze anos ele passou, aos quinze, a um desrespeitador de

toda autoridade.

Sujidade e mais sujidade, eis tudo o que ele aprendeu. E isso no de

molde a estimul-lo a mais elevadas aspiraes.

Agora entra ele, pela primeira vez, na grande escola da vida.

Ento comea a mesma existncia que nos anos da - meninice ele aprendeu

de seus pais. Anda para cima e para baixo, entra em casa Deus sabe quando, para

variar bate ele mesmo na alquebrada criatura que foi outrora sua me, blasfema

contra Deus e o mundo e, enfim, por qualquer motivo especial, condenado e

arrastado a uma priso de menores.

L recebe ele os ltimos polimentos.

O mundo burgus admira-se, no entanto, da falta de "entusiasmo nacional"

deste jovem "cidado".

A burguesia v, como no teatro e no cinema, no lixo da literatura e na torpeza

da imprensa, dia a dia, o veneno se derramar sobre o povo, em grandes

quantidades, e admira-se ainda do precrio "valor moral", da "indiferena nacional"

da massa desse povo, como se a sujeira da imprensa e do cinema e coisas

semelhantes pudessem fornecer base para o conhecimento das grandezas da

Ptria, abstraindo-se mesmo a educao individual anterior. Pude ento bem

compreender a seguinte verdade, em que jamais havia pensado:

O problema da "nacionalizao" de um povo deve comear pela criao de

condies sociais sadias como fundamento de uma possibilidade de educao do

indivduo. Somente quem, pela educao e pela escola, aprende a conhecer as

grandes alturas, econmicas e, sobretudo, polticas da prpria Ptria, pode adquirir e

adquirir, certamente, aquele orgulho ntimo de pertencer a um tal povo. S se pode

lutar pelo que se ama, s se pode amar o que se respeita e respeitar o que pelo

menos se conhece.

33

Logo que o interesses pela questo social foi em mim despertado, comecei a

estud-la profundamente. Aos meus olhos surgia um novo mundo at ento

desconhecido.

No ano de 1909 para 1910, minha prpria situao modificou se um pouco

porque no precisava mais ganhar o po de cada dia como ajudante de operrio. J

trabalhava, por minha conta, como desenhista e aquarelista. Continuava a ganhar

muito pouco - o essencial para viver - mas em compensao tinha lazeres para

aperfeioar-me na profisso que havia escolhido. J no entrava em casa, noite,

como antigamente, cansado ao extremo, incapaz de parar a vista em um livro sem

adormecer dentro de pouco tempo. Meu trabalho de agora corria paralelo com a

minha profisso artstica. Podia, ento, como senhor do meu prprio tempo, dividi-lo

melhor do que antes.

Eu pintava para ganhar o po e estudava por prazer.

Assim foi possvel s minhas observaes sobre a questo social juntar o

complemento terico indispensvel. Eu estudava quase tudo que sobre esse

assunto se podia assimilar em livros, dando assim s minhas prprias idias base

mais slida.

Creio que os que comigo conviviam naquele tempo tinham-me por um tipo

esquisito.

Era natural que eu, com ardor, satisfizesse minha paixo pela arquitetura.

Ao lado da msica, a arquitetura me parecia a rainha das artes. Minha atividade, em

tais condies, no era um trabalho, mas um grande prazer. Podia ler ou desenhar

at tarde da noite, sem cansar-me absolutamente. Assim fortalecia-se a convico

de que o meu belo sonho, depois de longos anos, transformar-se-ia em realidade.

Estava inteiramente convencido de um dia conquistar um nome como arquiteto.

No me parecia muito significativo que eu tambm tivesse o maior interesse

por tudo que se relacionasse com a poltica. Ao contrrio, isso era, em minha

opinio, um dever natural de cada ser pensante. Quem nada entende de poltica

perde o direito a qualquer critica, a qualquer reivindicao.

Tambm sobre esse assunto li e aprendi muito.

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Sob o nome de leitura, concebo coisa muito diferente do que pensa a grande

maioria dos chamados intelectuais.

Conheo indivduos que lem muitssimo, livro por livro letra por letra, e que,

no entanto, no podem ser apontados como "lidos". Eles possuem uma multido de

"conhecimentos", mas o seu crebro no consegue executar uma distribuio e um

registro do material adquirido. Falta-lhes a arte de separar, no livro, o que lhes de

valor e o que intil, conservar para sempre de memria o que lhes interessa e, se

possvel, passar por cima, desprezar o que no lhes traz vantagens, em qualquer

hiptese no conservar consigo esse peso sem finalidade. A leitura no deve ser

vista como finalidade, mas sim como meio para alcanar uma finalidade. Em

primeiro lugar, a leitura deve auxiliar a formao do esprito, a despertar as

disposies intelectuais e inclinaes de cada um. Em seguida, deve fornecer o

instrumento, o material de que cada um tem necessidade na sua profisso, tanto

para o simples ganha-po como para a satisfao de mais elevados desgnios. Em

segundo lugar, deve proporcionar uma idia de conjunto do mundo. Em ambos os

casos, , porem, necessrio que o contedo de qualquer leitura no seja confiado

guarda da memria na ordem de sucesso dos livros, mas como pequenos

mosaicos que, no quadro de conjunto, tomem o seu lugar na posio que lhes

destinada, assim auxiliando a formar este quadro no crebro do leitor. De outra

maneira, resulta um bric--brac de matrias aprendidas de cor, inteiramente inteis,

que transformam o seu infeliz possuidor em um presunoso, seriamente convencido

de ser um homem instrudo, de entender alguma coisa da vida, de possuir cultura,

ao passo que a verdade que, a cada acrscimo dessa sorte de conhecimentos,

mais se afasta do mundo, at que acaba em um sanatrio ou, como "poltico", em

um parlamento.

Nunca um crebro assim formado conseguir, da confuso de sua "cincia",

retirar o que apropriado s exigncias de determinado momento, pois seu lastro

espiritual est arranjado no na ordem natural da vida mas na ordem de sucesso

dos livros, como os leu e pela maneira por que amontoou os assuntos no crebro.

Quando as exigncias da vida diria dele reclamam o justo emprego do que outrora

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aprendeu ento precisar mencionar os livros e o nmero das pginas e, pobre

infeliz, nunca encontrar exatamente o que procura.

Nas horas crticas, esses "sbios", quando se vem na dolorosa contingncia

de pesquisar casos anlogos para aplicar s circunstncias, s descobrem receitas

falsas.

No fosse assim e no se poderiam conceber os atos polticos dos nossos

sbios heris do Governo que ocupam as mais elevadas posies, a menos que a

gente se decidisse a aceitar as suas solues no como conseqncias de

disposies intelectuais patolgicas, mas como infmias e trapaarias.

Quem possui, porm, a arte da boa leitura, ao ler qualquer livro, revista ou

brochura, dirigir sua ateno para tudo o que, no seu modo de ver, merea ser

conservado durante muito tempo, quer porque seja til, quer porque seja de valor

para a cultura geral.

O que por esse meio se adquire encontra sua racional ligao no quadro

sempre existente que a representao desta ou daquela coisa criou, e corrigindo ou

reparando, realizar a justeza ou a clareza do mesmo. Se qualquer problema da

vida se apresenta para exame ou contestao, a memria, por esta arte de ler,

poder recorrer ao modelo do quadro de percepo j existente, e por ele todas as

contribuies coligidas durante dezenas de anos e que dizem respeito a esse

problema so submetidas a uma prova racional e ao nosso exame, at que a

questo seja esclarecida ou respondida.

S assim a leitura tem sentido e finalidade.

Um leitor, por exemplo, que, por esse meio, no fornecer sua razo os

fundamentos necessrios, nunca estar na situao de defender os seus pontos de

vista ante uma contradita, correspondam os mesmos mil vezes verdade. Em cada

discusso a memria o abandonar desdenhosamente. Ele no encontrar razes

nem para o fortalecimento de suas afirmaes, nem para a refutao das idias do

adversrio. Enquanto isso acarreta, como no caso de um orador o ridculo da prpria

pessoa, ainda se pode tolerar; de pssimas conseqncias , porm, que esses

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indivduos que "sabem" tudo e no so capazes de coisa alguma, sejam colocados

na direo de um Estado.

Muito cedo esforcei-me por ler por aquele processo e fui, da maneira mais

feliz, auxiliado pela memria e pela razo. Observadas as coisas por esse aspecto,

foi me fecundo e proveitoso, sobretudo o tempo que passei em Viena. A experincia

da vida diria servia de estmulo para sempre novos estudos dos mais diversos

problemas. Quando eu, por fim, cheguei situao de poder fundamentar a

realidade na teoria e tirar a prova da teoria na experincia, na prtica, estava em

condies de evitar o excesso de apego teoria, ou descer demais realidade.

Assim, a experincia da vida diria, nesse tempo, em dois dos mais

importantes problemas, alm do social, tornou-se definitiva e serviu de estimulante

para slido estudo terico.

Quem sabe se eu algum dia me teria aprofundado na teoria e na vida do

marxismo, se, outrora, eu no tivesse quebrado a cabea com esse problema? O

que eu, na minha mocidade, conhecia sobre a social democracia era muito pouco e

muito errado.

Causava-me intenso prazer que a social democracia dirigisse a luta pelo

direito do voto secreto e universal. A minha razo j me dizia, porm, que essa

conquista deveria levar a um enfraquecimento do regime dos Habsburgos, por mim

j to odiado.

Na convico de que o Estado danubiano nunca se manteria sem o sacrifcio

do esprito alemo, e que o mesmo prmio de uma lenta eslavizao do elemento

germnico de modo algum ofereceria garantia de um governo verdadeiramente

vivel, pois a fora criadora do Estado dos eslavos muito hipottica, via eu com

prazer todo movimento que, na minha imaginao, poderia contribuir para o

desmembramento desse Estado de dez milhes de alemes, invivel e condenado

morte. Quanto mais o palavrrio corroa o parlamento, mais prximo deveria estar a

hora da runa desse Estado babilnico e com ela tambm a hora da libertao dos

meus compatriotas austro-alemes. S assim se poderia voltar antiga anexao

me-ptria.

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Por isso, a atividade da social-democracia no me parecia antiptica. Como

esse movimento se preocupava em melhorar as condies vitais do operariado -

como eu acreditava na minha ingenuidade de outrora - pareceu-me melhor falar a

seu favor do que contra. O que mais me afastava da social-democracia era sua

posio de adversria em relao ao movimento pela conservao do esprito

germnico, a deplorvel inclinao em favor dos "camaradas" eslavos que s

aceitavam esse alerta quando era acompanhado de concesses prticas, repelindo-

o, arrogantes e orgulhosos, quando no viam interesses. Davam, assim, ao

importuno mendigo a paga merecida.

Na idade de dezessete anos, a palavra marxismo era-me pouco conhecida,

enquanto socialismo e social-democracia pareciam-me concepes idnticas. Foi

preciso, tambm, nesse caso, que o punho forte do destino me abrisse os olhos para

essa maldita maneira de ludibriar o povo.

At ento eu s tinha contato com a social-democracia como observador em

algumas demonstraes coletivas, sem possuir nenhuma idia da mentalidade de

seus adeptos ou da essncia da doutrina. De repente. pude sentir os efeitos de sua

doutrinao e de sua maneira de encarar o mundo. O que, talvez s depois de

dezenas de anos, tivesse acontecido, aprendi agora no decurso de poucos meses,

isto , a verdadeira significao de uma peste ambulante sob a mscara de virtude

social e amor ao prximo e da qual se deve depressa libertar a terra, pois, ao

contrrio, muito facilmente a humanidade ser por ela imolada.

No servio de construes teve lugar o meu primeiro encontro com os

sociais-democratas. Logo de comeo, no foi muito agradvel. Minhas roupas ainda

estavam em ordem, minha linguagem era cuidada, minha vida comedida. Tinha tanto

que lutar com a minha sorte que pouco podia cuidar do que me cercava. S

procurava trabalho para no passar fome e para ter a possibilidade de continuar,

mesmo lentamente, a minha educao. Talvez eu no me tivesse absolutamente

preocupado com o novo meio em que me achava, se, 1 no terceiro ou quarto dia,

no se tivesse dado um fato que me forou a tomar imediatamente uma posio

definida: fui intimado a entrar no sindicato.

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Meus conhecimentos sobre organizao sindical eram ento quase nulos.

Nem a sua utilidade nem a sua inutilidade podia eu aquilatar. Quando me

esclareceram que eu deveria entrar, recusei- me. Fundamentava a minha resoluo

com a razo de que eu no entendia do assunto e que, sobretudo, no me deixava

levar fora para parte alguma. Talvez fosse a primeira a razo por que no me

puseram imediatamente na rua. Talvez esperassem que, dentro de alguns dias, eu

estivesse convertido ou pelo menos mais dcil.

Haviam-se enganado radicalmente.

Depois de quatorze dias, eu no poderia mais entrar para o sindicato,

mesmo que o tivesse desejado. Nestes quatorze dias, pude conhecer de mais perto

os que me cercavam, de modo que nenhuma fora do mundo poderia mais arrastar-

me a uma organizao, cujos esteios me apareceram sob uma luz to desfavorvel.

Nos primeiros dias fiquei indignado.

Ao meio-dia, uma parte dos operrios ia para a estalagem prxima, enquanto

a outra ficava no local da- construo e a tinha o seu magro almoo. Estes eram

casados, para os quais as mulheres, em miserveis vasilhas, traziam a sopa do

meio- dia. Para o fim da semana, o nmero desses era sempre maior. A razo disso

s mais tarde compreendi.

Ento conversava-se poltica.

Eu bebia minha garrafa de leite e comia o meu pedao de po, conservando-

me sempre afastado, e estudava com ateno meus novos conhecidos ou refletia

sobre a minha triste sorte. No obstante isso, ouvia mais do que o suficiente.

Pareceu-me freqentemente que se aproximavam de mim de propsito para me

forarem a tomar uma posio. Em todo caso, como vim a saber, isso visava o efeito

de me provocar.

Ali tudo se negava: a nao era uma inveno das classes capitalistas (que

nmero infinito de vezes ouvi essa palavra!); a Ptria era um instrumento da

burguesia para explorao das massas trabalhadoras; a autoridade da lei era

simples meio de opresso do proletariado; a escola era instituto de cultura do

material escravo e mantenedor da escravido; a religio era vista como meio de

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atemorizar o povo para melhor explorao do mesmo; a moral no passava de uma

prova da estpida pacincia de carneiro do povo. No havia nada, por mais puro,

que no fosse arrastado na lama mais asquerosa.

De comeo, tentei manter-me em silncio. Por fim, no podia mais. Comecei

a tomar posio, comecei a contraditar. Ento passei a compreendei- que essa

oposio de nada valia, enquanto eu no possusse conhecimentos seguros sobre

os pontos debatidos. Comecei a pesquisar nas prprias fontes, de onde eles

extraam a sua fictcia sabedoria. Li livros sobre livros, brochuras sobre brochuras.

No local do servio, as coisas chegavam freqentemente exaltao. Eu discutia

cada vez melhor, at que um dia foi empregado um meio que facilmente levava de

vencida a razo: o terror, a fora. Alguns dos defensores do lado contrrio

intimaram-me a abandonar a construo imediatamente ou a ser jogado do

andaime. Como estava sozinho e a resistncia seria impossvel, preferi seguir o

primeiro alvitre, adquirindo assim mais uma experincia.

Sa, enojado, mas, ao mesmo tempo, to impressionado que j agora seria

inteiramente impossvel para mim abandonar a questo. No. Depois da ecloso da

primeira revolta, a obstinao de novo venceu. Estava firmemente resolvido a voltar,

apesar de tudo para outro servio de construo. Essa deciso foi fortalecida pela

situao precria em que me encontrei algumas semanas mais tarde, depois de

gastar as pequenas economias. No me restava outra sada, quer eu quisesse quer

no. E cena idntica desenrolou-se, para acabar da mesma forma que a primeira.

Travou-se uma luta no meu ntimo, que se define nesta pergunta: isso

gente digna de pertencer a um grande povo?

Eis uma pergunta angustiosa. Se a respondermos afirmativamente, a luta por

uma nacionalidade merecer os trabalhos e os sacrifcios que os melhores fazem

por um tal rebotalho? Se a resposta for negativa, ento o nosso povo j est muito

pobre em homens.

Com desnimo inquietador via eu, naqueles dias crticos e atormentados, a

massa, que j no pertencia a seu povo, tornar-se um exrcito ameaador.

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Com que sentimentos diferentes fitava, ento, as filas sem fim dos

trabalhadores vienenses em um dia de demonstrao coletiva! Durante quase duas

horas, de p, um dia, observei, com a respirao suspensa, a monstruosa onda

humana que rolava lentamente. Tomado de um desnimo inquieto, abandonei a

praa e dirigi-me para casa. No caminho, vi em uma tabacaria o "Arbeiterzeitung",

rgo central da antiga social-democracia. Em um caf popular, que eu freqentava

constantemente a fim de ler os jornais, esse peridico tambm era exposto venda.

Eu no podia, porm, fazer o sacrifcio de passar uma vista por mais de dois minutos

na folha infame, que, para mim, tinha o efeito do vitrolo.

Debaixo da acabrunhadora impresso que a demonstrao coletiva havia

produzido, senti uma voz ntima que me incitava a comprar o jornal e l-lo

inteiramente. noite tratei disso, vencendo a crescente repulsa que sempre

experimentava ao ver essa torneira de mentiras concentradas. Melhor do que em

toda a literatura terica, pude, pela leitura diria da imprensa social-democrtica,

estudar a essncia do movimento e o curso das suas idias.

Que diferena entre as cintilantes frases de liberdade, beleza e dignidade da

literatura terica, entre o fogo-ftuo do palavrrio que, laboriosamente, aparenta a

mais profunda e irresistvel sabedoria, pregada com uma segurana proftica, e a

brutal virtuosidade da mentira da imprensa diria que trabalhava pela salvao da

nova humanidade sem recuar ante nenhuma objeo, usando de todos os recursos

da calnia!

Uma destinada aos estpidos das camadas intelectuais mdias e

superiores, a outra s massas.

A meditao sobre a literatura e a imprensa dessa doutrinao, servia-me

para descobrir de novo a minha gente.

O que, a princpio, me parecia um abismo intransponvel, devia tornar-se

motivo para amar cada vez mais o meu povo.

S um louco poderia, depois de conhecer esse monstruoso trabalho de

envenenamento, condenar ainda as vtimas do mesmo. Quanto mais independente

eu me tornava nos anos seguintes, tanto mais longe alcanava a minha vista as

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causas ntimas do xito da social- democracia. Ento compreendendo a significao

da exigncia brutal feita ao operrio para s ler jornais vermelhos, s freqentar

assemblias vermelhas, s ler livros vermelhos, etc., vi, muito claro, os efeitos

violentos dessa doutrinao da intolerncia.

A psique das massas de natureza a no se deixar influenciar per meias

medidas, por atos de fraqueza.

Assim como as mulheres, cuja receptividade mental determinada menos

por motivos de ordem abstrata do que por uma indefinvel necessidade sentimental

de uma fora que as complete e, que, por isso preferem curvar-se aos fortes a

dominar os fracos, assim tambm as massas gostam mais dos que mandam do que

dos que pedem e sentem-se mais satisfeitas com uma doutrina que no tolera

nenhuma outra do que com a tolerante largueza do liberalismo. Elas no sabem o

que fazer da liberdade e, por isso, facilmente sentem-se abandonadas.

A impudncia do terrorismo espiritual passa-lhes despercebida, assim como

os crescentes atentados contra a sua liberdade que as deveriam levar revolta. Elas

no se apercebem, de nenhum modo, dos erros