título original Exo© 2017 by Fonda Lee. Publicado mediante acordo com a Scholastic Inc., 557 Broad-way, Nova York, NY 10012, EUA. © 2017 Vergara & Riba Editoras S.A.

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edição Fabrício Valério e Flavia Lago editora-assistente Thaíse Costa Macêdopreparação Bóris Fatigatirevisão direção de arte Ana Soltdiagramação Juliana Pellegrinicapa Eduardo Schaal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sobrenome, Nome do autor

Título / Autor ; tradução Nome do Tradutor

-- São Paulo : Vergara & Riba Editoras, 2015.

Título original: Título no idioma.

ISBN 978-85-7683-xxx-xx

1. <Estilo> I. Título. II. Série.

10-01101 CDD-011.1

Índices para catálogo sistemático:

1. <Estilo> 011.1

Todos os direitos desta edição reservados à VERGARA & RIBA EDITORAS S.A.Rua Cel. Lisboa, 989 | Vila MarianaCEP 04020-041 | São Paulo | SPTel.| Fax: (+55 11) 4612-2866plataforma21.com.brvreditoras.com.br | editoras@vreditoras.com.br

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Para os meus pais. Os dois, porque eu não seria capaz de escolher.

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O garoto estava de olho neles. Donovan já o tinha visto antes: núme-ro 53 no uniforme, cabelos ruivos, robusto. Nas quintas à tarde, trei-nava em um canto do campo do Centro Esportivo de Scotts Bluff, junto com seus companheiros de time na escolinha de futebol. Depois, ele esperava no ponto de ônibus sua irmã mais velha, que vinha buscá-lo. Era lá que ele estava no momento, enxugando a testa com a manga da camisa, e de olho neles. Tinha uns dez anos de idade, novo demais para ser marcado. Isso deixou Donovan apreen-sivo. Os terroristas não teriam o menor pudor em recrutar crianças.

– Os protocolos de segurança estão em ordem. O escaneamen-to infravermelho não apontou nada, o escaneamento eletrônico não apontou nada. Está um tédio aqui. Acho que dá para dizer que a gente pode encerrar por hoje – Jet deu um tapinha no dispositivo de comunicação em sua mão, registrando ter cumprido aquela que era a última parada em sua rota de patrulha.

Donovan suprimiu um bocejo e lançou um último olhar para a rua. Geralmente, Jet ficava acordadíssimo pela manhã e lutava para se manter desperto no fim da tarde, momento em que Donovan encon-trava um ânimo redobrado, mas, depois de doze horas seguidas traba-lhando e naquela que era sua última hora de plantão antes de poder folgar por dois dias, ambos estavam cansados. Na semana seguinte, eles seriam alocados na patrulha noturna.

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Como se estivesse lendo seus pensamentos, Jet falou: – Semana que vem vai ser uma droga.– Eu prefiro passar a noite acordado a ter que acordar às seis

da manhã.Jet deu de ombros.– Eu nunca consigo dormir muito depois das seis da manhã mesmo.– Você é tipo uma aberração da natureza – Donovan disse para

o parceiro, erguendo a mão para proteger os olhos contra os raios do sol que se punha no horizonte, atravessando as estruturas metálicas arqueadas, suspensas e entrelaçadas do estádio atrás deles.

Batizado em homenagem aos morros íngremes que faziam da região um local de importância histórica, o Centro Esportivo Scotts Bluff era a maior e mais recente estrutura construída pelo homem em um raio de quilômetros, um testemunho do crescimento do Cinturão Circular. Dali a um mês, quarenta mil pessoas lotariam suas arquibancadas para as comemorações do centenário do Dia da Paz. Garantir a segurança do evento seria um pesadelo.

No Dia da Paz, o presidente da América do Oeste iria subir ao palco para celebrar um século de paz e cooperação entre os humanos e os zhree. Falaria sobre as lições aprendidas com a Era da Guerra e sobre como a continuidade do autogoverno era importante para a humanidade. Quando o presidente se sentasse, o pai de Donovan assumiria o microfone. Donovan imaginou seu pai atravessando o palco, com seus passos rígidos e seu terno escuro. Ajeitaria as lapelas e limparia a garganta discretamente antes de começar a falar. Todos os espectadores – tanto no estádio como em suas casas – se inclina-riam para a frente para prestar atenção ao que o primeiro-mediador teria a dizer, porque, apesar de o presidente ainda ser formalmente o chefe de Estado para as questões humanas, quantas questões ainda eram de fato apenas humanas?

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– Não olha agora, mas aquele garoto está vindo pra cá – disse Jet.O garoto estava atravessando a rua, caminhando em direção a

eles com passos curtos e apressados. Tinha os ombros curvados para a frente e olhava para os lados o tempo todo, preocupado. Jet se afastou em uma postura casual, esquadrinhando a rua em busca de algum sinal de perigo. Donovan observou a aproximação do garoto. O me-nino diminuiu o passo e parou a alguns passos de distância, como se não soubesse se poderia se aproximar mais.

– Oi – Donovan deu um passo em direção a ele.– Hã, oi – respondeu o garoto, com os olhos voltados para o chão.– Qual é o seu nome?– Horatio.– Você deve ser bom no futebol. Anda praticando bastante –

Donovan apontou para as chuteiras do garoto.– Acho que sim – o garoto ficou um pouco mais à vontade. Ele

baixou os ombros e encarou Donovan. – Você também joga?– Claro, um pouco. O meu amigo ali, o Jet, é melhor que eu.

Mas a gente não pode jogar enquanto está em serviço.Geralmente, era Donovan quem falava com o público quando ne-

cessário. Jet não tinha paciência para isso, e seu jeito bem-intencionado mas meio agressivo, como um filhote de leão entupido de cafeína à pro-cura de algo para destruir, costumava ser intimidador demais para os civis. Donovan sabia que, mesmo com a farda e as insígnias militares, ele não parecia tanto um soldado, só um adolescente gente boa. Apesar de ter o mesmo formato de rosto e os mesmos olhos do pai, seus cabelos, embora cortados bem curtos, sempre insistiam em ficar rebeldes, o que, somado às sardas espalhadas ao redor do nariz, as quais ele detestava com todas as forças, acabava colaborando para o seu visual jovem e amigável.

Já a exocélula… isso era impossível contornar. Qualquer um que tivesse uma exocélula atrairia olhares temerosos e hostis dentro

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do Cinturão Circular. E os soldados-em-erze de armadura podiam esperar coisa muito pior.

Horatio não parecia assustado nem irritado. Ele remexeu os pés nervosamente.

– Posso ver a sua arma?– Desculpa, amigo. Não posso sacar só para mostrar.O garoto pareceu decepcionado. Ele chutou o chão com a

ponta do pé.– Mas posso mostrar outra coisa – Donovan falou. – Vem cá.Horatio deu alguns passos à frente. Donovan ergueu a mão,

observando a reação do garoto. As listras interrompidas no dorso de suas mãos imitavam o padrão corporal zhree de seu mestre de erze. Marcas de soldado. Deixavam algumas pessoas abaladas, o que muitas vezes era útil, mas ele não queria assustar o garoto.

– Você sabe jogar pedra-papel-tesoura?– Sei – o menino estendeu a mão, com uma expressão desconfiada.– ok, está pronto? Um, dois… três! – Donovan estendeu dois

dedos, que, imediatamente, transformaram-se em um par de lâmi-nas muito afiadas. – Tesoura corta papel.

– Não vale… Você viu o que eu ia fazer – Horatio protestou, mas seus olhos estavam arregalados de surpresa.

– Ah, tudo bem. – Donovan cerrou os punhos, guardando as lâminas. – Papel embrulha pedra. Você venceu.

O menino sorriu, impressionado. Donovan esboçou um sorriso, mas, logo em seguida, olhou para os dois lados rapidamente, aliviado ao notar que seu parceiro estava a postos e vigilante. Era preciso tomar cuidado com as crianças. Mantê-las a certa distância e não baixar a guarda, mas, ao mesmo tempo, ser simpático e acessível. Eles não de-veriam temer a biotecnologia, tinham que entender que os soldados não eram os vilões – eram tão humanos quanto eles, e confiáveis.

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O sorriso de Horatio se desfez. Ele transferiu o peso do corpo para um dos pés, depois para o outro, e em seguida enfiou a mão no bolso, de onde tirou um folheto dobrado e amassado.

– Eu… hã… Eu encontrei isso aqui – ele estendeu o papel para a frente com um gesto tenso, parecendo indeciso por um instante. Então, entregou-o às pressas.

O papel era fino e acinzentado, com uma impressão barata, dobrado em três. Donovan já tinha visto algo parecido antes, e só precisou ler as primeiras linhas para entender do que se tratava.

chamado às armas!Não pode haver dúvidas de que estamos em uma disputa pela sobrevivência da nossa espécie. O Acordo de Paz e Governança é uma peça de ficção, a maior mentira já contada para a humanidade. Estamos sendo conduzidos como ovelhas para o abatedouro por nossos opressores, e, se você abrir os olhos, verá tudo isso por si só. Pergunte a si mesmo: você está preparado para lutar, para matar e para morrer por aquilo em que acredita??!!

Donovan dobrou o papel.– Onde você encontrou isso? – Ele se esforçou para manter um

tom de voz curioso e despreocupado.O menino mordeu o canto da boca. Virou os olhos para o ponto

de ônibus, como se estivesse considerando voltar para lá o quanto antes.– Horatio, você está fazendo a coisa certa – Donovan baixou o

tom de voz.– Na casa do meu tio.

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– Só essa cópia? – Este era um dado importante. A posse daquele tipo de material era uma infração leve; já sua distribuição era crime.

– Não, uma pilha enorme. E… outras coisas. Tipo uns equipa-mentos e coisas do tipo. – Ele acrescentou às pressas: – Eu só fui pro-curar uma chave de fenda, não estava bisbilhotando nem nada.

– Qual é o nome do seu tio?– Sean. Sean Corrigan – o nome escapou dos lábios do menino

como um gole de água grande demais que ele não conseguia man-ter na boca. – Minha mãe falou que não é da nossa conta. A gente mal conhece ele; ele é meio afastado do resto da família. Não quero arrumar problema para ele nem nada… mas também não quero que ele machuque ninguém.

– Você acha que ele faria isso?– Eu… sei lá. Não vai acontecer nada de ruim com ele, né?– Não se ele não tiver feito nada de errado.Horatio balançou a cabeça afirmativamente, e uma nota de

medo surgiu nos seus olhos.– Não quero que ele saiba que eu contei para você.– Ele não vai saber – garantiu Donovan.– Melhor eu ir. Estou esperando virem me buscar – o menino

se afastou, enfiando as mãos nos bolsos e atravessando a rua de volta com passos apressados.

– Horatio – o garoto olhou para trás. – Não se preocupa, tá bom? Você fez a coisa certa.

Donovan observou enquanto o menino voltava para o ponto de ônibus. Em seguida, dirigiu-se até a lateral do veículo flutuante, onde Jet o aguardava. Jet abriu o folheto que o colega lhe entregou.

– Mais escritos do nosso amigo Max, é?– Deve ser a produção mais recente. Pelo menos desta vez não

está pregando a matança dos “cachorros exo sem alma”.

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– Provavelmente, os leitores não gostaram de ver os cachorros ser insultados assim.

Jet abriu a porta do veículo e estabeleceu contato com a Central de Comando. Eles tinham ordens para mandar pelo rádio todas as denún-cias que recebessem de civis enquanto estavam em patrulha. Um folhe-to entregue por um garoto não era nada urgente, como uma ameaça de bomba ou coisa do tipo, mas Donovan precisava fazer o comunicado mesmo assim.

– ep 202. A gente recebeu uma denúncia não solicitada de um civil. Câmbio.

A voz de Liz, uma das operadoras, ressoou do outro lado da linha.– Equipe de Patrulha 202, prossiga.– O que você tem sobre o Sean Corrigan? Um garoto que disse

ser sobrinho dele encontrou uma pilha de folhetos de propaganda da Sapiência na casa dele. Algumas das coisas recentes do Max – Donovan pegou o folheto de volta da mão de Jet, e esfregou de leve o papel com os dedos. “Max” era o nome impresso como assinatura na maioria dos textos desse tipo. Um codinome para um dos es-critores, ou grupo de escritores, mais atuantes entre os terroristas. Ninguém sabia se Max era uma pessoa só ou várias.

Jet apontou com o queixo para o outro lado da rua, onde a irmã do garoto havia acabado de chegar em um sedã azul.

– A irmã dele é marcada.Donovan estreitou os olhos, tentando ver as mãos da adoles-

cente ao volante. – Tem certeza?– Erze de cientista. Eu vi.Um ponto a favor da credibilidade do garoto, então, se o res-

tante de sua família era marcada. Liz voltou a falar do outro lado da linha:

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– Existe um registro vermelho de Sean Corrigan, de cinco anos atrás. A polícia dos civis prendeu ele por dez meses, por rou-bo e incêndio criminoso, mas não foi encontrado nenhum vínculo com a Sapiência na época. Foi detido em uma blitz três meses atrás por suspeita de contrabando de armas, mas liberado em seguida. Solteiro, mora sozinho. Tem um irmão: Andrew Corrigan, cientis-ta-em-erze. Uma sobrinha, Olivia, também uma cientista-em-erze marcada, e um sobrinho, Horatio.

Então, a história contada pelo garoto era verdadeira. Donovan encostou-se na lataria do veículo flutuante, ainda quente devido ao sol da tarde, embora o brilho alaranjado daquela tarde de setembro já tivesse se desfeito meia hora antes. Estavam quase no fim do turno, e o pai de Donovan, que ele via mais pelo noticiário do que em pessoa, estaria à sua espera em casa.

Jet cruzou os braços.– Foi a primeira ocorrência interessante que a gente teve hoje

– ele falou baixinho.– Com certeza, a Cass e o Leon vão gostar de seguir uma

pista fresca.Jet deu de ombros e sorriu. Os dois se conheciam havia tempo

demais para ainda precisarem dizer em voz alta o que estavam pensando.

Donovan suspirou.– Você tem o endereço do Corrigan? – ele perguntou à Central.– Estou mandando.Jet deu um tapinha no ombro de Donovan e entrou no veículo.

Ele se acomodou no assento do condutor e programou o endereço. Donovan verificou seu comunicador.

– ep 202. A gente está verificando uma denúncia de um civil fora do setor. Câmbio.

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A voz de Vic retornou um instante depois. Ela e Thad, seu parceiro, eram seus reforços mais próximos.

– ep 202, seu turno não está acabando? Vocês não têm mais nada para fazer além de trabalhar?

– Depende – respondeu Jet, pondo o veículo em movimento. Ele baixou o tom de voz, tentando soar tranquilo e suave: – O que você pretende fazer hoje à noite, oficial Kohl?

Houve uma pausa.– Ah, o de sempre. Colocar homens malcomportados na linha.Jet assobiou.– Qual é a sua localização? Dois homens malcomportados gos-

tariam de saber.Donovan sacudiu a cabeça em uma irritação fingida.– Ignore o meu parceiro, eu não posso ser responsabilizado por

nada que ele diz. Principalmente se a conversa estiver sendo moni-torada – ele se inclinou para desligar o rádio, e então recostou-se no assento e olhou para o amigo. – Para com isso. Você está passan- do vergonha.

– Para com o quê?– De ficar babando de boca aberta toda vez que pensa na Vic.– Não dá para evitar, cara. Sou apaixonado por ela. É a garota

mais linda do Círculo.– E é por isso mesmo que você não pode ser assim. Precisa

atrair o interesse dela também. Você está sendo óbvio demais.– As garotas curtem obviedade. E, aliás, eu não fico babando.

Não muito.As construções e as árvores começaram a passar em um bor-

rão quando o veículo chegou à velocidade de cruzeiro. O corpo do carro flutuante de patrulha tinha o design aerodinâmico dos zhree, otimizado para movimentos multidirecionais, mas o interior,

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ainda bem, tinha assentos e controles projetados para humanos. Jet deixou o piloto automático assumir o controle, estendeu os braços acima da cabeça e bocejou.

– Que bom que a gente está de folga amanhã. A comandante Tate está fazendo todo mundo trabalhar que nem umas mulas o mês inteiro. No começo, eu até achei bom anteciparem a gradua-ção, mas o que aconteceu com a ideia de ter um tempo de descan-so? Ei, por que você não fala com o seu pai para ele mexer uns pauzinhos e descolar alguma coisa mais fácil para a gente por uns tempos? Tipo fazer a segurança das docas ou das fazendas de algas.

Donovan soltou um risinho de deboche.– Qual é, você conhece o meu pai.Seu pai jamais usaria a posição que tinha para conseguir nada

que se assemelhasse a um favorecimento. E também não gostava da ideia de fugir das dificuldades e dos deveres. Além disso, Donovan sabia que Jet não estava falando sério sobre querer um posto mais tedioso. O amigo gostava de reclamar, mas, quando a coisa fica-va feia, não era do tipo que fugia da raia. Como naquele momen-to: estava indo atrás de uma denúncia no fim do turno, quando poderia muito bem deixar a patrulha seguinte fazer isso. Apesar da postura inquieta e impetuosa, Jet era um parceiro confiável e um soldado-em-erze competente, o que era o melhor que alguém poderia querer.

O veículo flutuante oscilou levemente em uma curva da via expressa, e Donovan se voltou automaticamente para o Círculo. Lá estava, à sua direita: a cidade circular. À distância, as únicas coisas que se destacavam eram as Torres, projetando-se para o céu com um visual metálico mas ao mesmo tempo orgânico, como um conjunto de estalagmites, talvez, ou de cupinzeiros, porém simétricos demais, obviamente fruto de um design inteligente. O alto das Torres exibia

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um leve brilho rosado, com os últimos raios de sol entrando pelas janelas do veículo e tingindo a vasta extensão do céu sobre a ampla paisagem da pradaria.

Donovan tinha visto em um museu uma fotografia antiga que mostrava a região antes da Era da Guerra, antes da Aterrissagem, inclu-sive: quilômetros e quilômetros de pastagens e gado, com uma ou outra cidadezinha humana interrompendo a paisagem. Era difícil de imagi-nar uma época como essa, quando tudo ao redor fervilhava de atividade e crescimento: equipamentos de construção, estradas movimentadas em todas as direções, bairros novos cheios de casas e estabelecimen- tos comerciais, habitados por pessoas em busca de status de erze e de trabalho. As curvas fluidas do estilo arquitetônico zhree se mistura-vam com as construções humanas, com suas tradicionais linhas retas. Os veículos flutuantes deslocavam-se entre os carros convencionais, as eletrocicletas e os pedestres. No mesmo museu, Donovan viu uma fotografia do Cinturão Circular uns oitenta anos antes, no início dos tempos de paz, quando o local serviu como entreposto de comércio e acampamento de refugiados, procurado por humanos desalojados que buscavam suprimentos ou postos de trabalho junto aos novos gover-nantes. Agora, a urbanização se espalhava pelo Círculo Três (que era o terceiro de dezoito Círculos espalhados pelo mundo) em um aglomera-do confuso e vibrante de humanidade, como algas tomando conta das pedras de um lago.

Mas o Cinturão Circular tinha suas partes perigosas também. O veículo flutuante reduziu a velocidade e começou a fazer cur-vas fechadas para se deslocar pelas ruas estreitas de um bairro an-tigo e malcuidado de casinhas de tijolos com gramados infestados de ervas daninhas.

– Essas casas devem ser da Era da Guerra – comentou Jet. – É incrível que elas ainda continuem de pé.

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Donovan verificou a tela de navegação e apontou para uma fileira de casas quase idênticas.

– A terceira à esquerda – ele falou. – Estaciona ali, longe de vis-ta. Duvido que alguém neste lugar vai reagir bem ao ver as listras.

Jet assumiu o controle manual do veículo e conduziu-o por uma ruazinha de cascalho no final do quarteirão, onde parou. Ele checou sua arma e pegou munição extra.

– Vamos lá caçar uns sápios.Donovan sacou sua arma – uma pistola de eletropulso nove

milímetros padrão, inspirada no modelo humano clássico, mas fa-bricada com um composto metálico extraterreno e equipada com uma tecnologia armamentista zhree. Certificou-se de que a câmara interna estava carregada, guardou a arma no coldre e saiu do carro, seguindo Jet.

Ao se aproximarem da casa, separaram-se, em uma formação defensiva. Donovan buscou sinais de movimentação por entre as janelinhas das casas ao redor. O cair da noite lançou uma sombra azulada sobre o local, e a temperatura estava despencando depressa. As brincadeiras entre os dois cessaram, assim como os sinais anterio-res de cansaço. Não havia nada como a possibilidade do perigo para clarear a mente. Aquele lugar deixou-os tensos, concentrados. Todas as construções naquela rua tinham telhados reforçados e porões à prova de radiação. Tinham sido erguidas em uma época de guerra, e as pessoas que viviam ali – pobres, não marcadas, simpatizantes da Sapiência – provavelmente entendiam que ainda estavam em meio a uma. A exocélula de Donovan ficou de prontidão, em rea-ção ao frio e ao seu estado de nervos.

Eles circundaram a casa de Corrigan.– Tem gente aí – Jet falou pelo transmissor, e a voz dele foi

ouvida diretamente no ponto colocado na orelha de Donovan.

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Donovan observou a porta da frente e a rua. Havia um carro parado no meio-fio e uma picape na entrada da garagem. Ele notou uma movimentação repentina perto das janelas. Duas, talvez três pessoas. A pulsação de Donovan se acelerou. Corrigan não morava sozinho? Ele tinha passagem pela cadeia, pilhas de material dissi-dente e recebia visitas à noite? Donovan ligou o transmissor.

– ep 202 para Central, a gente tem uma suspeita de um refúgio de terroristas aqui. Pedindo permissão para investigar.

Liz respondeu um instante depois.– ep 202, vocês estão sem cobertura e fora do seu setor.

Marquem o local e deem meia-volta.– De jeito nenhum – interveio a voz de Jet. – A gente veio atrás

de uma pista quente e está bem em frente à casa. Se a gente não agir agora, o cara vai se mandar e o lugar vai estar vazio quando a gente voltar.

Donovan cerrou os dentes. Ele se lembrou do garoto, Horatio. Se eles não grampeassem Corrigan, o sujeito ficaria livre e desco-briria que havia sido entregue pelo sobrinho.

– Central, a gente recebeu uma denúncia confiável de um ci-vil sobre alguém fichado. A gente vai entrar.

– Aqui é o Comando Um – a voz da comandante Tate entrou na linha. – ep 202, nossas equipes estão atendendo uma ameaça de bomba do outro lado do Cinturão. O reforço mais próximo está a quinze minutos daí. Vocês estão sozinhos agora.

– Entendido.– psm – questionou Tate.Probabilidade de Sucesso na Missão. Donovan imaginou a ex-

pressão interrogativa da comandante. Com certeza, já teria arranca-do os óculos e estaria debruçada sobre Liz, batucando com uma das hastes da armação fina na tela do monitor. Ela queria sua avaliação

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de soldado-em-erze: saber se a pista era confiável, se a ameaça era real e urgente e se havia chance de apreenderem o suspeito sem co-locar em risco civis inocentes nem fazer com que as Forças Globais de Segurança e Pacificação parecessem alarmistas e incompetentes.

Os soldados-em-erze das patrulhas diziam que psm na verda-de significava “Por favor se manda”. Tipo: “Central, por favor se manda e deixa a gente fazer nosso trabalho”. Donovan olhou para a casa. Uma única construção, dentro da qual havia pouquíssimas pessoas, em uma rua vazia.

– psm alta.– Mantenha os comunicadores ativados.– Jet – Donovan apontou com o queixo para a porta da fren-

te, e seu parceiro avançou até lá com passos rápidos. Donovan foi atrás. Ele apoiou as costas na parede de tijolos ao lado do batente e acionou o eletropulso. Sua armadura acionou-se, com a exocélula ativando-se de nódulo em nódulo, o maquinário vivo espalhando as estruturas microscópicas sobre toda sua pele.

Jet bateu na porta.– Aqui é a SegPac! Abram a porta!

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Eles esperaram por alguns segundos, então fizeram sinal um para o outro. Jet sacou a pistola. Ele deu um passo para trás, preparando-se para chutar a porta, quando então ela se abriu.

Jet entrou na casa sem hesitação. Donovan seguiu no encal-ço do parceiro, com a arma apontada para baixo e o dedo fora do gatilho, mas com o polegar de prontidão no carregador. Havia três pessoas na sala, dois homens e uma mulher, e estavam todos tensos, encarando-os em silêncio, sem disfarçar a hostilidade.

– Sean Corrigan? – Jet questionou o homem que abrira a porta.A resposta veio em um aceno curto. Sean Corrigan era um

homem de pescoço grosso e barba curta, e olhava para os dois com as sobrancelhas levantadas e contorcendo a boca como se estivesse mastigando algo nojento para cuspir sobre eles. Donovan sentia o ódio emanando do corpo dele como o calor subindo do asfalto em um dia de sol.

– De frente para a parede, todos vocês – mandou Jet. – Com as mãos atrás da cabeça.

O homem obedeceu com gestos lentos.– Eu estou na minha casa – ele falou, sem disfarçar a raiva na voz.– Andem, se mexam – Donovan ordenou aos outros dois.Donovan colocou-os ao lado de Corrigan. Mas não tão próximos

a ponto de conseguirem conversar. Em seguida, vasculhou o andar

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térreo da casa, às pressas, com a arma em riste, movendo-se de cômodo em cômodo em questão de segundos. A casa era pequena, e os demais ambientes estavam vazios. Revistou o porão para se certificar de que não havia mais ninguém escondido, e então voltou para a sala de estar.Jet estava com os três suspeitos, ajoelhados, as mãos atrás da cabeça. Ele segurava uma arma de fogo.

– Encontrei isso com o Corrigan – Jet informou.O rosto de Corrigan estava vermelho, prestes a explodir. O

homem de pele morena ao seu lado transpirava, com as pupilas dilatadas. Já a mulher… Donovan levou um susto. Era só uma adolescente, mais ou menos da idade dos próprios Soldados, talvez mais nova. Os cabelos dela estavam escondidos sob uma touca de lã preta. Ela o encarou, imóvel e silenciosa, com o queixo erguido.

Donovan enfiou a arma no coldre, apagou todas as luzes e pôs-se ao trabalho. Ele e Jet já tinham conduzido batidas suficientes para saber em que locais procurar, e vasculhou-os em questão de minutos. Ele esvaziou gavetas, revirou armários, procurou tábuas soltas no piso e paredes falsas. Rasgou os colchões e o estofamento do sofá. A poeira e a espuma espalharam-se pelo ar.

Jet mantinha uma vigilância atenta aos suspeitos.– Encontrou alguma coisa? – ele perguntou.– Ainda não.Donovan fez uma pausa, vasculhando apreensivamente a ba-

gunça em busca de algo. Com uma pista quente em mãos, eles qua-se sempre encontravam alguma coisa. Às vezes, coisas pequenas, como armas sem registro, às vezes, coisas grandes, como laboratórios de fabricação de explosivos. Duas semanas antes, eles revistaram a casa de um casal, Jim e Mila Guerra. As informações disponíveis ligavam os Guerra a vários outros pontos de operação da Sapiência, mas a batida não deu em nada. A mulher respondera a todas as

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perguntas com monossílabos hostis, enquanto o marido ficara de pé mais atrás, com os braços cruzados e uma tatuagem de águia no bí-ceps com uma aparência tão ameaçadora quanto a dele. Eram dois sápios, disso Donovan e Jet tinham certeza, mas não encontraram uma forma de provar. Aquela noite ameaçava terminar da mesma forma. Ir embora de uma casa depois de uma revista malsucedida era a pior sensação do mundo. Significava que eles haviam cometido um erro, ou então sido enganados. Isso fazia a SegPac parecer cruel e impotente, e estimulava ainda mais o ódio das pessoas contra os exos.

A voz da comandante Tate ressoou impaciente em seu disposi-tivo de ouvido.

– Central para ep 202, qual é a situação?Donovan trocou um olhar de frustração com Jet.– Comando Um, a gente tem três suspeitos sob custódia. A gente

ainda está conduzindo a revista. Aguarda o nosso contato. Câmbio.Corrigan teria se livrado de todas as provas? Horatio estaria

mentindo? Donovan viu Corrigan contorcer levemente os lábios; ele estava segurando o riso. Ele pensa que venceu. Pensa que vai sair livre dessa. Donovan cerrou os dentes. Eles não cometeriam o mes-mo erro aqui. Estava tentando se lembrar do que Horatio dissera. O menino tinha visto panfletos e equipamentos. Estava procurando uma chave de fenda…

– Um barracão de ferramentas – Donovan disse baixinho. Devia haver um barracão de ferramentas ali.

Ele correu até os fundos da casa. Ao passar por uma lavanderia com piso de linóleo, encontrou a porta que levava ao quintal. Na escu-ridão, não era possível ver o barracão. Uma fileira de arbustos espessos o escondia das vistas. Donovan sacou a lanterna do bolso do peito da farda e acendeu-a, lançando o facho sobre a maltratada parede exter-na de madeira. Ele prendeu a lanterna entre os dentes e segurou o

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cadeado entre os dedos. Estava trancado, o que o obrigou a trans-formar sua mão em uma lâmina e a enfiá-la na abertura da porta. As farpas voaram e estalaram quando ele colocou o braço lá dentro quase até o cotovelo. Depois de forçar um pouco mais, o cadeado se arrebentou. Donovan abriu a porta.

– Pelo amor de erze.Empilhados em uma das paredes do barracão, estavam alguns

caixotes de fuzis: neles, duas dúzias de clones de M4 e três (três!) E201s com visão laser de uso exclusivo da SegPac. Um armário na parede dos fundos tinha fardos de panfletos presos com elásticos e milhares de caixas de munição. Donovan abriu a tampa de madei-ra que cobria uma banheira de metal e viu o que pareciam ser no mínimo cento e cinquenta quilos de explosivos plásticos C4. Havia também dois lança-foguetes em um canto. E até uma ignição rou-bada de motor movido a fissão nuclear.

Ele voltou correndo para dentro da casa. Jet saudou-o batendo em sua mão. Donovan adotou o tom de voz mais sério e oficial de que era capaz, apesar do alívio extremo que sentia:

– Sean Corrigan, pela autoridade concedida a mim pelas Forças Globais de Segurança e Pacificação, você está sendo acusado de pos-se ilegal de armas, distribuição de material dissidente e envolvimen-to com uma organização ilegal responsável por atos terroristas. Você vai ser levado sob custódia para responder por esses crimes diante de um tribunal.

Jet deu uma coronhada nas costas de Corrigan, bem no meio das escápulas.

– Ouviu bem, escória terrorista? Para você, a sentença é o ato-mizador ou o campo penal.

As costas de Corrigan ficaram rígidas, e em seu rosto era possível ver uma expressão de fúria impotente. O homem ao lado dele murchou

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como um balão sem ar, mas a menina virou a cabeça para encarar os dois exos com uma curiosa mistura de ressentimento e fascínio.

– Vocês não são novos demais para serem Soldados dos fungos?Donovan a encarou com uma expressão inquisitiva.– E você não é bonita demais para ser uma terrorista? – Ele se

virou para entrar em contato com a Central de Comando e trans-mitir as notícias triunfantes.

Tate ouviu seu relatório em silêncio. Depois de um instante de silêncio, ela falou:

– Tragam os três pra cá. Eu vou mandar uma equipe de reco-lhimento aí – ela pareceu seca e direta como sempre, mas Donovan notou um tom de satisfação em sua voz. – Você fez um belo traba-lho hoje, Reyes… seu pai vai ficar orgulhoso de saber.

– Vou buscar o flutuante – Jet encaminhou-se para a porta. – Uma forma nada chata de encerrar o dia, não é mesmo, D Menor?

– Nada chata mesmo – concordou Donovan. Com seis meses de serviço, eles podiam ser a equipe mais inexperiente da SegPac, mas estavam se virando bem.

Alguns anos atrás, depois do banquete de renomeação de seu pai, Donovan falou para Jet:

– Quer saber, não importa o que eu faça, sempre vou ser o filho de um pai famoso. Sempre vou ser o Reyes Junior.

– O McReyes – brincou Jet. – Filho do Dom.– Reyes Segundo.– D. Reyes, o Menor – aquela tinha sido boa. Jet acabou tor-

nando-a um apelido permanente para Donovan.O veículo flutuante parou diante da casa. Jet voltou para den-

tro, chutando para fora do caminho uma gaveta virada.– Certo, vamos tirar um de cada vez. Vou levar Corrigan pri-

meiro, e você fica aqui com os outros dois molengas.

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– Civis – Donovan o repreendeu de brincadeira. Eles não podiam chamar as pessoas não endurecidas de “molengas”, nem mesmo os criminosos. Na semana anterior, Tate havia passado um sermão em todos os soldados-em-erze exos sobre isso.

– Certo, molenga, de pé – Jet fez Corrigan levantar-se.Jet algemou o homem nas costas e empurrou-o para fora pela

porta da frente. Alguns minutos depois, voltou e escoltou o outro homem para fora. Era importante tomar precauções com suspeitos que representavam possibilidade de fuga. Em um lugar como aque-le, qualquer um poderia ser um simpatizante, e, caso escapassem, seria fácil desaparecer na casa de algum aliado. Com um veículo de patrulha parado em frente à casa, Donovan perguntou-se quantos vizinhos hostis não estariam observando a movimentação das casas próximas. Um desconforto instalou-se em sua pele, excitando os nódulos da exocélula.

– Jet – ele chamou pelo transmissor –, vamos apressar as coisas aqui. Donovan mantinha os olhos voltados para a menina, ainda

ajoelhada no chão, e ele deu um passo atrás para ver se seu compa-nheiro de erze já estava voltando. Um cachorro latiu do lado de fora.

E um tiroteio irrompeu no silêncio da noite.

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Donovan viu seu melhor amigo ser arrancado do chão por uma saraivada de balas.

Ele se atirou pela sala, caindo agachado perto da porta. Onde eles estão? Onde estão os sápios?! Ele escaneou ferozmente a rua com o olhar. Uma nova rajada atingiu o veículo flutuante, e as balas rico-chetearam pelo chão. Lá estava: o cano de uma arma de fogo sobre o telhado da casa ao lado, iluminando a escuridão da noite como relâmpagos. Donovan acionou o carregador, ergueu a arma e atirou. A pistola deu um coice em sua mão; ele protegeu os punhos com a armadura, endireitou o braço e atirou novamente até ouvir os estalos dos detonadores elétricos na câmara vazia.

Ele removeu o pente e vasculhou os bolsos em busca de outro. – Jet! – ele gritou.Jet grunhiu e ficou de pé com gestos de dor.– Cara, isso machuca demais. Vou ficar todo dolorido.Poderia ser pior, pensou Donovan. Pelo menos, Jet não estava

esperando ser baleado; e é melhor não estar muito tenso quando se leva um tiro. Da maneira como tudo aconteceu, na melhor das hipóteses Jet receberia uma licença médica pelo resto da semana. Uma exocélula podia segurar apenas uma quantidade limitada de chumbo, e seu parceiro de erze ainda estava em uma condição de alvo fácil.

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Jet começou a correr cambaleando para a segurança relativa do veículo flutuante. Mais uma rajada rasgou o chão ao seu redor. Donovan encaixou um pente novo na câmara interna e saiu para a calçada, colocando-se como alvo enquanto enfrentava o atirador de tocaia. O som de sua pulsação nos ouvidos superava até mesmo o barulho dos tiros. A única coisa que passava por sua cabeça era fazer cobertura para que Jet escapasse.

Uma bala passou assobiando perto de sua orelha. Outra pegou seu ombro de raspão, fazendo-o cambalear. Donovan só teve uma fração de segundo para entender: Os tiros estão vindo de outra direção também! Logo em seguida, um projétil acertou-o na coxa. O impacto reverberou por sua armadura em uma onda que irradiou perna aci-ma até a pelve. Com os dentes cerrados, ele caiu sobre um dos joe-lhos, disparou mais dois tiros, e então voltou para dentro da casa.

O tiroteio cessou. A comandante Tate berrava ferozmente em seu ouvido.

– ep 202! Reporte-se!– A gente está sob fogo cerrado – ele falou, ofegante. Como

se aquilo não fosse óbvio. – Atiradores no telhado da casa à direita e… em algum lugar à esquerda… – o suor brotou sob a armadura; ele limpou as palmas das mãos nas calças e massageou a coxa, que latejava. Sua exocélula se agitava loucamente na área impactada. A bala amassada foi solta e caiu dentro da perna da calça.

– Mantenham sua posição! – ordenou Tate. – Não deixem que eles retomem a casa, nem perca o Corrigan e seus cúmplices. O reforço vai chegar em três minutos.

Donovan manteve a arma em riste e pôs a cabeça e os ombros para fora da porta, para ver o que estava acontecendo. Ele soltou um suspiro de alívio. Jet estava encurvado e fazendo uma careta de dor, mas tinha conseguido voltar ao veículo. Em seguida, porém, houve

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uma movimentação repentina: Corrigan e o amigo saltaram para fora do carro flutuante pela porta aberta e saíram correndo.

Corrigan não chegou muito longe; Jet, apesar de ferido, foi atrás dele e derrubou-o no chão. Com a mão ainda algemada às costas, Corrigan caiu de cara na calçada, soltando um grunhido abafado. Seu companheiro continuou a fuga, correndo em um zi-guezague enlouquecido pelos gramados das casas vizinhas.

– Para agora mesmo, seu… – Jet berrou atrás dele, mas a chu-va de balas recomeçou, disparadas pelos rebeldes determinados a cobrir a fuga do companheiro.

Donovan posicionou-se junto à porta e abriu fogo. Jet arrastou Corrigan de volta para o veículo com um braço, descarregando sua arma sobre o fugitivo com o outro. Os tiros em resposta vinham de todas as direções. As balas se enterravam no batente perto de Donovan e lascavam os tijolos da parede. O homem sofreu um im-pacto e caiu. Donovan não conseguiria determinar se estava vivo ou morto, e não fazia ideia do que o acertara.

O zumbido de um veículo flutuante em alta velocidade prece-deu as luzes pulsantes características de uma patrulha da SegPac, que vinha varrendo a rua, aproximando-se dali. Os atiradores cessaram fogo. O silêncio da noite voltou de forma repentina e incongruente.

– D, você está bem? – perguntou a voz de Jet.– Estou. E você?– Também – uma pausa. – Eu acho que esses desgraçados me

quebraram umas costelas.Donovan sentou-se junto ao batente. Jogou a cabeça para trás

e fechou os olhos, sentindo o cansaço invadir seu corpo depois de a adrenalina ter passado. Graças aos céus e à erze. A coisa tinha ficado feia. Donovan ficara sob fogo cerrado inúmeras vezes nos trei-namentos, e, alguns meses antes, eles haviam prendido uma pessoa

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que atirou em um veículo de patrulha, mas, desta vez, tudo tinha sido muito mais real e bem… perturbador. Os terroristas eram ape-nas molengas. Mas eram tão fanáticos pela causa que estavam dis-postos a arriscar a própria vida apenas por uma chance de tirar a dele e a de Jet.

A noite não terminou calma, mas pelo menos os dois estavam bem, e ainda tinham consigo…

Ele abriu os olhos. A menina tinha sumido.Donovan ficou de pé em um pulo. Ela estava lá durante o

tiroteio. Para onde tinha ido?Ele ouviu um leve estalo na lavanderia. A porta dos fundos se

fechando.Donovan correu pelo pavimento térreo e escancarou a porta.

Um vulto escuro e esguio estava passando pelo barracão, saltando os arbustos e passando para a fileira de casas ao lado.

Ele correu atrás dela. Essa sacana… Donovan praguejou con-tra si mesmo por não ter ficado de olho nela, mas no meio de toda aquela loucura…

– Para aí! – ele gritou. Ela correu mais depressa.Donovan acelerou o passo. Sua coxa direita ainda estava dor-

mente, e ele reajustou a armadura para compensar, permitindo que a exocélula estabilizasse sua corrida. Ela era bem ágil para uma mo-lenga, mas não seria capaz de escapar de um exo. Quando ele estava quase alcançando-a, Donovan se deu conta de que a garota não estava fugindo dele, e sim para algum lugar. Para um estacionamen-to. Na outra extremidade do terreno, os faróis de uma van se acen-deram. O motor foi ligado, com uma tossida barulhenta e poluente.

A garota se desvencilhou de um arbusto e pulou um muro baixo. Ela não conseguiu avançar muito pelo estacionamento antes que Donovan a alcançasse. Segurou-a pelo ombro e puxou-a para trás.

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Ela se virou para encará-lo. O gorro preto de lã caiu da cabeça. Por um momento, o rosto dela ficou bem próximo do seu, com os cabe-los castanhos sobre as orelhas, o nariz fino e arrebitado e os lábios pequenos e escancarados em um grito de raiva. Em uma fração de segundo, ela estava apontando um objeto preto e pequeno contra o corpo dele.

Era pequeno demais para ser uma pistola. Ele achou que fosse uma faca – um ato desesperado e tolo da parte dela – e nem se deu ao trabalho de tentar dissuadi-la. Mas não era uma faca. Os eletro-dos atingiram seu alvo, lançando uma corrente de cinquenta mil volts contra Donovan.

Seu corpo todo se contraiu em cãibras violentas. A dor e o cho-que invadiram-no. Sua exocélula se desfazia em espasmos incon-troláveis tentando se defender de algo que na verdade nem estava lá. Donovan deixou a menina escapar e caiu. Ele não conseguiu estender os braços para amortecer a queda, e um borrão branco se formou em seu campo de visão quando sua têmpora se chocou contra o chão. Ele ouviu a menina correndo outra vez, e um súbito e muito próximo guinchar de pneus. Logo depois, uma porta de carro batida e a voz áspera de um homem.

– Não atira, idiota. Os mãos-de-zebra estão por toda parte… eles vão ouvir. Passa esse ferro pra cá.

A percepção de que havia cometido um erro terrível e fatal to-mou conta da mente de Donovan. Ele tentou se mover, ou pelo menos gritar um alerta pelo transmissor. Ainda semiparalisado e se contor-cendo em espasmos, só conseguiu mexer de leve os dedos e abrir a boca, mas logo em seguida um impacto provocou uma dor atordoante na base de seu crânio.

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