140
1 TÍTULO VIII DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA CAPÍTULO I – DOS CRIMES DE PERIGO COMUM COMENTÁRIOS 1 GENERALIDADES. O Código Penal brasileiro em um capítulo dos crimes contra a pessoa e em um título da parte especial faz previsão dos crimes de perigo. No capítulo III do Título I são regulados os delitos de perigo individual (Da Periclitação da Vida e da Saúde). O Título VIII que a partir deste momento será nosso objeto de estudo trata a respeito dos crimes contra a incolumidade pública. Portanto, de uma visão panorâmica de nosso Código Penal, verificamos que o perigo individual e o perigo coletivo ou comum são protegidos. Perigo Individual é aquele que expõe ao risco de dano, bem jurídico de uma pessoa determinada ou um número determinado de pessoas. Já os delitos de perigo comum ou coletivo são aqueles que expõem ao risco de dano interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas. PERIGO COMUM OU COLETIVO É O QUE EXPÕE A RISCO INTERES- SES JURÍDICOS DE DIVERSAS PESSOAS O elemento subjetivo dos delitos de perigo comum é quase sempre o dolo de perigo, no qual o sujeito age com o fim de criar um perigo de dano a um ou vários bens jurídicos prote- gidos, no caso deste Título VIII a comunhão de bens que se pode proteger recebe o nome de incolumidade pública. Isto quer dizer que a incolumidade pública reúne na sua idéia a prote- ção concomitante de vários bens, como, por exemplo, a integridade física, a vida, o patrimônio, a saúde pública, e a segurança nos meios de transporte. O dolo de perigo nesses delitos pode ser direto (quando o agente age com o fim de expor o bem jurídico diretamente a risco de dano) ou dolo eventual (quando o autor realiza a conduta assumindo o risco de produzir o resultado, que é o perigo de dano) ELEMENTO SUBJETIVO DESTES DELITOS DOLO DE PERIGO DE DANO À INCOLUMIDADE PÚBLICA / DOLO DIRETO OU EVENTUAL / TEM O OBJETIVO APENAS DE EXPOR O BEM PROTEGIDO AO PERIGO DE DANO E NÃO A ESTE Os delitos de perigo comum também são punidos culposamente (art. 250, § 2º; art.

TÍTULO VIII DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA CAPÍTULO I – DOS ...xa.yimg.com/kq/...+dos+crimes+contra+incolumidade+publica+II.pdf · 1 TÍTULO VIII DOS CRIMES CONTRA

Embed Size (px)

Citation preview

1

TÍTULO VIII

DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

CAPÍTULO I – DOS CRIMES DE PERIGO COMUM

COMENTÁRIOS

1 GENERALIDADES.

O Código Penal brasileiro em um capítulo dos crimes contra a pessoa e em um título

da parte especial faz previsão dos crimes de perigo. No capítulo III do Título I são regulados os

delitos de perigo individual (Da Periclitação da Vida e da Saúde). O Título VIII que a partir deste

momento será nosso objeto de estudo trata a respeito dos crimes contra a incolumidade pública.

Portanto, de uma visão panorâmica de nosso Código Penal, verificamos que o perigo individual e

o perigo coletivo ou comum são protegidos.

Perigo Individual é aquele que expõe ao risco de dano, bem jurídico de uma pessoa

determinada ou um número determinado de pessoas. Já os delitos de perigo comum ou coletivo são

aqueles que expõem ao risco de dano interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

PERIGO COMUM OU COLETIVO � É O QUE EXPÕE A RISCO INTERES-

SES JURÍDICOS DE DIVERSAS PESSOAS

O elemento subjetivo dos delitos de perigo comum é quase sempre o dolo de perigo,

no qual o sujeito age com o fim de criar um perigo de dano a um ou vários bens jurídicos prote-

gidos, no caso deste Título VIII a comunhão de bens que se pode proteger recebe o nome de

incolumidade pública. Isto quer dizer que a incolumidade pública reúne na sua idéia a prote-

ção concomitante de vários bens, como, por exemplo, a integridade física, a vida, o patrimônio, a

saúde pública, e a segurança nos meios de transporte.

O dolo de perigo nesses delitos pode ser direto (quando o agente age com o fim de

expor o bem jurídico diretamente a risco de dano) ou dolo eventual (quando o autor realiza a

conduta assumindo o risco de produzir o resultado, que é o perigo de dano)

ELEMENTO SUBJETIVO DESTES DELITOS � DOLO DE PERIGO DE

DANO À INCOLUMIDADE PÚBLICA / DOLO DIRETO OU EVENTUAL / TEM O

OBJETIVO APENAS DE EXPOR O BEM PROTEGIDO AO PERIGO DE DANO E NÃO

A ESTE

Os delitos de perigo comum também são punidos culposamente (art. 250, § 2º; art.

2

251, § 3º; art. 252, § único; art. 254; art. 256, § único; art. 259, § único; art. 260, § 2º; art. 261, § 3º;

art. 262, § 2º; art. 267, § 2º; art. 270, § 2º; art. 271, § único; art. 272, § 2º; art. 273, § 2º; art. 278, §

único; art. 280, § único todos do Código Penal).

Quando o crime de perigo comum for doloso e dele resultar lesão corporal de natu-

reza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resultar morte é aplicada em

dobro. No crime de perigo comum culposo e que dele resulta lesão corporal, a pena aumenta-se

da metade; se do fato resulta morte, aplica-se a pena cominada ao crime de homicídio culposo,

aumentada de um terço (CP, art. 258).

CRIME DE PERIGO DOLOSO SE RESULTA EM: * LESÃO CORPORAL

GRAVE � PENA AUMENTADA DE METADE / * MORTE � PENA DOBRADA

CRIME DE PERIGO CULPOSO SE RESULTA EM: * LESÃO CORPORAL �

PENA AUMENTADA DE METADE / * MORTE � APLICA-SE PENA DO HOMICÍDIO

CULPOSO + 1/3

Neste Título também encontramos crimes de perigo abstrato e crimes de perigo con-

creto. Crimes de perigo abstrato são aqueles em que não é necessária a comprovação do efetivo

risco ao bem jurídico protegido, sendo suficiente a realização da conduta. Podemos citar como

exemplo destes delitos o tipo penal do art. 253 do CP (Fabrico, Fornecimento, Aquisição, Posse

ou Transporte de Explosivos ou Gás Tóxico ou Asfixiante). Crimes de perigo concreto são aque-

les que exigem a demonstração do efetivo risco ao objeto jurídico protegido no caso em concreto

(ex.: o art. 250 do CP – Incêndio).

Incêndio

Art. 250. Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o

patrimônio de outrem:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º. As penas aumentam-se de um terço:

I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em pro-

veito próprio ou alheio;

II - se o incêndio é:

a) em casa habitada ou destinada à habitação;

b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência so-

cial ou de cultura;

3

c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;

d) em estação ferroviária ou aeródromo;

e) em estaleiro, fábrica ou oficina;

f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;

g) em poço petrolífero ou galeria de mineração;

h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.

Incêndio culposo

§ 2º. Se culposo o incêndio, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)

anos.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública que consiste nos vários bens

jurídicos protegidos (vida, integridade física, patrimônio, etc.) de um número indeterminado de

pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O caput prevê a conduta básica do delito que é a causação do incêndio que expõe a

risco a vida, integridade física e patrimônio de um número indeterminado de pessoas. O § 1º es-

tabelece causas de aumento de pena subjetivas (inciso I) e objetivas (inciso II). Por fim, o § 2º

define o incêndio realizado de forma culposa (negligência, imprudência ou imperícia)

3 SUJEITOS DO DELITO.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, tratando-se de delito comum. Pode

ser autor inclusive o proprietário que incendeia objeto material que lhe pertence, expondo a peri-

go um número indeterminado de pessoas.

4

SA � QUALQUER PESSOA (INCLUSIVE O PROPRIETÁRIO DA COISA

INCENDIADA)

Sujeito passivo é a coletividade, que tem seus bens jurídicos expostos a risco de dano

em face da conduta do agente. Também é sujeito passivo aquele que diretamente sofre o risco

sobre seu bem jurídico. Este crime é classificado como sendo de sujeito passivo vago, pois tem

como vítima a coletividade, que não possui personalidade jurídica.

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O verbo núcleo do tipo é “causar”, cujo sentido é provocar o incêndio, criando um

perigo a um número indeterminado de pessoas e coisas. Esta conduta pode ser comissiva ou o-

missiva imprópria se o agente tinha a condição de garante ou garantidor (art. 13, parágrafo 2º do

CP).

COMBUSTÃO CAUSADA DEVERÁ GERAR PERIGO P/ A VIDA, INTE-

GRIDADE OU PATRIMÔNIO DE OUTREM

Incêndio no entendimento de Julio F. Mirabete (2004, p.94) pode ser conceituado

como a combustão de qualquer matéria (sólida, líqüida ou gasosa), com sua destruição total ou

parcial1.

INCÊNDIO � COMBUSTÃO DE QUALQUER MATÉRIA COM SUA DES-

TRUIÇÃO TOTAL OU PARCIAL

Se o incêndio não causar risco à vida, integridade física ou patrimônio de um número

indeterminado de pessoas, mas apenas danifica o patrimônio de pessoa determinada, poderá se

configurar o crime de dano (art. 163 do Código Penal)

SE NÃO GERAR PERIGO A UM N.º DETERMINADO DE PESSOAS – O

CRIME SERÁ O DE DANO (ART. 163 CP)

Para configurar o delito basta que ocorra a combustão, não sendo necessária a cria-

ção de chamas. É crime de forma livre que admite qualquer modo de execução, podendo se a

conduta comissiva (provoca o incêndio) ou omissiva imprópria (o incêndio se inicia por causa

diversa, e não toma qualquer providência para cessá-lo).

BASTA QUE HAJA A COMBUSTÃO, INDEPENDENTEMENTE DE CRIAR

CHAMAS – ADMITE QUALQUER MEIO DE EXECUÇÃO

O objeto material é a coisa ou bem incendiado. O objeto material atingido pela con-

1 Magalhães Noronha (xxxx: p.322) conceitua incêndio da seguinte forma: “Incêndio não é qualquer fogo, mas tão só o que acarreta risco para pessoas ou coisas. É mister, pois, que o objeto incendiado seja tal que exponha a perigo o bem tutelado”.

5

duta do agente a princípio não tem relevância, salvo se for um daqueles locais descritos no inciso

II, § 1º deste artigo, que apresenta uma causa de aumento de pena em face da natureza do local

incendiado.

NÃO IMPORTA A NATUREZA DA COISA INCENDIADA – PODE CONS-

TITUIR UMA CAUSA DE AUMENTO DE PENA

Por ser um delito que deixa vestígios, a materialidade será comprovada por meio de

exame de corpo de delito, conforme estabelece os art. 158 e 173 ambos do Código de Processo

Penal.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou

indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o

perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais

circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal do artigo 250 não possui elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O crime de incêndio é punido nas modalidades dolosa, culposa e preterdolosa.

INCÊNDIO PODE SER: DOLOSO (CAPUT, § 1º), CULPOSO (§ 2)º OU PRE-

TERDOLOSO (ART. 258 CP).

O tipo penal no caput prevê o dolo de perigo genérico, direto ou eventual. No pará-

grafo 1º, inciso I, o agente age com o elemento subjetivo específico de obtenção de vantagem

pecuniária em proveito próprio ou de outrem. No parágrafo 2º, o sujeito ativo tem que saber que

o local que ele incendeia, se enquadra em um daqueles previstos no inciso II do parágrafo 1º.

O incêndio será culposo quando o agente causa a combustão de forma não intencio-

nal (negligência ou imprudência), colocando em risco a vida, a integridade física ou o patrimônio

de um número indeterminado de pessoas.

NEGLIGÊNCIA OU IMPRUDÊNCIA NO MOMENTO DE ATEAR FOGO

OU DE CONTROLAR SUA PROPAGAÇÃO CAUSANDO PERIGO COMUM

As modalidades preterdolosas que resultam em lesões corporais graves ou morte ou

culposas agravadas pelo resultado culposo (lesões corporais ou morte) estão descritas no art. 258

do Código Penal, que oportunamente comentaremos.

6

Se a intenção do agente através do incêndio for atentar contra a segurança nacional,

pelo princípio da especialidade (conflito aparente de normas) aplicar-se-á o dispositivo descrito

no art. 20 da Lei n.º 7.170/83.

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, de-

predar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para

obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão,

de 3 a 10 anos. Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta

morte, aumenta-se até o triplo. (grifo nosso)

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O delito se consuma com o perigo comum causado pelo incêndio, não sendo rele-

vante a extensão ou a duração do fogo. Trata-se de crime de perigo concreto, no qual se deverá

comprovar em cada caso a efetiva situação de perigo. Admite-se tentativa, exceto na modalidade

culposa.

CONS. � NO MOMENTO QUE OCORRE O PERIGO COMUM (DECOR-

RENTE DA COMBUSTÃO), DEVENDO SER VERIFICADO CASO A CASO / TENTA-

TIVA É ADMISSÍVEL NA FORMA DOLOSA.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O incêndio é crime de perigo concreto (deve ser demonstrado) e coletivo (atinge

um número indeterminado de pessoas), instantâneo (consuma-se no momento exato da criação

do risco), material (possui resultado naturalístico que é a causação do perigo concreto), comis-

sivo (realizável por meio de ação) ou omissivo impróprio (o agente não age para impedir a pro-

liferação do incêndio tendo o dever legal de fazê-lo), simples (atinge um bem jurídico, que é a

incolumidade pública), de forma livre (comissivo ou omissivo), plurissubsistente (a conduta é

fracionável em vários atos) e não traseunte (por ser delito que deixa vestígios).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA.

As penas do delito de incêndio podem ser elevadas em virtude: a) do fim do agente;

b) da natureza e destinação da coisa incendiada; c) pela morte ou lesões corporais (art. 258 do CP).

7

A) CAUSA DE AUMENTO DE PENA PELA FINALIDADE DO AGENTE

– INCÊNDIO COM O FIM DE OBTENÇÃO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA (Inciso

I, § 1º).

A pena do incêndio é aumentada de 1/3 (um terço) quando o agente comete o in-

cêndio com o intuito de obter vantagem de natureza financeira em proveito próprio ou de ou-

trem. É irrelevante que o agente obtenha a vantagem. Desta forma, concordamos com Guilher-

me S. Nucci (2003, p.729) que entende que a promessa de recompensa conhecida pelo agente é

suficiente para tipificar a causa de aumento de pena. Damásio de Jesus (1999, p.260) posiciona-se

de forma diferente, pois entende que a simples promessa, não tem o condão aumentar a pena,

respondendo o sujeito ativo pela conduta descrita no caput do artigo.

Agindo o agente com o fim de obter o valor de seguro, responderá por um só delito:

incêndio qualificado, que absorve o estelionato. Neste sentido Damásio de Jesus (1999, p.260) e

Mirabete (2004, p.96-97). Entendemos de forma diversa, pois consideramos ocorrer concurso

formal ou material (dependendo da forma em que a conduta foi realizada) entre os crimes de

incêndio com aumento de pena e estelionato.

B) CAUSA DE AUMENTO DE PENAL EM FACE DA NATUREZA E

DESTINAÇÃO DA COISA INCENDIADA (Inciso II, § 1º).

Trata-se de causas de aumento de pena de ordem objetiva, na qual a elevação da pena

se fundamenta na natureza e na maior potencialidade lesiva maior que os lugares a seguir possu-

em.

b.1) Em casa habitada ou destinada a habitação (alínea “a”).

Casa habitada é o imóvel onde alguém more ou exerça alguma atividade profissio-

nal. É irrelevante para a configuração do delito que alguém se encontre no seu interior no mo-

mento da realização da conduta. Casa destinada a habitação é o imóvel que já está pronto, mas

que ainda não está sendo utilizado como moradia ou local de exercício profissional no momento

da realização da conduta.

CASA HABITADA (COM PESSOAS DENTRO OU NÃO) OU DESTINADA A

HABITAÇÃO (QUE AINDA SERÁ HABITADA)

b.2 ) Em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura (a-

línea “b”).

8

Edifício público é aquele onde está sediado qualquer órgão público pertencente à

administração pública direta ou indireta, bem como os prédios ocupados pelo poder legislativo e

judiciário. Edifício destinado ao uso público é aquele imóvel em que há uma grande circulação

de pessoas, independentemente se de origem pública ou privada. Ex.: bibliotecas, casas de shows,

etc. Edifício destinado a obra de assistência social ou de cultura tem como finalidade pres-

tar auxílio à comunidade e também onde se realiza eventos de natureza cultural. Ex.: Asilos, cre-

ches, teatros, galerias de arte, cinemas, etc.

EDIFÍCIO � É O UTILIZADO PELO ESTADO – A CAUSA DE AUMENTO

DE PENA INCIDE POR CAUSA DE SUA IMPORTÂNCIA SOCIAL E DO EVENTUAL

PREJUÍZO Á SOCIEDADE COM A PARALISAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO.

b.3) Em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo, independentemente de esta-

rem sendo utilizados no momento do fato (alínea “c”)

Embarcação é o meio de transporte aquático. Aeronave é o meio de transporte aé-

reo. Comboio ou veículo de transporte coletivo seriam os meios de transporte terrestres, co-

mo por exemplo, trem de ferro, metrô, ônibus, etc. Como é afirmado no tipo penal, o aumento

de pena é aplicável ao agente, independentemente da conduta ser realizada quando o meio de

transporte não está sendo utilizado.

TRANSPORTE COLETIVO � EMBARCAÇÃO, AERONAVE OU COMBOIO

(TRANSPORTES TERRESTRES) – NÃO IMPORTA SE ESTÃO SENDO UTILIZADOS

NO MOMENTO DO INCÊNDIO.

b.4) Em estação ferroviária ou aeródromo (alínea “d”).

Estação ferroviária é o local destinado para o embarque e desembarque de pessoas,

bagagens e cargas nos meios de transporte ferroviários (trem de ferro). Aeródromo, mais comu-

mente nomeado por aeroporto, é o local destinado para o embarque e desembarque de pessoas,

bagagens e cargas do meio de transporte aéreo (aeronaves). Dúvida que surge a esta modalidade

típica é se ela se estenderia a outros locais destinados para o embarque e desembarque de passa-

geiros, como, por exemplo, rodoviárias, estações de metrô, portos, e etc. Cezar Roberto Biten-

court defende a interpretação extensiva do tipo penal para abranger tais locais (2004, p.170). En-

tendemos, entretanto, que aplicar a causa de aumento de pena quando o incêndio for praticado

nestes lugares somente seria possível com a aplicação de analogia in malam partem, vez que o tipo

não faz referência aos mesmos. Porém, acreditamos que a conduta possa ser punível na situação

típica da alínea “b”, deste inciso II, já que rodoviárias, portos e estações de metrô são locais desti-

nados ao uso público, podendo, portanto, enquadrar a conduta realizada nestes lugares perfeita-

mente. ESTAÇÃO FERROVIÁRIA OU AEROPORTO.

9

b.5) Em estaleiro, fábrica ou oficina (alínea “e”).

Estaleiro é o local destinado à construção e conserto de navios ou embarcações.

Fábrica é o estabelecimento ou local onde se produz algum bem. Oficina é o lugar onde se e-

xerce um ofício ou profissão. Para a incidência da causa de elevação de pena é irrelevante que

estes locais estejam ocupados no momento da conduta.

NÃO IMPORTA SE ESTIVEREM DESOCUPADOS NO MOMENTO.

b.6) Em depósito de explosivo, combustível ou inflamável (alínea “f”).

Depósito é local onde se guarda ou estoca alguma coisa. No caso específico deste ti-

po o Código fala em estocagem de substância explosiva, combustível ou inflamável. O agrava-

mento da pena quando a conduta é praticada contra estes locais se justifica em face do elevadís-

simo potencial lesivo que um incêndio pode causar.

b.7) Em poço petrolífero ou galeria de mineração (alínea “g”).

Poço petrolífero é o local onde é explorado e extraído o petróleo em larga escala.

Galeria de mineração é o lugar de exploração e extração de minérios (ferro, bauxita, ouro, etc.).

O motivo para o aumento de pena em tais locais se fundamenta no modo de produção que ocor-

re em locais onde há grande concentração de gases de fácil combustão, como, também por causa

do local da exploração, que muitas vezes ocorre a centenas de metros abaixo do solo.

b.8) Em lavoura, pastagem, mata ou floresta (alínea “h”).

Compreendemos que esta alínea foi parcialmente revogada de forma tácita pelo art.

41 da Lei n.º 9.605/98 (Crimes Contra o Meio Ambiente), em virtude de ser norma posterior e

também especial em relação a descrita no Código Penal. Por esta razão, o art. 250 não é mais

aplicável ao incêndio produzido contra “mata” ou “floresta”, porém em relação à “lavoura” e

“pastagem”, a presente causa de aumento de pena continua a incidir, vez que o legislador na Lei

n.º 9.605/98 nada mencionou sobre as mesmas.

A punição da conduta se justifica pela prática comum que ocorre em nosso País,

principalmente nas áreas rurais, em que as pessoas utilizam as “queimadas” para limpar o terreno

em que pretendem produzir algum tipo de cultura ou transformar em pastagem.

NO CASO DE MATA OU FLORESTA O INCÊNDIO SERÁ PUNIDO PELO

ART. 41 DA LEI N.º 9.605/98 (LEI DE CRIMES AMBIENTAIS.)

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:

Pena – reclusão, de 02 (dois) a 04 (quatro) e multa.

Lavoura é o cultivo da terra com o fim de exploração econômica. Pastagem é a ve-

getação utilizada pelos seres humanos para alimentar os animais. Mata é a reserva florestal man-

tida com o objetivo de garantir o equilíbrio ecológico de uma determinada região. Floresta é a

grande e extensa área de vegetação de grande, médio e pequeno porte.

10

C) CAUSA DE AUMENTO DE PENA EM FACE DO RESULTADO A-

GRAVADOR (Artigo 258 do Código Penal).

Deixaremos para falar as causas de aumento de pena em face do resultado agravador

nos comentários do artigo 258 do Código Penal. Justificamos esta abordagem metodológica pelo

fato de que o dispositivo supracitado é aplicável a todos os crimes de perigo comum compreen-

didos neste capítulo que têm como resultado morte e lesões corporais.

9.2 MODALIDADE CULPOSA (§ 2º).

O incêndio pode ser praticado de forma culposa, quando o agente com inobservân-

cia do dever objetivo de cuidado (por negligência, imprudência ou imperícia) causa a combustão

não intencionalmente.

10 PENA E AÇÃO PENAL

O crime de incêndio, em sua modalidade simples, é punido com reclusão, de três a

seis anos, e multa. Se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no § 1º, as penas aumentam-se de

um terço. Se do crime de incêndio resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de

liberdade é aumentada de metade; se advém morte, é aplicada em dobro (CP, art. 258).

CAPUT � RECL. 03 A 06 ANOS + MULTA

§ 1º � SIMPLES + 1/3

O incêndio culposo é punido com pena de detenção, de seis meses a dois anos. Se do

fato resulta lesão corporal (leve, grave ou gravíssima), a pena aumenta-se da metade; se resulta

morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo (detenção, de um a três anos), aumentada

de um terço (CP, art. 258). Ao incêndio culposo aplicam-se os artigos 60, 61 e 89 da Lei n.º

9.099/90. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

(I) Se o agente além do incêndio quis intencionalmente matar ou causar lesões corpo-

rais em pessoa(s) determinada(s) responderá pelos crimes em concurso formal ou material, de-

pendendo da forma como a conduta for realizada.

11

(II) Se o imóvel incendiado pelo agente está localizado em local deserto ou distante

de outras edificações, configurará apenas o delito de dano, pois não houve criação de um perigo

comum e concreto para um número indeterminado de pessoas.

(III) Se o agente ao matar uma determinada pessoa com emprego de fogo (art. 121,

parágrafo 2º, inc. III), também expôs a perigo concreto a vida, a integridade física e o patrimônio

de um número indeterminado de pessoas, responderá por homicídio qualificado em concurso

formal com o delito de incêndio (art. 250, caput, do CP).

(IV) O agente que ao provocar um incêndio gera perigo comum e concreto e cuja fi-

nalidade seja o recebimento de indenização ou valor do seguro, deverá responder pelo delito do

art. 250, caput em concurso material com o do art. 171, parágrafo 2º, inc. V, ambos do Código

Penal. (obs.: questão controversa na doutrina e jurisprudência).

12 JURISPRUDÊNCIA.

“Para a caracterização do crime de incêndio é indispensável a criação de efetiva situação de perigo pa-

ra a vida, a imunidade física ou patrimônio de outrem. É este delito, pela nossa lei, de perigo concreto, e não presu-

mido. Se o agente visa a expor a perigo apenas uma pessoa certa e determinada, o crime será o do art. 132 do CP

(perigo para a vida ou saúde de outrem). Só haverá o delito do art. 250 se o incêndio acarretar perigo para número

indeterminado de pessoas ou bens” (TJSP – AC 75013-3 – Rel. Celso Limongi – RT 658/271).

“Nos crimes de perigo concreto exige-se a constatação do perigo real, ao contrário do que ocorre nos

crimes de perigo presumido ou abstrato. Sem as provas nos autos de perigo real ao bem jurídico tutelado, que é a

incolumidade pública, não se pode condenar ninguém pelo crime de incêndio em qualquer de suas modalidades:

dolosa ou culposa” (TJCE – AC 11463 – Rel. Cláudio Santos – Jurisp. e Doutrina 137/237).

“Sem o dolo de perigo, que se objetiva com a criação de uma situação de perigo de dano a um inde-

terminado número de pessoas, o delito de incêndio não se aperfeiçoa” (TJSP – AC – Rel. Hoeppner Dutra – RT

430/348 e RJTJSP 17/518).

“Se o fato, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chega a comunicar-se à coisa visada,

ou comunicando-se, vem a ser imediatamente extinto, não chegando a concretizar-se o perigo comum, o que se tem

a identificar é a simples tentativa” (TJSP – AC – Rel. Weiss de Andrade – RT 507/360).

“Acusado que, afirmando pretender incendiar o caminhão da vítima, mune-se de uma lata de gasolina e dele se aproxi-

ma, sendo, no entanto, obstado a prosseguir a ação – Se a intenção do réu de incendiar o veículo da vítima ficou nos atos

12

meramente preparatórios, sendo obstado a prosseguir na sua ação, não se pode falar em tentativa” (TJSP – AC – Rel.

Alves Braga – RT 453/356).

“Se o incêndio provocado não gera perigo comum, tipifica-se o delito de dano qualificado” (TJSP –

AC 54316-3 – Rel. Ângelo Gallucci – RT 623/280 e RJTJSP 108/480).

“Demonstrando que a intenção do réu, embora agindo imprudentemente, não era a de causar incên-

dio em propriedade alheia, a ausência do dolo específico possibilita a desclassificação da infração para a modalidade

culposa” (TJSP – Rev. – Rel. Rezende Junqueira – RT 562/319).

“O laudo do Instituto de Criminalística é imprescindível à comprovação da materialidade do crime de

incêndio” (TJSP – AC 163427-3 – Rel. Ferraz Felisardo – JTJ 181/272).

“Não há crime de incêndio, se o fogo não teve pontecialidade para expor a perigo a vida, a integridade

física ou o patrimônio de um indeterminado número de pessoas. Resta configurada a prática de crime de dano quali-

ficado (art. 163, parágrafo único, inciso II, do CP), se o incêndio limitou-se a atingir a motocicleta da vítima, visando

o agente somente à destruição daquele bem” (TJMG, Processo 1.0686.02.054609-5/001[1], Relª. Beatriz Pinheiro

Caires, pub. 3/5/2005).

O que distingue o crime de incêndio do de estelionato previsto no art. 171, § 2º, n.º V, do Código Pe-

nal é o perigo comum, indiferentemente a este tipo penal (TJRJ, Ap. 1993.050.000843, Rel. Adolphino Ribeiro, j.

4/11/1993).

Explosão

Art. 251. Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de ou-

trem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de

substância de efeitos análogos:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º. Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:

Pena - reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Aumento de pena

§ 2º. As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses

previstas no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enu-

meradas no nº II do mesmo parágrafo.

Modalidade culposa

13

§ 3º. No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos

análogos, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; nos demais casos, é de

detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública que consiste nos vários bens

jurídicos protegidos (vida, integridade física, patrimônio, etc.) de um número indeterminado de

pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O caput descreve a conduta básica do delito, consistente nas condutas de causar a ex-

plosão, arremessar artefato explosivo ou simples colocação de engenho de substância explosiva,

colocando em risco a vida, a integridade física e o patrimônio de um número determinado de

pessoas. O § 1º define uma privilegiadora, quando a substância empregada pelo agente na prática

do fato não for dinamite ou explosivo de efeitos análogos. O § 2º estabelece causas de aumento

de pena de natureza subjetiva e objetiva, seguindo a mesma estrutura do delito de incêndio. O §

3º descreve a modalidade culposa comum (explosão provocada por dinamite ou substância de

efeitos análogos) e a privilegiada (causada por substância diversa da dinamite ou explosivo de

efeitos análogos).

3 SUJEITOS DO DELITO.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, tratando-se de delito comum. Pode

ser autor inclusive o proprietário que causa a explosão do objeto material que lhe pertence, ex-

pondo a perigo um número indeterminado de pessoas.

SA � QUALQUER PESSOA (INCLUSIVE O PROPRIETÁRIO DA COISA

INCENDIADA)

14

Sujeito passivo é a coletividade, que tem seus bens jurídicos expostos a risco de dano

em face da conduta do agente. Também é sujeito passivo aquele que diretamente sofre o risco

sobre seu bem jurídico. Este crime é classificado como sendo de sujeito passivo vago, pois tem

como vítima a coletividade, que não possui personalidade jurídica.

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica consiste na exposição a perigo a vida, a integridade física ou o pa-

trimônio de outrem mediante explosão, arremesso ou colocação de engenho de dinamite

ou substância de efeitos análogos2. Em todas as possíveis formas de conduta (explosão, arre-

messo ou colocação de artefato explosivo) o crime é de perigo concreto que será comprovado

caso a caso pela exposição de risco da vida, integridade física ou patrimônio de um número inde-

terminado de pessoas. Se nenhuma pessoa ou patrimônio foi exposto a risco efetivo, a conduta

será atípica.

A conduta de expor a perigo pressupõe um comportamento comissivo, mas também

poderá ser praticada através de uma omissão imprópria (art. 13, parágrafo 2º, do CP).

Explosão na definição de Guilherme Nucci (2003, p.731) é o abalo seguido de forte ruído

causado pelo surgimento repentino de uma energia física ou expansão de gás. Arremessar é atirar com força e

distante. Colocar significa pôr em determinado lugar. Bitencourt (2004:176) entende que a implo-

são que é o rebentamento para dentro também é punível por meio da conduta causar explosão.

Nas modalidades arremessar e colocar o agente deve agir com a intenção de efetivamente causar

risco à incolumidade pública de um número indeterminado de pessoas.

EXPLOSÃO � ESTOURO VIOLENTO COM DESLOCAMENTO DE AR

ARREMESSAR � ATIRAR A DISTÂNCIA

COLOCAR � POR EM DETERMINADO LUGAR

O objeto material descrito no caput é o engenho de dinamite ou a substância de efei-

tos análogos. Engenho de dinamite é o objeto confeccionado para a explosão que contém dina-

mite. Damásio (1999, p.266) define “dinamite’ como nitroglicerina misturada com areia. Substân-

cia de efeitos análogos à dinamite são outros materiais explosivos que possuem alto grau de lesi-

vidade, e que se aproxime da capacidade de destruição que ela tem3.

2 No final deste dispositivo o legislador fez uso da interpretação analógica quando fala de “... ou substâncias de efei-tos análogos”. 3 Nelson Hungria (1958, p.38) apresenta uma série de substâncias explosivas e de efeitos análogos: “Há grande varieda-de de substâncias explosivas com efeitos identicos aos da dinamite: os derivados da nitrobenzina (belite), do nitrotolueno (trotil ou tolite),

15

DELITO DE EXPLOSÃO, ARREMESSO OU COLOCAÇÃO DEVE SER UTI-

LIZADO BOMBA OU ARTEFATO DE DINAMITE OU DE EFEITOS ANÁLOGOS

(QUE TENHA CAPACIDADE EXPLOSIVA)

Por ser um delito que deixa vestígios, a materialidade será comprovada por meio de

exame de corpo de delito, conforme estabelece os art. 158 e 175 ambos do Código de Processo

Penal.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou

indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se

Ihes verificar a natureza e a eficiência.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal do artigo 251 não possui elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O crime de explosão é punido nas modalidades dolosa, culposa e preterdolosa.

EXPLOSÃO PODE SER: DOLOSA (CAPUT, § 1º, § 2º), CULPOSA (§ 3º) OU

PRETERDOLOSA (ART. 258 CP).

O tipo penal no caput e § 1º prevê o dolo de perigo genérico, direto ou eventual.

No parágrafo 2º, primeira parte, o dispositivo estabelece o aumento de pena previsto

no inciso I, parágrafo 1º do art. 250 (incêndio), quando o agente age com o elemento subjetivo

específico de obtenção de vantagem pecuniária em proveito próprio ou de outrem.

No parágrafo 2º, parte final, o sujeito ativo tem que saber que o local que ele realiza a

conduta, se enquadra em um daqueles previstos no inciso II do parágrafo 1º do art. 250.

A explosão será culposa quando o agente a provoca de forma não intencional (negli-

gência ou imprudência), colocando em risco a vida, a integridade física ou o patrimônio de um

número indeterminado de pessoas.

NEGLIGÊNCIA OU IMPRUDÊNCIA EM PROVOCAR A EXPLOSÃO CAU-

SANDO PERIGO COMUM

As modalidades preterdolosas que resultam em lesões corporais graves ou morte ou

culposas agravadas pelo resultado culposo (lesões corporais ou morte) estão descritas no art. 258

do nitrocresol (cresilite), da nitro naftalina (schneiderite), a chedite, a sedutite, a ruturite, a grisuline, a melinite, as gelatinas explosivas, os explosivos TNT, os explosivos à base de ar líquido etc, etc.”.

16

do Código Penal, que oportunamente comentaremos.

Se a intenção do agente através da explosão for atentar contra a segurança nacional,

pelo princípio da especialidade (conflito aparente de normas) aplicar-se-á o dispositivo descrito

no art. 20 da Lei n.º 7.170/83.

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, de-

predar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para

obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão,

de 3 a 10 anos. Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta

morte, aumenta-se até o triplo. (grifo nosso)

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma com a causação do perigo comum e concreto, no qual é exposto

um número indeterminado de pessoas e bens. Admite-se a tentativa nas três modalidades de con-

dutas previstas. Cezar R. Bitencourt (2004, p.175) entende que a tentativa é admissível nas duas

primeiras formas de conduta (“explosão” e “arremesso”), não podendo ocorrer na terceira moda-

lidade (“colocação”). Discordamos deste posicionamento, por entendemos como Julio F. Mirabe-

te (2004, p.102) que cita o exemplo do indivíduo que é surpreendido no momento em que está

montando o artefato explosivo.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

A explosão é crime de perigo concreto (que necessita ser comprovado) e coletivo

(atinge um número indeterminado de pessoas e bens), instantâneo (a consumação ocorre com o

perigo comum e concreto), material no entendimento de Damásio (1999, p.268) (prevê resultado

naturalístico e exige sua ocorrência que se dá com o perigo provocado) e formal para Regis Pra-

do (1999, p.790) e Guilherme S. Nucci (2003, p.732) (consuma com a prática da conduta, ainda

que o resultado naturalístico que ocorra) de conteúdo variado (descreve três modalidades de

condutas diferentes), plurissubsistente (a conduta do agente é fracionável em vários atos), co-

missivo (realizado por meio de ação) e omissivo impróprio (quando o indivíduo tem o dever de

agir e evitar o resultado), unissubjetivo (basta um único agente para praticá-lo) e crime de for-

ma vinculada e alternativa (define a forma geral “expor a perigo” e as específicas “explosão”,

“arremesso” e “colocação” que podem ocorrer alternativamente) e não transeunte (crime que

deixa vestígios).

17

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 PRIVILEGIADORA (§ 1◦).

Circunstância típica de caráter objetivo que tem como finalidade a diminuição dos

limites abstratos (mínimo e máximo) de pena, quando o agente utiliza substância que não é

dinamite ou explosivo de efeitos análogos (ex: gasolina, solventes, pólvora).

9.2 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA (§ 2◦).

As penas do delito de explosão podem ser elevadas em virtude: a) do fim do agente;

b) da natureza e destinação da coisa explodida ou a ser explodida; c) pela morte ou lesões corpo-

rais (art. 258 do CP).

A) CAUSA DE AUMENTO DE PENA PELA FINALIDADE DO AGENTE

– INCÊNDIO COM O FIM DE OBTENÇÃO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA (§ 2º,

primeira parte).

A pena do delito é aumentada de 1/3 (um terço) quando o agente comete a explosão

com o intuito de obter vantagem de natureza financeira em proveito próprio ou de outrem. É

irrelevante que o agente obtenha a vantagem. Desta forma, concordamos com Guilherme S.

Nucci (2003, p.729) que entende que a promessa de recompensa conhecida pelo agente é sufici-

ente para tipificar a causa de aumento de pena. Damásio de Jesus (1999, p.260) posiciona-se de

forma diferente, pois entende que a simples promessa, não tem o condão aumentar a pena, res-

pondendo o sujeito ativo pela conduta descrita no caput do artigo.

Agindo o agente com o fim de obter o valor de seguro, responderá por um só delito:

explosão qualificada, que absorve o estelionato. Neste sentido Damásio de Jesus (1999, p.260) e

Mirabete (2004, p.96-97). Entendemos de maneira diversa, pois consideramos ocorrer concurso

formal ou material (dependendo da forma em que a conduta foi realizada) entre os crimes de

explosão com aumento de pena e estelionato.

B) CAUSA DE AUMENTO DE PENAL EM FACE DA NATUREZA E

DESTINAÇÃO DA COISA INCENDIADA (§ 2º, parte final).

18

Trata-se de causas de aumento de pena de ordem objetiva, na qual a elevação da san-

ção se fundamenta na natureza e na maior potencialidade lesiva maior que os lugares a seguir

possuem. O legislador determina na parte final do parágrafo 2◦ a aplicação do inciso II do pará-

grafo 1◦ do art. 250 do Código Penal.

b.1) Em casa habitada ou destinada a habitação (alínea “a”).

Casa habitada é o imóvel onde alguém more ou exerça alguma atividade profissio-

nal. É irrelevante para a configuração do delito que alguém se encontre no seu interior no mo-

mento da realização da conduta. Casa destinada a habitação é o imóvel que já está pronto, mas

que ainda não está sendo utilizado como moradia ou local de exercício profissional no momento

da realização da conduta.

CASA HABITADA (COM PESSOAS DENTRO OU NÃO) OU DESTINADA A

HABITAÇÃO (QUE AINDA SERÁ HABITADA)

b.2 ) Em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura (a-

línea “b”).

Edifício público é aquele onde está sediado qualquer órgão público pertencente à

administração pública direta ou indireta, bem como os prédios ocupados pelo poder legislativo e

judiciário. Edifício destinado ao uso público é aquele imóvel em que há uma grande circulação

de pessoas, independentemente se de origem pública ou privada. Ex.: bibliotecas, casas de shows,

etc. Edifício destinado a obra de assistência social ou de cultura tem como finalidade pres-

tar auxílio à comunidade e também onde se realiza eventos de natureza cultural. Ex.: Asilos, cre-

ches, teatros, galerias de arte, cinemas, etc.

EDIFÍCIO � É O UTILIZADO PELO ESTADO – A CAUSA DE AUMENTO

DE PENA INCIDE POR CAUSA DE SUA IMPORTÂNCIA SOCIAL E DO EVENTUAL

PREJUÍZO Á SOCIEDADE COM A PARALISAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

b.3) Em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo, independentemente de esta-

rem sendo utilizados no momento do fato (alínea “c”)

Embarcação é o meio de transporte aquático. Aeronave é o meio de transporte aé-

reo. Comboio ou veículo de transporte coletivo seriam os meios de transporte terrestres, co-

mo por exemplo, trem de ferro, metrô, ônibus, etc. Como é afirmado no tipo penal, o aumento

de pena é aplicável ao agente, independentemente da conduta ser realizada quando o meio de

transporte não está sendo utilizado.

TRANSPORTE COLETIVO � EMBARCAÇÃO, AERONAVE OU COMBOIO

(TRANSPORTES TERRESTRES) – NÃO IMPORTA SE ESTÃO SENDO UTILIZADOS

NO MOMENTO DA EXPLOSÃO

19

b.4) Em estação ferroviária ou aeródromo (alínea “d”).

Estação ferroviária é o local destinado para o embarque e desembarque de pessoas,

bagagens e cargas nos meios de transporte ferroviários (trem de ferro). Aeródromo, mais comu-

mente nomeado por aeroporto, é o local destinado para o embarque e desembarque de pessoas,

bagagens e cargas do meio de transporte aéreo (aeronaves). Dúvida que surge a esta modalidade

típica é se ela se estenderia a outros locais destinados para o embarque e desembarque de passa-

geiros, como, por exemplo, rodoviárias, estações de metrô, portos, e etc. Cezar Roberto Biten-

court defende a interpretação extensiva do tipo penal para abranger tais locais (2004, p.170). En-

tendemos, entretanto, que aplicar a causa de aumento de pena quando o delito for praticado nes-

tes lugares somente seria possível com a aplicação de analogia in malam partem, vez que o tipo não

faz referência aos mesmos. Porém, acreditamos que a conduta possa ser punível na situação típica

da alínea “b”, deste inciso II, já que rodoviárias, portos e estações de metrô são locais destinados

ao uso público, podendo, portanto, enquadrar a conduta realizada nestes lugares perfeitamente.

ESTAÇÃO FERROVIÁRIA OU AEROPORTO

b.5) Em estaleiro, fábrica ou oficina (alínea “e”).

Estaleiro é o local destinado à construção e conserto de navios ou embarcações.

Fábrica é o estabelecimento ou local onde se produz algum bem. Oficina é o lugar onde se e-

xerce um ofício ou profissão. Para a incidência da causa de elevação de pena é irrelevante que

estes locais estejam ocupados no momento da conduta.

NÃO IMPORTA SE ESTIVEREM DESOCUPADOS NO MOMENTO

b.6) Em depósito de explosivo, combustível ou inflamável (alínea “f”).

Depósito é local onde se guarda ou estoca alguma coisa. No caso específico deste ti-

po o Código fala em estocagem de substância explosiva, combustível ou inflamável. O agrava-

mento da pena quando a conduta é praticada contra estes locais se justifica em face do elevadís-

simo potencial lesivo que uma explosão pode causar.

b.7) Em poço petrolífero ou galeria de mineração (alínea “g”).

Poço petrolífero é o local onde é explorado e extraído o petróleo em larga escala.

Galeria de mineração é o lugar de exploração e extração de minérios (ferro, bauxita, ouro, etc.).

O motivo para o aumento de pena em tais locais se fundamenta no modo de produção que ocor-

re em locais onde há grande concentração de gases de fácil combustão e explosão, como, tam-

bém por causa do local da exploração, que muitas vezes ocorre a centenas de metros abaixo do

solo.

b.8) Em lavoura, pastagem, mata ou floresta (alínea “h”).

Ao contrário do crime de incêndio que foi parcialmente revogado pelo art. 41 da Lei

20

n.º 9.605/98, esta modalidade na explosão não sofreu modificação, vez que a referida lei não

mencionou qualquer figura típica que o modus operandi do agente fosse explosão ou alguma situa-

ção congênere. Lavoura é o cultivo da terra com o fim de exploração econômica. Pastagem é a

vegetação utilizada pelos seres humanos para alimentar os animais. Mata é a reserva florestal

mantida com o objetivo de garantir o equilíbrio ecológico de uma determinada região. Floresta é

a grande e extensa área de vegetação de grande, médio e pequeno porte.

C) CAUSA DE AUMENTO DE PENA EM FACE DO RESULTADO A-

GRAVADOR (Artigo 258 do Código Penal).

Deixaremos para falar as causas de aumento de pena em face do resultado agravador

nos comentários do artigo 258 do Código Penal. Justificamos esta abordagem metodológica pelo

fato de que o dispositivo supracitado é aplicável a todos os crimes de perigo comum compreen-

didos neste capítulo que têm como resultado morte e lesões corporais.

9.3 MODALIDADE CULPOSA (§ 3º).

O crime de explosão pode ser praticado de forma culposa, quando o agente com i-

nobservância do dever objetivo de cuidado (por negligência, imprudência ou imperícia) causa a

explosão não intencionalmente. As penas da modalidade culposa variam de acordo com a subs-

tância utilizada, se dinamite ou substâncias de efeitos análogos ou não.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A explosão simples (caput) é punida com pena de reclusão, de três a seis anos, e mul-

ta. A explosão com aumento de pena é punida com as penas cominadas à explosão simples, au-

mentadas de um terço (§ 2º). A explosão privilegiada é punida com pena de reclusão, de um a

quatro anos, e multa (§ 1º). Se da explosão dolosa advém lesão corporal de natureza grave, a pena

privativa de liberdade é aumentada da metade; se resulta morte, é aplicada em dobro (CP, art.

258).

A explosão culposa é punida com pena de detenção: a) de seis meses a dois anos, se a

explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos; b) de três meses a um ano, nos demais

casos. Se do fato culposo resulta lesão corporal de qualquer natureza, a pena aumenta-se da me-

tade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo aumentada de um terço

21

(CP, art. 258). A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

(I) Se o agente além da explosão quis intencionalmente matar ou causar lesões corpo-

rais em pessoa(s) determinada(s) responderá pelos crimes em concurso formal ou material, de-

pendendo da forma como a conduta for realizada.

(II) Ocorrerá concurso formal de homicídio qualificado com emprego de explosão

(art. 121, parágrafo 2º, inciso III, do CP) com o delito de explosão (art. 251, caput,), se esta causou

um perigo concreto para um número indeterminado de pessoas (vida, integridade física e patri-

mônio).

12 JURISPRUDÊNCIA.

“Para que a infração do art. 251 do CP se consubstancie não é preciso que a explosão se constate, bas-

tando a perspectiva do perigo para a vida, a integridade física, ou mesmo o patrimônio de outrem, sendo que, se do

delito de perigo comum, doloso ou culposo, resulta morte, a infração assume o caráter qualificado” (TACRIM-SP –

AC 585961/0 – Rel. Roberto de Almeida – RJDTACRIM 5/82).

“Pratica o delito do art. 251, do CP, quem explode bombas para abater peixes, perto de outras embar-

cações ocupadas por terceiros” (TRF – AC 8016 – Rel. William Paterson – JTRF-Lex 77/317).

“Crime de explosão – Inocorrência – Lançamento de artefato usado em festas juninas no interior de um salão, repleto de

pessoas – Impacto que não se coaduna, por inexpressivo, ao tipo penal inscrito no art. 251” (TJSC – AC 21510 – Rel. Aloysio de

Almeida Gonçalves – JC 54/425).

“Comete o delito de explosão, previsto no art. 251 do CP aquele que enterra no chão bombas de di-

namite, expondo a perigo evidente de vida, a integridade física e o patrimônio de outrem” (TJSP – AC – Rel. Tho-

maz Carvalhal – RT 393/243).

“Explosão culposa – Substância de efeitos análogos aos da dinamite – Inteligência do art. 251, § 3º, do CP – A simi-

litude de substância à dinamite se apura no tocante aos efeitos do material explosivo, isto é, sua força ou efeitos

produzidos quando de sua explosão” (TACRIM-SP – Rev. 203118/8 – Rel. Marrey Neto – RJDTACRIM 12/221).

Explosão – Pedreira – Culpa – “A circunstâncias de ser a pedreira uma atividade industrial autorizada

não afasta a hipótese de fato punível por que o crime não é a explosão propriamente dita mas o perigo a que se ex-

põe a vida, a saúde ou o patrimônio de alguém. Se a explosão, embora autorizada, não foi cercada dos cuidados ne-

cessários para não causar dano a outrem, houve negligência e se o responsável por ela utilizou, por exemplo, carga

22

excessiva, caracteriza-se a imperícia. A modalidade culposa (art. 251, § 3º, do CP) é qualificada em razão de ter a

vítima sofrido lesão corporal de natureza grave (art. 258, segunda parte, do mesmo Código) (II TARJ – AC – Rel.

Genarino Carvalho – DJRJ 30.6.82, p. 51).

“Se a substância utilizada pelo agente não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos, e desde que se-

ja de eficácia explosiva menor, como a pólvora, o crime configurado não será descrito no caput do art. 251, mas o

previsto no seu § 1º (TJMG, Processo n.º 1.0702.03.093288-4/001[1], Rel. Paulo Cezar Dias, pub. 1/2/2005).

Uso de gás tóxico ou asfixiante

Art. 252. Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de ou-

trem, usando de gás tóxico ou asfixiante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Modalidade culposa

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, que consiste na tute-

la da vida, integridade física ou patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal no caput define a conduta básica que consiste no uso do gás tóxico ou

asfixiante. O parágrafo único prevê a modalidade culposa do delito.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Trata-se de tipo penal comum, no qual qualquer pessoa pode ser sujeito ativo.

23

SA � QUALQUER PESSOA

Sujeito passivo é a coletividade, que tem seus bens jurídicos expostos a risco de dano

em face da conduta do agente. Também é sujeito passivo aquele que diretamente sofre o risco

sobre seu bem jurídico. Este crime é classificado como sendo de sujeito passivo vago, pois tem

como vítima a coletividade, que não possui personalidade jurídica.

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta consiste na exposição a perigo para vida, integridade física e patrimônio

de um número indeterminado de pessoas com a utilização de gás tóxico ou asfixiante. O expor a

perigo demonstra a existência de uma conduta comissiva ou omissiva imprópria (garante – art.

13, parágrafo 2º, do CP).

EXPOR A PERIGO, VIDA, INTREGRIDADE OU PATRIMÔNIO – USANDO

GÁS TÓXICO OU ASFIXIANTE

Gás tóxico é o que provoca envenenamento. Gás asfixiante é o que causa sufoca-

mento. Nas duas modalidades não é exigido que o gás seja letal, bastando que provoquem um

possível dano às pessoas a eles expostas4.

O objeto material é o gás tóxico ou asfixiante. É irrelevante para a configuração do

delito que várias pessoas sejam atingidas pelo sujeito ativo, sendo necessário apenas que aja com

esta finalidade. O crime se consuma com a comprovação do perigo de dano para um número

indeterminado de pessoas, ainda que poucas pessoas tenham sido efetivamente atingidas pela

ação do agente.

Por ser crime que deixa vestígios, é mister a comprovação da natureza tóxica ou en-

venenante do gás utilizado pelo sujeito ativo.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou

indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se

Ihes verificar a natureza e a eficiência.

4 Nelson Hungria (1958, p.42-43) cita como exemplos de gases tóxicos e asfixiante os seguintes: “São considerados tóxicos, dentre outros, os gases provenientes do ácido cianídrico, amoníaco do anidro sulfuroso, benzina, iodacetona, cianuretos alcalinos de potássio e sódio. Asfixiantes são os gases de cloro, bromo, bromacetona, clorossulfato de metila, cloroformiato de triclorometila, fosgeno etc.”.

24

5 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O tipo exige a realização da conduta do agente com dolo de perigo comum genérico,

direto ou eventual. Não há previsão de qualquer elemento subjetivo específico ou especial. No

caso do agente ter agido com a intenção de intoxicar ou envenenar pessoa ou pessoas determina-

das, pode-se configurar do delito de perigo para a vida ou saúde de outrem.

CONDUTA CONTRA UM NÚMERO CERTO OU DETERMINADO DE PES-

SOAS � ART. 132 E NÃO ART. 252 CP

6 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não fez previsão de qualquer elemento normativo.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma com a criação do perigo concreto para um número indetermi-

nado de pessoas, causado pelo uso do gás tóxico ou asfixiante. Este é considerado o seu resultado

naturalístico.

A tentativa é admissível, quando o agente por circunstâncias alheias a sua vontade

não consegue utilizar o gás tóxico ou asfixiante.

Caso a substância usada não tenha a natureza intoxicante ou sufocante poder-se-á

configurar outro delito se provocar algum resultado; ou ficará caracterizado o crime impossível,

se ela for absolutamente ineficaz para atingir os efeitos desejados pelo sujeito ativo.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime de uso de gás tóxico ou asfixiante é classificado como: de perigo concreto

e coletivo (deve ser demonstrado o efetivo risco à vida, integridade física e patrimônio de um

número indeterminado de pessoas); instantâneo (consuma no momento da criação do risco);

comissivo (delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o indivíduo tem o dever de agir e

evitar o resultado); plurissubsistente (conduta fracionável em vários atos); unissubjetivo (é

necessário apenas um sujeito ativo para a prática do delito) e não traseunte (é delito que não

deixa vestígios). É material (consumando-se com o risco concreto de dano provocado pela con-

duta do agente). Guilherme Nucci classifica o crime como formal, por entender que o resultado

25

naturalístico que seria a intoxicação ou o sufocamento não precisa ocorrer, bastando apenas que

o agente pratique a conduta que é o uso do gás.

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 FORMA CULPOSA (parágrafo único)

O uso de gás tóxico ou asfixiante pode ocorrer na modalidade culposa, quando o a-

gente agir com a quebra do dever objetivo de cuidado, isto é, com negligência, imprudência e

imperícia (art. 18, II do Código Penal).

9.2 FORMAS AGRAVADAS (QUALIFICADAS) PELO RESULTADO (artigo

258 do Código Penal).

Deixaremos para falar as causas de aumento de pena em face do resultado agravador

nos comentários do artigo 258 do Código Penal. Justificamos esta abordagem metodológica pelo

fato de que o dispositivo supracitado é aplicável a todos os crimes de perigo comum compreen-

didos neste capítulo que têm como resultado morte e lesões corporais.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena do caput é cumulativa reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aplica-se a sus-

pensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei n.º 9.099/95.

No tipo culposo, a pena cominada é de detenção, de três meses a um ano. Incide os

artigos 60, 61 e 89 da Lei n.º 9.099/95.

Se do crime doloso resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de li-

berdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No crime culposo, resul-

tando lesão corporal, a pena aumenta-se da metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada

ao homicídio culposo, aumentada de um terço (CP, art. 258). A ação penal é pública incondicio-

nada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

(I) Se o agente usa gás tóxico ou asfixiante para matar pessoa determinada, responde

26

pela prática do art. 121, § 2º, III do Código Penal (homicídio qualificado pelo envenenamento ou

asfixia). Caso o agente além do animus necandi tenha querido expor um número indeterminado de

pessoas a risco, responderá pelos crimes em concurso material ou formal, dependendo da forma

em que realizou a conduta.

(II) Quando provocar a emissão de gás que não seja tóxico ou asfixiante poderá res-

ponder pela contravenção penal descrita no art. 38 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Lei de Contra-

venções Penais).

Emissão de fumaça, vapor ou gás.

Art. 38. Provocar, abusivamente, emissão de fumaça, vapor ou gás que possa ofender ou molestar al-

guém: pena – multa.

(III) O emprego de gás lacrimogêneo pela polícia não configura crime, desde que esta

esteja agindo em legítima defesa, ou no estrito cumprimento do dever legal. Se houver excesso,

este será punido.

12 JURISPRUDÊNCIA.

“Não caracteriza o crime previsto no art. 252, do CP a conduta de quem adapta veículo automotor e

com ele transita, acionando o gás liquefeito de petróleo, em face da ausência de prova, na espécie, de perigo concre-

to” (TJSP – AC 41626-3 – Rel. Gentil Leite – RJTJSP 101/461).

Indiciamento de diretores de empresa pela emissão de gases tóxicos asfixiantes – “O princípio da responsabilidade

subjetiva, base do Direito Penal moderno, determina que só deve responder pela prática de infração quem tenha

agido com dolo ou culpa, em sentido estrito. Não basta que alguém seja sócio ou diretor de uma empresa para res-

ponder criminalmente por ato penalmente típico praticado no exercício de atividades da mesma. Só serão responsá-

veis criminalmente os que lhe tenha dado causa, ainda que indiretamente com dolo ou culpa” (TACRIM-SP – HC

152374-1 – Rel. Cineu Ferreira – RT 612/319).

Fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosi-

vos ou gás tóxico, ou asfixiante

Art. 253. Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da

autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material desti-

nado à sua fabricação:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

27

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é incolumidade pública, que consiste na tutela da vida, in-

tegridade física e patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua ocorrência

qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADE TÍPICA.

O tipo penal prevê apenas a modalidade típica descrita no caput do artigo.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O delito é comum no qual pode ser sujeito ativo qualquer pessoa. Sujeito passivo é a

coletividade, que tem seus bens jurídicos expostos a risco de dano em face da conduta do agente.

Também é sujeito passivo aquele que diretamente sofre o risco sobre seu bem jurídico. Este cri-

me é classificado como sendo de sujeito passivo vago, pois tem como vítima a coletividade, que

não possui personalidade jurídica.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

Tipo penal de conteúdo misto ou variado, o legislador descreve cinco verbos núcleos

que indicam como o agente praticará o crime: fabricar (manufaturar, construir, produzir); forne-

cer (abastecer, prover de forma onerosa ou gratuita); adquirir (comprar de forma onerosa ou gra-

tuita); possuir (ter em seu poder pessoal ou à disposição); e, transportar (levar, conduzir de um

lugar para outro). As condutas previstas indicam um comportamento comissivo ou omissivo im-

próprio (garante – art. 13, parágrafo 2º, do CP).

São objetos materiais: engenho explosivo é o objeto confeccionado para a explosão

que contém dinamite ou substância de efeitos análogos. Damásio (1999:266) define “dinamite’

como nitroglicerina misturada com areia. Substância de efeitos análogos à dinamite são outros

28

materiais explosivos que possuem alto grau de lesividade, e que se aproxime da capacidade de

destruição que ela tem. Gás tóxico é o que provoca envenenamento. Gás asfixiante é o que

causa sufocamento. Material destinado a fabricação pode se entender como as substâncias que

serão empregadas para a produção daqueles (ex.: acetona, pólvora, etc.).

Para a configuração da materialidade do delito é exigível a realização de exame perici-

al para demonstração da potencialidade do objeto material (art. 158 e art. 175 do Código de Pro-

cesso Penal). Não se comprovando a eficácia da substância em consonância com o tipo penal, a

conduta será atípica.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou

indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se

Ihes verificar a natureza e a eficiência.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O elemento normativo do tipo está definido na expressão “sem licença da autori-

dade”. Trata-se de norma penal em branco no qual se observará se a conduta realizada pelo su-

jeito ativo descumpre o que a lei determina em relação às substâncias descritas no artigo. Se o

agente atua conforme a licença da autoridade a conduta será atípica.

ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO � “SEM LICENÇA DA AUTORIDA-

DE”

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

É o dolo de perigo comum genérico, direto ou eventual. O desconhecimento da ne-

cessidade da licença da autoridade pode significar a incidência de erro de proibição.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma com a realização de qualquer das condutas típicas (fabricar,

transportar, adquirir, fornecer ou possuir) independentemente da comprovação do risco (perigo

abstrato). Entende-se inadmissível a tentativa, em face do legislador punir atos preparatórios dos

tipos penais anteriores (explosão e uso de gás tóxico ou asfixiante).

INADMISSÍVEL A TENTATIVA POR TIPIFICAR ATOS PREPARATÓRIOS

DOS DELITOS DOS ARTIGOS 251 e 252 CP

29

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

Trata-se de crime de perigo abstrato5 (é o presumido na lei, bastando a mera prática

da conduta típica), comum (qualquer pessoa pode ser sujeito ativo), doloso (com intenção direta

ou assumindo o risco), de conteúdo variado ou misto alternativo (legislador prevê mais de

uma conduta, respondendo o agente uma única vez, independentemente da quantidade de verbos

realizados no fato), unissubjetivo (basta uma única pessoa para praticá-lo), comissivo (delito de

ação), de mera conduta (o tipo descreve apenas a realização da conduta, não fazendo previsão

de qualquer resultado naturalístico). Por fim, o delito é instantâneo (consumação imediata) nas

modalidades “fabricar”, “transportar”, “adquirir”, “fornecer” e permanente (consumação se

perpetua enquanto a conduta estiver sendo praticada) na modalidade “possuir” e não transeunte

(é delito que deixa vestígios).

9 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena prevista é cumulativa: detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos e multa.

São aplicáveis ao delito os artigos 60, 61 e 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondi-

cionada.

10 QUESTÃO RELEVANTE.

(I) Se o fabrico de explosivo é meio para a prática do delito de dano qualificado (art.

163, § único, II) não se verifica o concurso material, mas sim a absorção deste delito por aquele

(dano qualificado). A questão, porém é controversa, existindo entendimento no sentido contrá-

rio.

(II) Rogério Greco (2010, p.706) entende que ocorreu a revogação parcial do art. 253

do Código Penal, concernentemente aos núcleos fabricar e possuir substância ou engenho explosi-

vo, devendo-se aplicar o inciso III, do parágrafo único do art. 16 da Lei n.º 10.826/2003.

5 Rogério Greco (2010, p.706) classifica o crime como de perigo concreto.

30

11 JURISPRUDÊNCIA.

“Para a caracterização do crime previsto no art. 253 do CP, é desnecessário que tenha sido colocada

em risco a segurança de pessoas, bastando a existência de substância ou engenho explosivo, sem que porte o agente a

competente licença da Autoridade Federal, vez que a punição inerente à figura decorre do perigo abstrato que repre-

senta, dispensada a ocorrência de perigo concreto ou efetivo” (TACRIM-SP – AC 793617-5 – Rel. Silvério Ribeiro –

RJDTACRIM 22/191).

Transporte de explosivos ou gás tóxico ou asfixiante – “No art. 253 do CP o legislador fala em substância ex-

plosiva e como tal deve ser entendida a substância tecnicamente tal ou especificamente destinada a explodir, median-

te sua própria desintegração, sendo melhor doutrina” (TARS – AC 290024876 – Rel. Luiz Felipe Vasques de Maga-

lhães – JTARS 74/66).

“O transporte de material explosivo, sem a finalidade de perturbação da ordem e da segurança pública,

é delito comum; esse mesmo transporte, com a finalidade de perturbação da segurança pública, é delito político”

(STF – HC – Rel. Philadelpho Azevedo – RT 167/797).

Explosivos (posse) – Competência – justiça comum – CP, art. 253 – “A fiscalização da produção comércio de

substâncias e engenhos explosivos atribuída ao exército não tem o efeito de fazer recair o crime capitulado no art.

253 do CP na competência da justiça Federal” (STF – RE – Rel. Rafael Mayer – RTJ 95/297).

“O delito do art. 253 do CP é daqueles que deixam vestígios. A natureza “explosiva” da substância

adquirida ou possuída deve ser comprovada por exame de corpo de delito, direto ou indireto. Inexistente essa prova,

impõe-se a absolvição do acusado” (TACRIM-SP – AC – Rel. Cunha Camargo – JUTACRIM 52/169).

“Agente a possuir explosivo em sua residência quando da realização de busca e apreensão de entorpe-

cente. Objeto periciado e constatada a eficácia do artefato. Crime caracterizado” (TJRS, Ap. Crim., 70011076437, 7ª

Câm. Crim. Rel. Alfredo Foerster, j. 23/6/2005).

Inundação

Art. 254. Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o

patrimônio de outrem:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, no caso de dolo, ou deten-

ção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, no caso de culpa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

31

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, que consiste na tutela da vida, in-

tegridade física e patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADE TÍPICA.

O legislador previu no art. 254 do Código Penal apenas a figura típica prevista no

caput. Dever-se-á observar, entretanto, que a conduta descrita vale para as modalidades dolosa e

culposa, vez que no preceito secundário há previsão expressa de pena para ambas.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Por se tratar de crime comum, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, inclusive o

proprietário do local inundado.

SA � CRIME COMUM – QUALQUER PESSOA

O sujeito passivo como nas modalidades típicas anteriores é a coletividade. Desta

forma, este delito também é classificado como crime de sujeito passivo vago (crime vago).

Também será sujeito passivo a pessoa diretamente prejudicada pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica é causar (provocar, produzir) inundação criando o perigo concreto

para um número indeterminado de pessoas6. Inundação no conceito de Damásio de Jesus (1999,

p.277) é o alagamento de um local de grande extensão, obtido pelo desvio das águas de seus limites naturais ou

artificiais, de forma tal que não seja mais possível dominar a força natural da corrente.

6 Nelson Hungria (1958, p.49) traz as seguintes informações sobre a conduta típica: “Hungria esclarece o conceito de inun-dação dizendo: ‘Entende-se por inundação, o alagamento de um local de notável extensão, não destinado a receber águas. As águas são desviadas de seus limites naturais ou artificiais, expandindo-se em tal quantidade que criam perigo de dano a indeterminado número de pessoas ou coisas. Como observam Liszt-Schmidt, não basta, para o crime de inundação, qualquer alagamento ou transbordamento: é necessário que não esteja mais no poder do agente dominar a força natural das águas, cujo desencadeamento provocou, criando uma situa-ção de perigo comum, a que se refere o legislador como a uma das características do crime’”.

32

CAUSAR INUNDAÇÃO EXPONDO A PERIGO UM NÚMERO INDETER-

MINADO DE PESSOAS (VIDA, INTEGRIDADE FÍSICA E PATRIMÔNIO)

O verbo núcleo causar indica um comportamento positivo, isto é, um crime comissi-

vo, mas também podendo ser omissivo impróprio (garante – art. 13, parágrafo 2º, do CP)

O objeto material é a água liberada para o cometimento do delito.

Se a inundação for causada em decorrência da quebra do dever objetivo de cuidado

(negligência, imprudência ou imperícia), o agente responderá pela modalidade culposa.

FORMA CULPOSA – NEGLIGÊNCIA OU IMPRUDÊNCIA

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não possui elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo concreto e coletivo: genérico, direto

ou eventual. O crime também será realizado na forma culposa, quando a conduta realizada for

praticada com a quebra do dever objetivo de cuidado (art. 18, II do Código Penal).

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma com a criação do perigo concreto e comum causado pela inun-

dação provocada pelo agente. Admite-se tentativa para a maior parte da doutrina, porém enten-

demos ser inadmissível em face das condutas típicas do art. 255 do Código Penal (perigo de i-

nundação) punir os atos preparatórios deste delito.

DOUTRINA MAJORITÁRIA ADMITE A OCORRÊNCIA DA TENTATIVA

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O artigo 254 do Código Penal é classificado como crime: comum (qualquer pessoa

pode praticá-lo), doloso ou culposo, de perigo concreto e coletivo (perigo deve ser comprova-

do e atinge um número indeterminado de pessoas), plurissubsistente (a conduta se fraciona em

vários atos), comissivo (delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição

de garante – art. 13, § 2◦ do Código Penal), unissubjetivo (basta uma pessoa para realizá-lo).

33

Luiz Regis Prado (1999, p.797) classifica este delito como pluriofensivo (pois vários bens jurídi-

cos são protegidos simultaneamente), de conteúdo variado ou misto alternativo (legislador

prevê mais de uma conduta, respondendo o agente uma única vez, independentemente da quan-

tidade de verbos realizados no fato) e não transeunte (é crime que deixa vestígios).

PLURIOFENSIVO � ATINGE A VÁRIOS BENS

9 PENA E AÇÃO PENAL.

Na modalidade dolosa a pena é cumulativa, reclusão, de 03 a 06 anos, e multa. Para a

modalidade culposa a pena prevista é de detenção de 06 meses a 02 anos. Para a conduta culposa

são aplicáveis os artigos 60, 61 e 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A ação penal é pública e incondicionada.

10 QUESTÕES RELEVANTES.

(I) Regis Prado (1999, p.797) diz que não há que se confundir a tentativa de inunda-

ção com o crime de perigo de inundação (art. 255). A distinção entre ambos é feita pelo elemento

subjetivo, “pois no perigo de inundação o agente não quer o alagamento, nem assume o risco de

produzi-lo”. Como pode se ver, este posicionamento contraria o adotado ao tratarmos da tentati-

va de inundação.

TENTATIVA DE INUNDAÇÃO (AGENTE QUER A INUNDAÇÃO) É DI-

FERENTE DE PERIGO DE INUNDAÇÃO (AGENTE SÓ QUER O PERIGO E NÃO

INUNDAR)

(II) Ocorrerá concurso formal de homicídio qualificado por meio de asfixia (art. 121,

parágrafo 2º, inciso III, do CP) com o delito de inundação (art. 254, caput,), se esta causou um

perigo concreto para um número indeterminado de pessoas (vida, integridade física e patrimô-

nio).

(III) Se o alagamento não produzir risco para um número indeterminado de pessoas,

o agente responderá apenas por dano (art. 163, do CP).

(IV) Quando o agente atua com o fim de desviar ou represar, em proveito próprio ou

alheio, águas alheias, responderá pelo delito de usurpação de águas (art. 161, inc. I, do CP).

11 JURISPRUDÊNCIA.

Construção de barragem que vem a romper-se provocando danos expressivos – “Se o laudo pericial cingiu-se a cri-

ticar deficiências várias na construção, mas não se mostrou conclusivo quanto às causas do rompimento e seus por-

34

menores objetivos, tornado impossível saber-se se isso ocorreu em razão de altura demasiada ou de deficiência ou

defeito da parede, não há como provar a contribuição culposa do agente” (TACRIM-SP – AC – Rel. Djalma Lofrano

– JUTACRIM 70/340).

Perigo de inundação

Art. 255. Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expon-

do a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou

obra destinada a impedir inundação:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

Protege-se neste tipo penal a incolumidade pública (vida, integridade física e patri-

mônio).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua ocorrência

qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADE TÍPICA.

O legislador prevê apenas a conduta básica dolosa do caput.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito, portanto, trata-se de crime comum.

SA � CRIME COMUM – QUALQUER PESSOA PODE SER SUJEITO ATIVO

O sujeito passivo como nas modalidades típicas anteriores é a coletividade. Desta

forma, este delito também é classificado como crime de sujeito passivo vago (crime vago).

SP � COLETIVIDADE

35

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

Trata-se de crime de conteúdo misto ou variado alternativo que prevê três modalida-

des de ações: remover (retirar, deslocar), destruir (fazer desaparecer) no todo ou em parte ou inu-

tilizar (tornar imprestável ou sem utilidade). O objeto material é o obstáculo natural ou obra des-

tinada a impedir inundação (construção humana). Como descrito no tipo, tais obstáculos prote-

gem um número indeterminado de pessoas do risco de inundação.

VERBOS NÚCLEOS DO TIPO: REMOVER, DESTRUIR E INUTILIZAR.

OBJETOS MATERIAS: OBSTÁCULO NATURAL OU FRUTO DA CRIAÇÃO

HUMANA

Os verbos núcleos do tipo supracitados indicam que o delito é de ação ou comissivo,

porém, poderá ser também omissivo impróprio, se o agente tiver a condição de garante (art. 13,

parágrafo 2º, do CP).

Por ser crime que deixa vestígios, mister se faz o exame de corpo de delito, conforme

expressa o art. 158 do Código de Processo Penal.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou

indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

Este tipo penal não contém elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O delito será praticado com dolo de perigo concreto e comum genérico, direto ou

eventual.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

A consumação do delito ocorre com a criação do perigo concreto a um número inde-

terminado de pessoas advindo da remoção, destruição ou inutilização da barreira natural ou obra

destinada a evitar a inundação. Em face de o tipo penal tipificar atos preparatórios, entende-se

não ser admissível a tentativa.

TENTATIVA INADMISSÍVEL – TIPO TIPIFICA ATOS PREPARATÓRIOS

36

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime de perigo de inundação é crime comum (qualquer pessoa pode praticá-lo),

de perigo concreto e coletivo (deve ser comprovado e atingir um número indeterminado de

pessoas), formal (prevê a conduta e o resultado naturalístico, porém não exige que este ocorra. O

resultado seria a inundação.), comissivo (de ação) ou omissivo impróprio (se o agente tinha a

condição de garante – art. 13, parágrafo 2º, do CP), de conteúdo variado alternativo (define

três formas diferentes de conduta, respondendo o agente por um único delito independentemen-

te do número de verbos realizados), pluriofensivo (pois vários bens jurídicos são protegidos

simultaneamente) e não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena é cumulativa, reclusão de 01 a 03 anos, e multa. Aplica-se ao delito a suspen-

são condicional do processo estabelecida no art. 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A ação penal é pública

incondicionada.

10 QUESTÃO RELEVANTE.

Neste delito o sujeito ativo não quer a inundação, apenas expor a risco um número

indeterminado de pessoas. Existe uma corrente doutrinária que entende que a superveniência da

inundação faz com que o agente responda pelo delito do art. 255 em concurso formal com a mo-

dalidade do art. 254, porem, não comungamos com este posicionamento, vez que o delito do art.

254 (inundação) seria postfactum impunível do art. 255 do Código Penal (perigo de inundação).

Desabamento ou desmoronamento

Art. 256. Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida,

a integridade física ou o patrimônio de outrem:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Modalidade culposa

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

37

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

Protege-se neste tipo penal a incolumidade pública (vida, integridade física e patri-

mônio).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O caput do artigo prevê a modalidade básica dolosa que consiste no desabamento ou

desmoronamento provocado pelo agente. O parágrafo único descreve a forma culposa da condu-

ta.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito, tratando-se de crime comum. O

proprietário do imóvel que sofre o desabamento ou desmoronamento também pode ser agente

do crime.

SA � COMUM – QUALQUER PESSOA PODE SER SUJEITO ATIVO

O sujeito passivo como nas modalidades típicas anteriores é a coletividade. Desta

forma, este delito também é classificado como crime de sujeito passivo vago (crime vago).

Também será sujeito passivo a pessoa diretamente prejudicada pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica do delito é causar (provocar) desabamento ou desmoronamento cri-

ando um perigo concreto para um número indeterminado de pessoas. Desabamento é a queda de

construção humana. Desmoronamento é a queda de porção de terra ou rocha. No caso do desa-

bamento o crime se configurará se a obra cai no todo ou parte.

38

O verbo núcleo do tipo indica a ocorrência de uma conduta comissiva, porém, ele

também ser omissivo impróprio, desde que o agente tenha a condição de garante (art. 13, pará-

grafo 2º, do CP).

O objeto material é o morro, o barranco, o prédio ou similar.

Por ser crime que deixa vestígios, mister se faz o exame de corpo de delito, conforme

expressa o art. 158 do Código de Processo Penal.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou

indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não prevê qualquer elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo concreto e comum genérico, direto

ou eventual.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma com o perigo concreto criado para um número indeterminado

de pessoas, oriundo do desabamento ou desmoronamento causado. A tentativa perfeita e imper-

feita é admissível.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito de desabamento ou desmoronamento é comum (qualquer pessoa pode rea-

lizá-lo), de perigo concreto e coletivo (é exigida a comprovação do perigo para um número

indeterminado de pessoas), material (cujo resultado naturalístico é o perigo concreto para os

bens jurídicos protegidos), de forma livre (admite qualquer forma de conduta), comissivo (delito

de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art. 13, § 2◦ do

Código Penal), unissubjetivo (basta uma pessoa para realizá-lo), pluriofensivo (pois vários bens

jurídicos são protegidos simultaneamente) e não transeunte (é crime que deixa vestígios).

39

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 FORMA CULPOSA (parágrafo único).

Se o agente com inobservância do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligên-

cia ou imperícia) causar o desabamento ou desmoronamento, responde pela modalidade culposa.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

Na forma dolosa a pena é cumulativa, reclusão, de 01 a 04 anos, e multa. É admissí-

vel a aplicação do art. 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A forma culposa comina pena de detenção, de 06

meses a 01 ano, aplica-se, portanto, a esta forma os artigos 60, 61 e 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A

ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

(I) Caso não sobrevenha risco à incolumidade pública, poderá o desabamento carac-

terizar a contravenção prevista no art. 29 da Lei de Contravenções Penais.

SE NÃO CAUSAR RISCO À INCOLUMIDADE PÚBLICA � ART. 29 DA LCP

(II) O desabamento ou desmoronamento causado por uso de explosivo é absorvido

pelo delito de explosão se a intenção principal do agente foi causar esta (art. 251 do Código Pe-

nal). Se o agente usa de explosão sem que esta provoque perigo comum e concreto com o fim de

que ocorra desabamento ou desmoronamento responderá ele pelo presente delito (art. 256 do

Código Penal).

(III) Se o agente visa apenas atingir um bem pertencente a uma pessoa específica, e

não coloca em perigo a vida, a integridade física e o patrimônio de um número indeterminado de

pessoas responderá apenas pelo delito de dano (art. 163 do CP).

(IV) Ocorrerá concurso formal de homicídio qualificado por meio de asfixia (art.

121, parágrafo 2º, inciso III, do CP) com o delito de desabamento ou desmoronamento (art. 256,

caput,), se este causou um perigo concreto para um número indeterminado de pessoas (vida, inte-

gridade física e patrimônio).

40

12 JURISPRUDÊNCIA.

“O desabamento ou desmoronamento tem como objetividade jurídica a incolumidade pública. É cri-

me de perigo comum, que somente se configura quando expõe um número indeterminado de pessoas ou coisas a

perigo” (TACRIM-SP – AC 417967-5 – Rel. Hélio de Freitas – RT 607/320).

“Em todo desabamento está ínsita a idéia de danificação. Esta só configurará o crime previsto no art.

256 do CP, se houver comprometimento estrutural da construção, ainda que parcial. Se ao contrário, a estrutura

mantiver-se indene, apesar de visada ou atingida, não há cogitar de infração contra a incolumidade pública” (TA-

CRIM-SP – AC – Rel. Ercílio Sampaio – RT 592/351).

“Para a caracterização do delito de desabamento não basta simples ameaça, o perigo de que ele possa

ocorrer; é imprescindível a ocorrência efetiva da queda do prédio ou de parede, com ameaça concreta a pessoas e

coisas” (TARS – Rec. – Rel. José Silva – RT 208/318).

Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento

Art. 257. Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação,

naufrágio, ou outro desastre ou calamidade, aparelho, material ou qualquer meio desti-

nado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento; ou impedir ou dificultar

serviço de tal natureza:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

Protege-se neste tipo penal a incolumidade pública (vida, integridade física e patri-

mônio).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua ocorrência

qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal descreve apenas a forma básica dolosa no seu caput.

41

3 SUJEITOS DO DELITO.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito, tratando-se de crime comum.

SA � CRIME COMUM – QUALQUER PESSOA PODE SER SUJEITO ATIVO

O sujeito passivo é a coletividade. Desta forma, este delito também é classificado

como crime de sujeito passivo vago (crime vago).

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O caput do art. 257 do Código Penal se divide em duas modalidades típicas, isto é, na

primeira parte há previsão de uma conduta típica, e na segunda de outra. O que elas têm em co-

mum é que ambas incidirão por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, desastre ou calamida-

de pública. Estas situações podem ter sido criadas de forma dolosa, culposa ou caso fortuito.

Na primeira modalidade as condutas descritas são: subtrair (tirar às escondidas), ocul-

tar (esconder ou sonegar) ou inutilizar (fazer perder a utilidade, tornar inútil). O objeto material é

o aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo (ex.: extintor de

incêndio, escadas, mangueiras), de socorro (ex.: medicamentos, kits de socorros) ou salvamento

(ex.: macas, telefones). Esclarecemos que qualquer uma das condutas pode ser realizada de forma

temporária.

Na segunda forma, o legislador define como típica a conduta do agente que impede

(não permitir, obstruir) ou dificulta (cria embaraços) a prestação de serviço de combate ao perigo,

de socorro ou salvamento. Para impedir ou dificultar o agente pode fazer uso de qualquer meio

de conduta: violência, fraude ou grave ameaça.

DUAS FIGURAS TÍPICAS: 1- SUBTRAIR, OCULTAR E INUTILIZAR / 2- IM-

PEDIR, DIFICULTAR (VIOLÊNCIA, FRAUDE OU GRAVE AMEAÇA)

O objeto material é o aparelho ou qualquer material destinado ao serviço de combate

ao perigo, de socorro ou salvamento.

As condutas típicas indicam que o delito é comissivo, porém se o agente tinha a fun-

ção de garante poderá responder pela forma omissiva imprópria (art. 13, parágrafo 2º, do CP).

42

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

Este delito não contém qualquer elemento normativo do tipo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O elemento subjetivo do tipo penal é o dolo abstrato e coletivo genérico, direto ou

eventual. O crime não prevê modalidade culposa.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma na primeira figura com a realização de qualquer dos verbos nú-

cleos do tipo (subtrair, ocultar ou inutilizar) em relação aos objetos materiais descritos. Admite-se

tentativa.

Na segunda figura, o crime se consuma quando o agente impede ou dificulta a pres-

tação do serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento. Regis Prado (1999, p.803)

admite tentativa nas duas formas de conduta, entretanto, discordamos do referido autor por en-

tendermos que a tentativa só seria possível na forma dificultar, pois a nosso ver, tentar impedir

seria o mesmo que dificultar, e, portanto, o crime já estaria consumado.

CONSIDERAMOS QUE NA CONDUTA IMPEDIR NÃO SE ADMITE TEN-

TATIVA.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O presente delito é classificado como crime de perigo coletivo (expõe a risco um

número indeterminado de pessoas e coisas) e abstrato (bastando a realização da conduta, inde-

pendentemente da demonstração de efetivo perigo criado), comum (qualquer pessoa pode ser

sujeito ativo), doloso (praticado somente de forma voluntária), de conteúdo variado (prevê em

cada uma das figuras típicas diferentes formas de praticar, sendo irrelevante para a configuração

do delito, a realização de um ou mais verbos núcleos do tipo), unissubjetivo (basta um único

agente para sua configuração), plurissubsistente (as condutas são fracionáveis em vários atos),

instantâneo nas modalidades “subtrair”, “inutilizar”, “impedir” e “dificultar” e permanente na

conduta de “ocultar”, mera conduta (consuma-se com a realização das condutas, vez que o le-

gislador não fez previsão do resultado naturalístico), comissivo (delito de ação) ou omissivo

43

impróprio (se o agente tinha função de garante – art. 13, parágrafo 2º, do CP) e não transeunte

(é crime que deixa vestígios).

9 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena é cumulativa, reclusão de 2 a 5 anos e multa. A ação penal é pública incondi-

cionada.

10 QUESTÕES RELEVANTES.

(I) O comportamento omissivo, por si só, não caracteriza esse crime, a menos que o

omitente tenha o dever legal de impedir a produção do resultado (art. 13, § 2º).

(II) Se o incêndio, inundação ou naufrágio foi resultado de conduta do agente, res-

ponderá pelo delito em concurso material com o presente crime.

(III) Caso o sujeito ativo tenha subtraído ou danificado o aparelho ou material alheio

destinado ao socorro ou salvamento, responderá pelo delito de furto (art. 155) ou dano (art. 163),

em concurso material, desde que tenha o animus definitivo em relação à coisa.

FORMA OMISSIVA � SÓ SE FOR COMISSIVO POR OMISSÃO

(IV) Rogério Greco, entende que se da conduta do agente não se produziu o perigo

coletivo e concreto, o agente não responderá pelo delito do art. 257 do Código Penal (entendi-

mento minoritário).

Formas qualificadas de crime de perigo comum

Art. 258. Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natu-

reza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é apli-

cada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de

metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada

de um terço.

COMENTÁRIOS

1 GENERALIDADES.

44

Apenas a título de esclarecimento, o artigo 258 do Código Penal estabelece causas de

aumento de pena, apesar de usar a expressão “formas qualificadas”. Aos delitos previstos no ca-

pítulo I qualificados pelo resultado morte ou lesão corporal de natureza grave, seja doloso ou

culposo, aplicar-se-á o art. 258 do CP.

O presente artigo prevê a sanção para o resultado agravador culposo, cuja conduta

antecedente pode ser dolosa (preterdoloso) ou culposa (culposo qualificado pelo resultado agra-

vador culposo).

QUALIFICADO PELA MORTE OU LESÕES CORPORAIS GRAVES � SÃO

CRIMES PRETERDOLOSOS / SE O INCÊNDIO FOR CULPOSO E DELE DECORRER

A MORTE OU LESÕES CORPORAIS ESTE NÃO SERÁ PRETERDOLOSO

Havendo lesão corporal simples na modalidade dolosa, ocorrerá concurso formal de

crimes. Cezar Roberto Bitencourt (2003, p.196) possui o mesmo entendimento.

LESÃO CORPORAL DOLOSA SIMPLES � CONCURSO FORMAL

A primeira parte do artigo descreve o delito qualificado pelo resultado culposo ou

preterdoloso, em que a lesão corporal de natureza grave ou morte é imputada ao agente do crime

doloso contra a incolumidade pública a título de culpa. A segunda parte trata de lesão corporal

(culposa) ou morte (culposa) provocada pelo atuar culposo do sujeito ativo do delito de perigo

comum. A parte inicial do artigo 258 comina pena privativa de liberdade aumentada de metade

no caso de lesão corporal de natureza grave e aplicada de dobro se resulta morte. Na parte final

do artigo determina que, em se tratando de lesão corporal, a pena é aumentada de metade, e, na

hipótese de morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.

2 QUESTÕES RELEVANTES.

Havendo várias vítimas, responderá o agente apenas por um delito qualificado pelo

resultado, excluindo-se o concurso formal. Se do crime resulta morte e lesão corporal aplica-se a

qualificadora morte, por ser mais grave.

VÁRIAS VÍTIMAS – NÃO HÁ O CONCURSO FORMAL / CONCURSO DE

MORTE E LESÃO � APLICA-SE A CAUSA DE AUMENTO DE PENA MAIS GRAVE

(MORTE)

45

Difusão de doença ou praga

Art. 259. Difundir doença ou praga que possa causar dano a floresta, planta-

ção ou animais de utilidade econômica:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Modalidade culposa

Parágrafo único. No caso de culpa, a pena é de detenção, de 1 (um) a 6 (seis)

meses, ou multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é incolumidade pública, tutelando especificamente neste

delito o patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O caput do artigo descreve a modalidade básica dolosa. O parágrafo único descreve a for-

ma culposa da conduta.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito, trata-se de crime comum.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM

O sujeito passivo é a coletividade. Desta forma, este delito também é classificado

como crime de sujeito passivo vago (crime vago). Também será sujeito passivo a pessoa

diretamente prejudicada pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE

46

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica é difundir (propagar, espalhar, irradiar) doença ou praga que possa

gerar dano à floresta, plantação ou criação de animais. Na definição de Julio Fabbrini Mirabete

(2004, p.117) doença é o processo patológico que provoca a morte, destruição ou deterioração de plantas ou

animais (ex.: febre aftosa, raiva, peste suína, salmonelose, a difteria, a peste das aves, sama, brucelose etc.) e

praga é um mal que não representa o processo, e desenvolvimento mórbido da doença mas traduz antes um surto

maléfico e transeunte, semelhante à epidemia (ácaros, piolho e outros). Se a doença se dirigir a ser

humano, o delito praticado será o previsto no art. 267 do Código Penal (Epidemia).

O verbo núcleo do tipo indica que a conduta é praticada por meio de uma ação

(comissivo), mas também pode ser omissivo impróprio, desde que o agente tenha a posição de

garante (art. 13, parágrafo 2º, do CP).

O objeto material é a doença ou praga difundida pelo sujeito ativo.

Floresta é a grande e extensa área de vegetação de grande, médio e pequeno porte.

Plantação que é sinônimo de lavoura é o cultivo da terra com o fim de exploração econômica.

Animais com utilidade econômica são aqueles que possuem valor econômico apreciável,

independentemente de serem domésticos ou não.

É crime de perigo abstrato não sendo necessária a comprovação do efetivo risco aos

bens protegidos. Esta característica do tipo penal está expressa nas elementares “que possa causar

dano”.

CRIME DE PERIGO ABSTRATO NO QUAL O RISCO AOS BENS

PROTEGIDOS NÃO PRECISA SER COMPROVADO

Trata-se de uma norma penal em branco, pois será necessário a completação do tipo

para se buscar a significação dos termos “praga” e “doença”.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

Este delito não possui elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

É o dolo de perigo abstrato e coletivo genérico, direto ou eventual. O crime também será

realizado na forma culposa, quando a conduta realizada for praticada com a quebra do dever ob-

jetivo de cuidado (art. 18, II do Código Penal).

47

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito previsto art. 259 do Código Penal se consuma com a difusão da doença ou

praga, desde que sejam potencialmente lesivas, ainda que não causem risco efetivo aos objetos

materiais protegidos (floresta, plantação e animais com utilidade econômica). A tentativa é

admissível.

CRIME DE PERIGO ABSTRATO – EXIGE-SE APENAS QUE A DOENÇA E

A PRAGA SEJAM POTENCIALMENTE LESIVAS

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito de difusão de doença ou praga é crime comum (qualquer pessoa pode

realizá-lo), de perigo comum (expõe a perigo o patrimônio de um número indeterminado de

pessoas) e abstrato (basta a pratica do delito, não se exigindo que os bens protegidos tenham

sofrido efetivo perigo de lesão), formal (o delito não exige a ocorrência do resultado naturalístico

para a sua consumação, bastando apenas “que possa causar dano”), plurissubsistente (a conduta

pode ser fracionada em vários atos), unissubjetivo (exige apenas que a conduta seja realizada por

um agente), comissivo (crime de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição

de garante – art. 13, § 2◦ do Código Penal) e não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 FORMA CULPOSA (parágrafo único).

O agente responderá culposamente pelo delito quando difundir com inobservância

do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência e imperícia) doença ou praga que possa

causar dano à floresta, plantação e animais de utilidade econômica. Por ser tipo penal aberto,

depende de aplicação conjunta com o art. 18, II do Código Penal.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

O caput que descreve a modalidade dolosa prevê pena cumulativa, de reclusão, de 02

a 05 anos e multa. Na forma culposa, a pena é alternativa, detenção de 01 a 06 meses ou multa.

48

Aplica-se ao parágrafo único (culpa) o disposto no art. 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é

pública incondicionada.

11 QUESTÃO RELEVANTE.

Entendemos que o presente artigo foi revogado tacitamente pelo art. 61 da Lei n.º

9.605/98. Tal revogação se deu em face deste dispositivo ser mais recente que o previsto no Có-

digo Penal, mais benéfico, pois excluiu a modalidade culposa, e também pela sua especialidade

em face do artigo do CP.

TACITAMENTE REVOGADO � ART. 61 DA LEI 9.605/98

Art. 61 da Lei n.º 9.605/98: Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar

dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas: pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa.

12 JURISPRUDÊNCIA

“Falsificar certificado de imunização não se inclui entre os crimes contra a incolumidade pública, co-

mo o de difusão de doença (aftosa) que possa causar dano a animais de utilidade econômica; mas está compreendido

entre os crimes contra a fé pública, como a falsificação de documento público” (TJRS – AC – Rel. Mário Boa Nova

Rosa – RJTJRS 44/42).

“Difusão de doença ou praga – Infrator que não teria observado determinação de órgão da Secretaria de Agricultura pa-

ra que não colhesse nem comercializasse frutas cítricas de sua propriedade atingidas por cancro cítrico, até erradicação dos focos da doença

– Delito não caracterizado” (TJSP – AC – Rel. Vanderlei Borges – RJTJSP 130/439).

QUESTIONÁRIO – ARTS. 252 A 259 DO CÓDIGO PENAL

1. Deixará de ocorrer o crime do artigo 252 do CP, que é contra a incolumidade pú-

blica, se apenas uma pessoa indeterminada for exposta ao uso de gás tóxico ou asfixiante (agente

só quer atingir uma pessoa)? Justifique.

2. Exemplifique de que forma o delito do art. 252 do CP poderá ocorrer na modali-

dade culposa.

3. A licença da autoridade exclui a tipicidade do artigo 253 do CP? Justifique sua res-

posta.

49

4. A inundação prevista no art. 254 do CP admite qualquer meio de execução? Se

sim, diga quais são e exemplifique-os.

5. Diferencie os delitos do art. 254 e 255 do CP.

6. Se for utilizado explosivo para obtenção do desmoronamento ou desabamento,

por qual crime responderá o agente? Pelo o do art. 256 ou o do art. 251 ambos do Código Penal?

Justifique.

7. Quando ocorrerá a consumação do crime do art. 257 do CP?

8. Faz alguma diferença na punição do agente que pratica o delito do art. 257, se ele

também for o causador do incêndio, inundação, naufrágio ou outro desastre ou calamidade? Jus-

tifique.

9. Dê a classificação doutrinária da conduta prevista no art. 259 do CP.

RESPOSTAS DO QUESTIONÁRIO

1. Não, porque a objetividade jurídica protegida pelo delito, visa a proteção da inco-

lumidade pública, isto é, a proteção a um número indeterminado de pessoas, e não apenas de

uma conforme estabelece o enunciado do art. 252 do CP. Também não responderá pelo crime do

art. 132 do CP, pois este determina que seja exposta ao perigo uma ou várias pessoas determina-

das.

2. Um exemplo cabível de forma culposa do art. 252 do CP, seria o de o agente esto-

car gás tóxico e asfixiante em compartimentos que ele percebeu não estarem em condições sufici-

entemente boas para tal, e estes acabam por realmente vazar e expor a perigo um número inde-

terminado de pessoas, em razão de sua negligência.

3. Sim, vez que o legislador inseriu o elemento normativo “sem licença da autorida-

de”, portanto, se o agente realiza qualquer das condutas do tipo acobertado por uma licença da

autoridade, sua conduta será atípica.

4. Sim, o crime de inundação do artigo 254 admite a sua prática por qualquer meio de

execução, seja ele comissivo ou omissivo. A conduta será comissiva, quando o agente através de

uma ação, destrói a parede de uma barragem. E será omissiva, se ele percebendo que a barragem

está para romper-se a qualquer momento, nada faz para evitar que isto ocorra.

5. No artigo 254 o legislador previu o crime de inundação, ou seja, neste o agente ge-

rou a efetiva inundação que causou perigo a um número indeterminado de pessoas. Em contra-

partida, o tipo do art. 255, punirá a conduta do agente que gera o perigo de inundação, e não esta

efetivamente.

50

6. Se o desmoronamento ou desabamento ocorrer em decorrência do uso de explosi-

vo, e deste resultar perigo comum, o agente deverá responder pelo crime do artigo 251 e não pelo

do artigo 256, face ao princípio da consunção, onde o segundo delito será absorvido pelo primei-

ro.

7. O crime do art. 257 se consumará na primeira figura típica quando ocorrer a efeti-

va subtração, ocultação ou inutilização dos objetos utilizados com a finalidade de combater o

perigo em razão de incêndio, inundação, naufrágio ou outro desastre ou calamidade. Na sua se-

gunda parte, o crime irá se consumar no momento em que o agente impedir ou dificultar o servi-

ço estabelecido na primeira parte do artigo.

8. O que ocorrerá neste caso, é que o agente responderá em concurso material o cri-

me por ele por ventura praticado (incêndio, inundação, por exemplo), e este do artigo 257 do CP.

9. O crime do art. 259 é crime de perigo abstrato, pois o legislador presume os danos

que podem ser causados caso a doença ou praga seja difundida; é comum, vez que pode ser prati-

cado por qualquer pessoa; e também, instantâneo, pois sua consumação é imediata.

CAPÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DOS MEIOS DE COMUNICA-

ÇÃO E TRANSPORTE E OUTROS SERVIÇOS PÚBLICOS

Perigo de desastre ferroviário

Art. 260. Impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro:

I - destruindo, danificando ou desarranjando, total ou parcialmente, linha fér-

rea, material rodante ou de tração, obra-de-arte ou instalação;

II - colocando obstáculo na linha;

III - transmitindo falso aviso acerca do movimento dos veículos ou interrom-

pendo ou embaraçando o funcionamento de telégrafo, telefone ou radiotelegrafia;

IV - praticando outro ato de que possa resultar desastre:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Desastre ferroviário

§ 1º. Se do fato resulta desastre:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 2º. No caso de culpa, ocorrendo desastre:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

51

§ 3º. Para os efeitos deste artigo, entende-se por estrada de ferro qualquer via

de comunicação em que circulem veículos de tração mecânica, em trilhos ou por meio de

cabo aéreo.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, tutelando a segurança e comuni-

cação dos meios de transportes públicos. Neste tipo penal especificamente o transporte ferroviá-

rio.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O caput do art. 260 prevê a forma básica dolosa que consiste no impedimento ou per-

turbação do serviço ferroviário. O § 1º descreve a figura qualificada pelo resultado quando o a-

gente efetivamente causa o desastre ferroviário. O § 2º apresenta o tipo culposo, que somente se

configura com o acidente ferroviário. Por fim, o § 3º traz uma norma penal explicativa definindo

o que é estrada de ferro e as situações equiparadas para fins penais.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se de crime comum.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM

Sujeito passivo é a coletividade ou a sociedade. Também pode ser sujeito passivo a

pessoa que teve algum bem jurídico diretamente lesionado pela conduta. Este crime é classificado

como crime vago ou de sujeito passivo vago, no qual a vítima principal não possui personalidade

jurídica determinada.

SP � COLETIVIDADE

52

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O delito de perigo de desastre ferroviário é um crime misto alternativo ou de conte-

údo variado no qual o legislador descreve duas formas de realização. As condutas típicas são im-

pedir (que tem o sentido de obstruir) e perturbar (embaraçar). Após estabelecer as formas gerais,

o tipo apresenta quatro incisos que descrevem como os verbos núcleos poderão ser praticados

especificamente. Destacamos que o impedimento e a perturbação realizados nas situações dos

incisos I a IV podem ocorrer total ou parcialmente.

VERBOS: IMPEDIR (OBSTRUIR) / PERTURBAR (EMBARAÇAR)

CONDUTAS DEVEM CAIR SOBRE SERVIÇOS EM ESTRADA DE FERRO

O perigo de desastre tem que ocorrer em estrada de ferro. O § 3º define para fins

penais o que é considerado como estrada de ferro: entende-se por estrada de ferro qualquer via de comuni-

cação em que circulem veículos de tração mecânica, em trilhos ou por meio de cabo aéreo.

O objeto material é a linha férrea, material rodante ou de tração, obra de arte ou ins-

talação, telégrafo, telefone ou radiotelegrafia.

O impedimento e a perturbação podem ser praticados da seguinte forma:

I - destruindo, danificando ou desarranjando, total ou parcialmente, linha férrea, material rodante

ou de tração, obra-de-arte ou instalação.

As condutas são destruir (fazer desaparecer), danificar (estragar) ou desarranjar (des-

montar ou embaralhar) de forma parcial ou total. Os objetos materiais descritos são a linha de

ferro, que tem o sentido mais restrito do que estrada de ferro, que consiste na via permanente e

fixa formada por trilhos. Material rodante são os vagões de carga e passageiros e os rebocadores.

Materiais de tração são as locomotivas que puxam as demais composições. Obras de arte são os tú-

neis, pontes, viadutos e outros. Instalação são os equipamentos utilizados no transporte, tais como

aparelhos de sinalização, controle de tráfego, etc.

LINHA FÉRREA � TRILHOS, ETC. / MATERIAL RODANTE � VAGÕES

MATERIAL TRAÇÃO � LOCOMOTIVAS / OBRAS-DE-ARTES � TÚNEIS,

PONTES / INSTALAÇÃO � APARELHOS DE SINALIZAÇÃO

II - colocando obstáculo na linha.

A conduta é colocação (por em determinado lugar) obstáculo (que tem o sentido de

barreira ou impedimento). Este obstáculo colocado na linha precisa ter a capacidade de criar o

perigo concreto de desastre.

OBSTÁCULO PRECISA CRIAR PERIGO CONCRETO

III - transmitindo falso aviso acerca do movimento dos veículos ou interrompendo ou embaraçando o

53

funcionamento de telégrafo, telefone ou radiotelegrafia.

Nesta modalidade o agente cria sérios transtornos para a comunicação do serviço de

transporte ferroviário. Transmitir falso aviso sobre o movimento dos veículos é enviar informa-

ção equivocada sobre o tráfego das composições. Interromper é fazer cessar, e embaraçar tem o sen-

tido de atrapalhar o funcionamento de telégrafo, telefone ou radiotelegrafia.

INTERFERÊNCIA CONFUNDINDO AS COMUNICAÇÕES ENTRE TRENS

E AS ESTAÇÕES

IV - praticando outro ato de que possa resultar desastre.

Neste inciso o legislador utilizou de interpretação analógica ou extensiva, vez nos an-

teriores ele descreveu fórmulas casuísticas. Enquadrar-se-á neste inciso qualquer conduta que o

agente pratique que seja capaz de impedir ou perturbar o serviço ferroviário e que não foi men-

cionada nas figuras típicas antecedentes. Por exemplo, a conduta do agente que subtrai ou impe-

de a comunicação via fac-símile entre o meio de transporte e a estação ou entre duas estações.

PODE SER QUALQUER ATO QUE POSSA CAUSAR O PERIGO DE DE-

SASTRE

Destacamos que apesar do legislador ter mencionado a expressão “de que possa resultar

desastre” apenas no inciso IV esta exigência ocorrerá em todas as modalidades típicas previstas nos

incisos anteriores (I a III).

O crime do art. 260 é de perigo concreto e coletivo, o que significa que o agente agirá

com o escopo de expor a risco o meio de transporte e um número indeterminado de pessoas e

coisas. Caso o sujeito coloque em risco a vida de pessoa determinada ou mesmo que venha cau-

sar sua morte, mas sem o seu conhecimento, não responderá por este delito nem na forma culpo-

sa. Para exemplificar isto, citamos uma situação que era muito comum no Rio de Janeiro, em que

jovens subiam no teto das composições por diversão ou por necessidade e acabavam se aciden-

tando sem o conhecimento dos maquinistas (vide o julgado TJRJ – AC – Rel. Antonio Carlos

Amorim – RJTJRJ 12:339).

TODAS AS FIGURAS DEVEM CAUSAR PERIGO CONCRETO DE DESAS-

TRE, APESAR DE SÓ O INC. IV FALAR

Desastre ferroviário é o acidente grave e complexo em uma estrada de ferro que pro-

duz risco a um número indeterminado de pessoas e coisas.

O crime do art. 266 (Interrupção ou Perturbação de Serviço Telegráfico ou Telefôni-

co) será absorvido pelo deste artigo, quando a conduta for praticada com o fim causar perigo de

desastre ferroviário.

54

5 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO.

O delito é praticado com o dolo de perigo concreto e coletivo genérico (sem finali-

dade especial), direto (vontade) ou eventual (assentimento). O tipo penal não prevê nenhuma

finalidade específica por parte do agente.

O fato do condutor da composição imprimir velocidade superior a permitida não

configura em si o delito de perigo de desastre ferroviário. Se desse excesso de velocidade um aci-

dente ocorre o agente responderá apenas pelos resultados eventualmente causados (morte ou

lesões corporais culposas nos passageiros).

6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma com a provocação do perigo concreto de desastre, causando

risco para um número indeterminado de pessoas e coisas. Entendemos que é admitida tentativa

apenas na forma perturbar, pois a tentativa de impedir é perturbação e o delito com isto já estaria

consumado. Contra o nosso posicionamento, Cezar Roberto Bitencourt (2004, p.202) que admite

a tentativa em todas as modalidades.

TENTATIVA SÓ MODALIDADE PERTURBAR, MAS HÁ ENTENDIMENTO

CONTRÁRIO

7 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O delito do art. 260 não contém elemento normativo.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito de perigo de desastre ferroviário é crime comum (no qual qualquer pessoa

pode ser o sujeito ativo); material para Damásio (1999, p.302) e Bitencourt (2004, p.203) (pois

exige resultado naturalístico que é a comprovação do perigo de desastre) ou formal no entendi-

mento de Guilherme Nucci (2003, p.741) (prevê o resultado naturalístico que não precisa ocorrer.

Caso haja o dano, este será mero exaurimento do delito); comissivo (delito de ação) ou omissi-

vo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art. 13, § 2◦ do Código Penal); ins-

tantâneo (cuja consumação é imediata); de perigo concreto e coletivo (perigo deve ser de-

monstrado e expor a risco um número indeterminado de pessoas e coisas); unissubjetivo (neces-

55

sita apenas de um agente para praticá-lo); plurissubsistente (a conduta é fracionável em vários

atos). Vinculado porque prevê duas formas genéricas de praticar (caput) e depois o legislador

regulamenta como estas modalidades podem ser realizadas especificamente (incisos I a IV); de

forma alternativa ou mista, pois independentemente do agente praticar uma ou mais condutas,

responderá uma única vez pelo delito; e, não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 QUALIFICADORA EM FACE DO RESULTADO AGRAVADOR (§ 1º).

O parágrafo primeiro do art. 260 prevê a forma qualificada pelo resultado quando a

conduta do agente resulta no desastre ferroviário. Desastre ferroviário é o acidente grave e com-

plexo em uma estrada de ferro que produz risco a um número indeterminado de pessoas e coisas.

Damásio (1999, p.301-302) entende que este resultado agravador pode ocorrer de maneira culpo-

sa (preterdolo) ou dolosa. Isto significa que o acidente pode ter sido causado pelo agente pela

quebra do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia) ou intencionalmen-

te. Bitencourt (2004, p.203) e Rogério Greco (2010, p.716) defendem que o resultado agravador

somente pode ser culposo, ou seja, a modalidade do parágrafo 1º é exclusivamente preterdolosa.

§ 1º � CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO DESASTRE. ESTE RE-

SULTADO + GRAVE PODE VIR CULPOSA OU DOLOSAMENTE

Não é admitida a tentativa quando a conduta for preterdolosa. Entretanto, se o resul-

tado agravador também foi querido pelo agente, a tentativa é admissível

9.2 DESASTRE CULPOSO (§ 2º).

Se o agente causa o acidente em virtude da inobservância do dever objetivo de cui-

dado (art. 18, II do Código Penal), responderá pela figura típica deste parágrafo. Só há responsa-

bilização por culpa se o desastre realmente acontecer.

PARA RESPONDER POR CULPA (INOBSERVÂNCIA DO DEVER OBJ. DE

CUIDADO) DEVE HAVER O DESASTRE, CASO CONTRÁRIO, A CONDUTA É ATÍPI-

CA

56

9.3 NORMA PENAL EXPLICATIVA (§ 3º).

O legislador no parágrafo 3º definiu o que é considerada estrada de ferro para efeitos

penais. Diz o dispositivo: Para os efeitos deste artigo, entende-se por estrada de ferro qualquer via de comuni-

cação em que circulem veículos de tração mecânica, em trilhos ou por meio de cabo aéreo. Interpretando o que o

artigo diz, não somente o transporte por meio de trem de ferro é protegido, mas também aquele

realizado por meio de bonde (filovia), metrô e teleférico.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

O crime de perigo de desastre ferroviário é punido, cumulativamente, com pena de

reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Na modalidade qualificada pelo resultado culposo ou do-

loso a pena é cumulativa, reclusão, de quatro a doze anos, e multa. O desastre ferroviário culposo

é apenado com pena de detenção, de seis meses a dois anos. A ação penal é pública incondicio-

nada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

Se o agente causar o acidente ferroviário movido por finalidade política atentando

contra a segurança nacional, responde pela conduta do art. 15 da Lei 7.170/83 (Lei de Segurança

Nacional).

Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de

transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b)

dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou

serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o

dobro; c) morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena

deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

Se da conduta dolosa do agente resultar morte ou lesões corporais graves (preterdo-

lo); ou se da conduta culposa resultar morte ou lesões corporais, aplicar-se-á ao agente o disposto

no art. 263 do Código Penal.

O agente que pratica a conduta matando pessoa determinada que se encontre no in-

terior do meio de transporte e que também atua visando causar perigo comum e concreto para

um número indeterminado de pessoas responderá pelo concurso de delitos previsto na parte final

do art. 70 do Código Penal (concurso formal impróprio).

57

Rogério Greco (2010, p.717) defende que se o sujeito vier a sabotar os trilhos de uma

linha férrea com o escopo de que os passageiros que nele se encontrem venham a morrer em

virtude do descarrilamento, deverá responder por homicídio consumado ou tentado, e não pelo

crime de perigo de desastre ferroviário, ou pelo de desastre ferroviários. Entendemos de forma

diversa, considerando que neste caso ele responderá por homicídio consumado ou tentado (art.

121, caput) em concurso material ou formal (dependendo da forma de execução) com o de desas-

tre ferroviário (art. 260, parágrafo 1º)

12 JURISPRUDÊNCIA.

Surfista ferroviário – “A possibilidade, remota e indireta, de poder o passageiro que viaja sobre o teto da

composição, na hipótese de cair, vir a causar acidente, pelo arrastamento e lançamento de componentes na linha, ou

desastre ferroviário, não caracteriza o crime de perigo de desastre ferroviário. Atipicidade da ação e ausência do

elemento subjetivo ou tipo subjetivo”. (TJRJ – AC – Rel. Antônio Carlos Amorim – TJRJ 12:339).

Indivíduos que colocam o obstáculo na linha de trem, arrancando, outrossim, as tabuletas de avisos – Hipóteses em que

não houve perigo de desastre, por ter sido removido o obstáculo – Condenação, entretanto, dos mesmos pela infração prevista no art. 163,

parágrafo único, III do CP – “Não é certo que o simples fato de colocar obstáculo na linha configura o delito do art.

260, IV, do CP. É necessária a real ocorrência de perigo objetivo” (TJSP – AC – Rel. Acácio Rebouças – RT

444/308).

“O maquinista que imprime à locomotiva velocidade superior à permitida pelo regulamento, dando

causa ao descarrilamento da mesma e ferimentos nos seus passageiros, responde pela infração do art. 129, § 6º, do

CP, e não a do art. 260 do citado estatuto, demonstrando que agiu apenas culposamente e não com o propósito de

praticar ato de que pudesse resultar o desastre” (TACRIM-SP – AC – Rel. Adriano Marrey – RT 252/353).

“O dolo, na infração prevista no art. 260 do CP, consiste na vontade consciente e livre e na intenção

de praticar o fato que põe em perigo a segurança dos transportes públicos, pouco importando que o agente tenha ou

não o escopo de fazer surgir o perigo ou de ocasionar o desastre, porque a ocorrência do perigo é um requisito obje-

tivo” (TJSP – AC 49.978 – Rel. Thrasybulo de Albuquerque – RT 251/170).

Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aé-

reo

Art. 261. Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou prati-

car qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo

58

§ 1º. Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a

queda ou destruição de aeronave:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Prática do crime com o fim de lucro

§ 2º. Aplica-se, também, a pena de multa, se o agente pratica o crime com in-

tuito de obter vantagem econômica, para si ou para outrem.

Modalidade culposa

§ 3º. No caso de culpa, se ocorre o sinistro:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste tipo penal é incolumidade pública, vinculada à

segurança dos meios de transportes públicos (marítimo, fluvial e aéreo). Indiretamente também

se protege a vida, integridade física e patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

No caput é descrita a modalidade básica dolosa, que consiste na exposição ao perigo

ou impedimento ou perturbação dos meios de transportes públicos tutelados.

O parágrafo primeiro define a forma qualificada pelo resultado quando a conduta do

agente causar o sinistro marítimo, fluvial ou aéreo.

No parágrafo segundo há uma qualificadora de ordem subjetiva que consiste na con-

duta realizada com o fim de obtenção de lucro.

Por fim, no parágrafo terceiro pune-se o sinistro causado pelo agente de forma cul-

posa.

59

3 SUJEITOS DO DELITO.

O crime é comum, no qual qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, inclusive o propri-

etário ou funcionário da empresa que presta o serviço de transporte público.

SA � QUALQUER PESSOA / CRIME COMUM

Sujeito passivo é a coletividade. Por ser vítima ente que não possui personalidade ju-

rídica o crime é classificado como de sujeito passivo vago. No caso de sinistro também será sujei-

to passivo a pessoa atingida pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE / CRIME VAGO

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O objeto material é a embarcação ou aeronave de transporte coletivo, contra a qual é

dirigida a conduta do agente.

O art. 261 pode ser realizado de duas formas, tratando-se de crime misto alternativo

ou de conteúdo variado.

O agente pratica a conduta expondo (colocando) a perigo concreto embarcação (é a

construção destinada a navegar sobre a água) ou aeronave (é todo aparelho manobrável em vôo,

que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a trans-

portar pessoas ou coisas – art. 106 do Código Brasileiro de Aeronáutica7) própria ou alheia que se

destine a transporte coletivo de pessoas e/ou coisas; ou, realizando atos com o objetivo de impe-

dir (obstar) ou dificultar (atrapalhar) a navegação ou vôo. Nesta segunda forma, o agente deve

agir com a finalidade de gerar o perigo concreto para o meio de transporte marítimo (mar), fluvial

(rio) ou aéreo (ar). Não são protegidas as embarcações lacustres (lagos), em face de ausência de

previsão do tipo penal. Entendemos que estas embarcações serão protegidas no tipo do art. 262

do Código.

FIGURAS: 1) EXPOR A PERIGO CONCRETO EMBARCAÇÃO OU AERO-

NAVE PROPRIA OU ALHEIA / 2) PRATICAR ATO DE PERIGO CONCRETO PARA

IMPEDIR OU DIFULTAR NAVEGAÇÃO OU VÔO

Por ser crime de forma livre admite qualquer forma de execução.

7 Balões, dirigíveis e helicópteros enquadram nesta conceituação.

60

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

Por depender de definição legal, o meio de transporte aeronave pode ser apontado

como elemento normativo do tipo. Apresentamos a definição legal de aeronave nos elementos

objetivos do tipo (art. 106 do Código Brasileiro de Aeronáutica).

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O agente atua com o dolo de perigo concreto e coletivo genérico, direto ou eventual.

No parágrafo segundo há um elemento subjetivo especial contido na expressão “com o intuito de

obter vantagem econômica”.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito no caput do art. 261 se consuma com a exposição a perigo concreto de um

número indeterminado de pessoas ou coisas; ou com o perigo concreto causado pela interrupção

ou com a atrapalhação criada. Entende-se que é irrelevante o veículo estar em movimento no

momento da conduta.

Admite-se tentativa em todas as modalidades conforme a doutrina majoritária. Entre-

tanto, entendemos que na conduta impedir não se admitiria tentativa, por considerarmos que a

tentativa de impedimento já configuraria o dificultar, consumando desta forma o delito.

ADMITE TENTATIVA PARA A CORRENTE MAJORITÁRIA

Na forma preterdolosa (§ 1º) ou culposa (§ 3º) não é possível a tentativa.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito de atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo é

classificado assim: comum (qualquer pessoa pode praticá-lo); material para Damásio (1999,

p.308) e Bitencourt (2004, p.206) (exige o resultado naturalístico que consiste na criação do peri-

go concreto para um número indeterminado de pessoas) e formal para Guilherme Nucci (2003,

p.743) (consumando-se com a realização das condutas, sendo o sinistro exaurimento do delito);

de forma livre (admite qualquer meio de execução); comissivo (delito de ação) ou omissivo

impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art. 13, § 2◦ do Código Penal); instan-

tâneo (a consumação ocorre de forma imediata); de perigo concreto e coletivo (perigo precisa

61

ser comprovado e a conduta deve expor a risco um número indeterminado de pessoas e coisas);

unissubjetivo (exige para a realização da conduta apenas um agente); plurissubsistente (condu-

ta praticada por meio de vários atos); conteúdo variado (pode ser praticado por mais de uma

forma, mas a realização de mais de uma delas dentro do mesmo fato não caracteriza concurso de

crimes); e, não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 QUALIFICADORA PELO RESULTADO (§ 1º)

O parágrafo primeiro do art. 261 prevê a forma qualificada pelo resultado quando a

conduta do agente resulta no sinistro (desastre) em transporte marítimo, fluvial ou aéreo. Desas-

tre ou sinistro é o acidente grave e complexo que produz risco a um número indeterminado de

pessoas e coisas. Damásio (1999, p.306) entende que este resultado agravador pode ocorrer de

maneira culposa (preterdolo) ou dolosa. Isto significa que o acidente pode ter sido causado pelo

agente pela quebra do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia) ou in-

tencionalmente. Bitencourt (2004, p.206), Nucci (2003, p.744) e Rogério Grecco (2008, p.83-84 e

2010, p.719) defendem que o resultado agravador somente pode ser culposo, ou seja, a modali-

dade do parágrafo primeiro é exclusivamente preterdolosa.

O legislador define as seguintes situações como resultado qualificador no caso de

embarcações: naufrágio (perda ou inutilização da embarcação), submersão (afundamento) ou

encalhe (ficar presa sem a possibilidade de deslocamento). Em relação às aeronaves o tipo penal

fala de queda (descida brusca ou cair) ou destruição (fazer desaparecer).

9.2 QUALIFICADORA DE ORDEM SUBJETIVA (§ 2º).

O parágrafo segundo prevê a cumulação da pena de multa com a privativa de liber-

dade quando o agente praticar as condutas do caput com o fim de obter vantagem econômica para

si ou para outrem. Como o próprio tipo descreve não há a necessidade de obtenção da vantagem,

sendo suficiente para a incidência da qualificadora, o agente agir com o fim especial de obtê-la

para si ou para outrem. Nesta hipótese o crime é definido como de tendência por exigir uma fina-

lidade especial do sujeito ativo.

DELITO DE TENDÊNCIA – EXIGE UMA FINALIDADE ESPECIAL DO

AGENTE

62

Por fim, se entendermos que a modalidade prevista no parágrafo primeiro também

pode ser dolosa (qualificada pelo resultado doloso), a presente qualificadora também pode ser

cumulada com a pena privativa de liberdade prevista.

REALIZAR QUALQUER DAS CONDUTAS DO CAPUT E § 1º COM A IN-

TENÇÃO DE LUCRO, INDEPENDENTEMENTE DE OBTÊ-LO

9.3 MODALIDADE CULPOSA.

Se o agente causa o acidente em virtude da inobservância do dever objetivo de cui-

dado (art. 18, II do Código Penal), responderá pela figura típica deste parágrafo. Só há responsa-

bilização por culpa se o desastre realmente acontecer.

PARA RESPONDER POR CULPA (INOBSERVÂNCIA DO DEVER OBJ. DE

CUIDADO) DEVE HAVER O DESASTRE, CASO CONTRÁRIO, A CONDUTA É ATÍPI-

CA

10 PENA E AÇÃO PENAL.

O caput prevê pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. No caso da forma quali-

ficada pelo resultado (§ 1º) a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. Agindo o agente

com a finalidade de obtenção de vantagem econômica para si ou para outrem (§ 2º), a pena de

multa será aplicada cumulativamente com a privativa de liberdade. No sinistro culposo (§ 3º), a

pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Aplica-se a forma culposa as disposições

dos artigos 60, 61 e 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

Quando a conduta do sujeito ativo visar atingir a segurança nacional não responderá

por este delito, mas pelo previsto no art. 15 da Lei n.º 7.170/83.

Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de

transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b)

dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou

serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o

dobro; c) morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena

deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

63

Se o agente causar o perigo concreto de desastre através do emprego de incêndio ou

explosão responderá pelo crime fim (que é o deste artigo 261 do Código Penal), ocorrendo a ab-

sorção do delito anterior (incêndio ou explosão) em face da aplicação do princípio da consunção.

No sentido contrário ao nosso, vide Bitencourt (2004, p.206).

O art. 35 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais) prevê a contra-

venção de abuso na prática de aviação. Rogério Greco (2008, p.86) afirma que a presente contra-

venção não se confunde com o delito do art. 261 do Código Penal, in verbis: “A diferença entre a

contravenção penal tipificada no art. 35 do Decreto-lei n.º 3.688/41 e o crime de atentado contra a segurança de

transporte marítimo, fluvial e aéreo reside no fato de que as manobras acrobáticas envolvem um risco controlado

pelo sujeito que as realiza sendo um minus em relação ao comportamento previsto no art. 261 do Código Penal”.

Consideramos que além da ausência de perigo concreto que é exposta pelo autor su-

pracitado, as acrobacias ocorrem em avião particular ou não destinado ao transporte público, o

que também afastaria a tipicidade da conduta.

Art. 35. Entregar-se, na prática da aviação, a acrobacias ou a vôos baixos, fora da zona em que a lei o

permite, ou fazer descer aeronave fora dos lugares destinados a esse fim: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a

3 (três) meses, ou multa.

O agente que pratica a conduta matando pessoa determinada que se encontre no in-

terior do meio de transporte e que também atua visando causar perigo comum e concreto para

um número indeterminado de pessoas responderá pelo concurso de delitos previsto na parte final

do art. 70 do Código Penal (concurso formal impróprio).

12 JURISPRUDÊNCIA.

“Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios, incluídos os

praticados contra a segurança do transporte marítimo. Inteligência do art. 109, IX, da Constituição Federal” (STJ –

RHC 1386 – Rel. Fláquer Sacartezzini – JSTJ e TRF-Lex 32/307).

“Atentado contra a segurança de transporte marítimo (caso Bateau Mouche) – Pena – Subjetivismo da decisão judicial

– Aplicação de agravantes em crimes culposos – Admissibilidade – “Se a sentença ao acertar, à luz da prova, a versão do fato

delituoso, enuncia claramente da pena, não é de exigir-se que a menção dessas circunstâncias seja explicitamente

repetida no capítulo dedicado especificamente à dosimetria da sanção aplicada: a base empírica do juízo de valor que

induzir à exasperação da pena pode resultar do contexto da motivação global da sentença condenatória: por isso, não

pode ser considerada inidônea, quanto à motivação da pena a decisão que, além de aludir, no item específico, às

circunstâncias e gravíssimas conseqüências do crime – que são dados objetivos irretorquíveis do caso – ao funda-

mentar a condenação, já se esmerara em demonstrar a existência e a extrema gravidade da culpa, que, para o acórdão,

chega a tangenciar o dolo eventual: são motivos explicitados de exasperação que, em seu conjunto, guardam congru-

ência lógica e jurídica com a severíssima qualificação da pena-base. Não obstante a corrente afirmação apodítica em

64

contrário, além da reincidência, outras circunstâncias agravantes podem incidir na hipótese de crime culposo: assim,

as atinentes ao motivo, quando referidas à valorização da conduta, a qual, também nos delitos culposos, é voluntária,

independentemente da não voluntariedade do resultado: admissibilidade, no caso, da afirmação do motivo torpe – a

obtenção de lucro fácil – que, segundo o acórdão condenatório, teria induzido os agentes ao comportamento impru-

dente e negligente de que resultou o sinistro” (STF – HC 70.362-3 – Rel. Sepúlveda Pertence – RT 730/407).

“Para se caracterizar o delito do art. 261 do CP, é imprescindível que se trate de aeronave destinada ao

transporte coletivo, caso contrário não identifica o ‘perigo comum’” (TACRIM-SP – Rev. – Rel. Jonas Vilhena – RT

287/174 e RF 189/298).

“Compete a justiça federal processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios, incluídos os pra-

ticados contra a segurança do transporte marítimo (STJ, RHC 1386/RJ, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., RSTJ 28,

p.161).

Atentado contra a segurança de outro meio de transporte

Art. 262. Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou di-

ficultar-lhe o funcionamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 1º. Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco)

anos.

§ 2º. No caso de culpa, se ocorre desastre:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste tipo penal é incolumidade pública, vinculada à

segurança de outros meios de transportes públicos fornecidos pelo Estado ou por empresa

concessionária (lacustre, terrestre ou outros não abrangidos pelos tipos anteriores). Indiretamente

também se protege a vida, integridade física e patrimônio de um número indeterminado de

pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

65

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O artigo 262 do Código Penal em seu caput descreve a modalidade básica da conduta

dolosa, quando o agente expõe a perigo meio de transporte público, impede ou dificulta seu

funcionamento causando um perigo concreto. No parágrafo primeiro há a previsão da figura

qualificada pelo resultado desastre. Por fim, o parágrafo segundo prevê a forma culposa quando

da ocorrência do desastre.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O crime é comum, no qual qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, inclusive o propri-

etário ou funcionário da empresa que presta o serviço de transporte público.

SA � QUALQUER PESSOA / CRIME COMUM

Sujeito passivo é a coletividade. Por ser vítima ente que não possui personalidade ju-

rídica o crime é classificado como de sujeito passivo vago. No caso de sinistro também será sujei-

to passivo a pessoa atingida pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE / CRIME VAGO

4 ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO.

O objeto material é o meio de transporte público não abrangido pelos artigos antece-

dentes.

O art. 262 do Código Penal pode ser realizado de duas formas diferentes, tratando-se

de crime misto alternativo ou de conteúdo variado. As condutas previstas pressupõem um com-

portamento comissivo ou omissivo impróprio.

O legislador descreve as seguintes condutas típicas:

a) Expor (colocar) a perigo concreto e coletivo outro meio de transporte público.

São os meios de transportes não tutelados nos artigos 260 e 261 do Código, utilizando-se o crité-

rio da exclusão. Por exemplo: os meios de transportes terrestres e o lacustre.

EXPOR A PERIGO CONCRETO E COLETIVO OUTRO MEIO DE TRANS-

PORTE PÚBLICO (EX.: LACUSTRE E TERRESTRE)

b) Impedir (obstar, fazer cessar) ou dificultar (atrapalhar) o funcionamento de outro

meio de transporte criando um perigo concreto e coletivo.

66

IMPEDIR OU DIFICULTAR O FUNCIONAMENTO DO MEIO DE TRANS-

PORTE CRIANDO UM PERIGO CONCRETO E COLETIVO

Uma situação prática que exemplifica muito bem o delito é a utilização do GLP (gás

combustível) em meio de transporte rodoviário sem o atendimento das normas técnicas, com a

intenção ou assumindo o risco de expor os passageiros a um perigo concreto.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

Não há previsão de elemento normativo neste tipo penal.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O agente atua com o dolo de perigo concreto e coletivo genérico, direto ou eventual.

Não há nenhum elemento subjetivo especial por parte agente em qualquer das modalidades deri-

vadas.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma com a criação do perigo concreto ao outro meio de transporte

público, ou com o perigo concreto causado pela interrupção ou com a dificuldade criada. Para a

consumação é irrelevante o veículo estar em movimento ou não.

IRRELEVÂNCIA DE O VEÍCULO ESTAR EM MOVIMENTO PARA CON-

SUMAÇÃO

Para doutrina majoritária admite-se tentativa. Entretanto, entendemos que na condu-

ta impedir não se admitiria tentativa, por considerarmos que a tentativa de impedimento já confi-

guraria o dificultar, consumando desta forma o delito.

ADMITE TENTATIVA PARA A CORRENTE MAJORITÁRIA

Na forma preterdolosa (§ 1º) ou culposa (§ 3º) não é possível a tentativa.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito de atentado contra a segurança de outro meio de transporte coletivo é classi-

ficado assim: comum (qualquer pessoa pode praticá-lo); material para Damásio (1999, p.311)

(exige o resultado naturalístico que consiste na criação do perigo concreto para um número inde-

67

terminado de pessoas) e formal para Guilherme Nucci (2003, p.745) (consumando-se com a rea-

lização das condutas, sendo o sinistro exaurimento do delito); de forma livre (admite qualquer

meio de execução); comissivo (delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a

posição de garante – art. 13, § 2◦ do Código Penal); instantâneo (a consumação ocorre de forma

imediata); de perigo concreto e coletivo (perigo precisa ser comprovado e a conduta deve ex-

por a risco um número indeterminado de pessoas e coisas); unissubjetivo (exige para a realiza-

ção da conduta apenas um agente); plurissubsistente (conduta praticada por meio de vários

atos); conteúdo variado (pode ser praticado por mais de uma forma, mas a realização delas den-

tro do mesmo fato não caracteriza concurso de crimes); e, não transeunte (é crime que deixa

vestígios).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 QUALIFICADORA PELO RESULTADO (§ 1º)

O parágrafo primeiro do art. 262 prevê a forma qualificada pelo resultado quando a

conduta do agente resulta no sinistro (desastre) em outro meio de transporte público. Desastre

ou sinistro é o acidente grave e complexo que produz risco a um número indeterminado de pes-

soas e coisas. Damásio (1999, p.310) entende que este resultado agravador pode ocorrer de ma-

neira culposa (preterdolo) ou dolosa. Isto significa que o acidente pode ter sido causado pelo

agente pela quebra do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia) ou in-

tencionalmente. Bitencourt (2004, p.210), Nucci (2003, p.745) e Rogério Greco (2008, p.91) de-

fendem que o resultado agravador somente pode ser culposo por ser incompatível nos crimes de

periclitação o agente também atuar com dolo de dano, ou seja, a modalidade do parágrafo 1º é

exclusivamente preterdolosa.

9.2 MODALIDADE CULPOSA.

Se o agente causa o acidente em virtude da inobservância do dever objetivo de cui-

dado (art. 18, II do Código Penal), responderá pela figura típica deste parágrafo. Só há responsa-

bilização por culpa se o desastre realmente acontecer.

PARA RESPONDER POR CULPA (INOBSERVÂNCIA DO DEVER OBJ. DE

CUIDADO) DEVE HAVER O DESASTRE, CASO CONTRÁRIO, A CONDUTA É ATÍPI-

CA

68

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena no caput é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Ocorrendo o desastre (§ 1º)

a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Na modalidade culposa (§ 2º) a pena é de de-

tenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Aplica-se ao caput e ao § 2º as disposições dos artigos 60,

61 e 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

Quando a conduta do sujeito ativo visar atingir a segurança nacional não responderá

por este delito, mas pelo previsto no art. 15 da Lei n.º 7.170/83.

Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de

transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b)

dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou

serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o

dobro; c) morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena

deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

Se o agente causar o perigo concreto de desastre através do emprego de incêndio ou

explosão responderá pelo crime fim (que é o deste artigo 262 do Código Penal), ocorrendo a ab-

sorção do delito anterior (incêndio ou explosão) em face da aplicação do princípio da consunção.

No sentido contrário ao nosso, comentando sobre esta questão no artigo 261, vide Bitencourt

(2004, p.206).

O agente que pratica a conduta matando pessoa determinada que se encontre no in-

terior do meio de transporte e que também atua visando causar perigo comum e concreto para

um número indeterminado de pessoas responderá pelo concurso de delitos previsto na parte final

do art. 70 do Código Penal (concurso formal impróprio).

12 JURISPRUDÊNCIA.

“Comete o crime de perigo contra transporte coletivo quem se põe a dirigir ônibus ciente de que não

sabe fazê-lo, resultando em lesões corporais a passageiros que saltam do coletivo em movimento, atemorizados na

superveniência de mal maior” (TACRIM-SP – AC – Rel. Barreto Fonseca – JUTACRIM 96/132).

“O art. 262 do CP tutela a incolumidade pública e especialmente os meios de transporte. Expõe a pe-

rigo por meio de transporte quem, de forma rudimentar e caseira, adapta seu veículo a GLP. Havendo na adaptação

69

feita ‘pequenos vazamentos’ de gás no interior do veículo (perigo real), é o que basta para tipificar o crime do art. 262

do CP, pois, porventura ocorrendo explosão, o crime é outro mais grave” (TACRIM-SP – AC – Rel. Brenno Mar-

condes – JUTACRIM 87/402).

Forma qualificada

Art. 263. Se de qualquer dos crimes previstos nos artigos 260 a 262, no caso de

desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no artigo 258.

COMENTÁRIOS

O art. 263 do Código Penal é classificado como um tipo penal remetido, pois ape-

nas indica que aos artigos antecedentes deste capítulo (art. 260 a 262) aplicar-se-á o disposto no

artigo 258 do Código Penal que estabelece as causas de aumento de pena nos casos de morte e

lesões corporais para os delitos de perigo comum ou coletivo.

ART. 263 � ART. 260 A 262 HAVENDO SINISTRO, RESULTANDO EM

MORTE OU LESÃO, APLICA-SE ART. 258 DO CÓDIGO PENAL

Apenas a título de esclarecimento, o artigo 263 do Código Penal (leia-se art. 258) es-

tabelece causas de aumento de pena, apesar de usar a expressão “formas qualificadas”. Aos deli-

tos previstos no capítulo II (arts. 260 ao 262) qualificados pelo resultado morte ou lesão corporal,

seja doloso ou culposo, aplicar-se-á o disposto no art. 258 do CP.

O presente artigo prevê a sanção para o resultado agravador culposo, cuja conduta

antecedente pode ser dolosa (dolo + culpa = preterdolo) ou culposa (culpa + culpa = culposo

qualificado pelo resultado agravador culposo).

Havendo lesão corporal simples na modalidade dolosa, ocorrerá concurso formal de

crimes. Cezar Roberto Bitencourt (2003, p.196) também possui o mesmo entendimento.

LESÃO CORPORAL DOLOSA SIMPLES � CONCURSO FORMAL

A primeira parte do artigo descreve o delito qualificado pelo resultado culposo ou

preterdoloso, em que o resultado agravador lesão corporal de natureza grave ou morte é imputa-

da ao agente do crime doloso contra a incolumidade pública a título de culpa. A segunda parte

trata de lesão corporal (culposa) ou morte (culposa) provocada pelo atuar culposo do sujeito ati-

vo do delito de perigo comum. A parte inicial do artigo 258 comina pena privativa de liberdade

aumentada de metade no caso de lesão corporal de natureza grave e aplicada de dobro se resulta

morte. Na parte final do artigo determina que em se tratando de lesão corporal, a pena é aumen-

70

tada de metade, e, na hipótese de morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, au-

mentada de um terço.

2 QUESTÕES RELEVANTES.

Havendo várias vítimas, responderá o agente apenas por um delito qualificado pelo

resultado, excluindo-se o concurso formal. Se do crime resulta morte e lesão corporal aplica-se a

qualificadora morte, por ser mais grave.

VÁRIAS VÍTIMAS – NÃO HÁ O CONCURSO FORMAL / CONCURSO DE

MORTE E LESÃO � APLICA-SE A CAUSA DE AUMENTO DE PENA MAIS GRAVE

(MORTE)

Arremesso de projétil

Art. 264. Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao

transporte público por terra, por água ou pelo ar:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses.

Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de 6

(seis) meses a 2 (dois) anos; se resulta morte, a pena é a do artigo 121, § 3º, aumentada de

um terço.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste tipo penal é a incolumidade pública vinculada a

proteção dos meios de transportes públicos (terrestres, aquáticos e aéreos). Indiretamente

também são tutelados a vida, a integridade física e o patrimônio de um número indeterminado de

pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua ocorrência

qualquer resultado naturalístico.

71

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal estabelece duas disposições. O caput descreve a figura básica dolosa que

consiste no arremesso de projétil contra veículo de transporte público em movimento. No pará-

grafo único estão as modalidades qualificadas pelo resultado culposo (preterdolosas), quando a

conduta resultar em lesão corporal ou morte.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O crime é comum, no qual qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, inclusive o propri-

etário ou funcionário da empresa que presta o serviço de transporte público.

SA � QUALQUER PESSOA / CRIME COMUM

Sujeito passivo é a coletividade. Por ser a vítima ente que não possui personalidade

jurídica o crime é classificado como de sujeito passivo vago. No caso de lesões corporais ou mor-

te também será sujeito ativo a pessoa atingida pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE / CRIME VAGO

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O verbo núcleo do tipo é “arremessar” (lançar ou atirar alguma coisa com força de

forma manual ou por meio de aparelho), que descreve uma conduta comissiva, mas para Rogério

Greco (2010, p.723) também um comportamento omissivo impróprio. O instrumento do crime

será “projétil” que é qualquer corpo sólido e pesado, que se move no espaço, depois de receber

um impulso. Para Guilherme Nucci (2003, p.746) também se inclui o projétil arremessado por

arma de fogo. Discordamos do referido autor, por entendermos que o arremesso, que significa

“disparo” de projétil no caso de arma de fogo, configura o tipo penal do art. 15 da Lei n.º

10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).

Art. 15 da Lei n.º 10.826/03: Disparar arma de fogo ou acionar munição em qualquer lugar habitado

ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a

prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O tipo exige que o projétil seja arremessado contra veículo em movimento, indepen-

dentemente da velocidade em que se encontra. Dever-se-á no caso deste artigo compreender que

estar o veículo em movimento é ele se encontrar no trânsito ainda que momentaneamente parado

(p. ex.: estar o ônibus parado no sinal vermelho aguardando o sinal verde). Se o arremesso do

projétil ocorrer contra veículo estacionado, a conduta será atípica. É relevante frisar que o veículo

72

precisa estar a serviço de transporte coletivo (público ou privado), não sendo relevante o modo

de tração, ou seja, se mecânico ou animal.

MEIO DE TRANSPORTE PARADO (ESTACIONADO) NÃO É PROTEGI-

DO, SOMENTE AQUELE QUE SE ENCONTRA EM MOVIMENTO AINDA QUE TEM-

PORARIAMENTE PARADO (EX.: AGUARDANDO A ABRIR O SINAL VERDE)

Não é qualquer projétil que pode ser lançado, mas somente aquele que tenha a capa-

cidade de expor a risco um número indeterminado de pessoas ou coisas. Para Damásio (1999,

p.316) o crime é de perigo presumido. Noutro sentido, Rogério Greco (2008, p.96) entende que o

delito é de perigo concreto, vez que o projétil lançado deve ter o condão de criar o perigo para

um número indeterminado de pessoas e coisas.

O objeto material do crime é o veículo em movimento, o qual o agente arremessa o

projétil.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O presente tipo penal não contém elemento normativo do tipo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo abstrato e coletivo genérico, direto

ou eventual. Não se exige dolo específico e não há modalidade culposa.

DOLO DE PERIGO ABSTRATO

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

Para os autores que defendem que o crime é de perigo abstrato (Bitencourt 2004,

p.213 e Damásio 1999, p.316), a consumação ocorre com o lançamento do projétil ainda que o

agente não consiga atingir o veículo (crime de mera conduta). Como não é necessário que o pro-

jétil atinja o veículo e que se crie o perigo concreto, não se admite tentativa.

PERIGO ABSTRATO E CRIME DE MERA CONDUTA – NÃO SE ADMITE

TENTATIVA

73

Aos autores que defendem que o crime é de perigo concreto (Rogério Greco

2008:96), a consumação ocorrerá com o arremesso do projétil capaz de gerar perigo para um

número indeterminado de pessoas e coisas (crime formal). Admite-se a tentativa.

PERIGO CONCRETO E CRIME FORMAL – ADMITE TENTATIVA

Em virtude do tipo penal não exigir expressamente a ocorrência do perigo concreto,

apenas que o projétil seja arremessado, nos filiamos a primeira corrente doutrinária.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito do artigo 264 do Código Penal é classificado como: comum (qualquer pes-

soa pode praticá-lo); de perigo abstrato (se exige apenas que o agente arremessa o projétil inde-

pendentemente do perigo causado) ou de perigo concreto (entende-se que o arremesso do pro-

jétil tem que criar perigo efetivo que deverá ser comprovado); de perigo coletivo (tipo penal

protege a incolumidade pública); mera conduta (prevê apenas a conduta, não exigindo a ocor-

rência de qualquer resultado naturalístico) ou formal (consuma-se com a prática da conduta, ape-

sar de prever um resultado naturalístico que não precisa ocorrer); de forma livre (admite qual-

quer meio de execução), para Rogério Greco (2010, p.722), o crime é de forma vinculada (pois

o legislador determina que a conduta seja praticada mediante arremesso de projétil); comissivo

(delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art. 13, §

2◦ do Código Penal, e para aqueles que defendem ser o crime material); instantâneo (a consuma-

ção ocorre de forma imediata); unissubsistente (para aqueles que defendem não ser possível a

tentativa, isto é, o agente arremessa ou não o projétil, não se admitindo o fracionamento da con-

duta) ou plurissubsistente (para quem defende que é admissível a tentativa, vez que a conduta

pode ser fracionada); unissubjetivo (basta uma única pessoa para praticá-lo); e, não transeunte

(é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 QUALIFICADORA PELO RESULTADO (PARÁGRAFO ÚNICO)

O parágrafo único do art. 264 do Código Penal prevê uma qualificadora e uma causa

de aumento de pena em face do resultado agravador culposo, isto quer dizer que ambas as moda-

lidades são previstas de forma preterdolosa (dolo na conduta antecedente arremesso, e culpa na

conseqüente, resultado lesão corporal ou morte). A pena será de detenção, de 6 (seis) meses a 2

74

(dois) anos se do arremesso do projétil resultar lesão corporal culposa; e, aplicar-se-á a pena do

art. 121, § 3º do Código Penal (homicídio culposo) aumentada de um terço se resultar em morte.

RESULTADO AGRAVADOR PRETERDOLOSO

QUALIFICADORA: ARREMESSO (DOLO) + LESÕES CORPORAIS (CULPA)

CAUSA DE AUMENTO DE PENA: ARREMESSO (DOLO) + MORTE (CUL-

PA)

Ocorrendo lesões corporais ou morte, em face de caso fortuito ou força maior, o a-

gente responderá apenas pela sanção prevista no caput do artigo.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena do caput é detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses. No parágrafo único é de de-

tenção, de 6 (meses) a 2 (dois) se resulta em lesões corporais; e de detenção de 1 (um) a 3 (três)

anos (art. 121, § 3º do Código Penal) aumentada de 1/3 (um terço) se resultar em morte. Aplica-

se ao caput e à primeira parte do parágrafo único (resultado lesões corporais) as disposições dos

artigos 60, 61 e 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES

Caso o agente queira atingir pessoa determinada deverá ser responsabilizado pelo art.

121 ou art. 129, devendo-se constatar qual foi sua intenção.

Não importa não quantas pessoas sofram lesões corporais ou faleçam na forma do

parágrafo único, o agente responderá uma única vez pelo resultado agravador.

No concurso de morte e lesões aplicar-se-á ao sujeito ativo apenas o aumento de pe-

na previsto para a morte, isto é, incide o aumento de pena apenas para o resultado mais grave.

O agente que pratica a conduta matando pessoa determinada que se encontre no in-

terior do meio de transporte e que também atua visando causar perigo comum para um número

indeterminado de pessoas responderá pelo concurso de delitos previsto na parte final do art. 70

do Código Penal (concurso formal impróprio).

Quando a conduta for dirigida à veículo particular, o sujeito ativo pratica o delito de

dano (art. 163 do Código Penal)

75

12 JURISPRUDÊNCIA

Agente que arremessa pedra contra coletivo – Alegação de que o mesmo não estava em movimento – “O preceito legal

do art. 264 do CP pressupõe trânsito em termos de transporte de passageiros, já que estes, e não a coisa material, são

objeto da proteção penal”. (TACRIM-SP – AC 352.191 – Rel. Gomes de Amorim).

“Não exclui o crime do art. 264 do CP a escusativa de legítima defesa sem comprovação, como não o

exclui, também, a afirmação do agente de não ter tido a intenção de atingir pessoalmente o motorista do coletivo,

alvo de uma pedrada. Crime de perigo que se esgota com arremesso de uma pedra para causar dano a veículo de

transporte urbano. Quando o objeto atinge a outrem, no veículo, caracteriza-se a forma qualificada da infração”

(TARJ – AC – Rel. Erasmo do Couto – RT 500/389).

Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública

Art. 265. Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água,

luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumentar-se-á a pena de um terço até a metade, se o dano

ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, que neste delito está vinculada

aos serviços de utilidade pública (água, luz, força ou calor, ou qualquer outro imprescindível, com

exceção do serviço de telefonia que se enquadrará no art. 266 do Código Penal). Tutela-se

indiretamente a vida, integridade física e patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua ocorrência

qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

No caput encontramos a figura básica dolosa, que consiste no atentado à segurança

ou funcionamento de serviços de utilidade pública. O parágrafo único prevê uma causa de

76

aumento de pena em face da dano causado, pela subtração de material essencial ao

funcionamento do serviço público.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Por se tratar de crime comum, pode ser sujeito ativo qualquer pessoa, inclusive

funcionário ou o responsável pelo fornecimento do serviço de utilidade pública.

SA � CRIME COMUM – QUALQUER PESSOA

Sujeito passivo é coletividade. Portanto, trata-se de crime de sujeito passivo vago.

Também será vítima a pessoa prejudicada na forma prevista no parágrafo único.

SP � COLETIVIDADE – CRIME VAGO

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica é “atentar” (atacar ou perturbar), que pressupõe uma ação

comissiva, mas no entendimento de Rogério Greco (2010, p.724), o crime pode ser omissivo

impróprio. O atentado ocorrerá contra a segurança (aquilo que se pode confiar) tornando

perigoso; ou em desfavor do funcionamento (regularidade da prestação) do serviço de utilidade

pública. O objeto material é o serviço de utilidade pública que o agente dirige sua conduta.

EXPOR A RISCO A SEGURANÇA E O FORNECIMENTO DE SERVIÇOS

DE UTILIDADE PÚBLICA

O tipo penal adota uma fórmula casuística enumerando inicialmente os serviços

protegidos (água, luz, força ou calor) e depois amplia, utilizando uma interpretação analógica,

dizendo que o atentado pode se voltar contra qualquer outro serviço de natureza pública (p.ex.:

fornecimento de gás ou limpeza pública). Destacamos que o serviço de telefonia não se enquadra

neste tipo, mas sim no delito de interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico

(art. 266 do Código Penal).

FÓRMULA CASUÍSTICA – ENUMERA INICIALMENTE E DEPOIS ABRE O

TIPO PENAL

O tipo penal não exige que o fornecimento do serviço seja completamente paralisa-

do, e admite qualquer forma de execução. Damásio (1999, p.320) alerta que se o atentado tiver

como meio de execução qualquer uma das modalidades típicas previstas no capítulo anterior (in-

cêndio, explosão, inundação, desabamento ou desmoronamento), não se configurará o delito do

art. 265, mas sim aqueles.

77

CRIME DE FORMA LIVRE (EXCEÇÃO ÀS CONDUTAS DO CAPÍTULO

ANTERIOR – EX.: INCÊNDIO, EXPLOSÃO OU INUNDAÇÃO

Há divergência quanto a espécie de perigo produzido com a prática da conduta típica

deste artigo. Bitencourt (2004, p.216), Nucci (2003, p.748) e Damásio (1999, p.321) classificam o

crime como de perigo abstrato, bastando a realização da conduta independentemente da demons-

tração do perigo criado. Por outro lado, Rogério Greco (2008, p.101) define o delito como sendo

de perigo concreto, necessitando para a sua configuração, a comprovação de perigo gerado ao

bem jurídico protegido. Consideramos mais acertada a primeira corrente, vez que o tipo penal

não faz qualquer previsão de resultado naturalístico ou da exigência de ocorrência do perigo con-

creto.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo do artigo 265 do Código Penal não prevê nenhum elemento normativo do ti-

po.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O elemento subjetivo do tipo é dolo de perigo abstrato e coletivo genérico, direto ou

eventual. Não se exige dolo específico e não há modalidade culposa.

DOLO DE PERIGO ABSTRATO

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime do art. 265 do Código Penal se consuma com qualquer ato atentatório con-

tra a segurança e funcionamento dos serviços de utilidade pública tutelados. Por considerarmos

ser o delito de perigo abstrato basta ao agente a realização da conduta independentemente do

risco efetivamente produzido. Bitencourt (2004, p.215) e Damásio (1999, p.320) admitem a tenta-

tiva apesar de considerá-la de difícil ocorrência. Guilherme Nucci (2003, p.749) é contrário a sua

possibilidade, por entender que o ato de “tentar atentar” já indica consumação do delito.

CONSUMAÇÃO COM A CONDUTA ATENTATÓRIA (PERIGO ABSTRATO)

DIVISÃO NO ENTENDIMENTO EM RELAÇÃO À TENTATIVA

78

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime de atentado contra a segurança dos serviços de utilidade pública é classifica-

do como: comum (qualquer pessoa pode praticá-lo); de perigo abstrato (para aqueles que en-

tendem que basta a realização da conduta, não se exigindo a comprovação do efetivo perigo) ou

de perigo concreto (entendimento de quem defende a necessidade da produção de um risco real

ao bem jurídico para a consumação); instantâneo (consuma-se no momento da realização do ato

atentatório não se prolongando no tempo); de perigo coletivo (tipo penal protege a incolumida-

de pública); mera conduta (prevê apenas a conduta, não exigindo a ocorrência de qualquer resul-

tado naturalístico) ou formal (consuma-se com a prática da conduta, apesar de prever um resul-

tado naturalístico que não precisa ocorrer); de forma livre (admite qualquer meio de execução);

comissivo (delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante

– art. 13, § 2◦ do Código Penal, se entender que o delito é material); unissubsistente (para aque-

les que defendem não ser possível a tentativa, afirmando que o “tentar atentar” já significa aten-

tar, isto é, o agente realiza a conduta ou não) ou plurissubsistente (para quem defende que é

admissível a tentativa, vez que a conduta pode ser fracionada); unissubjetivo (basta uma única

pessoa para praticá-lo), de conteúdo variado alternativo (prevê mais de uma forma de ser reali-

zado, mas respondendo uma única vez, independentemente da quantidade de condutas que prati-

que); e, não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 CAUSA DE AUMENTO DE PENA (PARÁGRAFO ÚNICO).

O parágrafo único deste artigo 265 do Código Penal foi inserido pela Lei n.º

5.346/67, desta forma não constava na redação original do dispositivo.

O texto do parágrafo define uma causa de aumento de natureza jurídica dolosa que

eleva a pena do caput de 1/3 (um terço) até a 1/2 (metade) com a ocorrência do dano (é crime de

dano) em face da subtração (retirar da posse do proprietário e possuidor sem autorização) de

materiais essenciais (fundamentais) ao funcionamento dos serviços protegidos.

CAUSA DE AUMENTO DE PENA – SUBTRAÇÃO QUE CAUSA DANO E-

FETIVO

79

Damásio (1999, p.321) defende a idéia de que a causa de aumento somente se confi-

gura se da subtração praticada pelo agente acontecer o dano efetivo, caso contrário, responderá

apenas pelo caput do artigo.

Nucci (2003, p.748) afirma que esta causa de aumento de pena é de natureza culposa

(dolo antecedente + culpa conseqüente = preterdolo), vez que o agente age com dolo de perigo

na conduta antecedente (atentar), não sendo possível também atuar na conduta conseqüente

(subtração e dano) com dolo de dano. Discordamos deste posicionamento, pois não consegui-

mos vislumbrar como a subtração pode ocorrer de forma culposa.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena para a conduta prevista no caput é cumulativa, reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco)

anos, e multa. Se da subtração de materiais sobrevier o dano, aumentar-se-á a pena de 1/3 (um

terço) até 1/2 (metade). Aplica-se a este delito a suspensão condicional do processo, prevista no

art. 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

A competência para o julgamento do presente delito será definida conforme a natu-

reza jurídica da pessoa jurídica de direito público ou empresa concessionária prestadora do servi-

ço de utilidade pública, isto é, se for pertencente à União e ao Distrito Federal, a competência é

da Justiça Federal; se Estadual ou Municipal a competência é da Justiça Estadual.

Bitencourt (2004, p.215) adota o posicionamento de que se o meio empregado pelo

agente em sua conduta for explosão ou incêndio, responderá ele apenas por estes delitos (art. 250

e art. 251 do Código Penal). Porém, discordamos do posicionamento deste autor, visto que na

aplicação do princípio da consunção dever-se-á observar o dolo final do agente, isto é, aquilo que

realmente ele quer atingir, por isso se utilizou os meios explosão ou incêndio com fim de atentar

contra os serviços de utilidade pública, responderá pelo delito deste artigo sendo absorvido o

crime-meio (incêndio ou explosão).

Quando a conduta do sujeito ativo visar atingir a segurança nacional não responderá

por este delito, mas pelo previsto no art. 15 da Lei n.º 7.170/83.

Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de

transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres. Pena:

reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b) dano,

destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade

80

ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena au-

menta-se até o dobro; c) morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem

com a pena deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

12 JURISPRUDÊNCIA

“Não se inclui entre os serviços de utilidade pública amparados pelo art. 265 do CP o que diz respeito

ao funcionamento de escolas” (TJSP – HC – Rel. Sylvio Barbosa – RT 298/69).

Interrupção de energia elétrica – Réus que a provocam, ao praticarem o furto dos fios – Delito da competência da Justiça

Federal – “Não há dúvida de que o fornecimento de energia elétrica é serviço federal. Está dito no art. 8º, XV, b, da

Constituição do Brasil, que compromete à União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os

serviços e instalações de energia elétrica e qualquer origem ou natureza. Se, ao furtarem os fios elétricos, provocarem

os réus a interrupção do fornecimento da eletricidade, incidiram no art. 265 do CP, cuja apreciação e julgamento

compete à Justiça Federal (TJSP – CJ – Rel. Acácio Rebouças – RT 400/140).

“Para a configuração do crime do art. 265 do CP, é preciso que tenha como elemento material um agir

que se apresente de maneira mais ou menos extensa, vindo a perturbar aqueles serviços mencionados de maneira

expressa no texto legal” (TJSP – AC – Rel. Onei Raphael – RJTJSP 9/607).

“Comete o delito de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública aquele que frustra o

esquema de consultas e atendimento estruturado pelo Posto do INSS, promovendo tumultos em frente ao prédio,

furando a fila de distribuição das fichas e arrancando-as das mãos da funcionária que estava distribuindo, impedindo,

assim, que as pessoas necessitadas e que já estavam na fila há algum tempo conseguissem obter fichas (TJRS, Ap.

Crim. 70011262623, 4ª Câm. Crim., Rel. José Eugênio Tedesco, pub. 21/10/2005).

Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico

Art. 266. Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico ou tele-

fônico, impedir ou dificultar-lhe o restabelecimento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Aplicam-se as penas em dobro, se o crime é cometido por

ocasião de calamidade pública.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

81

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, especificamente ligada aos servi-

ços telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico. Protege-se secundariamente a vida, a integridade

física e o patrimônio de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua ocorrência

qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O caput prevê a modalidade básica dolosa que consiste na interrupção ou perturbação

dos serviços de comunicação; ou no impedimento ou na criação de dificuldades para o seu resta-

belecimento quando paralisado. No parágrafo único, o legislador insere uma causa de aumento de

pena se a conduta do agente for realizada em situação de calamidade pública.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o responsável pela prestação do

serviço, tratando-se de crime comum.

SA � CRIME COMUM – QUALQUER PESSOA

O sujeito passivo é coletividade, por esta razão assim como os delitos anteriores

também é classificado como crime de sujeito passivo vago (crime vago). Também será sujeito

passivo a pessoa diretamente prejudicada em virtude da conduta do agente (parágrafo único).

SP � COLETIVIDADE – CRIME VAGO

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

As condutas do art. 266 se dividem em duas modalidades típicas diferentes:

a) Na primeira modalidade o tipo penal fala em interromper (fazer cessar) ou pertur-

bar (atrapalhar) o serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico independentemente de causar

o perigo concreto a um número indeterminado de pessoas e/ou coisas (perigo abstrato);

b) Na segunda o agente impede (obstar, fazer cessar) ou dificulta (atrapalhar, pertur-

bar) o restabelecimento (retorno da prestação) do serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefôni-

co independentemente de criar o perigo concreto a um número indeterminado de pessoas e/ou

coisas (perigo abstrato).

82

INTERROMPER OU PERTUBAR O SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO / IM-

PEDIR OU DIFICULTAR O RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO DE COMUNICA-

ÇÃO

Os objetos materiais atingidos pela conduta do agente são os serviços telegráfico, ra-

diotelegráfico ou telefônico, sendo um rol taxativo. Rogério Greco (2008, p.105-106) define os

serviços da seguinte maneira: Telégrafo é toda instalação que possibilita a comunicação do pensamento ou

da palavra mediante transmissão à distância de sinais convencionais. Compreende o telégrafo elétrico (terrestre ou

submarino) ou semafórico. Radiotelégrafo é o telégrafo sem fio, funcionando por meio de ondas eletromagnéticas

ou ‘ondas dirigidas’. Telefone é a instalação que permite reproduzir à distância a palavra falada ou outro som.

É fundamental destacar que o rol do artigo é taxativo, não se compreendendo neste tipo penal,

outros meios de comunicação, como, por exemplo, a internet. Entretanto, entendemos que pode-

ria se aplicar à internet o tipo do art. 265 do Código Penal, por ser um serviço de utilidade públi-

ca.

ROL TAXATIVO – SERVIÇO TELEGRÁFICO, RADIOTELEGRÁFICO OU

TELEFÔNICO

O crime admite qualquer meio de execução, sendo definido como delito de forma li-

vre, podendo ser realizado comissivamente e de forma omissiva imprópria, no entendimento de

Rogério Greco (2010, p.726) Isto significa que a conduta do agente pode ser dirigida contra as

instalações, aparelhos de transmissão ou pessoas responsáveis pela execução dos serviços.

CRIME DE FORMA LIVRE

Se a interrupção ou perturbação for dirigida contra a comunicação de pessoa ou pes-

soas determinadas não atingindo a incolumidade pública, responderá o agente pela prática do

crime previsto no art. 151, § 1º, III do Código Penal (Violação de comunicação telegráfica, radio-

elétrica ou telefônica).

A doutrina majoritária a qual nos filiamos, entende que o crime é de perigo abstrato,

isto é, basta ao sujeito ativo realizar as condutas típicas, independentemente da demonstração do

perigo causado. Contra esse entendimento encontramos Rogério Greco (2008, p.106), que classi-

fica o crime como de perigo concreto, devendo a conduta do agente criar um perigo efetivo a um

número indeterminado de pessoas.

CORRENTE MAJORITÁRIA – CRIME DE PERIGO ABSTRATO

O delito do artigo 266 do Código Penal é um crime de conteúdo variado ou misto,

pois prevê mais de uma forma como ele pode ser realizado. Nucci (2003, p.748) afirma que o

delito é de conteúdo variado ou misto dentro de cada uma das condutas (interromper/perturbar

ou impedir/dificultar), mas entre elas o tipo é misto cumulativo. Porém, o agente não responde

83

pelas duas condutas em concurso de crimes, vez que o impedir ou dificultar o restabelecimento

seria postfactum impunível da primeira conduta.

CRIME DE CONTEÚDO VARIADO OU MISTO (HÁ DIVERGÊNCIA SO-

BRE SER ALTERNATIVO OU CUMULATIVO)

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não prevê elemento normativo do tipo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O delito do artigo 266 do Código Penal é praticado com dolo de perigo abstrato e

coletivo genérico, direto ou eventual. Não é exigida nenhuma finalidade especial por parte do

agente e inexiste a modalidade culposa.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

Na primeira forma o crime se consuma com a interrupção ou perturbação do serviço

de comunicação, independentemente de criação do resultado que seria o perigo efetivo (crime de

perigo abstrato e de mera conduta). Na segunda, o crime se consuma quando o agente impede

ou dificulta o restabelecimento do serviço de comunicação que se encontra interrompido. Esta

modalidade também independe de resultado naturalístico ou causação do perigo efetivo (crime de

perigo abstrato e de mera conduta).

Admite-se tentativa em todas as modalidades conforme a doutrina majoritária. En-

tretanto, entendemos que nas condutas “impedir” e “interromper” não seria possível a tentativa,

por considerarmos que a tentativa de “impedimento” ou “interrupção” já configuraria as condu-

tas “dificultar” ou “perturbar”, consumando desta forma o delito.

ADMITE TENTATIVA PARA A CORRENTE MAJORITÁRIA

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime de interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico é classifi-

cado como: comum (qualquer pessoa pode praticá-lo); de perigo abstrato (para aqueles que

entendem que basta a realização da conduta, não se exigindo a comprovação do efetivo perigo)

84

ou de perigo concreto (entendimento de que defende a necessidade da produção de um risco

real ao bem jurídico para a consumação); instantâneo (consuma-se no momento da realização da

interrupção ou perturbação não se exigindo a prolongação no tempo); de perigo coletivo (tipo

penal protege a incolumidade pública); mera conduta (prevê apenas a conduta, não exigindo a

ocorrência de qualquer resultado naturalístico) ou formal (consuma-se com a prática da conduta,

apesar de prever um resultado naturalístico que não precisa ocorrer); de forma livre (admite

qualquer meio de execução); comissivo (delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o a-

gente tiver a posição de garante – art. 13, § 2◦ do Código Penal, se consideramos como delito

material); plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em vários atos); unissubjetivo (bas-

ta uma única pessoa para praticá-lo); de conteúdo variado alternativo (admitindo mais de uma

forma de executar, devendo o agente responder uma única vez, independentemente da quantida-

de de condutas realizadas); e, não transeunte (é crime que deixa vestígios)

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 CAUSA DE AUMENTO DE PENA (PARÁGRAFO ÚNICO).

A pena para o agente será aplicada em dobro se a interrupção ou perturbação do ser-

viço de telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico ocorrer na situação de calamidade pública. Ro-

gério Grecco (2008, p.107) utilizando a conceituação de Julio Fabbrini Mirabete diz que calami-

dade pública é uma situação excepcional de infortúnio ou desgraça coletiva. Podemos citar como exemplos:

enchentes, epidemias, terremotos, etc.

Por ser circunstância elementar do tipo penal, não se aplica ao art. 266 do Código

Penal, a agravante genérica prevista no art. 61, II, “j” também do Código.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o

crime:

II – ter o agente cometido o crime:

j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça

particular do ofendido.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena no caput é cumulativa, detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Se pratica-

das as condutas na ocasião de calamidade pública, a pena será aplicada em dobro (parágrafo úni-

85

co). Aplica-se ao caput do artigo, a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei

n.º 9.099/95.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

Quando a conduta praticada visar atingir a segurança nacional, o delito será o do art.

15 da Lei n.º 7.170/83.

Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de

transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres. Pena:

reclusão, de 3 a 10 anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b) dano,

destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços

públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro; c)

morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena deste artigo

reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

Havendo interrupção ou perturbação de comunicação entre pessoas determinadas, o

delito será o do art. 151, parágrafo 1º, inc. III, do Código Penal.

12 JURISPRUDÊNCIA

“O agente que permanece em linha telefônica, perturbando com dolo intenso o serviço telefônico da

Polícia Militar, pratica o delito previsto no art. 266 do CP, bastando, para a caracterização do referido delito o perigo

de dano presumido” (TACRIM-SP – AC 792.771-0 – v.v do Juiz José Valério – RJDTACRIM 23/252).

Interrupção ou perturbação de serviço telefônico – Crime não configurado – Ausência de dolo específico – Instalação de

aparelhos clandestinos – Caso de furto de energia elétrica – Inteligência dos arts. 155, § 4º, e 226 do CP – “É essencial à configu-

ração do crime previsto no art. 266 do CP o dolo específico consistente em desejar o agente interromper ou pertur-

bar o serviço telefônico ou telegráfico” (TJSP – AC – Rel. Vasconcellos Leme – RT 203/95).

“Perturbação de serviço telefônico. O agente que liga para o n.º 190, a fim de passar um trote, ofen-

dendo os policiais militares que lá trabalham, não comete o crime previsto no art. 266 do CP, que exige a presença

do dolo específico, qual seja, a vontade livre e consciente de perturbar o serviço telefônico. Absolvição decretada.

(TJRS, Ap. Crim. 700008081531, 4ª Câm. Crim., Rel. Constantino Lisbôa de Azevedo, j. 6/5/2004).

86

CAPÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

COMENTÁRIOS

O Capítulo III do Título VIII da Parte Especial do Código Penal protege a Incolu-

midade Pública, relacionada ao bem jurídico Saúde Pública. Entende-se por Saúde Pública a so-

matória de vários bens jurídicos vinculados ao ser humano, como a vida, a integridade física e

mental de um número indeterminado de pessoas. Estes crimes estão definidos nos arts. 267 a 285

do Código Penal.

SAÚDE PÚBLICA = VIDA + INTEGRIDADE FÍSICA E MENTAL.

É relevante explicar que a saúde nestes tipos penais não é protegida de forma indivi-

dual. Quando esta for o bem jurídico que o sujeito ativo pretende lesionar, poderá estar configu-

rado um dos delitos previstos no capítulo dos crimes de periclitação da vida e da saúde (arts. 130

a 136 do CP). Os crimes contra Saúde Pública também são crimes de perigo coletivo que será

abstrato ou concreto, conforme formos estudando os dispositivos.

CONDUTA VISA PESSOA DETERMINADA � CRIMES DE PERICLITA-

ÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE / CRIMES DE PERIGO COLETIVO: ABSTRATO OU

CONCRETO.

Epidemia

Art. 267. Causar epidemia, mediante a propagação de germes pa-

togênicos:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.

§ 1º. Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

§ 2º. No caso de culpa, a pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois)

anos, ou, se resulta morte, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

87

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública especificamente vinculada à

saúde pública. Damásio (1999, p. 329) define a saúde pública como sendo “a normalidade física,

mental e orgânica de um número indeterminado de pessoas”.

SAÚDE: NORMALIDADE FÍSICA, MENTAL E ORGÂNICA DE UM N.º

INDETERMINADO DE PESSOAS.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, resultado de

uma conduta dolosa ou culposa oriunda de um incremento de risco. É irrelevante para a sua

ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal do art. 267 do CP possui três disposições típicas. No caput o legislador

apresenta a forma básica dolosa, que consiste na causação da epidemia de forma intencional (dolo

direto ou eventual). O parágrafo primeiro prevê uma causa de aumento de penal em face do re-

sultado agravador culposo (preterdolosa), quando a epidemia criada pelo agente causa a morte

não intencional de uma ou mais pessoas. Por fim, o parágrafo segundo na parte introdutória de-

fine a epidemia culposa; e na sua parte final prevê uma qualificadora pelo resultado (crime culpo-

so com resultado qualificador culposo), quando da epidemia provocada pelo agente de forma não

intencional resulta na morte de uma ou mais pessoas.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa (crime comum), independente-

mente de estar contaminada ou não pelos germes patogênicos. O sujeito passivo é a coletividade

(sociedade) que será atingida diretamente pela propagação da doença. Bitencourt (2004, p.222)

afirma que o Estado é o sujeito passivo imediato, por entender que este se confunde com a cole-

tividade.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM / SP � É A COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica é causar que tem o sentido de provocar, gerar epidemia. O verbo

“causar” tem o sentido de ação, mas também pode ser realizada via omissão imprópria. O concei-

to de epidemia apresentado por Bitencourt (2004, p.222) fruto da elaboração de Bento de Faria é

88

“o surto de uma doença acidental e transitória, que ataca um grande número de indivíduos, ao mesmo tempo, em

determinado país ou região”. Rogério Greco (2010, p.726) assim define epidemia, “por epidemia deve ser

entendida uma doença que surge rapidamente em determinado lugar e acomete simultaneamente grande número de

pessoas”.

CAUSAR EPIDEMIA � FAZER COM QUE UMA DOENÇA PROPAGUE

RAPIDAMENTE EM VÁRIAS PESSOAS.

O objeto material são os germes patogênicos. Conforme o tipo penal descreve, a epi-

demia será causada pela propagação (disseminação, espalhar, difundir) de germes patogênicos. Gui-

lherme Nucci (2003, p.750) conceitua germes patogênicos como sendo “os microorganismos capazes de

gerar doenças, como os vírus e as bactérias”.

PROPAGAÇÃO � GERMES PATOGÊNICOS.

GERMES PATOGÊNICOS � ORGANISMOS CAPAZES DE CAUSAR MO-

LÉSTIAS (VÍRUS E BACTÉRIAS).

O delito do art. 267 somente estará configurado se um número indeterminado de

pessoas forem contaminadas pelos germes patogênicos causadores da doença. Se a intenção do

agente é provocar a doença em apenas uma pessoa determinada, responderá pelo delito do art.

131 do Código Penal (perigo de contágio de moléstia grave).

VÁRIAS PESSOAS TÊM QUE SER ATINGIDAS PELA DOENÇA.

AGENTE VISA ATINGIR UMA ÚNICA PESSOA DETERMINADA – ART.

131 DO CÓDIGO PENAL.

É importante esclarecer que epidemia não se confunde com pandemia e endemia. Pande-

mia é disseminação de uma doença em vários lugares de um país ou no planeta. Já endemia é a do-

ença que surge freqüentemente ou permanentemente em um determinado lugar e ai se mantém.

DIFERENÇAS ENTRE EPIDEMIA, PANDEMIA E ENDEMIA.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não fez previsão de elemento normativo do tipo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O tipo penal no caput é praticado com dolo de perigo coletivo e concreto genérico

que pode ser direto ou eventual. Entretanto, encontramos na doutrina entendimento de que o

perigo neste delito é abstrato (não precisa ser demonstrado), ao invés de concreto.

89

Guilherme Nucci (2003, p.750) considera que o tipo penal não possui elemento sub-

jetivo especial ou específico. Contrariamente a este entendimento, encontramos Cezar R. Biten-

court (2004, p.222) que entende que o fim especial de agir do sujeito ativo está contido na inten-

ção de causar a epidemia mediante a propagação de germes patogênicos. A nosso ver assiste razão à Gui-

lherme Nucci, pois a utilização dos germes patogênicos para a propagação da epidemia é meio

material usado pelo agente e não uma intenção específica.

O erro quanto à potencialidade infecciosa dos germes patogênicos exclui o dolo e,

conseqüentemente, o crime (erro de tipo).

ERRO QTO À CAPACIDADE INFECCIOSA � EXCLUI O DOLO E O CRI-

ME.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime se consuma com a provocação da epidemia em virtude da propagação dos

germes patogênicos. Ressaltamos que um número indeterminado de pessoas deverão ser acome-

tidos pela doença.

CONSUMAÇÃO: NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS É CONTA-

MINADO PELA DOENÇA EPIDÊMICA.

Admite-se a tentativa, quando, por exemplo, o indivíduo realiza todos os atos ten-

dentes à propagação dos germes patogênicos e causar a epidemia, mas esta não ocorre por cir-

cunstâncias alheias a sua vontade. Se poucas pessoas contraírem, a moléstia o agente também

responderá por tentativa de epidemia.

ADMITE-SE A TENTATIVA.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime de epidemia é classificado como crime: comum (qualquer pessoa pode pra-

ticá-lo); material para Damásio (1999, p.331) e Guilherme Nucci (2003, p.750) (exige um resul-

tado naturalístico que ocorre com a propagação da doença para um número indeterminado de

pessoas), e formal para Bitencourt (2004, p.223) (por entender que a conduta do agente não cau-

sa transformação no mundo exterior, ou seja, não possui um resultado naturalístico); instantâ-

neo (a consumação ocorre com a contaminação das pessoas); comissivo (delito de ação – verbo

núcleo é causar) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art. 13, §

2◦ do Código Penal, e desde que definido como crime material); de perigo concreto (parte da

90

doutrina entende que se deverá demonstrar o perigo efetivo) ou de perigo abstrato (para aqueles

que o perigo não precisa ser comprovado, sendo necessária apenas a realização da conduta – vide

Delmanto (1991, p.415); unissubjetivo (basta um agente para realizá-lo); plurissubsistente (a

conduta do agente é fracionável em vários atos). Guilherme Nucci considera que também pode

ser unissubsistente (quando a epidemia for provocada por meio de um único ato. Neste caso

seria inadmissível a tentativa). O crime ainda é classificado como de forma vinculada (o legisla-

dor descreve a forma genérica de praticar a conduta “causar epidemia”, e depois explicita de forma

particularizada como esta ocorrerá “mediante a propagação de germes patogênicos”). Por fim, o crime é

definido como não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 CAUSA DE AUMENTO DE PENA EM FACE DO RESULTADO A-

GRAVADOR CULPOSO (§ 1º).

A pena do agente será dobrada quando este em virtude da epidemia provocada cau-

sar a morte de uma ou mais pessoas. Este resultado agravador é gerado de forma culposa (quase

sempre com culpa consciente). Não há a incidência de concurso de crimes neste caso, uma vez

que o legislador define que o aumento de pena se dará em virtude do resultado morte, não deli-

mitando sua quantidade. Se, entretanto, o agente quis causar a morte responderá pelo concurso

formal ou material de crimes (dependendo do modus operandi).

RESULTADO AGRAVADOR CULPOSO (MODALIDADE PRETERDOLOSA)

9.2 MODALIDADE CULPOSA E QUALIFICADORA PELO RESULTADO

MORTE (§ 2º).

Se a epidemia for causada de forma culposa por inobservância do dever objetivo de

cuidado (imprudência, negligência ou imperícia), o agente será apenado com a pena prevista na

primeira parte do artigo. Mas se desta conduta culposa, o agente provocar a morte de uma ou

mais pessoas de forma não intencional, responderá pela qualificadora prevista na parte final do

dispositivo.

1ª PARTE � CONDUTA CULPOSA

2ª PARTE � CONDUTA CULPOSA + RESULTADO MORTE CULPOSO

91

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena no caput para a modalidade básica dolosa é de reclusão de 10 (dez) a 15 (quin-

ze) anos. Na causa de aumento de pena pelo resultado morte estabelecida no § 1º, a sanção pre-

vista no caput será aplicada em dobro. Na forma culposa da primeira parte do § 2º, a pena comi-

nada é de detenção de 01 (um) a 02 (dois) anos; na parte final, ocorrendo o resultado morte, a

pena é de detenção de 02 (dois) a 04 (quatro) anos. Aplica-se à primeira parte do § 2º, a suspen-

são condicional do processo prevista no art. 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondi-

cionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

A epidemia causada dolosamente que resulta em morte (agravada pelo resultado) é

definida como crime hediondo (art. 1º, VII, da Lei n.º 8.072/90).

Ocorrendo epidemia com resultado morte é admissível a decretação de prisão tem-

porária do sujeito ativo, conforme expressa o art. 1º, III, “j”, da Lei n.º 7.960/1989, se presentes

os requisitos exigidos.

12 JURISPRUDÊNCIA.

Em temas de crimes contra a saúde pública, sem laudo pericial afirmando que a substância se tornara

nociva à saúde descabe ação penal, posto não haver crime a punir. (TJSC, RCr. 8104, Rel. Tycho Brahe, RT617,

p.333).

Infração de medida sanitária preventiva

Art. 268. Infringir determinação do poder público, destinada a im-

pedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se o agente é

funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico,

dentista ou enfermeiro.

92

Omissão de notificação de doença

Art. 269. Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doen-

ça cuja notificação é compulsória:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Nota: Ver Resolução CFM nº 1.605, de 15.09.2000, DOU 29.09.2000,

que dispõe sobre a revelação de conteúdo do prontuário ou ficha médica.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO. PRECEDENTE LEGIS-

LATIVO.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, relacionada à saúde pública. Bi-

tencourt (2004, p.228) diz que neste tipo penal do art. 269 se protege “particularmente a serieda-

de que deve orientar o atendimento da saúde pública”.

INCOLUMIDADE PÚBLICA, EM ESPECIAL NO SEU ASPECTO DA SAÚDE

PÚBLICA.

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa omissiva própria que cria um incremento de risco para

este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

No Código Penal de 1890, a presente conduta típifica figurava como mera

contravenção penal, sujeita apenas a pena pecuniária (art. 378).

2 MODALIDADE TÍPICA.

O tipo penal traz apenas a figura básica dolosa prevista no caput do artigo.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O delito de omissão de notificação de doença é crime próprio, pois conforme ex-

pressa seu texto, somente o médico pode praticá-lo. Admite concurso de pessoas, mas é funda-

mental que o médico seja um dos agentes do delito. Neste caso, independente do co-autor ou

partícipe ser médico ou não, aplicar-se-á o disposto no art. 30 do Código Penal.

93

CRIME PRÓPRIO – SA � MÉDICO

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elemen-

tares do crime.

O sujeito passivo é a coletividade (sociedade).

SP � COLETIVIDADE

4 ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVOS DO TIPO.

A conduta típica é deixar o médico de denunciar (comunicar, informar) à autoridade

pública doença cuja notificação (comunicação) é compulsória (obrigatória). Em virtude do verbo

núcleo do tipo ser “deixar”, torna-se evidente que se trata de um delito omissivo próprio, no qual

o sujeito ativo tem o dever legal de agir.

CRIME OMISSIVO PRÓPRIO – “DEIXAR” É O VERBO NÚCLEO DO TIPO.

A autoridade pública que se refere o artigo será indicada na lei ou por meio de atos

normativos, porém, podemos dizer de plano que será aquela que tem o dever de fazer cumprir as

determinações do poder público referentes às questões de saúde pública. Da mesma forma, as

doenças cuja notificação for compulsória também serão definidas por outros textos legais ou

normativos. Trata-se, portanto, o tipo penal do art. 269 do Código Penal de uma norma penal em

branco (em sentido lato ou estrito, dependendo da norma complementar utilizada).

AUTORIDADE COMPETENTE E DOENÇA DE NOTIFICAÇÃO COMPUL-

SÓRIA � CONSTAM EM LEIS OU REGULAMENTOS.

Bitencourt (2004, p.229) alerta que não só doenças infecto-contagiosas são de notifi-

cação compulsória, as doenças profissionais e aquelas produzidas por condições especiais de tra-

balho também deverão ser comunicadas às autoridades públicas competentes (art. 169 da CLT).

Art. 169 - Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude de

condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas

pelo Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

NÃO SÓ DOENÇAS INFECTO-CONTAGIOSAS SÃO DE COMUNICAÇÃO

OBRIGATÓRIA – DOENÇAS PROFISSIONAIS TAMBÉM DEVEM SER COMUNICA-

DAS – ART. 169 CLT.

O objeto material do crime é a notificação compulsória, que consiste na comunicação

obrigatória às autoridades de saúde que o médico precisa realizar quando toma conhecimento da

existência de doença em que ela for exigível. Na ausência de autoridades de saúde, a comunicação

deve ser feita para qualquer outra autoridade que tenha condições de acautelar a incolumidade

pública.

94

OBJETO MATERIAL � NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA.

O tipo penal do art. 269 do Código Penal é uma norma penal em branco que pode

ser em sentido lato (mesma fonte formal) ou em sentido estrito (fonte formal diversa), vez que o

Código não menciona quais são as doenças em que é obrigatória a notificação por parte do médi-

co, e nem qual é o prazo que ele tem para tomar as providências exigidas pelo artigo.

NORMA PENAL EM BRANCO (SENTIDO AMPLO OU SENTIDO ESTRI-

TO).

As principais legislações e atos normativos que apresentam rol de doenças de notifi-

cação compulsória são as seguintes: art. 7º da Lei n.º 6.259/75 (organização das ações de vigi-

lância epidemiológica; sobre o Programa Nacional de Imunizações; estabelece norma relativas à

notificação compulsória de doenças); Lei n.º 6.437/77; Decreto n.º 78.231/76 (regulamenta a Lei

n.º 6.259/75); e a Portaria do Ministério de Estado da Saúde n.º 1.100/96 (relaciona as doen-

ças de notificação compulsória). Apenas à título de exemplificação, apresentaremos a seguir o

texto da Portaria n.º 1.100/96:

“Art. 1º Para efeitos da disposição da Lei a. 6.259, de 30 de outubro de 1975, e de sua regulamentação, constituem

objeto de notificação compulsória as doenças a seguir relacionadas:

1 — Em todo o território nacional: cólera, coqueluche, dengue, difteria, doença meningocócica e outras meningites, doença

de Chagas (casos agudos), febre amarela, febre tifóide, hanseníase, leishmaniose tegumentar e visceral, oncocercose, peste,

poliomielite, raiva humana, rubéola e síndrome de rubéola congênita, sarampo, sífilis congênita, síndrome de imunodefici-

ência adquirida (Aids), tétano, tuberculose, varíola, hepatites virais.

II — Em áreas específicas: esquistossomose (exceto nos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,

Paraíba, Alagoas, Pernambuco e Sergipe), filariose (exceto Belém), malária (exceto na região da Amazônia Legal).

Art. 2º Outras doenças poderão ser consideradas de notificação compulsória, no âmbito da unidade federada que assim

as considere, mediante prévia justificativa, submetida ao Ministério da Saúde.

Art. 3º A sistemática referente ao fluxo da notificação, a investigação epidemiológica e às medidas de controle das doen-

ças medicadas obedecerá às normas estabelecidas pela Fundação Nacional de Saúde, consultados os órgãos competentes

do Ministério da Saúde”.

5 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O presente tipo penal somente pode ser praticado com dolo de perigo coletivo abs-

trato genérico e direto, pois se exige que o agente não queira notificar às autoridades sanitárias ou

de saúde a doença de notificação obrigatória no prazo determinado legalmente. Não há elemento

subjetivo especial ou específico, e o delito não pode ser realizado de forma culposa.

DOLO SEM FIM ESPECIAL / INEXISTE MODALIDADE CULPOSA

95

6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma com a não-notificação da doença à autoridade competente no

prazo definido por lei ou ato normativo. Inexistindo prazo pré-estabelecido, parte da doutrina

entende que o crime se consumará quando o médico realizar atos incompatíveis com o dever de

denunciar a doença de notificação compulsória existente (Damásio, 1999, p.339; e, Bitencourt,

2004, p.229).

CONS. � NÃO COMUNICAÇÃO DA DOENÇA NO PRAZO PREVISTO

NOS REGULAMENTOS / SE SILENCIAREM SOBRE O PRAZO, A CONSUMAÇÃO

OCORRE COM A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O MÉDICO NÃO COMUNICARÁ COM

AS AUTORIDADES.

Por ser crime omissivo próprio ou puro inexiste a possibilidade de ocorrência da

forma tentada.

CRIME OMISSIVO PURO � NÃO HÁ TENTATIVA.

7 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime de omissão de notificação de doença possui a seguinte classificação doutri-

nária: crime próprio (só pode ser praticado pelo médico); de perigo abstrato ou presumido

(não exige demonstração de perigo efetivo causado pela conduta do agente, exigindo-se apenas a

sua não-realização)8; omissivo próprio ou puro (o crime se configura com a ausência de conduta

do agente. O verbo núcleo é “deixar”); mera conduta (basta a não-realização da conduta para o

delito se consumar, inexistindo previsão de qualquer resultado naturalístico); perigo coletivo

(expõe a perigo um número indeterminado de pessoas); unissubsistente (crime praticado em

um único ato); de forma vinculada (somente realizável na exata forma definida pelo tipo penal,

que é a “omissão da notificação da doença à autoridade competente”); instantâneo (a consuma-

ção ocorre no momento em que o prazo para notificar encerra). Guilherme Nucci (2003, p.753) e

Bitencourt (2004, p.230) também classificam o delito como unissubsistente por entenderem que

o tipo penal só pode ser cometido por um único sujeito ativo, “deixar o médico de denunciar (...)”.

8 PENA E AÇÃO PENAL.

8 Rogério Greco (2010, p.730) classifica o delito como de perigo concreto.

96

A pena deste delito é cumulativa: privativa de liberdade de detenção, de 06 (seis) me-

ses a 2 (dois) anos; e multa. Aplica-se ao tipo o disposto nos artigos 60, 61 e 89 da Lei n.º

9.099/95. Serão aplicadas as causas especiais de aumento de pena previstas no art. 258 do CP,

conforme prevê o art. 285. A ação penal é pública incondicionada.

9 QUESTÃO RELEVANTE.

Como vimos no tipo penal do artigo 269 do Código Penal, o médico é obrigado a

notificar a existência de determinadas doenças à autoridade competente, em virtude da exigência

legal. Quando se estuda este delito, surge a dúvida se ele não estaria com conflito com o tipo pe-

nal do art. 154 do Código Penal (violação de segredo profissional). A doutrina pátria é unânime

em afirmar que não, vez que a descrição típica deste artigo fala em revelação do segredo “sem

justa causa” (elemento normativo). Em face da obrigatoriedade da notificação estará afastado o

elemento normativo e o médico em conseqüência não pratica o delito.

O MÉDICO NÃO QUEBRARÁ O SIGILO PROFISSIONAL, POIS TERÁ

“JUSTA CAUSA” P/ INFORMAR À AUTORIDADE SOBRE A DOENÇA

Damásio (1999, p.339) faz interessante observação sobre a exclusão de determinada

doença do rol de notificação compulsória, e analisa a situação quando a lei for excepcional ou

temporária e quando ela possuir prazo indeterminado, vejamos: “Excluída a doença do rol de notifica-

ção compulsória, tendo sido incluída por razões excepcionais ou temporárias (CP, art. 3º) não se aplica a retroati-

vidade benéfica. Na hipótese, entretanto, de a doença fazer parte do elenco complementar por motivo que não excep-

cional ou temporário, o caso é de retroatividade benéfica (CP, art. 2º)”.

QUESTÃO DA RETROATIVIDADE � APLICA-SE AS REGRAS DA PARTE

GERAL, INCLUSIVE EM RELAÇÃO ÀS LEIS TEMPORÁRIAS OU EXCEPCIONAIS.

10 JURISPRUDÊNCIA

“Omissão de notificação de doença – Febre Tifóide – Imputação a farmacêutico – “A denúncia à autoridade públi-

ca de doença cuja notificação é compulsória só é exigível do médico e não também do farmacêutico” (TACRIM-SP

– AC – Rel. Rafael Granato – RT 492/355).

“Desobediência – Delito caracterizado em tese – Médico que, em nome do sigilo profissional, se recusa a fornecer esclare-

cimento à Justiça, acerca de crime de que fora vítima a sua paciente – Inquérito, entretanto, instaurado por solicitação desta – Ausência,

pois, de constrangimento ilegal – “Habeas corpus” – Denegado – Inteligência dos arts. 330, 269 e 154 do CP – “O dever de guar-

dar segredo profissional não é absoluto. O que a lei proíbe é a revelação ilegal, a que tenha por móvel a simples levi-

andade, a jactância, a maldade” (TJSP – HC – Rel. Márcio Bonillha – RT 515/316).

97

Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou

medicinal

Art. 270. Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou

substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.

§ 1º. Está sujeito à mesma pena quem entrega a consumo ou tem

em depósito, para o fim de ser distribuída, água ou a substância envenena-

da.

Modalidade culposa

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública, vinculada especificamente à saú-

de pública. Entende-se por saúde pública a proteção da incolumidade corporal e física de um

número indeterminado de pessoas.

BEM JURÍDICO: INCOLUMIDADE PÚBLICA (SAÚDE PÚBLICA).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este

bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal dispõe de três modalidades típicas. No caput o legislador descreve a

conduta básica dolosa, que consiste no envenenamento de água comum ou particular ou de subs-

tância alimentícia ou de substância medicinal destinadas ao consumo de um número indetermi-

nado de pessoas. O parágrafo primeiro traz um tipo penal equiparado ao caput, descrevendo a

conduta daquele que entrega a consumo ou mantém em depósito para distribuição os mesmos

objetos materiais. Por fim, o parágrafo segundo descreve a modalidade culposa da conduta.

98

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tratando-se de delito comum. Também po-

de ser autor do delito o proprietário da água potável ou das substâncias destinadas ao consumo.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM.

O sujeito passivo é a sociedade ou a coletividade. Desta forma o presente delito pode

ser classificado como crime de sujeito passivo vago, pois tem como sujeito passivo entidade que

não possui personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela

conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

A conduta típica prevista é “envenenar” que significa ministrar veneno ou intoxicar

por meio de veneno. A conduta indica um comportamento comissivo e também omissivo im-

próprio. Veneno é definido no léxico como substância que, ingerida ou aplicada a um corpo vivo, prejudi-

ca ou destrói as suas funções vitais. Genival Veloso de França (apud Rogério Greco, 2010, p.732) assim

trata a respeito de veneno: “a) quanto a estado físico: líquidos, sódios e gasosos; b) quanto à origem: animal,

vegetal, mineral e sintético; c) quanto às funções químicas: óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas); hidro-

carbonetos, alcoóis, acetonas e aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres animais, aminoácidos, carboidratos e alcalóides

(funções orgânicas); d) quanto ao uso: doméstico, agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente

ditos.

VERBO NÚCLEO DO TIPO: ENVENENAR.

O tipo penal tem como objetos materiais: a água potável, a substância alimentícia e a

substância medicinal. Água potável é a que está pronta para beber, sem risco à saúde. Se o agente

não a envenena, mas torna a água imprópria para o consumo estará realizando o tipo penal do

art. 271 (corrupção ou poluição de água potável). A água potável que se refere o artigo pode ser

de uso comum que é aquela destinada ao consumo de um número indeterminado de pessoas

(p.ex.: lagos, rios, reservatório público) ou de uso particular que é o reservatório de uso particu-

lar (p.ex.: poço artesiano de uma casa ou fazenda). O segundo objeto material descrito no tipo

penal é a substância alimentícia, que consiste em toda matéria ou substância, sólida ou líquida, que se

destina a suprir as necessidades biológicas do organismo. Por fim, o tipo também fala de substân-

cia medicinal que tem por objeto a cura ou prevenção de doenças no organismo humano. As subs-

99

tâncias alimentícias e medicinais são destinadas para o consumo de um número indeterminado de

pessoas e coisas.

ENVENENAR � POR VENENO (SUBSTÂNCIA CAPAZ DE DESTRUIR

FUNÇÕES VITAIS) – ÁGUA DEVE SER POTÁVEL DE PROPRIEDADE PARTICULAR

OU PÚBLICA.

SUBSTÂNCIA ALIMENTÍCIA � DESTINADA A ALIMENTAÇÃO.

SUBSTÂNCIA MEDICINAL � SERVE PARA CURA OU PREVENÇÃO DE

DOENÇAS.

Por ser crime que deixa vestígios é obrigatório o exame de corpo de delito para ates-

tar a natureza envenenante do veneno utilizado (art. 158 do Código de Processo Penal). Nelson

Hungria (1959, p.108) afirma que não é necessária a natureza mortal do veneno, bastando que ele

tenha potencial para fazer mal a saúde do ser humano.

A ÁGUA POTÁVEL E AS SUBSTÂNCIAS DEVEM SER DE USO COMUM /

VENENO DEVE SER PERICIADO.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não possui nenhum elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

A conduta do caput é praticada com dolo de perigo coletivo e concreto ou abstrato

genérico, direto ou eventual. O significa que o agente tem a intenção genérica de expor a perigo

concreto um número indeterminado de pessoas. O agente também pode agir assumindo o risco

de produzir o resultado, não tendo a intenção direta de expor a perigo concreto ou abstrato um

número indeterminado de pessoas.

CRIME DOLOSO – DOLO DE PERIGO CONCRETO E COLETIVO – GE-

NÉRICO E DIRETO OU EVENTUAL

No parágrafo primeiro, o tipo penal prevê um elemento subjetivo especial ou especí-

fico compreendido na descrição típica “para o fim de ser distribuída”. Desta forma trata-se de delito

de tendência, pois o agente age com um fim especial não compreendido na sua vontade genérica.

DOLO ESPECÍFICO – DELITO DE TENDÊNCIA �FINALIDADE DE DIS-

TRIBUIR AO PÚBLICO A SUBSTÂNCIA ENVENENADA.

100

Se a intenção do agente era a de matar, responderá pelo crime do art. 121, § 2º, III do

Código Penal (homicídio qualificado pelo emprego de veneno).

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma com a causação do perigo concreto para um número indetermi-

nado de pessoas criado pelo envenenamento da água potável, substância alimentícia ou substân-

cia medicinal. Posicionamento contrário ao nosso é trazido por Damásio (1999, p.343) e Biten-

court (2004, p.233) que entendem que o crime se consuma no momento em que os objetos mate-

riais são envenenados, independentemente de serem consumidos. Estes autores entendem que o

delito é de perigo abstrato.

POSIÇÃO MAJORITÁRIA: CONSUMAÇÃO COM O ENVENENAMENTO

DA SUBSTÂNCIA, INDEPENDENTEMENTE DO CONSUMO (PERIGO ABSTRATO E

FORMAL).

POSIÇÃO MINORITÁRIA: CONSUMAÇÃO COM A CRIAÇÃO DO PERIGO

PARA UM NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS (PERIGO CONCRETO E MA-

TERIAL).

A tentativa é perfeitamente admissível nas formas do caput e do parágrafo primeiro

que descreveremos mais adiante.

ADMITE-SE TENTATIVA.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O tipo penal possui as seguintes classificações: crime comum (qualquer pessoa pode

ser sujeito ativo); formal (a maior parte da doutrina entende que o crime se consuma com o en-

venenamento do objeto material independentemente do resultado que é a causação do dano pelo

consumo do veneno) ou material (posição que adotamos, que entende que é necessária a criação

do perigo efetivo para um número indeterminado de pessoas para se consumar); de forma livre

(admite qualquer forma de execução); perigo coletivo (expõe a perigo a saúde pública, bem jurí-

dico atinente a um número indeterminado de pessoas); perigo abstrato (para aqueles autores que

entendem que basta introduzir o veneno na água potável ou substância destinada ao consumo

independentemente de comprovação do perigo) ou perigo concreto (para quem defende a ne-

cessidade de comprovação do perigo efetivo para um número indeterminado de pessoas com a

realização da conduta); instantâneo (consuma-se imediatamente com a prática da conduta ou

101

com o resultado causado) e permanente (na modalidade “ter em depósito” prevista no § 1º do

artigo); comissivo (delito de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de

garante – art. 13, § 2º do Código Penal, se entender que o crime é material); plurissubsistente (a

conduta é realizada por meio de vários atos) ou unissubsistente (quando praticado em um único

ato, entendimento de Guilherme Nucci, 2003, p.754); unissubjetivo (basta apenas um agente

para fazê-lo); e não transeunte (é crime que deixa vestígios).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 TIPO PENAL DOLOSO EQUIPARADO (§ 1º).

Responderá pela mesma sanção prevista no caput, o agente que entrega ao consumo a

título oneroso ou gratuito ou mantém em depósito para ser distribuída (colocada no mercado

consumidor) a água potável envenenada ou as substâncias alimentícias ou medicinais envenena-

das.

RESPONDE PELAS PENAS DO CAPUT, QUEM ENTREGA A CONSUMO

OU MANTÉM EM DEPÓSITO A ÁGUA POTÁVEL OU AS SUBSTÂNCIAS JÁ DESCRI-

TAS.

Se o sujeito envenena a água ou substância e, depois a entrega a consumo, responde

apenas pela primeira conduta em virtude do princípio da consunção (a segunda conduta é exau-

rimento impunível).

SE O ENVENAMENTO DA ÁGUA OU DA SUBSTÂNCIA É REALIZADO

PELO AGENTE P/ DEPOIS ENTREGAR, A 2ª CONDUTA SERÁ IMPUNÍVEL.

9.2 FORMA CULPOSA (§ 2º).

O agente que envenena a água potável ou a substância alimentícia ou medicinal em

decorrência de uma conduta com inobservância do dever objetivo de cuidado (imprudência, ne-

gligência ou imperícia) responderá pelo envenenamento na forma culposa.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

As penas no caput e no parágrafo primeiro será reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) a-

nos. No parágrafo segundo que é modalidade culposa o agente responderá pela pena de detenção

102

de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Aplica-se ao parágrafo segundo as disposições dos artigos 60, 61

e 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

A prescrição da pretensão punitiva na modalidade “ter em depósito”, prevista no pa-

rágrafo primeiro do artigo, só começará a correr da data em que cessar a permanência, ou seja,

quando terminar o depósito da substância ou água envenenada (CP, art. 111, III).

PRESCRIÇÃO COMEÇA A CORRER SÓ QUANDO CESSAR O DEPÓSITO.

Guilherme de Souza Nucci (2003, p.754-755) destaca que o delito do artigo em co-

mento não é mais considerado como crime hediondo como ocorria na redação original da Lei n.º

8.072/90:

“ (...) a Lei 8.072/90 inclui-o na relação dos delitos hediondos, embora, com o advento da Lei n.º 8.930/94, tenha

sido este artigo retirado desse rol. A despeito disso, em se tratando de crime de perigo abstrato – que não depende de prova de existência

efetiva do perigo, que é presumido pela lei -, possui pena excessivamente elevada. Imagine-se a conduta de alguém que envenene uma fonte

de propriedade particular, com raríssimo acesso de alguém ao local: poderia ser processado pela prática de envenenamento de água potável,

ainda que não tivesse havido perigo concreto para qualquer pessoa, recebendo, no mínimo, dez anos de reclusão”.

Apenas a título de ilustração é relevante destacar em relação ao comentário do autor

acima, que da mesma maneira que o agente poderia envenenar uma fonte de água que ninguém

teria acesso, o agente também pode envenenar o reservatório de água que abastece toda uma ci-

dade, criando uma forte situação de perigo. Acrescente-se a isto, para solucionar tal problema

apontado pelo autor, entendemos que o crime é de perigo concreto, portanto, não basta que a

água o substância sejam envenenadas, é preciso que um número indeterminado de pessoas seja

exposto a risco efetivo de lesão.

Aplica-se a prisão temporária prevista no art. 1º, III, “j”, da Lei n.º 7.960/1989.

Rogério Greco (2010, p.733) comenta que não houve revogação tácita da primeira

parte do caput do art. 270 e do parágrafo primeiro do art. 270 pelo art. 54, da Lei n.º 9.605/98,

por entender que envenenar compreende um juízo maior de reprovação do que poluir.

12 JURISPRUDÊNCIA.

“O conceito de potabilidade para os fins do art. 270 do CP é relativo e dado em função do uso que as

populações fazem da água” (TRF – AC. 6.710 – Rel. Dias Trindade – JTRF-Lex 59/318).

“O objeto da tutela jurídica no delito do art. 270 do CP é a saúde pública, que se protege contra o pe-

rigo de envenenamento. O crime que se consuma independentemente do resultado só se aperfeiçoa quando o perigo

103

atinge a vida ou a saúde de um número indefinido de pessoas, não apenas um número limitado delas” (TJSP – AC. –

Rel. Humberto da Nova – RT 453/355).

“Envenenamento de substância alimentícia – Leite – “Assim como o envenenamento de uma fonte de água,

do uso público pode acarretar o perigo comum, justificando a punição, também a fonte animal de produtos alimentí-

cios, quando envenenada, reclama igual repressão. O que predomina no enquadramento penal é o sentido mais alto

da proteção da saúde pública” (TJSP – AC – Rel. Martins Ferreira – RT 270/136).

Apesar de se tratar de poço situado em propriedade particular, verifica-se que o consumo da água era

destinado a todos os que a ele tinha acesso, de modo que eventual envenenamento dessa água configuraria, em tese,

o crime do art. 270 do Código Penal, cuja ação penal é pública incondicionada, nos termos do art. 100 do Código

Penal (STJ, Processo 200600449378, HC/PI, Rel.ª Laurita Vaz, pub. 7/2/2008).

Corrupção ou poluição de água potável

Art. 271. Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou par-

ticular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Modalidade culposa

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou

produtos alimentícios

Art. 272. Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou

produtos alimentícios destinado a consumo, tornando-o nocivo à saúde ou

reduzindo-lhe o valor nutritivo:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º-A. Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à

venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distri-

bui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado,

corrompido ou adulterado.

104

§ 1º. Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas

neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico.

Modalidade culposa

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO. ANTECEDENTES LE-

GISLATIVOS.

O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente rela-

cionada à saúde pública. Entende-se por saúde pública a proteção da incolumidade corporal e

física de um número indeterminado de pessoas. Delmanto (1991, p.420) também entende que

indiretamente o patrimônio da coletividade pode ser lesionado em face da conduta do agente.

BEM JURÍDICO: INCOLUMIDADE PÚBLICA (SAÚDE PÚBLICA).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este

bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

A tutela penal dos gêneros alimentícios antes do Código Penal vigente, era

disciplinada pelo Decreto n.º 22.756/33 que modificou o texto do Código de 1890 e o Decreto

n.º 19.604/3 (Nelson Hungria:1959:111).

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal do artigo 272 contém quatro figuras típicas diversas. No caput há a pre-

visão da forma básica dolosa quando o agente pratica condutas dirigidas às substâncias alimentí-

cias destinadas ao consumo, tornando-as maléficas à saúde ou diminuindo seu valor nutritivo. O

§ 1º-A traz um tipo penal doloso equiparado ao do caput prevendo outras modalidades de condu-

tas não abrangidas por ele. O § 1º também descreve um tipo penal doloso equiparado ao do caput,

mas protege especificamente aqui, as bebidas com ou sem teor alcoólico. Finalmente, no § 2º o

legislador fez previsão da conduta típica culposa.

105

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), independentemente de e-

xercer função comercial, agrícola ou industrial. Sujeito passivo é coletividade ou a sociedade, tra-

ta-se, portanto, crime de sujeito passivo vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica.

Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

SA � QUALQUER PESSOA / SP � COLETIVIDADE.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O crime do art. 272 no seu caput é um tipo penal misto ou de conteúdo variado alter-

nativo (independentemente da quantidade de condutas realizadas pelo agente, ele responderá uma

única vez pelo delito), pois prevê quatro verbos núcleos. Estas condutas descritas são: corromper

(estragar, tornar podre); adulterar (contrafazer, deformar ou deturpar para pior); falsificar (imitar

fraudulentamente, modificar para iludir); e, alterar (mudar, modificar, transformar).

VERBOS NÚCLEOS � CORROMPER (ESTRAGAR) / ADULTERAR (MO-

DIFICAR) / FALSIFICAR (IMITAR) / ALTERAR (MODIFICAR).

Damásio (1999, p.350) afirma que os núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser

cometidos de forma comissiva ou omissiva própria, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocor-

rer comissivamente. Ele nada diz sobre o verbo alterar. Concordamos com o autor que o verbo

“corromper”, por também ter o sentido de estragar, pode ser praticado comissivamente, porém,

na forma omissiva, só na imprópria. Entretanto, em relação a “adulterar” e “alterar”, acreditamos

que ocorre comissivamente ou na forma omissiva imprópria, desde que o agente tenha a função

de garante. Na modalidade omissiva própria estas condutas não seriam possíveis.

DAMÁSIO DE JESUS: - CORROMPER E ADULTERAR � COMISSIVO OU

OMISSIVO PRÓPRIO / - FALSIFICAR � SÓ COMISSIVO

O objeto material do delito é “a substância ou produto alimentício destinado a con-

sumo”. Estas substâncias e produtos são aqueles cujo objetivo é nutrir o organismo de um núme-

ro indeterminado de pessoas. Porém, não é suficiente que a substância ou produto alimentícios

sofram as condutas previstas no tipo, é fundamental que se transformem em substâncias nocivas

à saúde da coletividade. Guilherme Nucci (2003, p.757) define substâncias ou produtos nocivos

à saúde: “significa algo prejudicial às normais funções orgânicas, físicas e mentais. Destaque-se que a nocividade à

saúde não diz respeito às condutas típicas, mas sim ao produto alimentício destinado a consumo, de modo que este

106

somente se torna objeto do crime quando for prejudicial às funções orgânicas, físicas e mentais, do ser humano.

Delmanto (1991, p.420) também entende que só haverá o delito, se a substância for efetivamente

nociva, caso contrário, não.

OBJETO MATERIAL: SUBSTÂNCIA OU PRODUTO ALIMENTÍFICO DES-

TINADO AO CONSUMO DE UM NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS.

O OBJETO MATERIAL TAMBÉM PRECISA SER NOCIVO À SÁUDE DESTE

NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS.

Além de substâncias nocivas à saúde, o crime também se configura com a redução do

valor nutritivo dos alimentos. Redução do valor nutritivo é a perda das propriedades existentes na

substância ou produto que servem para alimentar, sustentar e satisfazer as necessidades vitais do

indivíduo que são obtidas por meio destes bens de consumo.

Por ser delito de perigo coletivo, é imprescindível, que o produto ou as substâncias

alimentícias sejam destinados ao consumo de um número indeterminado de pessoas.

SUBSTÂNCIA DEVE SER DESTINADA AO CONSUMO DE VÁRIAS PES-

SOAS – PERIGO COLETIVO.

Se a corrupção, alteração, adulteração ou falsificação forem dirigidas à produtos ali-

mentícios de uma ou pessoas determinadas, o crime praticado pelo agente não será este do art.

272, mas sim o crime de perigo para vida ou saúde de outrem, descrito no art. 132 do Código

Penal.

UMA OU POUCAS PESSOAS VISADAS PELO AGENTE � ART. 132 (PERI-

GO P/ VIDA OU SAÚDE DE OUTREM)

Por ser crime que deixa vestígios a nocividade ou a perda do valor nutritivo do ali-

mento deve ser verificada pericialmente (art. 158 do Código de Processo Penal).

NOCIVIDADE DEVE SER COMPROVADA PERICIALMENTE.

As modalidades equiparadas dos §§ 1º-A e 1º serão analisadas no item relativo às

modalidades derivadas.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O presente tipo penal do art. 272 não possui elementos normativos.

6 ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO.

107

A conduta do caput é praticada com dolo de perigo coletivo e concreto ou abstrato

genérico, direto ou eventual. O significa que o agente tem a intenção genérica de expor a perigo

concreto um número indeterminado de pessoas. O agente também pode agir assumindo o risco

de produzir o resultado, não tendo a intenção direta de expor a perigo concreto ou abstrato um

número indeterminado de pessoas.

DOLO DE PERIGO COLETIVO E CONCRETO – GENÉRICO – DIRETO

OU EVENTUAL.

Na modalidade “ter em depósito para vender” do § 1º-A, existe um elemento subje-

tivo especial, que é a finalidade do agente guardar a coisa com o fim de vendê-la. Por conter este

elemento subjetivo especial ou específico o tipo do § 1º-A é definido como crime de tendência.

ELEM. SUBJ. ESPECIAL � TER EM DEPÓSITO P/ VENDER. .

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime do art. 272 do Código Penal se consuma com a criação do perigo concreto

para um número indeterminado de pessoas, em face da conduta praticada pelo sujeito ativo (cor-

romper, adulterar, falsificar e alterar). Desta forma, é necessária a demonstração e causação do

perigo, entendemos ser o crime material.

CONSUMAÇÃO: CAUSAÇÃO DO PERIGO CONCRETO PARA UM NÚME-

RO INDETERMINADO DE PESSOAS.

É mister esclarecer que este entendimento não é uniforme na doutrina, pois Gui-

lherme Nucci (2003, p.757) classifica este delito como sendo de perigo abstrato (não precisa ser

demonstrado) e formal (o resultado que é dano à saúde está previsto, mas não é necessário ocor-

rer). Discordamos, entretanto, desse autor, em virtude da compreensão de que a nocividade e a

perda do valor nutritivo dos alimentos têm que ser demonstrados pericialmente, e por que as

condutas realizadas têm que gerar um perigo concreto e efetivo para um número indeterminado

de pessoas. A simples prática de qualquer das condutas seria insuficiente para a consumação do

delito. Admite-se em todas as formas a tentativa.

ADMITE-SE A TENTATIVA.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O delito do art. 272 do Código Penal é classificado como: crime comum (qualquer

pessoa pode realizá-lo); material (para aqueles que entendem que o resultado perigo concreto

108

precisa ocorrer para se consumar) ou formal (para os autores que defendem que o resultado que

é o dano à saúde de um número indeterminado de pessoas, não é exigido para a consumação do

delito); perigo concreto (majoritária – o perigo ao bem jurídico tem que ser comprovado) ou

perigo abstrato (minoritária – não exige a comprovação do perigo, sendo necessária apenas a

realização da conduta); perigo coletivo (tem que expor a risco o número indeterminado de pes-

soas); conteúdo variado alternativo (prevê mais de uma forma de praticar, respondendo o a-

gente uma única vez, independentemente de quantas condutas realize); instantâneo (a consuma-

ção ocorre no momento da realização da produção do perigo) e permanente (nas modalidades

“exposição à venda” e “manter em depósito” previstas no § 1º-A); comissivo (delito de ação) e

omissivo próprio (para Damásio, o verbo “corromper” descrito no caput também pode ser reali-

zada por uma ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art.

13, § 2º do Código Penal, se considerar o delito como material); forma livre (admite qualquer

forma de execução); plurissubsistente (a conduta é praticada por meio de vários atos); unissub-

jetivo (exige-se uma única pessoa para a realizar qualquer das condutas típicas previstas); não

transeunte (é crime que deixa vestígios)

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 FORMA EQUIPARADA (§ 1º-A).

O § 1º-A traz uma figura típica equiparada ao caput, pois prevê as mesmas penas que

a ele foram cominadas quando o agente: “fabricar” (fazer, manufaturar), “vender” (alienar, ceder

por preço correspondente), “expõe à venda” (oferecer ou manter em exposição para vender),

“tem em depósito para vender” (guardar, estocar com a finalidade de vender); “distribuir” (espa-

lhar, repartir), “entregar a consumo” (oferecer ao mercado consumidor a título oneroso ou gra-

tuito).

CONDUTAS TÍPICAS: FABRICAR, VENDER, EXPOR À VENDA, TER EM

DEPÓSITO PARA VENDER, DISTRIBUIR, ENTREGAR A CONSUMO (ONEROSO OU

GRATUITO).

O objeto material descrito é a “substância ou produto falsificado, corrompido ou a-

dulterado”, isto é, os mesmos bens descritos no caput do artigo.

OBJETO MATERIAL: SUBSTÂNCIA OU PRODUTO – FALSIFICADO /

CORROMPIDO / ADULTERADO.

Este parágrafo foi inserido pela Lei n.º 9.677/98.

109

9.2 FORMA EQUIPARADA (§ 1º).

Outra norma equiparada à figura típica do caput também inserida pela Lei n.º

9.677/98. O legislador neste parágrafo prevê as mesmas modalidades de conduta, apenas diferen-

ciando o objeto material do delito, que são as bebidas alcoólicas ou não alcoólicas. Entendemos

que o objetivo para a elaboração desta figura típica, foi o de coibir a falsificação principalmente

de bebidas alcoólicas, que é uma prática absolutamente comum em nosso país (p.ex.: falsificação

de whisky, vodca e etc.).

PARÁGRAFO INSERIDO PELA LEI N. 9677/98 � ESPECIALIZAÇÃO DO

DELITO EM RELAÇÃO ÀS BEBIDAS ALCOÓLICAS E NÃO-ALCOÓLICAS.

9.3 FORMA CULPOSA (§ 2º).

O crime do art. 272, § 2º do Código Penal também é punido a título de culpa (inob-

servância do dever objetivo de cuidado por negligência, imprudência e imperícia), seja nas moda-

lidades previstas no caput (exceto “falsificar”), naquelas do § 1º-A (exceto “fabricar”) ou do § 1º.

Damásio de Jesus (1999, p.351-352) faz uma interessante observação sobre a realiza-

ção da conduta culposa em relação aos chamados “alimentos enlatados”: “Às vezes, tal verificação

torna-se impossível de ser feita. Exemplo disso é a venda de enlatados. Obviamente, o comerciante não pode, ao

receber tal mercadoria, abrir as embalagens para verificar o estado no qual se encontram os produtos nelas contidos.

Nesta hipótese, não se poderá falar de culpa de quem vende o produto alterado, uma vez que a abertura das emba-

lagens inutilizaria a mercadoria para venda. Mas a responsabilidade do industrial, fabricante de substâncias ven-

didas em invólucros fechados, poderá estar caracterizada, se presentes as demais elementares da figura típica dolo-

sa”.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

O tipo penal prevê as mesmas penas para o caput, § 1º-A e § 1º do art. 272 do CP. A

pena é cumulativa de reclusão, de quatro a oito anos, e multa. Na modalidade culposa a pena é

cumulativa de detenção, de um a dois anos, e multa (§ 2º). Aplicam-se a este dispositivo, os arti-

gos 60, 61 e 89 da Lei n.º 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

110

11 QUESTÕES RELEVANTES.

Guilherme Nucci (2003, p.757) faz uma observação importante sobre a despropor-

cionalidade da pena prevista para aquele que torna a substância ou o produto nocivo para o con-

sumo e aquele que diminui o valor nutritivo do alimento, in verbis: “o tipo penal prevê punição, idêntica

para aquele que torna prejudicial à saúde a substância alimentícia e para quem apenas lhe diminui o valor nutriti-

vo, embora, neste último caso, possa não existir, em grande parte das vezes, qualquer perigo imediato e razoável

para a saúde. Aliás, tal modificação, introduzida pela Lei 9.677/98, também alterou a pena, que era de reclu-

são, de dois a seis anos, e multa, para reclusão, de quatro a oito anos, mantendo-se a multa”.

Quem falsifica e vende o produto, responderá apenas pela conduta descrita no caput

do artigo em decorrência da aplicação do princípio da consunção, pois o bem jurídico já foi lesio-

nado com a primeira conduta, tornando-se a segunda um post factum impunível (exaurimento).

Se não configurar crime de perigo comum, o agente poderá responder pelas figuras

típicas do art. 2º, incisos III e V da Lei n.º 1.521/51 (crimes contra a economia popular).

Art. 2º da Lei n.º 1.521/51. “São crimes desta natureza: III - expor à venda ou vender mercadoria ou

produto alimentício, cujo fabrico haja desatendido a determinações oficiais, quanto ao peso e composição; V - mistu-

rar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, expô-los à venda ou vendê-los, como puros; misturar gêneros e

mercadorias de qualidades desiguais para expô-los à venda ou vendê-los por preço marcado para os de mais alto

custo; (...)”.

12 JURISPRUDÊNCIA.

“O bromato de potássio adicionado em pequena quantidade à massa crua do pão não o torna nocivo à

saúde” (TJSP – AC. 38.682-3 – Rel. Cunha Bueno – RT 600/3007).

“O dolo do agente, em crimes tais, além da vontade dirigida a qualquer de tais ações (corromper, adul-

terar, falsificar) deve compreender a ciência e consciência das referidas destinação e nocividade” (TJSP – Rev. – Rel.

Onei Raphael – RJTSP 14/481).

“O delito do art. 272, § 1º, do CP consuma-se com o ato da venda, e não com a entrega do produto

deteriorado, sendo, pois, dispensável a tradição da coisa; assim, é competente para julgamento do delito a Justiça do

lugar em que se completou a venda” (TJSP – AC – Rel. Dantas de Freitas – RF 230/350).

“Para configuração do delito do art. 272 do CP/40, é de fundamental importância saber-se qual a

quantidade de bromato de potássio que foi encontrada na massa do pão colhida para amostra, para exame pericial.

Muito embora seja ele crime de perigo presumido ou abstrato, não se presume a nocividade positiva da substância,

que será sempre constatada através de perícia” (TJSP – AC – Rel. Cid Vieira – RT 598/296).

111

“Inadmissível a alegação de insuficiência de prova quando o próprio réu admitiu incluir substância lí-

quida em gomas de mascar, adulterando, por conseguinte, sua composição original, sendo que tal ato foi presenciado

por testemunhas, e, ainda, laudo pericial a confirmar a presença de substância química tóxica no alimento apreendi-

do” (TJSP – Ap. 177.637-3/5 – Rel. Franganiello Maierovich – RT 737/591).

“Adulteração de substância alimentícia. Descaracterização – Impropriedade do produto para consumo

que, por si só, não tipifica o delito – Necessidade de comprovação pericial da nocividade à saúde – Absolvição decre-

tada por falta desse elemento típico – Inteligência do art. 272 do CP (TJSP) (RT632, p.282).

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto desti-

nado a fins terapêuticos ou medicinais

Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto desti-

nado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à

venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou en-

trega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado

§ 1º-A. Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os

medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméti-

cos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações

previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condi-

ções:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária

competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no

inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas

para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

112

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sa-

nitária competente.

Modalidade culposa

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente rela-

cionada à saúde pública. Entende-se por saúde pública a proteção da incolumidade corporal,

mental e física de um número indeterminado de pessoas. É relevante destacar que todo o art. 273

do CP foi alterado pela Lei n.º 9.677/98.

BEM JURÍDICO: INCOLUMIDADE PÚBLICA (SAÚDE PÚBLICA).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este

bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O delito do art. 273 do Código Penal se divide em cinco modalidades típicas diferen-

tes. O caput traz a figura básica dolosa, que consiste na falsificação, corrupção, adulteração e alte-

ração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. No § 1º o legislador prescreve uma

forma dolosa equiparada à do caput para o agente que importa, venda, expõe à venda, tem depósi-

to para vender, distribui ou entrega para o consumo qualquer um dos objetos materiais da figura

anterior. O § 1º-A é um norma penal explicativa, na qual o legislador define o que são produtos

para fins terapêuticos e medicinais. O § 1º-B traz um figura penal equiparada à do § 1º, para outro

rol de produtos não previstos naquele tipo penal. Por fim, o § 2º prevê a modalidade culposa,

quando o agente realiza a conduta com inobservância do dever objetivo de cuidado.

3 SUJEITOS DO DELITO.

113

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), independentemente da

condição de fabricante ou comerciante de medicamentos ou substâncias análogas.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM.

COMERCIANTE E INDUSTRIAL EM REGRA PRATICAM O DELITO, MAS

O TIPO PENAL NÃO EXIGE ESSA CONDIÇÃO TÍPICA / O EMPREGADO TAMBÉM

PODE RESPONDER EM CONCURSO DE AGENTES COM AQUELES.

O sujeito passivo é coletividade ou a sociedade, trata-se, portanto, crime de sujeito

passivo vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa

eventualmente atingida pela conduta do agente.

SP � COLETIVIDADE – CRIME DE SUJEITO PASSIVO VAGO.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O crime do art. 273 no seu caput é um tipo penal misto ou de conteúdo variado alter-

nativo (independentemente da quantidade de condutas realizadas pelo agente, ele responderá uma

única vez pelo delito), pois prevê quatro verbos núcleos. As condutas descritas pelo dispositivo

legal são: falsificar (imitar fraudulentamente, modificar para iludir); corromper (estragar, tornar

podre); adulterar (contrafazer ou deturpar para pior); e, alterar (modificar, transformar).

VERBOS NÚCLEOS DO TIPO � FALSIFICAR (IMITAR) /CORROMPER

(ESTRAGAR) / ADULTERAR (MODIFICAR) / ALTERAR (MODIFICAR).

Damásio (1999, p.350) afirma que os núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser

cometidos de forma comissiva ou omissiva prórpio, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocor-

rer comissivamente. Ele nada diz sobre o verbo alterar. Concordamos com o autor que o verbo

“corromper”, por também ter o sentido de estragar, pode ser praticado comissiva, mas, a forma

omissiva somente é comissiva por omissão. Entretanto, em relação a “adulterar” e “alterar”, a-

creditamos que ocorre comissivamente ou de forma omissiva imprópria, desde que o agente te-

nha a função de garante. De maneira omissiva própria estas condutas não seria possíveis.

DAMÁSIO DE JESUS: - CORROMPER E ADULTERAR � COMISSIVO OU

OMISSIVO / - FALSIFICAR � SÓ COMISSIVO

O objeto material do delito é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

O referido produto consiste em toda substância, líquida ou sólida, que tem como finalidade o

alívio da dor, tratamento, cura ou a prevenção de doenças ou enfermidades.

OBJETO MATERIAL: PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS

114

OU MEDICINAIS.

Bitencourt (2004, p.243) citando Heleno Cláudio Fragoso afirma que o produto para

fins medicinais e terapêuticos têm uma “nocividade negativa”. Para trazer mais claramente tal

idéia reproduziremos os comentários do autor sobre esta questão: “Heleno Fragoso observava, a res-

peito desse artigo, que nele se prevê a nocividade negativa, ou seja, alteração que, sem tornar a substância nociva à

saúde, prejudica seu valor nutritivo ou terapêutico: ao contrário da nocividade positiva, que é a introdução no remé-

dio de substância alimentícia ou medicinal nociva”.

NOCIVIDADE NEGATIVA: É A MODIFICAÇÃO QUE SEM TORNAR A

SUBSTÂNCIA NOCIVA À SAÚDE, PREJUDICA SEU VALOR NUTRITIVO OU TERA-

PÊUTICO.

Por ser crime que deixa vestígios a nocividade deve ser verificada pericialmente (art.

158 do Código de Processo Penal).

NOCIVIDADE DEVE SER COMPROVADA PERICIALMENTE.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

Os elementos normativos são previstos no § 1º-B deste artigo. Deixaremos para tecer

os comentários necessários sobre estas elementares, quando tratarmos do supramencionado dis-

positivo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O caput do art. 273 é realizado com dolo de perigo coletivo abstrato (corrente majori-

tária) genérico, direto ou eventual. Damásio (1999, p.356) afirma que na verificação concreta da

modalidade típica do caput, o sujeito ativo realiza o delito com a finalidade de lucro. Porém,

quando analisamos o tipo penal, verificamos claramente que não é exigido qualquer elemento

subjetivo especial ou específico.

No § 1º do art. 273 do Código Penal, as condutas também são praticadas com o dolo

de perigo coletivo abstrato (majoritariamente), genérico, direto ou eventual. Ocorre que na moda-

lidade “ter em depósito”, o sujeito ativo tem que agir com o “fim de vender”, que é o elemento

subjetivo especial ou específico. Desta forma, podemos dizer que em relação a esta modalidade o

delito é tendência.

NA CONDUTA “TER EM DEPÓSITO” O TIPO PENAL EXIGE UM ELE-

MENTO SUBJETIVO ESPECIAL OU ESPECÍFICO.

115

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O crime previsto no caput do art. 273 do CP consuma-se com a falsificação, corrup-

ção, adulteração e alteração do produto terapêutico ou medicinal, não se exigindo a demonstração

do perigo causado para a coletividade.

CONSUMAÇÃO � REALIZAÇÃO DE QUALQUER DAS FORMAS DESCRI-

TAS NO TIPO PENAL.

O § 1º do art. 273 consuma-se com a venda, exposição à venda, depósito para ven-

der, distribuição ou entrega ao consumo a substância terapêutica ou medicinal alterada, também

não se exigindo a demonstração do perigo causado para a coletividade. Nas formas “exposição à

venda” e “depósito para vender” o crime é permanente.

§ 1º � CONSUMAÇÃO – PRÁTICA DE QUALQUER DAS CONDUTAS

PREVISTAS.

Admite-se a tentativa em todas as formas dolosas.

ADMITE-SE TENTATIVA EM QUALQUER DAS FORMAS DOLOSAS.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime do art. 273 do Código Penal é classificado como: crime comum (qualquer

pessoa pode ser sujeito ativo do delito); formal (para Bitencourt, 2004, p.244 e para Guilherme

Nucci, 2003, p.760, que justificam seu posicionamento dizendo que não há a exigência de ocor-

rência do resultado naturalístico, que seria a geração de um dano para alguém) ou de mera con-

duta (pois não conseguimos identificar o resultado naturalístico que supostamente estaria previs-

to. Diferentemente do artigo antecedente que diz que a conduta do agente torna a substância

nociva para saúde ou perde as propriedades nutritivas, o legislador silenciou-se neste delito); ma-

terial (para os que defendem que o delito é de perigo concreto); de conteúdo misto ou variado

alternativo (independentemente da conduta do agente incidir em mais de um verbo do tipo no

caput ou no § 1º, ele responderá uma única vez pelo delito); de forma livre (admite qualquer for-

ma de execução) ou de forma vinculada (no entendimento de Cezar R. Bitencourt, 2004, p.244);

comissivo (crime de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante

– art. 13, § 2º do Código Penal); instantâneo (a consumação se dá com a realização de qualquer

uma das condutas típicas) e permanente (nas modalidades do § 1º, “expõe à venda” e “tem em

depósito para vender”); de perigo coletivo (coloca em risco a saúde de um número indetermina-

116

do de pessoas); de perigo abstrato (para a configuração do delito, exige-se apenas que o agente

realize as condutas típicas, independentemente de qualquer comprovação do perigo real); unis-

subjetivo (é necessário apenas um agente para realização do delito); plurissubsistente (a condu-

ta do agente se fraciona em vários atos), e não transeunte (é crime que deixa vestígios – art. 158

CPP).

9 MODALIDADES DERIVADAS.

9.1 FORMA DOLOSA EQUIPARADA AO CAPUT (§ 1º).

As figuras típicas no § 1º do art. 273 do Código Penal são consideradas como equipa-

radas àquelas previstas no caput do artigo, em virtude de possuírem a mesma espécie e quantum de

pena. O presente dispositivo prevê as seguintes condutas: importar (trazer para o interior de um

país coisas provenientes do estrangeiro); vender (alienar, ceder por preço certo); expor à venda (ofe-

recer ou manter em exposição para vender), ter em depósito para vender (guardar, estocar com a fina-

lidade de vender); distribuir (espalhar, repartir), entregar ao consumo (oferecer ao mercado consumi-

dor a título oneroso ou gratuito). O objeto material neste parágrafo é o resultado das condutas

realizadas no caput, isto é, o produto terapêutico ou medicinal falsificado, corrompido, adulterado ou

alterado.

§ 1º: IMPORTAR, VENDER, EXPOR À VENDA, TER EM DEPÓSITO PARA

VENDER, DISTRIBUIR OU ENTREGAR AO CONSUMO � PRODUTO: FALSIFICA-

DO, CORROMPIDO, ADULTERADO OU ALTERADO.

As condutas típicas previstas neste § 1º expressam claramente a necessidade de ocor-

rência das modalidades do caput, pois, como dissemos acima, o produto terapêutico ou medicinal

já sofreu a ação de falsificação, corrupção, adulteração e alteração. Desta forma, podemos conclu-

ir que somente realiza este parágrafo, o sujeito que não praticou anteriormente as condutas des-

critas no caput. Se, portanto, o mesmo agente falsificou o medicamento, e, posteriormente o ven-

deu, responderá apenas pela primeira conduta, em face da aplicação do princípio da consunção (o

ato de “vender” é post factum impunível. O bem jurídico foi lesionado com a ação antecedente

“falsificar”).

§ 1º - MESMA PESSOA ALTERA E DEPOIS VENDE � SÓ RESPONDE PE-

LO CAPUT – POST FACTUM IMPUNÍVEL (PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO).

Além disso, se o sujeito ativo realizar mais de uma das condutas do § 1º, responderá

ele uma única vez pelo delito, em virtude deste ser classificado como de conteúdo variado ou

117

misto alternativo.

AGENTE PRATICA VÁRIAS CONDUTAS – RESPONDE POR UM SÓ DELI-

TO.

9.2 NORMA PENAL EXPLICATIVA (§ 1º-A).

O § 1º-A do art. 273 é uma norma penal explicativa. Neste parágrafo o legislador e-

quiparou a produto terapêutico ou medicinal:

a) a matéria-prima destinada à fabricação de medicamentos. Matéria-Prima é a substân-

cia principal e essencial de que se faz ou fabrica alguma coisa. Guilherme Nucci (2003, p.761)

esclarece com muita propriedade o conceito exato que matéria-prima possui neste artigo: “É natu-

ral que, neste caso, não se esteja falando de qualquer matéria-prima, mas sim a que serve de base para a constitui-

ção de uma substância destinada a fins terapêuticos ou medicinais. Assim, em essência, já está contida no caput.

Mas, para evitar dissabores na interpretação, fez-se questão de mencionar tanto o medicamento – que contém pro-

duto destinado a fins terapêuticos ou medicinais – como a matéria-prima – que serve para construir o produto

destinado aos fins expostos. Pode-se, então, concluir que a matéria-prima serve ao produto destinado a fins terapêu-

ticos ou medicinais, que, por sua vez, serve para construir o medicamento”;

b) os insumos farmacêuticos que são os produtos combinados de duas ou mais matérias-

primas;

c) os cosméticos são produtos destinados à limpeza, conservação e embelezamento da

pele e dos cabelos (ex.: xampu, batom, esmaltes);

d) os saneantes: produtos utilizados para a limpeza em geral (ex.: alvejantes); e,

e) os produtos de uso em diagnóstico: têm a finalidade de detectar ou diagnosticar a exis-

tência de uma doença (ex.: reagentes laboratoriais, contrastes, etc.).

Acreditamos que este parágrafo do art. 273 do Código Penal seja o que mais sofre

críticas da doutrina pátria. A razão para as censuras feitas ao dispositivo se refere fundamental-

mente à questão do legislador ter equiparado medicamentos e cosméticos.

E por que existem estas críticas? Primeiro pelo quantum de pena descrito pelo legisla-

dor no caput e § 1º do artigo. Por exemplo, aquele que falsifica um medicamento para o tratamen-

to de câncer e outro que falsificou um batom estão sujeitos a pena de reclusão de 10 (dez) a 15

(quinze) anos. Há na previsão típica uma flagrante violação ao princípio da proporcionalidade.

O segundo motivo de crítica é o de que as figuras típicas previstas no caput, § 1º, § 1º-

A e § 1º-B são classificadas como crimes hediondos, em virtude de sua inserção no art. 1º, inc.

VII-B da Lei n.º 8.072/90 feita pela Lei n.º 9.695/98.

118

Apenas a título de comparação e compreensão mais clara do que está sendo dito, po-

demos dizer que hoje no ordenamento jurídico brasileiro a prática do homicídio simples (art. 121,

caput) ou do roubo simples (art. 157, caput e § 1º) não configura crime hediondo, mas a falsificação

de um xampu é considerada como crime hediondo, e se sujeita às mesmas restrições que os deli-

tos previstos naquela lei sofrem.

Esclarecemos que não estamos querendo dizer que a falsificação de um cosmético não

possa fazer mal a saúde de uma pessoa ou de um número indeterminado de pessoas, mas é com-

pletamente absurda a classificação de um delito deste como hediondo, pois é evidente a violação

de princípios penais básicos (princípio da fragmentariedade, princípio da culpabilidade e princípio

da proporcionalidade).

9.3 FORMA COMPARADA AO § 1º DO ART. 273 (§ 1º-B).

O § 1º-B apresenta outra figura penal equiparada, mas esta se equipara ao § 1º.

A presente descrição típica prevê alguns elementos normativos que são necessários

para a configuração do delito. Antes de abordá-los individualmente, é mister esclarecer que todas

as situações previstas no parágrafo são normas penais em branco.

No inciso I o tipo penal fala de produtos “sem registro, quando exigível, no órgão de

vigilância sanitária competente”. Neste inciso o legislador exige para a tipificação da conduta, que

o agente realize qualquer um dos verbos do § 1º em relação a um produto que não possui registro

nos órgãos estatais competentes.

No inciso II o produto está “em desacordo com a fórmula constante do registro pre-

visto no inciso I”. O fato nesta situação é basicamente o seguinte: o agente, por exemplo, vende

um medicamento que é fabricado com uma fórmula diferente daquela que consta no registro

feito perante a autoridade sanitária.

O inciso III fala de produto “sem as características de identidade e qualidade admiti-

das para a sua comercialização”. Neste inciso o agente atua de forma diferente daquele que lhe foi

imposta pelas autoridades sanitárias para a comercialização do produto. Por exemplo, ele diminui

a quantidade mínima exigida por dosagem de um determinado remédio.

No próximo inciso (IV), o legislador diz que o agente realiza as condutas do § 1º

“com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade”. Para que um medicamento faça efei-

to, é necessária uma determinada quantidade do seu “princípio-ativo”. Quando o indivíduo dimi-

nui este quantum ele interfere diretamente na eficácia e no potencial de tratamento e cura do re-

médio. Esta é a razão para conduta típica descrita neste inciso.

119

O produto de “procedência ignorada” é a elementar típica descrita no inciso V deste

§ 1º-B. Pode-se dizer que produto de procedência ignorada é aquele em que o agente não informa

ou noticia de forma inverídica a sua origem, composição ou controle.

E finalmente, o inciso VI trata sobre produtos que são “adquiridos de estabelecimen-

to sem licença da autoridade sanitária competente”. O exemplo clássico da ocorrência desta mo-

dalidade é a aquisição de produtos clandestinos sem o devido controle estatal.

I. SEM REGISTRO, QUANDO EXIGÍVEL, NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA

SANITÁRIA COMPETENTE;

II. FORMÚLA VERDADEIRA EM DESACORDO COM O REGISTRO (PRE-

VISTO NO INC. I);

III. IDENTIDADE E QUALIDADE EM DESACORDO;

IV. VALOR TERAPÊUTICO DIMINUÍDO;

V. PROCEDÊNCIA IGNORADA;

VI. ADQUIRIDOS SEM LICENÇA DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA.

9.4 MODALIDADE CULPOSA (§ 2º).

Também são puníveis de forma culposa por inobservância do dever objetivo de cui-

dado (imprudência, negligência e imperícia), as condutas típicas previstas no caput e no § 1º do art.

273 do Código Penal. A única modalidade que não admite a forma culposa é “falsificar” (caput),

pois seria inadmissível a prática de tal ato de maneira não-intencional.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

As figuras típicas descritas no caput, § 1º, § 1º-A e § 1º-B estão sujeitas às penas de re-

clusão, de dez a quinze anos, e multa. Se o crime for culposo, aplica-se a pena de detenção, de um

a três anos, e multa. A ação penal é pública incondicionada.

11 QUESTÃO RELEVANTE.

A Lei n.º 9.695/98 qualificou como hediondo as modalidades dolosas do delito do

art. 273 do Código Penal (caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B) aplicando-lhes a Lei n.º 8.072/90.

120

12 JURISPRUDÊNCIA.

“Tipifica, em tese, crime contra a saúde pública a entrega a consumo de complexo vitamínico dolosa-

mente alterado em sua composição normal, da qual foram retirados os componentes ativos em sua maior parte,

diante da nocividade negativa do produto assim provocada” (TACRIM-SP – RO 485.271-1 – Rel. Haroldo Luz – RT

625/315).

“Se o próprio réu admite a existência de impurezas constatadas no laudo, nenhuma importância tem a

não observância, na colheita do produto para análise, das formalidades legais” (TACRIM-SP – AC – Rel. Azevedo Jr.

– RT 304/460).

“Medicamento falso. Ter em depósito para a venda. Entrega de qualquer forma para consumo. O cri-

me definido no art. 273, § 1º do Código Penal, aperfeiçoa-se quando o agente mantém em depósito para venda ou,

de qualquer forma, para entrega a consumo, medicamento falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, assim

entendido o que é importado ilegalmente, sem documentação fiscal e sem origem conhecida”. (TJMG – AC – Rel.

Reynaldo Ximenes Carneiro – decisão publicada em 13-jun-2000).

“PENAL - FALSIFICAÇÃO OU ADULTERAÇÃO DE MEDICAMENTOS - ART. 273 DO CP -

EXAME PERICIAL CONCLUDENTE - EXIGÊNCIA. Uma vez que o crime previsto no art. 273, § 1º, do CP

deixa vestígios, é mister que seja realizado exame pericial que comprove, de forma insofismável, a alegação de que os

medicamentos suspeitos estivessem realmente adulterados ou alterados, sem o que o pedido acusatório não vingará

por falta de provas" (TJMG – AC 1.0000.00.179672-1 – Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro – decisão publicada em 11-

maio-2000).

O princípio da insignificância, como derivação necessária do princípio da intervenção mínima do di-

reito penal, busca afastar desta seara as condutas que, embora típicas, não produzam efetiva lesão ao bem jurídico

protegido pela norma penal incriminadora. Trata-se, na espécie, de crime em que o bem jurídico tutelado é a saúde

pública. Irrelevante considerar o valor da venda do medicamento para desqualificar a conduta (STJ, Rel. Min. Hélio

Quaglia Barbosa, 6ª T., RHC 17942/SP, DJ 28/11/2005, p.336).

Emprego de processo proibido ou de substância não permitida

Art. 274. Empregar, no fabrico de produto destinado a consumo,

revestimento, gaseificação artificial, matéria corante, substância aromática,

anti-séptica, conservadora ou qualquer outra não expressamente permitida

pela legislação sanitária:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa

121

Invólucro ou recipiente com falsa indicação

Art. 275. Inculcar em invólucro ou recipiente de produtos alimentí-

cios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se en-

contra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a

mencionada:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Produto ou substância nas condições dos dois artigos anteriores

Art. 276. Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de

qualquer forma, entregar a consumo produto nas condições dos artigos 274

e 275:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Substância destinada à falsificação

Art. 277. Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substân-

cia destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medi-

cinais:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Outras substâncias nocivas à saúde pública

Art. 278. Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para

vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância noci-

va à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Modalidade culposa

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

122

Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.

Substância avariada

Art. 279. (Revogado pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990, DOU

28.12.1990)

Medicamento em desacordo com receita médica

Art. 280. Fornecer substância medicinal em desacordo com receita

médica:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa.

Modalidade culposa

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.

Art. 281. (Revogado pela Lei nº 6.368, de 21.10.1976)

Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica

Art. 282. Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médi-

co, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os li-

mites:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-

se também multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

123

O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente rela-

cionada à saúde pública. Entende-se por saúde pública a proteção da incolumidade corporal,

mental e física de um número indeterminado de pessoas.

BEM JURÍDICO: INCOLUMIDADE PÚBLICA (SAÚDE PÚBLICA).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa que cria um incremento de risco para este bem. É

irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo do art. 282 do Código Penal possui duas modalidades típicas. No caput do

dispositivo está prevista a forma básica dolosa, que consiste no exercício das profissões de médi-

co, dentista ou farmacêutico sem autorização da lei ou excedendo-lhe os limites impostos. O pa-

rágrafo único do artigo prevê uma qualificadora de natureza subjetiva, na qual prescreve a pena

de multa além da privativa de liberdade, quando o agente age com a finalidade de lucro.

3 SUJEITOS DO DELITO.

Para se delimitar o sujeito ativo deste delito deve-se ter muito cuidado. O caput do ar-

tigo se divide em duas partes diferentes. Na primeira, o legislador descreve a conduta daquele

indivíduo que exerce qualquer uma das profissões previstas “sem autorização legal”, o que signi-

fica que qualquer pessoa pode simular a condição de médico, farmacêutico ou dentista. Trata-se,

portanto, de crime comum. Na parte final, o tipo descreve a conduta do sujeito que ultrapassa os

limites legais da profissão. Neste caso, somente o profissional da medicina, farmácia e odontolo-

gia pode ser sujeito ativo do delito. O caput do artigo 282 na sua segunda parte é classificado co-

mo crime próprio.

SA – 1ª PARTE CAPUT: CRIME COMUM – QUALQUER PESSOA PODE RE-

ALIZÁ-LO.

SA – 2ª PARTE CAPUT: CRIME PRÓPRIO – SOMENTE O MÉDICO, DEN-

TISTA OU FARMACÊUTICO PODE PRATICÁ-LO.

O sujeito passivo é coletividade ou a sociedade. Também pode ser vítima do delito a

pessoa que eventualmente seja “tratada” pelo agente. Como a vítima, em regra, não possui perso-

nalidade jurídica, este delito como os demais que atingem a incolumidade pública é classificado

como de sujeito passivo vago.

124

SP � COLETIVIDADE – CRIME DE SUJEITO PASSIVO VAGO.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVOS DO TIPO.

O caput do art. 282 do Código Penal prevê duas condutas típicas que serão praticadas

pelo agente do delito de forma habitual. Os crimes habituais são aqueles que para se configurar, o

sujeito ativo precisa realizar repetidamente e continuamente vários atos para caracterizar determi-

nada conduta. Como neste tipo penal o legislador trata de exercício de profissional, parece-nos

evidente que o delito seja habitual.

CRIME HABITUAL – EXECÍCIO DE PROFISSÃO EXIGE REPETIÇÃO DE

ATOS.

Na primeira, o agente exerce (praticar, fazer algo com habitualidade), a título oneroso

ou gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem a devida autorização legal. Co-

mo se pode observar, o legislador não exige que o agente exerça a atividade com a finalidade de

lucro, basta que ele o faça com habitualidade. O tipo penal nesta parte do dispositivo traz um

elemento normativo contido na expressão “sem autorização legal”. Esta elementar indica que o

tipo é uma norma penal em branco, pois o legislador penal não descreve quais são as situações

em que o indivíduo age ou não age com a autorização da lei. De qualquer maneira, pode-se dizer

que para estar autorizado para atuar em qualquer das profissões que consistem no objeto material

do delito (médico, dentista ou farmacêutico), o sujeito ativo precisa de possui habilitação profis-

sional e legal. Isto significa que não basta para o exercício profissional a titulação do curso supe-

rior (diploma), sendo necessário também o devido registro profissional. Para ficar mais claro, o

indivíduo bacharel em medicina somente poderá atuar profissionalmente, quando obtiver o regis-

tro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Federação que exercerá a profissão.

EXERCER, AINDA QUE GRATUITAMENTE, AS PROFISSÕES PREVISTAS

SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL / EXERCÍCIO SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL (HABILI-

TAÇÃO PROFISSIONAL E LEGAL).

Na segunda parte do caput, o legislador fala em exercer (praticar, fazer algo com habi-

tualidade), a título oneroso ou gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, exce-

dendo os limites. Nesta hipótese o agente tem a qualificação profissional e está devidamente ha-

bilitado, porém ultrapassa os limites previstos pela lei. Como na modalidade típica anterior, esta

também possui um elemento normativo que está descrito nas elementares “excedendo-lhe os

limites”. Trata-se também de uma norma penal em branco, pois o tipo não descreve quais são os

referidos limites. Apenas a título de exemplificação, citamos a situação do dentista que realiza no

125

paciente uma intervenção cirúrgica que seria privativa de um profissional da medicina fazê-la.

EXERCER, AINDA QUE GRATUITAMENTE, PROFISSÕES DE MÉDICO,

DENTISTA OU FARMACÊUTICO EXCEDENDO-LHE OS LIMITES LEGAIS / O A-

GENTE PODE EXERCER A PROFISSÃO, MAS EXCEDE AOS LIMITES LEGAIS A ELA

IMPOSTOS – EX. MÉDICO EXTRAIR DENTES.

O objeto material é a profissão de médico, dentista ou farmacêutico. Apesar do ver-

bo núcleo ser “exercer”, Rogério Greco (2010, p.750) entende que o delito pode ser realizado de

forma comissiva e omissiva imprópria

Cezar Roberto Bitencourt (2004, p.266) afirma que não há tipicidade na conduta das

“parteiras”, por ser atividade distinta da profissão de médico-obstetra. Por isto, não existe o exer-

cício ilegal da profissão de parteira (Rogério Greco, 2010, p.751)

Por fim, esclarecemos que o sujeito ativo na primeira parte, precisa exercer ilegal-

mente as profissões de “médico”, “dentista” o “farmacêutico”. Se o exercício de qualquer outra

profissão que exija habilitação profissional, como, por exemplo, a de advogado, o agente praticará

a contravenção penal do art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n.º 3.688/41).

Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condi-

ções a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou

multa.

5 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O caput do art. 282 exige o dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Gui-

lherme Nucci (2003, p.770) defende posicionamento diverso ao dizer que por ser um crime habi-

tual, o tipo penal também contém um elemento subjetivo especial, que é a vontade de desempe-

nhar usualmente qualquer das profissões previstas. Salientamos o agente só responde pelo caput

se não atuar com a finalidade de lucro.

DOLO – PERIGO ABSTRATO E COLETIVO – DOLO GENÉRICO E DIRE-

TO.

O parágrafo único traz um elemento subjetivo especial que consiste na realização da

conduta descrita no caput com a finalidade de lucro (fim de obtenção de vantagem econômica ou

financeira).

ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL � EXERCICIO ILEGAL DA MEDICI-

NA, ARTE DENTÁRIA OU FARMACÊUTICA COM A FINALIDADE DE LUCRO.

Inexiste a modalidade culposa.

126

6 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma com a verificação da conduta habitual e reiterada dos atos priva-

tivos da profissão de médico, dentista ou farmacêutico.

CONSUMAÇÃO � REALIZAÇÃO HABITUAL DOS ATOS PRIVATIVOS

DAS PROFISSÕES PROTEGIDAS.

Por ser delito habitual é inadmissível a tentativa. Entende-se que o agente deve reali-

zar reiteradamente os atos profissionais, não sendo possível o seu fracionamento.

TENTATIVA � INADMISSÍVEL (CONDUTA NÃO PASSÍVEL DE FRA-

CIONAMENTO) – AGENTE AGE COM HABITUALIDADE OU NÃO PRATICA DO

DELITO.

7 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime do art. 282 do Código Penal é classificado como: crime comum na primei-

ra parte (qualquer pessoa pode exercer a profissão de médico, dentista ou farmacêutico sem auto-

rização legal), e próprio na segunda parte (quando se exige que os profissionais da saúde das ati-

vidades protegidas excedam os limites legais de suas respectivas atividades); de perigo coletivo

(precisa colocar em risco um número indeterminado de pessoas); de perigo abstrato (é necessá-

rio apenas que o agente realize a conduta típica prevista independentemente de produção de

qualquer perigo real. O perigo é presumido pela lei); de perigo concreto (no entendimento de

Rogério Greco, 2010, p.749); de forma livre (admite qualquer forma de execução); de forma

vinculada (para Rogério Greco, 2010, p.749, o tipo penal indica o modo pelo qual o delito será

praticado); comissivo (crime de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição

de garante – art. 13, § 2º do Código Penal, desde que classificado como de perigo concreto e ma-

terial); unissubjetivo (é necessário apenas um agente para realização do delito); plurissubsisten-

te (a conduta do agente se fraciona em vários atos); formal (Guilherme Nucci, 2003, p.770, afir-

ma que não há a exigência de ocorrência do resultado naturalístico previsto, que consiste na gera-

ção de um dano para alguém) ou de mera conduta (pois não conseguimos identificar o resultado

que supostamente estaria previsto. O legislador silenciou-se em relação ao resultado naturalísti-

co); e, por fim, o delito também é definido como habitual próprio, pois exige a reiteração de

atos privativos da profissão pelo sujeito ativo, que não tem permissão para fazê-lo. É não-

transeunte (por ser crime que em regra deixa vestígios).

É HABITUAL PRÓPRIO, UMA VEZ QUE SOMENTE A REITERAÇÃO DA

127

CONDUTA FAZ SURGIR O CRIME.

8 MODALIDADE DERIVADA.

8.1 QUALIFICADORA DE NATUREZA SUBJETIVA (PARÁGRAFO ÚNI-

CO).

O delito se tornará qualificado com a aplicação da pena de multa, se o sujeito ativo

exercer as condutas descritas no caput com a finalidade de lucro. Como o próprio tipo penal diz,

não é exigida a obtenção da vantagem econômica, basta apenas que o sujeito ativo atue com este

fim. Neste caso, portanto, o crime é formal, pois o legislador previu o resultado naturalístico que

não precisa acontecer para se consumar.

BASTA AO AGENTE PRATICAR A CONDUTA COM INTENÇÃO DE LU-

CRO INDEPENDENTEMENTE DE OBTÊ-LO – CRIME FORMAL.

9 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena prevista para o delito é de detenção, de seis meses a dois anos. Se o crime é

praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa (parágrafo único). Aplicam-se a este delito

as disposições previstas nos artigos 60,61 e 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A ação penal é pública incon-

dicionada.

10 QUESTÕES RELEVANTES.

O artigo 282 difere do art. 284 (crime de curandeirismo), pois neste delito o agente

realiza atos capazes de enganar a coletividade, isto é, pratica procedimentos que seriam efetiva-

mente utilizados pelos profissionais da medicina, odontologia e farmácia. Enquanto isso no crime

de curandeirismo, as condutas do sujeito ativo são grosseiras e destoam completamente de con-

dutas normais daqueles profissionais da saúde (p.ex.: rezas, benzimentos).

O presente tipo também é diferente do previsto no art. 283, pois neste o agente faz

uso de métodos comuns e usuais da profissão. Já no art. 283, o agente apregoa ou anuncia a reali-

zação de curas por meios secretos (desconhecido por outros profissionais da área) ou infalíveis

(que garantem a cura do problema de saúde existente).

128

Caso o médico, dentista ou farmacêutico estejam suspensos de suas atividades, devi-

do a uma decisão judicial, mas, continuam exercendo a profissão, respondem pelo delito do art.

359 do CP (desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito).

12 JURISPRUDÊNCIA.

“O crime do art. 282 do CP só pode ser perpetrado por médico, dentista ou farmacêutico. Não por

veterinário, que só cuida de animais. Nem mesmo por extensão se pode incluí-lo no dispositivo citado. Somente

pode ser sujeito ativo da infração prevista no art. 302 do CP o médico no exercício de sua profissão. Não o veteriná-

rio, eis que a falsidade deve versar sobre a existência ou inexistência de alguma enfermidade ou condição higiênica,

atual ou pretérita, do indivíduo a que se destina o atestado” (TACRIM-SP – HC – Rel. Cardoso Rolim – RT

320/295).

“Comete o delito de exercício ilegal da medicina quem se faz passar por ‘Doutor’, sem ter concluído

qualquer curso universitário, mantendo consultório, expedindo receitas e divulgando avisos pelo rádio sobre os dias

em que iria clinicar no interior do município” (TARS – AC – Rel. Wolney Santos – RT 451/467);

“Exercício ilegal da medicina com fins lucrativos e falsidade ideológica - reduzida a pena na instância

revisora é de reconhecer-se a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa da ação - falsidade utilizada para

possibilitar a habitualidade do primeiro crime - pelo princípio da consunção, foi o delito do art. 299 absorvido pelo

crime de exercício ilegal da medicina - quando o falso se exaure no exercício ilegal da medicina, sem mais potenciali-

dade lesiva, é por este absorvido. Recurso provido”. (TJMG – AC 1.0145.00.025422-0 – Rel. Sérgio Braga – Decisão

publicada em 19-nov.-2004).

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SENTENÇA QUE NEGOU ORDEM DE 'HABEAS

CORPUS' IMPETRADO PARA O TRANCAMENTO DE INQUÉRITO - OPTOMETRISTA ACUSADO DE

EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA - INDÍCIOS DE AUTORIA E TIPICIDADE - PROSSEGUIMENTO

DA AÇÃO PENAL - RECURSO DESPROVIDO - Deve-se prosseguir na persecução penal para que sejam apura-

dos, mediante provas e debates produzidos ao longo do processo e sob o crivo do contraditório, os indícios averi-

guados na fase administrativa de que o acusado, como optometrista, estaria praticando ilegalmente o exercício da

medicina”. (TJMG – AC 1.0447.07.002229-1 – Rel. Fernando Starling – Decisão publicada em 16-out.-2007).

Prática de atos privativos de médicos pelo apelante, que prestava atendimento a diversas pessoas, re-

ceitando medicamentos, requisitando exames, fazendo, inclusive, plantão no hospital. Evidenciando o exercício ilegal

da medicina. O estelionato também restou demonstrado. A fraude consistiu na promessa de descontos em diversos

serviços do convênio de saúde que o réu vendia, os quais não eram concedidos às vítimas (TJRS, Ap. Crim.

70028030765, 4ª Câm. Crim., Rel. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, j. 23/04/2009).

129

Charlatanismo

Art. 283. Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente rela-

cionada à saúde pública. Entende-se por saúde pública a proteção da incolumidade corporal,

mental e física de um número indeterminado de pessoas.

BEM JURÍDICO: INCOLUMIDADE PÚBLICA (SAÚDE PÚBLICA).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa que cria um incremento de risco para este bem. É

irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal do art. 283 prevê apenas a conduta básica dolosa descrita no caput, que

consiste na inculcação ou anúncio de cura de doença ou problema de saúde por meio secreto ou

infalível.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), independentemente de ser

profissional da saúde ou não.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM.

O agente deste delito é chamado de “charlatão”. Charlatão é uma espécie de esteliona-

tário que engana a credulidade da sociedade, se atribuindo a capacidade de realizar curas por mei-

os que sabe serem falsos.

CHARLATÃO É O ESTELIONATÁRIO QUE FAZ FALSAS PROMESSAS DE

CURA.

130

O sujeito passivo é a coletividade ou sociedade. Também é sujeito passivo a pessoa eventu-

almente prejudicada pela conduta do agente. Como a vítima, em regra, não possui personalidade jurí-

dica, este delito como os demais que atingem a incolumidade pública é classificado como de su-

jeito passivo vago.

SP � COLETIVIDADE – CRIME DE SUJEITO PASSIVO VAGO.

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O delito pode ser praticado pelas condutas típicas inculcar (aconselhar, apregoar, re-

comendar) ou anunciar (divulgar, noticiar) a cura (restabelecimento de doenças ou problemas de

saúde) por meio (método) secreto (oculto, desconhecido de outros profissionais) ou infalível (eficaz,

indefectível).

INCULCAR � PROPOR OU ANUNCIAR CURA POR MEIO SECRETO OU

INFALÍVEL – MEIO SECRETO � QUE NINGUÉM SABE / INFALÍVEL � GARAN-

TIDO.

Diferentemente do exercício ilegal de medicina, arte dentária ou farmacêutica o delito

de charlatanismo não é crime habitual, sendo necessária apenas uma única conduta praticada pelo

agente.

NÃO É CRIME HABITUAL.

O objeto material é o anúncio de cura por meio secreto e infalível. Os verbos inculcar

e anunciar indicam que o comportamento é comissivo, mas pode ser praticado de forma omissiva

imprópria.

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O tipo penal não prevê a existência de qualquer elemento normativo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

O caput do art. 283 exige o dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto.

DOLO – PERIGO COLETIVO E ABSTRATO – GENÉRICO E DIRETO.

Caso o agente acredite no meio de cura que apregoa ou anuncia estará afastado o do-

lo, tornando atípica a conduta.

AUSÊNCIA DE DOLO � ATIPICIDADE DO FATO.

131

Inexiste a modalidade culposa.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma no momento em que o agente realiza a inculcação (promete) ou

anuncia a cura pelo meio secreto ou infalível (conhecendo a falsidade do meio). Por ser crime de

perigo abstrato, não é exigido que qualquer pessoa recorra ao meio oferecido.

CONSUMAÇÃO � INCULCA OU ANUNCIA A CURA PELO MEIO SECRE-

TO OU INFALÍVEL PARA UM NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS.

A tentativa é admissível, desde que a inculcação ou o anúncio seja realizado na forma

escrita (plurissubsistente).

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime do art. 283 do Código Penal é classificado como: crime comum (qualquer

pessoa pode praticá-lo); de perigo coletivo (precisa colocar em risco um número indeterminado

de pessoas); de perigo abstrato (é necessário apenas que o agente realize a conduta típica previs-

ta independentemente de produção de qualquer perigo real. O perigo é presumido pela lei); de

perigo concreto (Rogério Greco, 2010, p.752, classifica-o desta forma por entender que o perigo

precisa ser comprovado); de forma livre (admite qualquer forma de execução); comissivo (crime

de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente tiver a posição de garante – art. 13, § 2º do

Código Penal, e desde que classificado como de perigo concreto e material); unissubjetivo (é

necessário apenas um agente para realização do delito); plurissubsistente (na forma escrita, pois

conduta do agente se fraciona em vários atos) e unissubsistente (na modalidade oral, vez que a

conduta não admite fracionamento); formal (Guilherme Nucci, 2003:770 e Bitencourt, 2004:270

entendem que não há a exigência de ocorrência do resultado naturalístico previsto, que consiste

na geração de um dano para alguém) ou de mera conduta (pois não conseguimos identificar o

resultado que supostamente estaria previsto. O legislador silenciou-se em relação ao resultado

naturalístico); e, instantâneo (a consumação é imediata, bastando que as pessoas tomem conhe-

cimento da inculcação ou do anúncio); e, não transeunte (pois em regra é delito que deixa vestí-

gios).

132

9 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena prevista para o delito é de detenção, de três meses a um ano, e multa. Apli-

cam-se a este delito as disposições previstas nos artigos 60,61 e 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A ação

penal é pública incondicionada.

11 QUESTÕES RELEVANTES.

Bitencourt (2004:269) alerta que é permitido o anúncio de meio de cura por médicos

(Decreto-lei n.◦ 4.113/42) e por odontólogos (Lei n.◦ 5.081/76), desde que o método seja conhe-

cido e de comprovada eficiência. A mera promessa de cura sem a característica do segredo e da

infalibilidade não configura o delito.

12 JURISPRUDÊNCIA.

“É preciso apurar sempre um forte resíduo de má fé, para identificar-se o crime de charlatanismo.

Deve-se ter sempre em vista a preocupação de verificar se o fato ocorre com inequívoco dolo” (TACRIM-SP – AC.

– Rel. Henrique Machado – RT 299/434).

“Não constitui charlatanismo divulgação de descoberta de tratamento com a afirmação de ter sido sua

eficiência comprovada, sem inculcar-se infalibilidade de cura” (TACRIM-SP – Rec. – Rel. Mattos Faria – JUTA-

CRIM 16/147).

O charlatanismo e o curandeirismo integram o rol dos crimes contra a saúde pública, ou seja, pratica-

do contra número indeterminado de pessoas. Crimes de perigo concreto (probabilidade de dano). O Direito Penal da

culpa é incompatível com o perigo abstrato, hipótese ocorrente no plano hipotético. O homem responde pelo que

fez ou deixou de fazer. Refute-se a simples suposição. Dessa forma, a denúncia precisa indicar o resultado (sentido

normativo). Caso contrário, será inepta. A liberdade de culto é garantia constitucional, com proteção do local e da

liturgia (STJ, HC 1498/RJ, Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T., DJ 16/8/1993, p. 15.994).

Curandeirismo

Art. 284. Exercer o curandeirismo:

I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qual-

quer substância;

II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

133

III - fazendo diagnósticos:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. Se o crime é praticado mediante remuneração, o

agente fica também sujeito à multa.

COMENTÁRIOS

1 BEM JURÍDICO. RESULTADO NORMATIVO.

O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente rela-

cionada à saúde pública. Entende-se por saúde pública a proteção da incolumidade corporal,

mental e física de um número indeterminado de pessoas.

BEM JURÍDICO: INCOLUMIDADE PÚBLICA (SAÚDE PÚBLICA).

O resultado normativo é a a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde

pública), resultado de uma conduta dolosa que cria um incremento de risco para este bem. É

irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

2 MODALIDADES TÍPICAS.

O tipo penal possui duas modalidades típicas. No caput, o legislador descreve a con-

duta básica dolosa que consiste no exercício de atos de curandeirismo. O parágrafo único traz

uma qualificadora de natureza subjetiva, prevendo a aplicação da pena de multa, quando o agente

realiza os atos de curandeirismo mediante remuneração.

3 SUJEITOS DO DELITO.

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, tratando-se de crime comum.

SA � QUALQUER PESSOA – CRIME COMUM.

O sujeito passivo é a coletividade ou a sociedade. Também será sujeito passivo a pes-

soa eventualmente tratada pela conduta do agente. Como a vítima, em regra, não possui persona-

lidade jurídica, este delito como os demais que atingem a incolumidade pública é classificado co-

mo de sujeito passivo vago.

SP � COLETIVIDADE – CRIME DE SUJEITO PASSIVO VAGO.

134

4 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO.

O art. 284 prevê a conduta típica de “exercer o curandeirismo”. Exercer significa rea-

lizar uma determinada atividade com habitualidade. Curandeirismo é a atividade exercida de forma

reiterada e habitual, na qual o agente por meios não científicos e grosseiros procura realizar a cura

de doenças. A prática de um só ato não configura o delito.

CONDUTA � “EXERCER CURANDEIRISMO” (PRATICAR REITERADA-

MENTE) / CURANDEIRISMO � CURA ATRAVÉS DE MEIOS GROSSEIROS POR

QUEM NÃO É MÉDICO / A CONDUTA DEVE SER HABITUAL.

Este tipo penal é um crime de forma vinculada, pois o legislador descreve três ações

em que o sujeito ativo deverá incidir para responder pelo delito.

A primeira conduta prevista é aquela em que o agente prescreve (receitar, recomen-

dar, indicar como remédio), ministra (fornecer para ingestão) ou aplica (usar, empregar), habitu-

almente (de forma reiterada), qualquer substância (matéria de origem natural ou artificial cujo

objeto deveria ser o de curar ou prevenir enfermidade) para o sujeito passivo. É completamente

irrelevante para configuração do delito se a substância é nociva para a saúde.

PRESCREVER, MINISTRAR OU APLICAR, HABITUALMENTE, QUALQUER

SUBSTÂNCIA (INCISO I) / É IRRELEVANTE SE A SUBSTÂNCIA É NOCIVA OU NÃO.

O inciso II fala da conduta do agente que “usando gestos, palavras ou qualquer outro

meio” exerce o curandeirismo. Damásio de Jesus (1999:396) define da seguinte forma as ações

que devem ser feitas pelo sujeito ativo, para a tipificação de sua conduta: Gestos são movimentos cor-

póreos, incluindo-se, aqui, os passes. Palavras são manifestações verbais, invocando-se, em geral, o sobrenatural,

para obter-se a pretendida cura. Por qualquer outro meio deve-se entender todo método de cura análogo aos casuisti-

camente citados.

GESTOS � MOVIMENTOS CORPÓREOS INCLUINDO OS PASSES A-

FASTADOS DAS RELIGIÕES / PALAVRAS � INVOCAÇÃO DE ALGO SOBRENATU-

RAL / QUALQUER OUTRO MEIO � ANÁLOGOS ÀS FORMAS ANTERIORES.

Guilherme Nucci (2003:773) entende ser atípica as condutas descritas neste tipo pe-

nal se estas fizerem parte de um ritual religioso pertencente a uma determinada religião. Sob esta

questão o segundo autor justifica seu posicionamento da seguinte forma: “a Constituição Federal

assegura a inviolabilidade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5◦,

VI). Assim, não se pode considerar curandeirismo a conduta daqueles que, crendo na ação de espíritos, fazem

gestos com as mãos, nomeados passes, para a cura de males físicos ou psíquicos de alguém, que, por sua vez, acredi-

135

ta no mesmo. Assim, ambas as partes envolvidas estão vinculadas a uma religião, no caso o espiritismo, bem como

a um culto (práticas consagradas para a exteriorização de uma religião ou crença). No mesmo patamar estão ou-

tras religiões que empregam gestos, palavras ou outros meios para curar os males dos seus adeptos, invocando o

nome de espíritos ou de ícones da sua crença, como Jesus Cristo, a fim de exercitarem e colocarem em prática a sua

liturgia”.

Sobre esta questão Rogério Greco diz (2010, p.754): “No meu entender, não devem ser

considerados como tais:

• os ministros da Igreja quando praticam atos de exorcismo, porque são admitidos pelos seus câno-

nes;

• quem pratica ato de qualquer religião ou doutrina, inclusive o espiritismo, desde que não ofenda

a moral, os bons costumes ou faça perigar a saúde pública, ou apenas busque demonstrações em proveito da ciên-

cia”.

Por fim, o inciso III do caput do art. 284 descreve a ação de fazer diagnóstico. Podemos

definir e elementar típica diagnóstico, como a identificação ou a constatação de determinado pro-

blema de saúde pelos seus sintomas exteriorizados.

QUALQUER COMPORTAMENTO QUE IMPORTE EM DIAGNÓSTICO

(DETERMINAÇÃO DA DOENÇA) CONFIGURA O DELITO.

Apesar de apenas no inciso I, o legislador utilizar a expressão “habitualmente”, as

condutas dos incisos II e III também necessitam ser praticadas de forma habitual ou reiterada

para a configuração do delito.

A HABITUALIDADE É EXIGIDA EM TODOS OS INCISOS DO CAPUT,

APESAR DA PREVISÃO EXPRESSA APENAS NO INCISO I.

O objeto material é a substância prescrita, os gestos, as palavras ou os outros meios

empregados no diagnóstico. As condutas do tipo indicam um comportamento comissivo, porém,

parte da doutrina entende que o delito pode ser realizado de forma omissiva imprópria (Rogério

Greco, 2010, p.754)

5 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.

O presente tipo penal não prevê qualquer elemento normativo do tipo.

6 ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

136

O caput do art. 284 exige que o agente realize o delito com o dolo de perigo coletivo e

abstrato, genérico e direto.

DOLO – PERIGO ABSTRATO E COLETIVO – DOLO GENÉRICO E DIRE-

TO.

O parágrafo único traz um elemento subjetivo especial que consiste na realização da

conduta descrita no caput mediante remuneração (obtenção de vantagem econômica ou financei-

ra).

ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL � EXERCICIO DO CURANDEIRISMO

MEDIANTE REMUNERAÇÃO.

Inexiste punição a título de culpa.

7 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.

O delito se consuma com a prática reiterada das condutas mencionadas nos incisos I

a III do caput. Trata-se, portanto, de crime habitual.

CONSUMAÇÃO � PRÁTICA DAS CONDUTAS DOS INCS. I A III – EXIGE-

SE HABITUALIDADE, SEM QUALQUER RESULTADO NATURALÍSTICO.

A tentativa é inadmissível por ser crime habitual, no qual é exigida a repetição de atos

para a sua consumação.

CRIME HABITUAL � INADMISSÍVEL A TENTATIVA.

Rogério Greco (2010, p.754) defende ser possível a tentativa em crime habitual, de-

pendendo da forma concreta em que a ação foi realizada.

8 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA.

O crime do art. 284 do Código Penal é classificado como: crime comum (qualquer

pessoa pode ser sujeito ativo do delito); de perigo coletivo (precisa colocar em risco um número

indeterminado de pessoas); de perigo abstrato (é necessário apenas que o agente realize a con-

duta típica prevista independentemente de produção de qualquer perigo real. O perigo é presu-

mido pela lei); de forma vinculada (o legislador apresenta um rol taxativo para a prática do deli-

to. Inicialmente é trazida a forma geral “exercer o curandeirismo” para posteriormente especificar

como será este exercício); comissivo (crime de ação) ou omissivo impróprio (quando o agente

tiver a posição de garante – art. 13, § 2º do Código Penal, e desde que classificado como de peri-

go concreto e material); unissubjetivo (é necessário apenas um agente para realização do delito);

137

plurissubsistente (a conduta do agente se fraciona em vários atos); formal (Guilherme Nucci,

2003:773 afirma que não há a exigência de ocorrência do resultado naturalístico previsto, que

consiste na geração de um dano para alguém) ou de mera conduta (pois não conseguimos iden-

tificar o resultado que supostamente estaria previsto. O legislador silenciou-se em relação ao re-

sultado naturalístico); e, por fim, o delito também é definido como habitual próprio, pois exige a

reiteração dos atos de curandeirismo para a sua configuração. É também não transeunte (pois

em regra o crime deixa vestígios).

É HABITUAL PRÓPRIO, UMA VEZ QUE SOMENTE A REITERAÇÃO DA

CONDUTA FAZ SURGIR O CRIME.

9 MODALIDADE DERIVADA.

9.1 QUALIFICADORA DE NATUREZA SUBJETIVA (PARÁGRAFO ÚNI-

CO).

O delito se tornará qualificado com a aplicação da pena de multa, se o sujeito ativo

exercer as condutas descritas no caput mediante remuneração. Ao contrário do que ocorre com o

delito do art. 282 (Exercício Ilegal de Medicina, Arte Dentária ou Farmacêutica), o delito exige

que o agente obtenha a remuneração. Neste caso, portanto, o crime é material, pois o legislador

exige o recebimento da remuneração para se tornar qualificado, sendo insuficiente a mera pro-

messa do lucro.

AGENTE TEM QUE OBTER A REMUNERAÇÃO – CRIME MATERIAL.

Damásio de Jesus (1999:397) defende a idéia de que a recompensa recebida não pre-

cisa ser necessariamente pecuniária.

10 PENA E AÇÃO PENAL.

A pena para o crime do art. 284 do Código Penal é detenção, de seis meses a dois

anos. Se o agente pratica o delito mediante remuneração, além da pena privativa de liberdade

prevista no caput, incidirá à pena pecuniária (parágrafo único). Aplicam-se a este delito as disposi-

ções previstas nos artigos 60,61 e 89 da Lei n.◦ 9.099/95. A ação penal é pública incondicionada.

138

11 QUESTÃO RELEVANTE.

O agente que mediante falsa promessa de cura obtém remuneração sem realizar

qualquer dos atos previstos no caput do art. 284, pratica o delito de estelionato (art. 171 do Códi-

go Penal).

12 JURISPRUDÊNCIA.

“O sujeito passivo do delito previsto no art. 284 do CP. É a saúde pública, razão por que inexiste ne-

cessidade de identificação das pessoas físicas objeto dos passes, gestos ou qualquer outro meio de cura utilizado pelo

acusado” (TJSP – AC – Rel. Acácio Rebouças – RT 395/88).

“Em sendo o curandeirismo crime de perigo abstrato contra a saúde pública, não se exige à sua tipifi-

cação faça a pessoa da prática da profissão, bastando à prova de habitualidade a mera repetição de atos, tais como

receitas, aplicações, rezas ou quejandos, num mesmo dia, para mais de um cliente” (TACRIM-SP – AC – Rel. Aqui-

no Machado – JUTACRIM 26/347).

“O curandeirismo não é crime de dano, mas de perigo. O dolo é representado pela vontade livre e

consciente de realizar os atos inseridos no art. 284 do CP, pouco importando para a conceituação da sanção penal a

ausência de lucro ou proveito, pois não são elementos necessários para a configuração” (TACRIM-SP – AC – Rel.

Hoeppner Dutra – JUTACRIM 1/35).

“O curandeirismo é crime contra a saúde pública, dito de perigo, porque se consuma pelo simples ris-

co a esse bem jurídico comum, visado pelo legislador, sem necessidade de dano concreto” (TACRIM-SP – AC – Rel.

Prestes Barra – RT 386/270).

Prática grosseira de cura por quem não possui nenhum conhecimento de medicina. Não se confunde

com religião porque quem, sob o color de ato litúrgico se propõe a tratar misticamente da saúde alheia usando ges-

tos, palavras ou outros meios, comete o delito do art. 284 que não se confunde com atos de fé de preceito meramen-

te religioso. (TJSC, AC 26521, Rel. José Roberge).

Embora o curandeirismo seja prática delituosa típica de pessoa rude, sem qualquer conhecimento téc-

nico-profissional da medicina e que se dedica a prescrever substâncias ou procedimentos com o fim de curar doen-

ças, não se pode descartar a possibilidade de existência de concurso entre tal crime e o exercício ilegal de arte farma-

cêutica, se o agente também não tem habilitação profissional específica para exercer tal atividade (STJ, HC

36244/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., RSTJ200, p.549).

139

Forma qualificada

Art. 285. Aplica-se o disposto no artigo 258 aos crimes previstos

neste Capítulo, salvo quanto ao definido no artigo 267.

COMENTÁRIOS

O art. 285 do Código Penal é classificado como um tipo penal remetido. Ele possui

esta classificação por determinar que nos crimes contra a saúde pública, com exceção do delito de

Epidemia (art. 267 do CP) aplicar-se-á o disposto no art. 258 deste Código. O art. 258 é inaplicá-

vel ao crime de epidemia, nos termos do art. 285 do CP. Explica-se a exceção: a lesão corporal

constitui elementar do crime de epidemia, não podendo, por conseguinte, configurar causa de

aumento de pena. O evento morte já é previsto como causa de aumento de pena tanto na epide-

mia dolosa (CP, art. 267, § 1º) como na epidemia culposa (§ 2º do mesmo dispositivo).

NÃO SE APLICA A EPIDEMIA� LESÕES JÁ CONSTITUEM ELEMENTAR

DO CRIME / EVENTO MORTE É CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO DELITO

DOLO OU CULPOSO.

Apenas a título de esclarecimento, o artigo 258 do Código Penal estabelece causas de

aumento de pena, apesar de usar a expressão “formas qualificadas”. Aos delitos previstos no ca-

pítulo III qualificados pelo resultado morte ou lesão corporal de natureza grave, seja doloso ou

culposo, aplicar-se-á o art. 258 do CP (remetido pelo artigo 285).

O presente artigo prevê a sanção para o resultado agravador culposo, cuja conduta

antecedente pode ser dolosa (preterdoloso) ou culposa (culposo qualificado pelo resultado agra-

vador culposo).

QUALIFICADO PELA MORTE OU LESÕES CORPORAIS GRAVES � SÃO

CRIMES PRETERDOLOSOS / SE O INCÊNDIO FOR CULPOSO E DELE DECORRER

A MORTE OU LESÕES CORPORAIS ESTE NÃO SERÁ PRETERDOLOSO.

Havendo lesão corporal simples na modalidade dolosa, ocorrerá concurso formal de

crimes. Cezar Roberto Bitencourt (2003:196) possui o mesmo entendimento.

LESÃO CORPORAL DOLOSA SIMPLES � CONCURSO FORMAL

A primeira parte do artigo descreve o delito qualificado pelo resultado culposo ou

preterdoloso, em que a lesão corporal de natureza grave ou morte é imputada ao agente do crime

doloso contra a incolumidade pública a título de culpa. A segunda parte trata de lesão corporal

(culposa) ou morte (culposa) provocada pelo atuar culposo do sujeito ativo do delito de perigo

comum. A parte inicial do artigo 258 comina pena privativa de liberdade aumentada de metade

no caso de lesão corporal de natureza grave e aplicada de dobro se resulta morte. Na parte final

140

do artigo determina que, em se tratando de lesão corporal, a pena é aumentada de metade, e, na

hipótese de morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.

2 QUESTÕES RELEVANTES.

Havendo várias vítimas, responderá o agente apenas por um delito qualificado pelo

resultado, excluindo-se o concurso formal. Se do crime resulta morte e lesão corporal aplica-se a

qualificadora morte, por ser mais grave.

VÁRIAS VÍTIMAS – NÃO HÁ O CONCURSO FORMAL / CONCURSO DE

MORTE E LESÃO � APLICA-SE A CAUSA DE AUMENTO DE PENA MAIS GRAVE

(MORTE)